Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DE TRATADO DE ARQUITETURA VITRUVIO martins Martins Fontes Único texto sobre arquitetura da tado da Antigüidade clássica que se conservou até os dias de hoje, o tratado De architectura de Vitrúvio, escrito em 27 a.C. e supostamente dedicado ao imperador Augusto, tornou-se referência já durante a Antigüidade e, séculos mais tarde, redescoberto numa abadia italia na, viria a influenciar as concep ções estéticas renascentistas. Nas dez partes que compõem a obra, trata-se de arquitetura, planejamento urbano, ordens gregas, técnica e materiais de construção; identificam-se vários edifícios pú blicos e particulares, religiosos e laicos; são descritos mecanismos de aplicação civil e militar, como relógios e máquinas hidráulicas. No entanto, o vigor do tratado está na concepção vitruviana de arqui tetura como imitação da natureza; na arte de construir com um senso de proporção que leva em conta a obra de arte suprema: o corpo hu mano; e na definição das três qua lidades essenciais de uma estrutu ra: solidez, utilidade e beleza. A edição do Tratado de arquitetura que a Martins apresenta ao público brasileiro foi realizada a partir do original latino pelo historiador português M. Justino Maciel e inclui inúmeras notas que ajudam o leitor a entender esse genuíno monumento da cultura clássica. CAPÍTULO 4 Escolha dos lugares para as cidades 1. No que diz respeito às cidades, serão estes os princí pios. Primeiro, a eleição de um lugar o mais saudável possível. Ele será alto e não nebuloso, sem geadas e voltado para um quadrante que não seja nem quente nem frio, mas tempera do. Depois, a vizinhança de pântanos será evitada. Com efei to, quando as brisas matutinas, ao nascer do Sol, chegarem ao ópido, e as neblinas nascidas se juntarem a elas, tornarão o lu gar pestilento, espargindo com o seu influxo, misturadas com a névoa, os miasmas envenenados dos animais palustres nos corpos dos moradores. Do mesmo modo, se as cidades se en contrarem junto ao mar e estiverem orientadas para o sul ou para o ocidente não serão saudáveis, porque, pelo verão, o céu meridiano queima desde o nascer do Sol e arde ao meio-dia. Também o que está exposto a ocidente amorna ao nascer do Sol, aquece ao meio-dia e ferve à tarde. Comparação com a exposição solar das adegas e dos celeiros 2. Como é evidente, os corpos que estão nesses lugares fi cam corrompidos pelas amplitudes térmicas de calor e de ar refecimento. Com efeito, é possível verificar isso também a 84 VITRUVIO partir daquelas coisas que são inanimadas. Assim, nas ade gasi17 cobertas, ninguém abre janelas do lado do meio-dia ou do ocidente, mas do setentrião, porque este quadrante nun ca sofre alterações, antes permanece continuamente imutável. Também por isso, aqueles celeiros118 que estão voltados para o curso do Sol depressa alteram a boa qualidade, pois não se conservam por muito tempo as provisões e os frutos que não se guardam com uma orientação exposta àquela parte do fir mamento que se opõe ao curso do Sol. O exemplo das alterações físicas do ferro 3. Na realidade, sempre que o calor retira das coisas, por cocção, a sua firmeza, e lhes subtrai as virtudes naturais, exau rindo-as com calores efervescentes, dissolve-as e as torna fra cas, amolecendo-as com o seu ardor. Verificamos isso no ferro, o qual, apesar de ser duro por natureza, de tal modo se tor na mole pelo calor do fogo, uma vez aquecido nos fornos, que facilmente se molda em todo o gênero de forma; e quando o mesmo, mole e incandescente, é arrefecido imerso em água fria, endurece e é restituído ao primitivo estado. A exposição ao frio e ao calor 4. Podemos também refletir sobre isso com o exemplo de que, durante o verão, todos os corpos enfraquecem com o calor, seja nos lugares doentios, seja nos sãos, e, pelo inverno, também as regiões que sejam muito insalubres se tornam sadias, porque ficam resistentes com os frios. Igualmente, verifica-se que os or ganismos trazidos de zonas expostas ao frio para outras expos 117. Cella uinaria: adega. Cf. 6, 6, 2. 118. Granarium: celeiro. Cf. 6, 6, 4. LIVRO 1 - CAPÍTULO 4 85 tas ao calor não conseguem sobreviver e se dissolvem. Todavia, os que se mudam de lugares quentes, para outros com orienta ções frias sob o setentrião, não só não sofrem na saúde com a mudança de lugar, como até ela se torna mais sólida. Princípios que constituem os organismos 5. Por isso se pensa que se devem evitar, no estabeleci mento dos recintos urbanos, aquelas exposições que possam derramar sobre os corpos humanos exalações de calores. Pois, como todos os organismos são constituídos com origem em princípios, a que os gregos chamam stoicheia, e que são de ca lor e de umidade, de terra e de ar, assim também as qualidades de todos os seres vivos no mundo são configuradas de modo natural por misturas, cada qual segundo o seu gênero. O calor, a umidade, a terra e o ar 6. Portanto, sempre que o princípio de calor influi mais nos corpos do que os princípios restantes, então ele mata e dissolve com arrebatamento todas as coisas. Com efeito, um céu ardente, com determinadas exposições, origina esses ma les quando assenta nas veias descobertas mais do que o corpo pode suportar, habituado que está às tais misturas natural mente configuradas. Do mesmo modo, se a umidade atacou as veias dos organismos e as tornou desiguais, os demais prin cípios, corrompidos pelo líquido, serão diluídos, e as virtudes das suas composições, dissolvidas. Também o efeito da refri geração da umidade dos ventos e das brisas causa malefícios aos corpos. E não enfraquece menos os princípios restantes, a composição natural do ar e da terra no corpo, seja aumentan do, seja diminuindo: a terra com a abundância de alimento; o ar com o peso do céu. VITRÚVIO Comparação com as aves, os peixes e os animais terrestres 7. Mas, se alguém quiser mais diligentemente entender essas coisas, observe e esteja atento à natureza das aves, dos peixes e dos seres vivos terrestres; assim, observará diferenças de composição. Com efeito, o gênero das aves tem uma com posição diversa, o dos peixes, uma outra, sendo a natureza dos terrestres muito diferente. Os alados possuem menos de ter ra, menos de umidade, temperadamente de calor, muito de ar; compostos, assim, de princípios mais leves, mais facilmente sobem com ímpeto nos ares. Por sua vez, a natureza aquática dos peixes, porque moderada pelo elemento quente e acima de tudo porque é composta por ar e por terra, mas contendo mui to pouca umidade, tem tanto menos de princípios líquidos no corpo quanto mais facilmente subsiste na umidade: e, desse modo, quando os peixes são levados para a terra deixam com a água a vida. Também os animais terrestres não podem duran te muito tempo proteger a sua vida na água, temperados que são pelos princípios de ar e de calor, constituídos muito menos pelo elemento terreno do que pelo líquido, porque neles abun dam as partes úmidas. A questão da salubridade dos recintos fortificados 8. Daí que, parecendo que essas coisas são como expuse mos, se percebermos que os corpos dos seres vivos são com postos de princípios e se julgarmos que eles padecem ou são dissolvidos por excesso ou por defeito, não duvidaremos de que convém procurar muito diligentemente o modo como es colher as exposições celestes mais temperadas quando se tra tar da salubridade na fundação das cidades. LIVRO 1 - CAPÍTULO 4 Práticas antigas na escolha dos lugares 9. Eis a razão pela qual julgo deverem ser recordadas com insistência as disposições antigas. Pois os nossos maiores, imo lados animais que pastavam naqueles lugares onde se estabe leceriam opidos ou acampamentos fortificados permanentes119, examinavam-lhes os fígados e, se a primeira vista surgiam lí vidos e adulterados, imolavam outros para tirar dúvidas se es tavam contaminados por doença ou por causa da pastagem. Tendo experimentado várias vezes e já convictos da natureza íntegra e sólida dos fígados na sua ligação à água e ao pasto, aí levantavam as fortificações:20; todavia, se verificavam que eles estavamdoentes, pensavam que também para os cor pos humanos seriam prejudiciais os recursos de água e de alimento provenientes desses lugares, e, em conseqüência, transmigravam e mudavam de zona, procurando em todas as coisas a salubridade. Importância do conhecimento das pastagens 10. De fato, que as propriedades salubres da terra são ve rificáveis através da pastagem e do alimento, podemos veri ficar e conhecer a partir dos campos dos cretenses que estão junto ao rio Potereu, em Creta, entre as duas cidades de Cnos sos e de Gortina121. Efetivamente, à direita e à esquerda desse rio, pastam rebanhos; mas, entre estes, os que se alimentam 119. Catru vinimu. acampamento fortificado permanente, acantonamento fixo, castro militar romano. Em latim, a expressão é usada no plural, muitas vezes só a pa lavra statiua, subentendendo-se castra. 120. Munitio: fortificação, defesa, muro, muralha, fosso. Sinônimo de murus. Termo também utilizado para significar a construção e a disponibilização de estra das, dado o seu primitivo contexto militar. Cf. 1, 5, 1. 121. Gortyna: Gortina, cidade junto da qual a tradição situa o célebre Labi rinto de Creta VITRÚVIO próximo de Cnossos têm baço aumentado, enquanto os que se apascentam do outro lado, junto a Gortina, não. Daí que também médicos, investigando isso, descobrissem nesses lu gares uma erva que, ao ser mastigada pelos animais, lhes faz diminuir o baço. Assim, colhendo aquela erva, curam os que sofrem de esplenite com esse medicamento, a que os creten ses também chamam asplenon. Por isso, é possível conhecer naturalmente pelo alimento e pela água se as características dos lugares são pestilenciais ou salubres. Drenagem de charcos e de pântanos 11. De modo semelhante, se os recintos urbanos forem le vantados em charcos, e estes estiverem junto ao mar, se estive rem direcionados para o setentrião ou para nordeste e aqueles charcos se encontrarem mais altos que a costa marítima, po de-se dizer que as cidades estão racionalmente implantadas. De fato, com a abertura de valas é conseguida a saída de água para o litoral e, quando o mar é estimulado pelas tempestades, essa água, no refluxo, misturada de sal, é lançada pelas ondas nos charcos, não permitindo que as possam sobreviver as es pécies de animais palustres, ao mesmo tempo que aqueles que chegam nadando de lugares superiores até junto da costa são mortos por uma desacostumada salinidade. Exemplos dessa realidade poderão ser as lagunas gaulesas que se encontram em volta de Altino122, de Ravena, de Aquiléia e de outros muni cípios123 que se encontram em lugares semelhantes, próximos de pântanos e que, por essas razões, possuem uma inacredi tável salubridade. 122. Altinum: Altino, cidade romana que, como Aquiléia, foi continuada no fi nal da Antigüidade por Veneza. 123. Municipium: município, cidade de direito romano com infra-estruturas sociais e urbanas de cidadania. LIVRO 1 - CAPÍTULO 4 Mudanças de lugar de cidades por motivo de salubridade 12. Todavia, naqueles locais onde as lagoas se encontram consolidadas e não apresentam saídas permanentes, seja por rios, seja por canais, como acontece nos charcos de Pontino124, as águas estagnadas putrefazem-se e produzem nesses luga res exalações fétidas e pestilentas. Também na Apúlia, o anti go opido de Salápia, fundado por Diomedes, quando regressou de Tróia, ou, como alguns escreveram, fundado por Elpias de Rodes, havia sido implantado em lugares desse gênero; adoe cendo os habitantes por esse motivo, sofrendo ao longo de ca da ano, foram ter um dia com M. Hostílio e, apresentando-lhe um requerimento, conseguiram dele que lhes indagasse e in dicasse um lugar idôneo para transferir o recinto fortificado. Pois ele não demorou; de imediato, sabiamente ponderadas as razões, comprou junto ao mar um terreno em lugar salubre, e requereu ao Senado e ao povo romano que permitissem trans ferir o ópido; levantou as muralhas, dividiu as áreas125 e deu as em direito de propriedade por um sestércio a cada um dos munícipes. Feitas essas coisas, ligou um lago ao mar, fazen do desse lago um porto para o município. E, assim, agora os salapinos habitam um lugar salubre, a 4 mil passos do ópi do antigo 124. Pomptinus: de Pontino ou Território Pontino, no Lácio, perto de Roma. 125. Area: área, zona de construção na distribuição dos espaços de uma ci dade. Cf. 1, 6, 1. CAPÍTULO5aachiab aber auch Construção das muralhas 1. Quando, pois, segundo essas regras, se verificar o re quisito da salubridade dos recintos urbanos a levantar, forem escolhidas regiões abundantes em frutos para alimentar a ci dade, quando construções126 de vias 27, localizações favoráveis de rios ou comunicações marítimas através de um porto pro porcionarem facilidades de transportes para as cidades, do se guinte modo deverão ser construídos, então, os fundamentos das torres e das muralhas: escava-se até o chão firme, se for possível encontrá-lo, e, nesse chão firme, até onde pareça ser necessário segundo a amplitude da obra, com uma espessura mais larga do que a das paredes que ficarão acima da terra, en chendo-se de concreto o mais consistente possível. Levantamento das torres 2. Por sua vez, as torres deverão ficar salientes para o la do exterior, de tal maneira que, quando num ataque o inimi go quiser aproximar-se da muralha, os atacantes possam ser feridos nos flancos desprotegidos, à direita e à esquerda, com os dardos lançados das torres. E deverá haver a maior preocu 126. Munitiones, cf. nota n. 120 deste Livro. 127. Via: estrada, via, aqui surgindo no seu contexto militar, como que conti nuando a defensio da cidade. LIVRO 1 - CAPÍTULO 5 pação em que não haja caminho fácil para atacar a muralha, que deverá circundar locais escarpados, assim como se pla nejará de modo que os acessos às portas não sejam diretos, mas vindos do lado esquerdo. Pois, se assim se fizer, o flan co direito dos atacantes, que não estará protegido pelo escu do128, se aproximará mais do muro. Com efeito, os ópidos não deverão ser estabelecidos em forma quadrada nem com ângu los salientes, mas em circuitos, de modo que o inimigo possa ser observado a partir de vários lados. Efetivamente, naqueles onde abundam os ângulos, dificilmente haverá defesa, porque o ângulo protege mais o inimigo do que o cidadão. Consolidação das muralhas com traves de oliveira 3. Além disso, penso que a espessura da muralha deve rá ficar de tal modo que, vindo homens armados um na dire ção do outro sobre o caminho de ronda, eles possam cruzar-se sem obstáculo, e também de tal modo que, no correr dessa mesma espessura, se disponham, lado a lado e o mais cerra das possível, traves de oliveira passadas pelo fogo, a fim de que uma e outra faces da muralha disponham de solidez, liga das entre si por essas varas como que por grampos129; porque nem a putrefação nem as tempestades nem a vetustez podem prejudicar essa madeira, que se mantém sempre em bom es tado, sem defeitos, seja enterrada no solo, seja imersa na água. E, sendo assim, não apenas na fortificação como também nas substruções130, quaisquer paredes que devam ser feitas com a espessura de uma muralha não se degradarão facilmente se forem travadas dessa maneira. 128. Scutum: escudo. Sinônimo de clipeus e parma. 129. Fibula: fíbula, aqui no sentido de grampo, gancho, agrafo. No sentido cor rente, tudo o que serve para fixar: colchete, broche, fivela. 130. Substructio: parte inferior de um edifício, entre os fundamenta ou alicerces e as paredes, estilobatos ou outras estruturas acima do solo. Substrução ou subestrutura. VITRÚVIO Proteção das torres 4. As distâncias entre as torres deverão ser efetuadas de tal maneira que o intervalo entre cada uma não seja maior do que o alcance de um dardo131, para que, sendo uma delas ata cada, os inimigos possam ser repelidos, a partir das torres que estiverem à direita e à esquerda, com escorpiões e outros dis paros de armas de arremesso. Além disso, contra as partes in feriores das torres, a muralha deverá ser dividida a espaços tão grandes quantoa largura delas, de modo que os caminhos de ronda sejam, na parte interior das mesmas torres, constituídos por vigas sem travamentos de ferro; porquanto, se o inimigo ocupar uma parte da muralha, os que a defenderem abrirão de novo esses vãos e, se o fizerem rapidamente, não será possível ao invasor penetrar nas restantes partes das torres, a não ser que se queira lançar no precipício. S Terraplenos 5. E, assim, as torres deverão ser feitas arredondadas ou poligonais: efetivamente, as máquinas destroçam mais rapi damente as quadradas, porque os aríetesi32, batendo repetidas vezes, destroem os ângulos, enquanto que nas formas circula res, forçando as pedras para o centro como se fossem cunhas, não podem causar dano. Do mesmo modo, as fortificações das muralhas e das torres tornam-se muito mais seguras quando unidas a terraplenos133, porque nem os arietes, nem as mina gens dos sapadores, nem outras máquinas lhes poderão cau sar dano. 131. Sagitta: seta, flecha, dardo lançado por arco ou máquina de guerra. 132. Aries: ariete, máquina de guerra. 133. Agger: terrapleno, talude, amontoado de terra para reforço das fortifica ções, terreiro. LIVRO 1 - CAPÍTULO 5 Fossos 6. Todavia, não é em todos os sítios que se deve aplicar es sa solução do terrapleno, mas tão-somente naqueles onde houver fora da muralha um acesso de ponto elevado e plano para ata car as fortificações. Por conseqüência, nesses lugares deverão ser feitos, antes de tudo, fossos com largura e profundidade o mais amplas possível, sendo posteriormente escavado o alicerce da muralha dentro do leito do fosso, devendo o mesmo ser erguido com tal espessura que facilmente sustenha o terrapleno131. Travamento dos alicerces 7. Do mesmo modo se escavará, na parte interior da subs trução, um alicerce separado do outro exterior por um espaço de tal maneira amplo que as coorte 135 possam, como dispostas em linha de batalha, fazer parada em toda a largura do talu de, a fim de o defender. Quando, pois, se levantarem os funda mentos com essa distância entre si, coloquem-se então entre eles outros em posição transversal, unidos aos alicerces exte rior e interior, dispostos em forma de pente, como costumam ser os dentes de uma serra; se, efetivamente, assim se fizer, en tão o volume da carga de terra, distribuída em pequenas par tes, de nenhuma forma poderá, pressionando com todo o seu peso, fazer ceder as substruções da muralha. Materiais a utilizar 8. Ainda a propósito da fortificação, não se deverá definir de antemão em que material será construída ou aperfeiçoada, 134. Opus terrenum: construção em terra, amontoado de terra, terrapleno, ta lude, aterro, obra feita com terra. 135. Cohors: coorte, décima parte da legião, composta por três manípulos e seis centúrias. 94 VITRUVIO porque não podemos dispor dos recursos que desejamos. Mas, onde houver cantaria136, alvenaria137, pedra miúda, tijolo138 cozi do ou cru, será isso que se utilizará. Pois, assim como na Babi lônia dispunham em abundância de betume líquido e fizeram uma muralha de tijolo cozido, usando esse betume em vez de cal e areia, assim também todas as regiões ou características dos lugares poderão dispor de outros recursos semelhantes, de modo que, com esses aprestos, as muralhas se mantenham perfeitas e sem defeito para a eternidade. 136. Saxum quadratum: pedra esquadriada, cantaria. O mesmo que opus qua dratum, de granito, calcário ou outro tipo de pedra passível de trabalho de canteiro. 137. Silex: pedra não trabalhada, usada em alvenaria, em geral extremamen te dura para ser usada em cantaria, sobretudo utilizada com tratamento sumário nas construções e fortificações anteriores à época imperial romana, numa técnica co nhecida por opus siliceum. 138. Later: tijolo, ladrilho. Vitrúvio aplica aqui o termo later seja ao tijolo cru (opus latericium), a que chama crudus later, seja ao cozido (opus testaceum), aqui tam bém referido como coctus later, o que confirma a aplicação do termo do processo mais antigo ao mais recente. Cf. 2,3,1,2,5,1 e 2, 8, 4. CAPÍTULO 6 Distribuição das praças e das ruas 1. Circundado o recinto, seguem-se as divisões das áreas dentro da muralha e as orientações das praças139 e das ruas140. Serão, de fato, traçados como deve ser se habilmente se afas tarem das ruas os ventos que, se forem frios, prejudicam, se quentes, corrompem, se úmidos, são nocivos. Por essa razão, julga-se que se deverá evitar esse condicionalismo e precaver para que não se verifique o que costuma acontecer em mui tas cidades, como em Mitilene, opido na ilha de Lesbos, edifi cado de modo magnificente e elegante, mas estabelecido sem habilidade. Quando nessa cidade sopra o austro-41, os homens adoecem; soprando o coro142, tossem; quando o setentrião143, são restituídos à saúde, mas não podem permanecer nas ruas nem nas praças, devido à veemência do frio. Natureza dos ventos 2. Pois o vento é uma onda de ar que flui movido com uma incerta redundância. Nasce quando o calor vai de encontro à 139. Platea: praça, grande rua, avenida. 140. Angiportus ou angiportum: rua, ruela, rua estreita, viela, beco. 141. Auster: austro, vento sul, a que os gregos chamavam noto. 142. Chorus: coro, vento de nor-noroeste. 143. Septentrio: setentrião, vento-norte, o bóreas dos gregos. 96 VITRUVIO umidade e o ímpeto da exalação faz sair à força o sopro do ar. Que isso é verdade, é possível verificá-lo a partir dos éolos de bronze e, com essas artificiosas invenções, representar a ver dade do poder divino sobre os ocultos mecanismos da abóba da celeste. Fazem-se, efetivamente, cabeças de Éolo144 ocas, de bronze - que têm uma apertadíssima abertura -, introduz-se nelas água, colocando-as em seguida no fogo; antes de aque cerem, elas não produzem qualquer efeito, mas logo que co meçam a ferver produzem um veemente sopro. Desse modo, é possível conhecer e ajuizar, a partir de um pequeno e brevíssi mo espetáculo, as grandes e fantásticas disposições da nature za, no que diz respeito à abóbada celeste e aos ventos. Influência dos ventos na saúde 3. Se eles não forem deixados entrar, não só o lugar ficará saudável para os corpos sãos, como também, se eventualmen te se originarem doenças a partir de outros condicionalis mos, a que em outros lugares salubres se opõem tratamentos médicos, nesses lugares, em função da mistura de ventos na devida proporção, essas doenças serão mais facilmente trata das. São os seguintes, com efeito, os males que dificilmente se curam nas regiões que acima referimos: catarro da traquéia, tosse, pleurisia, tísica, expectoração de sangue e outros, que são curados não por supressões, mas por aditivos. Esses males dificilmente são medicados, porque, primeiro, são originados a partir de resfriamentos e, depois, porque, estando as forças debilitadas pela doença, a respiração torna-se agitada; além disso, esta enfraquece devido à turbulência dos ventos, reti ra o vigor dos corpos enfermos, tornando-os mais frouxos. No 144. Aeoli pilae: cabeças de Éolo; literalmente, bolas ou esferas de Éolo. A refe rência ao deus dos ventos enquadra-se no tema tratado e na sua explicação. LIVRO 1 - CAPÍTULO 6 97 sentido oposto, um ar brando e espesso, que não apresenta brisas nem freqüentes turbulências, devido à sua imóvel esta bilidade, reforçando os seus membros, alimenta-os e restaura aqueles que estão atacados por esses males. A torre dos ventos em Atenas 4. Foi opinião de alguns que os ventos eram quatro: 0 So lano145, do oriente equinocial; o austro, do meio-dia; o favo nio146, do ocidente equinocial; o setentrião, do norte. Porém, aqueles que mais diligentemente investigaram afirmaram que os ventos eram oito, particularmente, Andrônico de Cirro147, que, como exemplo, levantou em Atenas uma torre octogonal de mármore, cinzelando em cada um dos lados as figuras de cada um dos ventos, voltadas para as direções dos respectivos sopros, rematou essa torre com um cone marmoreo e em ci ma colocou um tritão de bronze, estendendo com a mão direita uma vara e engendrado de maneira a andarà volta com o ven to, parando sempre na direção da brisa e apresentando a vara como um ponteiro sobre a figura do vento a soprar. Os oito ventos principais 5. Por essa razão, o euro143, do levante de inverno, foi colo cado entre o solano e o austro; o áfrico149, do poente de inverno, entre o austro e o favônio; o cauro150, ao qual muitos chamam 115. Solamus: solano, vento de levante, o Euro da Odissein (v, 295). 146. Fauonius: favônio, vento de poente, o Zéfiro dos gregos. 147. Andronicus Cyrrestes: arquiteto helenístico natural de Cirro, antiga cida de da Síria. É citado por Varrão, Vitrúvio e, baseado neste, pelo tratadista de arqui tetura, da Antigüidade tardia, Faventino. 148. Eurus: euro, vento-sudeste. 149. Africus: áfrico, vento-sudoeste 150. Caurus: cauro, vento-noroeste. 98 VITRUVIO coro, entre o favônio e o setentrião; e o aquilão151, entre o se tentrião e o solano. Desse modo, torna-se claro como o núme ro [oito] 152 comporta tanto os nomes como as partes de onde sopram, sempre na mesma direção, as brisas dos ventos. Ve rificado isso, assim será feito o cálculo para encontrar as dire ções e o nascer dos ventos. Estudo da orientação dos ventos com auxílio de um gnômon 6. Coloque-se, com auxílio do nível153, uma pedra de mármore esquadriada no meio do recinto fortificado, ou então, se não se desejar a pedra esquadriada, aplane-se bem essa zona com a régua e com o nível e, em cima, no centro desse lugar, coloque-se um gno mon154 de bronze, indicador de sombra, que em grego se diz scio theres. Por volta da quinta hora antes do meio-dia, será medido o comprimento da sombra do gnomon, assinalando-o com um ponto; em seguida, com um compasso distendido desde essa marca do comprimento da sombra até o ponto onde está ognômon, será traçada a partir deste uma linha de círculo. E, do mesmo modo, será observada a sombra crescente a partir do meio-dia; quando ela atingir a linha do círculo e fizer uma sombra igual à da parte da manhã, será assinalada também com um ponto. Alinhamento das ruas levando-se em conta as direções dos ventos 7. Tendo como referência essas duas marcas, com o compasso será descrita uma interseção de círculos secantes, tra 151. Aquilo: aquilão, vento-nordeste. 152. Octo: aqui acrescentamos o número "oito", que não consta dos manuscritos, seguindo a proposta de P. Fleury, 1990, p. 167. 153. Ad libellam: com o nível. Cf. nota n. 12 deste Livro. 154. Gnomon: gnomon, ponteiro ou agulha de quadrante solar. Por metonímia, relógio de sol. Repare-se na definição vitruviana: indagator umbrae, indicador de sombra. LIVRO 1 - CAPÍTULO 6 99 çando-se uma linha reta que passa por esse cruzamento e pelo centro até a extremidade, de modo a obter-se a orientação me ridional e setentrional. Depois disso, tomando-se a décima sexta parte da totalidade da linha do círculo, será marcado o centro da rotação no ponto em que a linha meridiana toca o círculo, fazendo também marcas à direita e à esquerda sobre o mesmo círculo, seja da parte meridional, seja da parte se tentrional. Então, a partir desses quatro pontos, e de uma ex tremidade à outra do dito círculo, serão traçadas linhas que se intersectam no centro. Assim se encontrará a designação da oitava parte, uma do lado do austro; outra, do lado do se tentrião. As partes restantes deverão ser distribuídas de mo do igual na totalidade do círculo, três para a direita e três para a esquerda, para que na descrição sejam designadas, em par tes iguais, as divisões dos oito ventos. Desse modo, parece-nos que o ordenamento das praças e das vielas deverá ser alinhado pelos ângulos entre duas direções de ventos155. Orientações diferentes das ruas e dos ventos 8. Na realidade, com essa metodologia e com essa distri buição se afastará das habitações e das ruas156 a força nociva dos ventos. Se, efetivamente, as praças ficarem diretamen te expostas a eles, o ímpeto vindo do espaço aberto do céu e a brisa constante contida na entrada estreita das vielas an darão por aqui e por ali com uma veemência mais forte. Eis por que não se deverão voltar para as orientações dos ven tos os direcionamentos das ruas, de modo que, ao chegarem, 155. Encontramos aqui uma clara explicação para a planta octogonal dos cas tra e primitivas implantações das cidades romanas. 156. Vicus: no sentido que lhe dá Vitrúvio, é a rua tomada em sentido geral, embora pareça, no que diz respeito à sua largura e importância, encontrar-se en tre a platea e o angiportus. Cf. as referências restantes neste parágrafo e no parágra fo 12, bem como em 3, Pr. 4. 100 VITRUVIO eles se enfraqueçam contra os ângulos das ínsulas157 e, repe lidos, se dissipem. Os cálculos matemáticos de Eratostenes de Cirene158 are 9. Talvez se admirem aqueles que sabem de muitos nomes de ventos porque apenas falamos de oito. Lembrem-se, po rém, de que, de acordo com o curso do Sol, as sombras do gno mon no equinócio e a inclinação do céu, a circunferência do orbe da Terra foi calculada por Eratostenes de Cirene, através de cómputos matemáticos e métodos geométricos, em 252 mil estádios, o que dá 31.500.000 passos, pelo que a oitava par te que parece ocupar cada vento é de 3.937.050; por isso, não se deverão admirar se um determinado vento, soprando sobre um espaço tão grande, apresentar variedades de inflexão e de desvio na mutação da brisa. A rosa-dos-ventos 10. E, sendo assim, à direita e à esquerda do austro, cos tumam soprar o leuconoto e o altano; em volta do áfrico, o li bonoto e o subvéspero; em torno do favônio, o argeste e, em certas alturas, os etésios; aos lados do cauro, o círcias e o coro; à volta do setentrião, o trácias e o gálico; à direita e à esquerda do aquilão, o supernas e o cécias; em torno do solano, o carbas e, em determinado tempo, os ornítias; por último, nas extre midades do euro, que se mantém no meio, o euricírcias e o vol turno. Existem, além desses, muitos nomes para outros ventos, provenientes de lugares, rios ou tempestades das montanhas. 157. Insula: quarteirão ou conjunto de edifícios entre o reticulado das ruas, lembrando uma ilha. Edifício de um andar ou mais com várias habitações para a classe média ou baixa, por contraposição a domus, que é uma vivenda unifamiliar. 1.158. Eratosthenes Cyrenaeus: matemático, chegou a estar à frente da Biblioteca de Alexandria, no início do séc. II a.C. Cf. 1, 1, 17. LIVRO 1 - CAPÍTULO 6 101 Influência das auras matutinas 11. Há, ainda, as auras matutinas, de onde o Sol, quando emerge girando da parte subterrânea, expulsa a umidade do ar e, fazendo-a sair da Terra, à medida que se eleva, extrai o sopro das brisas na exalação da madrugada. Ora, quando elas conti nuam após o nascer do Sol, encaminham-se para as regiões do vento euro, razão pela qual, porque nasce das aurae, parece ter sido chamado euros pelos gregos, e diz-se que o dia de ama nhã é chamado aurion, devido às auras matutinas. Há, porém, alguns que negam ter Eratostenes podido ob ter a verdadeira medida do orbe da Terra. Esteja ela certa ou errada, tal não impede que os nossos escritos possam apre sentar as delimitações das regiões de onde são oriundos os so pros dos ventos. Referências a esquemas que não chegaram aos nossos dias 12. Portanto, se aceitamos isso, é sinal de que cada vento não possui um sistema rigoroso de medida, mas, tão-só, ímpe tos maiores ou menores. Visto que expusemos brevemente todas essas coisas, a fim de que mais facilmente fossem entendidas, pareceu-me bem mostrar no final do volume dois desenhos ou, como os gregos dizem, schemata: um, de tal maneira figurado que se vê onde se originam determinados ventos, e outro, como se evi tam as brisas funestas, afastando do seu ímpeto os direciona mentos das ruas e das praças159. 159. O resto que se segue deste capítulo, repetindo em parte o que já se disse, parece ser a descrição desses desenhos de que fala Vitruvio e que se perderam, como todos aqueles a que ele se refere no decorrer da sua obra. Há, no entanto, um dese nho de uma rosa-dos-ventos transmitida designadamente pelo manuscritoH, que poderá ser uma cópia do original. Cf. Ph. Fleury, 1990, p. 184. 102 VITRUVIO Veremos, com efeito, um centro numa superfície nivela da, onde está a letra A, e a sombra do gnomon antes do meio dia, onde está B; e a partir do centro, onde está A, uma vez distendido um compasso até essa marca da sombra, onde es tá B, descreve-se uma linha de círculo. Reposto seguidamen te o gnomon onde estava antes, espera-se até que a sombra diminua e de novo cresça depois do meio-dia até ficar igual à sombra verificada antes do meio-dia e atinja a linha do cír culo, onde estará a letra C. Depois disso, descreve-se com o compasso uma interseção de círculos secantes a partir da mar ca onde está B e da marca onde está C: aí será D; em segui da, também através da interseção de círculos secantes e pelo centro onde está A, traça-se uma linha reta até a extremidade; nesta linha ficarão as letras E e F. Essa linha será o indicador da orientação meridional e setentrional. Vitrúvio proporcionou um desenho para uso no traçado das ruas 13. Então, com o compasso, tomando-se a décima sexta parte da totalidade da circunferência, será marcado o centro da rotação no ponto em que a linha meridiana toca a circunferên cia, onde está a letra E, fazendo marcas à direita e à esquerda: ai serão as letras Ge H. Também na parte setentrional se po rá o centro da rotação no cruzamento da circunferência e da li nha setentrional, onde está a letra F, fazendo marcas à direita e à esquerda, onde estão as letras I e K, e de G a K, assim como, de H a I, traçar linhas retas pelo centro. Desse modo, o espaço de Ga H será o espaço do vento austro e da parte meridiana; e o que for de I a K será o espaço do setentrião. As partes res tantes deverão ser distribuídas de modo igual, três para a direi ta e três para a esquerda; as que estão a oriente terão as letras Le M, e a ocidente, as letras Ne O. De Ma O e de L a N, serão LIVRO 1 - CAPÍTULO 6 103 traçadas retas fazendo cruzamento. E, assim, serão obtidos oito espaços de ventos iguais no circuito. Efetuados estes desenhos, começando pelo sul, considerado cada um dos ângulos do oc tógono, entre o euro e o austro será a letra G; entre o austro e o áfrico, H; entre o áfrico e o favônio, N; entre o favônio e o cauro, O; entre o cauro e o setentrião, K; entre o setentrião e o aquilão, I; entre o aquilão e o solano, L; entre o solano e o euro, M. Fei to isso, coloque-se o gnomon 160 entre os ângulos do octógono, e assim serão direcionados os traçados das vielas. 160. Aqui Vitrúvio dá à palavra gnomon o sentido de "régua", ou então sig nifica que o próprio ponteiro ou agulha indicadores de sombra podem ser utiliza dos como tal. CAPÍTULO 7 E Os lugares do foro e dos templos 1. Distribuídas as vielas e dispostas as praças, há que pro ceder, de acordo com a utilidade pública e o interesse comum, à escolha das áreas para os templos sagrados, para o foro e res tantes espaços comuns. Se o recinto fortificado se encontrar junto ao mar, a zo na onde se implantará o foro deverá ser escolhida próximo do porto; mas, se estiver no meio das terras, deverá ser implanta do no meio do ópido. Quanto aos templos sagrados dos deuses, considera dos a mais alta tutela da cidade, Júpiter, Juno e Minerva, de vem lhes ser distribuídas zonas no lugar mais elevado, de onde se possa observar a maior extensão do recinto fortifica do. No que diz respeito a Mercúrio, no foro; ou, então, como a Ísis e a Serápis, no empório16; a Apolo e ao deus Líbero, jun to do teatro; a Hércules, naquelas cidades162 onde não há gi násios163 nem anfiteatros164, junto do circo165, a Marte, fora da 161. Emporium: empório, praça de comércio marítimo, junto ao porto. Cf. 5, 12, 1. 162. Ciuitates, cf. nota n. 19, deste Livro. 163. Gymnasium: ginásio, de contexto grego, que teve em parte continuida de na palaestra. Cf. 5, 11, 1. 164. Amphitheatrum: anfiteatro, literalmente teatro duplo. Vitrúvio cita ape nas uma vez a palavra amphitheatrum, sendo aliás a primeira referência que conhe cemos do termo. Não o descreve talvez porque no seu tempo essa infra-estrutura era ainda incipiente. Em contrapartida, descreve muito bem o theatrum, no Livro 5. 165. Circus: circo, infra-estrutura para corridas de carros, com cauea, spina e carceres. LIVRO 1 - CAPÍTULO 7 105 urbelo, mas junto de um terreno plano; do mesmo modo, a Vê nus, junto do porto. Pois também os aruspices etruscos, nos escritos das suas ciências, solenemente afirmaram que os fa nos167 de Vênus, Vulcano e Marte deveriam ser edificados fora da muralha, a fim de que o desejo venéreo não se tornasse ha bitual dentro da urbe, nos adolescentes e nas mães de família, e que, convocada a força de Vulcano fora do recinto fortificado, através de práticas religiosas e de sacrifícios, os edifícios pare cessem ficar libertos do medo dos incêndios. Quanto a Marte, se a sua divindade fosse venerada fora dos muros, não haveria dissensão armada entre os cidadãos, mas, defendendo a cida de dos inimigos, iria salvá-la do perigo da guerra. Os templos deveriam estar em lugares adequados aos sacrifícios 2. Igualmente, para Ceres será fora da urbe, num lu gar aonde ninguém vá com freqüência, a não ser quando ne cessário para o sacrifício; esse lugar deverá ser honrado com uma consciência piedosa e pureza de costumes. Aos restantes deuses, deverão ser distribuídos locais de recintos sagrados 168 adaptados às especificidades dos seus sacrifícios. No que diz respeito à construção dos templos sagrados e às suas comensurabilidades, apresentarei no terceiro e quarto volumes as respectivas metodologias, uma vez que no segun do me pareceu bem tratar, antes de tudo, das disponibilida des de materiais que deverão ser preparados para os edifícios, quais as suas potencialidades e utilidades, expondo, em segui 166. Vrbs, cf. nota n. 18 deste Livro. 167. Fana: templos. Singular: fanum. Cf. nota n. 84 deste Livro. 168. Templa: recintos sagrados, templos. A distinção que Vitrúvio faz entre templum e aedes parece estar de acordo com o sentido primitivo de templum: um es paço delimitado e sagrado para o culto dos deuses e, no contexto etrusco, para o exercício divinatório dos áugures. Sentido próximo de temenos. 106 VITRUVIO da, as medidas desses edifícios e enunciando as ordens169 e os gêneros dos sistemas de medidas de cada uma delas, tratando disso em volumes singulares. 169. Ordines: ordens, singular ordo. Como noutras passagens, Vitrúvio indi ca que o termo ordem aplicado aos diferentes estilos arquitetônicos já se usava no seu tempo.
Compartilhar