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UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS DEPARTAMENTO DE ZOOTECNIA Bem-estar animal na cadeia produtiva de bovinos de corte Taianna de Campos Paz DIAMANTINA 2009 UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS DEPARTAMENTO DE ZOOTECNIA Bem-estar animal na cadeia produtiva de bovinos de corte Taianna de Campos Paz Orientadora: Prof. Drª. Margarida Maria Nascimento Figueiredo de Oliveira Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Zootecnia como parte do requisito exigido para a conclusão do Curso. DIAMANTINA 2009 Taianna de Campos Paz Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Zootecnia como parte do requisito exigido para a conclusão do Curso. APROVADA em...../...../..... ___________________________________________ Profª. Drª. Margarida Maria Nascimento Figueiredo de Oliveira - UFVJM ___________________________________________ Prof. Dr. Rony Antonio Ferreira - UFVJM ___________________________________________ Jorge Augusto Santos Fernandes - UFVJM DIAMANTINA 2009 iv AGRADECIMENTO À Deus, por me guiar sempre. À minha família, pela torcida, carinho e apoio. Dedico este trabalho à minha mãe. Obrigada por me proporcionar essa imensa alegria. Você me ensinou o valor do conhecimento, você é minha inspiração. Tenho orgulho de ser sua filha. À minha orientadora e amiga Profª. Drª. Margarida Maria Nascimento Figueiredo de Oliveira Obrigada por tudo, Pelos conselhos, ensinamentos, e dedicação pela confiança e amizade... Aos meus amigos de Diamantina, pelos momentos que passamos juntos, que foram ótimos, pela cumplicidade, carinho e união, Com certeza, vocês fizeram de mim uma pessoa melhor. v RESUMO PAZ, T. C. Bem-estar animal na cadeia produtiva de bovinos de corte 2009. XXIIIp. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Zootecnia). Faculdade de Ciências Agrárias, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina, 2009. Palavras Chave: Comportamento, bem-estar, bovinos. A situação atual da pecuária de corte no Brasil coloca nosso País em destaque neste setor no contexto mundial. Além de possuir o maior rebanho comercial bovino do mundo, alcançou-se a posição de maior exportador mundial de carne. No entanto, não se pode esquecer a importância de um manejo adequado, que minimize o estresse dos animais, assegurando bons rendimentos de carcaça e alta qualidade da carne. Estudos do comportamento animal permitem compreender como se dão as interações dos animais em seu ambiente de criação, que permitem evitar situações negativas que resultam em estresse e conseqüentes perdas econômicas. Neste caso é importante que na cadeia da bovinocultura de corte tenha conhecimento sobre o comportamento animal, para que assim possam evitar produtos de qualidade inferior ao esperado. A globalização dos mercados, cada vez mais disputados, mostra que os consumidores vêm aumentando suas exigências quanto à qualidade e com crescentes preocupações com a saúde e a ecologia. Portanto, é necessário que a cadeia produtiva da carne esteja preparada, como um todo, para atingir estas expectativas. vi ABSTRACT The beef cattle situation current in Brazil placed our country in highlight on global context. Besides baroque the bigger commercial cattle world, became to position of bigger world exporter of meat. Studies of animal behavior allows comprehending how the interactions of animals in their rearing environment, thus avoiding negative situations that result in stress and consequent economic losses. In this case it is important that the chain of beef cattle have knowledge about animal behavior, so they can avoid products of lower quality than expected. The globalization of markets, increasingly contested, shows that consumers are increasing their demands for quality and growing concerns about health and ecology. Therefore, it is necessary for the production chain of meat is prepared, as a whole, to achieve these expectations. Key words: Behavior, well-being, cattle. vii ÍNDICE Página RESUMO ....................................................................................................................................... ......... V ABSTRACT ................................................................................................................................... ......... VI 1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... ......... 1 2. REVISÃO DA LITERATURA .................................................................................................. ......... 3 2.1 Bem-estar animal e suas implicações ................................................................................... ......... 3 2.1.1 Manejo e práticas de bem-estar ......................................................................................... ......... 5 2.1.2 Estresse........................................................................................................ ................................ 7 2.1.3 Manejo pré-abate......................................................................................................................... 8 2.1.4 Ambiência ......................................................................................................................... ......... 9 2.1.5 Instalações ......................................................................................................................... ......... 10 2.1.6 Currais de confinamento ................................................................................................... ......... 10 2.1.7 Corredores, cercas e porteiras...................................................................................................... 10 2.1.8 Sombreamento... ................................................................................................................ ......... 11 2.1.9 Currais de manejo............................................................................................................ ............ 12 2.2 Manejo no embarque e desembarque ..................................................................................... ......... 13 2.2.1 Comportamento............................................................................................................................... 14 2.2.2 Rastreabilidade.............................................................................................................. .................. 17 2.3. Qualidade da carne............................................................................................................................ 18 2.3.1 Abate humanitário................................................................................ ...................................... 18 2.3.2 Fatores que influenciam a qualidade da carne............................................................................ 19 3. CONSIDERAÇÔES FINAIS.............................................................................................................. 20 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................... ...........21 1 1. INTRODUÇÃO No contexto mundial o Brasil ocupa posição de destaque no cenário da pecuária bovina de corte como maior exportador de carne bovina. Os avanços na área de melhoramento animal, nutrição e manejo, levaram os produtores de carne bovina a desenvolverem a atividade de forma intensa, o que implica na comparação do animal com uma máquina, minimizando a preocupação com a biologia do bovino. Por outro lado, os mercados cada vez mais disputados, os consumidores aumentando suas exigências quanto à qualidade da carne, saúde e ecologia, requer mais organização nas bases da produção, principalmente no que diz respeito ao bem-estar do animal e consequentemente, qualidade da carne. Nos últimos anos muito se escutou sobre tendências e exigências de mercado dentro da cadeia produtiva da carne bovina. Padronização de produto, agregação de valor e remuneração pela qualidade se tornaram termos comuns no vocabulário dos agentes do setor. O consumidor bem informado, ao adquirir a carne, pressupõe que ela seja proveniente de animais saudáveis, abatidos e processados higienicamente, e que esta condição tenha sido verificada rigorosamente pelo serviço de vigilância sanitária, seja rica em nutrientes, tenha uma aparência típica da espécie e seja bem palatável à mesa. Ou seja, o necessário para que a empresa respeite o consumidor. As redes de supermercados e os comerciantes em geral devem optar por vender carnes de qualidade assegurada, chamando atenção para os aspectos de inspeção sanitária, temperatura de conservação e certificado de origem. Ao decidirem pelo respeito ao consumidor, irão descobrir que o custo da qualidade não precisa onerar o preço. Os maiores frigoríficos do país têm passado a adotar tabelas que oferecem prêmios aos produtores que fornecem animais dentro dos padrões pré-estabelecidos, como, homogeneidade do lote, raça, sistemas de alimentação, distância dos animais da indústria, contusões na carcaça, qualidade do couro, bem estar dos animais, certificações, entre outras. Portanto, é fato a crescente tendência pela valorização de produtos produzidos de forma natural, sustentáveis do ponto de vista ambiental e social. Nesse sentido, vários estudos comprovam a necessidade de um manejo adequado que assegure bons índices de produtividade e alta qualidade do produto, sem colocar o bem-estar dos animais em risco. É preciso aprofundar o conhecimento sobre a biologia 2 da espécie, o ambiente de criação, as ações de manejo e definir quais práticas devem ser banidas e quais devem ser mantidas. Durante todo manejo, o estresse deve ser reduzido, o embarque deve ser bem monitorado, e o transporte, por ser o evento mais estressante, deve ser observado com bastante cuidado. No desembarque os cuidados devem ser os mesmo adotados para o embarque. É necessário que após o desembarque os animais tenham à disposição um curral de espera, sejam levados para a linha de abate sem estresse, os boxes de atordoamento devem ser individuais, a sangria deve ser rápida e logo após a sensibilização. Assim, teremos bom rendimento de carcaça e alta qualidade de carne. Programas de qualidade de carne devem enfatizar mais do que a oferta de produtos seguros, nutritivos e saborosos. Há necessidade de compromissos com a produção sustentável e a promoção do bem-estar humano e animal, assegurando satisfação do consumidor e renda ao produtor, sem causar danos ao ambiente (COSTA, 2002). Neste cenário, a Etologia pode propiciar uma nova perspectiva para o modelo convencional de produção animal. 1.1. OBJETIVO O meu objetivo ao desenvolver essa revisão da literatura é relacionar os métodos utilizados para assegurar o bem-estar de bovinos, por meio de estudos do comportamento, bem como suas relações com a qualidade da carne, e mostrar que com transparência e objetividade, é possível buscar melhorias para toda a cadeia da carne, do produtor ao consumidor. 1.2. JUSTIFICATIVA A produção animal se tornou industrial sendo constituída de um sistema de criação animal que utiliza métodos intensivos de ―linha de produção‖, que maximiza a quantidade de carne produzida ao mesmo tempo que minimiza custos. A pecuária industrial caracteriza-se pelas altas densidades de lotação e, ou, confinamento intenso, taxas de crescimento forçadas, alta mecanização e baixa necessidade de mão-de-obra. Com isso, cresce a cada dia, até mesmo como exigência do consumidor a preocupação com o bem-estar dos animais assim como a qualidade do produto final. 3 Assim, no meio técnico, científico e acadêmico, este tema merece cada vez mais atenção. Juntamente com as questões ambientais e a segurança alimentar, é um dos três maiores desafios a que a produção agropecuária será submetida nos próximos anos. Não restam dúvidas de que o bem-estar animal influencia positivamente sobre a qualidade da carne. 2. REVISÃO DA LITERATURA 2.1. Bem-estar animal e suas implicações Atualmente, divulga-se muito o bem-estar animal, sua relação com a qualidade da carne bovina e vários estudos estão sendo realizados sobre o tema. Observa-se que não basta ter genética superior, alta produtividade, nutrição equilibrada e de boa qualidade, se o manejo dos os animais estiver sendo realizado de maneira incorreta. Tais temas provavelmente surgem do crescente interesse dos consumidores pela qualidade e pela segurança dos produtos que consomem. Essa preocupação inclui também a não- exploração de mão-de-obra, o menor uso de insumos externos e a maneira como o sistema produtivo é conduzido. Os consumidores modernos se interessam cada vez mais por produtos com um ―histórico‖, que transmitam confiança e proporcionem maior satisfação, ou seja, demonstram ética e estão interessados em saber como os animais foram criados, alimentados e abatidos. Sem dúvida, mediante os estudos de etologia aplicada à produção animal é possível atender a esse anseio. Podemos ir além, contribuindo para a adequação e evolução das técnicas de criação e manejo que atendam aos interesses do homem, respeitando-se as necessidades dos animais (PARANHOS DA COSTA & CROMBERG 1997). Isto implica em se conhecer muito bem a biologia das espécies domésticas e, também na definição de atitudes éticas nas relações entre o homem e os animais segundo Moser (1992), citado por Paranhos da Costa & Cromberg (1997). Paranhos da Costa (2000a) relatou que, o conceito bem-estar animal começou a ser implantado no cenário da produção animal, principalmente com a definição de protocolos de boas práticas de manejo. De acordo com a definição de Broom (1986) citado por Paranhos da Costa & Cromberg (1997), bem-estar é o estado do organismo durante as suas tentativas de se 4 ajustar com o seu ambiente. Segundo Broom & Johnson (1993) citado por Costa et al., (2003), há várias implicações dessa definição, das quais destacamos: 1 - Bem-estar é uma característica de um animal, não é algo que pode ser fornecido a ele. A ação humana pode melhorar o bem-estar animal, mas não referimos como bem-estar ao proporcionar um recurso ou uma ação. 2 - Bem-estar pode variar entre muito pobre e muito bom. Não é correto simplesmente preservar e garantir o bem-estar, mas sim melhorá-lo ou assegurar que ele é bom. 3- Bem estar pode ser medido cientificamente, independentemente de considerações morais. A sua medida e interpretação deve ser objetiva. Identificar e medir as condições em que o bem-estar é pobre é mais fácil que aquelas em que ele é rico. De acordo com Fraser & Broom (1990) citado por Paranhos da Costa & Cromberg (1997), várias formas de privação, desconforto e dor são indicadores de um bem-estar pobre; que também pode ser medido por: expectativa de vida reduzida; redução na habilidade de crescere reproduzir; lesões no corpo; doenças, imunossupressão; tentativas fisiológicas e comportamentais para o controle homeostático; patologias comportamentais; dentre outras. Já as medidas de bem-estar bom podem ser realizadas pela avaliação da apresentação de vários comportamentos normais e indicadores fisiológicos e comportamentais de prazer (BROOM & JOHNSON, 1993), citado por Paranhos da Costa & Pinto, (2003). Segundo Hurnik (1992), citado por Sousa (2005), bem-estar animal é definido como sendo ―o estado de harmonia entre o animal e seu ambiente, caracterizado por condições físicas e fisiológicas ótimas e alta qualidade de vida dos animais‖. Para Broom & Molento (2004) citado por Balbe de Oliveira (2008), o bem-estar animal é uma ciência nova, indispensável aos profissionais que trabalham em torno da interação humanos e animais e deve estar relacionado com conceitos como: necessidades, liberdade, felicidade, adaptação, controle, capacidade de previsão, sentimentos, sofrimento, dor, ansiedade, medo, tédio, estresse e saúde. Para Gregory & Grandin (1998), bem-estar animal refere-se ao sofrimento e à satisfação dos animais, mesmo que tais variáveis tenham difícil mensuração e suas causas e conseqüências sejam abordadas de diversas maneiras. Tais preocupações vêm para melhorar e aumentar a produção de carne bovina, para satisfazer a crescente demanda e para sair da atual conjuntura que atravessa o setor. Os cuidados vão muito além das questões ecológicas e têm incidência direta na rentabilidade e na qualidade da carne. No entanto, todos os elos da cadeia da carne 5 bovina (criadores, frigoríficos, atacadistas, transportadores, consumidores) é conveniente que sejam atendidas as práticas de bem-estar dos animais, pois os benefícios qualitativos e econômicos serão distribuídos a todos os integrantes da cadeia produtiva. Conforme Molento (2005), as informações sobre as condições em que os animais de produção são mantidos percorrem toda a cadeia produtiva e se tornam atributos do produto final. 2.1.1 Manejo e práticas de bem-estar O conceito de processo diz respeito ao conjunto de fatos e/ou operações interligadas que estão em movimento causando efeitos ou gerando resultados. Destaca- se a grande relevância das ações e decisões tomadas em cada processo nas atividades que o seguem, como exemplo, podem-se citar a grande dependência existente entre as etapas que compõem a cadeia produtiva da carne. A qualidade do bife que vai à mesa, é diretamente influenciada pelo acondicionamento da carne na prateleira do supermercado, que por sua vez é influenciado pelo processo de abate, que sofre influência do manejo pré-abate, que é conseqüência do processo de recria e engorda que é oriundo do processo de cria (PARANHOS DA COSTA et al., 1998). Para Broom & Molento (2004), as pessoas que trabalham com animais devem reconhecer as evoluções que alteraram as relações dos seres humanos com os animais; manterem-se informadas sobre as explicações que a ciência vem propondo para determinadas respostas dos animais a determinadas situações ou problemas; e refinarem as formas de medir o grau de bem-estar para que tais avaliações sejam úteis no melhoramento das relações entre seres humanos e animais. Os vaqueiros das propriedades devem receber treinamento sobre a implementação das boas práticas de manejo. É necessário definir quem será responsável pelo acompanhamento das condições dos animais, o que deve ser feito diariamente de forma a proporcionar condições para identificação de pontos críticos estruturais e de manejo, além do acompanhamento individual do estado físico e sanitário dos animais. Além disso, a presença diária dessa pessoa nos currais de confinamento contribui para a habituação dos animais aos humanos (principalmente aqueles que são mais reativos). Com isto o manejo será facilitado. Zapiola (2006) comentou que não há uma receita para o manejo dos animais, mas apresentou algumas considerações relevantes: 6 eliminar as condutas agressivas: estas compreendem os gritos, as agressões físicas, uso de cães agressivos e procurando sempre trabalhar em silêncio; trabalhar com animais nas horas mais frescas do dia; não movimentar mais animais do que o necessário; mover os animais nem muito folgados nem muito apertados e separar os animais em lotes de categorias; não mesclar lotes na hora de trabalhá-los na mangueira; durante a descorna, separar animais com chifres dos mochos para evitar lesões; desmamar em duas etapas: não separar por completo no primeiro momento a vaca do terneiro; não fazer os animais esperarem mais do que o necessário e nem encerrá- los por nada: a mangueira é somente um local de passagem e não para os animais ficarem encerrados durante horas; nunca manejar o bovino isoladamente; habituar o gado à presença humana; trabalhar a pé na mangueira; selecionar e capacitar os peões: são estas pessoas que trabalham diretamente com o patrimônio dos produtores; revisar, manter e melhorar as instalações; cuidar e eleger os motoristas para o transporte do gado e carregar o caminhão boiadeiro com o número adequado de animais para o seu espaço; monitorar o frigorífico: o produtor deve acompanhar o abate dos seus animais; não se descuidar do bem-estar dos animais, pois esta prática não é só mais um requisito para cumprir por obrigação externa e, sim, uma prática integral e permanente do gerenciamento moderno. O aperfeiçoamento das práticas de manejo pode tornar os sistemas produtivos mais competitivos, pois, além de evitar perdas, é possível incrementar a produção com o melhoramento e a adequação no manejo dos animais. Isso sem mencionar um produto final diferenciado, uma carne bovina de qualidade, com atributos que atualmente são valorizados pelos principais mercados internacionais, como a União Européia. Com 7 certeza, assim como os prejuízos ocasionados pelo manejo inadequado e pela ausência ou pela pouca expressividade das práticas de bem-estar animal nos sistemas produtivos pecuários, os ganhos da diferenciação, que tais ações podem proporcionar, poderão ser compartilhados por todos os agentes da cadeia produtiva. 2.1.2 Estresse O estresse tem sido o principal mecanismo de medida ou de avaliação do bem- estar animal. Estímulos externos e internos são canalizados via sistema neuro-endócrino até o hipotálamo, onde é liberado o hormônio liberador de corticotropina (CRH). O CRH é transportado até a adenohipófise, estimulando a síntese e a liberação de adrenocorticotropina (ACTH), que por sua vez estimula a liberação de cortisol pelas glândulas adrenais. É o chamado eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal (HHA). O CRH também estimula o sistema nervoso simpático–adrenal e a secreção de hormônios catecolaminas, adrenalina e noradrenalina (epinefrina e norepinefrina), responsáveis pela resposta em curto prazo, uma rápida resposta de ―alarme‖, conhecida como Síndrome de Emergência, que prepara o organismo para a ―luta ou fuga‖, com sinais como aumento da freqüência respiratória e cardíaca. Outra resposta do estresse ocorre após o alarme e durante um período mais longo, permitindo ao animal recompor-se da situação de alarme ou adaptar-se à nova situação. Este componente da resposta do organismo ao estresse envolve mudanças significativas no sistema endócrino e autônomo, via eixo hipotálamo-hipofisário-adrenal (HHA) e é conhecida como a Síndrome Geral da Adaptação. A liberação do cortisol estimulada pela liberação de ACTH atua sobre o metabolismo orgânico, aumentando o catabolismo protéico, a gliconeogênese no fígado, inibe a absorção e oxidação da glicose, além de estimular o catabolismo de triglicerídeos no tecido adiposo. A importância disso está no fato de que os estressores crônicos mobilizam energia,desviando-a da produção, (ZULKIFLI & SIEGEL, 1995), citado por Sousa (2005). O estresse é uma reação do organismo a um estímulo do ambiente, numa tentativa de manter a homeostase. Mas o estresse crônico, entretanto, leva a outra reação, conhecida como ―desistência aprendida‖. O animal ―aprende‖ que sua reação ao meio desfavorável não resulta em adaptação e, portanto, deixa de reagir. Essa condição tem inúmeras conseqüências para o organismo animal como, maior fragilidade do sistema imunológico, aumentando a suscetibilidade a doenças; redução da produtividade 8 em alguns casos; ocorrência de comportamento anômalo (SOUSA, 2005). Comportamento anômalo é o redirecionamento de um comportamento que o animal tem alta motivação para realizar, mas cujo desencadeamento está impedido pelo ambiente (SOUSA, 2005). Os bovinos são animais que gostam de rotina e que, ao que tudo indica têm boa memória. São capazes de discriminar as pessoas envolvidas nas interações, apresentando reações específicas a cada uma delas em função do tipo de experiência vivida, caracterizando assim um aprendizado associativo, do tipo condicionamento operante. Vários pesquisadores têm registrado a associação dos animais para as ações de manejo e às pessoas que as desenvolvem (ARAVE et al., 1985; KILGOUR, 1993; PASSILÉ et al., 1996; MUNKSGAARD et al., 1997; RUSHEN et al., 1997; LEWIS & HURNIK, 1998; JAGO et al., 1999; BREUER et al., 2000; PAJOR et al., 2000), citados por Paranhos da Costa (2000). No caso das ações humanas serem aversivas, há uma tendência de aumentar o nível de medo dos animais pelos humanos (PAJOR et al., 2000), citado por Paranhos da Costa (2000). Obviamente, algumas ações (e comportamentos) humanas são claramente aversivas para os bovinos: elevação da voz, pancadas e utilização de ferrão são ações muito comuns no manejo de bovinos de corte, resultando em animais com medo de humanos. Práticas de rotina, como vacinação, marcação e castração, também são aversivas. Em geral, ações aversivas conduzem a respostas negativas, com o aumento do nível de medo dos animais pelos humanos causando uma maior distância de fuga, dificultando o manejo de alimentação, dos cuidados sanitários, da ordenha e das práticas zootécnicas e resultando em estresse agudo ou crônico. 2.1.3 Manejo pré-abate O manejo pré-abate envolve uma série de situações não familiares para os bovinos, que causam estresse aos mesmos, dentre elas: agrupamento dos animais, confinamento nos currais das fazendas, embarque, confinamento nos caminhões (com e sem movimento), deslocamento, desembarque, confinamento e manejo nos currais dos frigoríficos. Tais atividades devem ser bem planejadas e conduzidas para minimizar o estresse, que pode causar danos à carcaça e prejuízos na qualidade da carne. No Brasil tem sido destinada a devida atenção a esta etapa da produção, mesmo aqueles diretamente envolvidos - produtores, transportadores e frigoríficos – pouco sabem sobre 9 as conseqüências de um manejo pré-abate inadequado, que certamente traz reflexos negativos na rentabilidade do pecuarista e do frigorífico. Podem-se citar alguns exemplos que resultam aumento de hematomas na carcaça: agressões diretas; alta densidade social, provocada pelo manejo inadequado no gado nos currais da fazenda e embarcadouro; instalações inadequadas; transporte inadequado, caminhões e estradas em mau estado de conservação; gado muito agitado, em decorrência do manejo agressivo e de sua alta reatividade. (BALBE DE OLIVEIRA, 2008) 2.1.4 Ambiência O ambiente de criação é tudo que envolve o animal, seu espaço (físico e social) e tudo o mais que está inserido neste espaço, inclusive os seres humanos, onipresentes no ambiente de criação dos bovinos domésticos. Esta situação é bem definida pelo conceito de ambiência que, de forma bem ampla, seria ―o espaço constituído por um meio físico, e ao mesmo tempo, por um meio psicológico, preparado para o exercício das atividades do animal que nele vive.‖ (PARANHOS DA COSTA, 2000). Como caracterizar a preocupação com o bem-estar físico e social de bovinos na prática? Primeiramente deve-se entender que nesse contexto o bovino está e faz parte do ambiente em que vive, ou seja, um determinado animal responde a uma série de estímulos - físicos e bióticos – de seu ambiente e ao mesmo tempo é parte desses estímulos, influenciando o comportamento dos outros animais que compõem o rebanho. Para assegurar que os animais mantenham suas atividades num contexto social equilibrado, alguns recursos precisam ser disponibilizados de forma a atender a necessidade de todos. Assim, o espaço que os animais dispõem para ter acesso a esses recursos é algo que também precisa ser considerado. Não acredita-se que seja eficiente buscar regras gerais para definir a área de sombra ou o espaço nos cochos de suplementos. Portanto a maneira correta de obter esta resposta é através da observação do comportamento dos animais, pois em ambos os casos a necessidade pelo recurso e o seu uso pelos animais é circunstancial (PARANHOS DA COSTA & CROMBERG, 1997), dependendo das condições ambientais, dos animais e das estratégias de manejo. Ao falar em ambiência, devem-se considerar algumas questões, como: Uso do espaço e suas conseqüências nas relações sociais; o espaço pode ser encarado como o substrato de interação para o animal, onde mantêm todas as suas relações com o ambiente, inclusive as sociais. 10 Restrições no acesso à sombra; o aperfeiçoamento do ambiente térmico, usualmente, traz benefícios à produção animal, aumentando a produtividade e a eficiência na utilização de alimentos. Restrições no acesso à água, um dos mais importantes nutrientes; particularmente para os animais mantidos em climas quentes, pois exerce efeito no conforto térmico pelo resfriamento direto - desde que a água esteja em temperatura inferior à do corpo - e serve como veículo primário de transferência de calor através da evaporação, cutânea e respiratória (BEEDE & COLLIER, 1986). 2.1.5 Instalações Instalações adequadas e conservadas são fundamentais para garantir que o bem- estar de bovinos em confinamento será bom. Essas instalações devem contemplar as seguintes estruturas: currais de confinamento, corredores e curral de manejo, contemplando várias estruturas menores em cada um deles. 2.1.6 Currais de confinamento Para definir o dimensionamento e arquitetura dos currais do confinamento deve- se ter em conta a topografia do terreno, o tipo de solo e o clima predominante na região (em particular o regime de chuvas). Eleger terrenos com boa topografia e boa drenagem para construir o confinamento é importante. Bovinos não gostam de deitar em locais enlameados. Grande parte da ruminação acontece com os animais deitados, quando se deitam menos há redução na ruminação, resultando em menor ingestão dos alimentos, que pode resultar em queda na produção (FRASER & BROOM, 2002), citado por Paranhos da Costa (2007). 2.1.7 Corredores, cercas e porteiras Os corredores devem possuir largura suficiente para permitir o transito de tratores que efetuam a alimentação dos animais. O piso do corredor deve estar 11 compactado e nivelado de forma que a água de chuva não escorra para dentro dos currais. Atenção especial deve ser dada às cercas dos currais do confinamento. Elas devem ser resistentes e de fácil manutenção. Quanto melhor esticadas as cercas, menores as chances de fugas ou acidentes com animais enroscados. Em confinamentos com menor densidade pode-se trabalhar com cercas elétricas. A localização das porteiras (ou colchetes) nos currais do confinamento deve ser bem estudada; tenha em conta o sentido predominante de movimentação dos animais (QUINTILIANO & PARANHOS DA COSTA, 2007). 2.1.8 SombreamentoO estresse por calor, além de reduzir o bem-estar dos animais, causa diminuição nos ganhos diários de bovinos, o calor causa redução do apetite dos animais, diminuindo o consumo de alimentos (Figuras 1 e 2) e proporcionando menor grau de acabamento nas carcaças. A necessidade de sombra é muitas vezes circunstancial, portanto é difícil estabelecer uma regra geral sobre a oferta de sombra aos animais (quando oferecer e com que espaço); cabe apenas a regra de que deve haver sombra suficiente para abrigar todos os animais ao mesmo tempo a qualquer hora do dia. O tipo de sombra oferecida pode ser natural (proporcionada por árvores) ou artificial (geralmente proporcionada por telas de sombreamento). 12 2.1.9 Currais de manejo Os currais de manejo intensivo são muito importantes para o confinamento de bovinos, é nele que procedimentos essenciais (vacinação, desverminação, castração e identificação) são realizados. O curral deve estar bem posicionado, de forma a facilitar o acesso dos animais. Deve também estar em locais onde haja pouca movimentação, uma vez que qualquer movimento (de pessoas ou de outros animais) distrai os bovinos, atrapalhando o manejo (QUINTILIANO & PARANHOS DA COSTA, 2007). 13 2.2 Manejo no embarque e desembarque Os manejos de apartação, embarque e desembarque devem ser realizados seguindo as seguintes recomendações gerais: Apartação: 1) manejar animais com calma, sem correrias e sem gritos; 2) número de vaqueiros suficiente para realizar o trabalho; 3) trabalhar em condições favoráveis (piso seco e espaço suficiente); 4) apartação realizada no curral do confinamento quando se pretende retirar até 50% dos animais; 6) apartação realizada no curral de manejo quando se pretende retirar mais de 50% dos animais; 7) distribuir os lotes nas mangas para facilitar o manejo (manter sempre meia lotação nas mangas do curral); 8) minimizar tempo de permanência dos animais no curral. Embarque: 1) manejar os animais com calma, sem correrias e sem gritos; 2) não misturar animais de diferentes categorias e lotes; 3) formar lotes de embarque de acordo com a capacidade do veículo; 4) vaqueiros são responsáveis pela condução e embarque dos animais; 5) vaqueiros devem verificar as condições de manutenção e limpeza dos caminhões (evitar o embarque de animais em caminhões sujos e quebrados); 6) lavar para o embarque número de animais compatível com cada compartimento do caminhão; 7) após completar um compartimento, fechar e repetir o processo até completar a carga. Desembarque: 1) o desembarque dos animais deve ser feito o mais rápido possível após a chegada ao local de destino; 2) encostar o caminhão sem deixar espaço entre o desembarcadouro e gaiola; 3) verificar se há algum animal caído, se houver levantá-lo antes de abrir a porteira; 4) abrir inicialmente a porteira de trás, esperar os animais saírem, quando faltar um ou dois para saírem abrir a porteira do compartimento seguinte; 5) ter calma, observar a saída dos animais e esperar que eles se situem na nova situação; 6) não deixar os animais agitados, evitar gritos e correrias; 7) evitar utilizar o choque para o desembarque; 8) se houver animais deitados (parte mais próxima da saída) tentar levantá-los utilizando-se de bandeira ou uma vara flexível. Se a 14 tentativa for frustrada aplicar o choque apenas no animal que estiver deitado. Aplicar o choque em partes menos sensíveis do corpo (nunca na cara, anus ou nos genitais), aplicar o choque uma vez e esperar, se o animal não levantar aplicar novamente, se ainda assim o animal não levantar não utilizar mais choque, avaliar melhor a situação e proceder a ações de emergência (QUINTILIANO & PARANHOS DA COSTA, 2007). 2.2.1 Comportamento A Etologia, ramo da Biologia que se dedica ao estudo do comportamento dos animais, propõe um método científico de investigação baseado na premissa de que o comportamento possui causas imediatas e últimas (TINBERGEN,1963; ALCOCK,1993), citados por Paranhos da Costa (2000a). De acordo com Pasquetti et al, (1994) citado por Paranhos da Costa (2000a), comportamento é um conjunto de atividades que os animais exibem no tempo e no espaço, em geral, constituído de posturas e de movimentos do corpo ou partes do corpo, incluindo ainda as atividades viscerais que são menos visíveis. Os comportamentos podem ser divididos em categorias como, reflexos posturais, padrões de locomoção, comportamento alimentar, comportamento sexual, comportamento de cuidado parental, comportamento de comunicação, dentre outras. Os bovinos são animais gregários — ou seja, vivem em grupos — e isso parece ser tão importante que os indivíduos isolados do rebanho tornam-se estressados. Na verdade, embora a vida em grupo traga uma série de vantagens adaptativas (defesa contra predadores, facilidade para encontrar o parceiro sexual, dentre outras.), ela também traz o aumento na competição por recursos, principalmente quando escassos, resultando na apresentação de interações agressivas entre os animais do mesmo grupo ou rebanho (PARANHOS DA COSTA & NASCIMENTO JR, 1986). Um aspecto importante está relacionado com o uso do espaço pelos animais. Os animais não se dispersam ao acaso em seu ambiente. Esta falta de casualidade no uso do espaço é relacionada com as estruturas física e biológica do ambiente, com o clima e com o comportamento social (ARNOLD & DUDZINSKI, 1978), citados por Paranhos da Costa (2004). Em rebanhos criados extensivamente e pouco manejados os bovinos definem a área de vida, que é caracterizada pela área onde os eles desenvolvem todas as suas atividades, sendo, portanto o seu espaço mais amplo. Nesse contexto, o espaço pode ser encarado como o substrato de interação para o animal, onde mantêm todas as suas relações com o ambiente, inclusive as sociais. 15 O espaço individual que é representado pela área onde o animal se encontra não é fixo, se desloca com ele. Esse espaço compreende aditivamente ao espaço físico que o animal necessita para realizar os movimentos básicos. O espaço social que caracteriza a distância mínima que se estabelece entre um animal e os demais membros do grupo. Há ainda a zona da de fuga, que é uma área de segurança individual, que define a distância de fuga, caracterizada pela distância mínima de aproximação ante da fuga ante a presença de um estranho, de um dominante ou de um predador. A dominância se estabelece nesses grupos pela competição, ou seja, ela é produto de ações agressivas entre os animais de um mesmo grupo ao competirem por um determinado recurso, definindo quem terá prioridade no acesso a comida, água, sombra, etc. O dominante é o indivíduo ou indivíduos do grupo que ocupam as posições mais altas na hierarquia, dominam os demais os atacando impunemente e têm prioridade em qualquer competição; os submissos (ou dominados) são os que se submetem aos dominantes. Os fatores que normalmente determinam a posição na hierarquia são o peso, idade e raça. O tempo até o estabelecimento da hierarquia em um lote recém formado vai depender do número de animais e do sistema de criação (PARANHOS DA COSTA, 2002). Nas condições de sistemas intensivos de produção é muito comum a formação de grandes grupos de animais, mantidos em alta densidade. A expectativa é que nessas condições aumentem a produtividade, mas não se deve esquecer que também haverá efeitos sobre a expressão do comportamento e o desempenho individual dos animais. Para os bovinos em condições de alta densidade populacional, os animais não podem evitar a violação de seu espaço individual, o que pode resultar em aumento das interações agonísticas e estresse social (SCHAKE e RIGGS, 1970; ARAVE et al., 1974; HAFEZ e BOUISSOU, 1975; KONDO et al., 1984), citado por Paranhos da Costa & Pinto (2003) . Quandoos grupos são muito grandes os animais podem ter dificuldades em reconhecer cada companheiro e em memorizar o status social de todos eles, o que também aumentaria a incidência das interações agressivas (HURNIK, 1982) citado por Sousa (2005). Como resultado, os animais mantidos em grupos numerosos com alta densidade, têm redução do desempenho individual (CZAKO, 1983), citado por Costa e Silva (2002), e apresentam anomalias comportamentais (SYME & SYME, 1979), citado por Costa & Silva (2002). Por outro lado, indivíduos isolados do rebanho tornam-se estressados. Outro aspecto importante é a composição dos grupos. A prática corrente de homogeneizar os grupos com relação ao sexo, idade, peso, com vista a facilitar o 16 manejo, pode levar ao aumento no estresse social (REINHARDT & REINHARDT, 1981), citado por Costa & Silva (2002); além disso, em grupos heterogêneos é mais fácil identificar os problemas decorrentes do sistema de criação (STRICKLIN & KAUTZ-SCANAVY, 1984), citados por Costa & Silva (2002). A implementação de programas de qualidade de carne geralmente tem como ênfase apenas a obtenção de produtos com alta qualidade. Entretanto, tais programas devem considerar mais do que a qualidade intrínseca do produto, tendo em conta outras perspectivas. Devem orientar o processo produtivo com compromissos com desenvolvimento social e preservação ambiental. Enfim, deve oferecer um produto seguro, nutritivo e saboroso, produzido de forma sustentável com o compromisso de promover o bem-estar humano e animal, sem perder de vista o lucro do produtor. Outro aspecto importante é a condução dos animais para ambientes que eles desconhecem como os caminhões. Neste caso é desejável que o embarque seja feito de forma rápida e tranqüila, mas nem sempre isso é possível. Dependendo do temperamento dos animais e do sistema de manejo utilizado, o gado pode ficar muito relutante em entrar no caminhão (ou em qualquer outro tipo de instalação desconhecida para ele); geralmente os animais abaixam a cabeça, cheirando o chão ou piso, e se locomovem muito lentamente, às vezes com relutância (avançando alguns passos e recuando em seguida). Na expectativa de acelerar o processo de embarque (ou de entrada em bretes ou troncos), geralmente os animais são estimulados com cutucões, choques elétricos e, não raras vezes, com pancadas fortes. Tal atitude irá estressar ainda mais os animais, que ficarão mais nervosos, aumentando a agressividade e os riscos de acidentes (COSTA & SILVA, 2002). A facilitação social do comportamento é uma forma bastante eficaz em situações que ocorre relutância do gado em ser conduzido para um local desconhecido. Essa facilitação pode ser realizada através da utilização de um animal ―madrinha‖ (animais dóceis e treinados introduzidos no lote de animais durante o manejo), que favorece a movimentação dos animais através do estímulo inicial (inicia o comportamento) em realizar determinada ação. Neste cenário, o estudo do comportamento pode propiciar uma nova perspectiva para o modelo convencional de abordagem científica zootécnica, trazendo luz a situações não consideradas ou mal compreendidas. A Etologia assume assim papel importante para a compreensão das necessidades do bovino, bem como das nossas (seres humanos) relações com esses animais. Nesse sentido a literatura sobre a biologia dos bovinos é ainda escassa. 17 2.2.2 Rastreabilidade O foco no consumidor ganha importância no processo de globalização da economia, guiado pelas empresas inseridas nos mercados competitivos com estratégias globais. As garantias de qualidade intrínseca aos produtos, de serviços ou de segurança sanitária são exigidas cada vez mais pelo consumidor e buscadas pelos participantes das cadeias produtivas. A crise provocada pela síndrome da ―vaca louca‖ desencadeou quedas de até 30% do consumo de carne em alguns países da Europa, o que poderia levar agentes da cadeia produtiva da carne à falência. Diante da necessidade de garantir ao consumidor que as carnes oferecidas para consumo provêm de animais saudáveis, a Comunidade Européia criou o Regulamento (CE) N º 820/97 para recuperar a confiabilidade do setor de carnes. Rastreabilidade é: “um processo de práticas sistemáticas de segregação física e troca de informações entre diferentes agentes da cadeia produtiva, responsáveis pela execução e cumprimento de uma meta específica – preservar os atributos e a identidade de produtos transacionados segundo suas especificações”. Machado (2000), citado por Felício (2001). Um sistema de rastreabilidade requer: a) Definição de um sistema de códigos de padrão internacional, para os animais e cortes. b) Escolha de um ou mais sistema de identificação (tatuagem, brinco, etc.). c) Sistema baseado em tecnologia de informação (banco de dados e programas baseados em navegadores). Pela própria definição, não é suficiente ter o histórico de localização do animal para fins de rastreabilidade. Precisa-se também do seu histórico de utilização. Isso significa que é importante saber como o animal viveu, que manejo sofreu, quais as regras de respeito à ecologia e ao bem-estar animal são praticadas na propriedade. Ries (2002) salientou que a rastreabilidade tem sido encarada como um fator de custo a mais para os pecuaristas. Isso não é extremamente correto e existem dois pontos a serem considerados em relação aos valores dispendidos na rastreabilidade. Primeiro, a necessidade de fazer rastreabilidade decorre por uma demanda de mercado, ou seja, para poder vender a carne, é necessário fazer o rastreamento dos animais desde o nascimento até o abate. Dessa forma, os valores dispendidos são, na verdade, um investimento para que o pecuarista possa se manter no mercado ou até mesmo abrir novos mercados. 18 De acordo com Silva (2002), a produção e o processamento dos produtos, respeitando as formas convencionalmente aceitas e corretas (sem o uso de produtos impróprios para o consumo humano, sem a destruição ou contaminação do meio ambiente, sem a utilização de técnicas desumanas) determinarão a maior ou menor credibilidade desses produtos. Para isso, técnicos e instituições têm procurado, por meio da rastreabilidade, assegurar a garantia de origem mediante procedimentos-padrões em fabricação, manipulação, higiene e sanitização. 2.3 Qualidade da carne A qualidade da carne é definida por suas propriedades físico-químicas e é traduzida em maciez, sabor, cor, odor e suculência. Estas propriedades são determinadas pelos fatores inerentes ao indivíduo (genética, idade, sexo), à fazenda de origem (manejo alimentar, manejo geral) transporte, manejo pré-abate, abate e métodos de processamento da carcaça, duração e temperatura de estocagem. 2.3.1 Abate humanitário Abate humanitário pode ser definido como o conjunto de procedimentos técnicos e científicos que garantem o bem-estar dos animais desde o embarque na propriedade rural até a operação de sangria no matadouro-frigorífico. O abate de animais deve ser realizado sem sofrimentos desnecessários. As condições humanitárias devem prevalecer em todos os momentos precedentes ao abate (ROÇA, 2001). Os métodos convencionais de abate de bovinos envolvem a operação de insensibilização antes da sangria, com exceção dos abates realizados conforme os rituais judaicos ou islâmicos (CORTESI, 1994). É dever moral do homem o respeito a todos os animais e evitar os sofrimentos inúteis àqueles destinados ao abate. O manejo do gado no frigorífico é extremamente importante para a segurança dos operadores, qualidade da carne e bem-estar animal. As instalações dos matadouros- frigoríficos, quando bem delineadas, também minimizam os efeitos do estresse e melhoram as condições do abate (CORTESI, 1994). As etapas de transporte, descarga, descanso, movimentação, insensibilizaçãoe sangria dos animais são importantes para o processo de abate dos animais, devendo-se 19 evitar todo o sofrimento desnecessário. Neste sentido, o treinamento, capacitação e sensibilidade dos magarefes são fundamentais (CORTESI, 1994). Os problemas de bem-estar animal estão sempre relacionados com instalações e equipamentos inadequados, distrações que impedem o movimento do animal, falta de treinamento de pessoal, falta de manutenção dos equipamentos e manejo inadequado (GRANDIN, 1996). 2.3.2 Fatores que influenciam a qualidade da carne O custo do frete no transporte de animais vivos, fica em torno de 1% do custo total dos animais terminados, mas certamente diminui com o aumento do número de animais transportados em cada viagem. As principais perdas no transporte iniciam no embarque, perduram ao longo do trajeto a percorrer e terminam no desembarque. Lotações exageradas produzem hematomas, arranhões, fraturas ósseas, mortes estresse. Lotação insuficiente resulta em escoriações e lesões corporais produzidas por choques com a carroceria e aumenta os custos. Em todos os casos, fica comprometida a qualidade da carne, o rendimento industrial e a lucratividade. O bem estar animal deve ser visto de forma ampla, desde as instalações na criação, passando pela alimentação, considerando os aspectos sanitários e genéticos, e finalmente o transporte e o abate em estabelecimentos adequados, garantindo um produto final da melhor qualidade. Animais em estresse apresentam aumento da temperatura corporal, glicólise rápida (queda do pH), rápida desnaturação protéica e um rápido estabelecimento do rigor mortis. A combinação desses acontecimentos altera a conversão normal do músculo em carne, ficando a carne mais dura e escura. É importante reduzir o estresse dos animais durante a rotina de manejo, pois se sabe, por exemplo, que animais agitados durante o manejo correm mais riscos de acidentes, levando ao aumento de contusões nas carcaças (FELÍCIO, 1999). Fator que afeta a maciez, cor, sabor e odor – é determinado pela quantidade de glicogênio no músculo no momento do abate. Carne com pH em torno de 5,5 geralmente é macia, com boa coloração e de paladar saboroso.Se o músculo contém menos glicogênio ao abate, haverá menos ácido lático. Peças com pH em torno de 5,8 a 6,2 tendem a ser mais escuras, duras e impróprias para o consumo. O manejo pré-abate 20 influencia significativamente a qualidade da carne e o aproveitamento da carcaça. Além das perdas decorrentes de contusões e hematomas, o estresse vivenciado por estes animais durante o manejo em abatedouros mal planejados leva ao aumento do pH da carne, diminuindo a sua qualidade (FELÍCIO, 1995). O temperamento dos animas também deve ser considerado. Para ter qualidade, uma carne deve atender aos aspectos: visual influindo na decisão de compra pelo consumidor, organoléptico, satisfação em comer a carne, nutricional, oferecer o que o corpo humano precisa ou deseja e de forma segura, ter sido higiênica e sanitariamente obtida, ou seja, não causar doenças. Enfim, considerando qualidade da carne bovina, devemos ter em mente alguns princípios básicos, como: Rendimento e composição – quantidade de produto comercializável, proporção de carne magra e gordura e, o tamanho e a forma dos músculos. Aparência e características tecnológicas – cor e textura da gordura, quantidade de marmorização no tecido magro, cor e capacidade de retenção de água e composição química do músculo. Palatabilidade – textura, maciez, suculência, sabor e aroma. Integridade do produto – qualidade nutricional, segurança química e biológica. Qualidade ética – questões relacionadas ao bem estar animal. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com este estudo, percebe-se o despertar de alguns elos da cadeia da bovinocultura de corte para as práticas de bem-estar animal, ou seja, as preocupações com o manejo indesejável dos animais estão ganhando adeptos e não mais sendo vistas apenas como exigências de comercialização. O mau manejo, às vezes, passa desapercebido, ocasionando perdas de eficiência do sistema produtivo, que, em muitos casos, são atribuídas à deficiências na alimentação e enfermidades. Para garantir o sucesso na implantação do programa de qualidade de carne bovina é necessário um estudo minucioso para detectar pontos críticos e estabelecer um programa de qualidade de serviços no manejo com o gado. Há necessidade de avaliar a eficiência das instalações e equipamentos em uso (currais na fazenda, embarcadouros, caminhões, ferrões elétricos, currais no frigorífico, sala de atordoamento), bem como o tipo de gado (em termos de reatividade) e a forma com que eles têm sido manejados. Programas de treinamento, dirigidos a todos que lidam com o gado, deveriam ser implementados de imediato. O Brasil só tem a ganhar, pois hoje é o único país com 21 capacidade de produzir grande quantidade de carne em sistemas de produção a pasto. No entanto, além de se reforçar a sanidade do rebanho, é preciso que se implante projetos para produção de carne com qualidade assegurada, ou seja, onde todas as fase de produção são certificadas. Nesse sentido, muito ainda precisa ser feito para que a cadeia da carne possa atender as expectativas dos consumidores, não apenas na produção animal (escolha das raças mais apropriadas e sistema de produção adequado), mas também nos processos industriais (redução do estresse ante mortem, abate, estimulação elétrica, resfriamento da carcaça e embalagem). 22 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BROOM, D.M.; MOLENTO, C.F.M. Bem-estar animal: conceito e questões relacionadas – Revisão. Archives of Veterinary Science v.9, n.2, p.1-11, 2004. 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