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Hipertensão Portal Referências: Semiologia Médica: As Bases do Diagnóstico Clínico, Mario López, 4. ed. Capítulo 51: Hipertensão Portal por Nestor Barbosa de Andrade. Medicina Interna de Harrison, 19. ed. Seção 2: Doenças do Fígado e do Trato Biliar, Capítulo 365: Cirrose e suas complicações, por Bruce R. Bacon. Bogliolo, patologia. Geraldo Brasileiro Filho. 9. ed.Capítulo 23: Fígado e Vias Biliares por Venâncio Alves e Evandro Mello. HIPERTENSÃO PORTAL. Medicina, Ribeirão Preto, v. 37, p. 253-261, 2004. Anatomia O sistema venoso portal é constituído por veias que drenam o sangue da porção intra-abdominal do trato digestório, baço, pâncreas e vesícula biliar. VEIA PORTA: formada pela união da mesentérica superior + esplênica - Apesar de veia, é ela quem irriga o fígado - Leva as toxinas. Um cuidado deve ser tomado com os colaterais formados, já que ao deixar de passar pelo fígado, não serão depurados e o indivíduo passa a acumular no organismo. - No hilo hepático, divide-se em direita e esquerda. VEIAS ESPLÊNICAS: recebem as tributárias da gastroepiplóica e de outras veias que drenam o pâncreas VEIA MESENTÉRICA INFERIOR: tributária da veia esplênica, drenando o cólon esquerdo e o reto. VEIA GÁSTRICA ESQUERDA: drena o esôfago, estômago, sendo uma das tributárias da veia porta. VEIA MESENTÉRICA SUPERIOR: drena o lado direito do cólon, íleo distal e a cabeça do pâncreas. Conceito A hipertensão portal geralmente se desenvolve no contexto de cirrose, esquistossomose ou trombose extra-hepática da veia porta. É o resultado da resistência ao fluxo sanguíneo portal e pode levar a complicações como sangramento de varizes e ascite. Tecnicamente, a hipertensão porta é definida por uma pressão na veia porta > 7 mmHg (normal = 5 a 10 mmHg). No entanto, como a mensuração direta da pressão na veia porta é muito complicada, outra definição habitualmente utilizada se refere a uma forma indireta de avaliação: o chamado Gradiente de Pressão Venosa Hepática (HVPG, em inglês), que quando > 5 mmHg identifica a existência de hipertensão porta (normal = 1-5 mmHg). O HVPG é aferido através da cateterização da veia hepática (após punção da veia jugular interna). Surgimento de varizes ocorre quando PP > 10 mmHg e HDA quando PP > 12. Epidemiologia A resistência aumentada do fluxo pode ser pré-hepática, pós- hepática ou intra-hepática, sendo esta última responsável por mais de 95% dos casos de hipertensão portal, representadas pelas principais formas de cirrose. A cirrose hepática é a causa mais comum de hipertensão porta, que se desenvolve em 60% destes pacientes. Etiologia Izadora Vieira Pré-Hepática 1. TROMBOSE DE VEIA PORTA: principal condição associada à trombose da veia porta é o estado de hipercoagulabilidade. Mesmo nas crianças, onde a trombose de veia porta representa até 50% das causas de HP (e tem sua origem a partir da infecção da veia umbilical), os estados pró-trombóticos costumam estar associados. A trombose crônica da veia porta leva a uma dilatação das veias colaterais, descrita como transformação cavernomatosa. Clinicamente, chamam atenção as varizes hemorrágicas. O aparecimento de dor abdominal pode levantar a suspeita de isquemia mesentérica por extensão do trombo até a veia mesentérica superior. O tratamento da TVP está baseado no controle e na prevenção do sangramento pelas varizes esofágicas. Pacientes com quadro pró-trombótico de base e cujas varizes sejam de pequeno calibre devem ser anticoagulados. Embora os betabloqueadores também sejam eficazes na prevenção do sangramento, a abordagem direta mais comum para as varizes é a endoscópica. Pacientes refratários podem ser manejados com cirurgia de derivação portossistêmica, mas a TIPS (derivação portossistêmica transjugular intra-hepática) não costuma ser indicada na trombose venosa portal. 2. TROMBOSE DE VEIA ESPLÊNICA: a chave para suspeitar de trombose de veia esplênica é o aparecimento de varizes hemorrágicas de fundo gástrico isoladas, em pacientes com função hepática normal. A presença desse tipo de varizes ocorre pelo fato das veias gástricas curtas, responsáveis pela drenagem do fundo gástrico, serem tributárias da veia esplênica. As doenças do pâncreas representam a principal causa dessa condição, sendo a pancreatite crônica a mais comum. Como as varizes são de difícil tratamento endoscópico e, por se tratar de distúrbio segmentar, a esplenectomia é o melhor tratamento. TROMBOSE DE VEIA ESPLÊNICA = Hipertensão Segmentar (Varizes de fundo gástrico isoladas) + Função Hepática Normal = DOENÇAS PANCREÁTICAS/ESPLENECTOMIA. 3. CONDIÇÕES QUE AUMENTAM O FLUXO PORTAL: grupo o representado pelas fístulas arteriovenosas e pela esplenomegalia de grande monta. É importante perceber que, apesar dessas condições elevarem o fluxo venoso portal, raramente levam a um quadro real de hipertensão porta, por conta da baixa resistência no sistema. Fístula arteriovenosa esplâncnica: pode ser congênita ou adquirida. Um exemplo de causa congênita é a telangiectasia hereditária familiar. Os casos adquiridos incluem os traumatismos abdominais, a ruptura de aneurismas de artéria ou veia esplênica e o carcinoma hepatocelular. As fístulas podem estar presentes no baço ou no leito vascular esplâncnico e as varizes hemorrágicas podem vir acompanhadas de dor abdominal no quadrante superior direito e sopro abdominal. Esplenomegalia de Grande Monta: nesses casos, o fluxo hiperdinâmico é proveniente da veia esplênica a partir do baço aumentado. Ocorre em uma minoria de pacientes com esplenomegalia e as principais condições associadas são: leucemia mieloide crônica, linfomas, doença de Gaucher, policitemia vera e metaplasia mieloide. A esplenectomia pode normalizar a pressão em alguns pacientes, embora seja comum nas doenças hematológicas já encontrarmos resistência intra- hepática por infiltração do parênquima. Intra-hepática Pode ser dividida em: (1) pré-sinusoidal, quando o processo patológico acomete o sistema porta antes que os vasos desaguem nos espaços-porta; (2) sinusoidal, quando o processo patológico está dentro do espaço-porta; (3) pós-sinusoidal, quando o processo patológico se localiza após os espaços-porta, dificultando o fluxo de sangue a partir dessa estrutura. PRÉ-SINUSOIDAL A principal condição que determina HP intra-hepática pré- sinusoidal é a esquistossomose. Além dela, podemos citar a síndrome de Banti e algumas situações específicas, como a fase pré-cirrótica da cirrose biliar primária e alguns casos de sarcoidose. Como não há diferença entre obstruir a veia porta antes de sua entrada no parênquima hepático, e obstruir, difusamente, cada um dos seus ramos microscópicos dentro do fígado (espaços- porta), é possível concluir que as formas de hipertensão porta pré-sinusoidais intra-hepáticas têm as mesmas características do que a trombose de veia porta. O divisor de águas para as manifestações clínicas da HP é o envolvimento dos sinusoides hepáticos. ATENÇÃO! A ascite depende do extravasamento de líquido (linfa) dos sinusoides hepáticos para a cavidade peritoneal. Portanto, as obstruções pré-sinusoidais não costumam apresentar ascite. Excepcionalmente, ela pode ocorrer nos casos mais graves que desenvolvem hipoalbuminemia ou cirrose. Nestes casos, o líquido ascítico terá origem nos sinusoides mesentéricos. 1. ESQUISTOSSOMOSE MANSÔNICA: trata-se de doença endêmica no Brasil, causada pelo Schistosoma mansoni. Pode se apresentar de forma aguda (dermatite cercariforme e febre de Katayama) e crônica (formas intestinal e hepatoesplênica). A hipertensão porta está presente nos pacientes cronicamente infestados, em que os ovos do Schistosoma carreados do intestino ao fígado pelo sistema porta, embolizam ainda nas áreas pré- sinusoidais (espaços-porta) devido ao seu tamanho. A deposição destesovos nas vênulas pré-sinusoidais levam a uma inflamação do tipo granulomatosa. Num segundo momento, desenvolve-se um processo de fibrose periportal, conhecido como fibrose de Symmers, dependente de fatores genéticos e da interação entre linfócitos T e fibroblastos. Vale ressaltar que essa infecção não gera dano hepático, ou seja, não vai haver alteração das enzimas hepáticas, bilirrubina nem nenhuma alteração indicativa de insuficiência hepática ou doença parenquimatosa. TECIDO HEPÁTICO ESTÁ NORMAL!!! NÃO TEM INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA!!! 2. FIBROSE HEPÁTICA NÃO CIRRÓTICA (SÍNDROME DE BANTI): compreende doenças raras caracterizadas por fibrose hepática difusa ou localizada, na ausência de atividade nodular regenerativa. A síndrome de Banti constitui o tipo idiopático e foi inicialmente descrita na Ásia (especialmente Índia e Japão). Predomina em pessoas jovens e tem as mesmas características clínicas e patológicas da esquistossomose hepatoesplênica. A causa não é bem definida na maioria dos casos, embora possa estar relacionada à intoxicação por arsênio, exposição ao cloreto de vinila (composição do termoplástico PVC) e hipervitaminose A. 3. SARCOIDOSE: doença inflamatória, multissistêmica, de causa desconhecida e caracterizada pelo crescimento de nódulos inflamatórios em regiões diversas do organismo. A HP é uma manifestação rara da sarcoidose hepática. Quando ela ocorre, geralmente é decorrente da localização dos granulomas sarcoides na periferia do lóbulo, próximo às vênulas dos espaços-porta. 4. HIPERPLASIA NODULAR REGENERATIVA: descrita em condições cujo fluxo sanguíneo para o parênquima hepático esteja diminuído de maneira não uniforme. As principais causas são as doenças do colágeno (artrite reumatoide – síndrome de Felty), aterosclerose, vasculites, ICC, diabetes e idade avançada. Como consequência do hipofluxo, ocorreria uma transformação nodular sem tecido fibroso. 5. CIRROSE BILIAR PRIMÁRIA (FASE PRÉ-CIRRÓTICA): é uma doença autoimune, inflamatória e colestática, ou seja, afeta os ductos biliares intra-hepáticos, gerando síndrome colestática (icterícia, colúria, fezes esbranquiçadas). A inflamação dos ductos bilíferos que ocorre na fase inicial (pré-cirrótica) compromete também as vênulas adjacentes, determinando HP pré-sinusoidal. Com a cirrose já estabelecida, o componente sinusoidal passa a assumir maior importância. 6. MALIGNIDADE HEPÁTICA: pode levar à HP por diversos mecanismos: formação de fístula entre artéria hepática e veia porta, compressão do tronco porta, trombose das vênulas porta, etc. Um quadro característico é o do paciente com cirrose compensada cuja HP se agrava (ex.: ascite refratária), podendo representar a manifestação inicial do hepatocarcinoma. 7. PELIOSIS HEPATIS: lesão histológica rara do fígado caracterizada pelo surgimento de cistos cheios de sangue de diversos tamanhos, que ocupam espaço nos lóbulos hepáticos. Sua origem pode ocorrer pela lesão e dilatação dos sinusoides. A HP não costuma chamar a atenção nesses pacientes. As principais causas incluem a toxicidade pela azatioprina em transplantados, AIDS, tuberculose, doença de Hodgkin e esteroides anabolizantes. SINUSOIDAL Há agressão ao hepatócito e forma-se fibrose no lugar do hepatócito -> restringe fluxo dos sinusoides -> volta pra veia porta -> congestão. 1. CIRROSE HEPÁTICA: causa mais comum de hipertensão porta no Brasil e no mundo. Qualquer que seja a sua causa (vírus, álcool, autoimune etc.), a presença dos nódulos de regeneração comprimindo os sinusoides, a fibrose do espaço de Disse e a contração dos miofibroblastos se encarregam de aumentar a resistência ao fluxo portal hepático. Fisiopatologia: as lesões decorrentes de álcool, vírus ou outras causas ativam as células estreladas hepáticas (células de Ito), as quais tem como principal função armazenar vitamina A (retinoides). Devido à perda de seus depósitos de vitamina A, proliferam, desenvolvendo um retículo endoplasmático granular proeminente e secretando matriz extracelular (colágeno). Além disso, essas células se tornam miofibroblastos hepáticos contráteis. Essa deposição de colágeno no espaço de Disse (onde ficam as células de Ito) leva à perda das fenestrações presentes nas células endoteliais sinusoidais, as quais permitem a passagem das grandes moléculas entre os hepatócitos e circulação sistêmica. Ou seja, esse processo de fibrose causa alteração nas trocas entre o plasma e o fígado, resultando na diminuição do diâmetro do sinusoides, o que é potencializado pela contração das células estreladas. 2. HEPATITE AGUDA: pode cursar com hipertensão porta transitória; esse fenômeno é mais frequentemente encontrado nos pacientes com hepatite alcoólica ou hepatite viral fulminante, tendo relação com o grau de colapso dos sinusoides resultante da compressão gerada pela necrose hepática. 3. HEPATITE CRÔNICA: lesões iniciais localizam-se mais comumente na fronteira entre os espaços-porta e o lóbulo hepático (“hepatite de interface”). Com a progressão da doença, nota-se uma hepatite lobular, com aumento da deposição de colágeno nos espaços de Disse (espaço entre os sinusoides e os hepatócitos) e comprometimento sinusoidal. Dessa forma, temos um componente pré-sinusoidal e, com o avançar da doença, um comprometimento sinusoidal. PÓS-SINUSOIDAL 1. DOENÇA HEPÁTICA VENO-OCLUSIVA: distúrbio mais comumente observado na doença enxerto vs hospedeiro, sendo uma complicação comum no transplante alogênico de medula óssea. Outras causas incluem irradiação hepática e uso de um chá jamaicano (bush tea disease) que contém alcaloides de determinadas plantas (crotalaria). Esta condição acomete pequenas veias hepáticas, sendo caracterizada pela deposição de matriz rica em fibronectina em torno das veias centrolobulares (portanto pós- sinusoidal). Manifesta-se de forma aguda com icterícia, hepatomegalia congestiva e dolorosa, ascite e varizes esofagogástricas. A elevação de transaminases e bilirrubina é um achado frequente. Pós-hepática 1. Nestas condições, a obstrução ao fluxo portal encontra-se “ acima” do fígado. O que pode ocorrer nas veias hepáticas (síndrome de Budd-Chiari), na veia cava inferior (que recebe a confluência de todo o trato porta) ou mesmo no coração direito (insuficiência cardíaca direita). O achado histológico da obstrução pós-hepática é representado por congestão sinusoidal com áreas de infarto centrolobular. 1. SÍNDROME DE BUDD-CHIARI: pode ser definida como qualquer processo que resulta na interrupção ou diminuição do fluxo normal de sangue para fora do fígado. Assim, essa síndrome ocorre por oclusão parcial ou total de uma das três principais veias hepáticas e/ou oclusão da veia cava inferior. Os pacientes desenvolvem hipertensão pós-sinusoidal, levando a complicações semelhantes às da cirrose, com efeitos hemodinâmicos divergentes. Está associada aos estados de hipercoagulabilidade (doenças mieloproliferativas, trombofilias, neoplasias e infecções) e, assim como a doença veno-oclusiva, não possui achados histológicos de cirrose. Clinicamente, temos uma ascite volumosa que se acumula de forma subaguda (semanas a meses), dor abdominal, hepatoesplenomegalia e, por último, varizes hemorrágicas. A USG hepática com Doppler é o primeiro exame a ser feito, sendo que sinais sugestivos (trombo ou ausência de fluxo hepático) podem aparecer na TC/RMN. A venografia hepática, além de confirmar o diagnóstico, pode auxiliar o tratamento, que inclui a terapia da ascite e anticoagulação. A descompressão hepática pode ser realizada por intervenção radiológica (stent, angioplastia, TIPS) ou derivação cirúrgica, sendo o transplante hepático reservado para os casos mais raros de falência hepática. 2. OBSTRUÇÃO DA VEIA CAVA INFERIOR: dado sugestivo da obstrução de veia cava inferior é o aparecimento de edema de membros inferiores e circulação colateral no dorso. As principaiscausas são: trombose venosa, compressão tumoral (ex.: carcinoma de células renais e hepatocarcinoma), cistos e abscessos. 3. DOENÇAS CARDÍACAS: qualquer aumento de pressão nas cavidades direitas do coração pode ser transmitido sequencialmente para as veias cava inferior, hepática e porta -> HP pós-hepática. As causas incluem desde pericardite constrictiva até cardiopatias orovalvares e cardiomiopatias. Embora desenvolvam ascite, varizes esofagogástricas só aparecem naqueles indivíduos com doença hepática intrínseca que possam gerar gradiente portal significativo. Fisiopatologia A hipertensão portal se baseia no aumento da resistência ao fluxo sanguíneo, que pode ter origem pré-hepática, hepática ou pós-hepática. Todos esses processos levam à congestão no sistema porta, o que provoca a dilatação do sistema venoso como um todo. Por isso, os pacientes com hipertensão portal são classificados como hemodinamicamente compensados, mas não estáveis, pois há uma situação hiperdinâmica do fluxo sanguíneo. Circulação hiperdinâmica: há aumento da redução vascular periférica (tecidos com vasos dilatados vasodilatação esplâncnica, ou seja, vasodilatação das vísceras) chega grande quantidade de sangue na veia porta, que não consegue distribui-lo processo de congestão. A pressão (ΔP) no sistema portal como em qualquer outro sistema vascular, é o resultado da interação entre o fluxo sanguíneo (Q) e a resistência vascular (R) que se opõe a esse fluxo; é representada pela a lei de Ohm como ΔP= Q x R. Assim, a pressão portal pode aumentar, se houver aumento do fluxo sanguíneo portal ou aumento da resistência vascular ou de ambos. 1. AUMENTO DA RESISTÊNCIA: pode ocorrer em qualquer ponto ao longo do sistema venoso, na veia porta, nos espaços vasculares dentro do fígado e nas veias e compartimentos vasculares que recebem o fluxo portal após sair do fígado. Os fatores que influenciam a resistência vascular (R) são inter-relacionados pela lei de Poiselle, na equação: R= 8mL/r4, onde m indica viscosidade do sangue, L comprimento do vaso e r o raio do vaso. Sendo assim, o principal fator na determinação da resistência vascular é o raio do vaso. Na pré-hepática, o aumento da resistência ocorre na veia porta ou tributárias antes de alcançar o fígado. Na intra-hepática, o aumento da resistência, tendo os sinusóides como referência, pode ser sinusoidal, pré-sinusoidal e pós- sinunoidal. É comum que o aumento da resistência ocorra em várias áreas, e, se a doença progride, novos sítios podem ser envolvidos. O exemplo típico é a hipertensão portal que ocorre na hepatopatia crônica pelo álcool Na pós-hepática, o aumento da resistência ocorre em veias ou compartimentos vasculares que recebem o fluxo sanguíneo portal ao sair do fígado. Na cirrose, reconhece-se o importante papel da alteração estrutural da microcirculação hepática (fibrose, capilarização dos sinusóides e nódulos de regeneração) como o mecanismo mais importante para o aumento da resistência vascular, processo que, na maioria das vezes, é considerado irreversível. Recentemente, demonstrou-se que, em associação com o componente mecânico da resistência vascular hepática, existe um componente dinâmico, que se deve ao aumento do tônus vascular. O aumento do tônus vascular pode resultar da diminuição de vasodilatores e/ou aumento de vasoconstrictores. Vale ressaltar que existem elementos contráteis no fígado que são capazes de se contrair de maneira reversível em resposta a agonistas causando aumento da resistência vascular intra-hepática. Assim, parte do aumento da resistência pode ser diminuída por agentes farmacológicos indicando que essa porção intra-hepática do aumento da resistência não é fixa. As substâncias vasoativas produzidas pelo endotélio vascular como vasodilatadores (prostaciclinas e óxido nítrico) e vasoconstrictores (endotelinas e prostanóides) agem de forma parácrina na musculatura lisa de vasos e nas células estrelares ativadas e modulam o tônus vascular normal, o qual é mantido pelo balanço entre substâncias vasodilatadoras e vasoconstrictoras. A perturbação desse balanço leva a anormalidades no tônus vascular. 2. AUMENTO DO FLUXO SANGUÍNEO: consequente à vasodilatação em órgãos esplâncnicos, que drenam o sangue para a veia porta. Três mecanismos podem contribuir para a vasodilatação periférica, como aumento dos vasodilatadores circulantes, aumento da produção endotelial de vasodilatadores locais e diminuição da resposta a vasocontrictores endógeno. Níveis de vasodilatadores locais podem estar aumentados em conseqüência ao aumento da produção ou à diminuição da metabolização hepática quer pela presença de shunt portossistêmico ou por disfunção hepática. A hiporresponsividade a vasoconstrictores endógenos como norepinefrina, angiotensina e vasopressina, é provavelmente mediada pelo NO. É importante ressaltar, ainda, que o sistema se autoalimenta pela retenção de vasodilatadores esplâncnicos (especialmente o óxido nítrico) que, em última análise, redistribui a volemia de forma a reduzir a perfusão orgânica e a ativar o sistema renina- angiotensina-aldosterona, catecolaminas e ADH. A ativação neuro-hormonal então aumenta o fluxo de sangue na veia porta, aumentando ainda mais a pressão no sistema. A baixa resistência vascular justifica o estado circulatório hiperdinâmico típico dos pacientes cirróticos. Manifestações Clínicas Os achados principais incluem: 1. ESPLENOMEGALIA: aumento da pressão no sistema porta é transmitido ao baço pela veia esplênica, levando-o à congestão. Em determinadas situações, o baço aumentado pode protagonizar uma “retenção” de elementos figurados do sangue (conhecida como “ sequestro esplênico”) ou mesmo a sua destruição (hiperesplenismo). Em ambos os casos, as consequências serão as mesmas: anemia, leucopenia e trombocitopenia. A diferença é que, no estado de hiperesplenismo, os marcadores de destruição celular poderão ser encontrados. Marcadores de hemólise: aumento de LDH; elevação da Bilirrubina Indireta; redução (ou desaparecimento) da haptoglobina; reticulocitose. Normalmente é indolor e não tem correlação com gravidade. Se dor, investigar trombose de veia esplênica. Na maioria das vezes não é necessário tratamento específico e os quadros de anemia / leucopenia / trombocitopenia, por si só, raramente são graves o suficiente para indicar esplenectomia Entretanto, tais achados eventualmente constituem um problema clínico e indicam a remoção do órgão. Além disso, a esplenectomia também pode ser indicada se for a causa (ex.: doença linfoproliferativa e hiperfluxo esplênico) em vez de consequência da hipertensão porta. 2. ENCEFALOPATIA HEPÁTICA: disfunção cerebral, normalmente causada por insuficiência hepática, mas no contexto de HP, o mecanismo envolvido são os shunts portossistêmicos. Na cirrose, a amônia se acumula na circulação sistêmica por conta do desvio de sangue gerado pelos vasos colaterais, ou seja, não é metabolizada pelo fígado para ser excretada. A presença de grandes quantidades de amônia no cérebro danifica os astrócitos, células cerebrais de suporte, levando a alterações características da encefalopatia hepática. Além da amônia, outras toxinas podem se acumular no cérebro, gerando disfunções motoras, confusão mental, perda de memória, mau humor e outras alterações neurológicas. 3. ASCITE: no meio do sistema porta existe uma válvula de “ escape”, composta por milhões de sinusoides. Se ocorre aumento da pressão no sistema porta por obstrução em algum ponto posterior aos sinusoides, não há como a pressão portal aumentar muito. Assim que ela começa a se elevar, começa a extravasar linfa hepática para a cavidade abdominal, formando a ascite. A formação de ascite alivia a pressão no sistema porta. A linfa hepática é rica em proteínas e pobre em triglicerídeos, por isso há presençade proteína no líquido ascítico. A ascite é agravada com a ativação do sistema RAA, que combinada à vasodilatação e hipertensão portal, gera o extravasamento de líquido para a cavidade abdominal. O líquido ascítico geralmente é seroso, apresentando menos de 3g/dL de proteína, cuja maior parte é albumina. Quando o líquido apresenta células sanguíneas indica possível câncer intra- abdominal disseminado, enquanto a presença de neutrófilo sugere que há infecção secundária, denominada peritonite bacteriana espontânea (PBE), que é uma das complicações da ascite. A ascite também pode ser complicada pela insuficiência renal funcional, chamada de síndrome hepatorrenal (SHR). PBE: seu mecanismo envolve a translocação bacteriana, com migração de bactérias do intestino para os linfonodos mesentéricos e outros locais no abdome, o que é propiciado pelo local atingido e as defesas imunes sistêmicas debilitadas pela ascite, além do desvio dos vasos sanguíneos que impede a ação das células de Kupffer. SHR: l é secundária à retenção de sódio, que ocorre devido à ativação do sistema RAA, um reflexo da vasodilatação gerada pela hiperprodução de NO. Com a progressão da hipertensão portal, a vasodilatação se torna mais grave, e com isso há ativação adicional do sistema RAA, resultando em maior retenção de sódio (ascite refratária), retenção de água e vasoconstrição renal, caracterizando a síndrome. Se a obstrução ao fluxo portal for significativa e anterior aos sinusoides, isto trará diversas consequências clínicas para o indivíduo, como as varizes de esôfago e hemorroidárias, a circulação colateral abdominal, a esplenomegalia, mas dificilmente haverá ascite é o caso da esquistossomose. 4. SHUNTS PORTOSSISTÊMICOS E CIRCULAÇÃO COLATERAL: o sistema vascular do nosso corpo é composto por um único sistema ARTERIAL, que sai do ventrículo esquerdo pela artéria aorta e se distribui por todos os órgãos e tecidos, e por dois sistemas VENOSOS, que trazem o sangue dos órgãos e tecidos do corpo para o coração direito – são eles: (1) sistema cava (superior e inferior) e (2) sistema porta. Embora totalmente independentes, estes dois sistemas venosos apresentam pequenas comunicações – os vasos colaterais. Assim, quando um deles é obstruído, mesmo que parcialmente, e experimenta uma elevação de sua pressão, ocorre um desvio através destes vasos colaterais, de um sistema para o outro. As principais circulações colaterais são: A inversão do fluxo pela veia gástrica esquerda em busca do sistema cava preenche, neste percurso, as veias esofagianas e paraesofagianas, formando as “temidas” varizes de esôfago. O aumento da pressão transmitido ao baço pela veia esplênica leva tanto à esplenomegalia congestiva como às varizes do fundo gástrico pelo ingurgitamento das veias gástricas curtas. Obs.: como as veias pancreáticas são tributárias da veia esplênica, as doenças do pâncreas (ex.: pancreatite crônica) também podem levar à trombose da veia esplênica e cursar com varizes de fundo gástrico. Também são geradas varizes anorretais graças à anastomose da veia retal superior (tributária da mesentérica inferior) com as veias retais média, inferior e pudenda interna (tributárias do sistema cava). Elas devem ser diferenciadas de hemorroidas, as quais não se comunicam com o sistema porta e não estão presentes em frequência elevada na HP. A ligação do ramo esquerdo da veia porta com as periumbilicais (sistema cava), levam à formação da circulação colateral abdominal “tipo portocava” ou cabeça de medusa. A recanalização da veia umbilical (antes colabada e conhecida como ligamento falciforme) pode vir acompanhada de frêmito e sopro, compondo a Síndrome de Cruveillier-Baumgarten. ATENÇÃO! A parede abdominal pode apresentar 3 padrões de circulação colateral venosa, causados pela obstrução das veias cava superior, cava inferior e porta. Para determinar, no exame físico, o tipo de circulação colateral, basta comprimir a veia ingurgitada com os indicadores, afastá-los deslizando sobre a veia comprimida e soltá-los, um a um. Fluxo para cima (tipo Cava Inferior), para baixo (tipo Cava Superior), para cima e para baixo (tipo Porta). Colaterais no retroperitônio (veias de Retzius) podem ser formadas, principalmente nas mulheres, pela comunicação com vasos ovarianos e veias ilíacas. Outras colaterais podem ser formadas ainda com a veia renal esquerda. Diagnóstico O diagnóstico da hipertensão portal exige que se investigue as causas base da síndrome, pois elas irão direcionar o tratamento. É importante ainda avaliar se há hepatopatia associada. Para isso, o diagnóstico se baseia no exame clínico, exame de imagem e exames laboratoriais, que incluem a análise do líquido ascítico, através da paracentese diagnóstica, e dosagem sérica dos marcadores de doença hepática (TGO, TGP, bilirrubina, tempo de protrombina e albumina). No exame clínico, deve-se analisar a história clínica, buscando os sinais de agressão hepática, como consumo de álcool, ou ainda presença de sintomas colestáticos. Também é importante fazer a classificação da gravidade da hipertensão portal e doença hepática, feita pelo escore de Child-Pugh, que atribui pontuações para encefalopatia, ascite, bilirrubina, albumina e prolongamento do tempo de protrombina. No exame físico, deve ser feita hepatimetria e palpação do fígado, lembrando que cirrose não aumenta o fígado e sim o diminui, além de que o fígado perde sua textura fibroelástica e lisa e se torna endurecido e nodular. Também deve ser feita a pesquisa de ascite, através das manobras de macicez móvel, semicírculo de Skoda ou piparote, sendo esta última usada para identificar ascite discreta, ou seja, aquelas em que o abdome não se encontra globoso. EXAMES COMPLEMENTARES USG com doppler: é o método de escolha para acessar o sistema porta. A não visualização da veia porta é um dado sugestivo de trombose deste vaso. Uma veia porta normal aumenta seu calibre em resposta à alimentação (hiperemia reativa) e a ausência dessa resposta também é sugestiva de hipertensão portal. EDA: está sempre indicada na suspeita ou após o diagnóstico de HP. A presença de varizes esofagogástricas (esofagianas e/ou gástricas) sela o diagnóstico de hipertensão portal. USG endoscópica: tem sido utilizada como instrumento adicional para avaliar alguns aspectos das varizes esofagianas. Ela permitiria identificar pacientes sob maior risco de sangramento de acordo com a área seccional das varizes, fluxo pelas veias gástrica esquerda, ázigos e paraesofagianas. Além disso, a medida da pressão transmural permite a estimativa da tensão na parede do vaso e constitui atualmente num importante preditor de sangramento. Angio-TC e RM: são métodos não invasivos capazes de delinear o sistema porta. Diagnosticam com elevada acurácia a trombose de veia porta, além de determinar a patência de derivações cirúrgicas. Angiografia: é um método radiológico invasivo capaz de delinear a anatomia das colaterais do sistema porta, a patência dos vasos, a presença de aneurismas, fístulas e lesões vasculares intra-hepáticas. A angiografia de fase venosa pode ser realizada após a injeção seletiva de contraste na artéria mesentérica superior e esplênica. Permite, ainda, uma definição correta da anatomia, sendo utilizado no planejamento cirúrgico da hipertensão porta. Classificação de Gravidade Tratamento Deve ser guiado pela causa base, que deve ser tratada, além de prevenir que ocorram as complicações mais comuns do quadro de hipertensão portal, sendo a mais grave delas a hemorragia das varizes, principalmente gastroesofágicas, uma vez que muitos pacientes vêm a óbito por hemorragia digestiva volumosa. MANTER GRADIENTE DE PRESSÃO < 12 mmHg. HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA Nos pacientes com sangramento digestivo, é preciso fazer a proteção das vias aéreas com intubação orotraquealpara evitar aspiração nos casos de sangramento maciço ou rebaixamento do nível de consciência. Além disso, deve-se infundir cristaloides e hemoderivados, para evitar anemia e para recuperar o volume perdido, evitando choque hipovolêmico. Nos quadros de hemorragia digestiva também podem ser usados vasoconstritores esplâncnicos, como a terlipressina que é um análogo da vasopressina; a somatostatina que tem ação anti- hemorrágica e a octreotide (mais utilizado) que é um análogo da somatostatina. A terlipressina tem menor efeitos colaterais, porém tem custo elevado -> mais eficaz. A antibioticoterapia profilática também mostrou benefícios na hemorragia varicosa aguda. A terapia deve ser instituída já na admissão, idealmente antes mesmo da endoscopia digestiva. O antibiótico de escolha tem sido a norfloxacina. Casos graves em que o paciente esteja impossibilitado de utilizar a via oral podem ser manejados com ceftriaxone IV ou IM. ATENÇÃO! Deve-se realizar endoscopia digestiva alta (EDA) nas primeiras 12 horas e realizar terapêutica para varizes gastroesofágicas quando esta é a causa, a partir de ligadura elástica, escleroterapia (infusão de etanol, etanolamina ou NaCl → faz necrose dos vasos → murcham → mas tem muitos efeitos colaterais), adesivo tecidual (cianoacrilato → em contato com o sangue, forma uma espécie de “acrílico” e impede o sangramento) ou tamponamento com balão de Sengstaken-Blackmore (não é terapêutico → é eficaz por apenas 24h). Balão de Sengstaken-Blackmore: o dispositivo deve ser passado até o estômago e inflado o balonete gástrico com 250 ml de ar, sendo duplamente pinçado; após devida tração do BSB, é colocado um peso com 500 ml de soro para mantê-lo tracionado. O balonete esofágico então é inflado com 40 mmHg de pressão de ar, sendo também pinçado. Parece que o efeito hemostático mais importante do BSB deve-se ao balonete intragástrico tracionado). Há, ainda, o TIPS (derivação intra-hepática portossistêmica) que é uma terapêutica endovascular, que faz um desvio do fluxo hepático portal para outro vaso, normalmente veia cava inferior, a fim de diminuir a pressão portal. O tratamento definitivo, por sua vez, é a cirurgia, que consiste na anastomose porto-cava, que diminui a pressão no sistema porta. Principais indicações do TIPS: hemorragia refratária ou recorrente por varizes esofagogástricas apesar de tratamento clínico endoscópico; ascite refratária. Principais complicações do TIPS: encefalopatia hepática; estenose do stent (com retorno dos sintomas de HP). Nos casos de doenças hepáticas parenquimatosas crônicas irreversíveis, o tratamento definitivo é o transplante de fígado. APÓS CORRIGIR O SANGRAMENTO, SEMPRE ENTRAR COM A TERAPIA PROFILÁTICA. TRATAMENTO PROFILÁTICO O tratamento profilático para hemorragia das varizes era feito com USO CONTÍNUO de β-bloqueadores não seletivos, como propranolol. Entretanto, pesquisas demonstraram uma maior efetividade de β-bloqueadores com α-bloqueio adicional, como o carvedilol. O objetivo dos ẞ-bloqueadores é a vasoconstrição esplâncnica → aumentar resistência para diminuir o fluxo que chega ao sistema porta, a fim de diminuir a pressão nesse sistema e consequentemente reduzir risco de sangramento dos vasos colaterais. Limite: redução 25% da FC basal ou efeitos adversos. TRATAMENTOS ESPECÍFICOS Ascite: restrição de sódio e uso de diuréticos orais. Exemplo: espironolactona, associado ou não a furosemida. PBE: é fundamental que a antibioticoterapia seja iniciada anteriormente ao resultado dos estudos microbiológicos do líquido ascítico. Se iniciada precocemente, reduz sobremaneira a mortalidade. A terapia de escolha é uma cefalosporina de terceira geração venosa: Cefotaxime.
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