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Sumário 1 Introdução ao CONHECIMENTO CIENTÍFICO DA COMUNICAÇÃO ............................................. 2 1.1 O que é teoria? .................................................................................................................... 2 1.2 Conceitos de comunicação e informação ........................................................................... 2 1.3 Comunicação e ciência ........................................................................................................ 4 1.4 Paradigmas, teorias e modelos ........................................................................................... 5 2 SEMIÓTICA ................................................................................................................................ 10 2.1 A semiótica de Charles Sanders Peirce ............................................................................. 10 2.2 Outras fontes e caminhos ................................................................................................. 15 2.2.1 As fontes soviéticas .................................................................................................... 15 2.2.1 A matriz de Saussure .................................................................................................. 15 3 TEORIA MATEMÁTICA DA COMUNICAÇÃO .............................................................................. 17 3.1 Modelo de Shannon e Weaver .......................................................................................... 18 3.2 Conceitos adotados pela teoria......................................................................................... 19 3.3 Crítica ao modelo informacional ....................................................................................... 21 4 A ESCOLA DE CHICAGO E A PESQUISA NORTE-AMERICANA .................................................... 23 4.1 A teoria da agulha hipodérmica ou teoria da bala mágica ............................................... 24 4.2 O paradigma funcionalista da Comunicação ..................................................................... 25 4.3 O modelo de Harold Lasswell ............................................................................................ 27 4.4 A Teoria da Persuasão ou os estudos empírico-experimentais ........................................ 29 4.5 A Teoria dos Efeitos Limitados e o modelo do two-step flow .......................................... 31 4.6 A corrente dos Usos e Gratificações ................................................................................. 33 5 TEORIA CRÍTICA E A INDÚSTRIA CULTURAL ............................................................................. 35 5.1 Gênese da Teoria Crítica ................................................................................................... 35 5.2 Indústria Cultural ............................................................................................................... 37 6 O CENTRO DE BIRMINGHAM E OS ESTUDOS CULTURAIS ........................................................ 42 6.1 Principais teóricos do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos (CCCS) ................. 43 6.2 Narrativa histórica sobre os interesses de estudo: ........................................................... 44 6.3 Os estudos sobre os meios de comunicação .................................................................... 45 6.4 Traços fundamentais dos Estudos Culturais em divergência com o Funcionalismo e a Teoria Crítica: .......................................................................................................................... 46 7 MODELO TEÓRICO - CULTURAL EUROPEU OU TEORIA CULTUROLÓGICA ............................... 49 7.1 Edgar Morin e a cultura de massa ..................................................................................... 51 7.2 Umberto Eco: Apocalípticos e Integrados ......................................................................... 52 8 FOUCAULT: A ORDEM DO DISCURSO E O CONCEITO DE PANÓPTICO ..................................... 56 9 MARSHALL MCLUHAN E A ALDEIA GLOBAL ............................................................................. 63 9.1 A tese central .................................................................................................................... 64 9.1.1 Bases do pensamento de McLuhan: .......................................................................... 64 9.2 Meios Quentes e Meios Frios ............................................................................................ 66 9.3 Os estudos continuam... .................................................................................................... 67 Referências .................................................................................................................................. 69 2 1 Introdução ao CONHECIMENTO CIENTÍFICO DA COMUNICAÇÃO 1.1 O que é teoria? Reflexão mental sobre a realidade e se faz ligada à prática, portanto, formula problemas para o conhecimento e exige soluções. Quando analisamos a origem da palavra, na época de Aristóteles (384-322 a. C.), teorizar (acerca de alguma coisa) corresponde a retirar algo de sua realidade imediata, abstraindo-o, e proceder a um exercício de raciocínio logicamente orientado. THEORIA = ação de contemplar, admirar algo com o pensamento. Pela Theoria, o ser humano se aproxima de THEUS (Deus). Outros significados: contemplação atenta; admiração pelo pensamento; reflexão; forma de representação que se pretende situada acima da realidade sensível. A TEORIA SEMPRE ESTÁ ATRELADA À PRÁTICA E VICE E VERSA. TEORIA + PRÁTICA = PRÁXIS Constituída por um sistema, ordenado de enunciados ou ideias que resumem os fatos observados, unidos ao processo histórico concreto e que permite antecipar ou predizer seu desenvolvimento. Fenômenos da Comunicação são estudados valendo-se de outras áreas do conhecimento como a Antropologia, Sociologia, Psicologia, Linguística, Teoria Política. 1.2 Conceitos de comunicação e informação A palavra comunicação é derivada do termo em latim communicare que significa tornar comum ou associar, partilhar, trocar opiniões. Assim, como define Vilalba (2006, p.5-6) comunicação é a “ação social de tornar comum”. O sentido é essencial para tornar ou não essa ação comum, ou seja, informando ou desinformando. Segundo o autor, o sentido é uma resposta mental a um estímulo percebido pelo corpo e que, na mente, torna-se informação. Por sua vez, essa informação, aplicada de maneira eficaz, transforma-se em conhecimento. Tudo isso acontece por meio do processo de comunicação, em que o sentido é formado, apresentado e negociado. Comunicação significa todos os processos de transação, de troca, entre os indivíduos, a interação do indivíduo com a natureza, do indivíduo com as instituições sociais e ainda o relacionamento que o indivíduo estabelece consigo mesmo. Pela comunicação, o sujeito se faz pessoa, indo do singular ao plural. Existem vários sentidos 3 e usos do termo e existem inúmeras acepções. Abrangem domínios extremamente diversificados que compreendem atos discursivos como silêncios, gestos e comportamentos, olhares e posturas, ações e omissões. A comunicação não é um processo mecânico, mas é a expressão de todo um complexo histórico e sociocultural. O sentido da comunicação implica em romper isolamentos e a ideia de realizar algo em comum. O estabelecimento de relações acaba provocando o compartilhar de consciências que buscam uma ação em comum, intercâmbio de ideias ou até a discussão entre diferentes pontos de vista sobre um determinado objeto. Agora, classificar uma comunicação de informação exige outra análise porque se pode comunicar sem informar. Martino (2007, p. 17) define que informação é uma comunicação que pode ser ativada a qualquer momento,desde que outra consciência (ou aquela mesma que codificou a mensagem) venha resgatar, quer dizer ler, ouvir, assistir... enfim decodificar ou interpretar aqueles traços materiais de forma a reconstituir a mensagem. Em outras palavras, a informação é o rastro que uma consciência deixa sobre um suporte material de modo que outra consciência pode resgatar, recuperar, então simular, o estado em que se encontrava a primeira consciência. O termo informação se refere à parte propriamente material, ou melhor, se refere à organização dos traços materiais por uma consciência, enquanto que o termo comunicação exprime a totalidade do processo que coloca em relação duas (ou mais) consciências. Em seu sentido etimológico, “informar” significa dar forma a. A partir dessa afirmação pode-se dizer que a comunicação pode existir, mas a informação ocorre quando quem recebe a mensagem consegue absorver o sentido. Uma página de um livro é informação para um ser humano, mas não para um cão. Por outro lado, a mesma página de um livro também pode ser totalmente sem sentido para um analfabeto, pois ele não consegue absorver o conteúdo da mensagem. As nuances entre informação e comunicação são delicadas, pois o que pode ser valioso para uns, é completamente sem importância ou sentido para todos. 4 1.3 Comunicação e ciência O que é ciência? No seu sentido mais amplo, ciência (do latim scientia, significando "conhecimento") refere-se a qualquer conhecimento (ou prática) sistemático. Num sentido mais restrito, ciência refere-se a um sistema de adquirir conhecimento baseado no método científico, assim como ao corpo organizado de conhecimento conseguido através de tal pesquisa. Os parâmetros que definem a comunicação como um campo da ciência são os seguintes: • Qual o objeto de estudo de Comunicação? • Quais métodos e técnicas são utilizados? • Quais pressupostos teóricos possui? Podemos identificar, em linhas gerais, pelo menos dois objetos de estudo da comunicação. São eles: 1) Meios de comunicação ou mídia: refere-se ao estudo da comunicação realizada ou mediada pelos meios tradicionais e pelas novas tecnologias, considerando a repercussão desses meios, os impactos decorrentes de seu surgimento e desenvolvimento, por exemplo. 2) Processo comunicativo: implica em analisar os processos de produção e circulação de informações, considerando as dimensões psicobiológicas, social, e do mundo físico, inclusive os processos produção e interpretação de sentidos, relativos ao simbólico e a linguagem. O CAMPO DA COMUNICAÇÃO É INTERDISCIPLINAR! Os primeiros estudos acerca da comunicação foram realizados por estudiosos de diferentes áreas como cientistas políticos, sociólogos, psicólogos etc. Sendo assim, as práticas comunicativas transformaram em objeto de estudo de diferentes ciências. Sua natureza interdisciplinar possibilita a análise do fenômeno da comunicação por diferentes campos do conhecimento sob diferentes perspectivas. 5 1.4 Paradigmas, teorias e modelos O paradigma é uma noção central de toda a reflexão que tome a Comunicação com objeto. O termo, na filosofia grega antiga, significava o ato ou o fato de “fazer-se aparecer” ou “ representar-se de maneira exemplar”. Paradigmas podem ser definidos como “quadros de referência”. Paradigma supõe “ordenação”, “série organizada de apontamentos” ou “conjunto de formulações genéricas”. Em plano filosófico, um paradigma serve à “afirmação de uma identidade”. A função positiva do paradigma é não renegar diferenças possíveis dessas identidades. Porém, sua função negativa surge quando se deixa traduzir como “um conjunto de normas que, pela interposição ativa de teorias, ensejam a elaboração de modelos”. Adotar um paradigma significará firmar um ponto de vista, não somente porque assim se “vê de perto”, mas também porque se determina o modo pelo qual se vai exercer um olhar. Todo paradigma serve à introdução de certezas e convicções que autorizam a formulação de perguntas. Figura 1 Figura 2 Um paradigma muda quando ocorrem, por exemplo, as chamadas revoluções científicas. As revoluções acontecem quando determinadas crenças e convicções, até então aceitas como verdades, sofram abalos e venham a desmoronar. Entre os exemplos clássicos dessas mudanças de paradigmas científicos figura o sistema do astrônomo Cláudio Ptolomeu (100-170 d.C.) (Figura 1). Suas teorias e explicações astronômicas, que afirmam a imobilidade da Terra e sua posição no centro do universo (Figura 2), dominaram o pensamento científico até o século XVI. 6 Outro sistema, a nova astronomia de Nicolau Copérnico (1473-1543) (Figura 3), as revogou, demonstrando que o Sol ocupava o centro do universo; a Terra, em movimento de rotação, girava em torno dele (Figura 4). Figura 3 Figura 4 Os paradigmas mudam. Em resumo, um paradigma consiste em uma mistura de pressupostos filosóficos, de modelos teóricos, de conceitos-chave e de prestigiosos resultados de pesquisa – isso tudo passando a constituir um universo de pensamento familiar a pesquisadores, em dado instante do desenvolvimento de uma disciplina científica. A partir do entendimento do conceito de paradigma, podemos fazer a relação entre PARADIGMA - TEORIA – MODELO. O paradigma serve como referência para um fazer científico durante uma determinada época ou um período de tempo demarcado. A teoria é uma construção intelectual, o modo de apresentação do saber. Ou seja: como descrição e explicação de fatos e fenômenos previstos por um paradigma e selecionado por uma teoria, o modelo retém aspectos e relações tidos como mais importantes para a referida teoria. Todo modelo acarreta uma simplificação dos fatos e fenômenos teoricamente existentes e que podem ser observados. A partir do entendimento dessa relação, começam os estudos dos paradigmas da comunicação e seus modelos teóricos. Os modelos teóricos da comunicação são: 7 1. Paradigma matemático – informacional Ideias principais: Uma teoria baseada em princípios matemáticos e estatísticos. Foi motivada pela formalização matemática do controle comportamental pela previsibilidade e o cálculo de seus sinais aparentes. A regulação automática da ação humana. Exemplos: - Modelo teórico-matemático da comunicação - Modelo de Berlo - Modelo de Schram 2 . Paradigma funcionalista-pragmático Ideias principais: Convicção de que os seres humanos obedeciam a “automatismos comportamentais”. Os meios de comunicação possuem um poder incontestável e absoluto. As cidades grandes anulavam as diferenças individuais. A sociedade deixa de se constituir por relações pessoais, de intimidade, de solidariedade comunitária para adquirir uma nova conformação, definida por relações impessoais, anônimas e portadoras de uma solidariedade de conveniência (mecanicamente oferecida). Exemplos: - Modelo da Agulha Hipodérmica - Modelo de Laswell - Modelo de Lazarfeld - Modelo de Klapper - Modelo de usos e satisfações OBSERVAÇÕES! 8 ✓ O funcionalismo supõe que o desenvolvimento dos meios de comunicação corresponda a novas necessidades sociais. ✓ Os meios devem proporcionar satisfações a expectativas de um público – parte da população total que se acha exposta à ação dos referidos meios. ✓ Pragmatismo – corrente de ideias que prega a validade de uma doutrina que adota como critério de verdade a utilidade prática. Senso prático. ✓ Pragmático – voltado para objetivos práticos, realista, objetivo. 3. Paradigma conceitual ou crítico-radical Ideias principais: Os meios de comunicação seriam veículos propagadores de ideologias próprias às classes dominantes, impondo-as às classes populares pela persuasão ou pelapura e simples manipulação. Exemplo: - Escola de Frankfurt 4. Paradigma conflitual-dialético Ideias principais: Os meios de comunicação não podem ser considerados variáveis independentes do desenvolvimento tecnológico e da evolução histórica da acumulação capitalista. Correspondem a uma necessidade peculiar ao capital no processo de legitimação de seus princípios afirmativos. A resolução de conflitos faz surgir o novo. A transmissão da informação “massificada” persegue objetivos comerciais e financeiros; acessoriamente ela se pretende “transcultural” e “multinacional”, isto é, “mundializada”. Daí sua funcionalidade. Exemplos: - Modelo da proposição marxista - Modelo da dependência 9 - Modelo neo-marxista 5. Paradigma culturológico Ideias principais: Da mais importância às produções da “indústria da cultura” como filmes, seções de jornais, revistas especializadas, histórias em quadrinhos, ficção de TV. Em comum, os teóricos tinham o entusiasmo, a ausência de atitudes preconceituosas ou elitistas e o espírito aberto em relação à “indústria da cultura”. Correlacionam notícia e fait divers (notícias de variedades) e as considera como duas vertentes da “cultura massiva”. Edgar Morin, um dos principais teóricos desse paradigma, enxerga na “cultura massiva” uma intensa circulação de imagens, símbolos, ideologias e mitos, que dizem respeito tanto à vida prática quanto à vida imaginária. Exemplos: - Modelo teórico-cultural - Cultural Studies (Estudos Culturais) 6. Paradigma midiológico Ideias principais: Abordagem que entende que o desenvolvimento humano é totalmente ligado ou é uma consequência das ferramentas tecnológicas. Exemplos: - Modelo do meio como a mensagem - Modelo da midialogia francesa 10 2 SEMIÓTICA “O universo está em expansão. Onde mais poderia ele crescer senão na cabeça dos homens? ” Charles Sanders Peirce A Semiótica é a ciência dos signos. É a ciência geral de todas as linguagens. Em outras palavras, é a ciência que tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis. Tem por função classificar e descrever todos os tipos de signos logicamente possíveis. Ou seja: que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno de produção de significação e de sentido. Essa produção de sentidos faz parte da nossa existência no mundo como indivíduos sociais que somos. Nos comunicamos através da leitura e/ou produção de formas, volumes, massas, interações de forças, movimentos, imagens, gráficos, sinais, setas, números, luzes. Podemos ainda nos comunicar através de gestos, objetos, sons musicais, expressões, cheiro e tato. Mesmo com tanta diversidade, ainda somos, segundo Santaella (2002, p. 12), ligados “à crença de que as únicas formas de conhecimento, de saber e de interpretação do mundo são aquelas veiculadas pela língua, na sua manifestação como linguagem verbal, oral ou escrita”. No entanto, “grupos humanos constituídos sempre recorreram a modos de expressão, de manifestação de sentido e de comunicação sociais outros e diversos da linguagem verbal”. São desenhos, pinturas, esculturas, poética, cenografia. Diante de tantas possibilidades, o estudo da Semiótica busca divisar e desvendar a linguagem. A Semiótica nasceu a partir da necessidade de uma ciência capaz de criar dispositivos de indagação e instrumentos metodológicos aptos a desvendar o universo diversificado dos fenômenos de linguagem. 2.1 A semiótica de Charles Sanders Peirce Umas das fontes principais da ciência Semiótica é o trabalho do cientista- lógico- filósofo Charles Sanders Peirce (1839-1914) nos Estados Unidos. 11 A semiótica é uma das disciplinas que fazem parte da ampla arquitetura filosófica de Peirce. Essa arquitetura está alicerçada na Fenomenologia que, como base para qualquer ciência, observa os fenômenos e, através da análise, postula as formas ou propriedades universais desses fenômenos. Ou seja: a Fenomenologia investiga os modos como apreendemos qualquer coisa que aparece à nossa mente, qualquer coisa como um cheiro, uma formação de nuvens no céu, o ruído da chuva, uma imagem numa revista, etc., ou algo mais complexo como um conceito abstrato, a lembrança de um tempo vivido, enfim, tudo que se apresenta à mente. Peirce, a partir da observação de vários fenômenos, chega as suas categorias através da análise e do atento exame do modo como as coisas aparecem à consciência. Todo esse trabalho gerou as suas três categorias universais de toda a experiência e todo pensamento. É o chamado modelo da tríade. Todas as relações semióticas são triádicas. A leitura dos signos: Primeiridade A ideia original. O presente, o imediato. A primeira apreensão das coisas. Consciência aberta ao mundo. Primeiro contato (sentimento puro) o sabor do vinho, o amor, perfume das rosas, uma dor de cabeça; Secundidade Mundo real, reativo. Arena da existência cotidiana. Estamos vivos e reagindo em relação ao mundo. Existir é estar em uma relação com o mundo. Começa a compreender – dúvida – processo (conteúdo), elaboração de hipóteses. Ação e reação ainda em nível de binariedade pura, sem o governo da camada mediadora de intencionalidade, razão ou lei. Terceiridade Síntese intelectual. Confirmação (características individuais). Leitura elaborada. Difusão, crescimento e inteligência. O pensamento em signos. A mais simples ideia de terceiridade é aquela de um signo ou representação. Exemplo: - O azul simples e positivo. É um primeiro. - O céu, como lugar e tempo, aqui e agora, onde se encarna o azul. É um segundo. - A síntese intelectual, elaboração cognitiva – azul no céu, o azul do céu. É um terceiro. A tríade semiótica de Peirce: 12 Como já foi citado, as relações semióticas são triádicas, isto é, envolvem basicamente o signo, o objeto que o signo representa e o interpretante, segundo Peirce. Diante de qualquer fenômeno, isto é, para conhecer e compreender qualquer coisa, a consciência produz um signo. • O signo (ou representamen) pode ser considerado algo, um elemento de comunicação que representa alguma coisa para alguém. Faz parte da Primeiridade. • O objeto que o signo representa é algo que transmitirá uma mensagem a alguém (que pode ser um fato). Faz parte da Secundidade. • O interpretante é o receptor do signo (que pode ser a interpretação que alguém venha a fazer do fato; a ideia criada do signo na mente do observador). Mediador do pensamento. Faz parte da Terceiridade. Exemplos: UM E-MAIL: Escrevo um e-mail para um colega. O e–mail é um signo daquilo que desejo transmitir-lhe, que é o objeto do signo. O efeito que a mensagem produz em meu colega é o interpretante do e-mail que, ao fim, é um mediador entre aquilo que desejo transmitir a meu colega e o efeito que esse desejo nele produz através do e-mail. 13 UM COMERCIAL DE CARRO: O carro é um signo do produto, que vem a ser o objeto desse signo, isto é, do comercial na TV. O impacto ou não que a publicidade despertar no público é o interpretante da publicidade. UM FILME: O enredo é originário de um romance, assim o filme é um signo desse romance, que é, portanto, o objeto do signo, cujo interpretante será o efeito que o filme produzirá em seus espectadores. As tricotomias ou a classificação dos signos: As classificações podem nos ajudar na leitura de todo e qualquer processo sígnico. As tricotomias de Peirce mais conhecidas e divulgadas são as listadas abaixo. Tomando- se a relação do signo consigo mesmo, a relação do signo com seu objeto e a relação do signo com seu interpretante. Novamente aqui podemos observar o sistema de tríade: Relação do signo consigo mesmo: • Quali-signo - (Qualidade) - uma qualidade que é um signo. Ex. cor, uma cor pura sem considerarseu contexto. Segundo Santaella... “ Quantos artistas não fizeram obras para nos embriagar apenas com uma cor? ” “Por que uma simples cor pode funcionar como signo? “ “ Ora, uma simples cor, como o azul claro, produz uma cadeia associativa que nos faz lembrar o lembrar o céu, mar, roupa de bebê, etc. Por isso mesmo, a mera cor não é o céu, não é roupa de bebê, mas lembra, sugere isso. ” • Sin-signo - (Singularidade) uma coisa ou um evento existente tomado como signo. Ex. cata-vento, um diagrama de alguma coisa em particular. 14 • Legi-signo - (Lei) é uma convenção ou lei estabelecida pelos homens. Ex. as letras do alfabeto, as palavras, signos matemáticos, químicos. Relação signo e objeto: • Ícone - segundo Pierce, é aquele signo que, na relação signo-objeto, indica uma qualidade ou propriedade de um objeto por possuir certos traços (pelo menos um) em comum com o referido objeto. São ícones os quadros, desenhos, estruturas, modelos, metáforas e comparações, figuras lógicas e poéticas etc. Os ícones comunicam de forma imediata porque são imediatamente percebidos. Signo possui analogia com seus referentes. Ex: foto, desenho de alguém ou de alguma coisa. • Índices - são aqueles signos nos quais a relação signo-objeto S (O) é uma relação direta, casual e real com seu objeto, como, por exemplo, o ponteiro de um relógio. É um signo que se refere a um determinado objeto em razão de ser afetado por ele. O mesmo que indício de alguma coisa ou acontecimento. Ex: fumaça, indício de fogo; terra molhada, indício de que choveu; pegadas, indício de que tal animal passou. • Símbolo - É aquele signo onde a relação signo-objeto S (O) designa seu objeto independente da semelhança (caso no qual é ícone) ou das relações causais com o objeto (caso no qual é índice). É um signo arbitrário, cuja ligação com o objeto é definida por uma lei convencionada. Deste modo, ele é um legi-signo, de vez que atua como um tipo ou uma lei geral. Um signo da linguagem verbal, sua relação com o referente pode ser arbitrária. Ex: palavra, cruz, sinal de trânsito, placas de trânsito. Relação signo e interpretante: • Rema: para seu interpretante, é um signo de possibilidades, de meras hipóteses que podem per provadas ou não. Ex: uma palavra qualquer é um rema, a palavra menino. • Dicente: é um signo de existência real, um evento, uma ocorrência, um fato. Ex: o menino está doente. 15 • Argumento: é um signo de uma lei, é a expressão de todo o sistema comportando regras. Traz um raciocínio completo, justificado, com caráter conclusivo. Nesse caso, temos o argumento. Ex: O menino está doente porque apresenta manchas vermelhas e temperatura alta. 2.2 Outras fontes e caminhos 2.2.1 As fontes soviéticas • No século XIX, o trabalho de A. N. Viesse-lovski, A. A. Potiebniá, na União Soviética caminhou para a descoberta do estruturalismo linguístico. • Teorias debatiam a ligação entre a fase de desenvolvimento da língua com os estágios de desenvolvimento da sociedade. • Estudos incluíam relações entre linguagem e os ritos antigos e entre linguagem de gestos e a língua articulada. • O cineasta Eisenstein, considerado um “artista intersemiótico” surgido na Rússia revolucionária e pós revolucionária, era preocupado com a origem dos sistemas de signos, na presença da literatura em suas reflexões sobre o cinema. A obra do cineasta mostrava as relações entre as artes com a ciência e a técnica. • Estudos científicos da Poética, Formalismo Russo, nasceram no Círculo Linguístico de Praga. • A partir dos anos 50, um número cada vez maior de pesquisadores desenvolve o trabalho a partir da perspectiva de Iuri Lotman (1922-1993), semioticista e historiador cultural, e procura responder questões sobre todos os sistemas de signos em ciências mais recentes como Cibernética e Teoria da Informação. 2.2.1 A matriz de Saussure • Esta fonte é baseada no Curso de Linguística Geral, proferido pelo linguista e filósofo suíço Ferdinand de Saussure (1857-1915), da Universidade de Genebra, na primeira década do século passado. O curso foi transformado em livro e 16 publicado a partir de anotações dos alunos de Saussure após sua morte. Saussure investigou a construção lógica da linguagem. • Saussure concebia o signo como uma combinação de significante (parte física da palavra – forma gráfica + som) e um significado (um conceito transmitido pelo significante), unidos por uma relação de arbitrariedade. Vejamos a charge a seguir.. • Observe que a mulher não sabe o significado de “recíproco”. O significante ficou sem sentido para ela. • Ponto coincidente entre o pensamento de Saussure e Peirce A convicção de que o pensamento e a comunicação se fundamentam no emprego de SIGNOS. 17 3 TEORIA MATEMÁTICA DA COMUNICAÇÃO A Teoria Matemática da Comunicação ou Teoria da Informação - como também é conhecida - é, na verdade, uma sistematização do processo comunicativo a partir de uma perspectiva puramente técnica, quantitativa. Foi elaborada, em 1949, por dois engenheiros matemáticos, Claude Shannon (1916-2001) e Warren Weaver (1894-1978), que trabalhavam para a Bell Telephone, nos Estados Unidos. Constitui um estudo de engenharia da comunicação que se caracterizava por sua extrema simplicidade e fácil compreensão. A comunicação, de acordo com a Teoria Matemática, é vista não como processo, mas como sistema com elementos que podem ser relacionados e montados num modelo. A proposta é de um modelo linear fixo, em que os elementos são encadeados e não podem se dispor de outra forma. O fenômeno comunicativo é cristalizado numa forma fixa. 18 3.1 Modelo de Shannon e Weaver O modelo de Shannon e Weaver tornou-se uma importante referência para toda a discussão dos processos de comunicação. A comunicação é representada como um sistema de transmissão de informações que pode ser esquematizado da seguinte maneira: • Uma fonte emissora de informação (o comunicador) seleciona uma mensagem a ser enviada a partir de um conjunto ou repertório de mensagens possíveis; • Dada mensagem, um transmissor ou emissor (um suporte técnico, mecânico) a codifica (converte em sinais), de acordo com as regras e combinação de um código determinado; • Assim convertidos, esses sinais são transmitidos por meio de um canal (meio pelo qual se passa o sinal da fonte para o destinatário) a um receptor (suporte técnico, mecânico). • O receptor capta os sinais, a mensagem é recuperada e decodificada pelo destinatário. Por exemplo, na telefonia: 19 • A fonte de informação é o cérebro da pessoa que fala (selecionando a mensagem desejada a partir de um conjunto de mensagens possíveis – repertório). • O transmissor converte a mensagem em ondas eletromagnéticas. • O sinal é uma corrente elétrica variável e o canal é um fio. • O receptor é o fone que recebe o sinal e o converte em mensagem inteligível para o destinatário, o cérebro da pessoa com quem se fala. 3.2 Conceitos adotados pela teoria Alguns conceitos correlatos adotados por esta teoria, bem como os elementos do processo são adequados a um sistema lógico de estudo puramente matemático e quantitativo: • Ruído: fatores que distorcem a qualidade de um sinal (sons perturbadores, mensagens que interferem em outras mensagens); se ampliarmos o sentido de ruído, podemos incluir todos os fatores que podem reduzir a efetividade da comunicação; quanto maior o ruído, menor é a fidelidade da comunicação; 20 • Fidelidade: a comunicação que atinge seu propósito inicial; a eliminação do ruído aumenta a fidelidade e a produção de ruído reduz a fidelidade. • O conceito de informação: ligado à incerteza, à probabilidade, ao grau de liberdade na escolha das mensagens;pode ser definido como todo sinal físico introduzido em um dado sistema e capaz de reduzir seu grau de entropia, caracterizando-se, portanto, pela sua novidade. Constitui informação todo conteúdo novo veiculado em um sistema por dada mensagem com o objetivo de manter seu funcionamento. • Entropia: medida da desordem ou da imprevisibilidade da informação; ganha sentido de desorganização de uma mensagem, a tendência dos elementos fugirem da ordem. O processo de informação visa conter tal tendência, conservar ou modificar o nível de organização deste sistema, evitando que o grau de entropia cresça e o leve ao princípio de dissolução. • Redundância: repetição utilizada para garantir o perfeito entendimento; toda vez que certos sinais forem repetidos com a finalidade de assegurar o processo de redução do grau de incerteza ou entropia de um sistema. Visa neutralizar os possíveis efeitos de uma fonte de ruído no canal. • Feedback: representa um mecanismo que permite à fonte controlar o modo como o receptor está recebendo as informações; é o mecanismo de realimentação do sistema. Para Shannon e Weaver, a problemática da comunicação pode ser analisada em três níveis (resolvendo-se o primeiro, soluciona-se o conjunto), respondendo a três questões: - Técnico: problema da transmissão das informações; capacidade de o canal conduzir as informações sem ruído. Qual a acuidade (capacidade de percepção) de uma transmissão de sinais? - Semântico: significado das informações. Qual o grau de nitidez com que os sinais transmitidos veiculam os significados desejados? - Pragmático ou Informativo-Comunicacional: capacidade de as informações modificarem o comportamento das pessoas. Qual a eficiência/eficácia dos significados 21 captados/assimilados no comportamento do receptor? E no que diz respeito à finalidade desejada e prevista pelo emissor/fonte da informação? 3.3 Crítica ao modelo informacional Muitas investigações acerca da comunicação humana e os estudos de mídia usaram o modelo da Teoria Matemática, mas ele entrou em crise por volta de 1970. Durante o processo de vigência do paradigma matemático, os processos de interação foram reduzidos à pura e simples transmissão de mensagens de um emissor para um receptor. Segundo Jean Baudrillard (apud RÜDIGUER, 2011, p.25), os fenômenos comunicativos foram reduzidos a uma construção formal e foram “excluídos de pronto a reciprocidade, o antagonismo entre os participantes ou a ambivalência de seu intercâmbio”. Os conceitos de comunicador foram coisificados, perdendo seu sentido humano, prático e social. Nesse contexto, o ponto de vista técnico foi superestimado e concedeu-se primazia aos veículos e canais de comunicação, esquecendo-se que a comunicação por hipótese, não pode ser mediada, constituindo também um processo de interação social. 22 RELEMBRANDO... 23 4 A ESCOLA DE CHICAGO E A PESQUISA NORTE-AMERICANA O que é normalmente conhecido como Teoria da Comunicação diz respeito a uma tradição de estudos e pesquisas que se inicia no começo do século XX. O que não significa que, até este momento específico, não se estudava a comunicação. Por exemplo, os estudos do filósofo grego Aristóteles sobre a retórica (estudo da argumentação, em tempos de ágora, debates e filósofos gregos) podem ser identificados como estudos sobre a comunicação. No entanto, os primeiros estudos sobre a comunicação de massa acontecem nos Estados Unidos, na década de 30, a partir de uma demanda pragmática, mais política do que científica - determinando uma problemática de estudos que não foi abordada pelo interesse científico. Nessa época, pesquisadores em torno da chamada Escola de Chicago priorizaram os estudos com enfoque microssociológico de processos comunicativos, tendo a cidade como local privilegiado de observação. Herbert Blummer (1900-1987), um dos membros da Escola de Chicago, a partir das ideias de George Herbert Mead (1863-1931) sobre psicologia social, inaugura o termo “interacionismo simbólico” (foco nos processos de interação social - que ocorrem entre indivíduos e grupos - mediados por relações simbólicas), dando início a um outro campo na área, com pressupostos teóricos próprios. As correntes de pensamento desses pesquisadores se desenvolveram de forma marginal nos Estados Unidos, constituindo campos de pesquisa restritos às áreas em que se originaram e com pouca influência no resto do mundo até os anos 60. Todas essas tradições de estudo só foram retomadas nesse período, quando então fizeram sentir sua influência sobre o conjunto de estudos em comunicação em todo o mundo. Isso porque, entre os anos 20 e 60, os estudos norte-americanos foram marcados pela hegemonia de um campo de estudos denominado Mass Communication Research. Essa tradição de estudos é composta por autores variados com modelos teóricos diversos e resultados distintos. Contratados por diversas instituições para resolver problemas imediatos relativos às questões comunicativas - daí o caráter instrumental desse tipo de pesquisa -, pesquisadores como Lasswell, Lazarsfeld, Lewin e Hovland deram início a esse campo de estudos ou a longa tradição de análise em comunicação. 24 Os primeiros estudos seguiram a questão dos efeitos, uma temática específica da pesquisa americana, essa corrente de preocupação congrega variados estudos de naturezas diferentes. O campo da Mass Communication Research pode ser dividido nos grupos a seguir. 4.1 A teoria da agulha hipodérmica ou teoria da bala mágica A Teoria Hipodérmica é um modelo que nasce a partir da primeira reação que a difusão dos meios de comunicação de massa despertou nos estudiosos. Ela se constrói, portanto, em relação à novidade que são os fenômenos da comunicação de massa, e às experiências totalitárias da época em que surge - o período entre guerras. A síntese dessa teoria é que cada indivíduo é diretamente atingido pela mensagem veiculada pelos meios de comunicação de massa, ou seja, existe uma concepção de onipotência dos meios, e de efeitos diretos. Sua preocupação básica é justamente com esses efeitos. Esse modelo apresentava a fonte emissora em extrema vantagem, relegando o receptor a uma condição de integral de passividade. Pensa-se em uma “massa” na qual os indivíduos não possuem rosto e na qual as individualidades se diluem. Há que se destacar a presença da teoria da sociedade de massa, e de uma teoria psicológica da ação, ligada ao objetivismo behaviorista. A presença de um conceito de sociedade de massa destaca o isolamento físico e normativo do indivíduo na massa e a ausência de relações interpessoais. Daí a atribuição de tanto destaque às capacidades manipuladoras dos mass media. A ação da teoria Hipodérmica está baseada na psicologia behaviorista que estuda o comportamento humano com métodos de experimentação e observação das ciências naturais e biológicas. O behaviorismo (do termo inglês behaviour ou do americano behavior, significando conduta, comportamento) entendia a ação humana como resposta a um estímulo externo. O resultado da utilização desse tipo de concepção é que a Teoria Hipodérmica considerava o comportamento em termos de estímulo e resposta, o que permitia estabelecer uma relação direta entre a exposição às mensagens e o comportamento: se uma pessoa é “apanhada” pela propaganda, ela pode ser controlada, manipulada, levada a agir. Em síntese, o modelo de estudo da comunicação predominante no período compreendido entre as duas guerras mundiais. Baseava-se na ideia de que se as mensagens conseguissem alcançar os indivíduos que constituem a massa, a persuasão é 25 facilmente inoculada. Esse modelo de entendimento considerava a mídia uma “seringa”, injetando informações, inoculando ideias, minando resistências e submetendo vontades à vontade.Atingido pela mensagem a comunicação (propaganda) obtém o êxito preestabelecido. O indivíduo pode ser controlado, manipulado e levado a agir. Uma das principais críticas ao modelo teórico é que dentro de sua concepção causa-efeito existe a negligência com as relações interpessoais, pois na medida em que se percebe que os efeitos não são diretos, a resposta ao estímulo se defronta com fatores psicológicos, quebrando a ideia de linearidade no processo. 4.2 O paradigma funcionalista da Comunicação Influenciados pelo positivismo (que chegou aos EUA no início do séc. XX) e pelo funcionalismo de Émile Durkheim (1858-1917), os pesquisadores norte-americanos explicam os mecanismos da sociedade da mesma forma que a biologia explica o funcionamento da vida. A comunicação ajudaria o habitante das cidades a sobreviver em uma situação de mudanças. Enquanto os modelos anteriores focavam, por exemplo, a mídia de massa e a propaganda, o Funcionalismo focou na comunicação normal (interpessoal, social) 26 A corrente funcionalista aborda hipóteses sobre as relações entre os indivíduos, a sociedade e os meios de comunicação de massa. A questão de fundo são as funções exercidas pela comunicação de massa na sociedade. O centro das preocupações deixa de ser o indivíduo para ser a sociedade, a partir de linha sócio-política. Já não é a dinâmica interna dos processos comunicativos que define o campo de interesse de uma teoria dos mass media, mas sim a dinâmica do sistema social. O funcionalismo supõe que o desenvolvimento dos meios de comunicação corresponda a novas necessidades sociais, sendo este o caso, a tais meios compete proporcionar satisfações a expectativas de um público – parte da população total que está exposta à ação dos referidos meios. Assim, a teoria sociológica de referência para estes estudos é o estrutural- funcionalismo, de Émile Durkheim. O sistema social na sua globalidade é entendido como um organismo cujas diferentes partes desempenham funções de integração e de manutenção do sistema. Analogia entre o social e o biológico: toma como estrutura o organismo do ser vivo, composto de partes, e no qual cada parte cumpre seu papel e gera o todo, torna esse todo funcional ou não. Cada parte ajuda a preservar o todo. Durkheim chama isso de solidariedade orgânica. Este conceito está intimamente ligado à perspectiva da divisão do trabalho na sociedade, para Durkheim. Neste sentido, a comunicação teria FUNÇÕES e DISFUNÇÕES relativas à sociedade (grupos, sistemas e culturas) e ao indivíduo: 1) Relativas à sociedade: - Vigilância (informativa, função de alarme): perante ameaças e perigos imprevistos, oferece a possibilidade de alertar os cidadãos; - Correlação das partes da sociedade (integração): fornece os instrumentos para se executar certas atividades cotidianas institucionalizadas na sociedade, como, por exemplo, as trocas econômicas. 2) Relativas ao indivíduo e no que diz respeito à «mera existência» dos meios de comunicação de massa, ou seja, independentemente da sua ordem institucional e organizativa, são indicadas três outras funções: - Atribuição de status (estabilizar e dar coesão à hierarquia da sociedade): atribuição de posição social e de prestígio às pessoas e aos grupos que são 27 objeto de atenção por parte dos mass media; estabelece-se um esquema circular de prestígio pelo qual “esta função, que consiste em atribuir uma posição social, entra na atividade social organizada, legitimando certas pessoas, grupos e tendências sociais que recebem”. - Transmissão da herança cultural (educativa) : o reforço do prestígio daqueles que se identificam com a necessidade, e o valor socialmente difundido, de serem cidadãos bem informados. - Execução de normas sociais (normatização): uma função de caráter ético. “ A informação dos meios de comunicação social reforça o controle social nas grandes sociedades urbanas onde o anonimato das cidades enfraqueceu os mecanismos de descoberta e de controle do comportamento desviante ligados ao contato informal cara a cara”. • Disfunção narcotizante: o público fica “dopado” com a quantidade de informações que lhe chega. • Disfunção do livre fluxo: o fato do fluxo informativo dos mass media circular livremente pode ameaçar a estrutura fundamental da própria sociedade. 4.3 O modelo de Harold Lasswell É a obra do cientista político e teórico da comunicação, Harold Lasswell (1902- 1978), Propaganda Techniques in the World War, publicada em 1927, que costuma ser identificada como o marco inicial da Mass Communication Research. No texto, ele analisou e estudou os efeitos da mídia nas motivações das duas primeiras guerras mundiais. O modelo de Lasswell segue a proposta de formalização do processo comunicativo. Aceita a ideia do estímulo, mas discorda que há resposta sem resistência. Como cientista político, propõe um paradigma para orientar o estudo científico de variados aspectos da comunicação de massa. Seu modelo, a partir de uma “questão-programa”, foi elaborado inicialmente em 1927 e proposto novamente no final dos anos 40 (1948). Para Lasswell, uma forma adequada para descrever um ato de comunicação é responder as seguintes questões: 28 Quem?; Diz o que?; A quem?; Através de que canal?; Com que efeitos?. Abaixo, segue o modelo e sua devida explicitação: Para Lasswell, o estudo científico da comunicação tende a concentrar-se em uma ou outra das interrogações: a) "quem": nesta fase estudam-se os fatores que iniciam e guiam o ato da comunicação. O estudo desse item implica numa análise de controle; b) "diz o que": implica na análise de conteúdo da mensagem; c) "em que canal": análise dos meios interpessoais ou de massa; d) "a quem": análise de audiência ou pessoas expostas ou atingidas por esse meio; e) "com que efeito": análise dos efeitos, ou seja, do impacto obtido pela mensagem sobre a audiência. Trata-se simultaneamente de uma sistematização orgânica do modelo da Teoria Hipodérmica, uma herança e uma evolução. Enquanto na Teoria Hipodérmica a resposta é dada sem oferecer resistência, para Lasswell, existe resistências de diversas formas por parte dos destinatários das mensagens. A fórmula de Lasswell possui uma estreita ligação com outro modelo comunicativo dominante na Mass Communication Research, o da Teoria Matemática ou Teoria da Informação. Os dois modelos se caracterizam pela unidirecionalidade, pela predefinição de papéis, pelo congelamento e simplificação do processo. Se, no caso da Teoria Matemática, a preocupação inicial era a eficácia do canal – cálculo da quantidade de informação, entropia, ruído -, na “questão-programa” de Lasswell, o centro do problema está nos efeitos provocados pelas mensagens (ou pelos meios de comunicação), e a ênfase sobre a técnica é menor. 29 4.4 A Teoria da Persuasão ou os estudos empírico-experimentais Os estudos empírico-experimentais debruçaram-se sobre os fenômenos psicológicos individuais que constituem a relação comunicativa, com o objetivo de perceber como ocorrem os processos de persuasão ocorridos a partir da ação dos meios. Para tanto, partiram da determinação das características psicológicas dos receptores. Entre os vários estudos, destacam-se as pesquisas do psicólogo e sociólogo Carl Iver Hovland (1912-1961), um dos pioneiros da perspectiva funcionalista junto com Paul Lazarsfeld e Harold Lasswell. Hovland era interessado pelos fenômenos de persuasão nos pequenos grupos, assim como os processos de informação das opiniões individuais. A ele se deve o sleeper effect (os efeitos de uma mensagem podem ser mais fortes ou mais fracos, na recepção e ao fim de algum tempo). Pesquisava a eficácia da propaganda junto a soldados americanos. Duas coordenadas orientam estes estudos: a características dos destinatários e organização das mensagenscom finalidades persuasivas. A primeira coordenada que orienta esse tipo de estudos se orienta em relação às características dos destinatários que interferem na obtenção dos efeitos pretendidos. A estrutura que orienta esses estudos é uma concepção tão mecanicista quanto à da Teoria Hipodérmica. A de que, entre a causa (ou estímulo) e o efeito (a reposta), existem processos biológicos intervenientes - ou seja, é a mesma concepção de causa-efeito, mas dentro de um quadro analítico um pouco mais complexo, porque considera as seguintes variáveis: o interesse em obter informação, a exposição seletiva provocada pelas atitudes já existentes, a interpretação seletiva e a memorização seletiva. Vejamos a seguir, cada uma detalhadamente: • O interesse em obter informação: isso significa que para existir sucesso numa campanha, é necessário que o próprio público queira saber mais sobre o assunto que está sendo transmitido. • A exposição seletiva provocada pelas atitudes já existentes: trata-se de saber escolher quais veículos de informação irão atingir o público-alvo com maior precisão. Exemplo: rádio? Televisão? Também serve para os produtores dos veículos descobrirem seus públicos e saber o que eles querem ver, ouvir ou ler. • A interpretação seletiva: os indivíduos não se expõem aos meios de comunicação num estado de nudez psicológica, pois são revestidos e protegidos por 30 predisposições existentes. Como exemplo, as crenças religiosas, ideologias liberais ou conservadoras, partidarismo, preconceitos, empatias com o emissor etc. • A memorização seletiva: o indivíduo tende a guardar somente aquilo que é mais significativo para ele em detrimento dos outros valores transmitidos, chamados aqui de secundários. Mas também pode ocorrer o efeito latente, onde a mensagem persuasiva não tem efeito algum no momento imediato em que é transmitido, mas com o passar do tempo, o argumento rejeitado pode passar a ser aceito. A segunda coordenada tem a ver com a organização das mensagens com finalidades persuasivas - ou seja, os fatores ligados às mensagens. Essa tendência de pesquisa, para desenvolver-se, utilizou das conclusões obtidas na primeira coordenada. As variáveis que se relacionam com as mensagens são: a credibilidade do comunicador, a ordem da argumentação, a integralidade das argumentações e a explicitação das conclusões. Abaixo, vamos analisar cada uma das variáveis: • A credibilidade do comunicador: estudos mostram que a mensagem atribuída a uma fonte confiável produz uma mudança de opinião significativamente maior do que aquela atribuída a uma fonte pouco confiável. Mas a pesquisa não descarta que, mesmo na fonte não confiável, pode ocorrer o efeito latente. • A ordem da argumentação: a maior força de um dos argumentos influencia a opinião numa mensagem com múltiplos pontos de vista. 1) Efeito primacy caso se verifique a maior eficácia dos argumentos iniciais. 2) Efeito recency, caso se verifique que os argumentos finais são mais influentes. • O caráter exaustivo das argumentações: tenta argumentar um assunto de forma exaustiva até esgotá-lo para convencer a opinião pública. • A explicitação das conclusões: o que é melhor? Deixar as intenções implícitas ou explícitas? Conforme esta perspectiva, o ideal é “mastigar” a informação para o público. 31 Sinteticamente: a teoria empírico-experimental ou da persuasão leva em consideração alguns fatores psicológicos dos receptores. Estes seriam uma “resistência” à mensagem enviada pelo emissor. Para quebrar esta resistência, seria necessária uma otimização da mensagem, utilizando-se do feedback obtido junto aos receptores. 4.5 A Teoria dos Efeitos Limitados e o modelo do two-step flow A abordagem empírica de campo ou “dos efeitos limitados” procurou estudar os fatores de mediação existentes entre os indivíduos e os meios de comunicação de massa. Essa corrente de estudos é composta de abordagens distintas: a) Na primeira, o principal representante é o psicólogo Kurt Lewin (1890-1947), interessado nas relações dos indivíduos dentro de grupos e seus processos de decisão, nos efeitos das pressões, normas e atribuições do grupo no comportamento e atitudes de seus membros. b) Outros estudos dessa corrente, de natureza mais sociológica, foram desenvolvidos por Paul Lazarsfeld (1901-1976). Pesquisador de enorme influência nos Estados Unidos, ele iniciou seus estudos preocupado com reações imediatas da audiência dos conteúdos da comunicação de massa. São pesquisas sobre a mediação social que caracteriza o consumo: a percepção de que a eficácia dos mass media só é susceptível de ser analisada no contexto 32 social em que funcionam. Foram realizados estudos sobre a composição diferenciada dos públicos e seus modelos de consumo da comunicação de massa. Entre as obras de Lazarsfeld, duas se destacam como decisivas na teorização norte-americana: The People’s Choice, de 1944, e Personal Influence: The Part Played by People in the Flow of Mass Communication, de 1955. O objeto de estudo dessa teoria era, como os demais, os mass media, mas, especificamente dentro dos processos gerados a partir de sua presença, aqueles relacionados aos processos de formação de opinião. Os resultados das pesquisas levaram a descoberta do “líder de opinião”, indivíduo que, no meio da malha social, influencia outros indivíduos na tomada de decisão. Essa ideia foi base para o desenvolvimento do modelo do two-step flow of communication – que entende a comunicação como um processo que se dá num fluxo em dois níveis: dos meios aos líderes e dos líderes às demais pessoas. Essa teoria, mais atenta à complexidade dos fenômenos, deixa de salientar a relação causal direta entre propaganda de massas e manipulação de audiência para passar a insistir num processo indireto de influência em que as dinâmicas sociais se intersectam com os processos comunicativos. Abaixo, segue modelo comparativo entre a Teoria Hipodérmica, que usa uma abordagem mais simplificada do processo de comunicação, e o modelo two-step-flow: Interessante perceber que esta perspectiva também é chamada de teoria da influência devido aos líderes de opinião, pessoas influentes na sociedade ou em grupos específicos, que fariam o papel da mediação da informação. O avanço destas descobertas é que elas demonstram que os efeitos não podem ser atribuídos à esfera do indivíduo, mas à rede de relações - é a noção do enraizamento dos 33 processos e de seu caráter não-linear que começa a tomar corpo. Até então, a audiência era concebida como um conjunto de classes etárias, de sexo, de casta, etc, e pensava-se que as relações informais entre as pessoas não influenciavam o resultado de, por exemplo, uma campanha de propaganda 4.6 A corrente dos Usos e Gratificações Os diversos modelos teóricos da Comunicação, com o desenvolvimento de inúmeras pesquisas, incentivam o surgimento de outras abordagens da problemática dos efeitos nos processos comunicativos. Uma delas é a corrente dos Usos e Gratificações, trabalhada por Elihu Katz (1929-), discípulo de Lazarsfeld. Nessa corrente, o eixo das preocupações se desloca da pergunta “o que os meios fazem com as pessoas” para pensar no uso que as pessoas fazem dos meios. Abre-se a investigação para a atividade de apropriação promovida pelos receptores das mensagens midiáticas. O receptor passa a ser visto como sujeito agente, capaz de praticar processos de intepretação e satisfação de necessidades. Em resumo, tenta explicar os elevados graus de consumo psicossocial da mídia de massa. Katz, Gurevitch e Haas (1973) distinguem cinco classes de necessidades que os mass media satisfazem: • Necessidades cognitivas: aquisição e reforço de conhecimentos e de compreensão • Necessidades afetivas e estéticas: reforço da experiênciaestética, emotiva • Necessidades de integração a nível social: reforço dos contatos interpessoais • Necessidades de integração a nível da personalidade: segurança, estabilidade emotiva • Necessidade de evasão: abrandamento das tensões e dos conflitos Já “as necessidades” a serem satisfeitas são as seguintes: • Entretenimento: como escape psicológico aos problemas do cotidiano; despressurização emocional; 34 • Relacionamento pessoal: “companhia” para pessoas sós ou “agenda temática” para a conversação em meio social; • Identificação projetiva: referências personalizadas e comparações feitas, por exemplo, a situações humanas mostradas; reforço de opiniões; soluções para males existenciais; • Vigilância e fiscalização: coleta de “modas e novidades” – a televisão como “uma janela aberta para o mundo”. Esta corrente articula-se em cinco pontos fundamentais: • A audiência é concebida como ativa • Depende de a audiência relacionar a escolha do mass media, com a satisfação da necessidade; • Os mass media competem com outras fontes de satisfação das necessidades; • Muitos dos objetivos da utilização dos mass media podem conhecer-se através de dados fornecidos pelos destinatários; • Devem suspender-se os juízos de valor acerca do significado cultural das comunicações de massa. Em síntese: uma mensagem, por mais potente que seja, não pode influenciar o indivíduo que não faça uso dela na interação psíquica-social. O efeito da comunicação de massa é entendido como consequência das satisfações às necessidades experimentadas pelo receptor: os meios de comunicação de massa são eficazes e na medida em que o receptor lhes atribui tal eficácia, baseando-se precisamente na satisfação das necessidades. A influência das comunicações de massa permanecerá incompreensível se não se considerar a sua importância relativamente aos critérios de experiência e aos contextos situacionais do público: as mensagens são captadas, interpretadas e adaptadas ao contexto subjetivo das experiências, conhecimentos e motivações. 35 5 TEORIA CRÍTICA E A INDÚSTRIA CULTURAL 5.1 Gênese da Teoria Crítica Para compreender os eixos em torno dos quais se desenvolveu a Teoria Crítica, é essencial retomarmos os turbulentos acontecimentos que constituíram seu contexto: • Derrota do movimento proletário de esquerda na Europa Ocidental, depois da I Guerra; • O colapso dos partidos de massa de esquerda na Alemanha; que se transformaram em reformistas ou dominados por Moscou; • Degeneração da Revolução Russa com a ascensão do Stalinismo; • Ascensão do fascismo e do nazismo; Nessas condições, na Europa, quase ao mesmo tempo em que se disseminava a pesquisa administrativa norte-americana, uma outra corrente de estudos se desenvolvia. Trata-se da Teoria Crítica - nome dado ao conjunto de estudos e proposições elaborados na Europa - particularmente pelos investigadores do Institut für Sozialforschung, ou Escola de Frankfurt - e que em muito diferiam do rumo que a pesquisa norte-americana estava tomando na época. O nome Escola de Frankfurt refere-se simultaneamente a um grupo de intelectuais e a uma teoria social. Este termo surgiu posteriormente aos trabalhos mais significativos de Max Horkheimer (1895-1973), Theodor Adorno (1903-1969), Herbert Marcuse (1898- 1979), Walter Benjamin (1892-1940) e Jürgen Habermas (1929-), sugerindo uma unidade geográfica que já então, no período do pós-guerra, não existia mais, referindo-se inclusive a uma produção desenvolvida, em sua maior parte, fora de Frankfurt. Os investigadores da Escola de Frankfurt - Adorno, Marcuse e Horkheimer, entre outros - caracterizavam-se por serem mais acadêmicos, envolvidos com uma concepção teórica global da sociedade e nitidamente influenciados por Marx e Freud. A Teoria Crítica é o oposto da teoria tradicional. Busca unir teoria e prática, ou seja, uma nova ciência social interdisciplinar, filosoficamente orientada. O marco do surgimento da teoria crítica da sociedade é o ensaio-manifesto publicado por Horkheimer em 1937, intitulado “Teoria Tradicional e Teoria Crítica”. Enquanto a pesquisa administrativa tradicional promovia estudos pontuais, a Teoria Crítica buscava uma crítica da sociedade como um todo, num caminho inverso ao das disciplinas setoriais, que estariam desempenhando uma “função de manutenção da ordem social existente”. 36 Segundo o autor, a filosofia capacitava os cientistas sociais a identificar e explorar questões que não poderiam de outra maneira ser levantadas. Sem uma teoria social filosoficamente orientada, do “tipo correto”, toda uma gama de fenômenos poderia ser descartada da investigação. Mas o que seria um “tipo correto” de filosofia social? Para Horkheimer o tipo correto de teoria social é “crítica”. A questão, então, seria a seguinte: segundo ele, o que significa para a teoria social ser “crítica”? O que é uma “teoria crítica”? A base da Teoria Crítica é amplamente marxista. É uma consideração das forças sociais de dominação que torna a atividade teórica inseparável, na prática, de seu objeto de estudo. A Teoria Crítica não é meramente descritiva, é uma forma de provocar, incentivar a mudança social, fornecendo um conhecimento das forças da desigualdade social que pode, por sua vez, orientar a ação política que visa a emancipação (ou, no mínimo, a diminuição da dominação, e da desigualdade). Toda a evolução conceitual da Teoria Crítica é baseada em momentos históricos que afetaram irreversivelmente a vida e as ideias dos jovens Adorno, Marcuse e Horkheimer, judeus marxistas. No decorrer do tempo, a crise do pós-guerra na Alemanha, a Revolução Russa vitoriosa e a propagação do nazismo na Europa incentivaram a mudança da chamada Escola de Frankfurt por diversos países europeus até culminar com sua emigração para os Estados Unidos. O cenário político e ideológico estabelecido na Alemanha a partir da ascensão de Hitler ao poder demarcou em grande parte a vida dos teóricos da Escola de Frankfurt. Justamente por estarem vinculados a um posicionamento marxista eram acusados de desenvolver atividades hostis ao estado. Além da utilização dos pressupostos marxistas, a identidade da Teoria Crítica é ligada aos elementos da psicanálise e na análise das temáticas novas que as dinâmicas sociais da época configuravam - o totalitarismo, a indústria cultural, etc - numa preocupação com a superestrutura ideológica e a cultura. Assim, não se pode dizer que o tema dessa corrente sejam os meios de comunicação de massa, mas que, entre os vários assuntos abordados por esta escola, os mais próximos a este tema seriam aqueles relativos à Indústria Cultural - marcados pelo enfoque da manipulação. 37 Para a Teoria Crítica, a Indústria Cultural seria resultado de um fenômeno social observado nas décadas de trinta e quarenta, em que filmes, rádios e semanários constituem um sistema harmônico no qual os produtos culturais são feitos adaptados ao consumo das massas e para a manipulação dessas mesmas massas. Nesse contexto, os frankfurtianos se opuseram à prática de pesquisa orientada para servir aos interesses do poder estatal e das empresas de comunicação. 5.2 Indústria Cultural O termo Indústria Cultural foi utilizado pela primeira vez por Adorno e Horkheimer, para substituir o termo “cultura de massa”. O objetivo da Indústria Cultural é atingir a massa popular, transcendendo toda e qualquer distinção de natureza social, étnica, sexual ou psíquica. Todo o conteúdo é disseminado por meio dos veículos de comunicação de massa. Veículos ou meios de comunicação de massa televisão, rádio, internet, jornais, revistas. Cultura de massa surge com o nascimento do século XX e dos novos meios de comunicação. É aquela considerada, por uma maioria, sem valor cultural real. Ela é veiculada nos meios de comunicação de massa. A massanão é uma definição de classe social, mas de se referir a maioria da população. Essa cultura é produto da Indústria Cultural. A Indústria Cultural, os meios de comunicação de massa e a cultura de massa surgem como funções do fenômeno do processo de industrialização quando também começa o que conhecemos como economia de mercado ou de uma economia baseada no consumo de bens. O processo de industrialização trouxe alterações no modo de produção e na forma do trabalho humano. É o uso crescente da máquina e a submissão do ritmo humano de trabalho ao ritmo da máquina; a exploração do trabalhador; a divisão do trabalho. São os traços marcantes da sociedade capitalista liberal, onde é nítida a oposição de classes e em cujo interior começa a surgir a cultura de massa. Nesse contexto, dois conceitos merecem atenção: a reificação (ou transformar em coisa; a coisificação) e a alienação. Para a sociedade capitalista, o padrão maior de avaliação tende a ser a coisa, o bem, o produto, a propriedade. Tudo é julgado como coisa, inclusive o homem. O homem reificado é um homem alienado. Alienado de sua vida, de 38 seus projetos, de seu país. Afinal, ele não dispõe de tempo livre e nem de instrumentos teóricos para criticar a si mesmo e a sociedade. A cultura, nesse cenário, é feita em série, industrialmente, para o grande número – passa a ser vista não como instrumento de crítica e conhecimento, mas como produto trocável por dinheiro e que deve ser consumido como se consome qualquer coisa. Um produto para atender as necessidades e gostos médios de um público que não tem tempo de questionar o que consome. Uma cultura perecível, como qualquer peça de vestuário. Segundo o texto de Rüdiger (2007, p. 138), Horkheimer, Adorno, Marcuse e outros citavam o termo Indústria Cultural como “a conversão da cultura em mercadoria, ao processo de subordinação da consciência à racionalidade capitalista, ocorrido nas primeiras décadas do século XX”. A expressão também “designa uma prática social, através da qual a produção cultural e intelectual passa a ser orientada em função de sua possibilidade de consumo no mercado”. Vale destacar que o conceito de Indústria Cultural não se refere às empresas produtoras e nem às técnicas de comunicação. A televisão, o jornal, a interne, o rádio não são a Indústria Cultural que, na verdade, faz o uso dessas tecnologias. A Indústria Cultural corresponde a um sistema em que os vários produtos culturais se conjugam harmonicamente. Essa integração é deliberada e produzida “do alto”, pelos produtores, com a determinação do tipo e da função do processo de consumo. Entre algumas características, destacam-se a estandardização e a organização, os estereótipos e a baixa qualidade, que seriam impostos pelo gosto do público. A produção estética integra-se à produção mercantil em geral, permitindo o surgimento da ideia de que o que somos depende dos bens que podemos comprar e dos modelos de conduta veiculados pelos meios de comunicação. As grandes empresas multimídia e conglomerados privados passam a conferir um poder cada vez maior às tecnologias de reprodução e difusão de bens culturais. Uma das estratégias de dominação, por parte da Indústria Cultural, seria a produção de estereótipos, com a divisão dos produtos em gêneros: o terror, a comédia, o romance, a aventura. A partir dela se consegue definir um modelo de atitude do espectador, um modo como o conteúdo será percebido. O objetivo é garantir o triunfo do capital investido na produção desses bens culturais, além de seduzir os espectadores 39 em diferentes níveis psicológicos. Essa característica é que faz com que ela se assemelhe aos credos totalitários. Para a Escola de Frankfurt, os indivíduos sob a ação da Indústria Cultural deixaram de ser capazes de decidir autonomamente, passando a aderir acriticamente aos valores impostos, dominantes e avassaladores difundidos pelos meios. Segundo o antropólogo norte-americano Clifford Geertz (1926-2006), o conceito de ideologia inerente à Indústria Cultural é denominado de Teoria da Tensão. Esta perspectiva parte do pressuposto de que a sociedade é naturalmente desagregada, manifesta nas dicotomias liberdade e ordem política, paz e guerra, estabilidade e mudança. É baseada nos escritos da Escola de Frankfurt e em certos aspectos do Mal- estar na civilização, de Sigmund Freud. Outros conceitos... O filósofo e crítico social norte-americano Dwight MacDonald (1906-1982) fala na existência de três formas de manifestação cultural: superior, média e de massa. Eles mostram alguns problemas que podem ocorrer quando se estuda a Indústria Cultural a partir apenas da oposição entre cultura superior e de massa. 1) Cultura superior: todos os produtos canonizados pela crítica erudita. Ex: composições de Beethoven, a Monalisa 2) Cultura média ou midcult: remete ao universo dos valores pequeno burgueses. É considerada um subproduto da cultura de massa. Ela toma emprestado procedimentos, obras da cultura superior e as adapta para tornar sua linguagem mais fácil e ainda as vende como cultural superior. Ex: Beethoven em ritmo de funk, as pinturas que podem ser compradas nas feiras de artesanato, as poesias com chavões e frases comuns. 3) Cultura de massa ou masscult: seria chamada pelo autor de uma cultura “inferior. O problema é que as formas culturais atravessam as classes sociais com uma intensidade e uma frequência maiores do que se costuma pensar. Não é fácil distinguir o que seria a cultura dita superior da cultura de massa. É possível delimitar fronteiras entre elas? 40 Outro ponto importante: será que os chamados produtos da cultura dita superior são de domínio intelectual exclusivo da classe dominante? Outros autores também abordam a questão dos conceitos de cultura popular e cultura pop. 1) Cultura popular: a soma dos valores tradicionais de um povo, expressos da forma artística como danças e objetos, ou nas crendices e costumes gerais. Possui o traço da recusa, da negação, da contestação às normas e valores estabelecidos. 2) Cultura pop: Veio do popular. É um tipo de arte que tenta reproduzir ícones dos meios de comunicação, em uma época que coincide com o auge do cinema e da televisão e com a explosão de certas bandas e artistas, como os Beatles. A cultura pop foi emanada dos meios de comunicação em uma tentativa de dialogar com a arte erudita, desde a pintura e a escultura até a música, a dança e a literatura. Questões importantes para debate: 1) A preocupação com o que a televisão, o cinema, o rádio e a internet veiculam deveria ser muito menor do que a preocupação com o fato de que as pessoas passam o tempo livre em sua companhia. 2) Os que controlam a mídia manipulam a consciência, mas eles não são, em geral, tão diferentes dos que a consomem. 3) Todo sistema cultural está sempre em mudança. Entender essa dinâmica é importante para atenuar o choque entre as gerações e evitar comportamentos preconceituosos. Da mesma forma que é fundamental para a humanidade a compreensão das diferenças entre povos de culturas diferentes, é necessário entender as diferenças dentro de um mesmo sistema. Esse é o único procedimento que prepara o homem para enfrentar serenamente este constante e “admirável mundo novo” do povo. Nesse contexto, como se posicionar a respeito da ideia da cultura como mercadoria com base no conceito de Indústria 41 Cultural, partindo das ideias do texto de Francisco Rüdiger sobre a Escola de Frankfurt. 42 6 O CENTRO DE BIRMINGHAM E OS ESTUDOS CULTURAIS As origens dos Estudos Culturais ou Cultural Studies provêm das investigações de intelectuais britânicos, reunidos no chamado Centro de Birmingham, na Inglaterra. Decorrem de uma percepção crítica em relação àscorrentes do pensamento moderno ocidental que contemplavam uma educação para as classes detentoras, sejam do poder econômico, sejam do poder cultural, com a exclusão das classes menos favorecidas. O modelo teórico dos Cultural Studies, tal como a teoria crítica, admite haver um “sistema cultural dominante” que se manifesta e atua pela interposição dos meios de comunicação. Retoma e revisa o paradigma crítico-radical, no entanto, não lhe dará perfeita continuidade. As pesquisas a partir desse modelo introduzem a possibilidade de analisar práticas que até então eram vistas fora da esfera da cultura. Construíram uma tendência importante da crítica cultural que questiona o estabelecimento de hierarquias entre formas e práticas culturais, estabelecidas a partir de oposições como cultura alta/baixa, superior/inferior. Aliás, aqui acredita-se não em uma cultura, mas em culturas. Além da cultura dominante, existe a cultura do outro (chamado o “desviante”, o “diferente”) que não se deixa assimilar inteiramente e encontra suas próprias formas de adequação e pertença a configurações que lhe são próprias. Os Estudos Culturais são um campo de investigação interdisciplinar. Combina a economia política, a sociologia, a teoria social, a crítica literária, o cinema, a antropologia cultural, a filosofia e os estudos dos fenômenos culturais em diversas sociedades. A exemplo de outras teorias surgidas nos anos 70, situam os meios de comunicação no âmago da sociedade, inter-relacionando-os a instituições e a indivíduos. Entre os anos 60 e 70 os estudos culturais ganham força após a criação do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos ou Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS), na Universidade de Birmingham. As relações entre a cultura contemporânea e a sociedade, isto é, suas formas culturais, instituições e práticas culturais, assim como suas relações com a sociedade e as mudanças sociais, vão compor o eixo principal de observação do CCCS. 43 6.1 Principais teóricos do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos (CCCS) Richard Hoggart (1918-2014) – “The uses of literacy” (1957). É em parte autobiográfico e em parte história cultural do meio do século XX. Suas principais contribuições foram: 1) A consideração de artefatos culturais, antes desprezados, da cultura popular e dos meios de comunicação de massa, através de metodologia qualitativa; 2) inaugura o olhar de que no contexto do popular não existe apenas submissão, mas também resistência, o que, mais tarde, será recuperado pelos estudos de audiência dos meios massivos. Raymond Williams (1921-1988) – “Culture and Society” (1958). Constrói um histórico do conceito de cultura, culminando com a ideia de que a "cultura comum ou ordinária" pode ser vista como um modo de vida em condições de igualdade de existência com o mundo das artes, literatura e música. 1) Através de um olhar diferenciado sobre a história literária, mostra que cultura é uma categoria-chave que conecta a análise literária com a investigação social. Edward P. Thompson (1924-1993) – “The Making of the English Working-class” (1963). Reconstrói uma parte da história da sociedade inglesa de um ponto de vista particular - a história "dos de baixo". Suas principais contribuições foram: 1) o ressurgimento do conceito de Ideologia nos 60, levando em consideração as relações de poder em todas as esferas sociais. Influencia o desenvolvimento da história social britânica na perspectiva marxista. 2) concepção de que a cultura era uma rede vivida de práticas e relações que constituíam a vida cotidiana, na qual o papel do indivíduo estava em primeiro plano. Thompson resistia ao entendimento de cultura enquanto uma forma de vida global. Em vez disso, preferia entendê-la enquanto um enfrentamento entre modos de vida diferentes. Stuart Hall (1932-2014) – pesquisador jamaicano que também deu importante contribuição na formação dos Estudos Culturais britânicos ao substituir Hoggart na direção do Centro, de 1968 a 1979. Incentivou o desenvolvimento da investigação de práticas de resistência de subculturas e de análises dos meios massivos, identificando seu 44 papel central na direção da sociedade; exerceu uma função de "aglutinador" em momentos de intensas distensões teóricas; destravou debates teóricos-políticos, tornando-se um "catalizador" de inúmeros projetos coletivos. Estudou o conceito de identidade a partir de um viés culturalista. Com o objetivo de analisar os efeitos sociais do pós-guerra na Inglaterra, Hall tentava compreender a relação entre a cultura contemporânea e a sociedade de transformação. Embora não tenham uma intervenção coordenada entre si, os autores citados revelam um leque em comum de preocupações que abrangem as relações entre cultura, história e sociedade. O grupo do CCS ainda amplia o conceito de cultura para que sejam incluídos dois temas adicionais. 1) A cultura não é uma entidade monolítica ou homogênea, mas ao contrário, manifesta- se de maneira diferenciada em qualquer formação cultural ou histórica 2) A cultura não significa simplesmente sabedoria recebida ou experiência ou experiência passiva, mas um grande número de intervenções ativas – expressas através do discurso e da representação que podem tanto mudar a história quanto transmitir o passado. Ou seja: a criação cultural se situa no espaço social e econômico, dentro do qual a atividade criativa é condicionada. Como já foi abordado, os Estudos Culturais são um campo de investigação interdisciplinar. Nesse contexto, a multiplicidade de objetos de investigação também caracteriza esses estudos. Estudam sociedade em geral, cultura é um dos focos. Principal eixo de observação: relação entre cultura, história e sociedade. Terreno de investigação: temas ligados às culturas populares e aos meios de comunicação de massa (MCM) e, posteriormente, a temáticas relacionadas com as identidades (sexuais, de classe, étnicas, etc.) 6.2 Narrativa histórica sobre os interesses de estudo: Anos 70: o trabalho em torno das diferenças de gênero; subculturas (pequenos grupos de cultura) e feminismo (gênero e identidade). Emergência das subculturas que buscam resistir à estrutura dominante de poder. 45 Segunda metade dos anos 70: foco na cobertura jornalística – meios de comunicação de massa (MCM) que são vistos não apenas como entretenimento, mas como aparelhos ideológicos de Estado. Anos 80: interesse na audiência (recepção). Anos 90: Papel dos MCM na construção de identidades. 6.3 Os estudos sobre os meios de comunicação Como destacamos, os Estudos Culturais percorreram um longo caminho em diversos focos de investigação e pesquisa. No caso dos meios de comunicação de massa, os pesquisadores não os viam apenas como entretenimento, mas como aparelhos ideológicos de Estado, no início dos anos 70. Os MCM são também considerados grandes responsáveis pela construção dos significados da sociedade contemporânea. Neste sentido, a teia comunicacional teria responsabilidade na construção das identidades culturais contemporâneas, fornecendo elementos para essa construção por meio de seus veículos. Comunicação e cultura fornecem uma à outra, seus mais preciosos nutrientes. Comunicar não é “manipular por meio de símbolos, mas intensificar, renovando-a, a uma troca simbólica”. As pesquisas, no caso dos meios de comunicação, na segunda metade dos anos 70, tinham foco na análise da estrutura ideológica, principalmente da cobertura jornalística. Esta etapa foi denominada por Hall de “redescoberta da ideologia”, sendo que uma das premissas básicas desta fase pressupunha que os efeitos dos meios de comunicação podiam ser deduzidos da análise textual das mensagens emitidas pelos próprios meios. O próprio Stuart Hall publicou pela primeira vez em 1973 o texto Encoding and decoding in the television
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