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07 Medidas para suprimir a caudofagia podem melhorar o bem-estar de suínos: uma revisão narrativa Suzi Paiva Melo IF Sudeste MG Carlos Rodolfo Pierozan IF Sudeste MG '10.37885/220207844 https://dx.doi.org/10.37885/220207844 Zootecnia: pesquisa e práticas contemporâneas - ISBN 978-65-5360-087-4 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 3 - Ano 2022 98 Palavras-chave: Bem-Estar Animal, Canibalismo de Cauda, Suinocultura. RESUMO Objetivou-se com esta revisão narrativa apresentar uma visão-holística sobre um compor- tamento anormal que afeta suínos, denominado “caudofagia” ou “canibalismo de cauda”, bem como alguns dos fatores causais e estratégias para reduzi-lo. A caudofagia é oca- sionada por condições associadas à nutrição, ao ambiente, à saúde dos animais, dentre outros aspectos. Este comportamento causa prejuízos econômicos para os suinocultores, além de afetar negativamente o bem-estar dos animais. Um dos manejos utilizados a fim de reduzir este problema consiste em realizar o corte do terço final da cauda dos leitões, contudo, esta prática também se mostra prejudicial ao bem-estar dos suínos. A adoção concomitante de estratégias como inclusão de enriquecimento ambiental, melhorias no manejo alimentar e nutricional, promoção da saúde dos animais e melhores condições de ambiência podem reduzir as chances de ocorrência de caudofagia em suínos. Zootecnia: pesquisa e práticas contemporâneas - ISBN 978-65-5360-087-4 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 3 - Ano 2022 98 99 INTRODUÇÃO É crescente a demanda mundial por ações que favoreçam o bem-estar de suínos, fato que inclui o Brasil como interessado. O avanço da industrialização da produção de suínos resultou no aumento da produtividade, maior produção de leitões/porca/ano além da mo- dernização do sistema de produção. Contudo, tal avanço afetou de forma negativa alguns aspectos do bem-estar dos animais, como a expressão de seus comportamentos naturais, favorecendo a ocorrência de problemas como a caudofagia. A “caudofagia” também chamada “canibalismo de cauda” foi definida há algumas dé- cadas como o ato dos suínos em morder a cauda de seu coespecífico, podendo causar sangramento, septicemia, infecções, perda da cauda e até a morte do animal em casos mais severos (PUTTEN, 1969; VALROS, 2017), sendo este um comportamento anormal aos suínos. Entende-se por comportamento anormal todo e qualquer comportamento que não seja natural da espécie, tais como sugar o umbigo ou a orelha (BRASIL, 2020). A privação do instinto de exploração em vida livre destes animais é um fator de influência para a prática de comportamentos anormais (BRAGA; DEL’ARCO; DIAS, 2006). Isso fica evidente quando percebemos que suínos criados em sistemas à solta apresentam menor incidência de canibalismo de cauda quando comparados aos animais criados em sistemas confinados (DIAS; SILVA; MANTECA, 2014). Houve aumento de casos de caudofagia em granjas de suínos após a intensificação da suinocultura (SOBESTIANSKY; ZANELLA, 2012). É provável que a caudofagia seja o mais sério problema comportamental em suínos (VALROS, 2017). O animal vítima de caudofagia apresenta comportamentos como manter-se deitado durante a maior parte do dia, sinais de apatia e redução da ingestão de alimento, resultando perda de peso e de rendimento de carcaça (FRANCO, 2020), pois sente dor e se mantém sob estresse (MUNSTERHJELM et al., 2013). Objetivou-se com a presente revisão narrativa relatar sobre a caudofagia, sua relação com o bem-estar animal, alguns dos fatores causais, e apresentar estratégias para reduzir a casuística deste problema comportamental na suinocultura. DESENVOLVIMENTO Para a confecção desta revisão bibliográfica, foram realizadas pesquisa em artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais, teses, dissertações, livros e sites re- nomados de conteúdo técnico já consolidado. Zootecnia: pesquisa e práticas contemporâneas - ISBN 978-65-5360-087-4 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 3 - Ano 2022 100 Panorama mundial da produção suinícola A nível mundial a China se mantém como detentora da maior produção de suínos (38 mil toneladas), seguida da União Europeia (24 mil toneladas) e Estados Unidos (12 mil toneladas) (ABPA, 2021). O Brasil é o quarto maior produtor e exportador de suínos, com- preendendo em 2020 um plantel de 1.970.611 matrizes alojadas, 4,436 milhões de toneladas produzidas, e um consumo per capita de 16 kg/ano. Cerca de 77% do total de carne suína produzida no país abasteceu o mercado interno, enquanto o restante deste percentual foi destinado à exportação. Os quatro estados que mais abateram suínos no Brasil em 2020 são: Santa Catarina (30,73%), Paraná (21,10%), Rio Grande do Sul (19,08%) e Minas Gerais (9,95%) (ABPA, 2021). Para que o Brasil continue obtendo êxito nesta atividade, é necessário conhecer e res- peitar os avanços nas exigências legais e recomendações técnicas relacionadas a nutrição, sanidade, instalações e também, cada vem mais, no que tange o bem-estar animal. Bem-estar animal Nota-se que é cada vez mais evidente a pressão por parte dos consumidores de produtos de origem animal por melhores condições de bem-estar na criação e abate. A sui- nocultura que atende os preceitos de bem-estar animal é aquela com, segundo definição de Carvalho et al. (2013), “qualidade ética”, ou seja, uma produção de forma correta e sus- tentável. Em países como os da União Europeia, a preocupação com o bem-estar animal é elevada, sendo que no Brasil os avanços nesta área, em termos de pesquisas científicas, publicações técnicas e atuação industrial e a campo são cada vez mais presentes. No ano 1965, se iniciaram atuações acerca do bem-estar dos animais a partir da cria- ção do Comitê Brambell, formado no Reino Unido por vários cientistas. Isso ocorreu após a publicação do livro Máquinas Animais (tradução de Animal Machines), por Ruth Harrison no ano de 1964, o qual abordava sobre a forma como qual os animais confinados eram tratados, gerando grande revolta por parte da população europeia (DIAS; SILVA; MANTECA, 2014). Como desfecho, o Comitê Brambell criou as “Cinco Liberdades de Brambell”, descri- tas no livro Report of the Technical Committee to Enquire into the Welfare of Animals kept under Intensive Livestock Husbandry Systems (BRAMBELL, 1965). Tal livro foi escrito em forma de relatório, sanando as dúvidas da população a respeito do manejo dos animais criados em confinamento na Grã-Betanha. Atualmente, as cinco liberdades de Brambell são conhecidas como “As cinco liberdades do bem-estar animal”, as quais preconizam que os animais estejam nas condições abaixo: Zootecnia: pesquisa e práticas contemporâneas - ISBN 978-65-5360-087-4 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 3 - Ano 2022 100 101 1. Livres de fome e sede; 2. Livres de desconforto; 3. Livres de dor e doenças; 4. Livres para expressar seus comportamentos naturais; 5. Livres de medo e estresse. A Tabela 1 demonstra em quais parâmetros as cinco liberdades podem atuar dentro do sistema de produção animal. Tabela 1. Princípio das cinco liberdades do bem-estar animal, propostas pelo Farm Animal Welfare Council (FAWC), em 1992. Liberdade Parâmetro Livres de fome e sede Acesso à água fresca, potável e acesso a dietas que complementam a manu-tenção da saúde e vigor Livres de desconforto Fornecimento de um ambiente apropriado, com abrigo e área para descanso Livres de dor e doenças Prevenção ou diagnóstico rápido e tratamento Livres para expressar seus comportamentos naturais Fornecer espaço adequado e companhia de animais da mesma espécie Livres de medo e estresse Garantia das condições e tratamento evitando sofrimento mental Fonte: Adaptado de FAWC (1992). O Tratado de Amsterdã foi um reconhecimento a respeito da importância do bem-estar animal, comprovando que animais são seres sencientes, o que significa que são capazesde ser conscientes, sentir dor e emoções, isso motivou um plano de ação com o objetivo de oferecer proteção aos animais (DIAS; SILVA; MANTECA, 2015a). A Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) também firmou seu compromisso com o bem-estar através da Estratégia Global de Bem Estar Animal, que visa orientar as atividades da OIE, visto que cada país adota um diferente sistema de manejo. O Código Terrestre da OIE define bem-estar animal como: “O estado físico e mental de um animal em relação às condições em que ele vive e morre” (OIE, 2019). Caudofagia em suínos A caudofagia é o ato de morder a cauda de outros animais, podendo provocar feri- mentos, sangramentos e infecções, prejudicar o desempenho produtivo, causar aumento da condenação de carcaças, e aumentar a taxa de mortalidade (DALLA COSTA et al., 1991), além de provocar dor e estresse ao animal vítima (MUNSTERHJELM et al., 2013). Além do canibalismo de cauda, também é pode ocorrer que os suínos mordam os flancos e orelhas de outros animais (EFSA, 2007). Embora seja um problema que pode ser observado em qualquer fase de criação de suínos, é mais comum em animais em crescimento e terminação, bem como em leitoas Zootecnia: pesquisa e práticas contemporâneas - ISBN 978-65-5360-087-4 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 3 - Ano 2022 102 de reposição (VALROS, 2017). Estudos tem reportado entre 2 e 12% de caso severos de caudofagia em suínos com cauda intacta, e cerca de 3% em suínos com cauda cortada (VALROS e HEINONEN, 2015). A caudofagia é um comportamento induzido por uma ampla gama de fatores de risco (EFSA, 2007; 2014). A incidência de caudofagia é maior em sistemas de criação confina- da (SIMONSEN; KLINKEN; BINDSEIL, 1991; BRAGA; DEL’ARCO; DIAS, 2006), devido a limitação do comportamento natural dos animais em explorar o ambiente (BRAGA et al., 2018). Baias com alta densidade, aliadas com dificuldades de acesso à água e falta de circulação de ar nos galpões também são fatores que podem aumentar o risco de caudo- fagia (SCOLLO et al., 2013). A Tabela 2 apresenta os principais fatores de risco para este problema comportamental. Tabela 2. Fatores de risco associados à ocorrência de canibalismo de cauda em granjas de suínos. Fatores Características Sexo Fêmeas e machos inteiros manifestam mais comportamentos associados ao canibalismo devido à curiosidade pelos genitais e pelo interesse sexual Densidade nas baias Alta densidade de animais provoca aumento de canibalismo Idade e peso A probabilidade de incidência de canibalismo aumenta de acordo com a idade dos animas. Lei-tões mais leves são mais susceptíveis à prática de canibalismo Tipo de piso Associação entre piso compacto com adição de maravalha ou palha tende a diminuir os casos de canibalismo Qualidade dos ingredientes da dieta Ingredientes de má qualidade e restrição de alimento podem aumentar o canibalismo Qualidade da mistura da dieta A ração misturada corretamente (coeficiente de variação baixo) garante a disponibilidade dos nutrientes Saúde do rebanho Problemas respiratórios aumentam em 1,6 vezes a incidência de canibalismo Qualidade do ar Níveis de amônia acima de 10 ppm aumentam a incidência de canibalismo Fonte: Adaptado de Sonoda et al. (2013). Sexo Curiosamente, os suinocultores costumam indicar que fêmeas pequenas são as que mais praticam canibalismo de cauda, embora isso não tenha sido comprovado em estudos científicos. Em comparação a suínos machos castrados, fêmeas são mais propensas a morder a cauda. Isso se deve ao fato de que ao atingirem a maturidade sexual, as fêmeas tornam-se mais ativas e possuem maior interesse em explorar a região ânus-genital do que os machos (VALROS, 2017). Ambiente interno nas baias - espaço de comedouro e densidade Estudos indicam que a competição por ração é um importante fator de risco para cau- dofagia, o que pode estar relacionado ao comportamento natural dos suínos se alimentarem ao mesmo tempo, sendo que se tornam frustrados quando não têm acesso simultâneo à Zootecnia: pesquisa e práticas contemporâneas - ISBN 978-65-5360-087-4 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 3 - Ano 2022 102 103 ração, resultando em morder a cauda de seu coespecífico (TAYLOR et al., 2010). Laskoski et al. (2019) concluiram que reduzir o número de animais por espaço de comedouro, sob densidade constante, diminuiu a incidência de caudofagia em leitões de creche. A presença de cinco ou mais animais por cada espaço de comedouro refletiu aumento nas chances de ocorrência de caudofagia (MOINARD et al., 2003). Essa disputa por recursos da baia, incluindo o acesso ao alimento, depende de alguns fatores, como à densidade animal dentro das baias. Moinard et al. (2003) constataram que densidade igual ou superior a 110 kg/m² na fase de crescimento aumenta de forma significati- va o risco de canibalismo em comparação à densidades menores. Entretanto, as conclusões parecem ainda não ser consistentes, uma vez que a maioria dos estudos reporta nenhum efeito da densidade sobre a caudofagia (D’EATH et al., 2014). Tipo de piso e oferta de substrato Pisos ripados aumentam em até três vezes a probabilidade de casos de canibalismo em comparação a utilização de piso sólido (BRAGA; DEL’ARCO; DIAS, 2006). Quanto maior for a área de piso ripado, maior será a chance de ocorrência de caudofagia (SOBESTIANSKY; ZANELLA, 2012). Além disso, há muito tempo tem se verificado que pisos que comportam materiais de enriquecimento fornecidos como cama, a exemplo de palha ou maravalha (ou mesmo casca de arroz, Figura 1) diminuem os casos deste comportamento (STEIGER, 1978). Figura 1. Suíno alojado em sistema de cama sobreposta com casca de arroz. Fonte: Arquivo pessoal (2017). Dieta Animais com deficiências nutricionais possuem apetite maior, podendo justificar a atra- ção por sangue (FRASER; BERNON; BALL, 1991), resultado em maiores casos de canibalis- mo de cauda. Déficit de sal, cobalto, cobre e ferro na alimentação de suínos são responsáveis por aumento dos níveis de estresse, estimulando o instinto explorador da espécie (BRAGA; Zootecnia: pesquisa e práticas contemporâneas - ISBN 978-65-5360-087-4 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 3 - Ano 2022 104 DEL’ARCO; DIAS, 2006). De acordo com Lopes (2020), a granulometria da ração e o teor de fibra inadequados são fatores que podem desencadear a ocorrência de caudofagia. Doenças Leitões doentes são mais susceptíveis a serem afetados por canibalismo de cauda (KRITAS; MORRISON, 2004). Morés (2006) ao conduzir um estudo com anatomopatolo- gias em lesões pulmonares de suínos que tiveram carcaças condenadas observou lesões presentes no parênquima pulmonar destes animais causadas por bactérias gram-positivas. Estas lesões são comumente associadas à prática de caudofagia. Higuera (2019) afirma que doenças infecciosas são consideradas fatores de risco, visto que animais doentes possuem menor capacidade a respostas evasivas. Ambiência Suínos necessitam de um ambiente que propicie temperatura e umidade adequadas, além de níveis ideais de gases e ausência de correntes de ar (HIGUERA, 2019). Animais expostos ao estresse por frio, por calor ou causado pelas oscilações rápidas de temperatura podem apresentar maior risco de morder a cauda (D’EATH et al., 2014, VALROS, 2017). Para determinação da temperatura ideal, é necessário avaliar o microclima de cada região, estado nutricional dos animais, idade, tamanho e demais variáveis ambientais (DIAS; SILVA; MANTECA, 2015b). Com relação à qualidade do ar, Scollo et al. (2016) afirmam que níveis de amônia acima de 10 ppm podem desencadear canibalismo em suínos. Genética/raças A caudofagia é precipitada ou agravada por diversos fatores indiretos e cumulati- vos, dentre os quais cita-se que fatores genéticos podem estar associados a este distúrbio (SOBESTIANSKY; ZANELLA, 2012; LOPES, 2020). Entretanto, há poucos estudos sobre as diferençasentre raças no risco do suíno apresentar comportamento de caudofagia, sendo que a maioria dos estudos não mostram diferenças entre elas (VALROS, 2017). Estratégias para a redução da caudofagia em suínos Caudectomia Uma prática recorrente nas granjas é o corte da cauda de leitões (Figura 2). Até pou- co tempo, era tolerado o corte com uso de alicate sem realizar cauterização. Desde 2021 este manejo deve ser conduzido com equipamento que realize o corte, e em seguida haja Zootecnia: pesquisa e práticas contemporâneas - ISBN 978-65-5360-087-4 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 3 - Ano 2022 104 105 cauterização do local (BRASIL, 2020). Após três dias de vida este manejo só pode ser rea- lizado com o uso de anestesia e analgesia para controle da dor (BRASIL, 2020). Figura 2. Leitão sendo submetido ao corte de cauda. Fonte: Arquivo pessoal (2013). A caudectomia, apesar de ser eficaz, apresenta risco de infecção e causa dor aos animais (RENGGAMAN et al., 2015). A dor proveniente deste procedimento pode se tornar crônica (BRAGA; DEL’ARCO; DIAS, 2006; BRAGA et al., 2018). Esse manejo não é reco- mendado pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA (CFMV, 2008; BRASIL, 2020). Entretanto, o procedimento é tolerado quando medidas de ajuste do manejo e qualidade do ambiente sejam empregadas, quando o corte seja apenas do terço final da cauda, seja recomendado por médico veteriná- rio, e realizado por operadores capacitados (BRASIL, 2020). Além disso é importante frisar que cortar a cauda do suíno não é garantia de que a caudofagia não irá ocorrer. Enriquecimento ambiental O enriquecimento ambiental é uma estratégia que consiste em proporcionar aos ani- mais um ambiente interativo, com a adição de objetos ou materiais que reduzam os níveis de estresse suínos (Figura 3). Pode ser definido também pela promoção de um ambiente que proporcione ao suíno demonstrar seu comportamento natural, por meio de um ambiente enriquecido com materiais e objetos adequados (BRASIL, 2020). Na Europa a utilização desta técnica é aprovada desde 2003 pelas diretrizes 2001/88/ EC e 2001/93/EC) (SCOTT et al., 2009; GUY et al., 2013), tendo como objetivo instigar o comportamento natural exploratório de suínos, além de proporcionar bem-estar físico e psi- cológico. Como consequência, além da redução do estresse, o enriquecimento ambiental também reduz significativamente casos de comportamentos anômalos, como a caudofagia (GUY et al., 2002). No Brasil um estudo indicou que 41,5% dentre 1.296 granjas pesquisas Zootecnia: pesquisa e práticas contemporâneas - ISBN 978-65-5360-087-4 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 3 - Ano 2022 106 utilizavam algum tipo de material ou objeto de enriquecimento ambiental de forma esporá- dica (não frequente), em baias de suínos com casos de briga, caudofagia ou dejeções na área limpa da baia (PIEROZAN et al., 2020), o que representa que os produtores possuem uma percepção intrínseca de que o enriquecimento realmente pode reduzir a caudofagia. Figura 3. Suínos interagindo com brinquedo introduzido na baia como enriquecimento ambiental. Fonte: Equipe Técnica MS Schippers (2021). Na implantação dos enriquecimentos é necessário que estes sejam seguros. Além dis- so, os requisitos desejáveis são que sejam deformáveis e móveis, multifuncionais e tenham propriedades relacionadas à alimentação, como cheiro, sabor e valor nutricional. Para que despertem um interesse contínuo por parte dos suínos, os materiais devem ser manejados de forma que sejam novos ou renovados, acessíveis a todos os animais e mantidos em boas condições de higiene (não sujos) (EFSA, 2014). O uso de materiais manipuláveis é frequentemente considerado o fator mais importante para reduzir o risco de canibalismo (EFSA, 2007). Geralmente, objetos são menos eficientes do que os materiais tipo cama na redução do risco de caudofagia (EFSA, 2014). Entretanto, como material de cama nem sempre é viável a nível de granja comercial, objetos sólidos muitas vezes são utilizados sozinhos ou em combinação com porções de material de cama (VALROS, 2017). Geralmente são indicados objetos mastigáveis e atraentes, com sabores e odores estimulantes (VAN DE WEERD et al., 2003). Alguns dos materiais que podem ser utilizados e outros não recomendados como enriquecimento ambiental para suínos são expressos nas Tabelas 3 e 4, respectivamente. Zootecnia: pesquisa e práticas contemporâneas - ISBN 978-65-5360-087-4 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 3 - Ano 2022 106 107 Tabela 3. Materiais que podem ser utilizados como enriquecimento ambiental para suínos. Tipo de material Fornecido como Grau de interesse do suíno Podem ser complementados com materiais Feno, miscanthus, palha, raízes de vegetais e silagem Cama Ótimo Não se aplica Terra Cama Bom Comestíveis e mastigáveis Aparas de madeira Cama Bom Comestíveis e manipuláveis Serragem Cama Bom Comestíveis e mastigáveis Composto de cogumelos, turfa Cama Bom Comestíveis Areias e pedras Cama Bom Comestíveis e mastigáveis Tiras de papel Cama parcial Bom Comestíveis Pellets Distribuidor Bom Depende da quantidade de pellets fornecidas Palha, feno ou silagem Manjedoura ou distribuidor Bom Manipuláveis e de investigação Madeira macia não tratada, corda natural, sacos de cânhamo, juta, serrapilheira Objetos e/ou equipamentos Bom Comestíveis e investigáveis Palha comprimida em cilindro Objetos e/ou equipamentos Bom Manipuláveis e de investigação Briquete de serradura Objetos e/ou equipamentos Bom Comestíveis, manipuláveis e de investigação Correntes simples, borracha, manguei- ra macia plástica, madeira dura, bolas, bloco de sal Objetos e/ou equipamentos Ruim Devem ser complementados com materiais ótimos ou bons Materiais mais apropriados para leitões Materiais facilmente destrutíveis como: tiras entrelaçadas de tecido, cordões com pontas esfiapadas ou porções de madeira macia com casca Fonte: Adaptado de Franco (2020). Tabela 4. Materiais não indicados como enriquecimento ambiental para suínos. Materiais que não podem ser oferecidos Apresentam risco de lesões Apresentam risco de contaminantes biológicos ou químicos Corda sintética: engolida em pedaços pode causar obstrução intestinal Palha mal armazenada, turfa não tratada e compostagem de cogumelo: podem abrigar agentes patogênicos Tiras de metal em pneus: quando mordida pode causar cortes na boca Serradura seca: quando transportada por via aérea causa pó e irritação Madeira velha e seca: pode estilhaçar-se quando mordida Objetos de enriquecimento sujos: tornam-se reservatório de agentes patogênicos Fonte: Adaptado de Franco (2020). É importante ressaltar que a implantação do enriquecimento ambiental para suínos deve ser bem planejada, de modo que se o projeto estiver mal estruturado pode causar efeito reverso, promovendo mais estresse aos animais (VAN DE WEERD et al., 2006) além da perda rápida do interesse (VAN DE WEERD et al., 2003). Além disso, a escolha do enri- quecimento mais adequado deve estar dentro das possibilidades e perspectivas do produtor (ZWICKER et al., 2013; FOPPA et al., 2020). Campos et al. (2010) ao conduzir um experimento com enriquecimento ambiental para leitões desmamados aos 28 dias, comprovaram que a introdução de brinquedos nas baias foi atraente para os animais. Porém, assim que os animais se acostumaram com os brin- quedos, brincar com os demais leitões acabou se tornando mais interessante. Foppa et al. (2018) concluiu que objetos de enriquecimento ambiental feitos com materiais destrutíveis são mais atrativos para suínos nas fases de creche e crescimento. Zootecnia: pesquisa e práticas contemporâneas - ISBN 978-65-5360-087-4 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 3 - Ano 2022 108 Além de melhorar o bem-estar dos animais, os diversos tipos de enriquecimento devemser interessantes para o produtor, além de sanitário e ambientalmente corretos, apresentar alta durabilidade, fácil manejo e baixo custo de implantação (FOPPA, et al., 2020). A utili- zação de estímulos sonoros, visuais e olfativos também podem ser utilizados em conjunto com materiais de manipulação (BRASIL, 2020). Espaço para os animais De acordo com a Instrução Normativa n°113/2020 do MAPA, a densidade das baias deve ser delineada de acordo com as condições ambientais, de manejo e comportamentais dos animais (BRASIL, 2020). As orientações de densidade estão listadas na Tabela 5. Tabela 5. Densidade ideal para suínos de acordo com a categoria e tipo de alojamento. Categoria/tipo de alojamento Área útil (m²) Marrãs em pré cobertura (alojamento coletivo) Igual ou superior a 1,30 m 2/ animal Marrãs gestantes (alojamento coletivo) Igual ou superior a 1,50 m2/ animal Matrizes gestantes ou vazias (alojamen- to coletivo) Igual ou superior a 2,00 m 2/ animal Cachaços adultos (alojamento em baias) Área mínima de 6,00 m2/ animal Leitões em fase de creche pesando até 30 kg de peso vivo ou em fase de recria Limite máximo de 100 kg por m 2 Suínos em terminação a serem abatidos com até 110 kg de peso vivo Área útil mínima igual ou superior a 0,9 m 2/ animal Suínos em terminação a serem abatidos acima de 110 kg de peso vivo Área útil mínima deve ser definida com base no peso metabólico dos animais por meio da equação A= k x PV0,667, sendo ‘A’ igual a área útil mínima em m2, ‘k’ uma constante de valor igual a 0,036 e ‘PV’ o peso vivo do animal Fonte: Instrução Normativa n° 113/2020 MAPA (BRASIL, 2020). Ambiência A características ideais relacionadas à ambiência variam de acordo com a espécie e categoria animal. Fatores como temperatura, umidade e velocidade do ar atuam em conjunto para que ocorra uma temperatura efetiva ideal (SANTOS et al., 2009). A temperatura ideal para leitões lactentes com menos de 1 kg varia entre 31 a 33°C, a qual diminui com a depender da fase e peso do suíno, chegando a 27 a 29°C para leitões desmamados com menos de 8kg, 19 a 21°C para leitões em crescimento entre 15 a 30 kg, 15 a 17°C para leitões em engorda entre 60 a 120 kg, 17 a 19°C para matrizes gestantes com alimentação restrita e cachaços, e 15 a 17°C para matrizes em lactação (WHITTEMORE, 1993, citado por DIAS, SILVA e MANTECA, 2014). A umidade relativa do ar ótima varia entre 60 a 70%, independente da fase de criação (FERREIRA, 2016). Já a velocidade do ar deve ser de 0,1 a 0,3 m/s para leitões, 0,2 a 0,3 Zootecnia: pesquisa e práticas contemporâneas - ISBN 978-65-5360-087-4 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 3 - Ano 2022 108 109 m/s na fase de crescimento, 0,2 a 0,5 na fase de terminação, e 0,2 a 0,4 para reprodutores (FERREIRA, 2016). Dieta A redução da competitividade de alimento nas baias pode reduzir a incidência de caudofagia (HIGUERA, 2019). Menor chance de caudofagia também está atrelada ao for- necimento de uma dieta balanceada e em proporções ideais de fibra bruta (3,0 a 4,5%) para leitões na fase de creche pesando entre 7 a 12 kg (DE BLAS, et al., 2013), bem como atendimento dos aminoácidos essenciais e granulometria correta da ração de acordo com a fase (LOPES, 2020). Manejo e tratamento em casos de caudofagia A identificação e remoção do animal com comportamento de caudofagia tem sido su- gerida por produtores como sendo a medida de intervenção mais eficiente (VALROS et al., 2016), sendo isto apoiado em outros estudos (ZONDERLAND et al., 2011). No entanto, iden- tificar o animal causador nem sempre é fácil, além de que muitos animais em uma mesma baia podem estar apresentando o comportamento (VALROS, 2017). Ademais, também tem disso recomendada a retirada dos animais afetados na baia, alojando-os em baias separadas dos demais, medicando-os com antibiótico, bem como realizando a imersão da cauda em medicamentos de uso veterinário que propiciem a cica- trização do ferimento (SCHRODER-PETERSEN; SIMONSEN, 2001). CONCLUSÃO A caudofagia é um comportamento anormal de origem multifatorial. Como forma de redução deste comportamento, a inclusão de enriquecimento ambiental, melhorias na am- biência, nutrição e saúde dos animais, bem como o corte de cauda aliado aos demais fatores, são estratégias muitas vezes efetivas quando empregadas corretamente. REFERÊNCIAS 1. ABPA - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PROTEÍNA ANIMAL. Relatório anual 2021. São Paulo, 75p. Disponível em: https://abpa-br.org/wp-content/uploads/2021/04/ABPA_Relato- rio_Anual_2021_web.pdf. Acesso em: 11 jan. 2021. https://abpa-br.org/wp-content/uploads/2021/04/ABPA_Relatorio_Anual_2021_web.pdf https://abpa-br.org/wp-content/uploads/2021/04/ABPA_Relatorio_Anual_2021_web.pdf Zootecnia: pesquisa e práticas contemporâneas - ISBN 978-65-5360-087-4 - Editora Científica Digital - www.editoracientifica.org - Vol. 3 - Ano 2022 110 2. BRAGA, D. P.; DEL’ARCO, A. E.; DIAS, R. C. Condenação de carcaças suínas por caudofagia em frigorífico sob Inspeção Federal no município de Concórdia, Santa Catarina. 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