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SEMIÓTICA Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro Revisão técnica: Caroline Bastos Capaverde Graduada em Psicologia Especialista em Psicoterapia Psicanalítica Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin – CRB 10/2147 C794s Cordeiro, Rafaela Queiroz Ferreira. Semiótica [recurso eletrônico] / Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro, Cláudia Renata Pereira de Campos, André Araújo; [revisão técnica: Caroline Bastos Capaverde]. – Porto Alegre: SAGAH, 2018. Editado também como livro impresso em 2018. ISBN 978-85-9502-461-8 1. Semiótica. 2. Marketing. I. Campos, Cláudia Renata Pereira de. II. Araújo, André. III. Título. CDU 658.8:81’22 Constituição da linguagem visual por meio da semiótica Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Analisar de que forma ocorre a constituição da linguagem visual pela lente teórica da semiótica. Reconhecer produção de sentido por meio da linguagem visual. Identificar diferentes linguagens visuais produzidas pela mídia. Introdução Neste capítulo, você vai estudar a linguagem visual e a sua composição a partir da reflexão teórica da semiótica. Além disso, você vai compre- ender que, além dos elementos básicos visuais (morfológicos, dinâmicos e escalares), que constituem essa linguagem, existe o contexto social, verbal, visual e/ou verbo-visual. Este se caracteriza como fundamental na leitura crítica de uma imagem, pois ele nos dá pistas dos sentidos que são produzidos e compreendidos. Ora, ao falarmos em visual, não nos referimos apenas a uma linguagem. Isso é extremamente importante e deve ser destacado; mas, além de colocar o visual nesse lugar e reconhecê- -lo como uma linguagem, assim como já se apreende do verbal, é preciso compreender o imagístico também como um discurso. Por fim, você vai fazer a leitura de um panorama geral sobre as di- versas linguagens visuais que são engendradas e difundidas pela esfera midiática, tais como a fotográfica e a de vídeo. Essa discussão ampla é importante para lermos e analisarmos de forma mais crítica os conteúdos visuais produzidos pelos meios de comunicação. U N I D A D E 4 C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 1 19/06/2018 15:45:20 joliveira Rectangle joliveira Rectangle A linguagem visual Desde os primórdios da existência humana, nos comunicamos por linguagem visual. E isso não diz respeito apenas às ditas e famosas imagens das cavernas pré-históricas: a gestualidade corporal e as mímicas também fazem parte da visualidade. Aliás, a própria escrita não deixa de ser uma representação visual de um alfabeto e um texto, não é mesmo? Assim, para início de discussão, é preciso se concentrar no que signifi ca a terminologia linguagem visual, pois muitos a restringem ao domínio midiático – embora este seja um importante disseminador –; e, ainda, outros a opõem à linguagem verbal – o que é uma falsa oposição, conforme explica Joly (2007 [1994]), uma vez que o escrito participa da construção do visual, ou seja, verbal e visual são linguagens inter-relacionadas. De maneira geral, pode-se dizer que dentro do universo do visual fala-se majoritariamente na imagem. Esta, contudo, apresenta numerosos sentidos e pode ser produzida também por inúmeras formas: ela pode dizer respeito ao filme E.T., de Steven Spielberg; a uma tira de Mafalda; à marca Nike; à pintura Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, às fotografias humanistas de crianças tiradas por Sebastião Salgado, a uma imagem mental concebida por um sujeito, entre muitas outras formas visuais. Dito de outro modo, são e podem ser muitas as produções imagísticas que fazem parte do visual e/ou do mental. Interessante, a esse respeito, que a partir dessa caracterização fica mais fácil determinar a existência de uma diversidade de imagens diferentes, como as da esfera midiática (como as fotográficas e as cinematográficas), as da esfera científica (como as apresentações visuais do corpo humano), as da esfera psíquica (como as visões e as fantasias que são de âmbito mental) etc. A noção de esfera, trazida neste capítulo, é empregada conforme a reflexão trazida pelo pensador russo Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895-1975). Embora esse autor não seja do campo da semiótica, suas reflexões são importantes para se pensar questões gerais no tocante à filosofia da linguagem e à produção linguageira e discursiva do homem, ou seja, tudo o que envolve a produção de sentido. Assim, para esse autor, nós nos comunicamos por meio de gêneros (o diálogo, a notícia, a publicidade televisiva, a aula, a missa, o artigo científico, o romance etc.), os quais estão presentes e compõem as diversas esferas sociais. Essas são caracterizadas pelo autor como os numerosos “espaços” sociais de atividade humana, em que o homem interage e atua, tais como: a cotidiana, a jornalística, a publicitária, a escolar, a acadêmica, a religiosa, a científica, a literária etc. Fonte: Bakhtin (2003 [1952-1953]). Constituição da linguagem visual por meio da semiótica2 C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 2 19/06/2018 15:45:20 Logo, é preciso, de antemão, reconhecer a variedade de imagens que existe e circula na sociedade. A depender do meio em que é produzida e do fim e/ ou propósito a que se liga, ela apresentará características e funcionamentos específicos. Além disso, ao fazer isso, passaremos a ver a imagem não como um auxiliar da comunicação, mas como uma linguagem específica, que tem valores “próprios”; e, por isso, que merece ser reconhecida como tal. É nesse sentido que a reflexão sobre a terminologia linguagem visual precisa ser repensada e significada. Nesse contexto, o campo da semiótica mostra-se relevante para tal tarefa, uma vez que coloca a imagem como representação imagética, signo, porque é produtora e mediadora de sentidos. A noção de imagem à luz da semiótica De acordo com Santaella e Nöth (1997), o visual, assim como o verbal, é um signo, porque produz sentidos. Dito de outro modo, a imagem constitui uma representação sígnica de uma “coisa” (concreta ou não) para “alguém” (concreto ou não). Contudo, é importante destacar que até chegarmos nessa caracterização, a noção de imagem se encontra semanticamente determinada por dois caminhos: o primeiro apresenta a imagem como direta, perceptível e existente; o segundo, como da ordem do mental que é evocada por nós diante da presença de estímulos visuais ou não. Essa dualidade semântica, a qual caracteriza a imagem como percepção, de um lado, e como imaginação, de outro, conforme apresentam esses autores, está relacionada ao pensamento da sociedade ocidental. O filósofo grego Platão trouxe influências notórias para essa reflexão sobre os sentidos da palavra imagem. De acordo com Joly (2007 [1994]), encontramos uma das primeiras definições sobre a imagem em Platão, mais especificamente em sua obra A República (2018[375/381 a.C.], p. 292). Nesse livro, o pensador apresenta as imagens como um objeto secundário, ou seja, uma sombra e um reflexo na água ou na superfície de um corpo opaco a partir da fala de Sócra- tes: “Denomino imagens primeiramente às sombras, depois aos reflexos que se veem nas águas ou na superfície dos corpos opacos, polidos e brilhantes, e a todas as representações semelhantes”. Essa reflexão nos permite pensar que o filósofo grego colocava a linguagem verbal em um primeiro plano de importância, uma vez que as imagens, como sombras, reflexos e opacidades, constituiriam uma representação segunda. 3Constituição da linguagem visual por meio da semiótica C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 3 19/06/2018 15:45:20 No Mito da Caverna, texto que é encontrado no volume 7 da obra A República, Platão faz uma reflexão sobre o mundo visível a partir das sombras que representam os “véus” do mundo ideal. Dito de outro modo, para ele a imagem do mundo vivido representa sombra e escuridão. Assim, para alcançar a iluminação, isto é, ingressar no mundo ideal, épreciso observar verdadeiramente as coisas. E isso só pode ser feito se sairmos do mundo da “caverna”, pois este é o da verossimilhança, ou seja, não é o verdadeiro. O mundo da caverna é a imagem, uma representação segunda, do mundo das ideias, do mundo ideal, do mundo “verdadeiro”. Apesar disso, é por meio da caverna que o sujeito pode se desfazer desse mundo de sombras e acessá-lo como um instrumento de filosofia, de conhecimento, para alcançar o mundo ideal. Fonte: Platão (2018 [375/381 a.C.]). Essa relação de oposição entre imagem e objeto referenciado ainda reflete a caracterização da imagem na atualidade. Conforme a tipologia de Mitchell (1986, p. 10 apud SANTAELLA; NÖTH, 1997), existem as imagens gráficas (desenhos, pinturas, esculturas), as imagens óticas (espelhos, projeções), as imagens perceptíveis (ideias, fenômenos), as imagens mentais (sonhos, fantasias, ideias) e as imagens verbais (metáforas, descrições). Percebe-se, assim, que a noção de imagem oscila entre o mental e o visual, o imaginário e o concreto, imaginação mental e representação visual. Nesse sentido, a imagem é caracterizada como um signo que representa o mundo visível quanto a si mesma. Para Santaella e Nöth (1997), essa relação dicotômica ou esse duplo campo semântico, cuja noção de signo une, se reflete na semiótica da imagem quando se faz referência à dicotomia signo icônico (icônico/figurativo) versus signo plástico (pictural/plástico/abstrato). Quando se trata da imagem dentro das características de semelhança e imitação – que datam, inclusive, desde a época de Santo Agostinho (354 d.C. – 430 d.C.) –, estamos diante da imagem classificada como um signo icônico (SANTAELLA; NÖTH, 1997). É importante lembrar que o ícone, para a semiótica de Peirce, é um tipo de signo que tem uma relação analógica, geralmente de similaridade, com o objeto (ou o referente) que representa. Conforme discutem Santaella e Nöth (1997), existem ressalvas em relação a essa classificação: primeiro, há restrições no que diz respeito à iconicidade de uma imagem, restrições essas que se relacionam a questões históricas, estilísticas e convencionais; segundo, quando tratamos de pinturas como as Constituição da linguagem visual por meio da semiótica4 C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 4 19/06/2018 15:45:21 abstratas, que são elaboradas sem uma necessária função icônica, estas se aproximam mais dos signos plásticos; terceiro que, se determinamos que as imagens representadas são ícones, ou seja, que apresentam relação de mímesis com o objeto representado, é preciso destacar que há signos icônicos que não são imagens visuais. Para Peirce (apud SANTAELLA; NÖTH, 1997), existem formas acústicas, táteis, olfativas ou conceituais que apresentam semelhança de qualidade sígnica. E porque essa classificação da imagem como ícone é tão premente na nossa sociedade? Para Santaella e Nöth (1997), dentro de um paradigma triádico de signo, o signo da imagem é constituído por um significante visual (chamado de representamen), o qual referencia um objeto (ausente) e evoca um significado ou uma ideia de objeto no espectador/observador (interpretante). Como a característica de semelhança leva o espectador/ observador a relacionar esses três elementos que constituem o signo, fica mais fácil compreender o porquê de a noção de imagem aparecer como esses três elementos para o sujeito (Figura 1). Logo, como o signo imagem pode ocupar cada uma dessas posições, isso reflete na polissemia do uso do termo imagem e traz dificuldade em sua definição. Figura 1. Modelo triádico a partir do conceito de imagem como os três constituintes. Quando se trata da imagem como um signo plástico, esse conceito leva a semiótica a compreender a própria imagem como não representando coisa alguma. Há também, conforme apontam Santaella e Nöth (1997), restrições a essa classificação, uma vez que existem imagens icônicas que podem ser vistas como signos plásticos. Por exemplo, nos enunciados “Lorenna usa um vestido da cor vermelha” e “O vestido de Lorenna representa a cor vermelha”, observamos caracterizações sígnicas distintas: no primeiro, a cor vermelha do vestido usado por Lorenna representa um signo plástico; já no segundo, o 5Constituição da linguagem visual por meio da semiótica C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 5 19/06/2018 15:45:21 vestido da cor vermelha dela representa um signo icônico. Para Edeline et al. (1992 apud SANTAELLA; NÖTH, 1997), os signos plásticos fazem referência ao índice e ao símbolo. Em Peirce, o índice é um signo que apresenta uma relação direta com o objeto que o produziu (tal como as pegadas na areia, já que essas indicam que alguém estava andando pela praia); e o símbolo, uma relação convencional com o objeto que o gerou (tal como as palavras faladas ou escritas de uma língua). Toda essa discussão nos mostra o quão é difícil de determinar de forma precisa uma classificação da imagem, tendo em vista que o significado depende do observador/espectador e da sua relação com o signo imagístico. E, além disso, como reflete a semiótica peirceana, o signo é produzido numa circularidade que não deve ser descartada e reduzida a uma forma esquemática. Os sentidos produzidos pela linguagem visual Conforme discute Barthes (1990, p. 27) sobre a retórica da imagem, a etimo- logia antiga da própria palavra imagem a relaciona à raiz imitari. A partir dessa refl exão, o autor afi rma que chegamos ao problema mais importante do que ele chama de semiologia das imagens, a saber, se a cópia pode real- mente produzir signos e não somente dizer respeito a conjuntos aglutinados de símbolos. Nesse contexto de discussão, o autor traz uma outra questão à tona: a relação da imagem com a produção de sentidos. Assim, ele afi rma que há aqueles que consideram a imagem como “um sistema muito rudi- mentar em relação à língua”, enquanto outros pensam que “a signifi cação não pode esgotar a riqueza indizível da imagem”. Desse modo, evoca-se uma ontologia do sentido: é possível sabermos até que ponto é produzido sentido na e pela imagem? Para esse debate, o qual traz a ideia de uma possível ontologia do sentido, outrora evocada por Barthes (1990), se faz necessário discutir sobre dois pontos que norteiam a produção sígnica do discurso visual: 1) os elementos que caracterizam a especificidade da linguagem visual (tais como cor, linha, ponto etc.); e 2) o contexto social e verbo-visual (este pode ser construído pela linguagem verbal, pela própria linguagem visual e/ou pela relação verbo-visual). Poder-se-ia citar ainda outras possibilidades que influenciam na produção de sentidos de uma “mensagem” visual, contudo por agora damos destaque a apenas esses dois pontos supracitados. Constituição da linguagem visual por meio da semiótica6 C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 6 19/06/2018 15:45:21 Os elementos que constituem a linguagem visual Conforme discutem Lencastre e Chaves (2007), do mesmo jeito que aprendemos a ler, isto é, que somos alfabetizados em uma língua, aprendizado este que é longo e necessário para boa parte das nossas sociedades (já que são, em sua maioria, letradas), é preciso aprender a ver e a analisar uma imagem. É o que o autor refl ete e traz como alfabetismo visual. Ora, se com a nossa imersão no mundo digital se levanta a necessidade de um inevitável aprendizado da ferramenta da internet, o que exige um alfabetismo digital, e no que diz respeito ao alfabetismo visual? Este é também fundamental e não pode ser colocado em um plano secundário. Desse modo, esses autores trazem que é preciso educar para aprendermos a analisar as mensagens visuais; e também educar para que a gente possa compor mensagens misturadas com linguagens diversas (por exemplo, o áudio com o visual, o qual constitui uma mensagem audiovisual). Portanto, há uma gramática da imagem que apresenta leis e que solicita uma alfabetização (LENCASTRE; CHAVES, 2007).A esse respeito, Lencastre e Chaves (2007) fazem referência aos estudos de Dondis (1999 [1973]) e Vilafañe (1985). O primeiro apresenta a constituição da linguagem visual por meio de elementos considerados essenciais para a formação do visual, que são: ponto, linha, forma, direção, tom, cor, textura, escala, dimensão e movimento. Já o segundo, além de considerar os elementos citados por Dondis (1999 [1973]), adiciona mais alguns elementos básicos da linguagem visual e, em seguida, os reúne em três grandes grupos, a saber: os elementos morfológicos; os elementos dinâmicos; e os elementos escalares (VILAFAÑE, 1985 apud LENCASTRE; CHAVES, 2007). Compreender tais elementos é importante para se adquirir um maior co- nhecimento comunicacional sobre o potencial sígnico, o funcionamento e a constituição da linguagem visual. Vamos a eles. Os elementos morfológicos Os elementos morfológicos possuem uma natureza espacial. Eles constituem a estruturação do espaço plástico, podendo gerar diferentes relações plásticas. Desse modo, se caracterizam como morfológicos o ponto, a linha, o plano, 7Constituição da linguagem visual por meio da semiótica C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 7 19/06/2018 15:45:21 a textura, a cor, a forma e o tom. Cada um desses é abordado aqui de forma breve a partir do que expõem Vilafañe (1985 apud LENCASTRE; CHAVES, 2007) e Dondis (1999 [1973] apud LENCASTRE; CHAVES, 2007). O ponto se caracteriza como o elemento icônico mais simples do visual. No entanto, ele pode ser representado de várias formas, ou seja, ele pode aparecer na comunicação visual como um círculo bem pequeno, um círculo pontiagudo, um círculo mais próximo do quadrado etc. De maneira geral, contudo, ele nos parece ser mais facilmente determinado porque é redondo. A linha surge quando os pontos aparecem bem próximos uns dos outros, o que torna difícil identificar cada um. Assim, com essa proximidade entre os pontos, constrói-se uma sensação de direção que é dada pela linha. Esta é, assim, o produto do ponto porque gerada por ele. Também a linha pode se apresentar de numerosas formas: reta e precisa, ondulada, linear, grosseira, fina e delicada etc. O plano é por si mesmo espacial. Ele suporta a imagem e caracteriza o espaço imagístico composicional. Os elementos morfológicos, além dos dinâmicos e escalares (conferir explanação mais adiante), são nele organizados e representados de maneira bidimensional. A textura é o elemento que, por estar relacionado ao tato, o substitui. A textura se dá quando o traçado que é feito no plano tem uma certa constância (por exemplo, o traço se repete igualando-se no todo ou varia de forma sistemática). Tal traço pode se manifestar de maneira entrecruzada, ponteada, tracejada, firme, imprecisa etc. O relevo, que é dado aos objetos representados no plano, é construído pela textura. A cor se caracteriza como uma manifestação visível de energia de luz. Embora a cor seja um processo físico-químico, no sentido em que envolve as células da retina do olho, ela é um fenômeno que atrai a curiosidade de muitos olhares. Ora, já se sabe que não existe cor nos objetos e nas coisas, mas na luz: “[...] a cor de um objeto é aquela que corresponde à cor refletida pela luz que incide nesse objeto” (LEN- CASTRE; CHAVES, 2007, p. 1167). A cor faz parte de uma de nossas experiências sensoriais e carrega, ao longo da história, diversos signi- ficados simbólicos. Além disso, a sua mistura e composição no plano da representação é um elemento informativo importante e de grande valor para o visual. A forma é construída pela linha. Ela é importante também porque não diz respeito apenas ao formato do objeto, mas as suas características, Constituição da linguagem visual por meio da semiótica8 C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 8 19/06/2018 15:45:21 as quais podem variam conforme a posição em que ele está e a posição em que o sujeito assume ao contemplar esse mesmo objeto. O tom se refere à claridade ou obscuridade da coisa. Dito de outro modo, o tom diz respeito à variação de luz, uma vez que ela não se propaga e irradia do mesmo jeito em um mesmo espaço e diante de um mesmo objeto. Esse elemento é bastante usado para criar uma ilusão do “real”. A primeira publicação sobre a dita “cegueira de cor”, a qual tornou-se posteriormente conhecida pelo termo daltonismo, foi resultado da contribuição do cientista britânico, pioneiro no desenvolvimento da teoria atômica moderna, John Dalton (1766-1844). Membro da Sociedade Filosófica e Literária de Manchester (Manchester Literary and Philosophical Society), Dalton publicou o seu artigo a partir da descrição dessa condição descoberta na sua visão e na do seu irmão. Essa condição se caracteriza pela impossi- bilidade de diferenciar de uma a mais de três cores, tais como vermelho, verde e azul. A descoberta do daltonismo foi considerada a sua primeira contribuição à sociedade. Fonte: Adaptado de Ross (2018) e Colour Blindness (2018). Os elementos dinâmicos Os elementos dinâmicos possuem, assim como os morfológicos, uma natureza espacial. De maneira geral, são mais perceptíveis no tocante às imagens em movimento, contudo eles podem ser explorados de maneira diversa nas imagens fi xas. Desse modo, se caracterizam como dinâmicos o movimento, a tensão, o ritmo e a direção. Cada um desses é abordado aqui de forma breve a partir também do que expõem Vilafañe (1985 apud LENCASTRE; CHAVES, 2007) e Dondis (1999 [1973] apud LENCASTRE; CHAVES, 2007). O movimento corresponde a um dos elementos que auxilia na criação da dinâmica de uma imagem. No caso de imagens fixas, a ilusão de movimento pode ser criada a partir de um efeito de arrastamento de todos os objetos presentes no plano da imagem; e da perspectiva de panorâmica que se dá quando, ao se enfocar em um objeto que está em movimento, coloca-se os outros objetos numa perspectiva de arrastamento. A tensão é também um elemento dinâmico, uma vez que, mesmo nas imagens fixas ou estáticas, esta pode ser obtida por meio do jogo das 9Constituição da linguagem visual por meio da semiótica C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 9 19/06/2018 15:45:22 proporções, da orientação do objeto/do plano, do contraste de cores, da construção da profundidade etc. O ritmo é também um elemento dinâmico porque deriva da percepção sobre a composição da estrutura e a repetição de elementos contida na imagem. A direção, que pode ser horizontal, vertical, diagonal, curvilínea, oblíqua etc., é um elemento importante que produz muito sentido no discurso visual: uma imagem que apresenta uma direção horizontal e vertical, por exemplo, pode construir e remeter noções de estabilidade e equilíbrio (referência primária do homem). No caso de uma direção diagonal, a imagem pode fazer referência à noção de instabilidade. Já as direções curvas remetem em geral à repetição. Os elementos escalares Os elementos escalares dizem respeito ao aspecto quantitativo e à natureza relacional da imagem. Desse modo, se caracterizam como escalares a escala, a proporção, o formato e a dimensão. Cada um desses é abordado aqui de forma breve ainda a partir do que expõem Vilafañe (1985 apud LENCASTRE; CHAVES, 2007) e Dondis (1999 [1973] apud LENCASTRE; CHAVES, 2007). A escala constrói uma relação entre os objetos da imagem e o dito “real”. Esse elemento nos permite ampliar ou reduzir um objeto sem alterar as suas propriedades estruturais. Assim, por meio da escala se estabelece uma relação entre o tamanho da imagem e o seu objeto referenciado no “real” (por exemplo, as plantas de um prédio elaboradas por um arquiteto). A proporção constrói uma relação entre as partes e o seu “todo”. A função mais importante desse elemento é construir ritmo na imagem fixa, pois ela “é a expressão da ordem interna da composição” (LEN- CASTRE; CHAVES, 2007, p. 1169). O formato constrói uma relaçãoentre o vertical e o horizontal. Dito de outro modo, esse elemento se relaciona à proporção entre os lados da imagem. Falamos em vertical e horizontal aqui, tendo em vista que esses são os mais utilizados, embora existam outros tipos de formatos (redondo, triangular etc.). A dimensão constrói uma relação entre o tamanho a ser representado e a legibilidade a ser construída (ou não) da imagem. No tocante a imagens Constituição da linguagem visual por meio da semiótica10 C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 10 19/06/2018 15:45:22 bidimensionais, a dimensão depende da ilusão. Isso significa dizer que a dimensão do objeto pode nos oferecer pistas da profundidade, uma vez que o objeto que está mais perto do nosso olho parece ser maior que aquele que está mais longe. O contexto social e verbo-visual Além dos elementos citados anteriormente, os quais são importantes como pontos de partida para interpretar a composição e a especifi cidade da lin- guagem visual, é importante fazermos referência ao contexto. Para tal, é preciso partir e alargar a refl exão oferecida pela semiótica e dialogar com a refl exão fi losófi ca de Bakhtin (2003 [1952-1953]) sobre a importância do contexto na interpretação de qualquer discurso, seja ele verbal, visual e/ou verbo-visual. Nos estudos semióticos, parte-se da ideia básica de que não há signo sem contexto. Dito de outro modo, a existência de um signo já aponta para um contexto específico. Este se relaciona a um determinado grupo social. Assim, qualquer representação sígnica é marcada por uma cultura e um processo histórico e social. Por meio das reflexões trazidas por Bakhtin (2003 [1952- 1953]), podemos estudar tanto a linguagem verbal como a visual como dis- cursos, ou seja, assim como o verbal, o visual produz sentidos que não estão postos ou já-dados em uma imagem, mas são construídos no momento em que estabelecemos contato com ela. Esses sentidos variam de acordo com o momento do observador e conforme as experiências e expectativas que estabelece com o visual. Afora o contexto social, é relevante ainda mencionar que há imagens que constituem o próprio contexto do visual. Santaella e Nöth (1997) trazem uma interessante reflexão a esse respeito. Para esses estudiosos da semiótica, as imagens também funcionam como contextos que determinam a interpretação de uma imagem específica. A relação estabelecida pode ser de contiguidade (por exemplo, fotos de jornal) ou de sequência (por exemplo, as imagens em um filme). Em relação à contiguidade, Thibault-Laulan (1971 apud SANTA- ELLA; NÖTH, 1997) indica que podemos encontrar efeitos semânticos de atribuição (por exemplo, quando imagens são dispostas uma ao lado da outra) e de implicação (por exemplo, quando imagens são organizadas em ordem cronológica). Isso nos leva a refletir sobre o seguinte: o contexto da imagem pode ser verbal, mas não precisa ser. 11Constituição da linguagem visual por meio da semiótica C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 11 19/06/2018 15:45:22 As linguagens visuais da esfera midiática Como sabemos, não existe apenas um único tipo de linguagem visual. Embora interajamos cotidianamente mais com a fotografi a e a TV, há numerosos tipos de linguagens visuais, tais como: o desenho, a pintura, a escultura, entre muitas outras. A esse respeito, é importante destacar que foi a partir do desenvolvimento da linguagem visual fotográfi ca e de vídeo que o campo de estudos da imagem se expandiu. Além disso, o desenvolvimento da tecnologia digital também ampliou as possibilidades de analisar a imagem, não só no que diz respeito à fotografi a e ao vídeo (tecnologia) digital, linguagens que estão cada vez mais presentes nas nossas vidas; esse campo se expandiu também em virtude dos impactos que têm provocado na sociedade. Atualmente são tantas as possibilidades de explorar o visual que é comum, ao assistirmos a uma exposição de arte no MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo), por exemplo, nos depararmos com o uso de diversos recursos visuais digitais como constituintes importantes para aquela exposição. Qual seja o tipo de linguagem visual, todas são de interesse comum do campo da semiótica. Assim, vários trabalhos sobre a imagem nas áreas de publicidade, jorna- lismo, cinema e TV foram e têm sido feitos a partir do olhar da semiótica. Sobre tais estudos, faz-se necessário três ressalvas. Primeiro, que podem ter fins e resultados os mais diversos, uma vez que a análise de uma mesma fotografia publicada na capa de um jornal e de uma revista impressa produzirão efeitos de sentido diferentes, seja em função do suporte (que não é o mesmo), seja em função do público-alvo e dos objetivos a serem atingidos. A segunda diz respeito ao seguinte: quando falamos em linguagens visuais produzidas e veiculadas pela esfera midiática, não estamos apenas nos referindo às expres- sões visuais trazidas pelo meio televisivo ou produzidas a partir do conteúdo publicitário. Conforme Joly (2007 [1994]) discute, imagem não é igual à televisão ou publicidade. Precisamos, portanto, ir contra esse amálgama. Realizar um amálgama entre essas formas de expressão visuais traz dificul- dades também para uma interpretação do próprio signo imagístico. A terceira, também trazida por meio do olhar teórico de Joly (2007 [1994]), refere-se à confusão entre imagem fixa e imagem animada; muitos compreendem que a imagem da atualidade é a imagem midiática apenas e que, além disso, essa imagem midiática é principalmente a TV e/ou o vídeo. Contudo, esse tipo de afirmativa não deve ter espaço numa leitura crítica da mídia e da imagem de maneira geral; pois nos próprios meios de comunicação circulam variadas formas de construção visual, tais como a pintura, a gravura, o desenho e a própria fotografia (Figura 2). Constituição da linguagem visual por meio da semiótica12 C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 12 19/06/2018 15:45:22 Figura 2. A linguagem visual do vídeo da câmera digital abre novas possibilidades de estudo para o campo da semiótica, uma vez que produz novas formas do sujeito interagir com o conteúdo gravado e veiculado instantaneamente. Este ainda servirá com fins de conteúdo jornalístico, de divulgação do produto em redes sociais etc. Fonte: rzoze19/Shutterstock.com. Há ainda outras linguagens ou formas de expressão visuais que podem circular, e muitas vezes circulam, pela esfera midiática: é o caso do teatro, em que os atores representam personagens por meio da atuação, das vestimentas, da performance, do tom da voz e/ou da postura do corpo. É preciso lembrar que as novelas televisivas sofreram influência do teatro. Também é o caso da moda, uma vez que as roupas que escolhemos para usar são elementos que nos ajudam na constituição da nossa identidade e imagem. A moda, inclusive, já foi estudada por Roland Barthes (1915-1980) em sua famosa obra Sistema da Moda, datada de 1967. Por meio da linguística semiológica de Ferdinand de Saussure (1857-1913), Barthes descreve a linguagem da moda. Nessa linha, talvez possamos citar ainda o visagismo como uma forma de linguagem visual individualizada que vem surgindo e torna-se uma forte tendência na atualidade. Essa linguagem visual se caracteriza como uma forma de construir a imagem visual de cada sujeito a partir de técnicas que explorem o potencial de beleza de cada um. Então, assim como a moda, a valorização e construção de uma imagem personalizada de cada sujeito vem crescendo e circulando nas mídias sociais. Além disso, nos meios de comunicação que se dedicam à cobertura jornalís- tica, nos deparamos com uma forte presença da linguagem visual fotográfica, 13Constituição da linguagem visual por meio da semiótica C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 13 19/06/2018 15:45:22 no caso do impresso, e/ou de vídeo, no caso do jornalismo televisivo. Um mesmo assunto, pautado como notícia no veículo impresso e televisivo, nunca é o mesmo:as imagens utilizadas na sua cobertura vão construir sentidos diferentes, tendo em vista que a própria composição visual – afora o objetivo que pode variar de veículo impresso para veículo impresso – é diversa. No tocante à publicidade, que é um conteúdo e não um suporte (JOLY, 2007 [1994]), já que pode estar vinculada à TV, ao rádio, aos meios impressos, aos suportes digitais (por exemplo, blogs e redes sociais), a imagem é sua linguagem e meio de expressão fundamental. O conteúdo visual elaborado pela publicidade é, inclusive, objeto de grande interesse da semiótica, uma vez que, por se ligar à engrenagem econômica do capitalismo, é explorado por meio de numerosas estratégias para alcançar os seus objetivos, que são convencer os consumidores a adquirir o produto e/ou serviço. 1. A respeito da discussão da noção de imagem, marque a alternativa que corretamente a define pelo olhar da semiótica: a) A imagem se caracteriza fundamentalmente como mímesis. b) A imagem se caracteriza fundamentalmente como plasticidade. c) A imagem se caracteriza fundamentalmente como signo. d) A imagem se caracteriza fundamentalmente como semelhança. e) A imagem se caracteriza fundamentalmente como simbolismo. 2. Acerca dos elementos morfológicos, dinâmicos e escalares que podem constituir a linguagem visual, marque a alternativa correta a seguir. a) Os elementos morfológicos dizem respeito à natureza espacial da imagem. b) Dentre os elementos dinâmicos, encontramos o ponto e a linha. c) Os elementos escalares incluem a noção movimento da imagem. d) Dentre os elementos morfológicos, encontramos o movimento e a tensão. e) Os elementos escalares dizem respeito ao aspecto espacial da imagem. 3. Quais são os dois elementos principais que guiam a constituição da linguagem visual da imagem de um projeto arquitetônico? Fonte: Hitdelight/Shutterstock.com. Constituição da linguagem visual por meio da semiótica14 C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 14 19/06/2018 15:45:23 a) Cor e ponto. b) Ponto e textura. c) Textura e movimento. d) Movimento e proporção. e) Proporção e escala. 4. Qual alternativa traz o(s) contexto(s) necessário(s) para a análise da imagem a seguir? Fonte: rudall30/Shutterstock.com. a) Contexto verbal. b) Contexto verbo-visual. c) Contexto visual. d) Contexto social e visual. e) Contexto social e verbal. 5. Sobre as várias linguagens visuais geradas e em circulação pela mídia, marque a alternativa correta. a) O termo imagem significa o mesmo que imagem televisiva e publicitária. b) O desenvolvimento da tecnologia digital reduziu as possibilidades de estudo da imagem. c) A imagem veiculada na revista e na TV produz os mesmos sentidos. d) A imagem da atualidade diz respeito à imagem animada midiática. e) A pintura e a fotografia são linguagens visuais encontradas na mídia. BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1952-1953]. p. 261-306. BARTHES, R. A retórica da imagem. In: BARTHES, R. O óbvio e o obtuso: ensaios sobre fotografia, cinema, teatro e música. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. p. 27-43. JOLY, M. Introdução à análise da imagem. Lisboa: Ed. 70, 2007 [1994]. LENCASTRE, J. A.; CHAVES, J. H. A imagem como linguagem. In: BARCA, A. et al. (Ed.). Libro de Actas do Congreso Internacional Galego-Portugués de Psicopedagoxía. Coruña: Universidade da Coruña, 2007. p. 1162-1173. Disponível em: <http://repositorium.sdum. uminho.pt/bitstream/1822/26093/1/Lencastre_A_imagem_como_linguagem_Ga- laico2007.pdf>. Acesso em: 08 jun. 2017. PLATÃO. A República. 2018. [375/381 a.C.]. Disponível em: <http://www.eniopadilha. com.br/documentos/Platao_A_Republica.pdf>. Acesso em: 08 jun. 2018. SANTAELLA, L.; NÖTH, W. Imagem: cognição, semiótica, mídia. São Paulo: Iluminuras, 1997. 15Constituição da linguagem visual por meio da semiótica C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 15 19/06/2018 15:45:24 http://repositorium.sdum/ http://uminho.pt/bitstream/1822/26093/1/Lencastre_A_imagem_como_linguagem_Ga- http://www.eniopadilha/ http://com.br/documentos/Platao_A_Republica.pdf Leituras recomendadas BARTHES, R. O sistema da moda. Lisboa: Ed. 70, 1999. COLOUR BLINDNESS. Encyclopedia Britannica, 2018. Disponível em: <https://www. britannica.com/science/color-blindness>. Acesso em: 08 jun. 2018. DONDIS, D. A. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes Editora, 2015. ROSS, S. John Dalton: British Scientist. Encyclopedia Britannica, 2018. Disponível em: <https://www.britannica.com/biography/John-Dalton#ref214262>. Acesso em: 08 jun. 2018. Constituição da linguagem visual por meio da semiótica16 C07_SEMIOTICA_Constituicao_linguagem_visual.indd 16 19/06/2018 15:45:24 http://britannica.com/science/color-blindness https://www.britannica.com/biography/John-Dalton#ref214262 Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo:
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