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DirEiTo_CiviL_Parte_Geral

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DirEiTo CiviL
Parte Geral
2
DirEiTo CiviL
Parte Geral
2015
ISBN 978-85-02-63540-1
Direito civil : parte geral / obra coletiva de autoria da 
Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia e 
Thaís de Camargo Rodrigues. – São Paulo : Saraiva, 2015.
1. Direito civil - I. Curia, Luiz Roberto. II. Rodrigues, 
Thaís de Camargo. III. Título.
 CDU-347
Índice para catálogo sistemático:
1. Direito Civil 347
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer 
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A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei n. 
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Direção editorial Luiz Roberto Curia
Gerência editorial Thaís de Camargo Rodrigues
Coordenação geral Clarissa Boraschi Maria
Preparação de originais Maria Izabel Barreiros Bitencourt Bressan e 
Ana Cristina Garcia (coords.)
Projeto gráfico Isabela Agrela Teles Veras
Arte e diagramação Isabela Agrela Teles Veras 
Lais Soriano
Revisão de provas Amélia Kassis Ward e 
Ana Beatriz Fraga Moreira (coords.) 
Rita de Cássia Sorrocha Pereira
Serviços editoriais Elaine Cristina da Silva 
Kelli Priscila Pinto 
Marília Cordeiro
5
 Sumário 
1. O CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO, 15
1.1. O que é direito?, 16
1.2. A relação entre o direito e a moral, 17
1.3. Quais as fontes do direito?, 18
1.4. Como se organiza o direito?, 20
1.5. O direito civil, 21
1.6. O fenômeno da codificação, 21
1.7. O Estado Liberal e o Código de Napoleão, 22
1.8. O Código Civil Brasileiro, 24
1.9. A estrutura do Código Civil Brasileiro, 25
1.9.1. Da Evolução Histórica da Codificação Civil, 25
1.9.2. O Sistema Misto – As Cláusulas Gerais e os Conceitos Vagos, 29
1.9.3. Os Princípios Norteadores do Código Civil, 31
1.10. O campo de incidência do Código Civil, 32
1.11. Direito Civil e a Constituição Federal de 1988, 34
1.11.1. O Personalismo Ético e a Dignidade Humana 34
1.12. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, 38
1.12.1. A Interpretação da Norma Jurídica, 38
1.12.2. Prazos para Vigência de Lei, 38
1.12.3. A Revogação da Lei, 39
1.12.4. A Vigência Temporária da Lei, 39
1.12.5. Da Extensão da Revogação da Lei, 39
1.12.6. Da Forma de Revogação da Lei, 40
1.12.7. As Antinomias, 40
1.12.8. A Repristinação da Lei, 41
1.12.9. A Obrigatoriedade das Normas, 41
1.12.10. Da Integração da Norma Jurídica, 41
1.12.11. As Lacunas da Norma Jurídica, 42
1.12.12. Da Interpretação da Norma Jurídica, 43
1.12.13. Da Aplicação da Norma no Tempo, 44
1.12.14. Da Aplicação da Norma no Espaço, 45
2. A PESSOA NATURAL, 47
2.1. A pessoa natural, 48
6
2.2. A personalidade jurídica, 48
2.3. A natureza jurídica do nascituro, 48
2.3.1. A Capacidade Civil e suas Classifi cações, 51
2.4. A incapacidade. As restrições de direito, 52
2.5. O suprimento e a cessação da incapacidade civil, 52
2.5.1. Cessação da Incapacidade Civil, 52
2.5.2. Suprimento da Incapacidade Civil, 53
2.5.3. Extinção da Personalidade Jurídica, 53
2.6. O nome civil, o estado civil e o domicílio civil, 54
2.6.1. Os Modos de Individualização da Pessoa Natural, 54
2.6.2. O Nome Civil, 54
2.6.3. A Classifi cação do Nome Civil, 54
2.6.4. A Composição do Nome Civil, 55
2.6.5. Da Alteração do Nome Civil, 56
2.6.6. Da Modifi cação Administrativa, 56
2.6.7. Da Modifi cação Judicial, 58
2.6.8. O Estado Civil, 61
2.6.9. O Domicílio Civil, 61
2.7. A comoriência e a ausência: ca racterização e efeitos jurídicos, 62
2.8. A morte presumida: caracterização, 63
3. PESSOA E DIREITOS DA PERSONALIDADE, 65
3.1. Conceito, 66
3.2. Fundamento, 66
3.3. Características dos direitos da personalidade, 67
3.3.1. Direito ao corpo, 71
3.3.1.1. Doação do corpo, 71
3.3.1.2. Direito à recusa ao tratamento médico, 73
3.3.2. Direito ao nome, 73
3.3.2.1. Elementos do nome, 74
3.3.2.2. Pseudônimo, 74
3.3.3. Direito à imagem, 74
3.3.4. Direito à privacidade e direito à intimidade, 76
3.4. Proteção dos direitos da personalidade, 76
3.4.1. Medidas preventivas, 77
3.4.2. Medidas reparatórias, 77
3.4.3. Legitimidade para requerer a proteção e a reparação, 77
Direito Civil
7
4. A PESSOA JURÍDICA, 79
4.1. Conceito, 80
4.2. Natureza jurídica, 80
4.3. Elementos estruturais (pressupostos existenciais da pessoa jurí-
dica), 81
4.4. Personalidade jurídica, 82
4.4.1. Personalidade jurídica e direitos da personalidade, 82
4.4.2. Início da personalidade, 83
4.4.2.1. Início da personalidade das pessoas jurídicas de direi-
to público, 83
4.4.2.2. Início da personalidade das pessoas jurídicas de direi-
to privado, 83
4.4.3. Ato constitutivo e registro da pessoa jurídica, 84
4.4.3.1. Natureza jurídica do registro das pessoas jurídicas, 85
4.4.3.2. Local do registro, 85
4.4.4. Fim da personalidade, 88
4.5. Representação da pessoa jurídica, 88
4.6. Responsabilidade da pessoa jurídica, 89
4.7. Das diversas classificações das pessoas jurídicas, 90
4.7.1. Classificação quanto à estrutura interna, 90
4.7.2. Classificação quanto à função, 90
4.7.2.1. Pessoas jurídicas de direito público, 90
4.7.2.2. Pessoas jurídicas de direito privado, 91
4.8. Sociedades, 92
4.9. Empresa individual de responsabilidade limitada, 93
4.10. Associações, 93
4.10.1. Constituição de uma associação, 94
4.10.2. Composição da associação, 94
4.10.2.1. Associados, 94
4.10.2.2. Diretoria, 95
4.10.2.3. Assembleia geral, 95
4.10.3. Dissolução da associação, 95
4.11. Fundações, 96
4.11.1. Constituição das fundações, 97
4.11.2. Alteração do estatuto da fundação, 99
4.11.3. Fiscalização, 99
4.11.4. Extinção da fundação, 100
8
4.12. Nacionalidade, 100
4.13. Domicílio da pessoa jurídica, 101
4.13.1. Pessoas jurídicas de direito público, 101
4.13.2. Pessoas jurídicas de direito privado, 101
4.14. Desconsideração da personalidade jurídica, 102
4.14.1. Teorias da desconsideração da personalidade jurídica, 104
5. OS BENS, 107
5.1. Conceito, 108
5.1.1. Bens e coisas: distinção, 108
5.2. Patrimônio, 109
5.3. Das diversas classifi cações dos bens, 109
5.4. Classifi cação dos bens de acordo com a mobilidade, 110
5.4.1. Bens imóveis, 110
5.4.2. Bens móveis, 111
5.5. Classifi cação dos bens de acordo com a fungibilidade, 112
5.5.1. Bens fungíveis, 112
5.5.2. Bens infungíveis, 112
5.6. Classifi cação dos bens de acordo com a consuntibilidade, 113
5.6.1. Bens consumíveis, 113
5.6.2. Bens inconsumíveis, 113
5.7. Classifi cação dos bens de acordo com a divisibilidade, 113
5.7.1. Bens divisíveis, 113
5.7.2. Bens indivisíveis, 114
5.8. Classifi cação dos bens de acordo com a materialidade, 114
5.8.1. Bens materiais (res corporalis), 114
5.8.2. Bens imateriais (res incorporalis), 114
5.9. Classifi cação dos bens de acordo com a individualidade, 115
5.9.1. Bens singulares, 115
5.9.2. Bens coletivos, 115
5.10. Classifi cação dos bens de acordo com a dependência ou recipro-
cidade, 116
5.10.1. Bem principal, 116
5.10.2. Bem acessório, 116
5.10.2.1. Fruto, 117
5.10.2.2. Produtos, 117
5.10.2.3. Benfeitorias, 118
Direito Civil
9
5.10.2.4. Pertenças, 119
5.11. Classificação dos bens de acordo com a titularidade, 119
5.11.1. Bens particulares, 119
5.11.2. Bens públicos, 120
5.11.2.1. Características dos bens públicos, 120
6. DOS FATOS JURÍDICOS, 123
6.1. Fato jurídico, 124
6.2. Fato jurídico natural, 124
6.2.1. Fato jurídico natural ordinário, 125
6.2.2. Fato jurídico natural extraordinário, 125
6.3. Fato jurídico humano, 125
6.3.1. Fato jurídico humano ilícito, 125
6.3.2. Fato jurídico humano lícito, 126
6.3.2.1. Ato jurídico stricto sensu, 126
6.3.2.2. Negócio jurídico, 127
6.3.2.3. Ato-fato jurídico, 127
7. DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS, 129
7.1. Teoria geral do negócio jurídico, 130
7.2. Classificaçõesdo negócio jurídico, 130
7.2.1. Classificação quanto à manifestação de vontade, 130
7.2.2. Classificação quanto às vantagens para as partes, 130
7. 2.3. Classificação quanto ao momento da produção dos efeitos, 131
7.2.4. Classificação quanto à forma, 131
7.2.5. Classificação quanto à independência ou autonomia, 131
7.2.6. Classificação quanto às condições pessoais dos negociantes, 132
7.2.7. Classificação quanto à causa determinante, 132
7.2.8. Classificação quanto ao momento da eficácia, 132
7.2.9. Classificação quanto à extensão dos efeitos, 132
7.3. Interpretação do negócio jurídico, 133
7.4. Elementos constitutivos do negócio jurídico, 134
7.5. Planos do negócio jurídico, 134
7.5.1. Plano de existência, 135
7.5.2. Plano de validade, 135
7.5.2.1. Partes, 136
10
7.5.2.2. Objeto, 136
7.5.2.3. Forma, 137
7.5.2.4. Vontade, 138
7.5.2.4.1. Reserva mental, 138
7.5.2.4.2. Representação, 139
7.5.3. Plano de efi cácia, 140
7.6. Elementos acidentais, 141
7.6.1. Condição, 141
7.6.1.1. Requisitos da condição, 141
7.6.1.2. Classifi cação da condição quanto à certeza, 142
7.6.1.3. Classifi cação da condição quanto aos efeitos, 142
7.6.1.4. Classifi cação da condição quanto à licitude, 143
7.6.1.5. Classifi cação da condição quanto à possibilidade, 144
7.6.1.6. Classifi cação da condição quanto à natureza (ou 
fonte), 144
7.6.2. Termo, 145
7.6.2.1. Classifi cação do termo quanto aos efeitos, 145
7.6.2.2. Classifi cação do termo quanto à certeza, 146
7.6.2.3. Contagem do prazo, 146
7.6.3. Modo ou encargo, 147
8. DEFEITOS NOS NEGÓCIOS JURÍDICOS, 149
8.1. Introdução, 150
8.2. Erro ou ignorância (Código Civil, arts. 138 a 145), 150
8.2.1. Consequências do erro, 150
8.2.2. Classifi cação do erro quanto à determinação, 151
8.2.2.1. Erro substancial, 151
8.2.2.2. Erro acidental, 152
8.2.2.3. Erro obstativo, 152
8.2.3. Escusabilidade ou recognoscibilidade, 153
8.3. Dolo, 153
8.3.1. Consequências do dolo, 153
8.3.2. Classifi cação do dolo quanto à determinação, 154
8.3.2.1. Dolo essencial, 154
8.3.2.2. Dolo acidental, 154
8.3.3. Classifi cação do dolo quanto à conduta, 154
Direito Civil
11
8.3.3.1. Dolo positivo, 154
8.3.3.2. Dolo negativo, 154
8.3.3.3. Dolo bilateral ou recíproco, 155
8.3.4. Classificação do dolo quanto ao conteúdo, 155
8.3.4.1. Dolo mau, 155
8.3.4.2. Dolo bom, 155
8.3.5. Dolo de terceiro, 155
8.3.6. Dolo do representante, 156
8.4. Coação, 156
8.4.1. Espécies de coação, 156
8.4.1.1. Coação absoluta, 156
8.4.1.2. Coação relativa, 157
8.4.2. Requisitos da coação, 157
8.4.3. Consequências da coação, 159
8.4.4. Coação por terceiro, 159
8.5. Estado de perigo a coação, 159
8.5.1. Requisitos do estado de perigo, 160
8.5.2. Consequências, 161
8.6. Lesão, 161
8.6.1. Requisitos da lesão, 162
8.6.2. Consequências da lesão, 163
8.7. Fraude contra credores, 164
8.7.1. Requisitos para caracterização da fraude contra credores, 164
8.7.2. Hipóteses de fraude contra credores, 166
8.7.3. Consequências da fraude contra credores, 167
8.7.4. Fraude contra credores versus fraude à execução, 168
 9. INVALIDADE DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS, 171
9.1. Invalidade, 172
9.1.1. Invalidade versus inexistência, 172
9.2. Nulidade, 173
9.2.1. Hipóteses de nulidade, 173
9.2.2. Regras da nulidade, 174
9.3. Anulabilidade, 175
9.3.1. Hipóteses de anulabilidade, 175
9.3.2. Consequências da anulabilidade, 176
12
9.4. Simulação, 177
9.4.1. Natureza jurídica, 177
9.4.2. Requisitos da simulação, 178
9.4.3. Consequências da simulação, 178
9.4.4. Classifi cação da simulação quanto ao seu conteúdo, 179
9.4.4.1. Simulação absoluta, 179
9.4.4.2. Simulação relativa, 180
10. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA, 181
10.1. Introdução, 182
10.2. Prescrição, 182
10.2.1. Conceito de prescrição, 182
10.2.2. Prescrição extintiva e prescrição aquisitiva, 183
10.2.3. Prescrição da exceção, 183
10.2.4. Alegação da prescrição, 184
10.2.5. Renúncia da prescrição, 184
10.2.6. Declaração de ofício da prescrição, 184
10.2.7. Previsão legal da prescrição, 185
10.2.7.1. Prazos especiais, 185
10.2.8. Contagem do prazo de prescrição, 189
10.2.8.1. Prescrição nuclear versus parcelar, 190
10.2.8.2. Continuação do prazo em face de herdeiros, 190
10.2.9. Prescrição intercorrente, 191
10.2.10. Impedimento e suspensão da prescrição, 191
10.2.10.1. Hipóteses de impedimento e suspensão, 192
10.2.10.2. A relação entre a suspensão da prescrição e as obri-
gações solidárias, 195
10.2.11. Interrupção da prescrição, 195
10.2.11.1. Hipóteses de interrupção da prescrição, 196
10.2.11.2. Efeitos pessoais da interrupção, 197
10.3. Decadência, 198
10.3.1. Conceito de decadência, 198
10.3.2. Alegação da decadência, 199
10.3.3. Espécies de decadência, 199
10.3.3.1. Decadência legal, 199
10.3.3.2. Decadência convencional, 200
Direito Civil
13
10.3.4. Contagem do prazo de decadência, 200
10.3.5. Impedimento, suspensão e interrupção do prazo de decadên-
cia, 200
10.3.6. Prazos de decadência, 201
10.3.6.1. Principais prazos de decadência, 201
11. ATOS ILÍCITOS E RESPONSABILIDADE CIVIL, 205
11.1. Conceitos, espécies e distinções necessárias, generalidade civil, 206
11.1.1. Atos ilícitos, 206
11.1.2. Responsabilidade civil e responsabilidade criminal, 206
11.1.3. Elementos da responsabilidade civil, 207
11.1.4. Responsabilidade subjetiva e responsabilidade objetiva, 208
11.1.5. Abuso de direito, 209
14
o Código Civil Brasileiro1
16
Aristóteles (384 
a.C. a 322 a. C.) 
– Filósofo grego, 
nascido em Es-
tagira. Foi aluno 
de Platão e pro-
fessor de Alexandre o Grande. 
Entre suas grandes obras, desta-
cam-se pela contribuição ao Di-
reito: A Política e Ética a Nicôma-
co. Platão, o professor de Aristóte-
les fora aluno de Sócrates.
Georg Jellinek (16-
06-1851 a 12-01-
1911) – Juiz e fi lósofo 
do direito, nascido 
em Leipzig, Alema-
nha. Este professor 
que lecionou nas 
Universidades de Basileia e Hei-
delberg na Alemanha, foi quem 
desenvolveu a “Teoria do Mínimo 
Ético. O mínimo ético, segundo 
sua teoria, é o conjunto mínimo 
de regras morais obrigatórias 
para se sobreviver em sociedade.
Antes de ingressarmos no estudo do Código Civil Brasileiro, é ne-
cessário identifi car o campo de estudo do direito civil, e para isto é pre-
ciso entender com clareza o conceito comum de direito. 
 1.1 o QuE É DirEiTo?
A palavra direito deriva do latim, directum, que signifi ca “aquilo 
que é reto”. 
Mas para conceituar o que é direito, torna-se necessário estudar-
mos a sua origem primária, que é o anseio de satisfação das necessidades 
humanas. De fato, faz-se necessário compreender também os fenôme-
nos que são relevantes à existência do homem, a fi m de se obter o escla-
recimento quanto ao conceito comum do que é o direito.
O pensador grego Aristóteles foi o primeiro a observar que o ho-
mem é um ser gregário e que se distingue de todos os outros animais da 
Terra por ser o único a experimentar o sentimento do bem e do mal, do 
justo e do injusto e das outras qualidades morais. Segundo este pensa-
dor grego, a cidade é uma criação natural do homem, a qual precede até 
mesmo a família. Para sobreviver e ser feliz, o homem, como ser gregário 
e racional, precisa da vida social, necessita da convivência com outros 
seres semelhantes (viver em sociedade).
O convívio em sociedade é uma atividade que demanda obrigató-
rio respeito a um “conjunto mínimo de condições essenciais para ma-
nutenção da paz e segurança”. Este conjunto de condições, que procura 
estabelecer a paz e a segurança entre os homens (o dever ser), é o que 
hoje se defi ne por conceito comum de direito. 
No mesmo sentido, George Jellinek, com base nos ensinos de Je-
remy Bentham, defi ne o direito por este conjunto mínimo de condições 
e regras morais obrigatórias para sobrevivência moral e conservação da 
paz social, da segurança da vida em sociedade (bem comum). 
Assim, para que seja possível viver em sociedade, devem ser obser-
vados os limitese restrições morais impostos aos indivíduos, justamente 
com a intenção de se manter a paz e a segurança entre todos, pois o 
direito nasce e se desenvolve através da sociedade – ubi homo, ibi jus, 
a expressão em latim, por tradução livre, que quer dizer “onde está o 
homem, está o direito”.
Agora que já estudamos o conceito comum do direito, é preciso en-
tender a dicotomia, a divisão, as semelhanças e diferenças entre o direito 
e a moral.
Conceito: Direito é o conjunto mínimo de condições e regras 
essenciais morais para manter a paz e a segurança na convi-
vência entre os seres humanos (vida em sociedade).
“Sócrates”, fi lme de Roberto Ros-
selline, exibe com clareza o início 
do conceito de direito e justiça na 
Grécia antiga. Imaginava-se o di-
reito como algo provindo dos deu-
ses. Note que o tribunal de Helias-
tas, e sua composição como júri 
popular, era formado por milhares 
de pessoas escolhidas por sorte. O 
juiz era um leigo que tomava suas 
decisões por meio do costume. Os 
crimes contra a polis eram conde-
nados com a morte. Sócrates foi 
punido com a morte por questio-
nar racionalmente o conceito de 
justiça da polis, segundo eles, “por 
perverter a juventude e os bons 
costumes”.
CiNEmATECA
AuTor
Direito Civil
17
 1.2 A rELAÇÃo ENTrE o DirEiTo E A morAL 
Teoria dos círculos concêntricos ou Teoria do mínimo ético: 
Como pudemos perceber, George Jellinek, após estudar os aponta-
mentos de Jeremy Bentham, compreendeu o direito como parte da 
moral. Sua teoria dos círculos concêntricos ou teoria do mínimo éti-
co ficou conhecida por indicar que o direito (ordenamento jurídico) 
estaria contido na moral. A figura abaixo ilustra o entendimento de 
Jellinek:
Contudo, existem outras teorias que buscam explicar a relação en-
tre o direito e a moral, vejamos então...
Teoria dos círculos secantes: Para Claude Du Pasquier, o direito e 
a moral são independentes, interligando-se em alguns momentos. Com 
base neste pensamento, compõe a figura abaixo para representar a teoria 
dos círculos secantes:
Teoria dos círculos independentes: Hans Kelsen afirma que o di-
reito possui normatização, enquanto a Moral se refere a atos praticados 
com observação de princípios éticos. Pelo direito possuir aspectos mo-
rais, não se faz confundir com aquela. Assevera que o direito e a moral 
são distintos, compondo sua teoria dos círculos independentes, como 
sugere a imagem abaixo:
Jeremy Bentham 
(15-02-1748 a 06-
06-1832). Filósofo 
e jurista inglês, 
nasceu em Lon-
dres. Foi um dos 
últimos iluministas. 
Difundiu o utilitarismo ao lado de 
John Stuart Mill e James Mill. Seu 
importante estudo sobre a moral, 
exposto pela teoria dos círculos 
concêntricos, possibilitou a Georg 
Jellinek a construção do conceito 
do direito como o mínimo ético.
Claude Du Pas-
quier. Para o ju-
rista francês, que 
viveu no século 
XIX, o direito e 
a moral coexis-
tem, não se separam, pois há um 
campo comum de competência, 
onde existem regras de qualida-
de jurídica com caráter moral. 
Hans Kelsen (11-
10-1881 a 19-04-
1973) – Jurista e 
filósofo austríaco, 
nascido em Ber- 
kley. Autor da Te-
oria Pura do Di-
reito, que trouxe relevante contri-
buição quanto ao estudo do po-
sitivismo jurídico, introduzindo os 
conceitos de norma fundamental 
e justiça. Reconhecido como um 
dos maiores teóricos do Direito do 
século XX. 
TEoriA Do mÍNimo ÉTiCo – 
Para Jellinek o direito seria o mí-
nimo de moral imposto para que 
a sociedade possa viver em har-
monia.
CurioSiDADE
AuTor
18
Teoria Tridimensional: Miguel Reale, diversamente dos demais, 
entende que a moral é apenas um dos vetores que compõem o direito. 
Para o jusfi lósofo brasileiro, o direito é fato, valor e norma. Fato é o fe-
nômeno que importa ao direito identifi car, enquanto valor seria aquele 
que abrange o conceito moral relativo àquele fato concreto, e a norma 
é como o ordenamento jurídico tratará aquele fato relevante ao direito. 
A teoria tridimensional do direito pode ser representada pela ilustração 
abaixo:
valor
fato norma
Ponto comum e de divergência: O que existe em comum entre as 
normas jurídicas e as morais é o fato de ambas constituírem regras de 
comportamento. Contudo, existe uma distinção fundamental entre as 
normas jurídicas e as normas morais, pois no caso das primeiras é o 
Estado que impõe a sanção. 
As normas morais se traduzem na consciência individual de cada 
ser humano em relação à sociedade em que vive, são identifi cadas pelos 
costumes estabelecidos pela sociedade.
O estudo dos fundamentados desses valores morais que orientam 
o comportamento do homem em sociedade, no uso de sua opção de 
escolha, é conhecido como ética. 
Uma conduta ética indica que a opção realizada pela pessoa não 
ofende os valores morais e normas jurídicas da sociedade, conservando 
a paz social.
 1.3 QuAiS AS foNTES Do DirEiTo?
Partindo da dicotomia, da distinção entre a moral e o direito, po-
demos notar que o costume (normas morais) é a fonte primitiva do 
direito, de onde nasceram suas normas jurídicas (a lei – o dever ser), 
compondo estas duas, a lei e o costume, suas fontes diretas. Foi a partir 
do costume que o direito foi evoluindo, surgindo a lei e outras fontes 
relevantes ao seu estudo (fontes indiretas), as quais podem ser descritas 
na seguinte ordem de importância:
 
miguel reale (06-
11-1910 a 14-04-
2006). Nascido 
em São Bento 
do Sul, o fi lósofo, 
jurista, educador 
e poeta brasilei-
ro contribuiu signifi cativamente 
com os estudos jurídicos, criador 
da teoria tridimensional do direito. 
Autor de inúmeros livros e obras 
jurídicas, ocupou a cadeira 14, 
tornando-se imortal da Acade-
mia Brasileira de Letras. Responsá-
vel pelo Projeto que deu origem 
ao Código Civil de 2002.
AuTor
Direito Civil
19
Lei – As normas jurídicas, ou leis, são a fonte direta e primária do 
direito. Elas são impostas pelo Estado organizado à obediência de todas 
pessoas que estiverem sob sua soberania. Não dependem da vontade dos 
cidadãos, sendo impossível alegar sua ignorância. Configura-se como 
fonte autêntica do direito, representada por texto expresso, escrito.
Costume – O costume, como já descrito, se configura pela prática 
reiterada de comportamento geral aceito na sociedade, observando sem-
pre a continuidade, uniformidade, diuturnidade, moralidade e obriga-
toriedade. Embora seja a mais antiga entre as demais fontes do direito, 
contemporaneamente é fonte secundária.
Jurisprudência – Como a própria palavra indica, a jurisprudência 
é a prudência dos Tribunais, que se constrói pelas decisões de casos se-
melhantes, entendimento que, aos poucos, vai se tornando pacífico pelas 
semelhanças dos casos concretos julgados, servindo tais fundamentos 
como fonte secundária do direito, destinada ao estudo e à aplicação prá-
tica, a evidenciar também a tendência das correntes jurisprudenciais e 
da compreensão prévia sobre cada caso, fornecendo relevantes elemen-
tos para aplicação em casos novos análogos, concedendo assim certa 
previsibilidade, que muito contribui com a segurança jurídica. Trata-se 
de fonte intelectiva do direito muito útil à pesquisa e ao estudo, pois exi-
be o esforço realizado pelo Poder Judiciário na decisão de conflitos reais, 
um acervo de inteligência prévio.
Princípios gerais do direito – Os princípios gerais do direito reves-
tem as condutas mínimas que o Estado espera de cada cidadão. Embora 
não estejam escritos, os princípios são conhecidos de todos, pois, como 
se fossem mandamentos morais, estão impregnados na consciência in-
dividual das pessoas, orientando e informando o direito. São identifica-
dos por três condutas básicas, cujas expressões latinas também seguem 
abaixo:
a) viver honestamente – honeste vivere; 
b) dar a cada um o que é seu – suum cuique tribuere, e 
c) não lesar o próximo – alterum non laedere.
Doutrina – A doutrina reflete a construçãodo intelecto dos estu-
diosos da ciência jurídica. Os doutrinadores são aqueles que interpre-
tam as leis, levando em conta o comportamento humano e o contexto 
social de seu tempo, considerando todos os fenômenos sob os mais 
variados aspectos, construindo teorias, conceitos e elementos relevan-
tes ao direito.
Podemos notar que as fontes do direito, sejam elas primárias ou 
secundárias, diretas ou indiretas, são os meios pelos quais se formam as 
regras jurídicas.
Por questão didática e para facilitar a memorização, trataremos 
da aplicação das fontes do direito na formação da norma jurídica mais 
adiante, quando estudarmos a LINDB, Lei de Introdução às Normas do 
Direito Brasileiro, no tópico 5 desta Unidade I.
20
 1.4 Como SE orGANiZA o DirEiTo?
O direito se organiza, se classifi ca ou se divide pelo campo desti-
nado ao seu estudo e aplicação à norma jurídica (lei). O organograma 
abaixo descreve as referidas classifi cações mais comuns na doutrina:
Direito natural – O direito natural compreende as regras de convi-
vência humana que foram estabelecidas pela própria natureza. Para os 
antigos gregos, havia a crença de que o direito natural se sobrepunha às 
leis humanas, evidenciando-se esta compreensão na declaração de He-
ráclito, quando disse que: “Todas as leis humanas se alimentam de uma, 
qual seja a divina; esta manda quando quer, basta a todos e as supera”. Os 
Jusnaturalistas são os que compõem a corrente que defende que o direito 
esteja ligado a princípios superiores, identifi cados na natureza racional 
e social do homem.
Direito positivo – O Estado compõe seu ordenamento jurídico 
através das leis vigentes, as quais representam a vontade do povo em 
determinada época, por meio de princípios para convivência pacífi ca. O 
ordenamento jurídico é, portanto, o conjunto de todas as leis vigentes 
em um país, compondo assim o seu direito positivo. 
Direito objetivo – O conjunto de normas impostas pelo Estado que 
possuem caráter geral (norma agendi), pois obrigam a todos indistinta-
mente através da coerção – dever ser. O direito objetivo é assim chama-
do por atender ao objetivo do Estado, que é obrigatório, imposto erga 
omnes através da lei.
Direito subjetivo – Enquanto o direito objetivo impõe uma con-
duta geral (dever ser), anulando a vontade ou escolha, o direito sub-
jetivo (facultas agendi) protege a vontade, permitindo que qualquer 
pessoa física ou jurídica busque o Estado para impelir outrem a um 
determinado comportamento, toda vez que houver lesão ou ameaça de 
lesão a direitos (vinculando-se à vontade do sujeito quanto ao impulso 
da tutela do Estado). 
Direito público – Esta classifi cação é anterior ao Direito Romano; 
compreende-se do ramo do direito público tudo o que diga respeito à 
coisa pública (do Estado), deste modo, poderíamos dizer que o direito 
O francês 
Augusto Comte 
(1789 a 1857) foi o 
responsável pela 
construção da te-
oria na sociologia 
conhecida como 
positivismo. A teoria atribui fato-
res humanos para explicações 
de diversos temas, contrariando o 
primado da razão, da teologia e 
da metafísica. Em vez de se pre-
ocupar com a origem do homem 
e sua criação, os positivistas bus-
cam explicar as coisas práticas e 
úteis às relações sociais (lei).
ComENTário
O pensamento positivista in-
fl uenciou nosso país. A frase "Or-
dem e Progresso" na bandeira 
brasileira se inspirou na máxima 
ética buscada pelo positivismo 
de Augusto Comte: "O amor por 
princípio, a ordem por base, o 
progresso por fi m."
CurioSiDADE
voCABuLário
Erga omnes (latim): Efeito vin-
culante a todos; oponível a to-
dos; contra todos.
Direito Civil
21
público abrange o estudo do Direito Constitucional, Direito Tributário, 
Direito Administrativo, Direito Penal e Processual Penal, Direito Inter-
nacional, etc.
Direito privado – Se destinam ao ramo do direito privado todos 
os temas de estudo que não abrangidos pelo direito público, ou seja, 
aqueles temas que interessam à solução de conflitos entre os particu-
lares e grupos sociais. Exemplos: Direito Civil, Direito Comercial ou 
Empresarial.
 1.5 o DirEiTo CiviL
O Direito Civil, por sua vez, orienta, regula e estuda a relação entre 
os particulares, pessoas físicas ou jurídicas. As relações entre os particula-
res é campo do Direito Privado, e divide-se em relações pessoais, familia-
res, patrimoniais e obrigacionais, estando disciplinadas no Código Civil, 
conhecido entre os estudiosos por “constituição do homem comum”.
Diante do que estudamos até aqui, podemos notar que a sociedade 
requeria muito a organização das leis por meios de códigos, pois se en-
tendia que só este seria o caminho para uniformizar as condutas espera-
das dos indivíduos pelo Estado. Surge então o fenômeno da codificação, 
a começar pelo direito civil.
 1.6 o fENômENo DA CoDifiCAÇÃo
A dinâmica, amplitude e complexidade das relações privadas in-
dicavam a necessidade de sua codificação, com vistas a tornar claro e 
uniforme a aplicação do direito a cada caso concreto. 
Francisco Amaral esclarece que o fenômeno da codificação pretendia 
organizar estruturalmente a disciplina das relações privadas para propor-
cionar igualdade e coordenação, pois expressava o racionalismo do direito, 
que era influenciado naquela época pelo pensamento iluminista, o qual 
marcou a ciência jurídica da modernidade (séculos XVIII e XIX).
Analisando o processo histórico, é possível identificar a codificação 
do direito como uma consequência lógica a que se chegou por razões 
políticas, filosóficas e técnicas daquela época. Regular e sistematizar o 
tratamento para solução das questões, tanto no âmbito privado quanto 
público, realmente apontava ser o melhor caminho para criação de uma 
sociedade melhor, mais justa.
Desse modo, a codificação trazia alguns paradigmas de sua cultu-
ra, a saber: a influência iluminista; o racionalismo; o individualismo; a 
consideração da norma jurídica como comando imperativo lógico-hi-
potético do Estado; o desenvolvimento do pensamento sistemático na 
O Iluminismo, ou Século das 
Luzes, marcou o início de uma era 
em que o poder da razão buscou 
reformar a sociedade, livrando-se 
dos arcaicos conceitos impregna-
dos pela Era das Sombras (Idade 
Medieval). O conhecimento da 
natureza passou a ter um objetivo 
mais claro de utilidade ao homem 
moderno. Esse movimento cultural 
do Século XVIII teve impulso na Eu-
ropa. Do iluminismo surgiu a ideia 
de mecanização, organização e 
controle, que influenciou o direito. 
Immanuel Kant foi um grande 
pensador do iluminismo e contri-
buiu muito com o direito por suas 
obras, das quais destaca-se: “Crí-
tica da Razão Pura”. Ele descreve 
o iluminismo assim: 
"O iluminismo representa a 
saída dos seres humanos de uma 
tutelagem que estes mesmos se 
impuseram a si. Tutelados são 
aqueles que se encontram inca-
pazes de fazer uso da própria ra-
zão independentemente da dire-
ção de outrem. É-se culpado da 
própria tutelagem quando esta 
resulta não de uma deficiência do 
entendimento mas da falta de re-
solução e coragem para se fazer 
uso do entendimento indepen-
dentemente da direção de ou-
trem. Sapere aude! Tem coragem 
para fazer uso da tua própria ra-
zão! – esse é o lema do iluminismo"
ComENTário
voCABuLário
Codificação: Processo cultural 
e histórico oitocentista que re-
alizou a ordenação e sistema-
tização do direito, proporcio-
nando o seu desenvolvimento 
técnico como ciência jurídi-
ca, dada sua uniformização e 
prescrição abstrata de situa-
ções e condutas. 
22
aplicação e interpretação do direito; a teoria monista das fontes do di-
reito, que compreende o direito como sistema unitário, positivo e criado 
pelo Estado; a generalidade e abstração como características da lei e das 
normas jurídicas, tornando possível a existência de norma antes do caso 
concreto por sujeitos descritos pelas condutas previsíveis; a segurança 
jurídica, que justifi cava o formalismo para seidentifi car a justiça por 
todos almejada; a simplifi cação jurídica e a técnica da ciência jurídica; 
a centralidade do Código Civil no sistema das fontes do direito, por sua 
posição central em face da política e da fi losofi a (constituição do homem 
comum); a divisão dos papéis e relações entre Estado (Direito Público) 
e particulares (Direito Privado); a redução do processo interpretativo, 
primando por seguir a previsão do que contido na norma jurídica; e, 
por fi m, a separação radical entre os conceitos de criação e aplicação 
do direito, neste aspecto, transportando por competência à própria lei 
dizer, por previsão nela contida, qual a decisão a ser tomada, consistindo 
a sua aplicação em atividade meramente mecânica do juiz, que fazia a 
subsunção, agindo como “a boca da lei ”.
 1.7
 o ESTADo LiBErAL E o CÓDiGo DE 
NAPoLEÃo
O Direito Civil teve o seu auge no “Estado Liberal”, período his-
tórico marcado pela Revolução Francesa, em 1789, no qual se exaltava 
a liberdade e a autonomia dos indivíduos nas relações privadas, sob o 
grito de liberdade, igualdade e fraternidade. 
voCABuLário
Subsunção: do latim sumo, as-
sumir, tendo o prefi xo sub, em 
lugar de. Literalmente, quer 
dizer tomar o lugar de. No 
contexto de sua leitura, a sub-
sunção do juiz era a atividade 
lógica dedutiva, que apenas 
adequava o resultado ao fato 
já previsto na lei.
Ao examinar as formas de governo, Montesquieu identifi ca a Monarquia (princípio, a honra), o 
Despotismo (princípio, o medo) e a República (princípio, a virtude). Por infl uência da esquecida Cons-
tituição Inglesa, Montesquieu identifi ca a harmonia da atuação de três poderes, e a necessidade de 
respeito quanto ao âmbito de atuação de cada um deles. Para Montesquieu as leis compreendiam 
um comando normativo hermético, fechado, em respeito à teoria da tripartição dos poderes e o juiz 
tinha a atividade de ser meramente “a boca da lei”. Cabia ao magistrado apenas aplicar a norma 
jurídica ao caso concreto previsto na lei. Não podia o juiz interpretar a lei, de modo diverso do que nela 
expresso, sob pena de quebrar a harmonia democrática sustentada no que a lei representa (a vonta-
de de todos). Cada Poder deveria, portanto, estar restrito apenas à sua função 
própria. A relevância do respeito à norma jurídica como prescrição absoluta e 
completa pode ser identifi cada pela leitura de sua obra “O Espírito das Leis”, 
da qual extraímos pequeno trecho abaixo: 
“As leis escritas ou não, que governam os povos, não são fruto do capricho 
ou do arbítrio de quem legisla. Ao contrário, decorrem da realidade social e da 
História concreta própria ao povo considerado. Não existem leis justas ou injus-
tas. O que existe são leis mais ou menos adequadas a um determinado povo e 
a uma determinada circunstância de época ou lugar. O autor procura estabe-
lecer a relação das leis com as sociedades, ou ainda, com o espírito dessas.”
ComENTário
Charles-Louis de Secondat, 
Barão de Montesquieu 
(18-1-1689 a 10-2-1755).
ComENTário
Para a teoria monista, o Es-
tado é a fonte única do direito, 
porque quem dá vida ao Direito 
é o Estado através da “força co-
ativa” de que só ele dispõe. Des-
se modo, como só existe o Direi-
to quando emanado do Estado, 
ambos se confundem em uma só 
realidade. Esta concepção fi cou 
ultrapassada, pois não havendo 
norma jurídica que disponha so-
bre a questão, não poderia o juiz 
decidir.
Direito Civil
23
Após lograr êxito no golpe do 18 de Brumário (1799), Napoleão 
Bonaparte, um ano depois, pela nova Constituição promulgada, assu-
miu o cargo de cônsul vitalício. Entre seus esforços de unificação do Es-
tado francês reabilitou a Igreja Católica, promovendo reformas no clero, 
controlando-a até a instituição do Código Civil (1804). 
O Código Civil da era do imperador Napoleão Bonaparte (1804) foi 
um avanço estupendo para sua época, tanto que, pela sua complexidade, 
serviu de base para o Direito Constitucional e Internacional moderno 
em todo mundo. 
O referido Código se preocupava muito em garantir a liberdade 
ampla e o irrestrito direito de contratar (autonomia de vontade), enfati-
zando também a defesa ao direito de propriedade. Isto porque naquele 
período se compreendia que a lei seria suficiente para demonstrar o de-
sejo do Estado. O contrato, por sua vez, consentido pelas partes, passava 
a fazer lei entre elas (pacta sunt servanda).
Para a elaboração do Código francês, os estudiosos juristas de Na-
poleão buscaram inspiração na inteligência do Código Justiniano, do 
Corpus Juris Civilis e das institutas, que apresentam noções gerais, de-
finições e classificações em três temas: pessoas, coisas e ações. Assim, 
o Código Napoleão apresentava uma parte preliminar, que tratava das 
regras de publicação e da não retroatividade das leis; o livro primeiro, 
que tratava das pessoas; o segundo livro, de bens, e o terceiro livro, de 
aspectos ligados à aquisição da propriedade.
Como se pode observar, o Estado Liberal marcou profundamente o 
Direito Civil por permitir com a codificação sistematizá-lo. Entretanto, 
tinha o viés patrimonialista, haja vista a preocupação do Código Civil 
francês em estabelecer a máxima liberdade de contratar e a autonomia 
na defesa dos bens e da propriedade.
A revolução francesa (1789), marcou a divisão entre a Idade Moderna e a Contemporânea. A França 
vivia sob o governo absolutista do monarca rei Luís XVI, o qual personificava em si mesmo o Estado, reunin-
do portanto a autonomia dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A população daquela época na 
estrutura do Estado Absolutista se representava por três classes sociais: a) Os bispos de alto Clero, identifica-
dos como o primeiro Estado; b) A nobreza, ou aristocracia francesa, identificada como segundo Estado, e 
c) Burguesia, que contava com apoio de membros do baixo clero, comerciantes, empresários, banqueiros, 
trabalhadores urbanos e camponeses. 
O terceiro estado, conhecido por “burguesia”, representava 97% (noventa e sete por cento) da Fran-
ça. Influenciados pelo pensamento iluminista e motivados pela crise financeira, falta de modernização 
econômica e desinteresse pelo investimento no setor industrial, os burgueses deflagraram a Revolução, 
tomando à força a Bastilha no dia 14 de julho de 1789. 
No esforço de combater a Revolução, o Rei Luis XVI pediu apoio à monarquia austríaca e prussia-
na, sendo que no ano de 1792, a Áustria invadiu a França, quando o Rei declarou guerra. Ocasião em 
que a burguesia aproveitou para exterminar a corte, decapitando o rei Luís XVI e sua esposa Maria An-
tonieta, os quais ostentavam um luxo absurdo com suas festas e gastos incompatíveis e que contribuía 
significativamente com a crise econômica. A crise social contribuiu com a crise econômica e culminou 
na crise política com a mutação do paradigma de Governo através da Revolução.
CurioSiDADE
Estado Liberal: O Estado Libe-
ral sucedeu o Estado Absolutista. 
O liberalismo se refere ao período 
do Estado Liberal, que foi marca-
do pela liberdade e autonomia 
dos indivíduos, que se configura-
va na defesa dos bens e de sua 
propriedade.
ComENTário
CODE CIVIL DES FRANÇAIS 
– Disponível em <http://www.
assemblee-nationale.fr/evene-
ments/code-civil-1804-1.asp>. 
Acesso em 26 fev. 2015.
BiBLioTECA
voCABuLário
pacta sunt servanda: Brocardo 
do latim que quer dizer: “os 
pactos devem ser respeita-
dos”, “os acordos devem ser 
cumpridos”.
24
 1.8 o CÓDiGo CiviL BrASiLEiro
O Brasil, no período colonial, era regido pelo sistema jurídico vi-
gente em Portugal, quando então vigiam as Ordenações Filipinas1 que 
tratavam de todos os aspectos jurídicos do país, desde a proclamação da 
independência em 1822, até o dia 1º de janeiro de 1917, quando entrou 
em vigor o Código Civil (1916) elaborado pelo jurista Clóvis Beviláqua.
Antes do Código Civil de 1916, a Constituição de 1824 previa 
a elaboração de um Código Civil, cuja tarefa, de início, fora confi a-
da ao jurista Augusto Teixeira de Freitas,apresentada sob o nome de 
“ConSolidação das Leis Civis”2. O referido esboço do Código Civil 
continha cinco mil artigos e não foi aceito por críticas da comissão 
revisora, que culminaram em desestimular o jurista a continuar. En-
tretanto, o esboço de Teixeira de Freitas infl uenciou o Código Civil 
Argentino. Com efeito, somente após a proclamação da República do 
Brasil (1889) é que foi possível concluir o nosso primeiro Código 
Civil (1916), por Clóvis Beviláqua, o qual sofreu forte infl uência da 
Escola dos Pandectas.
O Código Civil (1916) era precedido por uma pequena lei, a LICC, 
Lei de Introdução ao Código Civil, que na realidade ao longo de décadas 
serviu como parâmetro de interpretação de todas as leis brasileiras. Após 
o texto da LICC, o Código Civil surgia trazendo a parte geral, que apre-
sentava princípios gerais aplicáveis aos livros da Parte Especial.
A exposição de motivos do Código Civil (2002) vigente, demonstra 
os objetivos da lei na ocasião em que o referido Diploma fora publica-
do. O direito se realiza, em atenção às necessidades da sociedade de sua 
época, por isto é imprescindível que quem estuda o direito busque com-
preender sua evolução histórica, e sua incidência no espaço e no tempo.
A comissão de juristas foi nomeada em 1967, sob a supervisão de 
Miguel Reale, sendo que o projeto do Código Civil veio a ser aprova-
do somente em 1984, após o cuidadoso debate e estudo de suas 1.063 
emendas, apresentando seu texto fi nal consolidado com cerca de 2.046 
artigos. Faziam parte da comissão conhecidos e renomados nomes do 
direito brasileiro, sendo José Carlos Moreira Alves (São Paulo) destina-
do a escrever sobre a Parte Geral, Agostinho de Arruda Alvim (São Pau-
lo), Direito das Obrigações, Sylvio Marcondes (São Paulo), Direito de 
Empresa, Ebert Vianna Chamoun (Rio de Janeiro), Direito das Coisas, 
1. BRASIL. SENADO FEDERAL. Biblioteca Digital do Senado. Código Philippi-
no, ou Ordenações e Leis do Reino de Portugal. Disponível em <http://www2.
senado.leg.br/bdsf/handle/id/242733.
2. BRASIL. SENADO FEDERAL. Biblioteca Digital do Senado. FREITAS, Au-
gusto Teixeira de. A consolidação das leis civis. Disponível em <http://www2.
senado.leg.br/bdsf/item/id/242360.
voCABuLário
Exposição	de	motivos é a justi-
fi cativa temporal histórica que 
demonstra os pontos impor-
tantes da alteração pela legis-
lação introduzida no ordena-
mento jurídico.
ORDENAÇÕES 
FILIPINAS – As Or-
denações Filipinas, 
foram compostas 
pela junção das 
Ordenações reais, 
as quais surgiram 
em 1595 no reina-
do de Felipe I. Contudo só vieram 
a entrar em vigor em1603, já no 
reinado de Felipe II. As Ordena-
ções Filipinas foram compostas 
aproveitando o que já havia nas 
Ordenações Reais anteriores, ou 
seja, sintetizou de modo a ajustar 
os textos das Ordenações Afon-
sinas de 1446, das Ordenações 
Manuelinas de 1521, e outras le-
gislações extravagantes da épo-
ca do reinado de Felipe. As Or-
denações Filipinas não buscavam 
inovar, mas consolidar o que já 
existia, surgiram como um resul-
tado do domínio castelhano. As 
Ordenações Filipinas tratavam de 
regular diversos ramos do direito, 
incluindo o público e o privado, 
dividia-se em cinco livros, dispon-
do dos temas na seguinte ordem: 
Livro I – O Direito Administrativo e 
a Organização Judiciária, Livro II – 
O Direito dos Eclesiásticos, do Rei, 
dos Fidalgos e dos Estrangeiros, Li-
vro III – O Processo Civil, Livro IV – O 
Direito Civil e o Direito Comercial e 
no Livro V – O Direito Penal e o Di-
reito Processual Penal. Não havia 
igualdade entre as pessoas, fato 
notório pela existência do Livro II.
ComENTário
Direito Civil
25
Clóvis do Couto e Silva (Rio Grande do Sul), Direito de Família e Tor-
quato Castro (Pernambuco), Direito das Sucessões.
Os juristas buscaram manter a estrutura e as disposições do Código 
Civil anterior (1916), ajustando aos valores sociais e éticos com atenção 
à jurisprudência e legislação da época, olhando para o futuro.
Elaborado de modo a facilitar sua compreensão e uso prático, tor-
nou-se muito mais didático que o Código Civil de 1916, desligando-se 
também da visão individualista, que brindava o cunho patrimonialista, 
inquinando-se a zelar pela socialização e por valorizar mais a dignidade 
da pessoa humana.
Entre suas características marcantes, enfaticamente citadas na ex-
posição de motivos da lei, o Código Civil (2002) buscou unificar o direi-
to das obrigações, exclui matéria de ordem processual e adota o sistema 
de cláusulas gerais, permitindo ao juiz uma margem mais flexível de in-
terpretação para proferir suas decisões a cada caso em concreto.
 1.9
 A ESTruTurA Do CÓDiGo CiviL 
BrASiLEiro
1.9.1. Da Evolução	Histórica	da	Codificação	Civil
Observando o quadro abaixo, notamos a evolução histórica da co-
dificação civil no Brasil. As Ordenações Filipinas, que regiam Portugal 
desde 1603, regulavam também o Brasil-Colônia, tratando de aspectos 
ligados a outras áreas do direito e organização judiciária:
AS ORDENAÇÕES FILIPINAS
LIVRO I Direito Administrativo e Organização Judiciária
LIVRO II Direito dos Eclesiásticos, do Rei, dos Fidalgos e dos 
Estrangeiros
LIVRO III O Processo Civil
LIVRO IV O Direito Civil e o Direito Comercial
LIVRO V O Direito Penal e o Processo Penal
É possível identificar sem nenhuma dificuldade o alto grau de dis-
tinção que se fazia dos indivíduos, e a consolidação do poder da mo-
narquia, no sistema jurídico imposto pelo sistema Brasil-Colonial, pois 
A ESCoLA 
DAS PANDECTAS 
– Na busca de 
interpretar o di-
reito, surgiram 
várias escolas. 
Pandectas era o nome grego que 
se dava ao Digesto, expressão la-
tina que se traduz como “pôr em 
ordem”, nome do antigo Corpus 
Juris Civilis, código estabelecido 
no Direito Romano por Justiniano. 
O curioso é que na interpretação 
jurídica dos casos, a Alemanha 
passou a admitir a aplicação do 
direito romano, não através do 
Legislativo, mas pelo direito con-
suetudinário, pela prática comum 
de aplicação dos juristas, os pan-
dectas, que se valiam desse re-
gramento para fundamentarem 
suas decisões e pareceres.
ComENTário
26
as leis administrativas, a organização judiciária, os direitos do rei, dos 
fi dalgos, dos estrangeiros e até mesmo os direitos civis, comerciais, o di-
reito penal e o processo penal, fi cavam sob o seu comando e supervisão. 
Conforme já estudamos, por infl uência da Revolução Francesa, a 
codifi cação civil brasileira adotou valores do Estado Liberal, inspirando-
-se Clóvis Beviláqua na estrutura do Código de Napoleão para constru-
ção do nosso Código Civil de 1916. O Código de Napoleão, como co-
nhecido fi cou o Código Civil Francês (Code Civil des Français), trazia em 
sua estrutura quatro livros, sendo o primeiro deles um título preliminar 
que procurava descrever o efeito das leis no espaço tempo:
Code Civil des Français 1804 – Código Civil Francês – Código de Napoleão
PRELIMINAR Arts. 1º a 6º Da publicação, dos efeitos e da 
aplicação das leis em geral
LIVRO I Arts. 7º a 515 Das pessoas
LIVRO II Arts. 516 a 710 Dos bens e das modificações da 
propriedade
LIVRO III Arts. 711 a 2302 Dos modos de aquisição da 
propriedade
O Código Civil de 1916, Lei n. 3.071/1916, sob a supervisão do ju-
rista Clóvis Beviláqua, sofreu infl uência do iluminismo, adotando valo-
res do Estado Liberal, com um viés burguês e patrimonialista, por força 
da Revolução Francesa, inspirando-se também no Código de Napoleão, 
trazia ainda a compreensão oitocentista de que o Código representava o 
sistema jurídico em completude (fechado). Tinha três pilares: a família, 
a propriedade e o contrato. Antes do seu texto, era precedido pela LICC 
– Lei de Introdução ao Código Civil, uma pequena lei de 21 artigos que 
identifi cava o início da vigência, a obrigatoriedade, a integração, a inter-
pretação e aplicação das Normas no Tempo e no Espaço:
CÓDIGO CIVIL 1916 – Clóvis BeviláquaLICC Arts. 1º a 21 Introdução 
PARTE GERAL
LIVRO I Arts. 2º a 42 Das Pessoas
LIVRO II Arts. 43 a 73 Dos Bens
LIVRO III Arts. 74 a 179 Dos Fatos Jurídicos
PARTE ESPECIAL
LIVRO I Arts. 180 a 484 Do Direito de Família
LIVRO II Arts. 485 a 862 Do Direito das Coisas
LIVRO III Arts. 863 a 1.571 Do Direito das Obrigações
LIVRO IV Arts. 1.572 a 1.805 Do Direito das Sucessões
Arts. 1.806 e 1.807 Disposições Finais
“Danton, o pro-
cesso da re-
volução” (dire-
ção de Andrzej 
Wajda, 1982). O 
fi lme retrata a 
situação econô-
mica da França, 
quatro anos após a Revolução 
Francesa.
CiNEmATECA
Direito Civil
27
O Código de 1916 teve influência predominantemente francesa (in-
dividualismo quanto conteúdo do Código), além da influência germâni-
ca (quanto à estruturação formal do Código). No revogado Código Civil 
havia uma parte geral, tal qual a codificação alemã – BGB (O Código dos 
franceses não tem parte geral). Aquele Diploma legal adotava a ideia da 
codificação total, de completude. Deste modo, o Código Civil era uma 
lei considerada completa, não precisava de leis especiais. Ao analisarmos 
comparativamente os Códigos Civis de 1916 e 2002, devemos ressaltar 
suas diferenças, em razão dos momentos históricos de cada século (XIX 
e XX). Houve a influência também da reforma das situações jurídicas, 
novos fatores sociais como o advento da Lei do Divórcio (n. 6.515/77); 
Lei dos Conviventes (n. 9.278/96) e a Lei do Inquilinato (n. 8.245/91). 
E claro, primordialmente, a Constituição Federal de 1988. Reportando- 
-nos ao Código Civil vigente, este conservou sua estrutura semelhante, 
tanto na parte geral quanto na especial. Adicionou as obrigações mer-
cantis (comerciais) às cíveis. Prestigiou os microssistemas, cedendo a 
diversas influências do Código de Defesa do Consumidor. No tocante a 
sua recodificação, prestigiou as matérias e as interpretações consolidadas 
a partir do Código Civil de 1916.
O Código Civil de 2002 não foi uma obra solo, mas teve a parti-
cipação de juristas de diversas regiões do Brasil, que ocuparam dife-
rentes papéis como operadores do direito (magistrados, advogados e 
professores de direito), por conta do notável saber jurídico, houve qua-
tro versões iniciais do projeto, publicadas na imprensa oficial (1972, 
1973,1974 e 1975).
Sob a supervisão de Miguel Reale, o qual esclareceu que a inicia-
tiva de um novo Código Civil não surgiu de repente, mas foi conse- 
quência de duas tentativas anteriores que já demarcaram as condições 
que deveriam ser evitadas ou, então, complementadas. Não houve a 
intenção de unificar o Direito Privado em um só Código, como erro-
neamente se pensa; o intento era consolidar e aperfeiçoar o que já era 
seguido no país. Se refere à superação do Código Comercial de 1850 e às 
questões comerciais que por ele não eram mais abrangidas, o que força-
va os juízes a se socorrerem no Código Civil de 1916, situação que pro-
vocou a necessidade de adequação da parte que tratava das obrigações. 
Então, deixou-se de lado a ideia de fazer um Código das Obrigações em 
separado, aproveitando o trabalho já desenvolvido naquele sentido pe-
los juristas Hahneman Guimarães, Orozimbo Nonato e Philadelpho de 
Azevedo, desempenhado no anteprojeto do Código das Obrigações; e, 
depois, do trabalho realizado por Orlando Gomes e Caio Mário da Sil-
va Pereira, quando da proposta de elaboração separada de um Código 
Civil e de um Código das Obrigações, contando com a colaboração, nes-
te caso, de Silvio Marcondes, Theóphilo de Azevedo Santos e Nehemias 
Gueiros. Optar pelo aproveitamento do trabalho já realizado daqueles 
juristas foi o motivo da alteração da ordem da matéria. 
28
Como bem se pode notar, o Código atual, levou em consideração a 
realidade de uma sociedade de natureza agrária, começando a tratar do 
Direito de Família, passando pelo Direito de Propriedade e das Obriga-
ções, até chegar ao das Sucessões.
CÓDIGO CIVIL 2002 – Miguel Reale
PARTE GERAL
LIVRO I Arts. 1º a 78 Pessoas
LIVRO II Arts. 79 a 103 Bens
LIVRO III Arts. 104 a 232 Fatos Jurídicos
PARTE ESPECIAL
LIVRO I Arts. 233 a 965 Direito das Obrigações
LIVRO II Arts. 966 a 1.195 Direito de Empresa
LIVRO III Arts. 1.196 a 1.510 Direito das Coisas
LIVRO IV Arts. 1.511 a 1.783 Direito de Família
LIVRO V Arts. 1.784 a 2.027 Direito das Sucessões
Livro Complementar Arts. 2.028 a 2.046 Disposições finais e 
transitórias
A antiga LICC – Lei de Introdução ao Código Civil, instituída pelo 
Decreto-Lei n. 4.657/42, por muito tempo serviu como tábua rasa de 
auxílio a todas as demais normas do direito brasileiro, deixando de se 
tratar apenas de introdução ao Código Civil. Passou então a ser chama-
da de LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, por 
alteração legislativa introduzida pela Lei n. 12.376/2010, desaparecendo 
da parte introdutória do Código Civil novo.
A Parte Geral passou a enunciar os direitos e deveres gerais da pes-
soa humana e estabelecer pressupostos gerais da vida civil. Na Parte Es-
pecial, disciplina as obrigações que emergem dos direitos pessoais. Pode-
-se dizer que, enunciados os direitos e deveres dos indivíduos, passa-se 
a tratar de sua projeção natural, que são as obrigações e os contratos.
O direito obrigacional traz extensa essa disciplina, diante da neces-
sidade de tratar as questões já não abrangidas pelo Código Comercial 
de 1850, unifi cando as obrigações civis com as obrigações empresariais, 
termo adotado preferencialmente por Miguel Reale, pois a atividade 
econômica não se assinalava mais pelos atos de comércio de outrora, 
tendo uma projeção maior, por relevantes aspectos de natureza indus-
trial ou fi nanceira.
Após o Direito das Obrigações, o Código Civil de 2002 trouxe uma 
parte nova, que é o Direito de Empresa, também no sentido de atender 
às necessidades de uma norma que pudesse regular situações em que as 
Direito Civil
29
pessoas se associam e se organizam a fim de, em conjunto, dar eficácia e 
realidade ao que pactuam. Sem dúvida nenhuma esta foi uma inovação 
inigualável, por não existir codificação semelhante. 
O próximo livro trata do Direito das Coisas, trazendo para o Direi-
to Real uma nova forma de identificar o conceito de propriedade, já sob 
a influência do princípio constitucional, que empresta função social à 
propriedade, abandonando o conceito burguês anterior em que prima-
va o interesse exclusivo do indivíduo, do proprietário ou do possuidor. 
Concluído o livro do Direito das Coisas, surge o Livro do Direito de Fa-
mília, seguido do Livro do Direito das Sucessões. Aqui outro ponto que 
merece destaque, pois trouxe alteração relevante na estrutura do código, 
a qual não encontra símile na codificação dos demais países.
A Comissão trabalhou no sentido de buscar preservar e respeitar o 
trabalho intelectivo do saber jurídico que construiu a estrutura do siste-
ma civil, mantendo a mesma disposição da Parte Geral do Código Civil, 
conquistada desde Teixeira de Freitas, organizando a matéria em coerên-
cia lógica com as recentes codificações3.
Excluiu a matéria de ordem processual, restringindo-se apenas 
aquelas que profundamente ligadas à natureza material.
1.9.2. o Sistema misto – as Cláusulas Gerais e os 
Conceitos vagos
A estrutura ideal de um sistema jurídico dotado de cláusulas gerais 
é aquela que se admite incompleta, aberta e com mobilidade em cer-
tas áreas (novo pensamento sistemático). Para que as cláusulas gerais 
ocupem sua função, demandam flexibilidade do sistema. Desse modo, o 
sistema deve ser aberto ou elástico o suficiente para permitir o melhor 
desempenho de suas cláusulas gerais.
Segundo muitos autores, o Código Civil Brasileiro de 2002 seria ca-
racterizado, então, como um sistema misto, eis que constituído por uma 
parcela de disposições rígidas, por meio das quais o legislador lançou 
mão do método casuístico, que obriga o aplicador da norma a valer-se 
do método lógico-subsuntivo,e outra parcela de disposições flexíveis, 
típicas de um sistema aberto e móvel, possibilitando a incidência de 
cláusulas gerais.
Adotou a possibilidade do uso das cláusulas gerais e conceitos ju-
rídicos indeterminados ou vagos, através da linguagem, como forma 
de flexibilização do sistema jurídico, dilatando ao juiz a possibilidade de 
interpretação para aplicação da norma ao caso concreto. Desprendendo- 
3. BRASIL, SENADO FEDERAL. Biblioteca Digital do Senado. Quadro com-
parativo entre o novo Código Civil e o Código Civil antigo. Disponível em < 
http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/70309/704509.pdf?se-
quence=2 > . Acesso em 30 mar. 2015.
30
-se do falso conceito que existia quanto à completude do sistema jurí-
dico positivado em Código, a mudança na técnica legislativa, incluindo 
cláusulas gerais e conceitos vagos, permitiu a abertura ao sistema jurídi-
co, tornando-o de fechado em misto, o que quer dizer que não é aberto, 
mas apenas permite sua abertura quando diante de um caso concre-
to aplicável. Esta técnica pós-moderna surgiu das transformações que 
ocorreram após a Revolução Industrial; diante das enormes mudanças 
ocorridas na sociedade, não havia mais condições de manter a antiga 
estrutura tradicional, atendendo muito melhor a integração do sistema 
jurídico através das cláusulas gerais. 
Judith Martins-Costa descreve como a linguagem empregada per-
mite que a codifi cação funcione como um sistema aberto, facilitando a 
constante incorporação de soluções de novos problemas, pela jurispru-
dência ou por atividades de complementação legislativa. A jurista afi rma 
que as cláusulas gerais são como janelas deixadas pelo legislador civil em 
razão da mobilidade da vida:
 “Estas janelas, bem denominadas por Irti de ‘concetti di collegamen-
to’, com a realidade social são constituídas pelas cláusulas gerais, 
técnica legislativa que conforma o meio hábil para permitir o in-
gresso, no ordenamento jurídico codifi cado, de princípios valorati-
vos ainda não expressos legislativamente, de standards , arquétipos 
exemplares de comportamento, de deveres de conduta não previs-
tos legislativamente (e, por vezes, nos casos concretos, também não 
advindos da autonomia privada), de direitos e deveres confi gura-
dos segundo os usos do tráfego jurídico, de diretivas econômicas, 
sociais e políticas, de normas, enfi m, constantes de universos meta-
jurídicos, viabilizando a sua sistematização e permanente ressiste-
matização no ordenamento positivo.
 Nas cláusulas gerais a formulação da hipótese legal é procedida 
mediante o emprego de conceitos cujos termos têm signifi cado 
intencionalmente vagos e abertos, os chamados ‘conceitos jurídi-
cos indeterminados’. Por vezes, e aí encontraremos as cláusulas 
gerais propriamente ditas – o seu enunciado, em vez de traçar 
pontualmente a hipótese e as consequências, é desenhado como 
uma vaga moldura, permitindo, pela vagueza semântica que ca-
racteriza os seus termos, a incorporação de princípios e máximas 
de conduta originalmente estrangeiros ao corpus codifi cados, do 
que resulta, mediante a atividade de concreção destes princípios, 
diretrizes e máximas de conduta, a constante formulação de no-
vas normas”.
 A utilização de cláusulas gerais é uma técnica legislativa que per-
mite fazer uso de normas formuladas a partir do uso de concei-
tos jurídicos indeterminados. A vagueza de conteúdo semântico 
possibilita a incorporação, no momento da aplicação do direito, de 
valores fi losófi cos, sociológicos e econômicos.
Direito Civil
31
Segundo Rodrigo Reis Mazzei, existem três espécies de cláusulas ge-
rais no Código Civil de 2002:
1. Cláusulas gerais restritivas – que restringem em certas situações o 
âmbito de um conjunto de permissões advindas da regra ou prin-
cípio jurídico. Por exemplo: a liberdade de contratar está restrita 
à função social do contrato (CC, art. 421)4;
2. Cláusulas gerais regulativas – que regulam com base em um prin-
cípio, hipóteses de fato ou não previstas em lei. Por exemplo: a re-
gulação da responsabilidade civil por culpa (CC, arts. 927 e 943), e
3. Cláusulas gerais extensivas – que ampliam a regulação jurídica, 
permitindo a introdução de princípios e regras de outros textos 
normativos. Por exemplo: O que dispõe o Código de Defesa do 
Consumidor (artigo 7º)5.
1.9.3. os Princípios Norteadores do Código Civil
Miguel Reale também se preocupou em dar ao Código Civil de 2002 
princípios norteadores básicos, os quais deverão ser sempre observados, 
por serem considerados valores essenciais, são eles: 
a) Princípio da Eticidade; 
b) Princípio da Socialidade; e
c) Princípio da Operabilidade. 
Quanto à eticidade, procurou-se superar o apego ao formalismo 
jurídico, conservando as conquistas das técnicas jurídicas (normas ge-
néricas ou cláusulas gerais), sem a preocupação com o rigorismo con-
ceitual, buscando com ênfase proteger a pessoa humana, priorizando a 
boa-fé, a justa causa, a equidade e outros critérios éticos. No que tange a 
sociabilidade, buscou-se afastar o caráter individualista da lei, priman-
4. Código Civil, art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na con-
clusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
5. Código de Defesa do Consumidor, art. 7º – Os direitos previstos neste Códi-
go não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de 
que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos ex-
pedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que de-
rivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade. Parágrafo 
único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela 
reparação dos danos previstos nas normas de consumo.
Tribunal	de	Justiça	de	Minas	Gerais
“Neste sentido, NELSON NERY 
JÚNIOR e ROSA MARIA ANDRADE 
NERY anotam: “A cláusula geral 
contida no art. 422 do novo Có-
digo Civil impõe ao juiz interpre-
tar e, quando necessário, suprir 
e corrigir o contrato segundo a 
boa-fé objetiva, entendida como 
exigência de comportamento 
leal dos contratantes.” (Código 
Civil Anotado e legislação extra-
vagante, Saraiva, 2ª Edição, 2003, 
p. 340-341). Apelação Cível n. 
1.0024.04.262215-9/001, rel. Des. 
Tarcísio Martins Costa, j. 6.3.2007). 
JuriSPruDÊNCiA
32
do pelo predomínio do social, dos valores coletivos sobre os individuais 
(surge então a função social nos direitos: posse, contrato, propriedade, 
etc.). A operabilidade busca as soluções simples que se estabeleçam de 
modo a facilitar a interpretação e aplicação e dar maior efetividade ao 
operador do direito. Característica que permeia o Código Civil, tornan-
do-o mais didático e prático.
Deste modo, o sistema jurídico misto brasileiro permite que as 
questões cíveis sejam julgadas conforme cada caso concreto. Isto é possí-
vel por conta dos conceitos vagos, que para obterem a melhor aplicação 
diante de casos em que exista dúvida ou lacuna interpretativa, permite a 
aplicação das cláusulas gerais, sempre primando por manter o respeito 
aos princípios norteadores do Código Civil.
Ainda estudaremos, logo adiante, as regras de interpretação da nor-
ma jurídica para a correta aplicação do direito em cada caso, por meio 
da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
 1.10
 o CAmPo DE iNCiDÊNCiA Do 
CÓDiGo CiviL
O campo de incidência do Código Civil se refere a área que abrange 
o seu alcance. Conforme pudemos aprender durante o estudo da es-
trutura do Código Civil, no seu Livro Geral, cuida das situações que 
envolvem o direito subjetivo relacionado às pessoas, aos bens e aos fa-
tos jurídicos. Na Parte Especial, desenvolve a regulação do direito das 
obrigações, do direito empresarial, do direito das coisas, do direito de 
família e, fi nalmente, do direito das sucessões. 
Ao entrar em vigor, o Código Civil de 2002 provocou mudanças 
não apenas em relaçãoao direito das obrigações. Além das mudanças 
que já apontamos nos dois últimos tópicos de estudo, Rosa Maria de 
Andrade Nery6 esclarece que a legislação civil vigente revogou a Parte 
Primeira do Código Comercial (arts. 1º a 456), poupando apenas sua 
Segunda Parte (Arts. 457 a 796), que cuida do Comércio Marítimo.
6. NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento jurídico e à teoria 
geral do direito privado. Editora RT: São Paulo, 2008, p. 81.
oS TrÊS TiPoS DE DiáLoGoS 
DAS foNTES:
Para o Ministro João Otávio 
de Noronha, no entendimento de 
Claudia Lima Marques, existem 
três tipos de diálogo das fontes 
entre o Código Civil e o Código 
de Defesa do Consumidor: 1) o 
diálogo sistemático de coerên-
cia – a aplicação simultânea das 
duas leis; 2) a incidência coorde-
nada de duas leis – quando uma 
lei pode complementar a aplica-
ção de outra, conforme o caso 
concreto, valendo também aos 
princípios; 3) o diálogo de infl uên-
cias recíprocas com uma possível 
redefi nição do campo de aplica-
ção de uma lei. Exemplo: defi ni-
ção de consumidor stricto sensu 
e a de consumidor equiparado, 
que pode sofrer infl uência fi nalís-
tica do Código Civil.
NORONHA, João Otávio. Cri-
se de fontes normativas: Código 
Civil x Código de Defesa do Con-
sumidor. Disponível em <http://
www.editorajc.com.br/2011/10/
crise-de-fontes-normativas-codi-
go-civil-x-codigo-de-defesa-do-
consumidor-parte-1/>. Acesso em 
22 mar. 2015.
ComENTário
Direito Civil
33
Em razão da vigência anterior do Código de Defesa do Consumi-
dor, cogitou-se uma crise das fontes (Código Civil e Código de Defesa do 
Consumidor), contudo a doutrina superou este entendimento ao com-
preender possível a coexistência de ambas, contribuindo neste sentido o 
esclarecimento de Claudia Lima Marques, quando trouxe ao Brasil a teo-
ria do diálogo das fontes de seu orientador e mestre alemão, Erik Jaime7.
Entretanto, não se pode esquecer que o Código Civil de 2002 con-
serva a possibilidade de servir como fonte subsidiária do direito, ou 
seja, trata-se de fonte de integração da norma jurídica, aplicável quan-
do houver alguma lacuna de norma, utilizado como instrumento de in-
tegração interpretativa do juiz, ao julgar o caso concreto. Estudaremos 
mais detidamente esta atividade do juiz, quando observarmos o contido 
na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Como se pode 
notar, o uso do Código Civil como fonte de integração da norma jurídi-
ca pelo juiz, sem dúvida nenhuma, dilata aumentando ainda mais o seu 
campo de incidência. 
O Direito Civil, ao longo de sua história no mundo romano-ger-
mânico, sempre ocupou um lugar normativo privilegiado, e ao seu lado 
as normas do direito civil, como pudemos perceber, são as mais antigas 
formas de regulação das relações interpessoais da sociedade, transcen-
dendo as mudanças sociais, políticas e econômicas ao longo dos séculos. 
Diante desta condição inegável, que descreve sua robusta e portentosa 
composição ao longo dos séculos, o direito civil sempre forneceu as ca-
tegorias, os conceitos e classificações que consolidaram diversos ramos 
do direito público, inclusive o constitucional.
A migração do Estado Liberal para o Estado Social a partir do sé-
culo XX, pode ser percebida pela intervenção estatal nas relações pri-
vadas. No Estado Social, passou a ocorrer uma mitigação da amplitude 
da autonomia da vontade, restringindo condicionalmente a autonomia 
privada para garantir os interesses dos mais fracos, pela influência dos 
direitos fundamentais e direitos humanos que surgiram após a Segunda 
Guerra Mundial.
Pessoas,฀Bens฀e฀Fatos฀Jurídicos฀ •฀Arts.฀1º฀a฀103฀CC
Obrigações,฀Empresa,฀Coisas,฀฀ •฀Arts.฀104฀a฀2.027฀CC
Família e Sucessões
Aplicação฀Subsidiária฀ ฀ •฀Fonte฀de฀integração
7. NORONHA, João Otávio. Crise de fontes normativas: Código Civil x Código de 
Defesa do Consumidor. Disponível em <http://www.editorajc.com.br/2011/10/
crise-de-fontes-normativas-codigo-civil-x-codigo-de-defesa-do-consumidor
-parte-1/>. Acesso em 22 mar. 2015.
Veja “o merca-
dor de veneza” 
(direção de Mi-
chael Radford, 
2004); observe 
que no contrato 
da época figura-
va a autonomia 
da vontade, não a autonomia 
privada. Compare a diferença na 
visão de direito no Estado Liberal 
para o Estado Social.
CiNEmATECA
A autonomia da vontade 
trazia o conceito de que uma vez 
manifestada a vontade, como 
por exemplo, em um contrato as-
sinado, deveria ela ser obedeci-
da. Este era o conceito do Estado 
Liberal, fazer garantir a liberdade 
plena, enquanto, na autonomia 
privada, o Estado intervém sem-
pre que a vontade das partes ex-
pressa no contrato vier a ofender 
o ordenamento jurídico. Desse 
modo, se existir um valor resguar-
dado pelo ordenamento, não 
podem as partes usar de tal liber-
dade de contratar para tornarem 
válido o contrato. Exemplo: loca-
dor que aluga imóvel e faz con-
trato, sendo o objeto da locação 
uso industrial que ofende ao meio 
ambiente. Pode o Estado intervir 
e tornar sem efeito o contrato, 
por ofensa a preceito de ordem 
pública.
CurioSiDADE
34
 1.11
 o DirEiTo CiviL E A CoNSTiTuiÇÃo 
fEDErAL DE 1988
1.11.1. o Personalismo Ético e a Dignidade 
Humana
Após a Segunda Grande Guerra Mundial, em razão da consciência 
em defesa da humanidade provocada pela refl exão quanto às atrocida-
des cometidas contra os seres humanos nos campos de concentração 
nazistas, foi proclamada a DUDH – Declaração Universal dos Direitos 
Humanos (10-12-1948), através da Assembleia Geral das Nações Uni-
das, tornando a defesa desses ideais a principal tarefa da ONU – Orga-
nização das Nações Unidas, a qual pactuou em consenso com diversos 
Estados o esforço comum mundial no sentido de tornar claro que a dig-
nidade é inerente a todos os membros da família humana, e que todo ser 
humano tem direitos iguais e inalienáveis à liberdade, à justiça e à paz8. 
De acordo com Karl Larenz9, rompe-se assim com o antigo o paradigma 
patrimonialista, o qual adotava o contrato e a propriedade como meio 
para efetivação dos direitos individuais, passando a fi rmar-se o direito 
das pessoas na sua própria existência, pelo simples fato de se tratar de 
pessoa humana, de onde decorre o novo paradigma, conhecido como 
personalismo ético.
Portanto, o ordenamento jurídico deslocou o foco de valores do viés 
individual patrimonialista, que conservava o Estado Liberal, para o viés 
da valorização da pessoa humana, passando o Estado Social a garantir 
a preservação do direito à dignidade da pessoa humana como garan-
tia fundamental, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos 
(1948). Na visão antiga, sob infl uência do iluminismo, o homem só era 
compreendido como um indivíduo. Para o homem exercer seus direitos 
privados, tinha maior relevância aquele que tivesse seu direito ampara-
do por um contrato, pela posse ou em razão do direito de propriedade. 
Esta nova visão do pensamento jurídico pós-Grande Guerra rom-
peu defi nitivamente com o modelo patrimonialista. Claus-Wilhelm Ca-
naris esclarece que, a partir de então, quase todo ordenamento jurídico do 
mundo moderno passou a instituir a garantia dos direitos fundamentais 
dos cidadãos por meio d e Constituiç ões, organizando sua legislação hie-
rarquicamente, passando tais valores a incidirem efeitos no Direito Priva-
do e em toda legislação infraconstitucional e na jurisprudência.
No personalismo ético, todo homem deve ser percebido como pes-
soa, ser da espécie humana, e por isto digno é de atenção do Estado So-
8. UNESCO. Declaração Universal dos Direito Humanos, 1948. Disponível em 
<http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf>. Acesso em 
26 fev. 2015.
9. LARENZ, Karl. Derecho civil: parte general. Tradução de Miguel Izquierdo y 
Macías. Picavea. Madri:Ed. Revista de Derecho Privado, 1978. § 2º.
voCABuLário
infraconstitucional: é a legislação 
que está abaixo da Constituição.
o julgamento de Nu-
remberg. O fi lme re-
tratade modo claro, 
com cenas reais, o 
motivo que provocou 
a existência do personalismo ético.
CiNEmATECA
KArL LArENZ (1903 a 
1993). Jurista alemão 
que foi professor nas 
duas mais importan-
tes universidades da 
Alemanha: Kiel e Munique. Dedi-
cava-se ao estudo do Direito Civil, 
tendo publicado diversas obras 
jurídicas. Entre suas obras mais 
importantes, além do estudo da 
jurisprudência e valores, trouxe o 
conceito de personalismo ético.
CLAuS-WiLHELm CA-
NAriS (01-07-1937). 
Notável jurista ale-
mão, nascido em 
Liegnitz, que identifi -
cou as lacunas na lei. 
Professor e doutrinador com 16 li-
vros publicados em diversos países, 
além de mais de 180 artigos cientí-
fi cos. Por sua destacada atuação 
e contribuição jurídica e fi losófi ca 
com o Brasil, recebeu em 2012 o 
título de doutor honoris causa pela 
Pontifícia Universidade Católica do 
Rio Grande do Sul. Sobre o tema 
sugerimos a leitura de: CANARIS, 
Claus-Wilhelm. A infl uência dos di-
reitos fundamentais sobre o direito 
privado na Alemanha, p. 225. In: 
SARLET, Ingo Wolfgang (org). Cons-
tituição, Direitos Fundamentais e 
Direito Privado. Porto Alegre: Livra-
ria do Advogado, 2010, p. 206-207.
AuTor
Direito Civil
35
cial, independentemente de estar questionando judicialmente proteção de 
direito contra outra pessoa ou ente privado em defesa de contrato, posse 
ou propriedade. A pessoa enquanto ser da espécie humana (personalismo 
ético) prevalece sobre o antigo paradigma do ter (patrimonialismo).
Dentro desta compreensão, emergiu como garantia fundamental a 
todos cidadãos brasileiros o princípio da dignidade da pessoa humana, 
através do qual se contempla a evolução social histórica do personalismo 
ético, um dos pilares básicos de nosso Estado Democrático de Direito 
(descrito no inciso III do artigo 1º da Carta Magna de 1988).
Com a constitucionalização ocorrendo em diversos países, obser-
va-se que as normas buscam uma natural reorganização, em razão da 
mudança dos seus valores fundamentais, no sentido de repor a pessoa 
humana como centro do direito civil; esta trajetória de emancipação hu-
mana, chamam os doutrinadores de repersonalização dos direitos civis.
Desse modo, o Estado Social passou a dar maior relevância à soli-
dariedade e à função social dos institutos (propriedade, contrato, res-
ponsabilidade civil, família e empresas) para atender melhor à tutela dos 
mais fracos, delimitando a autonomia privada por meio da intervenção 
estatal com aplicação direta e dos direitos fundamentais às relações pri-
vadas, sempre que necessário. Por força dessa influência da Constituição 
sobre as relações civis, o legislador passou a criar diversas outras nor-
mas infraconstitucionais específicas, que tratam com certa autonomia 
de questões de ordem pública envolvendo direitos transindividuais (O 
Estatuto da Criança e Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor, 
o Estatuto do Idoso, etc.).
Paulo Luiz Netto Lobo explica que esta atividade intervencionista 
do Estado em defesa dos direitos constitucionais dos cidadãos foi res-
ponsável por subtrair do Código Civil matérias inteiras, em alguns casos 
transformadas em ramos autônomos do direito, como, por exemplo: o 
direito do trabalho, o direito agrário, o direito das águas, o direito da 
habitação, o direito da locação de imóveis urbanos, como já citamos, o 
estatuto da criança e do adolescente, o direito do consumidor, os direitos 
autorais, entre outros. Este movimento legislativo que de certo modo 
provocou algum esvaziamento das matérias e do campo de incidência 
do Código Civil, movido pelo impulso dos novos valores sociais, na pro-
teção dos direitos da pessoa humana, alguns juristas chamam também 
de descodificação do direito civil. Então, este fenômeno também citado 
como constitucionalização do direito civil poderia ser visto como uma 
elevação dos princípios fundamentais do direito civil, ao plano constitu-
cional, condicionando-os à observância de todos os cidadãos e à aplica-
ção, pelos tribunais, da legislação infraconstitucional.
Nota-se com facilidade que existe de fato um esforço por acomodar 
estes novos valores que se pautam na defesa da pessoa humana, o que 
tem provocado uma verdadeira reconstrução da regulação das relações 
civis, impondo uma nova leitura do Código Civil à luz da Constitui-
ção Federal de 1988. São inúmeros os nomes que podem retratar este 
fenômeno, entre eles: repersonalização do direito civil, despatrimo-
Teoria da eficácia horizontal 
ou irradiante dos direitos funda-
mentais.
Os direitos são transindividu-
ais por zelarem por uma classe 
específica de cidadãos, indepen-
dentemente de exprimirem sua 
vontade. Por exemplo: o Ministé-
rio Público tem legitimidade para 
intervir quando existir interesse 
das crianças e adolescentes, dos 
idosos, dos consumidores etc. A 
organização dessas leis infracons-
titucionais, quando apresenta 
conjunto complexo e capaz de 
lhe conceder certa autonomia, 
chama a doutrina de microssiste-
ma jurídico.
CurioSiDADE
NETTO LOBO, Paulo Luiz. Cons-
titucionalização do direito civil. 
Revista de informação legislativa. 
Senado Federal. Brasília, ano 36, n. 
141 jan./mar. 1999.
SAiBA mAiS
36
nialização do direito civil, constitucionalização do direito civil. A 
doutrina cogita inclusive a criação de uma nova disciplina ou ramo 
metodológico do direito, denominada Direito Civil Constitucional, 
a qual estuda o direito civil à luz da Constituição Federal, tendo como 
eixo norteador os princípios constitucionais (a dignidade da pessoa 
humana, Art.1.º, inciso III; a solidariedade social, Art. 3.º, inciso I; a 
igualdade substancial, Arts. 3.º, inciso IV, e 5.º, caput; a erradicação 
da pobreza e redução das desigualdades sociais, Art. 3.º, incisos III 
e IV) (DE FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 19). Nessa linha, temos 
no elenco quatro categorias de temas da Constituição Federal que ir-
radiam efeitos sobre os direitos civis, sendo que os três primeiros se 
tornaram princípios constitucionais, conhecidos por: a) princípio da 
dignidade da pessoa humana; b) princípio da solidariedade, e c) prin-
cípio da isonomia ou igualdade. Convém informar que existe projeto 
no Senado Federal para erigir a erradicação da pobreza a um princí-
pio também; quando isto ocorrer, poderemos afi rmar que o Direito 
Civil Constitucional estuda a infl uência dos princípios constitucio-
nais sobre o direito civil. Isso porque a erradicação da desigualdade 
social, de certo modo, já estaria sendo aplicada através da efetividade 
do princípio da igualdade substancial.
Então, embora muito mais jovem que o Código Civil, a Constitui-
ção Federal de 1988 passou a infl uenciar diretamente toda a legislação 
brasileira, garantindo o exercício dos direitos fundamentais dos cida-
dãos. No direito de família, consolidou-se a família núcleo natural e fun-
damental da sociedade; o princípio da isonomia (igualdade) extirpou 
as diferenças que haviam entre homem e mulher, entre os fi lhos havidos 
no casamento e fora dele. 
Por força e infl uência da Constituição Federal de 1988, também o 
direito passou a estabelecer a função social (da propriedade, do contra-
to etc.) como meio de controle do Estado Social, garantindo sua inter-
venção imediata nas relações privadas.
A função social deve ser respeitada e, neste sentido, exige determi-
nadas condutas dos sujeitos nas relações civis, sob pena de invalidação 
do negócio jurídico. A função social permite ao juiz seguir as regras ou 
cláusulas gerais para resolver a questão através da equidade.No que diz 
voCABuLário
equidade: traz consigo a ideia 
de distribuição de modo justo, 
proporcional e razoável, sob 
análise do caso concreto.
Direito Civil
37
respeito aos contratos, por exemplo, o Código Civil estabelece no Artigo 
421 que as partes devem contratar, obedecidos a razão do contrato e os 
limites da sua função social. Isto quer dizer que não pode uma parte 
contratar em prejuízo da outra, ou da coletividade,

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