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A HERANÇA LINGUÍSTICA

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DEFINIÇÃO
Conceito de línguas de herança na perspectiva da Linguística, apresentando as concepções de
bilinguismo e bilingualidade, sua aplicação a diferentes contextos de herança linguística e
identificando filhos ouvintes de pais surdos (Codas) como sinalizantes de língua de herança.
PROPÓSITO
Compreender o conceito de língua de herança na perspectiva da Linguística para aplicá-lo a
diferentes contextos de falantes/sinalizantes bilíngues.
PREPARAÇÃO
Antes de iniciar o conteúdo deste tema, reflita sobre sua condição linguística pessoal
procurando responder às seguintes perguntas: O que você considera ser uma pessoa bilíngue?
Você se vê como um falante bilíngue? Você conhece pessoas que sejam bilíngues? Você
percebe algo diferente na relação delas com as línguas?
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Definir o que são línguas de herança na perspectiva da Linguística
MÓDULO 2
Distinguir bilinguismo e bilingualidade
MÓDULO 3
Aplicar os conceitos de bilinguismo e bilingualidade às línguas de herança de filhos ouvintes de
pais surdos (Codas)
HERANÇA LINGUÍSTICA
O termo herança remete à transmissão de algo para alguém. Em termos jurídicos, a ideia
evocada é a da transmissão de bens de pais para filhos. A Sociolinguística aplica esse
conceito à Linguística quando discute sobre a herança linguística que passa de pais para os
filhos.
Discutiremos acerca dos conceitos que norteiam a herança linguística. Dentre eles, as línguas
de herança identificadas em diferentes contextos sociais, incluindo os falantes imigrantes,
falantes de línguas étnicas e os filhos ouvintes de pais surdos. São realidades do bilinguismo e
bilingualismo brasileiro.
As línguas de herança faladas ou sinalizadas no Brasil podem ser mais ou menos valorizadas,
impactando na condição bilíngue de seus falantes. Muitas vezes, por causa do preconceito
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linguístico, os falantes e sinalizantes de língua de herança deixam de usar as línguas herdadas
de seus familiares e optam pela língua de prestígio reconhecido, como é o caso da língua
portuguesa no Brasil.
Os falantes de língua de herança representam uma minoria linguística que poderia contar com
programas bilíngues. Segundo Cummins (1983), há evidências de que escolas com programas
bilíngues de línguas de herança encorajam a manutenção do bilinguismo, além de facilitar o
desenvolvimento de habilidades acadêmicas.
SOCIOLINGUÍSTICA
A Sociolinguística faz parte da Linguística e tem por princípio básico o estudo da linguagem em
diferentes recortes e realidades sociais. Trata-se de uma área de teorização e investigação que
observa aspectos relacionados à variação e à mudança linguística, além de pesquisar
tendências relacionadas aos usos de diferentes grupos sociais e as ideologias e relações de
poder envolvidas no processo de percepção, legitimação e estigmatização dessas mesmas
formas.
O que se aprende numa língua é transferido para a outra, motivando a condição bilíngue. Outro
fator importante de manutenção da primeira língua é que o melhor desempenho na segunda
língua está diretamente relacionado à fluência na primeira. A soma das línguas empodera o
desenvolvimento escolar.
Essas e outras vantagens do bilinguismo estão pautadas na teoria da interdependência de
Cummins.
Com isso em mente, vamos compreender melhor o que significa herança linguística e as suas
diferentes formas de expressão para desconstruir possíveis preconceitos existentes e
reconstruir uma visão pautada na diversidade linguística. Faremos isso por meio de três
tópicos:
Línguas como herança na perspectiva da Linguística.
Fronteiras e contatos linguísticos: bilinguismo e bilingualidade nas enunciações.
Filhos ouvintes de pais surdos (Codas) como sinalizantes de língua de herança.
MÓDULO 1
 Definir o que são línguas de herança na perspectiva da Linguística
LÍNGUAS COMO HERANÇA NA
PERSPECTIVA DA LINGUÍSTICA
Para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (IPHAN), as línguas integram um bem
cultural patrimonial. No Brasil, entre essas línguas, temos as línguas étnicas, as línguas de
imigrantes e as línguas de sinais, além da língua portuguesa, nosso idioma nacional. Todas
essas línguas são consideradas brasileiras, apesar de o Brasil ainda ser visto como um país
supostamente monolíngue, tendo a língua portuguesa como idioma oficial desde o momento de
sua colonização pelos portugueses (BERGER, 2011).
As línguas étnicas, as línguas de imigrantes e as línguas de sinais são usadas em
comunidades, vilarejos e áreas geográficas específicas dentro de um país que tem uma língua
nacional comum. Elas podem ser consideradas línguas de herança, pois as crianças crescem
em uma família ou comunidade que usa uma língua diferente da majoritariamente falada no
país.
 
Fonte: Katty2016/Shutterstock
Vamos tratar dos diferentes falantes e sinalizantes de herança, apresentando a variedade de
contextos e formas como se constituem esses bilíngues. Usamos os termos falantes e
sinalizantes porque alguns têm uma língua de sinais como língua de herança, enquanto os
demais têm uma língua falada.
LÍNGUA DE HERANÇA
Língua de herança é um bem cultural herdado pelos falantes de dada língua, é uma herança
linguística, ou seja, uma língua herdada dos pais e da comunidade local a que pertencem e,
em geral, diferente da língua oficial e majoritariamente usada em um país.
Segundo Quadros (2017), um falante de herança refere tipicamente a uma segunda geração
de falantes de outra língua que não é a nacional em contextos bilíngues. No Brasil, portanto, as
línguas étnicas, como o guarani, o terena, o pataxó; as línguas de imigrantes, como o italiano,
o japonês, o alemão; e as línguas de sinais, como a língua brasileira de sinais (Libras), a língua
de sinais cena e a língua de sinais pataxó, entre outras, são consideradas línguas de herança
porque a relação delas com o português configura uma situação bilíngue.
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GUARANI
O guarani é uma língua da família tupi-guarani falada no Brasil por comunidades
indígenas do Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São
Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Conta também com grande número de
comunidades indígenas no Paraguai e na Argentina, e uma de suas variedades, o
chiriguano, é falada na Bolívia. Tal dispersão da língua não é apenas um fato
contemporâneo: tanto do ponto de vista geográfico, quanto demográfico, “o Guarani era,
às vésperas da chegada dos europeus neste continente, a língua mais geral que se
falava na bacia do Rio da Prata”.
Fonte: Enciclopédia das Línguas no Brasil (Unicamp); autores: Marta Azevedo, Antonio
Brand, Egon Heck, Levi Marques Pereira, Bartomeu Melià.
TERENA
A língua falada pelos povos Terena pertence à família linguística Arawák. Segundo Maria
Elisa Martins Madeira, em sua tese de doutorado (Língua e História: análise
sociolinguística em um grupo terena, 2001), os Terena podem ser caracterizados como
uma sociedade estritamente bilíngüe em que a distinção entre L1 (Língua materna -
Indígena) e L2 (língua de contato, o Português) não tem sentido sociológico, pois o
Terena como língua materna, parece não mais ter a função socializadora. Ela não é
tomada como mecanismo de identidade étnica para afirma-se como sociedade diferente
da ocidental, mesmo assim a língua “não corre risco de extinção devido ao número
significativamente alto de falantes”.
Fonte: Enciclopédia das Línguas no Brasil (Unicamp); autores: Marta Azevedo, Antonio
Brand, Egon Heck, Levi Marques Pereira, Bartomeu Melià.
PATAXÓ
O povo Pataxó tem uma população de cerca de 20 mil pessoas, habitando 44 aldeias,
nos estados da Bahia e de Minas Gerais. Por décadas a língua pataxó foi considerada
extinta, mas em 1938, um etnólogo alemão descobriu falantes do pataxó, e aos poucos
houve outras descobertas. A partir de 1998, representantes da etnia começaram a
desenvolver um trabalho de “retomada da língua”.
Fonte: BOMFIM, Anari Braz. Patxohã: aretomada da língua do povo Pataxó. In Revista
Linguística / Revista do Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade
Federal do Rio de Janeiro , 2017.
Considerando esses contextos, as línguas de herança estão em concorrência desigual com a
língua portuguesa porque:
O português ocupa quase 100% do tempo dos meios de comunicação em todas as suas
formas: televisiva, impressa e em meios nacionais que veiculam vídeos e informações na
internet.
O português é a língua falada em praticamente todas as escolas brasileiras, além de ser a
língua de instrução.
Por fim, o português é considerado a língua oficial do país constitucionalmente.
Assim, todas as demais línguas usadas no Brasil ocupam espaços bem mais restritos,
mantendo-se no núcleo familiar e em algumas comunidades locais mais organizadas.
As famílias de imigrantes, muitas vezes, falam uma língua do país de imigração dentro de casa
e em sua comunidade local, além de falar português em quase todos os demais espaços
sociais. Em várias regiões do Brasil, temos comunidades de imigrantes alemães, italianos,
japoneses e outras que continuam usando suas línguas, transmitindo essa herança linguística
aos seus filhos em seus lares, mais ou menos inseridos em comunidades engajadas em
manter suas línguas no Brasil, apesar de a língua portuguesa continuar sendo a língua
amplamente difundida e usada em quase todos os espaços públicos e nas escolas.
 
Fonte: Monkey Business Images/Shutterstock
As línguas de herança são transmitidas pelos pais em contextos em que a língua usada no
país é diferente daquela usada em casa. É quase um espaço de resistência instituído pelas
famílias por razões culturais e, muitas vezes, afetivas. Assim, os falantes de língua de
herança são supostamente bilíngues, uma vez que adquirem em casa uma língua, minoritária,
e fora de casa outra língua, majoritária.
A língua de herança está sendo considerada língua minoritária porque é usada pela família ou
comunidade local na relação com a língua portuguesa, usada de forma massiva. Esse seria um
contexto típico de aquisição bilíngue simultânea ou quase simultânea dos falantes e
sinalizantes de língua de herança, pois as crianças, desde o seu nascimento, estariam
interagindo com as duas línguas de forma plena, tornando-se bilíngues equilibrados. No
entanto, segundo Fishman (2001), as pesquisas mostram que não é bem assim que acontece,
pois há uma variação enorme entre os falantes e sinalizantes de línguas de herança. As
práticas linguísticas vivenciadas com cada língua impactam diretamente a sua fluência.
BILÍNGUES EQUILIBRADOS
São considerados bilíngues equilibrados aqueles que usam duas línguas de forma
produtiva em diferentes contextos de uso, compreendem e falam as línguas e, quando é
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o caso, sabem ler e escrever nas línguas adquiridas desde pequenos de forma altamente
fluente, sendo considerados falantes nativos nas duas línguas.
PRÁTICAS LINGUÍSTICAS
O QUE SÃO PRÁTICAS LINGUÍSTICAS?
As diferentes vivências efetivas utilizando uma ou outra língua, no dia a dia do falante de duas
línguas, determinam a sua constituição bilíngue. As práticas linguísticas vão envolver desde as
relações mais afetivas com as línguas, os preconceitos associados ao seu uso, os valores
atribuídos a elas e aos seus falantes, os usos das línguas na sociedade em espaços mais ou
menos prestigiados, até as relações mais formais por meio de usos impressos nas mídias
públicas e sociais ou institucionais.
QUAL O IMPACTO DAS PRÁTICAS
LINGUÍSTICAS NOS FALANTES DE LÍNGUA DE
HERANÇA?
Tais práticas afetam a sua relação com a língua herdada em seus lares, assim como
pressionam esses falantes a adotarem a língua que é amplamente usada e veiculada por
diferentes meios e espaços sociais. Não há uma receita única na composição dessas práticas
e em seus efeitos nos diferentes falantes de língua de herança. O resultado pode variar para
cada um desses falantes e sinalizantes de língua de herança, mesmo em uma única família.
Nos exemplos a seguir, veremos duas situações distintas quanto às práticas linguísticas:
UMA FAMÍLIA DE IMIGRANTES ALEMÃES
Em uma mesma família de imigrantes alemães, o filho mais velho pode crescer
compreendendo e falando alemão, mesmo depois de ir para a escola, enquanto o segundo
filho compreende o alemão, mas fala apenas português.
Há várias possíveis razões para justificar essa diferença. Podemos supor algumas, como o fato
de o filho mais velho, por ser bilíngue, falar português com o irmão, mesmo que os pais
continuem falando alemão em casa. Assim, o irmão mais velho vira uma espécie de tradutor
quando necessário, tornando não tão necessário ou importante para o irmão mais novo
efetivamente usar o alemão. Quando falantes de língua de herança são questionados quanto
ao fato de compreenderem e não falarem a língua, eles dizem que é mais fácil falar português,
pois todos falam português. Isso também pode ser uma razão que justifique a opção de os
falantes de língua de herança deixarem de usá-la, mesmo mantendo a compreensão ao
conversarem com seus familiares ou membros da comunidade local.
 
Fonte: Kzenon/Shutterstock
Outra razão ainda pode estar associada ao prestígio que o português recebe por ser usado no
processo de escolarização e na mídia e nas redes sociais de forma ampla e irrestrita. Isso
passa uma ideia de que falar português é importante, enquanto falar a língua dos pais é muito
restrito. O fato de todos serem bilíngues na família ou comunidade local e todas as pessoas da
comunidade maior saberem só o português faz com que seja lógico aos novos membros da
família adotarem a língua que seja comum tanto na comunidade local como na comunidade do
seu entorno maior.
Parece que o cérebro funciona instintivamente na direção mais econômica, não desperdiçando
energia em aprender mais de uma língua se realmente não parece necessário.
UMA FAMÍLIA DE IMIGRANTES RUSSOS
A situação seria diferente se uma família russa viesse morar no Brasil sem saber falar
português. Nesse caso, os filhos precisam falar o russo para conversar com os pais e, em
pouco tempo, passam a ser mediadores, pois tornam-se bilíngues. O português, nesse
exemplo, passa a ser adquirido por meio de imersão na comunidade e a escola tem um papel
fundamental, pois ensina a língua usada no país. Os filhos aprendem rapidamente o português
e, muitas vezes, auxiliam seus pais.
No entanto, se essa família for única, ou seja, não estiver em uma comunidade local de
falantes de russo, o contexto pode se tornar mais problemático para os seus filhos, pois as
atitudes, os hábitos, a aparência e o sotaque dos pais podem causar estranhamento aos locais
que passam a externá-lo às crianças recém-chegadas, configurando até mesmo bullying
(agressões verbais, chacotas, piadas sobre a cultura e língua dos pais). Nesse caso, as
crianças podem ficar envergonhadas de seus pais diante dos colegas e amigos da escola e
isso pode impactar o uso do russo, sua língua de herança.
 
Fonte: Daniele RUSSO/Shutterstock
 Matrioscas
Por outro lado, suponhamos que essa família de russos tenha tanto orgulho de sua cultura e
língua que procure várias alternativas de contato com a comunidade e a língua russa. Ao
procurar outras famílias de russos, mesmo que sejam poucas, torna-se possível criar vários
contextos de encontros e celebração da vida russa, mesmo estando no Brasil. Além disso,
esse encontro propicia momentos sistemáticos de interação entre os filhos falantes de russo.
Provavelmente, essas crianças manterão sua língua de herança e crescerão bilíngues
equilibrados, pois os valores da família vão se sobrepor a possíveis situações de bullying. As
reações dos pais a tais situações também impactam a vida dessas crianças e as formas como
lidam com o seu bilinguismo. Os pais e professores que conseguem conversar e transformar o
bullying, a partir do reconhecimento e respeito às diferenças, também impactam de forma
positiva a vida de seus filhose alunos.
Alguns autores, como Benmamoun et al (2010), usam o termo bilinguismo assimétrico para
identificar os filhos de imigrantes que cresceram em famílias que se mudaram para outro país,
a primeira geração de falantes de língua de herança. A maioria desses filhos acaba se
apropriando da nova língua e deixa sua língua de herança em segundo plano. A assimetria é
estabelecida como consequência dos contextos sociointeracionais (casa, escola, comércio,
associações etc.) em que esses filhos são inseridos, sendo a língua de herança usada
exclusivamente em casa e a língua do país em todos os demais contextos.
TRANSMISSÃO DAS LÍNGUAS DE
HERANÇA
A questão da transmissão das línguas de herança é relevante, pois varia entre o núcleo familiar
e a comunidade local em que a família está inserida.
Se a família adota uma língua que também é usada na comunidade local, a transmissão da
língua de herança extrapola o núcleo familiar por estar inserida em uma comunidade que
também usa a língua. Assim, a transmissão apresenta práticas linguísticas que envolvem
diferentes espaços sociais, podendo incluir espaços de lazer, religiosos e educacionais. Em
alguns contextos, os espaços comunitários compreendem somente espaços sociais que podem
incluir algumas igrejas, mas excluem o espaço escolar. Mesmo assim, a transmissão está
acontecendo na comunidade local que inclui a família. Isso acontece, por exemplo, com
famílias de brasileiros que moram em alguns países da Europa ou nos Estados Unidos, onde
os brasileiros formam comunidades nas quais os filhos estão inseridos, embora frequentem
escolas na língua do país. As crianças adquirem o português como língua de herança com
seus pais e amigos brasileiros e adquirem a língua oficial do país na escola e em outros
espaços que frequentam.
 
Fonte: XiXinXing /Shutterstock
Quando há um pertencimento comunitário maior do que a família, é mais comum que as
crianças se tornem bilíngues equilibrados ao crescerem.
 
Fonte: Mila Supinskaya Glashchenko/Shutterstock
No entanto, há casos em que a transmissão acontece exclusivamente no núcleo familiar com
os pais. Em todos os demais espaços, a língua usada é a língua do país. Nesse caso, a
transmissão da língua de herança fica altamente restrita e, dependendo de como os pais lidam
com a língua, é muito provável que os filhos acabem deixando de usar a língua ou passem a
usá-la somente com seus pais, restringindo as práticas linguísticas aos usos específicos de
seus pais. Em alguns casos, a transmissão da língua de herança sofre mais ruídos de
preconceitos em relação à própria língua, assim como em relação aos falantes dessa língua.
Esse é o caso de imigrantes que não são bem-vindos no país, como os imigrantes ilegais.
A transmissão das línguas de herança pode ser vista como uma forma de agregar valores e
expressões culturais ou como algo não tão bem-vindo. Isso vai depender de como a família lida
com sua própria língua no país que usa outra língua. A presença de uma comunidade
linguística atuante e integradora apresenta valor e impacto significativos no desenvolvimento
bilíngue em comunidades de língua de herança. A presença de outros falantes e sinalizantes,
ou seja, de pares que usam a mesma língua, e de valores culturais compartilhados na língua
de herança vão determinar a consolidação dessa língua de herança e a sua relação com a
outra língua.
Outro fator importante é o maior ou menor volume de exposição às línguas. O fato de as
crianças serem expostas durante quase todo o período do dia à língua do país, com
experiências no contexto escolar e em outros contextos sociais, enquanto são expostas a
poucas horas à língua de herança pode impactar o seu desenvolvimento bilíngue.
 
Fonte: Qvasimodo art/Shutterstock
LÍNGUA DE HERANÇA ADORMECIDA E
OUTRAS 
RELAÇÕES ENTRE LÍNGUA PRIMÁRIA E
SECUNDÁRIA
Quadros (2017) indica a possibilidade de a língua de herança ficar “adormecida”. Veja o fluxo a
seguir:
Interação com a comunidade dominante

A língua de herança passa a ser secundária

A língua da comunidade passa a ser primária

A língua de herança fica adormecida
Fluxo do adormecimento da língua de herança
Isso acontece quando as crianças adquirem a língua de herança e, na medida em que se
integram à comunidade dominante, passam a usá-la como língua secundária. A língua usada
na comunidade dominante passa a ser sua língua primária. A língua de herança, que foi a sua
primeira língua, deixa de ser primária porque a língua dominante ocupa um lugar muito mais
abrangente, ofuscando o lugar da língua de herança no repertório linguístico desse falante.
Nesse caso, a primeira língua fica adormecida, guardada no seu repertório linguístico até que
seja acordada, caso tenha a oportunidade de passar a ser usada em algum momento da sua
vida.
Há casos de falantes de língua de herança que “desaprenderam” sua primeira língua, mas que
voltaram a aprendê-la por razões circunstanciais e conseguiram fazer isso de forma bastante
rápida. Isso é possível, porque esses falantes contam com essa língua em algum lugar de sua
memória linguística, permitindo que seja reativada e facilmente restaurada. A língua dormente
é acordada nesse caso.
O jogo entre língua primária e língua secundária nos bilíngues de língua de herança pode ser
bem complexo dependendo da frequência de uso que esses falantes têm nas duas línguas
adquiridas. A língua de herança e a língua dominante podem ser tanto primárias como
secundárias, caso esses falantes sejam bilíngues equilibrados, ou seja, caso usem as duas
línguas em diversas práticas linguísticas. Língua dominante se refere à língua que é usada pela
comunidade em geral, no sentido de contar com o maior número de falantes de uma
comunidade (ou de um país), assim o domínio está relacionado com o número de pessoas que
usa a língua. Os bilíngues de língua de herança vão variar de língua primária e secundária de
acordo com o contexto, pois para eles tanto uma quanto a outra língua estão estabelecidas, ou
seja, são falantes ou sinalizantes nativos das duas línguas.
Um falante nativo é aquele que adquiriu a língua desde muito cedo e a domina, não apresenta
marcas fonético-fonológicas de outras línguas, interage bem com outros nativos, apesar de
algumas diferenças que não impedem a comunicação. Segundo Chomsky (1986), o falante
nativo é aquele que apresenta intuições sobre sua própria língua sem ter sido ensinado para
isso. É aquele que sabe que uma frase que não seja gramatical não é aceita, simplesmente
porque usa a língua (mesmo se não frequentou a escola), pois adquiriu a língua de berço.
Assim, esses bilíngues são falantes nativos de duas línguas: a língua de herança e a língua do
país, portanto, podem ajustar a língua primária de acordo com o contexto em que estiverem: se
for o da língua de herança, usam esta como língua primária; caso o contexto seja o da língua
do país, usam-na como língua primária; se o contexto for bilíngue, podem intercambiar o uso
das línguas primárias alternando-as, conforme a conveniência.
Do ponto de vista linguístico, as línguas de um falante de herança apresentam indícios de
como a linguagem se organiza e como é adquirida. Pesquisas identificaram que as línguas de
herança que ficam adormecidas podem apresentar evidências sobre os princípios da
linguagem, pois, se foram estabelecidas na infância e podem ser acessadas de alguma forma,
isso pode indicar o que realmente é a base da linguagem humana. Nesse caso, os falantes de
herança representam aqueles que deixaram de usar sua língua de herança em favor da língua
do país, configurando um tipo específico de bilinguismo.
CHOMSKY
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Avram Noam Chomsky nasceu na Filadélfia em 07 de dezembro de 1928. Além de
linguista, filósofo e matemático de fama internacional, tornou-se uma celebridade também
pelo seu ativismo político. É um dos dez pensadores mais citados de todos os tempos e
reconhecido como um dos mais importantes linguistas do século XXe início do século
XXI. Seus interesses vão da linguística à política internacional, passando pela filosofia e
pela sociologia. É professor emérito do departamento de Linguística do Instituto de
Tecnologia de Massachusetts (MIT), onde trabalhou por mais de 40 anos. Em 2017,
Chomsky tornou-se laureate professor do departamento de Linguística da Universidade
do Arizona.
 
Fonte: Wikimedia
 Avran Noam Chomsky
Uma das questões colocadas sobre a competência linguística desses falantes se refere a
eles terem adquirido uma língua em seu núcleo familiar que, posteriormente, passou a estar
adormecida; no entanto, o que restou dessa competência que não necessariamente configura
o desempenho desses falantes? Essa é uma questão que tem sido investigada por linguistas
ao longo das últimas duas décadas com o objetivo de encontrar respostas sobre a natureza da
linguagem humana. Um dos fatos que evidencia essa competência linguística está relacionado
com a facilidade de acesso a essa língua caso o falante de herança tenha oportunidade de
reaprendê-la mais tarde, na sua fase adulta. Os pesquisadores verificaram que a fonologia (a
pronúncia e o sotaque) ficam intactos, enquanto pessoas que aprendem a mesma língua como
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segunda língua na vida adulta apresentam várias marcas gramaticais e discursivas divergentes
em relação a ela.
COMPETÊNCIA
É conhecimento interno da linguagem, específico da espécie humana. A competência é o
que falante de uma língua sabe dela, não o uso que faz desse conhecimento. (Esse uso é
chamado de desempenho.)
DESEMPENHO
Performance, práticas e usos da língua, realização da língua pelo ser humano,
envolvendo a produção por meio de uma língua.
Neste vídeo, o professor Luís Cláudio Dallier resume os principais pontos sobre línguas de
herança.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. MARQUE A ALTERNATIVA QUE MELHOR DEFINE O CONCEITO DE
LÍNGUA DE HERANÇA DO PONTO DE VISTA LINGUÍSTICO.
A) Língua de herança compreende um contexto em que a língua é usada pelos familiares de
determinada região do país.
B) Língua de herança é uma língua usada dentro da sociedade herdada na escola.
C) Língua de herança representa a língua adquirida no seio familiar que usa uma língua
diferente da usada na sociedade em geral.
D) Língua de herança é a língua de uma pessoa em determinado país.
2. NA PERSPECTIVA DA LINGUÍSTICA, MARQUE A OPÇÃO QUE MELHOR
CARACTERIZA UM FALANTE DE LÍNGUA DE HERANÇA.
A) O falante de língua de herança é necessariamente um bilíngue equilibrado.
B) O falante de língua de herança necessariamente tem sua língua da família como língua
secundária.
C) O falante de língua de herança necessariamente usa essa língua como língua primária com
a família.
D) Um falante de língua de herança é bilíngue e pode usar duas línguas como primária ou
secundária de forma alternada a depender do contexto.
GABARITO
1. Marque a alternativa que melhor define o conceito de língua de herança do ponto de
vista linguístico.
A alternativa "C " está correta.
 
Língua de herança é aquela adquirida na família que, por alguma razão, fala uma língua
diferente da falada no país. Aprendemos sobre isso e discutimos sobre a constituição bilíngue
dos falantes de língua de herança, uma língua que é aprendida em casa com os pais e que não
é a usada nos demais espaços sociais da comunidade em geral.
2. Na perspectiva da Linguística, marque a opção que melhor caracteriza um falante de
língua de herança.
A alternativa "D " está correta.
 
As vivências na utilização das línguas determinam a constituição bilíngue de um
falante/sinalizante. São as chamadas práticas linguísticas, que envolvem diferentes questões
sociais, afetivas, institucionais, entre outras.
MÓDULO 2
 Distinguir bilinguismo e bilingualidade
FRONTEIRAS E CONTATOS LINGUÍSTICOS: 
BILINGUISMO E BILINGUALIDADE NAS
ENUNCIAÇÕES
Muitas pessoas acreditam que ser bilíngue significa saber duas línguas. Ao perguntarmos o
que significa saber duas línguas, talvez você responda que é compreender e falar cada língua.
Talvez, ainda, você diga que é saber, também, escrever essas línguas. Os falantes de língua
de herança muitas vezes não se reconhecem bilíngues, pois acham que o conhecimento da
língua de herança não é suficiente. No entanto, a definição do que é ser bilíngue não é tão
simplista assim: saber ou não saber as línguas. Há muita discussão sobre esse assunto
subsidiada por pesquisas. Discutiremos adiante sobre o que é ser bilíngue e sobre bilinguismo
em contraste com bilingualismo, um campo de pesquisa da Sociolinguística.
SOMOS TODOS BILÍNGUES?
EVERYONE IS BILINGUAL
EDWARDS, 2006
John Edwards (2006) começa a discussão sobre os fundamentos do bilinguismo afirmando que
qualquer pessoa é bilíngue (everyone is bilingual). Ele afirma isso porque, mesmo não
sabendo, qualquer pessoa usa pelo menos algumas palavras de outra língua. O importante,
portanto, é definir a perspectiva sobre a qual está sendo delimitado o bilinguismo. Para tanto,
partimos da perspectiva da Sociolinguística, considerando o comportamento linguístico diante
de diferentes contextos em que um bilíngue está inserido no seu dia a dia.
Uma diferenciação que todos os pesquisadores assumem como pressuposta é entre
bilinguismo simultâneo e bilinguismo sequencial e suas variações.
Bilinguismo simultâneo
Refere-se à aquisição de duas línguas de forma paralela na infância, assim como o caso dos
falantes de língua de herança, ou seja, crescem expostos a duas línguas.

Bilinguismo sequencial
Envolve aqueles que aprendem a segunda língua depois de terem adquirido a primeira.
As variações entre um e outro tipo de bilinguismo são grandes, mas seguem de modo geral
essa distinção. Por exemplo, há diferenças perceptíveis entre uma criança com 7 anos de
idade ir para um país onde se fala outra língua e ficar imersa naquele ambiente linguístico e um
adulto aprender uma segunda língua em uma escola de línguas estrangeiras. Ambos são
considerados bilíngues sequenciais, mas há diferenças significativas no desenvolvimento
bilíngue dos dois.
Além da idade, o fato de estar imerso em um ambiente em que se usa a segunda língua tem
efeito direto no desenvolvimento bilíngue de alguém. Portanto, há vários fatores que
apresentam implicações nessa distinção, como a qualidade e a quantidade de insumos na
língua a ser adquirida, e mesmo a motivação pessoal e as questões políticas que favorecem ou
não uma das línguas.
Voltando ao exemplo citado, a criança de 7 anos pode estar afetivamente frustrada ao sair de
sua escola de origem em seu país e, portanto, completamente desmotivada para se dispor a
interagir com colegas falantes da outra língua. Por outro lado, o adulto na escola de línguas
pode estar extremamente motivado porque ganhou uma bolsa para estudar fora do país, mas
precisa adquirir minimamente a língua do novo país em um prazo de 6 meses.
Grosjean (1986) analisa a variação entre os bilíngues considerando suas práticas linguísticas
em diferentes contextos de enunciação. O autor apresenta os modos linguísticos do falante
bilíngue que variam entre o modo em que uma das línguas está ativada e o modo em que as
duas línguas podem estar ativadas. Os modos estão relacionados com o contexto no qual o
bilíngue está inserido. Também menciona que o bilíngue está imerso em situações que
favorecem o uso de uma ou de outra língua e das duas línguas ao mesmo tempo, embora
sejam articuladas alternadamente. Aprofundaremos os dois modos linguísticos com os
exemplos a seguir. Confira:
FALANTE BILÍNGUE COM APENAS UMA LÍNGUA
ATIVADA
Se o indivíduo bilíngue está diante de um amigo que só fala português, por exemplo, ele não
vai alternar suas línguas, mas entrará no modo monolíngue do português. Da mesma forma, se
houver um contexto no qual ele está diante dos pais que falam somente alemão, ele vai usar o
alemão.
FALANTE BILÍNGUE COM DUAS LÍNGUAS ATIVADAS
Se um bilíngue estiver em presença de pessoas que falem igualmentesuas duas línguas, ele
as pode alternar de forma a potencializar os sentidos que estão sendo colocados. Nesse caso,
ele ativou o modo bilíngue. Há situações em que o bilíngue está com pessoas monolíngues de
português e outras de alemão. Nesse caso, ele ativa o modo bilíngue, mas procura atuar como
um mediador entre as pessoas que não usam uma das línguas. É claro que o falante de
herança é sempre bilíngue, mas ele consegue ajustar os modos para que sejam ativados de
forma apropriada às pessoas com as quais está interagindo no momento da enunciação.
Para Grosjean, um bilíngue não se constitui de dois monolíngues. Como bilíngue, ele vai se
ajustar a cada situação usando a língua de tal forma a atender às expectativas necessárias
para interação linguística.
BILINGUISMO E BILINGUALISMO
Monica Guimarães Savedra diferencia bilinguismo de bilingualismo:
DEFINO BILINGUISMO COMO A SITUAÇÃO EM QUE
COEXISTEM DUAS LÍNGUAS COMO MEIO DE
COMUNICAÇÃO EM DETERMINADO ESPAÇO SOCIAL,
OU SEJA, UM ESTADO SITUACIONALMENTE
COMPARTIMENTALIZADO DE USO DE DUAS LÍNGUAS.
‘BILINGUALIDADE’ REPRESENTA OS DIFERENTES
ESTÁGIOS DE BILINGUISMO PELOS QUAIS OS
INDIVÍDUOS, PORTADORES DA CONDIÇÃO BILÍNGUE,
PASSAM NA SUA TRAJETÓRIA DE VIDA. OS
ESTÁGIOS SÃO VISTOS COMO PROCESSOS
SITUACIONALMENTE FLUIDOS E DEFINEM, DE
FORMA DINÂMICA, A BICOMPETÊNCIA LINGUÍSTICA,
COMUNICATIVA E CULTURAS NAS DIFERENTES
ÉPOCAS E SITUAÇÕES DE VIDA.
SAVEDRA, 2009
Essa definição esclarece o que estamos discutindo. Os falantes de herança são bilíngues, mas
apresentam diferentes estágios de bilingualidade ao longo de suas vidas.
 
Fonte: Mr. Rashad/Shutterstock
É provável que na infância sejam bilíngues, com a língua de herança sendo a língua primária,
pois passam muito mais tempo com seus pais.
 
Fonte: north100/Shutterstock
Ao ingressarem na escola, a bilingualidade pode chegar a estágios mais equilibrados
dependendo dos contextos nos quais têm oportunidades de práticas linguísticas efetivas nas
duas línguas, ou, talvez, passarão a ter a língua da escola como primária, suprimindo a língua
de herança.
 
Fonte: Riccardo Piccinini/Shutterstock
Conforme discutimos, há várias nuances entre as experiências diversas pelas quais os falantes
e sinalizantes de língua de herança passam que determinarão diferentes estágios de
bilingualidade.
A partir da diferenciação entre bilinguismo e bilingualidade, a definição de pessoa bilíngue deve
considerar o estágio de sua bilingualidade no momento da enunciação, ou seja, é preciso
avaliar aspectos linguísticos e discursivos em situações de uso variadas. Portanto, a relação
entre as línguas, os espaços sociais que elas ocupam, os valores atribuídos a cada língua, a
idade de aquisição e a variação vão determinar a manutenção ou supressão de uma das
línguas. Isso pode variar em diferentes momentos da vida e diante das circunstâncias sociais,
culturais e políticas. Políticas aqui entendidas no sentido de possíveis planejamentos propostos
pelos agentes que implementam políticas públicas. Assim, podemos estar diante de políticas
linguísticas de valorização das línguas que podem impactar a constituição bilíngue de uma
comunidade linguística.
A dinâmica da condição bilíngue trazida na distinção feita por Savedra está diretamente
relacionada com a impermanência de uma condição bilíngue diante dos diferentes fatores que
impactam a manutenção e supressão das línguas. O bilíngue apresenta uma relação com as
línguas altamente dinâmica, ou seja, na infância pode favorecer uma língua a outra, na fase da
adolescência a condição pode mudar, assim como a língua que favorece.
Considerando os falantes de línguas de herança, podemos identificar dois casos típicos de
aquisição bilíngue simultânea ou sequencial:
PRIMEIRO CASO
SEGUNDO CASO
PRIMEIRO CASO
Quando a criança nasce em uma família que usa uma língua em casa e convive com
outras pessoas que usam outra língua desde o seu nascimento.
Ou ainda quando a criança nasce em uma família que usa duas línguas diferentes de
forma sistematizada (o pai usa uma língua e a mãe outra), adquirindo as duas línguas
simultaneamente (duas primeiras línguas).
SEGUNDO CASO
Quando a criança nasce em uma família e comunidade local que usam de forma
sistemática a língua de herança e, posteriormente, em torno de 5 e 6 anos de idade, vai
para a escola e adquire a sua segunda língua.
Em relação a esses dois casos típicos, identificamos uma série de variações quanto à
bilingualidade das pessoas em diferentes fases de suas vidas. Quanto ao bilinguismo
sequencial, também há todas as possibilidades de aquisição de uma ou mais segundas línguas
em diferentes idades e contextos de aquisição, por exemplo, desde muito cedo em escolas de
línguas estrangeiras, tardiamente em escolas de línguas estrangeiras, em contextos de
imersão no outro país em diferentes idades com ou sem ensino formal da língua estrangeira e
assim por diante.
No caso de bilíngues simultâneos, a princípio temos falantes nativos em duas línguas. Mesmo
assim, relatos de pessoas que tiveram a oportunidade de crescer com duas línguas variam.
Selecionamos alguns depoimentos relatados por Savedra (2009):
Bilíngues simultâneos:
“Eu acho que a minha língua materna são ambas. Minha mãe é alemã e sempre falou
alemão comigo. Meu pai é brasileiro e sempre falou português comigo. É assim desde
que eu nasci.”
“Quando eu nasci, meu pai falava português e alemão-suíço em casa. Como minha mãe
falava português comigo, ele falava alemão-suíço. Acho que era pra eu aprender os
dois.”

Bilíngues sequenciais:
“Até os sete anos eu só ouvia e falava alemão. Eu morava na Alemanha e não tinha
contato com nenhum brasileiro ou pessoa que falasse português. Quando a gente veio
para o Brasil, eu ingressei numa escola bilíngue. Aí comecei a aprender o português nas
aulas e com os colegas da escola. Eu me lembro que, com oito anos e seis meses, eu já
dominava totalmente o português e utilizava os dois códigos, indistintamente,
dependendo da pessoa com quem eu falava. Ainda tinha um pouco de dificuldade em
escrever o português porque eu fui alfabetizada em alemão. Mas eu me atrasei meio ano
na escola e depois recuperei o português.”
“Em casa, pai e mãe alemães, nós só falávamos alemão. Inclusive minhas irmãs mais
velhas ainda foram para escola sem saber português. Eu, quando fui para escola, já
sabia português, porque aí elas já tinham trazido português para dentro de casa. Como
elas são sete e cinco anos mais velhas do que eu, comecei a ouvir português bem cedo.
Com quatro, cinco anos, eu já ouvia português em casa.”
Aqui temos duas amostras dos dois modos típicos de bilinguismo. Nos dois primeiros, as
crianças tiveram contato com duas línguas na própria casa, ou seja, duas línguas de herança
simultaneamente, pois o pai e a mãe usaram suas línguas de forma consistente para que seus
filhos tivessem a oportunidade de manter as duas línguas desde pequenos. Nos dois últimos
relatos, as crianças eram falantes de língua de herança em casa e tiveram contato com outra
língua usada fora de casa, mas de forma sequencial, ou seja, alguns anos depois de terem sua
primeira língua já adquirida. Mesmo assim, no último caso, as irmãs mais velhas já trouxeram a
língua usada fora de casa para dentro de casa. Veja que cada experiência apresenta suas
particularidades e pode impactar diferentemente cada pessoa.
 ATENÇÃO
A manutenção das línguas depende das experiências obtidas ao longo da vida nos diferentes
ambientes de convívio com outras pessoas (familiar, social, escolar e profissional). Assim,
mesmo com a aquisição estabelecida na primeira infância, não há garantias da estabilidade da
primeira língua.
A funcionalidade da língua apresenta impacto significativo na condição bilíngue da pessoa,
determinando sua bilingualidade. Outro fator importante é que, segundo Savedra (2009), essa
condição bilíngue não é necessariamente uniforme em todos os domínios de
comunicação.
Isso é observado em falantesde língua de herança, pois apresentam muitos estágios de
bilingualidade em diferentes fases da vida. As línguas apresentam diversas funções e efeitos
de contato linguístico, pois interagem na vida desses falantes e sinalizantes no seu cotidiano.
INTERAÇÃO LINGUÍSTICA
O contato linguístico tem sido estudado como fenômeno sociolinguístico por vários autores,
uma vez que a realidade bilíngue no mundo é muito intensa. Assim, os linguistas começaram a
se debruçar sobre o bilinguismo e os fenômenos que decorrem dessa condição. O contato
entre as línguas se dá mediante a interação dos falantes em um mesmo lugar.
No Brasil, por exemplo, há falantes e sinalizantes de línguas de imigrantes, de línguas étnicas,
de línguas de sinais, que também são falantes de português. Suas línguas interagem de forma
significativa evidenciando efeitos de contato linguístico. As mesclas de línguas identificadas em
bilíngues de um mesmo lugar envolvem um processo criativo que ocorre a partir de fenômenos
linguísticos. A intensidade desses efeitos depende de como acontece a aquisição das línguas,
das práticas linguísticas e da interação entre os falantes e sinalizantes das línguas desses
bilíngues.
No caso dos falantes e sinalizantes de língua de herança, vimos que há uma grande variação
no processo de aquisição e nas práticas linguísticas que podem envolver assimetrias entre os
usos das línguas e os tipos de interações. São muitos aspectos a impactar nos efeitos do
contato linguístico e eles têm consequências sociais (por exemplo, no prestígio de uma e de
outra língua, especialmente pelo fato de uma ser considerada nacional).
 
Fonte: Yummyphotos/Shutterstock
Veja a seguir dois exemplos de efeitos a partir do contato entre línguas:
ALTERNÂNCIA DE LÍNGUAS
O efeito de alternância de línguas é chamado em inglês de code-switching. A alternância das
línguas acontece quando os falantes estão diante de contextos em que é possível usar as duas
línguas sem prejuízo à compreensão. Esse uso é produtivo exatamente porque os bilíngues
dispõem de duas línguas que podem tornar o sentido de seus enunciados mais rico. Os
falantes pulam de uma língua para outra de forma convergente, do ponto de vista linguístico,
ou seja, fazem isso observando restrições linguísticas, mesmo sem ter consciência disso. Os
estudos evidenciam que a alternância das línguas é um fenômeno linguístico que observa
regras. Ela não é realizada de forma aleatória, mas acontece sempre em certas posições
sintáticas e de determinadas formas.
EMPRÉSTIMO ENTRE LÍNGUAS
Outro fenômeno observado a partir do contato entre as línguas é o empréstimo entre elas. O
mais típico envolve empréstimo de palavras, mas é possível também observar empréstimos de
expressões e de construções semânticas e sintáticas (sentido e frases).
Em relação à direção em que ocorrem os efeitos do contato linguístico, podemos observar:
DA LÍNGUA PRIMÁRIA PARA A LÍNGUA SECUNDÁRIA
De certa forma, isso evidencia uma pressão realizada pela língua mais forte (no caso dos
falantes de herança, a língua nacional do país em que vivem). Há uma tendência de alternar
para a língua nacional, assim como de tomar emprestado termos dessa língua na língua
secundária. Os falantes de língua de herança, portanto, tendem a incorporar elementos da
língua nacional em sua língua de herança.
DA LÍNGUA DE HERANÇA PARA A LÍNGUA NACIONAL
Um exemplo disso é uma falante de herança do português que vive na França há muitos anos.
Quando ela fala português, toma várias palavras emprestadas do francês, embora nem
perceba isso. Interessante é que ela faz uma acomodação fonológica ou morfológica às regras
do português. Ela acredita que está falando português e não percebe a presença do francês no
seu português. Seguem alguns exemplos de palavras do francês empregadas no português, já
aportuguesadas:
Eu estou sentindo o efeito da decalagem. (Em português: efeitos da diferença do horário;
em francês: effets de décalage horaire).
Tive que ir até o hospital, pois para resolver só com perfusão contra a dor. (Em
português: infusão; em francês: perfusion).
Estão telefonando para ter a sala escolhida e assim teremos a data. (Em português:
para escolher o salão; em francês: avoir la chambre choisie).
Os dois primeiros exemplos são palavras ou expressões usadas no francês que foram
aportuguesadas. O último exemplo é mais complexo, pois envolve a estrutura da frase em
francês traduzida para o português, embora não seja usada da mesma forma no português. É
mais semântico, ou seja, foi feita uma tradução literal que mantém o sentido, mas que não
seria a forma usual no português. Isso acontece porque o francês é a língua primária dessa
falante, favorecendo o uso de empréstimos ou a aplicação semântica com uma sintaxe
(estrutura) de expressões do francês no português, embora sejam todas aportuguesadas.
O fato de haver o aportuguesamento indica um processo linguístico de gramaticalização, pois a
falante é nativa da língua e, portanto, aplica suas regras, mesmo que inconscientemente.
 
Fonte: Qvasimodo art/Shutterstock
O DESAPARECIMENTO DE UMA LÍNGUA
 
Fonte: Joa Souza/Shutterstock
O contato linguístico pode ter efeitos mais intensos na língua secundária, que fica subordinada
à língua mais forte (dominante). Sem estratégias e políticas públicas adequadas, essa
subordinação pode colocar a língua de herança em perigo, levando-a a desaparecer.
O que significa a morte de uma língua? A morte das pessoas que ainda falam a língua, pois
seus herdeiros já não a usam mais. Isso tem acontecido muito no Brasil com as línguas étnicas
e de algumas colonizações de imigrantes que não conseguiram estabelecer estratégias de
sobrevivência linguística. Algumas colônias japonesas, italianas e alemãs, porém, mantêm
suas línguas por meio de consolidação das comunidades locais no uso e na difusão de suas
línguas de herança. Mesmo havendo efeitos de contato linguístico, o impacto nas práticas
linguísticas garante a sua manutenção.
Importante destacar que as línguas de herança trazidas por imigrantes que residem no Brasil já
se distanciaram das línguas faladas em seu território de origem, apesar de manter com elas
características semelhantes.
O japonês, o italiano e o alemão falados no Brasil são línguas brasileiras de imigrantes;
portanto, são o japonês brasileiro, o italiano brasileiro e o alemão brasileiro, pois já foram
caracterizadas pelos seus falantes de tal forma que já não são as línguas dos países que as
originaram, mesmo sendo versões de suas línguas de origem.
O abrasileiramento dessas línguas é reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), que as reconhece como línguas brasileiras e patrimônio imaterial
brasileiro. Então, quando uma língua de imigrantes brasileiros morre, ela realmente morre no
Brasil, apesar de outras versões dessa mesma língua existirem em outros países. Se isso
acontece, normalmente é ao longo de gerações.
Em algumas colônias, há um processo de revitalização da cultura de origem por meio da língua
de herança e dos costumes. Temos vários exemplos desse projeto, por exemplo, em
Blumenau, Santa Catarina, onde as escolas ensinam o alemão, são mantidas as tradições
culturais, como a Oktoberfest, e são cultivados os valores religiosos e a produção de bebidas e
alimentos que evocam os costumes herdados há muitos anos. Esse tipo de prática garante a
manutenção da língua alemã na região, mesmo em contato com o português.
Os efeitos do contato linguístico e as estratégias usadas pelos falantes de língua de herança
dependem dos próprios falantes, mas também podem ser fortemente influenciados pelas
comunidades e práticas de usos das línguas envolvidas, assim como das políticas linguísticas.
As decisões desses falantes não são acidentais, pois são determinadas pela conjuntura que
envolve uma multiplicidade de fatores, entre os quais pesam atitudes, valores e prestígio
atribuídos a cada língua e que são articulados com a línguadominante.
 
Fonte: Andrevruas/Wikimedia
 Inscrição Ich liebe Blumenau em frente à prefeitura 
de Blumenau, Santa Catarina, Brasil.
Encerramos este módulo com a perspectiva do bilinguismo em surdos, trazida pela professora
Lia Abrantes Antunes Soares.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. ASSINALE A AFIRMAÇÃO CORRETA RELATIVA AO CONTATO
LINGUÍSTICO:
A) As línguas de sinais não pertencem à esfera do contato linguístico por não serem faladas.
B) No Brasil, o contato linguístico se dá apenas por imigração, trazendo idiomas estrangeiros, e
por contato com indígenas.
C) A interação linguística fora da família não interfere no processo de aquisição de outra língua
de falantes e sinalizantes de língua de herança, uma vez que a escola pode garantir esse
aprendizado.
D) Há grande variação no processo de aquisição e nas práticas linguísticas, que pode envolver
assimetrias entre os usos das línguas e os tipos de interações, no caso de falantes e
sinalizantes de línguas de herança.
2. CONSIDERE DUAS CRIANÇAS QUE USAM O INGLÊS EM CASA COM
SEUS PAIS, QUE SE MUDARAM PARA O BRASIL POR RAZÕES
PROFISSIONAIS. OS FILHOS TÊM 1 ANO E 6 ANOS DE IDADE,
RESPECTIVAMENTE. NO PERÍODO DA TARDE, O BEBÊ TEM UMA BABÁ
QUE SÓ FALA PORTUGUÊS E A CRIANÇA DE 6 ANOS FOI PARA UMA
ESCOLA DE TURNO INTEGRAL QUE É CONSIDERADA BILÍNGUE, POIS
TEM AULAS ORGANIZADAS EM INGLÊS E OUTRAS EM PORTUGUÊS
DURANTE TODOS OS DIAS DE AULAS. OS COLEGAS, EM SUA MAIORIA,
SÃO BRASILEIROS. MARQUE A ALTERNATIVA QUE MELHOR EXPLICA O
BILINGUISMO DESSAS CRIANÇAS:
A) Os filhos são bilíngues equilibrados, pois estão usando as duas línguas de forma
sistemática em todos os ambientes de vivência diária. O bebê com a babá e o menino de 6
anos na escola. O uso das línguas não implica a bilingualidade, embora tenha efeitos afetivos
nas crianças.
B) Os filhos estão tendo a oportunidade de se tornarem bilíngues imersos em um ambiente que
conta com duas línguas com funções diferenciadas. O bebê em sua casa com interações que
apresentam as mesmas funções, tornando sua bilingualidade mais equilibrada no ambiente
familiar. O filho de 6 anos continua falando somente inglês em casa com os pais, mas na
escola está diante das duas línguas com as mesmas funções, favorecendo uma bilingualidade
mais equilibrada no ambiente educacional, embora seus colegas tendam a falar português por
serem brasileiros.
C) Os filhos são bilíngues com mesma bilingualidade porque estão expostos ao inglês e ao
português simultaneamente, tendo contato com os pais e com pessoas da língua nativa. Dessa
forma, essas crianças são bilíngues que têm o privilégio de estarem imersos em ambientes que
atribuem valores diversos às duas línguas. Assim, sua bilingualidade não é afetada. Os dois
irmãos apresentam o inglês como língua de herança, tendo o bebê menos chances de
aprender o português por ouvi-lo apenas de uma pessoa, a babá, enquanto o irmão mais velho
ouvirá de professores e colegas.
D) A idade não apresenta um fator que implica a bilingualidade dos filhos dessa família, pois
ambos estão expostos às línguas que compreendem sua condição bilíngue. O fato da
bilingualidade não ser determinada pela idade acaba não impactando o desenvolvimento
bilíngue dessas crianças.
GABARITO
1. Assinale a afirmação correta relativa ao contato linguístico:
A alternativa "D " está correta.
 
A interação linguística no Brasil envolve falantes e sinalizantes de línguas de imigrantes, de
línguas étnicas, de línguas de sinais, que também são falantes de português. A intensidade dos
efeitos do bilinguismo depende dos processos de aquisição e da interação. Além disso, pode
haver uma grande variação nesses processos e nessas práticas linguísticas que pode envolver
assimetrias entre os usos das línguas e os tipos de interações.
2. Considere duas crianças que usam o inglês em casa com seus pais, que se mudaram
para o Brasil por razões profissionais. Os filhos têm 1 ano e 6 anos de idade,
respectivamente. No período da tarde, o bebê tem uma babá que só fala português e a
criança de 6 anos foi para uma escola de turno integral que é considerada bilíngue, pois
tem aulas organizadas em inglês e outras em português durante todos os dias de aulas.
Os colegas, em sua maioria, são brasileiros. Marque a alternativa que melhor explica o
bilinguismo dessas crianças:
A alternativa "B " está correta.
 
O bilinguismo e a bilingualidade são determinados por vários fatores. No caso relatado, a
família usa inglês em casa, caracterizando um contexto de língua de herança em inglês. A
idade das crianças impacta de formas diferentes o desenvolvimento bilíngue de cada uma, pois
a menor ainda é um bebê em fase de aquisição da língua e passou a ter a aquisição
simultânea das duas línguas com períodos em inglês com os pais e em português com a babá.
Isso determina uma bilingualidade quase equivalente, pois as funções de uso das duas línguas
são parecidas. No caso da criança de 6 anos, a bilingualidade apresenta mais complexidade. O
bilinguismo de ambas as crianças é fato, mas com estágios de bilingualidade diferenciados.
MÓDULO 3
 Aplicar os conceitos de bilinguismo e bilingualidade às línguas de herança de filhos
ouvintes de pais surdos (Codas)
FILHOS OUVINTES DE PAIS SURDOS
(CODAS) 
COMO SINALIZANTES DE LÍNGUA DE
HERANÇA
O termo Coda tem origem nas iniciais da expressão em inglês children of deaf adults, ou seja,
numa tradução mais literal “crianças/filhos de adultos surdos”. Vamos considerar em especial
os filhos ouvintes de pais surdos porque ouvem e falam uma língua oral e veem e sinalizam
uma língua de sinais desde pequenos, caracterizando-se como sinalizantes de língua de
herança.
Os sinalizantes de herança adquirem a língua de sinais em casa com seus pais surdos e,
algumas vezes, com a comunidade surda. Além da língua de sinais, podem ter contato com a
língua oral do país em diferentes contextos.
 
Fonte: fizkes/Shutterstock
REALIDADES LINGUÍSTICAS DOS SURDOS
Os filhos ouvintes de pais surdos, Codas, são sinalizantes de herança de uma língua de sinais.
Eles nascem em uma família de surdos. Assim, a língua oral e oficial do país é uma das
línguas com as quais os Codas normalmente têm contato desde pequenos. Na grande maioria
dos casos, as famílias surdas contam com integrantes que não são surdos, portanto, falantes
da língua oficial do país. Nem sempre os dois pais são surdos. Em todo o mundo, com
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diferentes línguas de sinais, os Codas têm oportunidade de vivenciar a aquisição da língua de
sinais e da língua falada. No caso do Brasil, os Codas crescem com a Libras que aprendem em
casa e com a língua portuguesa que ouvem no seu entorno em contato com outras pessoas
que são ouvintes e falam português.
CODAS
Os Codas são bilíngues bimodais, isto é, eles se apropriam de duas línguas com
modalidades diferentes. O bilinguismo de imigrantes ouvintes é unimodal.
LÍNGUA DE SINAIS
A língua de sinais se apresenta na modalidade visuoespacial, enquanto a língua falada é
oral-auditiva. As línguas de modalidade visuoespacial são produzidas pelo corpo
(normalmente as mãos, a face e o tronco) e percebidas pela visão, enquanto as línguas
de modalidade oral-auditiva são produzidas pela articulação da boca e percebidas pela
audição.
Existe uma variação quanto à bilingualidade dos Codas. Isso acontece porque há também uma
variação enorme entre os surdos e suas realidades linguísticas.
Os surdos brasileiros estão espalhados por todo o Brasil em comunidades surdas. As
comunidades são formadas por meio de associações de surdos ou pontos de encontro
previamente acordados entre eles. Para fins do nosso estudo sobre bilinguismo e
bilingualidade, consideraremos a situação da Libras como língua de herança, por contemplar
maior número de brasileiros (apesar de haver outras línguas de sinais brasileiras que
compreendem línguas étnicas ou comunidades isoladas).
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 SAIBA MAIS
Os surdos apresentam diferentes trajetórias linguísticas.Há uma pequena parcela (em torno de
5%) de surdos que nasce em famílias de surdos. Nesse caso, os filhos surdos de pais surdos
também são sinalizantes de herança, envolvendo a pequena parcela de surdos nativos, no
sentido mais básico do conceito de “nativo”, ou seja, aqueles que adquirem uma língua e a
usam como nativos da língua.
 
Fonte: Kalah_R/Shutterstock
Esses surdos nativos ou surdos de segunda geração, segundo Soares (2018), têm diferentes
experiências com a língua portuguesa, pois podem ter passado por escolas de surdos, nas
quais a língua de sinais era uma das línguas usadas, ou escolas de surdos oralistas, nas
quais a língua de sinais era proibida, ou ainda podem ter sido inseridos em escolas regulares
em que a língua de instrução era a língua portuguesa, apesar de não ouvirem essa língua.
Há surdos que são oralizados e sinalizam, ou seja, falam português e Libras. Assim, eles
mantêm as duas línguas, caracterizando um bilinguismo bimodal, mesmo que não ouçam a
língua portuguesa. Alguns surdos bilíngues bimodais conseguem fazer uma leitura labial
razoável que garante o acesso ao português oral pela via visual, em paralelo com sua língua
de sinais. Muitos surdos, no entanto, acessam o português somente na modalidade escrita,
pois é muito difícil compreender a língua somente com a pista visual da leitura labial. Assim,
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são bilíngues bimodais na modalidade visuoespacial (Libras) e na modalidade gráfica-visual
(escrita do português).
ESCOLAS DE ORALISTAS
O termo se refere às escolas que não permitiam o uso de língua de sinais, pois
acreditavam que prejudicaria o ensino da língua oral.
Há casos de surdos que tiveram experiências que combinam variados espaços escolares.
Apesar de usarem a Libras em casa, eles tiveram diferentes experiências com a língua
portuguesa (falada e escrita), considerando diferentes perfis de escolas com propostas
linguísticas diversas. Vamos considerar três cenários possíveis a partir de relatos de surdos
que nasceram em uma família surda, disponíveis no portal Corpus de Libras:
OS QUE FREQUENTARAM UMA ESCOLA DE SURDOS
ORALISTA
Nesse caso, eles foram proibidos de usar a sua língua nativa na escola, embora continuassem
a usá-la em casa. Eles aprenderam por anos que o português era uma língua, mas que a
Libras não era uma língua de verdade ou não era uma língua importante em oposição ao
português, que lhes permitiria acessar o sucesso escolar e profissional.
OS QUE MORARAM EM UMA CIDADE MENOR QUE
NÃO CONTAVA COM UMA ESCOLA DE SURDOS
Neste cenário, os filhos frequentaram uma escola regular. Esses surdos compartilhavam o
espaço escolar com vários colegas ouvintes que nem sequer sabiam da existência da língua de
sinais. Eles não contavam com intérpretes até o sexto ano, quando a escola passou a oferecer
a presença de um único intérprete de língua de sinais para interpretar as aulas do professor,
que eram ministradas em português. A Libras não tinha nenhum reconhecimento e o acesso
aos conteúdos era praticamente feito pelo próprio esforço desses alunos surdos com a ajuda
de alguns colegas. Muitas vezes, esses surdos não sabiam ler e escrever, pois nunca foram
efetivamente alfabetizados. O professor dava suas aulas e entregava materiais para o aluno
surdo, mas não havia uma comunicação efetiva nem na Libras, nem no português. Quando o
intérprete de língua de sinais entrava em cena, as coisas melhoravam um pouco, mas esses
alunos, por serem filhos de pais surdos, reconheciam a fragilidade da língua de sinais do
intérprete disponibilizado, portanto, tinham consciência das limitações na interpretação das
aulas, embora considerassem um pouco melhor do que quando não contavam com ninguém.
OS QUE FREQUENTARAM UMA ESCOLA DE SURDOS
BILÍNGUE (COM LIBRAS E LÍNGUA PORTUGUESA)
Eles tinham colegas surdos que vinham de outras realidades, mas todos usavam a Libras
como meio de comunicação. Também contavam com professores que usavam a Libras como
língua de instrução, facilitando a aprendizagem dos conteúdos escolares. Eles aprenderam o
português como segunda língua, especialmente na modalidade escrita. A escola não oferecia
atendimento especializado para ensinar o português na modalidade oral, mas alguns alunos
eram auxiliados por uma fonoaudióloga, o que facilitava a aprendizagem do português em
determinados casos. A Libras é reconhecida como língua, assim como o português.
 ATENÇÃO
Além dos surdos filhos de pais surdos, contamos também com os outros 95% de surdos que
nascem em famílias de ouvintes, referenciados por Soares (2018) como surdos de primeira
geração. A grande maioria dessas famílias desconhece a Libras e as comunidades surdas. O
nascimento de um filho surdo é visto como um problema e não como uma oportunidade de
adentrar as comunidades surdas e acessar uma nova língua. Isso pode mudar de acordo com
as orientações que esses pais têm diante do nascimento do filho surdo.
No entanto, muitas vezes os pais são orientados a não expor seus filhos a uma língua de
sinais, mas sim entrar em um processo terapêutico para a aprendizagem do português oral.
Alguns surdos têm certo êxito nesse processo e desconhecem as comunidades surdas, pois
acabam sendo surdos em meio aos ouvintes por toda vida. Esses são os casos de surdos
oralizados. A maioria dos surdos, no entanto, não tem tanto sucesso nessa empreitada e acaba
tendo atrasos significativos no desenvolvimento da linguagem, pois não consegue desencadear
a aquisição da linguagem por meio do português de forma efetiva.
Esses surdos configuram grande parte dos surdos brasileiros que acabam acessando a Libras
tardiamente, ao ingressarem na escola. O acesso à Libras vai variar entre esses surdos, mas
estudos indicam que ocorre em grande parte entre os 6 e 12 anos de idade ao ingressarem na
escola ou quando encontram outro surdo que já está inserido em uma comunidade surda. O
bilinguismo desses surdos apresenta uma grande variação na bilingualidade, pois a Libras é
adquirida tardiamente, embora se configure como primeira língua. Como primeira língua
acessada efetivamente, mas tardiamente, há diferentes efeitos no desenvolvimento linguístico
que também impactam a aprendizagem da leitura e escrita do português.
 
Fonte: Lopolo/Shutterstock
Poderíamos criar cenários possíveis para esses surdos, assim como fizemos com os filhos de
pais surdos, considerando os diferentes tipos de escolas a que têm acesso, mas não se faz
necessário, pois esses surdos, filhos de pais ouvintes, vão se deparar com as mesmas
possibilidades escolares, mas com a desvantagem de não contarem com uma língua
estabelecida ao ingressarem na escola. Por isso, muitos desses surdos acabam tendo atrasos
de linguagem que serão ou não resolvidos ao longo de suas vidas, diante das oportunidades
que surgirem para contarem com intervenções ou pessoas que possam contribuir para isso,
especialmente quando encontram outros surdos e aprendem a Libras.
Diante desses cenários, é comum surdos se casarem com surdos e terem filhos, na grande
maioria, ouvintes; portanto Codas. A variabilidade extensa entre os bilíngues surdos e seus
diferentes estágios de bilingualidade impactam diretamente a constituição bilíngue bimodal dos
Codas.
SINALIZANTES DE HERANÇA
Se há uma variabilidade grande entre falantes de língua de herança, com os Codas não é
diferente. A variabilidade passa pelas experiências de seus pais surdos (mãe e pai com
experiências diferentes entre si) e por todos os fatores que causam efeitos na bilingualidade de
quaisquer falantes de herança:
Os usos em diferentes ambientes de práticas linguísticas (familiar, escolar, social e
profissional).
Os valores atribuídos às línguas.
O prestígio de cada língua na comunidade e no país.
As funções das línguas.
Além de todos esses fatores, no caso dos Codas, entra a questão do valor social atribuído à
surdez. Como as pessoas olham para os pais surdos das crianças Codas até a sua fase
adulta? Isso também se estende à línguade sinais, pois acaba impactando os valores sociais
atribuídos a essa língua, em especial quando comparada à língua usada majoritariamente em
um país.
Quadros (2017) relata entrevistas realizadas com vários Codas brasileiros e todos comentam
sobre a visão da surdez como algo patológico e deficiente em pelo menos algumas
experiências com as pessoas que não eram surdas com as quais conviveram. A atribuição de
um olhar aos pais e, consequentemente, à sua língua como algo associado à deficiência
auditiva impacta alguns Codas e a sua bilingualidade. Alguns Codas deixaram de usar a língua
de sinais por terem vergonha dos pais e da língua.
Os Codas são todos bilíngues, mas apresentam uma diversidade quanto à sua
bilingualidade, assim como observado entre falantes de língua de herança.
Os Codas podem ter tido mais ou menos contato com as comunidades surdas. Quanto maior
for o contato com as comunidades surdas, mais fluentes na Libras serão.
Alguns desses Codas tornam-se profissionais que atuam junto às comunidades surdas, tanto
na educação como na área da tradução e interpretação de língua de sinais. Nesses casos,
apresentam um envolvimento profissional com surdos, impactando a sua bilingualidade no
ambiente profissional, tanto na Libras como no português. Veja os exemplos a seguir:
CODAS QUE MANTÊM CONTATO COM AS
COMUNIDADES SURDAS
CODAS QUE MANTÊM CONTATO COM A LIBRAS
APENAS COM SEUS PAIS SURDOS
CODAS QUE SIMPLESMENTE NÃO USAM MAIS SUA
LÍNGUA DE SINAIS
CODAS QUE MANTÊM CONTATO COM AS
COMUNIDADES SURDAS
Impactam a bilingualidade social, pois mantêm os usos da Libras com diferentes surdos que,
também, muitas vezes apresentam experiências com a Libras bastante diversificadas. Mesmo
não havendo um envolvimento profissional com surdos, esses Codas acabam mantendo sua
Libras com intensidade.
CODAS QUE MANTÊM CONTATO COM A LIBRAS
APENAS COM SEUS PAIS SURDOS
Nesse caso, a Libras apresenta uma função comunicativa apenas no ambiente familiar,
envolvendo exclusivamente seus pais. Isso impacta a bilingualidade desses Codas, pois
provavelmente a Libras estará muito mais restrita às questões envolvidas no núcleo familiar.
Dependendo do nível escolar desses pais, os Codas terão vocabulário e funções interativas
altamente restritas.
CODAS QUE SIMPLESMENTE NÃO USAM MAIS SUA
LÍNGUA DE SINAIS
Deixaram de conviver até mesmo com os seus pais surdos, perdendo todas as funções de
usos dessa língua. Isso pode acontecer, assim como acontece com outros falantes de língua
de herança, pois não há mais razões que justifiquem o uso da língua, uma vez que a relação
com os surdos está completamente extinta da vida diária dessas pessoas. Nesses casos, a
Libras passa a ficar adormecida (língua dormente). Os sinalizantes de herança que contam
com a Libras como língua dormente evidenciam conhecimentos da língua de sinais que
parecem ficar adormecidos em algum lugar do seu sistema linguístico.
A partir de entrevistas realizadas com Codas, Quadros (2017) relata casos em que os
entrevistados diziam não saber a Libras porque não usavam essa língua de forma sistemática.
RELATOS DE ENTREVISTAS COM CODAS, SEGUNDO
QUADROS (2017)
Os pais de dois Codas eram oralizados e, mesmo convivendo e usando Libras com outros
surdos, esses pais oralizavam com seus filhos ouvintes. Assim, em seus relatos, a Libras não
apresentava função comunicativa em contexto familiar, mas sim em contexto social. Essa
função (da comunicação por meio da Libras), portanto, nunca havia sido importante para esses
Codas, mesmo com seus pais. Mesmo que tenham usado a Libras com outros surdos, assim
que esse convívio deixou de ser representativo, a língua de herança deixou de ser usada,
muitas vezes também porque cresceram com os avós ouvintes que usavam exclusivamente o
português no mesmo lar.
Outro relato de duas irmãs Codas, por outro lado, revela um convívio intenso com surdos, pois
seus pais e avós eram surdos, residindo todos na mesma casa. Além do convívio familiar,
essas irmãs tiveram contato intenso com as comunidades surdas. A mãe sempre foi uma
liderança surda e, portanto, propiciou contato com outras famílias de surdos e,
consequentemente, com outras crianças Codas. Isso aprofundou a bilingualidade das duas,
pois a Libras sempre teve funções sociais importantes. Atualmente, as duas são intérpretes de
Libras e língua portuguesa profissionais.
Um dos relatos conta como foi a experiência com a Libras e com a língua portuguesa na
atualidade. Um jovem Coda, que se considera fluente em Libras, comenta que às vezes não
sabe determinado sinal quando precisa interpretar informalmente para os pais surdos. Em seu
relato, ele diz que apela ao português utilizando a soletração manual que representa as letras
do alfabeto. Nesses casos, muitas vezes os pais acabam ensinando o sinal desconhecido ou
não lembrado ao filho.
Quando perguntado sobre a fluência nas duas línguas, ele se reconhece como bilíngue, mas
que usa com mais propriedade o português do que a Libras, sua língua de herança. Também
contou que ele e seus colegas na escola tiveram a oportunidade de ter aulas de Libras,
ministradas por um professor surdo, situação em que se sentia valorizado por seus colegas
saberem que ele era fluente em Libras e lhe pedirem ajuda, além de usarem a Libras para colar
nas provas. Apesar de o caso ilustrar uma relação positiva com a Libras, esse mesmo Coda
relata que quando o professor surdo o reconheceu por conhecer seus pais, ele ficou
envergonhado diante da turma.
SOBREPOSIÇÃO DE LÍNGUAS
Todas essas experiências impactam o bilinguismo e a bilingualidade desses Codas. Além
disso, os Codas ainda são bilíngues bimodais.
O impacto da bimodalidade é muito interessante para a Linguística, pois os Codas podem
alternar as línguas, como efeito de contato linguístico, mas eles também podem sobrepor as
duas línguas, como efeito da modalidade combinado com o contato linguístico das duas
línguas. A sobreposição das línguas observada entre os Codas é um fenômeno linguístico que
só pode ser analisado com bilíngues bimodais, pois as duas línguas só podem ser produzidas
simultaneamente por usarem canais articulatórios diferentes.
 
Fonte: fizkes/Shutterstock
O fato de Codas usarem uma língua que utiliza o corpo, em especial, as mãos e a face para
produzirem sinais e usarem os olhos para verem os sinais produzidos pelos seus
interlocutores, e terem uma segunda língua que utiliza a combinação de sons produzidos pela
boca e usarem os ouvidos para ouvir o que os outros falam, permite combinar as duas línguas
ao mesmo tempo. A esse fenômeno linguístico chamamos de sobreposição de línguas, em
inglês code-blending.
Quadros (2017) identifica que a sobreposição de línguas obedece a restrições linguísticas,
assim como acontece com a alternância de línguas. Os Codas fazem a sobreposição de
línguas, assim como alternam as línguas, de forma regrada, mesmo que o façam de forma
inconsciente. Isso reflete os princípios que regem as línguas humanas, pois os falantes e
sinalizantes acabam produzindo combinações das duas línguas conforme regras linguísticas.
 SAIBA MAIS
A sobreposição de línguas é usada pelos Codas tanto com seus pais bilíngues (a maioria dos
surdos também é bilíngue) como com outros Codas, que também são bilíngues, com o objetivo
de enriquecer a comunicação. Por outro lado, os Codas não usam a sobreposição com
pessoas que não sabem a Libras.
Ao sistematizar a sobreposição, parece haver uma tentativa de produzir as duas línguas
simultaneamente de forma mais gramatical possível. No entanto, como as línguas apresentam
gramáticas independentes, muitas vezes não é possível combinar as duas gramáticas com
sucesso. Assim, uma opção para o bilíngue bimodal é escolher uma das línguas como língua
matriz que guia a produção sobreposta, ou seja, escolhe uma língua para ser gramatical,
enquanto a outra fica submetida à língua escolhida. A submissão de uma língua à outra a torna
não gramatical, não impedindo, contudo,a comunicação porque opta-se por uma língua matriz.
Há consequências do contato linguístico na forma das línguas combinadas que envolvem os
níveis prosódico, morfológico, sintático e semântico. Veja:
PROSÓDICO
Sons da fala, o acento e a entoação.
NÍVEL PROSÓDICO
Os constituintes do nível prosódico podem ficar distorcidos quando há tentativa de encaixar os
sinais da Libras ou as palavras do português no tempo do movimento dos sinais (produção
bimodal); ou o contrário, os movimentos dos sinais ficam mais repetidos, alongados ou
encurtados para se ajustarem ao tempo da fala. Isso pode acontecer, por exemplo, quando um
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sinal da Libras significa várias palavras do Português. Nesses casos, o tempo de articulação do
sinal é variável, podendo ser muito menor que o tempo de fala. Por exemplo:
Libras: CL(bola_cano)___________________
Português: bola passa pelo cano super-rápido
Nesse exemplo, o sinal único foi alongado enquanto a produção em português foi acelerada na
tentativa de ajustar uma língua à outra no mesmo tempo de produção. Enquanto um sinal foi
produzido, sete palavras do português precisaram ser articuladas para expressar o mesmo
sentido.
NÍVEL MORFOLÓGICO
No nível morfológico, é muito comum haver omissões de morfemas derivacionais ou flexionais.
No caso específico estudado, havia necessidade de marcar a narrativa no passado, mas isso
não foi feito: em vez de “a bola passa”, deveria ter sido dito “a bola passou”. A omissão
morfológica é muito comum quando há sobreposição das línguas. Parece que a tendência é
usar a forma padrão, não marcada, quando é feita a combinação das línguas.
Notas:
Morfemas derivacionais são os afixos, como -eira, -ez, -idade, in-, trans- etc. Fazem parte
da formação das palavras.
Morfemas flexionais trazem informações relativas à concordância ou outros fenômenos,
como pessoa, tempo etc.
NÍVEL SINTÁTICO
No nível sintático, normalmente a ordem das palavras é resguardada, mas também são
observadas omissões de palavras funcionais. Ainda no exemplo anterior, o falante omitiu o
artigo antes da palavra “bola” (pelo contexto, ele deveria ter dito “a bola”). São raras as
produções com ordem de palavras desencontradas; quando isso acontece, observamos que
são produções curtas que envolvem construções com foco. Por exemplo, é o caso da negação:
Libras: EU IR NÃO
Português: Eu não vou
Veja que, nesse caso, a negação marcada com o sinal e a palavra “não”, em Libras, está na
posição final e, em português, está antes do verbo. Parece que isso é possível somente em
produções curtas e dentro do mesmo escopo da sentença.
NÍVEL SEMÂNTICO
No nível semântico, como acontece com bilíngues unimodais, ao se depararem com a falta de
um equivalente de tradução, os sinalizantes de herança tendem a buscar um termo que seja
parecido (faça parte do mesmo campo semântico) para combinar as duas línguas ao mesmo
tempo. Um exemplo disso é o uso da palavra SINALIZAR em Libras com “falar” em português.
Neste vídeo, a professora Lia Abrantes Antunes Soares aborda o tema dos Codas como
sinalizantes de língua de herança.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. MARQUE A ALTERNATIVA QUE NÃO REPRESENTA BILÍNGUES
BIMODAIS:
A) Os bilíngues bimodais são pessoas que adquirem uma língua de sinais e uma língua falada.
B) Os bilíngues bimodais conseguem produzir as duas línguas simultaneamente de forma
sobreposta.
C) Os bilíngues bimodais fazem alternância de línguas porque é impossível sobrepor as
línguas.
D) Codas são bilíngues bimodais.
2. MARQUE A ALTERNATIVA QUE MELHOR IDENTIFICA O BILINGUISMO
E A BILINGUALIDADE DE CODAS:
A) Os Codas são filhos surdos de pais surdos que crescem usando exclusivamente a língua de
sinais, não havendo, portanto, bilinguismo de fato.
B) Os Codas crescem em diferentes espaços que favorecem o uso da língua de sinais,
inclusive em ambientes escolares, o que torna seu bilinguismo sempre equilibrado.
C) Os Codas são filhos de pais surdos e adquirem duas línguas em um espaço geográfico no
qual se usa uma língua oral e outra sinalizada. Existe uma variação muito grande entre os
Codas quanto à sua bilingualidade.
D) Os Codas são filhos de pais surdos oralizados e por isso não conseguem acessar a língua
de sinais de forma plena, tornando seu bilinguismo assimétrico.
GABARITO
1. Marque a alternativa que não representa bilíngues bimodais:
A alternativa "C " está correta.
 
Os bilíngues bimodais adquirem uma língua de sinais e uma língua falada e, por isso,
conseguem sobrepor as línguas. Isso acontece por causa da diferença nas modalidades das
línguas, permitindo a produção das duas línguas simultaneamente. Os Codas, filhos ouvintes
de pais surdos, são bilíngues bimodais, pois adquirem a língua de sinais de seus pais e a
língua falada em seu entorno social.
2. Marque a alternativa que melhor identifica o bilinguismo e a bilingualidade de Codas:
A alternativa "C " está correta.
 
Codas são filhos de pais surdos e crescem em contato com a língua de sinais no ambiente
familiar e com a língua falada no ambiente de seu entorno social. Frequentam escolas onde se
usa a língua oral e oficial do país, diferente da língua usada por seus pais, são considerados
sinalizantes de herança e sua bilingualidade varia dependendo do ambiente e das funções que
as línguas ocupam em suas vidas.
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como vimos, a língua de herança é aquela que a pessoa adquire de seus pais (ou ainda a
língua usada por pais com seus filhos em geral em ambientes restritos) em um país no qual
outra língua é usada. Os efeitos sociolinguísticos, ou seja, os diferentes contextos de relações
entre as línguas na sociedade, impactam as formas bilíngues desses falantes de herança.
O bilinguismo que envolve o conhecimento de duas línguas é determinado por cada pessoa,
sendo definido pela bilingualidade desse falante ou sinalizante de herança. A bilingualidade vai
depender das condições de interação dos ambientes familiar, escolar, profissional e social,
podendo ter diferentes manifestações de acordo com as funções que as línguas assumem.
Isso se aplica para bilíngues unimodais e bilíngues bimodais. Nesse contexto, exploramos as
diferentes possibilidades de bilingualidade entre os Codas.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
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Campus. Foz do Iguaçu. v.13. n.2, 2. sem. 2011, p. 33-44.
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