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CURSO : JORNALISMO DISCIPLINA: HISTÓRIA DA IMPRENSA BRASILEIRA TEMA: A IMPRENSA RÉGIA E OS PRIMEIROS JORNAIS IMPRESSOS TEXTO PARA APOIO AO ESTUDO A chegada da tipografia no Brasil Registros impressos e orais fizeram saber que, quando o exército invasor francês já batia às portas de Portugal, caixas e mais caixas haviam chegado há pouco ao porto de Lisboa contendo uma “tipografia completa” para a Secretaria de Negócios Estrangeiros e de Guerra. Pouco tempo depois, essas mesmas caixas foram embarcadas na nau Meduza e junto a “importante livraria” e uma “riquíssima coleção mineralógica”, além de “instrumentos próprios para o estudo da química” saíram, em 29 de novembro de 1807, pelo Tejo para atravessar o Atlântico. Os tesouros do então Ministro Antonio de Araújo de Azevedo chegaram a salvo no porto do Rio de Janeiro em 6 de março do ano seguinte. A esquadra que transportava a Família Real para o Brasil saiu do Tejo no dia 29 de novembro de 1807, vindo separadamente em diferentes navios da frota os membros da Casa de Bragança, e o Ministro de Estado Antonio de Araújo na nau Meduza, na qual tinha tido a cautela de mandar embarcar sua importante livraria, uma tipografia completa (a primeira regular que houve no Brasil), uma riquíssima coleção mineralógica, organizada pelo célebre Werner, e instrumentos próprios para o estudo da química, tudo disposto e organizado pelo sábio ministro. Segundo consta nos relatos do século XIX, foi o próprio Antonio de Araújo de Azevedo, o Conde da Barca, que aconselhara ao príncipe regente, apesar da oposição de muitos, a mudar a Corte para o Brasil. E na bagagem do rei viera o material necessário para que aqui se imprimisse regularmente o primeiro jornal. No dia 10 de setembro de 1808, portanto, três meses depois que a nau Meduza aportou no Rio de Janeiro, saía da tipografia, que viera na bagagem do rei, a Gazeta do Rio de Janeiro. Mais importante do que essa história que conta sob a forma mítica a chegada da Corte ao Brasil, como os relatos primordiais que repetem grandes feitos e nomes paradigmáticos, e mais importante do que saber também qual foi, de fato, o primeiro jornal brasileiro – se a Gazeta do Conde da Barca ou o Correio Braziliense de Hipólito José da Costa, editado em Londres, desde junho de 1808 – é entender o significado da circulação do primeiro jornal no território hoje denominado Brasil. Como era esse jornal? Que circuito da comunicação ele revela? Que ecos dos leitores do passado chegaram até o século XXI? A Gazeta do Rio de Janeiro Havia complexos mecanismos de censura na então colônia para que aqui não se produzisse nenhum impresso e também não circulasse outros tantos. Apenas a evidência dessas proibições indica a importância da palavra impressa nessa sociedade, tomada como veículo de conhecimento e de pensamento e, sobretudo, como meio de transmissão das discussões política e religiosa. Instrumento de expressão e de possível crítica intelectual, a palavra impressa tinha inúmeros significados, mas para o poder central era, sobretudo, a possibilidade da difusão de ideias perigosas. Subitamente essa situação mudaria com a necessidade de esclarecer aos seus súditos o que se passava na Europa deixada pra trás. Além disso, era preciso ter uma tipografia capaz de editar despachos, avisos, editais e outros tantos documentos da burocracia oficial. Foi assim que, em 13 de maio de 1808, D. João VI oficializou a instalação da Impressão Régia, destinada a publicar papéis oficiais do governo e “todas e quaisquer outras obras”: “Tendo-me constado que os Prelos, que se acham nesta Capital, eram os destinados para a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e de Guerra; e atendendo a necessidade que há da oficina da impressão nestes meus estados: sou servido que a casa aonde eles se estabeleceram sirva interinamente à Impressão Régia, aonde se imprimirão exclusivamente toda a Legislação, e papéis diplomáticos, que emanarem de qualquer repartição do meu Real Serviço; e se possam imprimir todas e quaisquer outras obras; ficando inteiramente pertencendo o seu governo e administração à mesma Secretaria”. Rapidamente a Impressão Régia passaria a imprimir outros tipos de publicação, inclusive livros. E será de sua tipografia que sairá, quatro meses depois do início de seu funcionamento, o primeiro jornal a circular no Brasil: a Gazeta do Rio de Janeiro. Mas a transformação do Brasil em vice-reinado e sede da Coroa portuguesa não significou o abrandamento da censura. Muito pelo contrário. Além da Mesa do Desembargo do Paço, que passou a funcionar no Rio de Janeiro, criou-se a Junta Diretora da Impressão Régia, formada por homens ilustrados da mais estrita confiança de D. João VI, que se reunia duas vezes por semana para decidir o que seria publicado na Gazeta. A Gazeta, em seu primeiro ano de existência, publicara entre os seus temas mais recorrentes informações sobre a Guerra da Europa e as ações dos vassalos do rei para que houvesse a Restauração em Portugal e a expulsão do exército de Napoleão, comandados por Junot. Com quatro páginas, formato in-quarto, saía inicialmente “aos sábados pela manhã”, como deixam claro desde o primeiro número: Faz-se saber ao Público: Que a Gazeta do Rio de Janeiro deve sair todos os sábados pela manhã; que se vende nesta Corte em Paulo Martin Filho, Mercador de Livros no fim da Rua da Quitanda ao preço de 80 réis; que as pessoas que quiserem ser assinantes deverão dar os seus nomes e moradas na sobredita casa, pagando logo os primeiros seis meses a 1.900 réis; e lhes serão remetidas as folhas às suas casas no sábado pela manhã; que na mesma Gazeta se porão quaisquer anúncios que se queiram fazer, devendo enviar na 4ª feira no fim da tarde na Impressão Régia (Gazeta, n. 1, 10/09/1808). Mas a periodicidade semanal duraria apenas a primeira semana. A partir da segunda semana, a Gazeta passou a sair também às quartas-feiras, além de continuar a ser publicada aos sábados. Além disso, já em 1808 publica 19 edições extraordinárias, prática que seria comum até o seu último número em dezembro de 1822. Nos 14 anos de sua existência, de 10 de setembro de 1808 até 31 de dezembro de 1822, publicou 1.763 edições, sendo que destas 192 foram extraordinárias. No texto postado na última página do primeiro número, há uma voz direcionada diretamente para o público leitor. E é para ele que são dadas todas as informações necessárias para que possa acessar o periódico: o dia em que era publicado, onde era vendido, quanto custava o número avulso e a assinatura e como deveria fazer para se tornar assinante, além de como receberia o jornal. Informavam ainda que a Gazeta publicava anúncios e que estes deveriam ser entregues na Impressão Régia até o fim da tarde de quarta-feira para possibilitar a sua inclusão na edição de sábado. Do ponto de vista da edição, a lógica de distribuição das notícias era espaçotemporal. Primeiro as que chegavam da Europa, postadas da mais antiga para a mais recente. Depois as que tinham sua origem no Rio de Janeiro e que eram apresentadas com a mesma data da publicação do jornal. Era ali que se concentravam as informações escritas na íntegra pelo redator, cuja principal tarefa era, sem dúvida, ler as folhas europeias, traduzi-las e publicar estratos desses periódicos – muitos deles antecedidos por seus comentários. Do ponto de vista da materialidade, o jornal repetia as gazetas do final do século XVIII: formato in-quarto, com 13 centímetros de largura por 19 de altura, com apenas uma coluna, distribuindo as notícias normalmente em quatro páginas. Na primeira linha uma letra capitular destacava a informação que abria o periódico. Havia também a preocupação de identificar a origem das informações: eram notícias vindas “por via de França”, “vindas por Gotemburgo”, ou simplesmentepodia o redator indicar a cidade, sempre seguida da data: “Viena, 8 de junho”, por exemplo. Assim, enquanto do ponto de vista do formato assemelhava-se a um livro, do ponto de vista da edição, informações das gazetas europeias ou de cartas que chegavam à mesa do redator eram filtradas por ele, que por aqueles dias destacava aquelas que traziam novas da Europa. Tendo entre seus leitores, sobretudo, a Corte emigrada de Portugal, era para esse leitor que o jornal prioritariamente se dirigia. Ao lado da transcrição dessas notícias que vinham da Europa, havia também aquelas que tinham origem no Rio de Janeiro. Neste caso, as fontes de informação eram de outra natureza: ou decorriam do olhar atento do redator, que podia descrever as festas da cidade, ou dos papéis oficiais ou ainda de informações que chegavam a seus ouvidos por notícias que “corriam léguas. Rio de Janeiro, 24 de dezembro. Não se tendo anunciado individualmente na Gazeta antecedente a maneira com que S.A.R. o Príncipe Regente Nosso Senhor mandou celebrar a feliz restauração de Lisboa e de todo o Reino de Portugal, por ser nossa intenção fazê-lo depois de terminadas aquelas festividades; publicamos agora que houve um Tríduo na Capela Real, que principiou no dia 19 do corrente em que S.A.R. ali baixou com toda a Real Família, e a Corte para assistir àmissa cantada, e exposição do Santíssimo Sacramento. Nessa noite houve iluminação em toda a Cidade, e Teatro de Corte, que o Príncipe Regente Nosso Senhor e a Família Real honraram com a Sua Presença. No dia seguinte tornou S.A.R. ao prosseguimento da festividade na Capela Real, e à noite continuou a iluminação nesta Capital. No terceiro dia de manhã voltou S.A.R., e toda a Augusta Família à Capela Real para assistir à missa solene, e de tarde à procissão do encerramento e Te Deum. Nessa ocasião a Guarnição se postou nas ruas por onde passou a Procissão, e S.A.R. recebeu os cortejos e felicitações do Corpo Diplomático, e mais classes distintas desta Capital. À noite houve um magnífico fogo de artifício e continuou como nas antecedentes a iluminação geral da cidade (Gazeta, 24/12/1808. Grifos nossos). Na minuciosa descrição do redator temos não só as informações dos eventos que compunham a festa de 24 de dezembro, mas o próprio espírito festivo que tomou conta da cidade. As notícias chegavam pelos navios que aportavam o cais da atual Praça XV. Podiam vir nas gazetas que atravessavam o Atlântico ou, o que era também bastante comum, nas cartas escritas e que eram enviadas para a Corte. Havia também uma rede de boatos, conversas entreouvidas, informações que “ouvia-se dizer”, “diziam uns”, “falava-se” e que podiam vir a ser publicadas no jornal. O mundo das práticas orais, das falas que se ampliavam pelas conversas nas ruas e praças migrava com frequência para o periódico, mostrando, mais uma vez, que nos sistemas de comunicação do início do século XIX pouca separação havia entre o mundo da voz e o das letras impressas. Compilando as fontes de informação da Gazeta apenas no seu primeiro ano de existência, observamos que as prioritárias eram as gazetas europeias e as cartas enviadas também na bagagem dos navios que aportavam na Corte. Além disso, o redator recebia e transcrevia informações contidas “em papéis da Holanda, da Espanha e de Portugal” ou em “papéis públicos”. Os navios chegados ao Brasil eram sempre portadores de muitos esclarecimentos. Cabia ao redator um trabalho singular: deveria ler as gazetas que chegavam a sua mesa, determinar o tamanho que a informação mereceria na publicação, selecionar trechos que seriam publicados, traduzi-los, escolher a ordem de edição (obedecendo a lógica temporal cronológica, isto é, do mais antigo para o mais novo). A terceira fonte de informação era proveniente dos modos orais de comunicação, que ocupavam lugar destacado, sobretudo, na produção das notícias da cidade, conforme já indicamos anteriormente, mas podiam também revelar o que acontecia em outras partes do país. Correu aqui notícia vinda por pedestres de Goiás, que os franceses haviam feito um desembarque no Pará com aparências de amizade, o Capitão-General os rechaçara completamente, ficando vivos só os prisioneiros: porém isso merece confirmação. As temporalidades dos meses que se sucediam numa mesma edição e a ordenação da informação da mais antiga para a mais recente mostram, também, a construção de uma linearidade temporal na qual o agora é marcado invariavelmente pelo aparecimento da nova edição do jornal. Mas o agora podia ser estendido em direção ao futuro com a continuação da informação numa nova edição ou apenas com a indicação de que o espaço não tinha sido suficiente para tudo publicar. Portanto, ainda que não houvesse o sentido de novidade nas informações, havia um desejo de atualidade. Em 1809 pouca coisa mudou na Gazeta, e certamente a transformação mais expressiva foi na sua feição gráfica. O primeiro número daquele ano ostenta ao lado do nome do periódico o brasão da casa dos Bragança. As informações continuam chegando pelas gazetas e cartas oriundas das mais diferentes cidades europeias, e delas o redator retira extratos. Do ponto de vista da materialidade, passa a sair em duas colunas a partir de 4 de julho de 1811, e introduzem como seção fixa a entrada e saída dos navios do porto, sob a rubrica “Notícias Marítimas”. Alguns periódicos que surgiram na esteira do início da publicação do primeiro jornal brasileiro: antes de 1820 circularam por aqui a Idade d’Ouro do Brazil, publicado na Bahia, de 1813 a 1821, e o inusitado O Patriota, jornal literário, político e mercantil editado no Rio de Janeiro, também pela Impressão Régia, de fevereiro de 1813 a dezembro de 1814. A carta régia de 5 de fevereiro de 1811, dirigida ao governador da Bahia, permitiu que Manuel Antonio da Silva Serva, que pretendia “ser útil ao Estado e à nação”, investindo seu capital naquilo que qualificou como “dispendiosa empresa”, ou seja, a criação de uma oficina tipográfica na populosa cidade da Bahia. Estavam dadas as condições para a publicação da Idade d’Ouro do Brasil, que deveria publicar “escritos ministeriais e econômicos”; “as novidades mais exatas de todo o mundo” e que mais interessassem à “história do tempo”. Além de notícias políticas, mas isso sem que interpusesse “quaisquer reflexões”; os despachos civis e militares, sobretudo os referentes à capitania da Bahia; os avisos remetidos e que facilitassem a “viveza do comércio”; e as notícias de descobertas nas artes. Apesar dessa prescrição do que seria publicado, o cotidiano da cidade da Bahia, segundo Silva (2006, p. 156) está presente de maneira viva no periódico. O movimento dos portos (a entrada e saída das embarcações), a lista dos preços da estiva, os avisos variados colocados pelos anunciantes, a descrição do movimento nas praças, ruas, na biblioteca pública e no teatro, e as festas cívicas, tudo isso revela o dia a dia da cidade nesse início do século XIX e deve ter atraído o interesse dos seus prováveis leitores. Segundo a descrição de Morel (2007), O Patriota era um jornal bem diferente do que conhecemos hoje sob este nome: com números primeiramente mensais e depois bimensais, tendo em média de 110 a 113 páginas. O Patriota, para ele, “representou o aparecimento do que hoje chamaríamos de primeiro periódico dedicado exclusivamente à difusão do conhecimento científico no Brasil”. Para o autor, o jornal pertencia ao contexto intelectual de reinterpretação do iluminismo do século XVIII, característico dos Antigos Regimes, mas já marcado pelos liberalismos pós-Revolução Francesa. Era, em suma, “uma publicação cultural típica das monarquias absolutistas, na qual os que a redigiam estavam imersos nestas conjunturas de crise, mudança, ambiguidades e transformações, quando o comérciose redefinia na esteira dos impérios que ruíam, ampliavam-se e de novas nações que emergiam”. Seu redator era o baiano Manuel Ferreira de Araújo Guimarães, que também fora redator da Gazeta, e que era integrante, segundo Morel, de uma rede de letrados luso- brasileiros, entre os quais figuravam nomes que teriam destaque nas décadas que se seguiram à Independência, como José Bonifácio de Andrada e Silva. Tratava de temas como botânica, zoologia, mineralogia, filosofia, história, medicina, matemática, química, navegação, entre outros. Ainda que O Patriota seja profundamente diferente da Idade d’Ouro, sendo claramente um periódico que se destinava a divulgar as informações do mundo da ciência, a decifração de alguns desses conteúdos permite observar, do ponto de vista de uma história da comunicação, o sistema codificado de transmissão das informações existente no início do século XIX e os aparatos tecnológicos que permitiam a publicação, mesmo com defasagem temporal, do que antes já tinha circulado em outros periódicos europeus. Enfim, como se dava a construção ainda incipiente de espaços governados pela lógica comunicacional impressa. Ao espaço territorial adicionava-se a nova espacialidade comunicacional: os territórios se sucediam como instauradores de alguma coisa falada ou ocorrida e que mereceria, em função disso, ser novamente apresentada. A origem da informação reafirmava novamente o lugar agora como letra impressa fixa num periódico, isto é, como espaço de comunicação. Estava em jogo também a constituição de um novo campo de sociabilidade, virtual, já que era num espaço abstrato – ou seja, nas folhas impressas – que as ideias, o convívio, a interlocução, as trocas, as possibilidades de expressão se materializavam. O convívio não mais se dava apenas via comunicação interpessoal, mas como expressão abstrata de ideias que poderiam se expandir pela imprensa. AS INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE MATERIAL DE APOIO AO ESTUDO FORAM EXTRAÍDAS DAS SEGUINTES PUBLICAÇÕES: BARBOSA, Marialva. História da comunicação no Brasil. Petrópolis (RJ): Vozes, 2013. MARTINS, Ana Luiza e LUCA, Tania Regina de. História da imprensa no Brasil. 2ed. São Paulo: Contexto, 2012. ROMANCINI, Richard e LAGO, Claudia. História do jornalismo no Brasil. Florianópolis: Insular, 2007. RIBEIRO, Ana Paula Goulart. Imprensa e história no Rio de Janeiro dos anos 50. Rio de Janeiro: E-Papers, 2007. SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Porto Alegre: Intercom/EdiPUCRS, 2011.
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