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A violência obstétrica é definida em termos de apropriação do corpo e do processo reprodutivo feminino pelos profissionais da saúde, podendo ser expressa por: tratamento desumanizado, uso abusivo de medicação e conversão do processo natural de nascimento em patologia, com consequente perda da autonomia feminina e impossibilidade de decidir livremente sobre seus corpos e sua sexualidade, o que impactaria negativamente na qualidade de vida da mulher; e estaria presente nas seguintes práticas: - proibir a mulher de ser acompanhada por seu parceiro ou outra pessoa de sua família ou círculo social; - realizar qualquer procedimento sem prévia explicação do que é ou do motivo de estar sendo realizado; - realizar qualquer procedimento sem anuência prévia da mulher; - realizar procedimentos dolorosos ou constrangedores sem real necessidade, tais como: enema, tricotomia, permanência na posição litotômica, impedimento de movimentação, ausência de privacidade; - tratar a mulher em trabalho de parto de maneira agressiva, rude, sem empatia, ou como alvo de piadas; - separar o bebê saudável de sua mãe após o nascimento sem qualquer necessidade clínica justificável (Sena et Tesser). Sendo assim, a violência obstétrica é expressa desde a negligência na assistência, discriminação social, violência verbal (tratamento grosseiro, ameaças, reprimendas, gritos, humilhação intencional) e violência física (incluindo não utilização de medicação analgésica quando tecnicamente indicada), até o abuso sexual. Também o uso inadequado de tecnologias, intervenções e procedimentos desnecessários frente às evidências científicas, resultando numa cascata de intervenções com potenciais riscos e sequelas, pode ser considerado como práticas violentas. Diante desses conceitos, compreende-se que o documentário O Renascimento do Parto 2 apresenta cenas de violência obstétrica no Brasil, se valendo de testemunhos de mulheres que foram tratadas com desprezo e desrespeito à sua integridade física e emocional, além de terem roubadas as suas autonomias como pacientes ao serem persuadidas a passarem pelo parto cesárea quando suas escolhas iniciais era o parto vaginal. As cenas assustam ao revelar equipes médicas incapazes de se atentarem aos mais básicos direitos humanos com comportamentos revoltantes que vão desde o deboche da dor da paciente a procedimentos tidos como inadequados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como a realização da manobra de Kristeller, em que é feita pressão no fundo do útero, ou seja, no topo da barriga, de forma a acelerar a expulsão do bebê durante o parto. Além disso, há a completa falta de empatia e afetividade com a puérpera, representada pela não permissividade pela equipe médica do contato da mãe com o filho imediatamente após o parto, ainda que haja evidências científicas que comprovem o quão benéfico é esse primeiro contato da mãe com o filho e a amamentação na primeira hora de vida do bebê. Ao longo do documentário, o tom de denúncia é bem construído, amparado por profissionais que mencionam absurdos e estatísticas alarmantes. O Brasil é o país com a maior quantidade de cesarianas do mundo, fato que permeia o longa sensivelmente. No Brasil, 57% dos partos são cesáreas, o que coloca o país em segundo lugar no mundo com a maior taxa desse procedimento. O número é quase quatro vezes maior do que o indicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 15%. Na maioria dos casos, a cesárea é eletiva, ou seja, sem fatores de risco que justifiquem a cirurgia e realizada antes de a mulher entrar em trabalho de parto. Em contraste com essa triste realidade brasileira, também são mostradas cenas positivas, de partos humanizados como os do bem sucedido Hospital Maternidade Sofia Feldman, da rede do SUS, que fica localizado em Belo Horizonte-MG, exaltando a beleza dos nascimentos em que as vontades da gestante são respeitadas, com interferência mínima possível e em que o tempo do bebê seja respeitado. Com isso, dá-se o protagonismo do parto à mulher, considera-se os aspectos sociais, biológicos, culturais e emocionais ao redor de cada parto e faz-se uso das evidências científicas como base para o parto. Sendo assim, em vez de tratar o parto como uma metodologia fechada, as vontades e características da gestante são consideradas, permitindo que a mulher escolha e guie o momento. a importante função de revelar o sistema obstétrico predominante no Brasil, trazendo debates e discussões a respeito da necessidade de se alterar a forma com que a cesárea é oferecida às gestantes como melhor opção quando, na realidade, é um procedimento superestimado e que, quando realizado sem necessidade, traz prejuízos biológicos e psicossociais à mãe e ao bebê. Nesse sentido, as denúncias de violência obstétrica têm também papel de modular a percepção da sociedade com relação à necessidade de se instituir os partos humanizados como padrão no sistema de saúde brasileiro, desconstruindo a obstetrícia que incentiva cesáreas desnecessárias e que promove uma gestão hospitalar que busca lucros em sobreposição ao bem-estar da paciente. Em suma, as reflexões propiciadas são de extrema importância para que o Brasil alcance níveis de qualidade de saúde compatíveis aos de países, como a Alemanha e a Holanda, representados no curta. Referências 1. Sena, Ligia Moreiras, et Charles Dalcanale Tesser. « Violência obstétrica no Brasil e o ciberativismo de mulheres mães: relato de duas experiências ». Interface - Comunicação, Saúde, Educação, vol. 21, no 60, novembre 2016, p. 209 20. DOI.org (Crossref), https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0896.
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