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Aula 4 - Cristianismo e Cultura Ocidental

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Cultura Religiosa
Aula 4 - Cristianismo e Cultura Ocidental
Nesta unidade temática, você vai aprender
· A reconhecer a presença do fenômeno religioso nas mais diversas áreas da cultura ocidental, com foco no cristianismo.
· A avaliar a influência do cristianismo no estabelecimento de relações sociais, políticas, econômicas e culturais.
· A identificar, conhecer e refletir acerca de elementos e princípios da tradição cristã presentes no mundo ocidental, em uma perspectiva da identidade confessional da instituição.
Introdução
Em uma das disciplinas cursadas no doutorado, identificamos mais de 20 definições diferentes para a palavra cultura. Obviamente, elas apresentavam inúmeros elementos comuns, mas também características distintas. Analisadas a partir de uma certa perspectiva, cada definição cumpria um papel: sustentar a argumentação do seu proponente. Nessa tentativa, específicos elementos do conceito costumam ser destacados de maneira que uma tese possa ser mais bem articulada.
A definição apresentada neste capítulo não é diferente. Zoltán Kövecses define cultura como "um conjunto de entendimentos compartilhados." Alguém pode argumentar que essa definição é demasiadamente limitada por, entre outras coisas, não enfatizar objetos reais que participam da cultura. No entanto, a definição se torna mais abrangente à medida que compreendemos que ela também inclui os entendimentos compartilhados que as pessoas têm em conexão com aqueles objetos reais. Esses entendimentos compartilhados lidam com as concepções das pessoas, com a forma como elas entendem a si, seu mundo, sua realidade. Esses entendimentos formam sistemas conceituais que governam a maneira como funcionamos na vida cotidiana. São essencialmente nossos processos mentais e os sentimentos e emoções desencadeados por esses processos que definem a maneira como interagimos com todos os entes que compõem a realidade de nossa existência, o que inclui a nós mesmos.
Inúmeros são os elementos que compõem o “conjunto de entendimentos compartilhados” que caracterizam a cultura brasileira, a qual integra o conjunto mais amplo que caracteriza a cultura ocidental. * Os processos históricos que constituíram essas culturas são diversos e complexos, e podem ser compreendidos a partir de perspectivas diversas. O objetivo deste capítulo é abordar nossa constituição cultural com ênfase em seu elemento religioso, com foco no Cristianismo. Tal ênfase se justifica pelo profundo impacto que a religiosidade cristã, também com suas raízes judaicas, tem tido nos últimos dois mil anos do hemisfério ocidental. Assim, nosso estudo incluirá um passeio histórico por este período que, em seus complexos movimentos, deu origem ao mundo ocidental. Neste passeio, diversos entendimentos caracteristicamente cristãos serão destacados em seu impacto na história e cultura ocidentais. Que este passeio seja rico de experiências e aprendizados para você.
* Este capítulo considerará o período histórico compreendido entre a vida e obra de Jesus de Nazaré e os movimentos reformatórios do século XVI.
O cristianismo e a cultura ocidental
Uma cultura judaico-cristã
O cristianismo surge de dentro do judaísmo. Reconhece como sagrado o texto da Torah e, consequentemente, partilha inúmeras percepções de mundo com a fé testemunhada pelos judeus. Por isso, muitos percebem o pensamento ocidental como sendo caracteristicamente judaico-cristão.
A Criação de Adão de Michelangelo. Fonte: Wikimedia
Um tema central na fé judaica e também na fé cristã é a crença em um Deus Criador. Não se tem por objetivo aqui entrar no velho embate entre evolucionismo e criacionismo, mas ressaltar o impacto que a percepção criacionista, filosoficamente falando, teve sobre a história do ocidente. Pensar a realidade a partir de um Criador estabelece uma clara distinção entre Deus e todo o universo. Mais do que isso, implica a compreensão da realidade que molda nossa maneira de interagir com o mundo e de entender nosso papel na história deste mundo. Karl Löwith, filósofo alemão falecido em meados do século passado, desenvolve uma interessante tese sobre esse tema. Ele argumenta que existem duas visões da história do mundo: uma cíclica e outra linear.
O calendário Maia, que causou inúmeras especulações apocalípticas em 2012, apresenta essa visão cíclica de realidade. Fonte: Wikimedia.
De acordo com sua tese, a visão cíclica se origina em uma compreensão da história da humanidade como um reflexo da realidade cíclica percebida na natureza, no universo. A maneira como os corpos celestes se movem, as diferentes estações do ano, a reprodução dos seres vivos – todos esses elementos apontavam para uma realidade que não tinha fim, mas que se repetia de alguma maneira. Nas civilizações não influenciadas pelo pensamento cristão, ainda se pode ver esse entendimento cíclico da história. Um exemplo é a relação entre Brahman, Vishnu e Shiva, uma expressão da compreensão hinduísta da realidade alicerçada nos conceitos de carma e reencarnação.
A outra visão é linear. Nela, é marcante a ideia de uma história que segue a partir de um ponto inicial. Nessa visão, entende-se a realidade com base em eventos passados ​​quando Deus estava atuando diretamente na história do universo (crença na “Criação” e na “Encarnação de Deus em Jesus,” por exemplo) e prevê-se eventos que acontecerão no final dos tempos (visão escatológica). Isso confere a essa visão uma característica futurista, de uma história que ainda vai alcançar seu clímax. De acordo com Löwith, essa visão tem suas raízes na tradição judaica e cristã e é essencialmente diferente da visão cíclica.
A cultura ocidental está profundamente conectada às ideias judaico-cristãs e essa é a razão pela qual mesmo os entendimentos seculares da história apontam para algum traço progressivo na história humana, o que é uma consequência dessa visão linear. Isso leva a uma compreensão de que a humanidade está progredindo para um objetivo final ou, pelo menos, em direção a um mundo melhor. Tal perspectiva pode ser percebida em pensadores como Georg Hegel, que constrói sua filosofia a partir de um Deus que se realiza através da história, vendo o cristianismo e o hegelianismo como o estágio final do processo. Outro exemplo é Karl Marx, o qual via no proletariado o instrumento para alcançar o objetivo de uma transformação mundial nas relações socioeconômicas. Podemos ainda citar Auguste Comte o qual, inebriado pelo positivismo, reflete sobre como a superioridade intelectual e moral pode ser alcançada pela humanidade para melhorar sua própria existência. O fato é que esses pensadores (entre outros) usam conceitos, ideias, linguagem originados no mundo judaico-cristão, e isso evidencia uma profunda conexão entre o cristianismo e o pensamento ocidental.
Essa tese sustenta que, mesmo que a humanidade não seja capaz de alcançar um estado de perfeição, ela caminhará nessa direção. Esse senso de futuro, de mudança de status, de algo a ser alcançado, origina-se da perspectiva judaica e cristã. Nele, o futuro é o verdadeiro foco da história. No ocidente, esse esquema teleológico ou escatológico tornou possível que a história se tornasse universal, dando a ela um significado existencial.
Jesus: Vida e Obra
A historicidade de Jesus
No século passado, uma enorme especulação dominava as conversas ao redor da pergunta: “Jesus realmente existiu”? Em círculos mais céticos, sua história era encarada como um grande mito religioso, e os relatos de sua vida como contos fantasiosos recitados por pessoas ingênuas. No entanto, as pesquisas recentes têm demonstrado que há consenso em um ponto: Jesus existiu! Se por um lado ainda há discussão sobre os milagres que marcaram sua história de vida, a comunidade científica hoje não nega que, há quase dois mil anos, surgiu na região da palestina um homem que, impactando profundamente a vida de centenas de pessoas, deu origem a um movimento religioso que transformou a história do ocidente de tal maneira que a dividimos em antes e depois de Cristo.
Nesta disciplina, tratamos o texto bíblicocomo saber e herança religiosa, reconhecendo o valor dado a ele por cristãos em todo o mundo. Não nos ateremos aqui aos detalhes da história de Jesus registrados no Novo Testamento. A leitura de um dos evangelhos, como o de Mateus, ou uma sessão de cinema* são boas opções para aqueles que querem conhecer um pouco mais sobre o registro que temos de sua vida. Buscaremos, resumidamente, extrair daquele registro temáticas que norteiem nossa percepção da fé que é elemento estruturante da história e cultura ocidentais.
* Algumas opções sugeridas são: “Jesus, a História do Nascimento” (2006, direção de Catherine Hardwicke), “O Filho de Deus” (2014, direção de Christopher Spencer), “A Paixão de Cristo” (2004, direção de Mel Gibson) ou “A Maior História de Todos os tempos” (1965, direção de George Stevens).
Ensinamentos
Na época de Jesus, havia vários rabis. Eram como professores, mestres, procurados por aquelas pessoas que desejavam aprender de sua sabedoria. Mesmo pelos seus opositores, Jesus foi reconhecido como rabi. Partindo da realidade dos alunos, ele transmitia mensagens transformadoras. Grande exemplo disso são suas famosas “parábolas”.* Com certeza, uma das mais conhecidas e significativas dessas parábolas é a do Filho Pródigo, a qual muitos preferem chamar de “A Parábola do Pai Amoroso”. Por quê? Leia o texto de Lucas 15 através deste link e tente responder você mesmo. Além disso, busque compreender que grande verdade transcendente Jesus ensina através dessa parábola. Uma dica: um conceito central na interpretação dessa parábola é a palavra amor.
*Parábola é uma comparação. Nela, faz-se uso de personagens, objetos, lugares, situações do cotidiano das pessoas e, a partir destes, são feitas comparações que transmitem mensagens transcendentes.
Jesus transmitia mensagens transformadoras.
Na verdade, o conceito de amor pode ser usado para resumir os ensinamentos de Jesus. Aqui, mais uma vez, percebemos a influência do cristianismo no pensamento ocidental. Enquanto outras culturas destacam outros princípios para o viver humano (a cultura japonesa, marcadamente influenciada pelo Xintoísmo, aponta para a honra como valor mais nobre, por exemplo), no ocidente, o amor é reconhecido como o bem supremo na vida e nas relações humanas. Diante disso, torna-se significativo refletirmos um pouco sobre o que o amor significa em um sentido bíblico-cristão.
Comumente, usamos a palavra amor para falar de paixão ou desejo sexual. Outras vezes, compreendemos amor como o mais nobre de todos os sentimentos. No entanto, o amor ensinado por Jesus está acima de desejos físicos e sentimentalismos. Ele se concretiza em uma postura, em uma atitude diante da vida. Tal compreensão nos ajuda a entender melhor palavras bíblicas como “Amem os seus inimigos” (Mateus 5.44). Para Jesus, o amor ultrapassa qualquer sentimento desconfortável, coloca o interesse do semelhante acima de sensações e desejos pessoais e age para o bem das pessoas. Portanto, no cristianismo, não podemos desvencilhar a palavra amor de ação. O amor não pode ficar no nível das ideias, sentimentos ou desejos. Para alcançar a sua essência, ele precisa manifestar-se em ações. Assim, percebemos em Jesus um mestre que ensinava através de palavras e através de exemplos, atitudes. Ele não ficou apenas dizendo “Ama teu próximo”, ele mesmo foi prova irrevogável desse amor. Como ele mesmo disse “Ninguém tem mais amor por seus amigos do que aquele que dá a sua vida por eles” (João 15.13). Encarnando a compreensão divina de amor, o testemunho de vida de Jesus torna-se referencial existencial e ético para os seus seguidores, inspirando milhões de pessoas até os dias de hoje. Suas palavras são: “Eu lhes dou este novo mandamento: amem uns aos outros. Assim como eu os amei, amem também uns aos outros” (João 13.34).
De perseguida à religião oficial do império 
A expansão
Na primeira metade do século I, o Império Romano vivia um período de relativa prosperidade. A cultura era dominada pelo helenismo e a religião apresentava diversas formas de politeísmo. Havia segurança na maioria das estradas que ligavam o Império e era grande a atividade nos portos. O período ficou conhecido como Pax Romana. Dentro dessa realidade, os judeus eram um povo que ainda mantinha, em grande parte, traços distintos. Em geral, seus costumes e religiosidade os diferenciavam do restante do Império. Muitos deles estavam espalhados pelo mundo de então, como consequência da diáspora. Foi nessa realidade que o Cristianismo do Novo Testamento floresceu.
A antiga moeda com duas mãos entrelaçadas representa a busca romana por harmonia e paz no império. A imagem foi largamente utilizada durante o período da Pax Romana. Fonte: Wikipedia
A mensagem cristã era transmitida de boca em boca através de pessoas que, impactadas pela história da ressurreição de Jesus, comprometiam suas vidas com a causa do Mestre judeu. Seus seguidores se espalharam pelo mundo romano, e cada novo convertido tornava-se um multiplicador dos ensinamentos de Jesus. Entre os inúmeros missionários destaca-se a figura de Paulo. Com sua vida dando uma volta de 180 graus, torna-se o mais importante divulgador da mensagem sobre Jesus no mundo não judeu. Sua incontestável convicção de fé alcançou o centro do Império, Roma. Com o passar do tempo, o Cristianismo avançava cada vez mais.
Pessoas consideradas inimigas do estado romano, muitas vezes, eram condenados à tortura ou morte sendo jogados em arenas com feras selvagens. Esses condenados eram chamados de bestiários. Fonte: Wikimedia
Alguns por questões religiosas, outros por questões políticas, percebiam na mensagem de Jesus e no número de seus seguidores uma ameaça em potencial. Isso ocorreu tanto entre líderes judeus como entre líderes romanos. Nero, imperador romano, ao acusar os cristãos pelo incêndio na capital do império (18 a 19 de julho de 64), deu origem a um longo período de intolerância. O Cristianismo foi declarado uma religião fora da lei. Seus seguidores eram passíveis de prisão, tortura, confisco de bens e morte. A intolerância alastrou-se por três séculos. Nesse período, houve momentos de calmaria e tranquilidade para os cristãos. Em outros momentos, líderes romanos promoveram verdadeiros derramamentos de sangue, como é o caso de Décio e Diocleciano. No entanto, como registrou o historiador Tertuliano, o sangue dos mártires era uma semente de cristãos. Quanto mais eram perseguidos, mais aumentava o número daqueles dos que seguiam a Jesus Cristo.
De perseguidos a perseguidores
Não era mais possível fugir de um fato: o Cristianismo era uma realidade irreversível. Nações inteiras dentro do império já haviam sido convertidas. Foi então que uma mistura de convicção religiosa e interesses políticos causou uma reviravolta na situação do Cristianismo. Galério iniciou, oficialmente, o processo de mudança. Em 311, ele promulgou um Édito de Tolerância, dando fim à perseguição iniciada por Diocleciano. Em 313, no ocidente, Constantino fez do Cristianismo uma religião lícita através do Édito de Milão. Em 380, Teodósio tornou o Cristianismo a religião oficial do Império Romano através do Édito de Tessalônica.
De marginais, os cristãos passaram a dominar o cenário religioso de então. Agora pense: De que maneira essa mudança foi positiva e de que maneira ela foi negativa para o Cristianismo? Positivamente, talvez alguns possam apontar para a liberdade de culto bem como para o apoio do Estado para a atividade missionária. No entanto, desde o início, essa perigosa mistura mostrou-se perniciosa, tanto para o estado quanto para a religião que se fortalecia politicamente. O decreto de Teodósio foi imediatamente seguido por intolerância e perseguição, com atitudes extremistas contra aqueles que professavam outra fé. O poder crescente dos líderes da igreja ofuscou sua visão de maneira que não mais enxergavam os ensinamentos mais básicos deixados pelo Mestre Jesus.
A atual separação entre clero e laicato, ainda marcante em algumas denominações cristãs, era desconhecida no chamado cristianismo primitivo.Aqueles que exerciam funções sacerdotais eram respeitados pelo seu ofício, mas estavam tão perto de Deus como qualquer outra pessoa poderia estar. Com o passar do tempo, as diferenças entre clero e laicato foram sendo intensificadas. Tal diferença foi reforçada quando os bispos de algumas cidades do Império começaram a assumir um grau de importância maior. Isso aconteceu especialmente com aquelas cidades por onde um dos doze apóstolos havia passado. Esses bispados assumiram primazia entre os demais. Pastoreando a cidade tida tradicionalmente como o local da morte dos grandes apóstolos Pedro e Paulo, a qual também representava a glória do Império, o Bispo de Roma gozava de posição especial. Não demorou para que se defendesse a submissão de outras comunidades cristãs ao bispo de Roma, que mais tarde veio a ser conhecido como Papa. Cada vez mais o clero colocava-se em uma posição de ascensão, poder e dominação. Regiam sobre as consciências das pessoas devido a distorcidas compreensões da mensagem de Cristo e, obviamente, ao desejo natural do ser humano de manter e ampliar o poder adquirido.
O papado de Roma impunha suas convicções, muitas vezes baseadas em simples ignorância científica e/ou teológica, pela força da espada. Um grande exemplo disso é a Inquisição. Inicialmente criada para orientar e instruir, transformou-se em um braço de julgamento e cruel condenação da época.
Retrato da inquisição. Fonte: Wikimedia.
Disputas de poder ocorreram por todo Império e foram intensificadas nas disputas entre o Bispo de Constantinopla e o de Roma. Além da questão cultural, marcante diferença entre os dois grupos de cristãos, vários desentendimentos provocaram uma crescente divisão entre o oriente e o ocidente. A Controvérsia Iconoclasta (movimento no Império Bizantino que se opôs à veneração de ícones e imagens religiosas) foi apenas o estopim que impulsionou a oficialização da separação através da bula de excomunhão no qual o Bispo de Roma expulsava da Igreja o Bispo de Constantinopla, e vice-versa. Ocorria a primeira grande divisão dentro da Igreja Cristã, conhecida como o Cisma de 1054. Formam-se, então, as Igrejas Ortodoxas Orientais e a Igreja Católica Apostólica Romana. Devido à sua influência sobre o mundo ocidental, esta última será o foco de nossos estudos.
As reformas protestantes do Séc. XVI
A Igreja Cristã na Idade Média
Mil e quinhentos anos depois de seus primeiros passos na Palestina, a Igreja Cristã havia mudado muito. No processo de massificação que seguiu o reinado de Teodósio, ser cristão passou a não depender mais de uma convicção pessoal, mas de uma nova ordem política e social. O Cristianismo estava dividido entre Oriente e Ocidente. Nesse mesmo período, vivia-se na Europa as consequências da exploração marítima, do renascimento do grande comércio e da invenção da imprensa. O mundo estava mudando, e tudo isso despertou um grito de mudança dentro da própria igreja.
Adaptando uma prensa usada para extrair o suco de uvas, Gutenberg criou um aparelho que, fazendo uso de tipos móveis, agilizava em muito a cópia de textos escritos. A partir daí, ideias se proliferaram com facilidade.
Vozes dissidentes se manifestaram através dos escritos de João Wycliffe, professor de Oxford que viveu no século XIV e é considerado o precursor das reformas religiosas que sacudiram a Europa. Ele inspirou João Hus, que entre outras coisas defendia a ideia de que qualquer um poderia se comunicar com Deus sem mediação sacerdotal. Seus ensinamentos, considerados heréticos, o levaram para a fogueira. Mais tarde, também se destacaram os movimentos reformistas liderados por João Calvino e Ulrico Zuínglio. O pensamento desenvolvido por eles impactou muito a teologia evangélica que se seguiu. Apesar de sua importância, iremos focar nossa atenção no movimento reformatório liderado por Martinho Lutero, especialmente considerando seu profundo impacto nas estruturas religiosa, social e política do ocidente e sua conexão com a tradição da Ulbra.
Maximilian Karl William Weber, mais conhecido como Max Weber, escreveu a clássica obra “A Ética Protestante e o Espírito Capitalista,” onde argumenta que a religião foi uma das causas para que as culturas oriental e ocidental se desenvolvessem de forma diversa. Sua tese coloca o protestantismo como um dos elementos essenciais para o nascimento do capitalismo.	
A reforma luterana
No início do século XVI, o papa Leão X sentia a necessidade de firmar a autoridade e poder de Roma. Percebia a Igreja Romana enfraquecida e via na construção da Catedral de São Pedro um movimento importante naquela direção. Para tanto, precisava de recursos financeiros, o que motivou a prática da venda de indulgências.
Assista ao documentário "Os caminhos de Lutero." Nele, Rogério Enachev nos faz conhecer, através de um tour pela Alemanha dos dias de hoje, elementos importantes da Reforma Luterana.
Naquela época, ensinava-se que a Igreja Romana possuía um “tesouro de méritos” (boas ações) conquistado através da vida piedosa de Jesus, Maria, os Santos Apóstolos, entre outros. Esse tesouro poderia ser transferido para os fiéis da igreja através de uma Carta de Indulgências, compensando com as boas ações dos santos o castigo que deveria vir como consequência dos pecados cometidos. A lógica aqui presente está associada ao Sacramento da Penitência, e pode representar um conceito difícil para quem não está familiarizado com a teologia romana. No entanto, grosso modo, a venda dessas Cartas de Indulgência consistia em venda de perdão dos pecados, ou melhor dizendo, isenção do mal que cada um deveria sofrer como consequência do pecado. Era possível comprar indulgências até mesmo para entes queridos já falecidos, garantindo a saída destes do purgatório. Essa cultura surgiu durante o período medieval com forte influência do pensamento religioso que se afastou da Bíblia.
João Tetzel, pregador dominicano, inquisidor, foi o grande promulgador de indulgências na Alemanha na época de Lutero. Fonte: Wikimedia
É importante afirmar que o objetivo de Lutero nunca foi o de dividir a Igreja Cristã. Percebemos isso no próprio nome do movimento: Reforma Protestante (Luterana). Reformar não é construir algo novo, é fazer o que temos em mãos voltar a ser o que era antes. Lutero queria que a Igreja voltasse ao caminho do perdão gratuito ensinado por Cristo e à liberdade conquistada por Ele. No entanto, se muitos apoiaram suas propostas de mudança, tantos outros não concordaram com as ideias defendidas por Lutero. Da mesma maneira como era indesejada, a separação tornou-se inevitável.
Os desdobramentos desse movimento para a sociedade ocidental são profundos, e não temos como articulá-los na mesma dimensão com que impactaram nosso mundo. Em uma sociedade impregnada pelo religioso, mudanças dessa ordem atingiram a vida como um todo. De maneira resumida, podemos dizer que a Reforma alterou a organização política da Europa, enfraquecendo o poder da Igreja Romana e, consequentemente, fortalecendo o poder da nobreza e contribuindo para a criação dos estados-nação. Em sua doutrina dos dois reinos, o pensamento de Lutero lançou as bases filosóficas para o que hoje chamamos de distinção entre igreja e estado. Além disso, fortaleceu ideais humanistas os quais, valorizando virtudes e capacidades humanas, abriram caminho para a revolução cultural e científica que caracterizam o iluminismo. Na economia, trouxe uma certa sacralidade para as profissões lícitas e, valorizando também as bênçãos materiais dadas por Deus para o benefício das pessoas, deu origem a uma nova relação da pessoa religiosa com os bens materiais. Elevou a educação formal à posição de elemento essencial para o desenvolvido das sociedades, defendendo que lugar de crianças, meninos e meninas, era na escola. Isso porque Lutero, que por toda sua vida foi professor universitário, sabia por experiência própria do poder transformador do conhecimento na vida dos indivíduos. Não é sem razão que países impactados diretamente pela Reforma se tornaram referência em educação para o mundo.Universidades que são famosas em todo mundo tiveram sua fundação intimamente ligada a empreendimento educacionais de protestantes. Para uma maior aprofundamento sobre a relação entre Lutero e Educação, acesse este link.
Como parte das celebrações dos 500 Anos da Reforma Protestante, em 2017, a Universidade Luterana do Brasil produziu o documentário “A Reforma Luterana através da Arte” o qual analisou obras de arte produzidas pelos artistas alemães Lucas Cranach e Albert Dührer sobre Martinho Lutero e sua obra:
Também em 2017, a Revista Ultimato publicou o texto “A influência da Reforma na história da pintura” (Clique aqui para acessar), destacando elementos de uma palestra ministrada pelo pintor espanhol Miguel Angel Oyarbide. Em suma, o texto traça uma linha histórica que conecta expressões artísticas contemporâneas ao movimento da Reforma Protestante.
Nessas poucas páginas, fizemos uma viagem panorâmica pelos primeiros quinze séculos da história da igreja cristã. No próximo capítulo, trataremos dos últimos cinco séculos, mas com um olhar voltado para a história brasileira. 
Infográfico

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