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LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL CRIMES DE PRECONCEITO (LEI 7.716/89) Por Roberto Lobo 2 SUMÁRIO 1 DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE A LEI .......................................................................................................... 3 1.1 CONCEITOS .................................................................................................................................... 3 1.2 POLÍTICAS PÚBLICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS ................................................................................ 3 1.3 BEM JURÍDICO TUTELADO .............................................................................................................. 4 1.4 PREVISÃO CONSTITUCIONAL, MANDADO DE CRIMINALIZAÇÃO E IMPRESCRITIBILIDADE.................. 4 1.5 OBJETO DA LEI ............................................................................................................................... 4 1.6 LEIS QUE TRATAM DE OUTRAS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO .......................................................... 7 1.7 CRIMES DE PRECONCEITO X TORTURA (PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE) ........................................... 7 1.8 ELEMENTO SUBJETIVO ................................................................................................................... 8 1.9 SUJEITOS DOS CRIMES .................................................................................................................... 8 1.10 CONSUMAÇÃO ............................................................................................................................... 8 1.11 AÇÃO PENAL .................................................................................................................................. 8 1.12 COMPETÊNCIA ............................................................................................................................... 8 1.13 CRIMES DE PRECONCEITO X INJÚRIA PRECONCEITO (CAI MUITO) .................................................... 9 2 CRIMES EM ESPÉCIE ..............................................................................................................................10 3 EFEITOS DA CONDENAÇÃO ...................................................................................................................13 4 RACISMO INSTITUCIONAL .....................................................................................................................14 5 PROSELITISMO RELIGIOSO ....................................................................................................................17 6 DISPOSITIVOS PARA O CICLO DE LEGISLAÇÃO ........................................................................................19 7 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................................................19 3 ATUALIZADO EM 24/07/20191 CRIMES DE PRECONCEITO (LEI Nº 7.716/89) Caros alunos Ciclos, muito importante no estudo das leis penais especiais atentar para o seguinte: elementos subjetivos especiais, princípio da especialidade, qualificadoras, causas de aumento, efeitos da condenação e jurisprudências. As questões sempre tratam desses pontos. Bom estudo! 1 DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE A LEI 1.1 CONCEITOS Racismo é a teoria segundo a qual certos povos ou nações são dotados de qualidades psíquicas e biológicas que os tornam superiores a outros seres humanos. Preconceito é o conceito ou opinião formados antecipadamente, sem levar em conta o fato que os conteste, e, por extensão, intolerância, ódio irracional ou aversão a outras raças, credos, religiões etc. Discriminação, ao contrário do preconceito, que é estático, consiste em uma atitude dinâmica de separação, apartação ou segregação, traduzindo a manifestação fática ou a concretização do preconceito. Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial: Dispõe que a expressão “discriminação racial” significa qualquer distinção, exclusão restrição ou preferência baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano (em igualdade de condição), de direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de vida pública. 1.2 POLÍTICAS PÚBLICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS O que a lei do racismo veda é a discriminação negativa. Esta deve ser distinguida da discriminação positiva, manifestada em ações afirmativas (programas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade). Tais políticas são permitidas, mesmo 1 As FUCS são constantemente atualizadas e aperfeiçoadas pela nossa equipe. Por isso, mantemos um canal aberto de diálogo (setordematerialciclos@gmail.com) com os alunos da #famíliaciclos, onde críticas, sugestões e equívocos, porventura identificados no material, são muito bem-vindos. Obs1. Solicitamos que o e-mail enviado contenha o título do material e o número da página para melhor identificação do assunto tratado. Obs2. O canal não se destina a tirar dúvidas jurídicas acerca do conteúdo abordado nos materiais, mas tão somente para que o aluno reporte à equipe quaisquer dos eventos anteriormente citados. 4 que adotem critérios baseados em raça, cor ou etnia, como é o caso da reserva de vagas em universidades para membros de determinados grupos étnicos (STF, ADI 3.330, Britto, Pl., 03/05/2012). 1.3 BEM JURÍDICO TUTELADO A dignidade da pessoa humana, princípio e fundamento da República Federativa Brasileira, bem como o direito à igualdade, direito fundamental. 1.4 PREVISÃO CONSTITUCIONAL, MANDADO DE CRIMINALIZAÇÃO E IMPRESCRITIBILIDADE A vedação ao tratamento discriminatório está prevista nos seguintes artigos da CRFB/88: art. 1º, III (A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana); art. 32, IV (Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV -promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação); art. 42, VIII (A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo). Haja vista a gravidade do delito, o legislador constitucional entendeu por bem impedir que o instituto da prescrição penal atingisse tal delito, possibilitando ao Estado Brasileiro soberano, a qualquer momento, exercer o jus puniendi contra o autor do delito. Nesse sentido: Art. 52, XLII da CF. a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de RECLUSÃO, nos termos da lei. Como se percebe, há um mandado de criminalização explícito na CF em relação ao racismo. Ademais, a CF diz que o crime de racismo, em resumo, é: • Inafiançável • Imprescritível • Sujeito a pena de RECLUSÃO * #ATENÇÃO: A CF/88 [XLII]: “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível”. Na Lei 7.716 temos, que “serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional” (art. 1º). Portanto, a discriminação ou preconceito em razão da cor, etnia, religião e procedência nacional é também imprescritível? Temos duas posições: 1ª corrente: “[...] a CRFB/88 apenas fez menção expressa ao racismo, como sendo imprescritível e inafiançável, nada dispondo em relação às demais formas de discriminação previstas na lei (cor, etnia, religião ou procedência nacional). Dessa forma, conclui-se que a imprescritibilidade e a inafiançabilidade se referem tão somente à 5 discriminação em razão de raça,não podendo o preceito constitucional ser aplicado às demais formas de discriminação, sob pena de incidência em analogia in malam partem.” (Gabriel Habib). 2ª corrente: “Não procede a preliminar de prescrição da pretensão punitiva estatal, uma vez que o paciente foi denunciado como incurso no art. 20 da Lei 7.716/1989 [‘Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.’]. Tratando-se de crime de racismo, incide sobre o tipo penal a cláusula de imprescritibilidade prevista no art. 5º, XLII, da Constituição Federal. A jurisprudência do STF e do STJ é firme no sentido de que o crime de racismo não se restringe aos atos preconceituosos em função de cor ou etnia, mas abrangem todo ato discriminatório praticado em função de raça, cor, etnia, religião ou procedência, conforme previsão literal do art. 20 da Lei n. 7.716/1989”. (HC 143.147, 6ªT.STJ, DJe 31.03.2016) + STF, HC 82424, DJ 19.03.2004. 1.5 OBJETO DA LEI Art. 1º. Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional (orientação sexual não entra). • Raça: conjunto de indivíduos cujos caracteres somáticos, tais como a cor da pele, a conformação do crânio e do rosto, o tipo de cabelo são semelhantes e se transmitem por hereditariedade, embora variem de indivíduo para indivíduo. • Cor: expressão cromática da pele de um indivíduo. • Etnia: população ou grupo social que apresenta relativa homogeneidade cultural e linguística, compartilhando história e origem comuns. • Religião: crença na existência de uma força ou forças sobrenaturais, considerada(s) como criadora(s) do Universo, e que como tal(is) deve(m) ser adorada(s) e obedecida(s). #ATENÇÃO - Com relação a religião é necessário salientar que não é necessário para caracterização do delito que os sujeitos ativos e passivo possuam religiões distintas, bem como que estará caracterizado o delito ainda que o preconceito do sujeito ativo surja do fato de o sujeito passivo não professar nenhuma religião, ou o inverso. • Procedência nacional: origem nacional ou regional. Logo, XENOFOBIA É RACISMO (CAIU EM PROVA) #CAIUEMPROVA - A lei não dá preferência à grupos historicamente estigmatizados. Ela vale para todos. Logo, também é crime impedir a entrada de um branco num estabelecimento por discriminação, por exemplo. É tranquilo o entendimento na doutrina e na jurisprudência no sentido de que esta lei não trata de outras formas de preconceito e discriminação, estando o seu objeto delimitado ao que prescreve o art. 1º. O LEGISLADOR NÃO INSERIU OUTRAS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO, COMO SEXUAL, IDADE, FILOSÓFICA, POLÍTICA OU PREFERÊNCIA ESPORTIVA. DESSA FORMA, CASO A DISCRIMINAÇÃO SE DÊ POR QUALQUER DESSES MOTIVOS, A CONDUTA SERÁ ATÍPICA em relação aos tipos penais previstos nesta lei. 6 ATENÇÃO à seguinte decisão do STF: *#DEOLHONAJURIS #DIZERODIREITO #STF: 1. Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08.01.1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”); 2. A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero; 3. O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito. STF. Plenário. ADO 26/DF, Rel. Min. Celso de Mello; MI 4733/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em em 13/6/2019 (Info 944). #IMPORTANTE *#DEOLHONAJURIS #DIZERODIREITO #STF: O então Deputado Federal Jair Bolsonaro proferiu palestra no auditório de determinado clube e ali fez críticas e comentários negativos a respeito dos quilombolas e de povos estrangeiros. No trecho mais questionado de sua palestra, ele afirmou: “Eu fui em um quilombola em El Dourado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador eles servem mais. Mais de um bilhão de reais por ano gastado com eles. Recebem cesta básica e mais material em implementos agrícolas. Você vai em El Dourado Paulista, você compra arame farpado, você compra 7 enxada, pá, picareta por metade do preço vendido em outra cidade vizinha. Por que? Porque eles revendem tudo baratinho lá. Não querem nada com nada.” O STF entendeu que a conduta de Bolsonaro não configurou o crime de racismo (art. 20 da Lei nº 7.716/89). As palavras por ele proferidas estão dentro da liberdade de expressão prevista no art. 5º, IV, da CF/88, além de também estarem cobertas pela imunidade parlamentar (art. 53 da CF/88). O objetivo de seu discurso não foi o de repressão, dominação, supressão ou eliminação dos quilombolas ou dos estrangeiros. O pronunciamento do parlamentar estava vinculado ao contexto de demarcação e proveito econômico das terras e configuram manifestação política que não extrapola os limites da liberdade de expressão. Além disso, as manifestações de Bolsonaro estavam relacionadas com a sua função de parlamentar. Inclusive, o convite para a palestra se deu em razão do exercício do cargo de Deputado Federal a fim de dar a sua visão geopolítica e econômica do País. Assim, havia uma vinculação das manifestações apresentadas na palestra com os seu pronunciamentos na Câmara dos Deputados, de sorte que incide a imunidade parlamentar . STF. 1ª Turma. Inq 4694/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/9/2018 (Info 915). 1.6 LEIS QUE TRATAM DE OUTRAS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO Nesse tópico, achei importante colocar outras leis que tratam de discriminação, para que nós não confundamos na hora da prova: Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso): Tipifica crimes resultantes de discriminaçãoà pessoa idosa (arts. 96, 100 e 105). Logo, se a discriminação for em razão de a pessoa ser idosa, aplica-se o estatuto do idoso. Lei nº 7.853/89 e lei 13.146/2015: Tipificam crimes resultantes de discriminação à pessoa com deficiência física, auditiva, visual ou mental. A 7.853 no art. 8º e a 13.146 no art. 88. Lei nº 7.437/85: Inclui, entre as contravenções penais, a prática de atos resultantes de preconceito de sexo ou de estado civil, dando nova redação à Lei nº 1.390, de 3 de julho de 1951 - Lei Afonso Arinos. Esta última Lei originariamente tipificava contravenções penais referentes a preconceito apenas de raça e de cor, e foi revogada, nesta parte, pela Lei nº 7.716/89. Logo, no que toca à discriminação em razão de raça e cor, os tipos penais da mencionada lei encontram-se derrogados, em razão do critério cronológico, uma vez que a lei ora comentada é posterior à lei 7.437 /85. Entretanto, os tipos penais permanecem em vigor quando se tratar de discriminação em razão de sexo ou estado civil. 1.7 CRIMES DE PRECONCEITO X TORTURA (PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE) A lei 9.455/97, que traz os delitos de tortura, no art. 1º, 1, alínea c, dispõe sobre a denominada tortura discriminatória, tortura preconceituosa ou tortura racismo. Eis a redação legal: 'Art. 1º Constitui crime de tortura: I -constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: c) em razão de discriminação racial ou religiosa". Dessa forma, se o dolo do agente for causar sofrimento físico ou mental na vítima, por meio de violência ou grave ameaça, movido por motivo de discriminação racial ou 8 religiosa, a sua conduta estará tipificada na lei de tortura, e não na lei ora comentada, haja vista o princípio da especialidade. 1.8 ELEMENTO SUBJETIVO Todos os tipos penais da lei são dolosos. Ademais, todos os tipos penais possuem um especial fim de agir, consistente na discriminação de alguém em razão de raça, cor, etnia, religião e procedência nacional. Ausente o especial fim de agir, a conduta será atípica, como na hipótese de uma brincadeira feita entre amigos, em que não há a vontade específica de discriminar. 1.9 SUJEITOS DOS CRIMES É crime comum com relação ao sujeito ativo, podendo ser praticado por qualquer pessoa. O sujeito passivo pode ser qualquer pessoa física. 1.10 CONSUMAÇÃO Mesmo que a vítima não se sinta ofendida o crime estará consumado. 1.11 AÇÃO PENAL Todos os crimes da lei são de ação penal pública incondicionada. 1.12 COMPETÊNCIA Estadual ou federal, a depender do caso concreto, mas nunca será de competência da justiça militar. Será da JE nos casos dos delitos dos arts. 4º, 5º, 7º a 12 e 14, que se dão, necessariamente, no âmbito de relações privadas. A competência será da JF, por exemplo, nos casos adiante mencionados: • No caso do art. 3º (acesso a cargo público), quando o delito ocorrer em órgão federal da administração direta, bem como em autarquia ou empresa pública federal; • No caso do art. 6º (acesso a estabelecimento de ensino), se a instituição de ensino for federal; • Nos casos do art. 13, que envolve as Forças Armadas; • No caso de internacionalidade do delito (CF, art. 109, V), uma vez que se trata de crime que o Brasil se obrigou a reprimir, nos termos do art. IV, “a”, da Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (Decreto n. 65.810/69); #DEOLHONAJURIS - inf. 515/STJ – Conexão probatória (competência) - Em regra, a competência para processar e julgar o crime de racismo praticado pela internet é do local de onde partiram as mensagens com base no art. 70 do CPP, tendo em vista que, quando o usuário da rede social posta a manifestação racista, ele, com esta conduta, já consuma o crime. 9 Logo, se as condutas delitivas foram praticadas por diferentes pessoas a partir de localidades diversas, a princípio, a competência para julgar seria das Justiças localizadas nos locais de onde partiram as mensagens racistas. Todavia, tais condutas contaram com o mesmo modus operandi, qual seja, troca e postagem de mensagens de cunho racista e discriminatório contra diversas minorias. Dessa forma, estando interligadas as condutas, constata- se a existência de conexão probatória a atrair a incidência dos arts. 76, III, e 78, II, do CPP. Será competente para julgar conjuntamente os fatos o juízo prevento, ou seja, aquele que primeiro conheceu dos fatos. 1.13 CRIMES DE PRECONCEITO X INJÚRIA PRECONCEITO (CAI MUITO) CRIME DE PRECONCEITO INJÚRIA PRECONCEITUOSA Bem jurídico: dignidade humana Bem jurídico: honra subjetiva Crime de ação pena pública incondicionada Crime de ação penal pública condicionada a representação Crime inafiançável e imprescritível *Crime Inafiançável e Imprescritível Raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional Raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência O dolo do agente é fazer a distinção da pessoa justamente em razão de sua raça, cor, etnia, religião ou procedência da vítima nacional, sem emitir qualquer conceito depreciativo. É segregar. O dolo do agente é ofender pessoa determinada, emitindo conceitos depreciativos, qualidades negativas. Intenção de ofender a coletividade de determinada raça, cor, etnia... Intenção de ofender sujeito passivo determinado. * #ATENÇÃO O art. 5º, XLII, abrange também o crime de injúria racial [art. 140, §3º, do CP] Caso a injúria consista na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa]? Temos aqui duas correntes que buscam solucionar esse questionamento. 1ª corrente: Não. Reflete o posicionamento então majoritário da doutrina, até decisão do STJ (2ª corrente). 2ª corrente: STJ - “[...] com o advento da Lei n. 9.459/97, introduzindo a denominada injúria racial, criou-se mais um delito no cenário do racismo, portanto, imprescritível, inafiançável e sujeito à pena de reclusão”. (AgRg no AREsp 686.965/DF, 6ªT.STJ, DJe 31/08/2015) – Nesta decisão o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de sua 1ª Turma, reconheceu a equiparação dos crimes de injúria racial e racismo e, por conseguinte, a imprescritibilidade e inafiançabilidade daqueles. Crítica sobre a 2º Corrente: faz-se analogia in malam partem. 10 2 CRIMES EM ESPÉCIE Aluno Ciclos, aqui você vai perceber que praticamente todos os tipos preveem a segregação, alterando- se apenas o local ou atividade para a qual o sujeito foi impedido. Sendo assim, colocarei a letra seca da lei e farei alguns comentários (em preto) sobre o que importa em provas de concursos. Art. 3º Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, obstar a promoção funcional. Pena: reclusão de dois a cinco anos. Art. 4º Negar ou obstar emprego em empresa privada. § 1º Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça ou de cor ou práticas resultantes do preconceito de descendência ou origem nacional ou étnica I - deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores. Pode acontecer que determinado empregador deixe de fornecer os equipamentos necessários para todos os trabalhadores, sem distinção. Basta pensar na hipótese em que o empregador de uma construtora não fornece o capacete para nenhum dos trabalhadores. Nesse caso, a sua conduta será formalmente atípica em relação ao delito ora comentado, uma vez que todos os trabalhadores estão na mesma situação, não havendo, portanto, situação de desigualdade em relação aos trabalhadores II -impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional. III - proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salário (NÃO SIGNIFICA QUE É SOMENTE QUANTO AO SALÁRIO, PODE SER OUTRO TIPO DE DIFERENCIAÇÃO) § 2º Ficará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial, quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia (SOMENTE, NÃO INCLUI AS OUTRAS FORMAS DE PRECONCEITO) para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências. Pena: reclusão de dois a cinco anos. Art. 5º Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador. Pena: reclusão de um a três anos. Art. 6º Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau. Pena: reclusão de três a cinco anos. Parágrafo único. Se o crime for praticado contra menor de dezoito anos a pena é agravada de 1/3 (um terço). Art. 7º Impedir o acesso ou recusar hospedagem em hotel, pensão, estalagem, ou qualquer estabelecimento similar. 11 Pena: reclusão de três a cinco anos. Art. 8º Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público. Pena: reclusão de um a três anos. Art. 9º Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público. Pena: reclusão de um a três anos. Art. 10. Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabeleireiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades. Pena: reclusão de um a três anos. Art. 11. Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos: Pena: reclusão de um a três anos. Art. 12. Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido É caso de interpretação analógica, pois a enumeração dos transportes aqui descritos é meramente exemplificativa). Pena: reclusão de um a três anos. Art. 13. Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas. Pena: reclusão de dois a quatro anos. Art. 14. Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social. Pena: reclusão de dois a quatro anos. Art. 15. (Vetado). (...) Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. (ESTE ARTIGO TRATA DE UM TIPO PENAL GENÉRICO, QUE DEVE SER UTILIZADO QUANDO A CONDUTA NÃO SE SUBSUMIR A NENHUM DOS TIPOS PENAIS ANTERIORES, MAS AINDA ASSIM CARACTERIZAR CRIME DE PRECONCEITO) Pena: reclusão de um a três anos e multa. § 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda QUE UTILIZEM A CRUZ SUÁSTICA OU GAMADA, PARA FINS DE DIVULGAÇÃO DO NAZISMO (CAI BASTANTE). Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa. § 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza. Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa. Trata-se de uma qualificadora prevista para os crimes do art. 20: se cometido por meios de comunicação. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/Mensagem_Veto/anterior_98/VEP-LEI-7716-1989.pdf 12 * #DEOLHONAJURISPRUDÊNCIA #IMPORTANTE: A incitação ao ódio público contra quaisquer denominações religiosas e seus seguidores não está protegida pela cláusula constitucional que assegura a liberdade de expressão. Assim, é possível, a depender do caso concreto, que um líder religioso seja condenado pelo crime de racismo (art. 20, §2º, da Lei nº 7.716/81) por ter proferido discursos de ódio público contra outras denominações religiosas e seus seguidores. STF. 2ª Turma. RHC 146303/RJ, rel. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Dias Toffoli, julgado em 6/3/2018 (Info 893). Atenção. Compare com RHC 134682/BA, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 29/11/2016 (Info 849). § 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo; II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou da publicação por qualquer meio; III - a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores. No § 3º, O legislador inseriu medidas que façam cessar imediatamente a prática da discriminação. O inciso III foi inserido pela lei 12.288/2010 e trata da interdição das mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores, na hipótese da prática de qualquer dos crimes previstos no caput por meio de rede mundial de computadores, como sites de relacionamentos exibidos na internet (Facebook, Twitter etc). § 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido. O § 4º trata de efeitos da condenação referentes ao crime do §2º do artigo 20. A destruição do material apreendido trata-se de efeito secundário a condenação, que somente poderá ocorrer após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. #DEOLHONAJURIS - inf. 849/STF - Análise do caso "Jonas Abib" - Determinado padre escreveu um livro, voltado ao público da Igreja Católica, no qual ele faz críticas ao espiritismo e a religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé. O Ministério Público da Bahia ofereceu denúncia contra ele pela prática do art. 20, § 2º da Lei nº 7.716/89 (Lei do racismo). No caso concreto, o STF entendeu que não houve o crime. A CF/88 garante o direito à liberdade religiosa. Um dos aspectos da liberdade religiosa é o direito que o indivíduo possui de não apenas escolher qual religião irá seguir, mas também o de fazer proselitismo religioso. Proselitismo religioso significa empreender esforços para convencer outras pessoas a também se converterem à sua religião. Desse modo, a prática do proselitismo, ainda que feita por meio de comparações entre as religiões (dizendo que uma é melhor que a outra) não configura, por si só, crime de racismo. Só haverá racismo se o discurso dessa religião supostamente superior for de dominação, opressão, restrição de direitos ou violação da dignidade humana das pessoas integrantes dos demais grupos. Por outro lado, se essa religião supostamente superior pregar que tem o dever de ajudar os "inferiores" para que estes alcancem um nível mais alto de bem-estar e de salvação 13 espiritual e, neste caso não haverá conduta criminosa. Na situação concreta, o STF entendeu que o réu apenas fez comparações entre as religiões, procurando demonstrar que a sua deveria prevalecer e que não houve tentativa de subjugar os adeptos do espiritismo. Pregar um discurso de que as religiões são desiguais e de que uma é inferior à outra não configura, por si, o elemento típico do art. 20 da Lei nº 7.716/89. Para haver o crime, seria indispensável que tivesse ficado demonstrado o especial fim de supressão ou redução da dignidade do diferente, elemento que confere sentido à discriminação que atua como verbo núcleo do tipo. 3 EFEITOS DA CONDENAÇÃO Art. 16. Constitui efeito da condenação a perda do cargo ou função pública, para o servidor público, e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não superior a três meses. Art. 17. (Vetado). Art. 18. Os efeitos de que tratam os arts. 16 e 17 desta Lei nãosão automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença. Art. 19. (Vetado). Aquele efeito da condenação que vimos (do §4º, do artigo 20) se referia apenas ao crime do artigo 20. Esses que estudaremos agora se referem a todos os crimes que estudamos anteriormente. Primeiramente, cumpre registrar que, conforme o art. 18, eles são efeitos NÃO AUTOMÁTICOS, devendo ser declarados expressamente na sentença condenatória. Dessa forma, caso o Juiz não os estabeleça expressamente, tais efeitos não incidirão. No art. 16, o legislador inseriu dois efeitos da condenação criminal transitada em julgado. O primeiro é a perda do cargo ou função pública para o servidor público. O segundo é a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não superior a três meses. Perda do cargo ou função pública - O legislador trouxe a perda do cargo ou função pública para o servidor público, como efeito secundário da condenação, nos mesmos moldes do previsto no art. 92, 1 do Código Penal. No entanto, há uma diferença em relação ao art. 92, 1 do Código Penal: ART. 92, I DO CP ART. 16 DA LEI 7.716 Faz uma distinção, em relação ao quantum da pena privativa de liberdade aplicada, se delito foi praticado com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública. Assim, na primeira hipótese, prevista na alínea a, a perda do cargo ou função pública se dá quando aplicada pena privativa de liberdade igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever No art. 16 da lei ora comentada, o legislador não fez tal distinção, razão pela qual é de se concluir que a perda do cargo ou função pública se dá independentemente do quantum de pena privativa de liberdade aplicada na sentença condenatória. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/Mensagem_Veto/anterior_98/VEP-LEI-7716-1989.pdf http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/Mensagem_Veto/anterior_98/VEP-LEI-7716-1989.pdf 14 para com a Administração Pública. Na segunda hipótese, prevista na alínea b, a perda do cargo ou função pública se dá quando aplicada pena privativa de liberdade superior a quatro anos nos demais casos, isso é, se o crime não for praticado com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública. Suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não superior a 3 (TRÊS) MESES - Da mesma forma, só pode produzir efeitos com o trânsito em julgado da sentença condenatória, em homenagem ao princípio constitucional da presunção de inocência. O prazo máximo de suspensão é de 3 meses. Note-se que, segundo o disposto no art. 16, a suspensão não será por três meses, mas sim por prazo não superior a três meses! 4 RACISMO INSTITUCIONAL #CAIUEMPROVA - Foi perguntado na prova oral para o cargo de Defensor do Estado da Bahia: o que se entende por racismo sistêmico (ou racismo institucional)? O racismo institucional atua de forma difusa no funcionamento cotidiano de instituições e organizações, provocando uma desigualdade na distribuição de serviços, benefícios e oportunidades aos diferentes segmentos da população do ponto de vista racial. Vejamos a parte histórica do tema em análise: Destaca Theodoro (2008) que o trabalho escravo, núcleo do sistema produtivo do Brasil Colônia, foi gradativamente substituído pelo trabalho livre no decorrer do século XIX. Essa substituição, no entanto, dá-se de uma forma particularmente excludente. Mecanismos legais, como a Lei de Terras de 1850 (que legaliza a apropriação desigual da terra entre grupos étnicorraciais), a Lei da Abolição de 1888 (sem políticas direcionadas à inclusão da população ex-escravizada do ponto de vista social, econômico, político), e mesmo o processo de estímulo à imigração, na virada do século XIX para o XX, forjaram um cenário de desigualdade racial no acesso ao trabalho. Durante o século XX, em que transcorreram importantes mudanças sociais pelas quais passou o país, seja no campo da modernização da economia, da urbanização, ou da ampliação das oportunidades educacionais e culturais, não se observou uma trajetória de redução das desigualdades raciais. Pôde-se notar ainda “a piora da posição relativa dos negros nas posições superiores da estrutura de ocupações, derivada, em grande parte, da crescente desigualdade de acesso de brancos e negros no ensino superior” (Jaccoud, 2008, p.58). Nesse sentido, Hasenbalg destacou, no final da década de 1970, que o preconceito e a discriminação racial operaram como critérios adstritivos na alocação de posições no mercado de trabalho, favorecendo, sobremaneira, aos brancos, passados mais de cem anos da abolição da escravatura. A raça tem sido mantida “como símbolo de posição subalterna na divisão hierárquica do trabalho e continua a fornecer a lógica para 15 confinar os membros dos grupos raciais subordinados àquilo que o código racial da sociedade define como ‘seus lugares apropriados’” (1979, p.83). Nesse sentido, pode-se afirmar que o racismo teve uma configuração institucional, tendo o Estado legitimado historicamente o racismo institucional. Este fato dá legitimidade às políticas de ação afirmativa na atualidade, e nos permite um entendimento da complexidade que envolve essas ações. Refiro-me às ações afirmativas, no Brasil, como políticas públicas que se destinam a corrigir uma história de desigualdades e desvantagens sofridas por um grupo étnicorracial frente a um Estado nacional que o discriminou negativamente. Devido a isso, o que motiva essas políticas é a ideia de que essas desigualdades tendem a se perpetuar caso o Estado continue utilizando os mesmos princípios considerados universalistas (mas que, na prática, favorecem só a alguns setores da sociedade) com que vem operando até agora na distribuição de recursos e oportunidades para as populações que contam com uma história secular de discriminação (Carvalho, 2005). Na atualidade, entre as políticas afirmativas implementadas no Brasil há: políticas de acesso e permanência de estudantes negros nas universidades; a aplicação de conteúdos de história e cultura afro- brasileira e africana, assim como práticas de educação antirracista nas instituições de Ensino Fundamental e Médio (Lei Federal 10639/03) (Brasil, 2004); a reserva de vagas para negros no mercado de trabalho; o reconhecimento étnico e a regularização fundiária de comunidades negras rurais e urbanas (chamadas na Constituição Federal de “remanescentes de quilombos”), e a própria Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Estas políticas destinam-se a reverter a desigualdade racial em vários campos sociais. Não obstante a Constituição Federal de 1988 tenha estabelecido políticas sociais universais – como saúde, educação e assistência – verifica-se que o aumento expressivo da cobertura das políticas sociais na população não tem colaborado significativamente para a redução das desigualdades raciais: “os avanços no sentido da consolidação de políticas sociais universais têm ampliado o acesso e as oportunidades da população negra, mas, em geral, não vêm alterando os índices históricos de desigualdade entre brancos e negros” (Jaccoud, 2008, p. 63). Conclui Jaccoud (2008, p.63) que “o desafio de construção de uma sociedade onde o Estado e as políticas beneficiem, de forma geral e abrangente, o conjunto da população, parece estar, no caso brasileiro, diretamente associado ao enfrentamento da questão racial”. Quanto à Assembleia Constituinte, embora o movimento negro tenha permeado as discussões, ao contar com interlocutores mais próximos das decisões e que, de alguma forma, representavam os interesses da população negra (como foram os casos de Benedita da Silva, Luiz Alberto Caó, Edmilson Valentim e Paulo Paim), e tenha trazido um avanço em matéria de direitos, o leque de demandas apresentado não foi incluído em sua totalidade. Foi consolidado o artigoque inseria as comunidades remanescentes de quilombos por entrarem no quadro das “minorias” junto às populações indígenas. Porém, a temática racial ficou reduzida à punição por meio da criminalização do racismo, restringindo o antirracismo aos tipos de racismo mais ostensivos, e não aos mecanismos institucionais que conformam as desigualdades no Brasil (Rodrigues, 2005). É no contexto posterior à 3ª Conferência Mundial das Nações Unidas contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância, realizada em Durban, África do Sul, no ano 2001, que é recolocada a discussão do racismo e da necessidade de políticas públicas. É nesse contexto que ações afirmativas passam a constar nas agendas internacionais e nacionais. Um reflexo desse contexto é a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, no início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003. A partir daí, novos pactos de combate ao racismo são estabelecidos, configurados na proposição de uma política de promoção da igualdade racial transversal. É, então, no contexto dos anos de 1990, e com maior ênfase nos anos 2000, com a crescente demanda e permeabilidade do Estado brasileiro por parte do movimento negro, que o conceito de racismo institucional 16 emerge como organizador de uma nova pauta de ações que possibilita a mobilização dos vários atores sociais que intervêm no processo de elaboração de políticas públicas de promoção da igualdade racial. A utilização do conceito permite não apenas uma compreensão mais ampla sobre a produção e a reprodução das desigualdades raciais brasileiras, como, também, aumenta as possibilidades de se efetivarem, nas políticas públicas e nas políticas organizacionais, novas frentes para se desconstruir o racismo e promover a igualdade racial; com isso, deslocando o debate do plano exclusivo das relações interpessoais, para relocalizá-lo nos termos de sua dimensão política e social (Silva et al., 2009). Busca-se dar visibilidade a processos de discriminação indireta que ocorrem no seio das instituições, resultantes de mecanismos que operam, até certo ponto, à revelia dos indivíduos. A essa modalidade de racismo convencionou-se chamar de racismo institucional, em referência às formas como as instituições funcionam, contribuindo para a naturalização e reprodução da desigualdade racial. O racismo institucional, tal como o definem Silva et al. (2009), não se expressa em atos manifestos, explícitos ou declarados de discriminação (como poderiam ser as manifestações individuais e conscientes que marcam o racismo e a discriminação racial, tal qual reconhecidas e punidas pela Constituição brasileira). Ao contrário, atua de forma difusa no funcionamento cotidiano de instituições e organizações, que operam de forma diferenciada na distribuição de serviços, benefícios e oportunidades aos diferentes segmentos da população do ponto de vista racial. Ele extrapola as relações interpessoais e instaura-se no cotidiano institucional, inclusive na implementação efetiva de políticas públicas, gerando, de forma ampla, desigualdades e iniquidades. A produção e o uso do conceito de racismo institucional para a promoção de políticas de igualdade racial vêm se dando desde o final da década de 1960, vinculados a contextos pós-coloniais de empoderamento e (re)definição de sujeitos políticos negros em âmbito transnacional. Nos Estados Unidos, ele surge na arena de luta pelos direitos civis e com a implementação de políticas de ação afirmativa. O conceito é enunciado de maneira pioneira no livro Poder Negro (Carmichael, Hamilton, 1967), de autoria de dois intelectuais e lideranças do movimento Panteras Negras, a modo de manifesto e reflexão sobre o projeto político em que se baseava essa mobilização. O racismo institucional, tal como definido pelos autores, denuncia as estruturas de poder branco e cria as condições políticas para se estabelecerem estruturas de poder negro. Os autores se referem ao racismo como a predicação de decisões e de políticas sob considerações de raça com o propósito de subordinar um grupo racial e manter o domínio sobre esse grupo. O racismo apresenta-se, ao mesmo tempo, aberto e encoberto, em duas formas estreitamente relacionadas entre si. Quanto à forma individual, o racismo manifesta-se em atos de violência de indivíduos brancos que causam mortes, danos, feridas, destruição de propriedade, insultos contra indivíduos negros. Já com a forma de racismo institucional, aparece menos identificável em relação aos indivíduos específicos que cometem esses atos, mas não por isso menos destrutivo de vidas humanas. Origina-se no funcionamento das forças consagradas da sociedade, e recebe condenação pública muito menor do que a primeira forma. Dá-se por meio da reprodução de políticas institucionalmente racistas, sendo muito difícil de se culpar certos indivíduos como responsáveis. Porém, são os próprios indivíduos que reproduzem essas políticas. Inclusive, as estruturas de poder branco absorvem, em muitos casos, indivíduos negros nos mecanismos de reprodução do racismo. No Brasil, como mencionamos anteriormente, a partir da década de 1990 e, mais especificamente, no começo dos anos 2000, o movimento negro dissemina o debate, no governo brasileiro, para a efetivação dos compromissos pela promoção de igualdade racial no país, assumidos transnacionalmente na Conferência Mundial contra o Racismo de 2001, anteriormente citada. A mobilização então realizada ampliou o debate público sobre 17 a questão racial e sobre como o poder público poderia desenvolver atividades efetivas de desconstrução do racismo, ao mesmo tempo em que propiciou contato e conhecimento mais amplos com experiências que estavam sendo desenvolvidas em outros países. Dentro dessa nova cartografia pode ser considerado o Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI), implementado, no Brasil, em 2005, por meio de uma parceria que contou com: a SEPPIR, o Ministério Público Federal, o Ministério da Saúde, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), e o Departamento Britânico para o Desenvolvimento Internacional e Redução da Pobreza (DFID), como agente financiador, e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), como agência responsável pela administração dos recursos alocados para o programa. O PCRI, no Brasil, tem como foco principal a saúde (CRI, 2006). A definição de racismo institucional adotada por esse Programa deriva do relatório publicado, em 1999, referente ao inquérito sobre o caso Stephen Lawrence. Essa definição, usada amplamente pela militância negra no Brasil, diz o seguinte: #IMPORTANTE: O racismo institucional é o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e adequado às pessoas em virtude de sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Ele se manifesta em normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho, os quais são resultantes do preconceito racial, uma atitude que combina estereótipos racistas, falta de atenção e ignorância. Em qualquer caso, o racismo institucional sempre coloca pessoas de grupos raciais ou étnicos discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado e por demais instituições e organizações. (CRI, 2006, p.22) #SÍNTESECONCLUSIVA: O racismo institucional tem uma configuração histórica no Brasil, fato que legitima e reclama as políticas com enfoque racial na atualidade. Embora a ampliação das coberturas das políticas sociais tenha provocado impactos importantes na redução das desigualdades raciais (no que diz respeito ao acesso aos serviços e benefícios), as políticas sociais universais foram progressivamente deixando de ser consideradas como os únicos instrumentos necessários a serem adotados para se alcançar a redução das desigualdades raciais. Desde os anos 1960,em nível transnacional, e a partir dos anos 1990, no Brasil, surge tanto o conceito de racismo institucional quanto dispositivos políticos (como são as ações afirmativas) que podem revertê-lo. Para a desconstrução do racismo institucional, que atua de forma difusa no funcionamento cotidiano de instituições e organizações, provocando uma desigualdade na distribuição de serviços, benefícios e oportunidades aos diferentes segmentos da população do ponto de vista racial, precisa-se de políticas públicas que provoquem uma desrracialização, mas, também, de reflexões acadêmicas sobre como operam esses mecanismos. 5 PROSELITISMO RELIGIOSO #CAIUEMPROVA - A respeito da proteção penal trazida pela Lei 7.716/89 e levando em consideração o entendimento recente do STF, o que se entende por proselitismo religioso? Essa prática configura o crime de racismo? Proselitismo religioso significa empreender esforços para convencer outras pessoas a também se converterem à sua religião. “(...) A criminalização do proselitismo em termos genéricos traduzir-se-ia, não na proteção de um bem fundamental devidamente identificado, mas sim na proibição de uma conduta religiosa, independentemente do impacto que a mesma pudesse vir a ter, ou não, nos bens fundamentais constitucional e penalmente tutelados. Tal solução, ao transferir para as autoridades administrativas vastos poderes de restrição do direito à liberdade 18 religiosa, deve ter-se, evidentemente, como constitucionalmente inadmissível.” (MACHADO, Jônatas. Liberdade Religiosa numa comunidade constitucional inclusiva. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p 229). Apesar de o proselitismo, por si só, não configurar crime, ainda que feito por meio de comparações entre as religiões, é preciso que isso seja feito dentro de limites que, se ultrapassados, podem sim configurar condutas discriminatórias e preconceituosas. É normal que no discurso proselitista defenda-se que uma religião é melhor que a outra, que uma está "certa" e a outra "errada". Até aqui não há qualquer ilícito na conduta. O ponto crucial vem a seguir: pelo fato de uma religião ser superior a outra, o que está "superior" deve fazer em relação às demais? SITUAÇÃO 01 SITUAÇÃO 02 Se o discurso dessa religião supostamente superior for de dominação, opressão, restrição de direitos ou violação da dignidade humana das pessoas integrantes dos demais grupos: aí teremos discriminação passível de ser punida criminalmente. Por outro lado, se o discurso dessa religião supostamente superior for no sentido de que os superiores têm o dever de ajudar os inferiores para que estes alcancem um nível mais alto de bem-estar e de salvação espiritual: neste caso, não haverá conduta criminosa. #SURPREENDAOEXAMINADOR: O discurso discriminatório criminoso somente se materializa se forem ultrapassadas três etapas indispensáveis: a) uma de caráter cognitivo, em que atestada a desigualdade entre grupos e/ou indivíduos (existem religiões diferentes entre si); b) outra de viés valorativo, em que se assenta suposta relação de superioridade entre eles (a minha religião é "superior" às demais); e c) uma terceira, em que o agente, a partir das fases anteriores, supõe legítima a dominação, exploração, escravização, eliminação, supressão ou redução de direitos fundamentais do diferente que compreende inferior. Se o discurso proselitista prega que a religião supostamente "superior" tem o objetivo de auxiliar os adeptos de outras religiões (tidas como equivocadas), neste caso, não há discriminação. Isso porque se ficou apenas nas duas primeiras etapas acima expostas, não se ultrapassando a terceira (mais danosa). #CONCLUSÃO: Assim, a tentativa de persuasão, de convencimento pela fé, sem contornos de violência ou que atinjam diretamente a dignidade humana, não é crime. #DEOLHONAJURISPRUDÊNCIA: Determinado padre escreveu um livro, voltado ao público da Igreja Católica, no qual ele faz críticas ao espiritismo e a religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé. O Ministério Público da Bahia ofereceu denúncia contra ele pela prática do art. 20, § 2º da Lei nº 7.716/89 (Lei do Racismo). No caso concreto, o STF entendeu que não houve o crime. A CF/88 garante o direito à liberdade religiosa. Um dos aspectos da liberdade religiosa é o direito que o indivíduo possui de não apenas escolher qual religião irá seguir, mas também o de fazer proselitismo religioso. Proselitismo religioso significa empreender esforços para convencer outras pessoas a também se converterem à sua religião. Desse modo, a prática do proselitismo, ainda que feita por meio de comparações entre as religiões (dizendo que uma é melhor que a outra) não configura, por si só, crime de racismo. Só haverá racismo se o discurso dessa religião supostamente superior for de dominação, opressão, restrição de direitos ou violação da dignidade humana das pessoas integrantes dos demais grupos. Por outro lado, se essa religião supostamente superior pregar que tem o dever de ajudar os "inferiores" para que estes alcancem um nível mais alto de bem-estar e de salvação espiritual e, neste caso não haverá conduta 19 criminosa. Na situação concreta, o STF entendeu que o réu apenas fez comparações entre as religiões, procurando demonstrar que a sua deveria prevalecer e que não houve tentativa de subjugar os adeptos do espiritismo. Pregar um discurso de que as religiões são desiguais e de que uma é inferior à outra não configura, por si, o elemento típico do art. 20 da Lei nº 7.716/89. Para haver o crime, seria indispensável que tivesse ficado demonstrado o especial fim de supressão ou redução da dignidade do diferente, elemento que confere sentido à discriminação que atua como verbo núcleo do tipo. STF. 1ª Turma. RHC 134682/BA, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 29/11/2016 (Info 849). 6 DISPOSITIVOS PARA O CICLO DE LEGISLAÇÃO LER A LEI 7.716/89 NA ÍNTEGRA. 7 BIBLIOGRAFIA Esse material é uma fusão das seguintes fontes: - Livro de Gabriel Habib - Livro de Victor Eduardo Rios Gonçalves - Livro de Renato Brasileiro - Anotações pessoais de aulas 1.1 CONCEITOS 1.2 POLÍTICAS PÚBLICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS 1.3 BEM JURÍDICO TUTELADO 1.4 PREVISÃO CONSTITUCIONAL, MANDADO DE CRIMINALIZAÇÃO E IMPRESCRITIBILIDADE 1.5 OBJETO DA LEI 1.6 LEIS QUE TRATAM DE OUTRAS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO 1.7 CRIMES DE PRECONCEITO X TORTURA (PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE) 1.8 ELEMENTO SUBJETIVO 1.9 SUJEITOS DOS CRIMES 1.10 CONSUMAÇÃO 1.11 AÇÃO PENAL 1.12 COMPETÊNCIA 1.13 CRIMES DE PRECONCEITO X INJÚRIA PRECONCEITO (CAI MUITO) 2 CRIMES EM ESPÉCIE 3 EFEITOS DA CONDENAÇÃO 4 RACISMO INSTITUCIONAL 5 PROSELITISMO RELIGIOSO 6 DISPOSITIVOS PARA O CICLO DE LEGISLAÇÃO 7 BIBLIOGRAFIA
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