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IDENTIFICAÇÃO DE VÍTIMAS DE DESASTRES EM MASSA 2 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA Jair Messias Bolsonaro MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA Anderson Gustavo Torres SECRETARIA DE GESTÃO E ENSINO EM SEGURANÇA PÚBLICA Ana Cristina Melo Santiago DIRETORIA DE ENSINO E PESQUISA Roberto Glaydson Ferreira Leite COORDENAÇÃO GERAL DE ENSINO Juliana Antunes Barros Amorim COORDENAÇÃO DE ENSINO A DISTÂNCIA Juliana Antunes Barros Amorim COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA Gisele Matos Gervásio COORDENAÇÃO DE INOVAÇÃO E TECNOLOGIA APLICADA Fagner Fernandes Douetts CONTEUDISTA Alexandre Gonçalves Barbosa de Castro Leonardo Guedes Renata Silva Simões REVISÃO TÉCNICA Raíssa Cortês Bezerra D'Oliveira PRODUÇÃO (APOIO) Danilo Bruno Moreira Maria de Fátima de Souza Moreno REVISÃO PEDAGÓGICA Claudomir Alves de Queiroz PROGRAMAÇÃO E EDIÇÃO Ozandia Castilho Martins Renato Antunes dos Santos Vinicius Alves de Sousa DESIGNER Ozandia Castilho Martins Zulmiro José Machado Filho DESIGNER INSTRUCIONAL Vinícius Alves de Sousa 3 Sumário Apresentação do Curso ............................................................................................... 6 Objetivos ..................................................................................................................... 7 Estrutura do Curso ...................................................................................................... 7 Módulo 1 - Desastres em Massa ................................................................................. 8 Apresentação do módulo ......................................................................................... 8 Objetivos do módulo ................................................................................................ 8 Estrutura do módulo ................................................................................................. 8 Aula 1 - Conceito e histórico dos desastres em massa ............................................ 9 1.1 Conceito .......................................................................................................... 9 1.2 Histórico ........................................................................................................ 10 Aula 2 - Classificação dos desastres em massa .................................................... 15 2.1 Interpol (2018) .............................................................................................. 16 2.2 Defesa civil ................................................................................................... 18 2.3 Cobrade (Classificação e Codificação Brasileira de Desastres) ................... 20 Aula 3 - Planos de contingência (PLANCON) e organismos gerenciadores de desastres ............................................................................................................... 22 Aula 4 - Protocolos de identificação de corpos, vítimas de desastres ................... 29 4.1 Métodos de identificação .............................................................................. 30 4.2 Classificação dos métodos de identificação ................................................. 33 4.2.1 Métodos primários .................................................................................. 33 4.2.2 Métodos secundários ............................................................................. 37 Finalizando ............................................................................................................. 39 Módulo 2 - Gerenciamento de um Desastre em Massa ............................................ 41 Apresentação ......................................................................................................... 41 Objetivos do módulo .............................................................................................. 41 Estrutura do módulo ............................................................................................... 42 Aula 1 - Acionamento do protocolo de identificação de vítimas de desastres (DVI) ............................................................................................................................... 43 1.1 Perfis dos profissionais ................................................................................. 46 1.2 Cadeia de custódia e manuseio dos vestígios .............................................. 47 Aula 2 - Coordenação de cena/local ...................................................................... 49 2.1 Função geral ................................................................................................. 49 2.2 Atribuições .................................................................................................... 49 2.3 Resgate dos corpos ...................................................................................... 49 4 Aula 3 - Coordenação post mortem ....................................................................... 53 3.1 Função geral ................................................................................................. 53 3.2 Atribuições gerais ......................................................................................... 53 3.3 Divisão .......................................................................................................... 54 3.3.1 Equipe externa de identificação .............................................................. 54 3.3.2 Equipe interna de identificação ............................................................... 55 3.3.2.1 Equipe interna de identificação associada à odontologia- PModonto ..................................................................................................................... 55 3.3.2.2 Equipe interna de identificação associada à papiloscopia- PMpapi . 69 3.4 Local dos exames cadavéricos ..................................................................... 89 Aula 4 - Coordenação ante mortem ....................................................................... 91 4.1 Função geral ................................................................................................. 91 4.2 Divisão .......................................................................................................... 91 4.3 Coordenação ante mortem associada à odontologia - (AMODONT) ............ 94 4.4 Coordenação ante mortem associada à papiloscopia - (AMPAPI) ............... 96 Aula 5 - Coordenação de confronto ....................................................................... 97 5.1 Função geral ................................................................................................. 97 5.2 Coordenação de confronto x Identificação e liberação dos corpos ............... 97 5.3 Coordenação de confronto associada à odontologia (COMODONT) ........... 98 5.3.1 Categorias e terminologia para identificação do corpo (ABFO, 2017): . 103 5.4 Coordenação de confronto associada à papiloscopia (ComPapi) .............. 111 5.4.1 Atribuições ............................................................................................ 111 5.4.2 Análise e confronto das impressões papiloscópicas ............................ 111 Aula 6 - Administração e logística ........................................................................ 113 6.1 Função geral ............................................................................................... 113 6.2 Instalações mortuárias e armazenamento .................................................. 113 6.3 A importância do gerenciamento de corpos e pertences ............................ 113 6.3.1 Gestão dos pertences........................................................................... 114 6.3.2 Arranjos de repatriamento .................................................................... 114 6.4 Sepultamento x Cremação .........................................................................115 6.4.1 Sepultura temporária ............................................................................ 115 6.4.2 Gelo seco ............................................................................................. 116 6.4.3 Gelo ...................................................................................................... 117 6.5 Sepultamento de cadáveres não identificados ........................................... 117 6.6 Serviço de suporte para famílias e parentes ............................................... 118 5 6.7 Atuação da mídia ........................................................................................ 118 6.8 O debrief (balanço) ..................................................................................... 120 Finalizando ........................................................................................................... 121 Módulo 3 - Aplicação da Genética Forense em Desastres em Massa .................... 126 Apresentação ....................................................................................................... 126 Objetivos do módulo ............................................................................................ 126 Estrutura do módulo ............................................................................................. 126 Aula 1 - Aplicação da genética forense em desastres em massa - métodos primários - genética forense (DNA) ...................................................................... 127 Aula 2 - DNA: conceito, aplicações e limitações .................................................. 129 Aula 3 - O DNA forense ....................................................................................... 133 3.1 DNA nuclear x mtDNA ................................................................................ 136 3.1.1 Utilização do DNA nuclear na genética forense ................................... 136 3.2 Utilização do mtDNA em genética forense ................................................. 138 Aula 4 - Aspectos técnicos dos exames de DNA para identificação humana ...... 142 4.1 Processamento de vestígios em desastres: coleta, conservação e encaminhamento de materiais biológicos ......................................................... 143 4.2 Exames e procedimentos laboratoriais ....................................................... 146 4.3 Análises e interpretação de resultados ....................................................... 148 Finalizando ........................................................................................................... 155 Módulo 4: Biossegurança em desastres ................................................................. 157 Apresentação ....................................................................................................... 157 Objetivos do módulo ............................................................................................ 157 Estrutura do módulo ............................................................................................. 157 Aula 1 - Cuidados no manejo de cadáveres ........................................................ 158 Finalizando ........................................................................................................... 164 Glossário ................................................................................................................. 165 Referências bibliográficas ....................................................................................... 171 6 Apresentação do Curso Bem-vindo (a), Profissional de Segurança Pública! O curso de Identificação de Vítimas de Desastres em Massa reúne os principais aspectos que os profissionais da segurança necessitam conhecer para atuarem em um desastre. Por tratar-se de um complexo cenário, torna-se fundamental que existam especialistas habilitados para atuar nos diferentes nichos que eventos dessa magnitude demandam. Além de trazer o conhecimento geral acerca dos desastres no Brasil e no mundo, o presente curso visa promover a capacitação dos profissionais de segurança e áreas afins, para auxílio das equipes de perícia técnica, bem como gerar embasamento para coordenação das etapas do evento. Para sua elaboração, os conteudistas utilizaram como base o protocolo Internacional em desastres em massa da INTERPOL - Disaster Victim Identification Guide (1984, 2014 e 2018), o Manual de Perícias em Local de Desastre em Massa, elaborado em 2015 pelo Departamento de Polícia Federal (DPF), o Manual de Planejamento da Defesa Civil e Planos de Contingência dos órgãos envolvidos em desastres, de acordo com sua competência. Ademais, outras referências bibliográficas, tais como artigos científicos e outros documentos norteadores relevantes ao tema no Brasil e no mundo, foram utilizados como fontes de pesquisa. Bons estudos! 7 Objetivos Este curso criará condições para que você possa: • Conceituar e classificar desastre em massa; • Entender o gerenciamento do desastre e acionamento dos órgãos competentes diante do Desastre em Massa; • Identificar as metodologias empregadas para identificação de vítimas em desastres, bem como sua classificação e importância; • Aprender sobre os documentos norteadores para DVI no Mundo e no Brasil; • Conceituar Plano de Contingência e sua importância; • Estudar as etapas de DVI, suas funções e particularidades; • Conhecer os métodos de Identificação cadavérica utilizados em desastres em massa; • Entender o conceito, função e estrutura da molécula de DNA; • Identificar os aspectos técnicos dos exames de DNA para identificação humana; e • Entender a importância da Biossegurança em DVI. Estrutura do Curso O curso possui 40 horas e compreende 04 (quatro) módulos: Módulo 1 - Desastres em massa. Módulo 2 - Gerenciamento de um desastre em massa. Módulo 3 - Aplicação da genética forense em desastres em massa. Módulo 4 - Biossegurança em desastres. 8 Módulo 1 - Desastres em Massa Apresentação do módulo Neste módulo você estudará conceitos de desastres em massa, classificação, estatísticas, documentos norteadores, organismos gerenciadores e métodos de identificação. Objetivos do módulo • Conceituar e classificar desastres em massa; • Entender o gerenciamento do desastre, organismos gestores no âmbito nacional e acionamento dos órgãos competentes diante de um Desastre; • Conhecer as principais ocorrências de desastres em nível nacional e internacional nos últimos anos; • Reconhecer a importância da gestão em desastre em massa; • Conceituar o Plano de Contingência identificando sua relevância em desastres; • Conhecer a legislação nacional referente à elaboração do Plano de Contingência e as competências envolvidas a nível municipal, estadual e federal (Lei 12.608/2012, de 10 de abril de 2012 e Lei nº 12.340, de 1º de dezembro de 2010.); • Identificar as metodologias empregadas para identificação de vítimas em desastres, bem como sua classificação e importância. Estrutura do módulo Aula 1 - Conceito e Histórico dos Desastres em Massa. Aula 2 - Classificação dos Desastres em Massa. Aula 3 - Planos de Contingência e Organismos Gerenciadores em Desastres. Aula 4 - Protocolos de Identificação de Corpos, Vítimas de Desastres em Massa. 9 Aula 1 - Conceito e histórico dos desastres em massa 1.1 Conceito O termo “desastre em massa” possui inúmeros conceitos na literatura. Para o curso, os conteudistas elaboraram a seguinte definição: evento calamitoso, que culmina em um elevado número de vítimas, graves prejuízos materiais à comunidade e que excede a capacidade de resposta da região afetada. Torna-se importante esclarecer que não é necessariamente o número de vítimas que classifica o desastre como sendo em massa, mas sim quando o localem que ocorreu o evento tem sua capacidade de resposta assistencial, técnica e socorrista ultrapassada. Logo, com recursos indisponíveis ou esgotados, é necessária grande mobilização social e ajuda externa (STAVRIANOS; KOKKAS; ELIADES, 2006). Tomando como exemplo o acidente ocorrido entre um ônibus e um caminhão no município de Taguaí, interior de São Paulo no ano de 2020: cidade com número limitado de hospitais e servidores da área de saúde e segurança pública. O acidente resultou em 13 vítimas graves e 42 mortes, ultrapassando a capacidade assistencial de resposta do município, tendo sido necessária a ajuda das cidades vizinhas e apoio do Governo do estado. Nesta situação, o evento caracteriza-se como desastre em massa. De outro ponto, o mesmo acidente na capital São Paulo, dada as condições de auxílio da cidade, não se configuraria como tal (Figura 1). 10 Figura 1: Acidente entre um ônibus e um caminhão no município de Taguaí no estado de São Paulo, com 42 mortos e 13 pessoas gravemente feridas. Fonte: g1.globo.com Tome nota! Não é número de vítimas que caracteriza o desastre como sendo em massa, mas sim a capacidade de resposta de assistência da localidade onde o evento aconteceu. 1.2 Histórico Agora que você já conhece a definição de desastres em massa, vamos aprender sobre os principais eventos já ocorridos. Dentre todos os desastres em massa ocorridos na história recente do Brasil e do mundo, três se destacam pelo elevado número de vítimas e repercussão midiática: tsunami no Sul Asiático (2004), terremoto no Haiti (2010), tsunami e acidente nuclear de Fukushima no Japão (2011). No Brasil, entre os anos de 1991 e 2012, foram registrados 38.996 desastres, sendo o deslizamento da Região Serrana no Rio de Janeiro (2011) (Figuras 2 e 3) o de maior fatalidade, como mostra a Tabela 1. https://g1.globo.com/sp/itapetininga-regiao/noticia/2020/11/25/acidente-provoca-mortes-em-rodovia-no-interior-de-sp.ghtml 11 Tabela 1 - Principais Desastres em Massa da História Recente no Brasil e no mundo ANO DESASTRE LOCAL AFETADO VÍTIMAS 2001 Ataque às Torres World Trade Center I e II Nova Iorque, Estados Unidos da América Aproximadamente 3.000 mortos Terremoto Índia 30.000 mortos 2004 Tsunami Sul-Asiático Índia, Indonésia, Malásia, Maldivas, Mianmar, Quênia, República Unida da Tanzânia, Seicheles, Somália, Sri Lanka e Tailândia Mais de 228 mil mortos Incêndio no Supermercado Ycuá Bolanos Assunção - Paraguai 399 mortos e 144 desaparecidos 2005 Furacão Katrina Estados Unidos da América Mais de 1.800 mortos 2006 Queda do Boeing 737-800, GOL voo 1907 200 km de Peixoto de Azevedo, Mato Grosso - Brasil 154 mortos 2008 Terremoto China 50.000 mortos Vendaval Ásia 78.000 mortos 2009 Queda do Airbus A- 330, Air France voo 447 Oceano Atlântico 228 mortos 2010 Terremoto Haiti Haiti 222.570 mortos 2011 Deslizamento na Região Serrana no Rio de Janeiro Nova Friburgo, Petrópolis, São José do Vale do Rio Preto, Sumidouro e Teresópolis, Rio de Janeiro – Brasil 852 mortos 12 Terremoto, tsunami e acidente nuclear de Fukushima Japão Mais de 18 mil mortos 2013 Incêndio Boate Kiss Santa Maria, Rio Grande do Sul - Brasil 242 mortes 2019 Rompimento da Barragem Brumadinho Brumadinho, Minas Gerais - Brasil 260 mortos e 10 desaparecidos 2019- 2020 Incêndio Florestal da Austrália Austrália 462 mortes Fonte: LADB STAFF, 2004; REDAÇÃO SUPER, 2020; ANDRADE; FÁVERO, 2021; CARDOSO; COSTA; NAVARRO, 2012 Figura 2: Tragédia em Teresópolis em 2011. Fonte: Acervo Pessoal – Paulo Siste/FN, 2011. 13 Figura 3: Tragédia em Teresópolis – 2011. Fonte: Acervo Pessoal – Paulo Siste/FN, 2011. Independentemente da causa do acidente, seja falha humana ou fatores naturais, é notório que mesmo os países desenvolvidos estão suscetíveis às suas consequências devastadoras (KOUADIO et al., 2012), tais como: danos severos ao ecossistema e às comunidades próximas. Porém os impactos por eles causados são mais expressivos em países pobres (CARDOSO et al., 2012). A nível mundial, acerca dos desastres mais frequentes, elenca-se as inundações (33%), seguidas das secas (23%) e tempestades (23%), conforme mostra a figura 4: Figura 4: Frequência dos Desastres Naturais ocorridos no mundo entre os anos de 1994 e 2003. Fonte: SAITO, 2005 14 A nível de Brasil, as estiagens/secas são as mais recorrentes (51%), seguidas das enxurradas (21%) e Inundações (12%), conforme ilustra a figura 5. Figura 5: Desastres naturais mais recorrentes no Brasil – registros de 1991 a 2012. Fonte: CEPED, 2013 No que se refere à mortalidade desses desastres, as enxurradas (58,15%), movimentos de massa (15,6%) e inundações (13,40%), são os mais fatais (Figura 6), sendo as regiões Sudeste, Sul e Nordeste respectivamente, as mais afetadas por serem as mais populosas. Isso porque, um mesmo tipo de desastre, afeta com mais intensidade a região que possuir mais habitantes. Figura 6: Tipos de desastres que mais provocam mortes no Brasil, nos anos de 1991 a 2012. Fonte: CEPED, 2013 Tais desastres são tão significativos, que o Brasil ocupa a oitava posição (entre 184 países) no que tange à exposição às secas e a décima terceira (entre 162 países) 15 no que se refere aos riscos de inundações. Quanto aos deslizamentos, ocupa a décima quarta posição (de 162 países), e a trigésima sexta (de 89 países) quando o risco é de ciclones. (PREVENTION WEB, 2018). Saiba mais! O Centro de Pesquisa em Epidemiologia de Desastres (CRED), lançou o Banco de Dados de Eventos de Emergência (EM-DAT). Ele foi criado com o apoio inicial da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Governo Belga, visando racionalizar a tomada de decisões para preparação diante da iminência de um desastre em massa, bem como, fornecer uma base objetiva para avaliação de vulnerabilidade e definição de prioridades a nível Nacional e Internacional. Caso tenha interesse, acesse o site clicando aqui e acompanhe em tempo real desastres mundiais; organizados pela classificação do desastre, país e período de ocorrência. Aula 2 - Classificação dos desastres em massa Existem diversas classificações de desastres utilizadas por diferentes órgãos nacionais e internacionais. Nesse curso, serão apresentadas a classificação utilizada pela INTERPOL – organismo internacional que foi pioneira na implantação de protocolos referentes a desastres em massa, pela Defesa Civil - órgão vinculado ao Ministério de Desenvolvimento Regional, responsável por um conjunto de ações preventivas, de socorro, assistenciais, reabilitadoras e reconstrutivas, destinadas a evitar desastres ou minimizar seus impactos para a população e a restabelecer a normalidade social e pelo COBRADE - Classificação e Codificação Brasileira de Desastres – elaborada a partir da classificação utilizada pelo banco de dados internacional de desastres (EM-DAT). https://www.emdat.be/ 16 2.1 Interpol (2018) a) Desastre Aberto Trata-se de um grande evento catastrófico, resultando em mortes de um número desconhecido de indivíduos, dos quais não estão disponíveis informações prévias ou dados descritivos. É difícil obter informações sobre o real número de vítimas em tais eventos. Em geral, catástrofes naturais. Exemplos: deslizamento na região serrana do Rio de Janeiro em 2011 (Figura 7) e Tsunami no Oceano Índico em 2004 (Figura 8). Figura 7: Deslizamento na região serrana do Rio de Janeiro - Teresópolis (2011). Fonte: Acervo Pessoal – Paulo Siste/FN, 2011. 17 Figura 8: Tsunami no Oceano Índico. Fonte: Google imagens, 2004.b) Desastre Fechado Conceituado como um grande evento catastrófico, que resulta na morte de indivíduos pertencentes a um grupo fixo, identificável. Exemplos: acidente aéreo com lista de passageiros (Figura 9), alunos em uma escola. Figura 9: Queda do Boeing 737-800, GOL voo 1907, na floresta amazônica em 2006. Fonte: Polícia Civil do Distrito Federal, 2006. 18 c) Misto É a combinação de desastres abertos e fechados. Exemplo: queda de um avião sobre uma área pública (Figura 10). Figura 10: Pouso do avião da TAM (Voo 3054) em 2007: morte de 187 pessoas a bordo e mais 12 pessoas em solo. Fonte: Google imagens, 2007 2.2 Defesa Civil A Defesa Civil (Figura 11) possui como objetivos, a prevenção, a preparação e a resposta aos desastres. Ela divide os desastres em três categorias: quanto à origem, quanto à evolução e quanto à intensidade. Figura 11: Símbolo da Defesa Civil brasileira. A Marca da Defesa Civil https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/protecao-e-defesa-civil/sinpdec/a-marca-da-defesa-civil 19 a) Quanto à Origem • Naturais: provocados por desequilíbrios e fenômenos da natureza, independentes da ação do ser humano. • Humanos ou antropomórficos: causados pelas ações ou omissões humanas. • Mistos: quando as ações e/ou omissões humanas contribuem para intensificar, complicar ou agravar os desastres naturais. b) Quanto à Evolução • Súbitos ou de evolução aguda: evoluem abruptamente, de maneira catastrófica. Exemplos: deslizamentos, enxurradas, vendavais, terremotos, erupções vulcânicas, chuvas de granizo e outros. • Evolução crônica ou gradual: avançam em etapas de agravamento progressivo. Exemplos: seca, erosão ou perda de solo, poluição ambiental, entre outros. • Soma de efeitos parciais: são numerosos acidentes ou ocorrências, com características semelhantes, os quais quando somados, definem um grande desastre. Exemplos: Cólera, malária, acidentes de trânsito e acidentes de trabalho. c) Quanto à Intensidade • Acidentes (Nível 1): os danos decorrentes são de pouca importância para a coletividade como um todo. • Desastres de médio porte (Nível 2): os prejuízos, embora relevantes, podem ser recuperados com os recursos disponíveis na própria área sinistrada. • Desastres de grande porte (Nível 3): exigem o aporte de recursos regionais, estaduais e federais para área afetada. • Desastres de muito grande porte (Nível 4): para garantir uma resposta eficiente e cabal recuperação, exigem a intervenção coordenada dos três níveis do Sistema Nacional de Defesa Civil - SINDEC - e até mesmo, de ajuda externa. 20 2.3 COBRADE (Classificação e Codificação Brasileira de Desastres) a) Geológicos ou Geofísicos Envolvem os processos erosivos, de movimentação de massa. b) Meteorológicos Relacionam-se aos fenômenos como chuvas intensas, raios, ciclones tropicais e extratropicais, tornados e vendavais, chuvas de granizo, geadas e ondas de frio e de calor. c) Hidrológicos Abrangem os processos que resultam em alagamentos, enchentes, inundações graduais e bruscas. d) Climatológicos São os processos relacionados à estiagem, queimadas e incêndios florestais. 21 O esquema abaixo organiza todas essas classificações (Figura 12): Figura 12: As várias classificações adotadas acerca dos desastres em massa. Fonte: Simões, 2021. 22 SAIBA MAIS! A OMS (Organização Mundial de Saúde) traz ainda, a diferenciação entre “desastres” e “incidentes” com vítimas em massa (MIV - Mass Incident Victim, ou, Mass Casualty Incident- MCI). Isto é, há maior ocorrência de incidentes em massa e são definidos como situações que geram grandes demandas de recursos médicos e de pessoal, onde a capacidade de resposta não está ultrapassada, embora haja grande número de pacientes que requerem triagem, é possível fazer arranjos que atendam às necessidades (LEE, 2010), diferentemente dos desastres. Aula 3 - Planos de contingência (PLANCON) e organismos gerenciadores de desastres Antes da ocorrência de um desastre, os órgãos que atuam nessas situações já precisam estar preparados, saber quais medidas, providências devem ser tomadas ao chegarem ao local. Necessitam de um plano. O Plano de Contingência (PLANCON) é um documento desenvolvido com o objetivo de avaliar, uniformizar, orientar e treinar ações e estratégias necessárias para dar respostas de controle e combate às situações anormais que podem ocorrer (FERNANDES, 2018). Ele é elaborado a partir de uma determinada hipótese de desastre e organiza as ações de monitoramento, de alerta e alarme, assim como estabelece os procedimentos, preparação e resposta. Tudo isso visa reduzir perdas humanas e materiais. Na sua elaboração, são necessários dois itens primordiais: Cenário de Risco e Ações de Contingência. O primeiro refere-se ao estudo do Cenário de Risco compreendendo as áreas de perigo e risco, a população vulnerável, definição das rotas de fuga, os pontos de encontro, abrigos e locais de proteção, a definição dos 23 sistemas de monitoramento e alerta, os sistemas de comunicação com a população (alarmes sonoros, luminosos etc.) e o cadastro das instituições, dos recursos humanos e materiais (FERNANDES, 2018). Já o segundo, as Ações de Contingência, correspondem às ações de resposta: prestação de serviços de emergência e assistência pública (Figura 13). Figura 13: O plano de contingência contém ações a serem tomadas antes e após a ocorrência do desastre. Fonte: Simões, 2021. É importante salientar que o processo de planejamento do Plano de Contingência só será efetivo se os responsáveis pelas ações de contingência listadas no Plano e a população souberem o que esperar e o que fazer antes, durante e depois de um desastre. É preciso treinamento dos habitantes, bem como das equipes envolvidas, através de simulados. Agora, caro aluno, diante da ocorrência de um desastre, como os organismos se arranjam para atuar? Quais forças atuam primeiro? Cabe à Defesa Civil do município atingido a primeira resposta. Primeiramente é feita a estabilização do local do acidente, simultaneamente ao resgate das vítimas. Em um segundo momento, e somente após a retirada dos sobreviventes (INTERPOL, 2018), inicia-se o resgate dos corpos e segmentos*, juntamente com os vestígios, para posterior processo de identificação (Figura 14). *Segmentos podem ser definidos como partes de corpos. 24 Figura 14: Ordem das atitudes a serem tomadas pela primeira equipe que chega ao local. Fonte: Simões, 2021. Mas e se o município atingido não possuir capacidade própria de resposta? Isto é, “não der conta” de tomar todas essas providências? Se sua capacidade local não for suficiente, ele pode recorrer ao governo estadual, e solicitar apoio complementar, e quando houver mais de um município afetado pode solicitar o reconhecimento federal de Situação de Emergência (SE), ou Estado de Calamidade Pública (ECP) e o apoio complementar do Governo Federal (POLÍTICA NACIONAL DE DEFESA CIVIL, 2000). SAIBA MAIS! Para auxiliar os municípios a manterem seus Planos de Contingência constantemente atualizados e assim, facilitar o diálogo com a União em situações de desastres, o Governo Federal criou um Sistema Integrado de Informações sobre Desastres – S2ID (Figura 15). 25 Fonte: S2ID, 2017 Este sistema, com funcionamento online, permite que o município determine quais são os cenários de risco existentes em seu território, e cadastre as ações que deverão ser tomadas para cada um destes cenários. No Brasil, o Sistema Nacional de Defesa Civil é responsável pelas ações de proteção e defesa civil, tais como: operar em situações de desastre, prevenir ou minimizar danos, socorrer e assistir populações atingidas, reabilitar e recuperar áreas deterioradas. Compondoeste Sistema, a Secretaria Nacional de Defesa Civil se insere como órgão central responsável pela articulação, coordenação e supervisão técnica, em cada uma das esferas, regionais, estaduais, distritais e municipais, possuem suas próprias Coordenadorias. No Distrito Federal, cabe à Subsecretaria de Defesa Civil, inserida na estrutura da Secretaria de Segurança Pública, exercer tal função. O Corpo de Bombeiros, Polícia Militar, Polícia Civil, Forças Armadas, SAMU, Guarda Municipal, Secretaria de Assistência Social, se inserem como órgãos setoriais e como órgãos de apoio tem-se: órgãos públicos, ONGs, clubes de serviços, 26 associações de classe, associações comunitárias e associações de voluntários (Figura 16). Figura 16: Estrutura Organizacional do Sistema Nacional de Defesa Civil. Fonte: Simões, 2021. Embora a legislação disponha desta maneira, torna-se importante frisar que, não se trata de uma regra sobre qual ou quais órgãos devem atuar, o objetivo principal é criar uma sinergia entre as entidades envolvidas, cada uma em sua competência, para atingir o interesse coletivo. Abaixo, os dispositivos legais mais importantes quanto aos planos de contingência: Lei 12.340/2010 Lei 12.608/2012 Lei 12.340/2010 Dispõe sobre as transferências de recursos da União aos órgãos e entidades dos Estados, Distrito Federal e Municípios para a execução de ações de prevenção em áreas de risco de desastres e de resposta e de recuperação em áreas atingidas por desastres e sobre o Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil; e dá outras providências. Ela versa sobre o processo de elaboração e elementos fundamentais de um Plano de Contingência. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12340.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12608.htm 27 Art. 3º‐ A ‐ § 6º O Plano de Contingência de Proteção e Defesa Civil será elaborado no prazo de 1 (um) ano, sendo submetido a avaliação e prestação de contas anual, por meio de audiência pública, com ampla divulgação. (Incluído pela Lei nº 12.608, de 2012). Art. 3º‐ A ‐ § 7º São elementos a serem considerados no Plano de Contingência de Proteção e Defesa Civil, a ser elaborado pelo Município: (Incluído pela Lei nº 12.983, de 2014). I ‐ Indicação das responsabilidades de cada órgão na gestão de desastres, especialmente quanto às ações de preparação, resposta e recuperação; II ‐ definição dos sistemas de alerta a desastres, em articulação com o sistema de monitoramento, com especial atenção dos radioamadores; III ‐ organização dos exercícios simulados, a serem realizados com a participação da população; IV ‐ organização do sistema de atendimento emergencial à população, incluindo‐ se a localização das rotas de deslocamento e dos pontos seguros no momento do desastre, bem como dos pontos de abrigo após a ocorrência de desastre; V ‐ definição das ações de atendimento médico‐hospitalar e psicológico aos atingidos por desastre; VI ‐ cadastramento das equipes técnicas e de voluntários para atuarem em circunstâncias de desastres; VII ‐ localização dos centros de recebimento e organização da estratégia de distribuição de doações e suprimentos. Art. 3º‐ B. Verificada a existência de ocupações em áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos, o município adotará as providências para redução do risco, dentre as quais, a execução de Plano de Contingência e de obras de segurança e, quando necessário, a remoção de edificações e o reassentamento dos ocupantes em local seguro. (Incluído pela Lei nº 12.608, de 2012). Lei 12.608/2012 Esta lei dispõe sobre a autorização de criação de um sistema de informações e monitoramento de desastres, alterando a lei nº 12.340, de 1º de dezembro de 2010. 28 Ela aborda de forma prática alguns aspectos relacionados aos Planos de Contingência, elencando as competências de cada ente Federativo quanto ao tema de gestão integrada de riscos e desastres. Segue abaixo os trechos da Lei que referenciam as competências de cada Ente Federativo. Art. 6º Compete à União: IV ‐ apoiar os Estados, o Distrito Federal e os Municípios no mapeamento das áreas de risco, nos estudos de identificação de ameaças, suscetibilidades, vulnerabilidades e risco de desastre e nas demais ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação. (Planos de Contingência são uma ação de preparação e resposta) Art. 7º Compete aos Estados: VIII ‐ apoiar, sempre que necessário, os Municípios no levantamento das áreas de risco, na elaboração dos Planos de Contingência de Proteção e Defesa Civil e na divulgação de protocolos de prevenção e alerta e de ações emergenciais. Art. 8º Compete aos Municípios: VIII ‐ organizar e administrar abrigos provisórios para assistência à população em situação de desastre, em condições adequadas de higiene e segurança; IX ‐ manter a população informada sobre áreas de risco e ocorrência de eventos extremos, bem como sobre protocolos de prevenção e alerta e sobre as ações emergenciais em circunstâncias de desastres; XI ‐ realizar regularmente exercícios simulados, conforme Plano de Contingência de Proteção e Defesa Civil; XII ‐ promover a coleta, a distribuição e o controle de suprimentos em situações de desastre; XVI ‐ prover solução de moradia temporária às famílias atingidas por desastres. (todas essas ações são ações vinculadas a um Plano de Contingência ). No artigo 10 desta Lei, ainda ressalta a importância da participação das entidades públicas e privadas de atuação significativa na área de proteção e defesa civil. 29 A última etapa relacionada ao gerenciamento das pessoas diz respeito à identificação das vítimas Aula 4 - Protocolos de identificação de corpos, vítimas de desastres No âmbito internacional, reconhecem-se três principais guias de protocolos de identificação de vítimas de desastres em massa: o americano “Mass Fatality Incidents: A Guide for Human Forensic Identification”, o britânico “Guidance on dealing with fatalities in emergencies” e o “Disaster Victim Identification - DVI” da Interpol, sendo este o mais utilizado mundialmente, devido a sua versatilidade em casos de desastres de larga escala que fazem vítimas de diversas nacionalidades. A Interpol é uma organização intergovernamental de Polícia Criminal, composta por 194 países membros (INTERPOL, 2021), que visa o combate a diversos tipos de crimes. Em 1984, desenvolveu o protocolo de Identificação de Vítimas de Desastres (DVI), cuja utilização visa, diante de um desastre em massa, uma ação coordenada, organizada, segura, confiável, eficiente e que facilite a comunicação entre órgãos de diferentes países, mesmo em condições adversas (BIANCALANA et al., 2015). Para a utilização do protocolo de forma sincronizada, a Interpol solicita a cada país membro que desenvolva, coordene e aperfeiçoe estratégias diplomáticas, políticas e policiais diante de um desastre em massa, auxiliando em suas revisões, atualizações e promovendo políticas internacionais de cooperação e uniformidade. Caso ocorra um desastre em um país que não possui capacidade de identificação própria, equipes de suporte DVI de outros países podem ser solicitadas através da Interpol e de suas redes. O Guia não foi elaborado para ser detalhado nem prescritivo. É um documento que pode ser utilizado como uma ferramenta de referência, fornecendo recomendações e padrões que podem ser interpretados e compreendidos por todos os níveis de coordenadores e profissionais e também diretrizes e estruturas suficientemente flexíveis que irão acomodar as diferentes variações nos sistemas jurídicos, políticas e práticas dos países membros (INTERPOL, 2018). Há um material completo sobreo assunto disponível no site da Interpol: explicações, documentação e formulários referentes a DVI em quatro idiomas (inglês, francês, espanhol e árabe). 30 Neste material, ressalta-se a importância da interdisciplinaridade das equipes de DVI, que devem ser compostas por especialistas das mais diversas áreas do conhecimento: medicina, odontologia, psicologia, defesa civil, segurança entre outros. No caso de vítimas de mais de um país, deve-se garantir a participação de profissionais de todas as nações envolvidas, a fim de facilitar o intercâmbio de informações, principalmente na obtenção de dados ante mortem. Quando ocorre um grande desastre em um país que não possui recursos suficientes para lidar com o evento, os países-membros da Interpol possuem um canal direto com a agência para auxiliar na coordenação do evento e identificação das vítimas. 4.1 Métodos de identificação Após o resgate e atendimento médico das vítimas, concomitantemente com a estabilização da área afetada pelo desastre, o resgate dos corpos e sua identificação fica sendo um dos objetivos primordiais. Existem vários fatores e circunstâncias específicas em cada desastre que podem ser um desafio para a identificação. São eles: tipo de desastre, número de vítimas, mecanismo de destruição/extensão da fragmentação dos corpos e viabilidade de obtenção de amostras biológicas para confronto. As perícias de individualização humana aceitas pela comunidade científica utilizam-se de métodos biométricos para a identificação cadavérica. SAIBA MAIS! Biometria consiste em toda metodologia ou tecnologia que permite que uma pessoa seja identificada a partir de suas características físicas ou comportamentais. Várias características individuais podem ser utilizadas em biometria, como a voz, a face, a íris, dentes, DNA, sendo a impressão digital a mais comumente empregada no Brasil (YAGER; AMIN, 2004) (Figura 17). 31 Figura 17: Exemplos de características que podem ser utilizadas como biometria. a – face, b – íris, c – impressão digital, d – arcada dentária, e – DNA, f – voz, g – retina. Fontes: Anthony, 2019. Mas o que faz uma característica ser considerada como biometria de identificação? Para um método de identificação ser considerado aceitável, deve possuir os seguintes fundamentos biológicos ou técnicos: Unicidade ou Individualidade: a característica deve ser específica daquele indivíduo e diferentes dos demais. Perenidade: Consiste na capacidade de certos elementos resistirem à ação do tempo, e permanecerem durante toda a vida e até após a morte. 32 Praticabilidade: não deve haver complexidade para obtenção ou registro dos caracteres. Classificabilidade: refere-se à necessidade de certa metodologia no arquivamento, assim como rapidez e facilidade na busca dos registros. E para as situações de desastres em massa, qual o melhor método? Não existe um método de identificação capaz de atender perfeitamente a todos os requisitos, uma vez que todos têm pontos fortes e limitações. Contudo, segundo a Interpol, o método escolhido necessita ter: Base científica; Confiabilidade e precisão; Aplicabilidade sob condições de campo, mesmo na ausência de equipamentos ou instalações especiais; Capacidade de produzir resultados dentro de período de tempo razoável. A escolha dependerá de múltiplos fatores, como o grau de dano dos corpos, o tempo que ficaram expostos e disponibilidade dos dados ante mortem. Diante do exposto, você já deve ter deduzido que o reconhecimento do corpo pela família ou amigos da vítima não pode ser considerado um método de identificação. O texto abaixo diferencia os dois Reconhecimento x Identificação Reconhecimento significa apenas o ato de certificar-se, conhecer de novo, admitir como certo ou afirmar conhecer. É, pois, uma afirmação leiga, de um parente ou conhecido, sobre alguém que se diz conhecer ou de sua convivência. Já a identificação é um conjunto de meios científicos ou técnicas específicas empregadas para que se obtenha uma identidade (MOTA, 2015). 33 4.2 Classificação dos métodos de identificação Em um primeiro momento, as técnicas mais simples e de menor custo devem ser priorizadas. Porém, em um desastre em massa, devido ao alto nível de degradação das amostras, todos os métodos de identificação deverão ser considerados. 4.2.1 Métodos primários Segundo a INTERPOL, existem 3 Métodos Primários de Identificação Humana: Papiloscopia, Odontologia e exame de DNA. Papiloscopia É a ciência que estuda a identificação humana com base na comparação de características específicas dos dermatóglifos (linhas e sulcos) formados na pele espessa (regiões palmares e plantares) (Figura 18). O termo Papiloscopia é relativo à "papila" e, erroneamente, se refere às estruturas responsáveis pela formação dos desenhos característicos nas superfícies palmares e plantares. Essas estruturas, corretamente denominadas de cristas de fricção, estão presentes na superfície da pele e são formadas por dobras do tecido epitelial. Já as papilas dérmicas encontradas na interface da epiderme com a derme, são formadas por projeções de tecido conjuntivo que invadem o tecido epitelial. As papilas dérmicas podem ser utilizadas na identificação de cadáveres cuja superfície epitelial encontra-se danificada ou ausente, como ocorre nos casos de corpos submetidos aos fenômenos transformativos destrutivos ou circunstâncias de morte (carbonizados, queimados, mumificados, esqueletizados ou saponificados) (BARROS, 2013). 34 Figura 18: Impressões Digital, Palmar e Plantar. Fonte: Polícia Civil do Distrito Federal, 2021. A Papiloscopia aplicada para a identificação post mortem é denominada Necropapiloscopia. No Brasil, ela apresenta vantagem em relação aos demais métodos biométricos, sendo também o mais utilizado, devido à existência de bancos de dados civis e criminais oriundos dos processos de expedição da carteira de identidade, dos passaportes e dos casos de identificação criminal. Estes dados biométricos constantes dos documentos oficiais constituem-se em dados Ante Mortem (AM), e serão confrontados posteriormente com as digitais coletadas dos cadáveres localizados no desastre - dados Post Mortem (PM). Além disso, possui um mecanismo de buscas automatizadas (MULAWKA, 2014), fundamental nos casos em que as informações prévias das pessoas desaparecidas não estão disponíveis (ex: desastres abertos). Odontologia legal É a especialidade que utiliza conhecimentos odontológicos para esclarecimentos ou auxílio de questões relacionadas ao direito. Uma das atribuições, estabelecidas pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO), é a identificação de cadáveres esqueletizados, putrefeitos ou carbonizados. 35 Figura 19: Crânio. Nos casos de desastres em massa, torna-se essencial que as análises odontológicas sejam executadas de forma breve, pois podem reduzir o tempo de identificação dos corpos, evitando possíveis desgastes durante a operação. Numa análise comparativa de elementos odontológicos ante mortem nos arcos dentais dos desaparecidos e os encontrados nos cadáveres examinados. Dentre esses elementos, os documentos odontológicos, assim como restaurações, próteses, ausência ou presença de dentes têm sido amplamente empregados (CASTRO, et. al., 2018). Mesmo que apenas alguns dentes estejam disponíveis nos cadáveres, dados podem ser obtidos sobre idade, hábitos, e características individuais. Nos casos de cadáveres edêntulos, ou seja, sem dentes, informações úteis ainda podem ser obtidas a partir do estudo de próteses totais (dentaduras) e/ou de exames imagiológicos da mandíbula e do crânio. Exame de DNA A determinação de identidade genética pelo DNA em casos de desastres em massa (desastresaéreos, campos de batalha etc.), é usada tanto para identificar corpos e restos humanos, como para reunir fragmentos de um mesmo cadáver que, eventualmente, se separaram ou misturaram-se com outros corpos. 36 É necessário salientar que o DNA é resistente a muitas condições que destroem a maioria dos outros compostos biológicos e apenas pequenas quantidades são necessárias para a identificação de um indivíduo, o que torna o método uma excelente escolha e que atende aos requisitos técnicos e biológicos do processo de identificação humana. Com uma incrível sensibilidade e poder de discriminação, a análise de DNA tem sido a “figura-chave” e promete grandes progressos no campo da ciência forense (LEE; LAAD, 2001) e da identificação de vítimas em desastres coletivos. Figura 20: DNA. Fonte: Canva De qualquer forma, ainda que a vítima já tenha sido identificada por algum método, o material biológico para análise do DNA deve ser coletado e armazenado a longo prazo em local apropriado. Ele pode servir como amostra de referência para identificação de um parente igualmente falecido, para reunir fragmentos de um mesmo corpo, bem como para dirimir eventuais dúvidas que possam ser levantadas, com fundamento ou não, no futuro. Conforme o Manual de Identificação de Vítimas de Desastres da Polícia Federal (2015) e o Guia INTERPOL (2018), não há hierarquia entre os métodos primários. Basta haver o resultado positivo de apenas um método para que um corpo seja identificado. Caso algum deles não apresente percentual de certeza suficiente para o convencimento dos profissionais da área, poderá ser complementado por outro 37 método de identificação, cabendo aos mesmos, o resultado final. Mesmo quando um forte padrão de identificação primária for alcançado, é uma boa prática registrar outras evidências que apoiem a identificação (métodos secundários). 4.2.2 Métodos secundários Antropologia forense Auxilia na identificação de corpos em adiantado estado de decomposição, em que os traços faciais já não permitem qualquer tipo de reconhecimento. Na Antropologia Forense, via de regra, existe a necessidade da identificação de pessoas e da reconstrução dos fatos (CUNHA; PINHEIRO, 2006). Porém, esta deve ser aplicada de acordo com as regras que são fundamentais para sustentar os resultados por meio de metodologias que sejam cientificamente válidas e aceitas pela comunidade científica. Dentre os estudos antropológicos, está a análise do perfil biológico que, consiste nos quatro parâmetros genéricos de identidade: ancestralidade, sexo, idade e estatura. Isso se dá com a busca da real e verdadeira informação dos dados de um indivíduo, procurando caracterizá-lo da forma mais precisa. Essa identificação pode ficar por conta de fatores individualizantes, variantes anatômicas ou patológicas. Outro estudo realizado pela antropologia é o período decorrido da morte e o exame propriamente dito, o Intervalo Pós Morte (IPM). 38 Fonte: Canva Além da Antropologia forense, pode-se citar a análise de dados pessoais, achados médicos, amputações, cicatrizes, tatuagens, vestes, pertences e fotografias. Apesar de não serem suficientes como único método de identificação de um cadáver, os métodos de Identificação Secundária aceleram o processo, reduzindo o universo de busca para uma futura aplicação de um método primário (INTERPOL, 2018). Identificadores secundários em combinação podem fornecer informações suficientes para fazer a identificação em casos específicos onde o acesso aos identificadores primários pode ser limitado ou ausente, podendo ser os únicos meios pelos quais o falecido pode ser identificado. Portanto, é imperativo que a coleta de dados Ante Mortem não negligencie as informações a serem obtidas com os identificadores secundários (INTERPOL, 2018). 39 Finalizando Neste módulo, você estudou que: • Independente do conceito abordado por vários órgãos/organismos (nacionais e internacionais), desastre em massa refere-se a um evento calamitoso, que culmina em um elevado número de vítimas, graves prejuízos materiais à comunidade e excede a capacidade de resposta da região afetada. • Os principais desastres, a nível mundial e nacional, tipo e frequência em que ocorreram. • Existem diversas classificações de desastres utilizadas por diferentes órgãos nacionais e internacionais, em especial as adotadas pela INTERPOL, Defesa Civil e COBRADE. • Diante da ocorrência de um desastre, várias estruturas deverão ser acionadas, cada qual com sua atribuição bem definida. No caso do Brasil, cabe à Defesa Civil operar em situações de desastre, prevenir ou minimizar danos, socorrer e assistir populações atingidas, reabilitar e recuperar áreas deterioradas. • O gerenciamento do desastre e posterior acionamento dos órgãos competentes é realizado mediante a utilização do Plano de Contingência, documento desenvolvido com o objetivo de avaliar, uniformizar, orientar e treinar ações e estratégias necessárias para dar respostas de controle e combate às situações anormais que podem ocorrer, como é o caso de desastres em massa. • É fundamental que cada setor atuante em um desastre possua um Plano de Contingência, elaborado para obter uma atuação eficaz frente a um desastre, de acordo com a sua competência. • Compete ao município a primeira resposta ao evento, e essa se dará através da execução do Plano de Contingência podendo, quando necessário decretar Situação de Emergência (SE) ou Estado de Calamidade Pública (ECP) e solicitar o apoio complementar do Governo Federal para as ações de resposta. • Existem duas leis que versam sobre Plano de contingência e as competências de cada ente Federativo diante um desastre: Lei 12.340/2010 e Lei 12.608/2012. • Existem vários documentos que versam sobre protocolos utilizados em desastres em massa, os mais relevantes mundialmente são: o americano “Mass Fatality 40 Incidents: A Guide for Human Forensic Identification”, o britânico “Guidance on dealing with fatalities in emergencies” e o “Disaster Victim Identification - DVI” da Interpol • Tratando-se de protocolos em desastres, o “Disaster Victim Identification - DVI” da Interpol é o mais utilizado mundialmente devido sua versatilidade em casos de desastres de larga escala que fazem vítimas de diversas nacionalidades. • O guia de DVI da Interpol é uma ferramenta de referência fácil que fornece recomendações e padrões de base ampla que pode ser interpretado e compreendido por todos os níveis de coordenadores e profissionais e também diretrizes e estruturas suficientemente flexíveis que irão acomodar as diferentes variações nos sistemas jurídicos, políticas e práticas dos países membros. • Para um método de identificação ser considerado aceitável, deve-se priorizar a análise das características do indivíduo que possuam os seguintes fundamentos biológicos ou técnicos: unicidade, perenidade, praticabilidade e classificabilidade. • Classificado como primários e secundários, os métodos de identificação possuem o mesmo objetivo: identificar as vítimas de um desastre. • De acordo com a INTERPOL, existem 3 métodos primários de identificação: papiloscopia, odontologia forense e análise de DNA, cada qual com sua particularidade, vantagens e limitações. Ressalta-se que não há hierarquia entre os métodos primários e basta haver o resultado positivo de apenas um método para que um corpo seja identificado. • Para que a aplicabilidade do protocolo de identificação odontolegal tenha êxito, ele deve ser minucioso, ser compreendido a nível mundial, ter baixo custo e alta eficácia, ainda que em condições adversas. • A antropologia forense é uma importante ferramenta que auxilia na identificação de corpos em desastres. Ela nos traz respostas como ancestralidade, sexo, idade e estatura das vítimas. • Identificadoressecundários em combinação podem fornecer informações suficientes para fazer a identificação em casos específicos onde o acesso aos identificadores primários pode ser limitado ou ausente, podendo ser os únicos meios pelos quais o falecido pode ser identificado. 41 Módulo 2 - Gerenciamento de um Desastre em Massa Apresentação Você estudará a seguir sobre as fases que compõem um protocolo de identificação de desastres em massa embasado na metodologia de resgate dos corpos da Interpol. Conhecerá o perfil dos profissionais que realizam os trabalhos de identificação das vítimas na coordenação do Post Mortem e Ante Mortem e as particularidades associadas a papiloscopia e odontologia legal. Conhecerá, também a coordenação de confronto, administração e logística, bem como o gerenciamento de corpos, transporte, até sua identificação e encaminhamento aos familiares. Objetivos do módulo • Identificar as coordenações de um desastre segundo a Interpol. • Reconhecer a Importância da Cadeia de Custódia em todo processo de desastre. • Aprender sobre a Coordenação de Cena: função e importância no local do desastre. • Estudar acerca da Coordenação Post mortem: funções, divisões e perícia Post Mortem associada a papiloscopia e odontologia Legal. • Conhecer a Coordenação Ante Mortem: funções, divisões e particularidades associadas a papiloscopia e odontologia Legal. • Aprofundar-se sobre a Coordenação de Confronto: funções, particularidades associadas a papiloscopia e odontologia legal. • Entender acerca da Administração e Logística: funções, gerenciamento de corpos, pertences, sepultamento temporário, suporte familiar e atuação da mídia. 42 Estrutura do módulo Aula 1 – Acionamento do Protocolo de Identificação de Vítimas de Desastres (DVI) Aula 2 – Coordenação de Cena/Local Aula 3 – Coordenação Post Mortem Aula 4 – Coordenação Ante Mortem Aula 5 – Coordenação de Confronto Aula 6 – Administração Logística 43 Aula 1 - Acionamento do protocolo de identificação de vítimas de desastres (DVI) O protocolo para Identificação das Vítimas de Desastres em Massa (DVI) elaborado pela INTERPOL consiste em uma sequência de atividades internacionalmente reconhecidas e testadas ao longo dos anos em vários eventos. Trata-se de um método comprovadamente confiável: os dados post mortem coletados das vítimas podem ser confrontados com os registros ante mortem das pessoas desaparecidas. Em posse de ambos, é possível realizar a identificação dos cadáveres encontrados, constituindo-se este o principal objetivo do protocolo (INTERPOL, 2018). Logo após a ocorrência do desastre, uma coordenação ou comando geral de resposta inicial deve ser estabelecida. Ela será denominada Comando Geral do Incidente (CGI) e será responsável pela primeira resposta ao incidente, pela composição, estruturação e coordenação das etapas seguintes do DVI (PINTO et. al., 2015). As unidades de emergência que chegam ao local para o resgate das vítimas (Figura 22) antes do Comando ser constituído, devem ser informadas da importância da preservação do local, incluindo corpos, evidências e vestígios (INTERPOL, 2018). 44 Figura 22: Força Nacional instalada para reforço das equipes após o desastre na região serrana do Rio de Janeiro em 2011. Fonte: Acervo Pessoal – Paulo Siste/FN, 2011. Concomitantemente às referidas primeiras providências, o CGI se encarrega de instituir um Comando de DVI, visando dar continuidade às ações de maneira organizada. Isto é, ao mesmo tempo em que realiza as primeiras ações emergenciais, o CGI institui o Comando que deverá ser constituído por cinco Coordenações, subordinadas, cuja composição será integrada por várias instituições, de maneira multidisciplinar (Figura 23). 45 Figura 23: Organização administrativa das equipes de resposta de desastres. Fonte: Simões, 2021. • Coordenação de Cena/Local: avaliação inicial da situação, resgate dos feridos, processamento dos segmentos humanos e dos pertences no local do desastre. • Coordenação Post Mortem: exame detalhado de restos mortais dos cadáveres e dos vestígios localizados. Refere-se ao material questionado. • Coordenação Ante Mortem: Coleta de dados de pessoas desaparecidas de várias fontes (antropométricas, dentárias, médicas, impressões digitais, fotografias, pertences, SMT etc.). Refere-se ao material padrão. • Coordenação de Confronto: Responsável pelo cotejo dos dados das coordenações Post e Ante mortem para a identificação das vítimas e liberação dos corpos. • Administração e Logística: suporte logístico para todas as coordenações, apoio religioso e cultural às famílias das vítimas etc. 46 A figura 24 detalha como essas coordenações estão organizadas: Figura 24: Estrutura organizacional do comando de DVI e suas respectivas coordenações. A Administração e Logística está envolvida com todas as coordenações. Fonte: Polícia Federal, 2015. 1.1 Perfis dos profissionais Os profissionais envolvidos nestas Coordenações são servidores da área técnico-científica da Segurança Pública com experiência e capacitação nas áreas relacionadas à identificação humana (Papiloscopistas, Médicos-Legistas, Odontolegistas e Peritos Criminais) e gerencial com conhecimento amplo da cadeia de custódia em DVI. O processo também contará com o apoio de outras instituições como policiais militares, bombeiros (Figura 25), defesa civil, médicos, enfermeiros (PINTO et. al., 2015), psicólogos, assistentes sociais, entre outros 47 É também recomendado, sobretudo para quem irá atuar na etapa da cena, realizar o curso de Busca e Resgate em Estruturas Colapsadas (BREC) oferecido pelo Corpo de Bombeiros. O objetivo deste curso é disseminar as técnicas de Resgate Busca e Salvamento em Estruturas Colapsadas para profissionais de emergência em todo o Brasil. Figura 25: Atuação do Corpo de Bombeiros em situações de risco. Fonte: Canva 1.2 Cadeia de custódia e manuseio dos vestígios As Coordenações são importantes para manter o fluxo das operações organizadas, sempre respeitando a Cadeia de Custódia*. *Art. 158-A. Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) 48 Todo local de desastre em massa deve ser tratado inicialmente como um local de crime e, portanto, deve ser preservado para que vestígios não sejam contaminados e/ou perdidos, bem como, para possibilitar investigação futura (PINTO et. al., 2015). Para isso, é recomendável que uma equipe de identificação acompanhe a equipe de resgate seguindo as diretrizes da Cadeia de Custódia. Esta etapa é extremamente importante, pois o processo de identificação inicia-se com a retirada dos corpos e vestígios vinculados ao mesmo, armazenamento e posterior exame (CARVALHO, 2018). Vale lembrar que, muitas vezes, a recuperação dos corpos é realizada com o auxílio de sobreviventes da comunidade e voluntários de regiões próximas que querem colaborar, porém, na maioria das vezes, não têm conhecimento dos procedimentos corretos a serem adotados. Em função disso, é necessário a orientação em relação aos protocolos adequados (PINTO et. al., 2015). FIQUE ATENTO! Cada operação DVI deve estar sujeita às leis e regras do país em que o desastre ocorre. Esta premissa é fundamental para garantir que o quadro jurídico em que a Autoridade Líder (Comando Geral do Incidente) opera seja amparado tanto legalmente como constitucionalmente (INTERPOL, 2018). a) Vestígios Os elementos do corpo de um cadáver –como polpas digitais, arcadas dentárias, ossadas, restos mortais, amostras genéticas – capazes de servir como objeto de cotejo com dados humanos previamente - são considerados vestígios e constituem elementos do corpo de delito. Por conseguinte, precisam ser sempre periciados, conforme determina o Art. 158 do Código de Processo Penal (CPP): Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. 49 Os vestígios podem ser gerais, de corpo vinculados e de corpo não vinculados. Os gerais visam esclarecer as causas do evento, estabelecendo um nexo causal. Os vestígios de corpo vinculados facilitam a identificação da vítima e estão fisicamente ligados ao corpo, como anéis, correntes, documentos nos bolsos etc., não sendo admitido em hipótese alguma a separação entre eles e o corpo. Vestígios vinculados com risco de perda no transporte devem ser removidos, acondicionados em embalagem única, etiquetados e acompanharão o corpo dentro do saco mortuário (BRASIL, 2011). Aula 2 - Coordenação de cena/local 2.1 Função geral Diagnosticar a situação, com base no número de vítimas, tipo de desastre, sítio da ocorrência, dificuldade de acesso, distância, logística, possíveis locais para transporte dos corpos, realização dos exames necroscópicos, infraestrutura e capacidades locais disponíveis (BRASIL, 2011). 2.2 Atribuições Resgate de feridos Exame e mapeamento de cenas de incidentes Recuperação e gerenciamento de evidências Recuperação e gestão de restos humanos Registrar a localização dos corpos encontrados Gerenciamento de documentos e informações 2.3 Resgate dos corpos Segue abaixo Modelo de Instruções para a Equipe de resgate: (1) Varrer a área em toda sua extensão (quando a extensão for muito vasta, deve subdividir-se a área em quadrantes) (CARVALHO, 2018). À medida em que se realiza 50 a busca e se encontram corpos e vestígios, deve-se marcá-los com placas ou bandeirolas (Figura 26), classificando os vestígios em vinculados (unidos ao corpo) ou não vinculados (não unidos ao corpo). Figura 26: Ilustra o local de encontro de um crânio, imagem panorâmica e aproximada do local. Fonte: Polícia Federal, 2015. (2) Fotografar o local, registrando a visão geral e vestígios de corpos e segmentos com utilização de escala, e indicando onde foram encontrados. (3) Etiquetar os corpos, fragmentos e os pertences com numeração única (vestígios vinculados recebem a mesma numeração que o corpo, os não vinculados recebem numeração autônoma) (Figura 27). Os números devem constar, ou serem escritos, em etiquetas feitas a partir de material impermeável (poliéster ou PVC) e vinculados ao corpo por meio de lacres (INTERPOL, 2018). É necessário prever a forma de se fixar as etiquetas ao corpo (uso de adesivos, barbantes, fitas etc.) de modo que esta permaneça resistente aos processos de transporte e armazenamento dos corpos (PINTO et. al., 2015): 51 Figura 27: a - Modelo de etiqueta para utilização em locais de desastres em massa e invólucro para armazenar pertences - b. O PM (post mortem) é referente a restos mortais, 55 é o código de telefone do país que está lidando com esta parte da Operação DVI, 0001 - número da vítima, A - utilizado para mostrar o local em que o cadáver ou seu segmento foi localizado. Fonte: BRASIL, 2014 OBS.: Este modelo de etiquetagem também se aplica a etapa ante mortem. (4) Nos sacos mortuários são colocadas duas etiquetas de identificação contendo uma mesma numeração. Uma delas no interior do invólucro e a outra na parte externa deste invólucro. As etiquetas podem conter código de barras para o rastreamento dos sacos com os restos mortais, bens ou arquivos. OBS: Quando é possível a sua formação, a Equipe Externa de Identificação, subordinada à Coordenação Post Mortem, é quem realiza atribuição de códigos numéricos de identificação de acordo com a ordem e local em que os corpos, segmentos, objetos pessoais e evidências foram localizados (GONZALES; HENKE; HART, 2005). Dessa forma, as equipes de Cena e da Post Mortem atuam em conjunto. De outro modo, quando não há formação da Equipe Externa, somente a Equipe de Cena atua. (5) Após a etiquetagem, os corpos e vestígios devem ser fotografados novamente com registro da visão geral do local e o vestígio. (6) Antes da remoção do corpo, utilizar invólucros plásticos para proteger os membros superiores, (sobretudo com luvas epidérmicas fragilizadas), membros inferiores e 52 crânio (fragmentos faciais e dentes) (GONZALES; HENKE; HART, 2005) (Figura 28). Caso a luva epidérmica esteja separada do corpo, deve-se realizar o registro fotográfico e numerá-la como um corpo independente, sendo armazenada e numerada separadamente de outros fragmentos de corpos. O acondicionamento deverá ser realizado em invólucro plástico (PINTO et. al., 2015). Figura 28: Proteção da mão do cadáver em invólucro plástico preservando a luva epidérmica junto ao corpo. Fonte: PCDF, 2021. (7) Não despir os corpos no local, nem retirar bens, documentos e valores encontrados nos corpos. (8) Preencher o Formulário de Recuperação das Vítimas de Desastre (anexo 1), inserindo nº do cadáver/fragmento, partes do corpo ausentes, gênero, faixa etária, pertences, marcas particulares visíveis na pele (tatuagens, cicatrizes, marcas de nascimento etc.) mantendo a roupa, e deformidades evidentes. Em observações, podem ser acrescidas a altura provável, cor e comprimento do cabelo; características dentárias evidentes e outras informações relevantes (INTERPOL, 2018). (9) Somente após todas essas ações é que os vestígios podem ser removidos da cena. (10) Os corpos e fragmentos de corpos devem ser manejados e transportados com cuidado para que não sofram danos adicionais, evitando-se segurar pelas mãos e pés; 53 (11) Após a remoção de todos os vestígios, fotografar novamente, realizando também uma avaliação final da área para localizar qualquer vestígio que porventura não tenha sido recolhido (GONZALES; HENKE; HART, 2005). OBS: Em hipótese alguma, deve-se tentar fazer correlação entre dois fragmentos de corpos, ou entre corpos e vestígios não vinculados. Da mesma forma, não se admite a separação entre corpos e vestígios vinculados. Vestígios vinculados com risco de perda no transporte devem ser removidos, acondicionados em embalagem única, etiquetados e acompanharão o corpo dentro do saco mortuário (CERQUEIRA, 2014). Os cadáveres resgatados do local serão encaminhados imediatamente para a área, onde serão realizadas a necropsia, radiologia e perícias específicas para a coleta e a coleta de material biológico. Aula 3 - Coordenação post mortem 3.1 Função geral Auxiliar no resgate dos corpos priorizando a preservação de todos os vestígios localizados no local do incidente. Outra atribuição fundamental é o exame detalhado de cadáveres e/ou segmentos de corpos que comporão os dados post mortem. 3.2 Atribuições gerais Coordenar os trabalhos de coleta de dados Post mortem; Alimentar a Coordenação de Confronto com os dados e amostras coletadas dos corpos; Encaminhar os corpos e os pertences para a Coordenação de Custódia com a respectiva documentação; Manter o Comando de DVI informado sobre o andamento dos trabalhos por meio de relatórios e planilhas PM constantemente atualizados (INTERPOL, 2018; GONZALES; HENKE; HART, 2005) 54 3.3 Divisão Para tornar mais clara a divisão de competências da coordenação PM durante o desastre, o Manual da Polícia Federal a dividiu em Equipe Externa de Identificação e Equipe Interna de Identificação, ambas coordenadas por uma chefia (Figura 29). Figura 29: Fluxograma daCoordenação PM Fonte: Simões, 2021. 3.3.1 Equipe externa de identificação a) Atribuições Acompanhar as equipes de resgate da Coordenação de cena, sempre que possível. Preservação dos corpos encontrados no local do resgate; Orientar as equipes de resgate acerca dos protocolos de preservação de vestígios, caso não seja possível acompanhá-las. 55 Essa equipe poderá ser desfeita após a finalização de suas atividades e posteriormente seus integrantes poderão ser aproveitados em outras funções, de acordo com seus conhecimentos e necessidade. 3.3.2 Equipe interna de identificação a) Atribuições Recepção e gestão de restos mortais; Autópsia, Exame dentário, Radiografia, Antropologia Forense, Exame necropapiloscópico, coleta de DNA; Recuperação e gerenciamento de evidências; Liberação dos restos mortais examinados; É nessa fase que ocorrerá o preenchimento do formulário rosa PM, utilizado para coletar os dados referentes ao cadáver periciado. O especialista responsável pela perícia verificará o número do corpo e preencherá os formulários de identificação (Anexo 02) e realizará os procedimentos periciais. 3.3.2.1 Equipe interna de identificação associada à odontologia- PModonto A equipe interna de odontologia legal PM tem o objetivo de buscar, coletar e registrar informações vindas das evidências odontológicas da cena do desastre. Esses registros, futuramente irão ser comparados com os ante mortem que podem incluir ou excluir as vítimas no processo de identificação odontolegal. É atribuição da equipe interna examinar o saco mortuário e verificar se algum dente remanescente foi avulsionado durante o transporte e se ele ainda se encontra lá. Também pode se considerar a passagem desse saco por um exame imagiológico. Esta seção deve ter locais apropriados para a realização do exame necroscópico odontológico e para extração de DNA pulpar, exames imagiológicos e espaço físicos para o processamento dessas informações. Para tanto, a equipe deverá, conforme as condições e tamanho do desastre, ter pelo menos um perito oficial formado em odontologia, um auxiliar em necropsia e um técnico em imagiologia. 56 Com isso, podemos dividir as atividades odontológicas nas seguintes etapas: a) Imagens iniciais (gerais): As imagens das evidências de interesse odontológico podem fornecer dados objetivos, que muitas vezes são melhores representado por gráficos do que por um texto descritivo (ABFO, 2017). Dos corpos e fragmentos recém-chegados, imagens iniciais deverão ser obtidas de forma criteriosa e sistemática: • Imagem inicial do saco mortuário ou invólucro da forma que chegou (fechado), evidenciando a etiqueta com o número de registro; • Imagem panorâmica do interior do saco mortuário ou invólucro aberto, mostrando seu conteúdo antes de qualquer procedimento; • Imagens da face em normas frontal, laterais esquerda e direita; • Imagens de marcas particulares, quando presentes e evidenciadas no exame necroscópico externo (pintas, tatuagens, piercings); • Quando tiver imagens ante mortem tipo “selfie”, imagens post mortem da oclusão deverão ser feitas em posições semelhantes, uma observação importante, é comum a imagem estar invertida nesses casos, do tipo “espelhada”. Obs.: Todas as imagens deverão ser revisadas e conferidas para que tenham um padrão mínimo de qualidade. Imagens (com uma escala de acompanhamento) devem ser tiradas antes e depois da limpeza ou preparo apropriado do fragmento para estudo. As imagens devem ser claramente identificadas com o número/nome do caso e a data. Todas as informações relevantes devem ser documentadas (ABFO, 2017). 57 Exemplos de imagens: Fonte: Castro, 2021. Figura 31: Ilustra a oclusão das arcadas dentárias, vistas frontal e laterais. Fonte: Castro, 2021. 58 Figura 32: Ilustra a vista oclusal das arcadas superior e inferior. Fonte: Castro, 2021. b) Exame necroscópico odontológico: O principal objetivo dessa etapa, é buscar características individualizadoras (Manual de Procedimentos em Odontologia para Identificação de Vítimas de Desastres, 2014), que são fundamentais para a identificação. A necropsia é realizada rotineiramente pelo médico legista em todos os casos médico-legais, mas a perícia odontológica post mortem deverá ser realizado sob a orientação de um perito com formação em odontologia (RAJKUMARI, 2021). Os procedimentos a serem seguidos em um caso de identificação odontolegal dependem em grande parte da condição dos restos mortais, bem como outras circunstâncias do caso (ABFO, 2017). A dissecção e/ou ressecção do complexo maxilo-mandibular pode ser necessária para acesso total das estruturas dentárias. Embora seja da atuação do odontologista, a decisão deverá ser em conjunto com o médico-legista responsável pela necropsia (American Board of Forensic Odontology - ABFO, 2017). A ABFO, preconiza a ressecção nos seguintes casos: a. Corpos “frescos” ou com mortes recentes A abertura pode ficar restrita devido ao enrijecimento da musculatura mastigatória (rigor mortis): 59 • Incisão intraoral desses músculos, com ou sem fratura dos côndilos, liberando o enrijecimento com uma força inicial tipo “alavanca” bilateral nas regiões retromolares inferiores. Em alguns casos é necessário esperar a rigidez muscular diminuir para a liberação dessa abertura. • Dissecção infra-mandibular com ou sem ressecção mandibular. A remoção da laringe e da língua na autópsia pode facilitar o exame visual das arcadas dentárias, inclusive no posicionamento de filmes radiográficos ou sensores para captação de imagens digitais. A remoção desses tecidos só deve ser realizada após a necrópsia médico-legal. b. Corpos decompostos, carbonizados ou fragmentados A ressecção da mandíbula em tais casos facilita o mapeamento dentário e o exame imagiológico. Quando carbonizado, a dissecção da cabeça deve ser bem criteriosa, evitando danos às estruturas. O exame imagiológico, nesses casos, deve ser antes de qualquer manipulação tecidual, pois há risco de perda de tecidos dentários devido a ação térmica. c. Restos esqueletizados Há uma desarticulação facilitada ou espontânea da mandíbula pela esqueletização, com isso a arcada superior poderá ser visualizada de forma direta, sem a necessidade de sua ressecção, assim como a inferior. d. Preservação de evidências Em alguns casos, o procedimento de ressecção da mandíbula pode ser indicado, por exemplo, durante a transferência de fragmentos, com a devida autorização, para outras instalações para realização de exames e testes adicionais. Ainda deve indicar o dente a ser removido como fonte de material para exame de DNA; o mais indicado seria um molar. c) Exame odontológico propriamente dito: Os dentistas costumam operar em equipes, uma das quais completará as partes relevantes do Formulário de Identificação de Vítima de Desastre - novamente, 60 por causa da terminologia específica usada - enquanto outros cooperarão na exibição, limpeza e inspeção dos dentes ou na remoção das mandíbulas. Os exames dentários só podem ser realizados por dentistas qualificados. Disposição, limpeza e descrever a odontologia em detalhes pode ser um processo demorado e os exames odontológicos podem, portanto, atrasar o fluxo de corpos pela sala de exame. A padronização da nomenclatura dos dentes é necessária para que os registros possam ser reproduzidos com segurança. O sistema auxilia o profissional a identificar o dente mais rapidamente. Esse sistema faz parte de uma convenção internacional, chamada Notação Dentária Internacional ou Notação Dentária FDI (Federação Dentária Internacional). Desse modo, o código de números dos dentes facilita a troca de informações e o estudo da