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Prescrições medicamentosas e exames radiográficos durante a gestação Uma das principais preocupações do cirurgião-dentista em relação ao tratamento odontológico da gestante se refere à segurança na utilização de medicamentos anestésicos, analgésicos, antibióticos, entre outros. Esse medo está relacionado com a transferência desses fármacos, por meio da placenta, para o compartimento fetal. A gravidez causa mudanças fisiológicas na farmacocinética que podem influenciar consideravelmente a distribuição e o metabolismo do fármaco na mãe e no feto. O profissional que atende gestantes deve conhecer os mecanismos de ação desses medicamentos, de forma a realizar uma análise crítica dos riscos e dos benefícios da utilização de fármacos nesse período¹. Ao se prescrever um fármaco para uma gestante, este poderá apresentar um efeito terapêutico para a mãe, mas pode trazer efeitos secundários ou tóxicos para o feto. A gestação é uma fase em que ocorre um alto volume de distribuição da droga, declínio na concentração plasmática máxima, menor tempo de meia-vida, aumento da solubilidade lipídica e da taxa de depuração da droga (clearance)². A automedicação deve ser exaustivamente desencorajada, principalmente durante a gravidez. Essa prática é considerada a segunda principal causa de teratogênese fetal, superada apenas por defeitos genéticos³. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 90% das gestantes tomam algum tipo de medicação, prescrita ou não por seu médico. Os fármacos são responsáveis por 2% a 3% de todas as anomalias congênitas. Para compreender como ocorre a passagem do medicamento da mãe para o feto, clique em “organogênese”. Para saber como identificar os remédios não recomendados para uso durante a gestação, clique em “categorização de fármacos quanto aos riscos de uso na gestação”: ORGANOGENESE: A organogênese é o período de desenvolvimento do feto no qual os principais órgãos e sistemas estão sendo formados. Ocorre entre a 4ª e a 8ª semana de vida intrauterina, e muitos medicamentos têm a capacidade de atravessar a membrana placentária, por difusão passiva (dissolução na membrana lipídica). o período da organogênese, que compreende o primeiro trimestre da gestação, podem ocorrer abortos espontâneos, principalmente por defeitos de desenvolvimento do feto. Nesse caso, o próprio organismo da mulher expulsa o feto por considerá-lo inviável. As estatísticas mostram que 50% dos abortos espontâneos ocorrem nesse período³,². Para Andrade³, a barreira placentária é, na verdade, uma “peneira seletiva”, e os fármacos comuns ao atendimento odontológico, como anestésicos, ansiolíticos, analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos, passam com certa facilidade da mãe para o feto por serem moléculas de baixo peso molecular e lipossolúveis. Portanto, é importante conhecer os fármacos para a sua correta prescrição. CATEGORIZAÇÃO DE FÁRMACOS QUANTO AOS RISCOS DE USO NA GESTAÇÃO O Food and Drug Administration (FDA), órgão que fiscaliza e estabelece normas para o uso seguro de medicamentos nos Estados Unidos, com vistas a prescrever fármacos da maneira correta, propôs uma classificação em cinco categorias, considerando os riscos e seus efeitos na gestação. São elas: A, B, C, D, X. ANESTÉSICOS Os anestésicos locais são lipossolúveis e atravessam facilmente a membrana placentária. Eles estão classificados nas categorias B e C da FDA. A escolha do anestésico deve ser aquela que proporcione maior conforto para a gestante. Assim, sempre que possível, as soluções anestésicas devem conter um vasoconstrictor. O uso dos vasoconstrictores retarda a absorção do sal anestésico para a corrente sanguínea, o que aumenta o tempo de duração da anestesia, reduzindo o risco de toxicidade para a mãe e para o bebê, e ainda tem ação hemostática4,3. Observe abaixo as orientações para administração de anestésico local4: Deve ser feita por meio de uma injeção lenta da solução, com aspiração prévia, para evitar a injeção intravascular; Usar a técnica anestésica adequada para evitar a necessidade de repetições, não devendo exceder 2 tubetes (3,6 ml), por sessão de atendimento. Vasoconstritores: Não são contraindicados anestésicos locais com vasoconstritores. Uma dose baixa não influencia efeitos hemodinâmicos placentários. Prilocaína: No período próximo ao fim da gestação, esse anestésico potencialmente acarreta cianose por metemoglobinemia em recém-nascidos. Impactos no feto: O anestésico local pode afetar o feto de duas maneiras: diretamente, quando ocorrem altas concentrações na circulação fetal; e indiretamente, alterando o tônus muscular uterino ou deprimindo os sistemas cardiovascular e respiratório da mãe. É indicado o uso de lidocaína para gestantes. ANTI-INFLAMATÓRIOS Os anti-inflamatórios, assim como os analgésicos, podem ser classificados de acordo com o mecanismo de ação farmacológica3, como você pode ver abaixo: Fármacos que inibem a síntese da cicloxigenase (cox): Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), que podem ser inibidores não seletivos para cox-2 (ibuprofeno, cetoprofeno, diclofenaco, cetorolaco, piroxicam e tenoxicam), ou inibidores seletivos para cox-2 (etoricoxibe, meloxicam e nimesulida); Fármacos que inibem a ação da fosfolipase A2: Corticosteroides (Prednisona, Dexametasona e Betametasona); Fármacos que deprimem as atividades dos nociceptores: Dipirona, Diclofenaco. Entre os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), a substância padrão é o ácido acetilsalicílico, que é contraindicado na gestação, assim como os demais AINEs, principalmente no último trimestre de gestação, pois podem causar hemorragias na mãe e no feto, inércia uterina (contração insuficiente do útero durante ou após o parto) e fechamento prematuro dos canais arteriais do feto. O uso dos AINEs no último trimestre da gravidez está associado também ao prolongamento do trabalho de parto, devido à inibição da síntese de prostaglandinas relacionadas às contrações uterinas4. Quando houver necessidade do uso de um anti-inflamatório, empregar Dexametasona ou Betametasona, em dose única de 2-4mg. Essa indicação se justifica porque há evidências de que os corticoides não apresentam riscos de teratogenicidade em humanos6. ANTIBIÓTICOS Em casos de infecções bacterianas, o principal tratamento consiste na remoção da causa, como a drenagem de um abscesso periodontal ou endodôntico. Mas se as infecções apresentarem sinais locais de disseminação e manifestações sistêmicas do processo (febre, mal-estar geral), deve-se complementar a descontaminação local com o uso sistêmico de antibióticos3. Conheça os principais antimicrobianos utilizados em gestantes e suas características clicando nas abas abaixo: PENICILINAS: Antimicrobianos de primeira escolha; Apresentam ação específica contra substâncias da parede celular das bactérias; Não causam danos às mães nem aos fetos; As mais indicadas são a amoxicilina e a ampicilina (categoria B). ESTEARATO DE ERITROMICINA, MACROLIDEOS OU CEFALOSPORINA Em casos de pacientes alérgicas às penicilinas, utilizar, preferencialmente, o estearato de eritromicina, pois o estolato tem maior efeito hepatotóxico; Macrolídeos ou cefalosporinas também são indicados em casos de gestantes com alergia às penicilinas. Em casos de infecções mais avançadas, associar a penicilina ao metronidazol ou ao clavulanato de potássio. E, se a paciente for alérgica, optar pela clindamicina3. As tetraciclinas são contraindicadas, pois atravessam a membrana placentária e são capazes de se ligar à hidroxiapatita, provocando uma coloração que vai do amarelo-claro ao marrom-escuro e que pode afetar os dentes decíduos. A dentição decídua se torna suscetível quando as tetraciclinas são administradas às mães entre o 4° mês da gestação até cerca de nove meses após o nascimento do bebê; e os dentes permanentes, quando a tetraciclina é administrada em crianças de 3 meses a 8 anos de idade7, 8, 9. As tetraciclinas também podem ser depositadas no tecido ósseo do feto, provocando retardo no crescimento; e, durante as primeiras semanas do pós-parto,podem induzir a um quadro de anemia hemolítica ou de icterícia no neonato4. Em resumo, pode-se afirmar que o cirurgião-dentista tem à sua disposição fármacos SEGUROS para realizar o tratamento odontológico da gestante em qualquer período da gestação. Alguns fármacos de uso rotineiro do cirurgião-dentista podem mudar de classificação de acordo com a FDA (Food and Drug Administration) de um trimestre para o outro, basta que o profissional esteja atento e consulte a classificação em caso de dúvida. FLUORTERAPIA O maior benefício do uso de fluoretos é seu efeito local, que age nos processos de desmineralização e remineralização do esmalte dentário. Não há evidência científica que justifique um efeito sistêmico da suplementação de flúor. Logo, a suplementação pré-natal é contraindicada. A associação de flúor com complexos vitamínicos que contêm cálcio diminui a absorção em 50% dos dois elementos (a diminuição da absorção de flúor não traz nenhuma consequência séria, mas a de cálcio sim, pois este é um elemento extremamente importante para a gestante e para o bebê).4,10 Veja as indicações de tratamento com flúor voltadas para a gestante: Mães podem apresentar refluxo gástrico severo causado por náuseas e vômitos durante a gravidez, o que pode provocar erosão do esmalte dentário; Recomenda-se a Aplicação Tópica de Flúor (ATF) para diminuição da sensibilidade dentinária, dessensibilizantes, indicação de dentifrícios para dentes sensíveis e até mesmo tratamento restaurador em casos mais graves para recobrimento de dentina exposta. Contudo, o flúor gel pode causar náuseas, sendo mais recomendado o uso de vernizes. “Não há razão para a prescrição de flúor pré-natal, e esses produtos deveriam ser retirados do mercado pelo simples fato de não estarem associados a nenhum benefício de sua utilização, são deseducativos. A Odontologia deve estar inserida numa equipe de saúde que prepare a futura mãe para o controle da doença, e não para acreditar em uma medicação inócua”11. EXAMES RADIOGRÁFICOS ORAIS DURANTE A GESTAÇÃO A anamnese e o exame físico detalhado são ações primordiais na clínica. A primeira medida para evitar problemas com tomadas radiográficas é a realização de uma anamnese bem elaborada sobre a vida sexual da paciente, já que poucas mulheres têm consciência da gravidez nas primeiras oito semanas de gestação, coincidindo com o período crítico da organogênese4. No entanto, muitas vezes, os exames de imagem são essenciais para que seja feito o correto diagnóstico e o tratamento. Nesses casos, o cirurgião-dentista não deve ter medo de lançar mão do exame radiográfico, mesmo nas gestantes, tomando todos os cuidados necessários. O estudo de Martins et al.12 mostrou que, dentre os profissionais pesquisados, 45,3% não realizavam tomadas radiográficas para diagnóstico em gestantes, sob a justificativa de acreditarem que há risco de efeitos teratogênicos, ou por insegurança profissional ou por recusa da paciente. Esses dados sugerem que a realização de tomadas radiográficas em gestantes acontece muito mais por considerações emocionais carregadas pelo profissional do que pelo conceito legítimo da ciência12. Algumas medidas que reduzem a exposição aos raios-x e que podem proteger a gestante durante o exame radiográfico5: Profissional capacitado (evitar repetições por erro de técnica); Recobrir a barriga da gestante por completo com um avental de chumbo e utilizar a dose recomendada de radiação segura para cada contexto; Uso do protetor de tireoide; Regulação da dose e duração dos raios-x; Uso de filmes radiográficos ultrassensíveis (se possível). Apesar de ainda serem encontrados no mercado filmes de sensibilidade D, também estão disponíveis filmes de sensibilidade E, que reduzem o tempo de exposição em 52%, em comparação com o de sensibilidade D e com sensibilidade F (ultrassensíveis), que necessitam de 20% menos tempo de exposição que as de sensibilidade E13. Com essa proteção, a gestante é exposta a uma dosagem consideravelmente menor do que a dose necessária para causar malformações, afinal, o feto recebe apenas 0,0001 mGy, sendo que ele pode receber até 50 mGy sem que sofra dano algum, segundo o National Council of Radiologic Protection and Measurementes3. Uma radiografia periapical expõe o paciente a cerca de 0,01 milirad de radiação, sendo esta dose 40 vezes menor que a dose de radiação cósmica recebida diariamente14.
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