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Planejamento Urbano e Plano Diretor Professora Doutora Layane Alves Nunes Diretor Geral Gilmar de Oliveira Diretor de Ensino e Pós-graduação Daniel de Lima Diretor Administrativo Eduardo Santini Coordenador NEAD - Núcleo de Educação a Distância Jorge Van Dal Coordenador do Núcleo de Pesquisa Victor Biazon Secretário Acadêmico Tiago Pereira da Silva Projeto Gráfico e Editoração André Oliveira Vaz Revisão Textual Kauê Berto Web Designer Thiago Azenha UNIFATECIE Unidade 1 Rua Getúlio Vargas, 333, Centro, Paranavaí-PR (44) 3045 9898 UNIFATECIE Unidade 2 Rua Candido Berthier Fortes, 2177, Centro Paranavaí-PR (44) 3045 9898 UNIFATECIE Unidade 3 Rua Pernambuco, 1.169, Centro, Paranavaí-PR (44) 3045 9898 UNIFATECIE Unidade 4 BR-376 , km 102, Saída para Nova Londrina Paranavaí-PR (44) 3045 9898 www.fatecie.edu.br As imagens utilizadas neste livro foram obtidas a partir do site ShutterStock FICHA CATALOGRÁFICA FACULDADE DE TECNOLOGIA E CIÊNCIAS DO NORTE DO PARANÁ. Núcleo de Educação a Distância; NUNES, Layane Alves. Planejamento Urbano e Plano Diretor. Layane. Alves Nunes. Paranavaí - PR.: Fatecie, 2020. 105 p. Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Zineide Pereira dos Santos. AUTORA Layane Alves Nunes, doutora em Arquitetura e Urbanismo pelo Instituto de Arquite- tura e Urbanismo da USP/São Carlos. Mestre em Engenharia Urbana pela Universidade Es- tadual de Maringá (2009), especialista em Planejamento Ambiental pelo CESUMAR (2007), graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Estadual de Maringá (2004). Atua como Arquiteta Autônoma com experiência em desenvolvimento de projetos de arquitetura e consultoria em planejamento urbano; é docente no curso de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Estadual de Maringá (UEM) de 2010 até o momento, foi docente nos cursos de Arquitetura e Urbanismo e Tecnologia em Design de Interiores no UniCesumar, de 2006 a 2016. Trabalha com as linhas de Pesquisa sobre Planejamento Urbano Inteligente e a Formação do território norte Paranaense. Também é orientadora e participante do Núcleo Maringá do BRCidades. LINK PARA ACESSO AO LATTES http://lattes.cnpq.br/2009521020056198 https://wwws.cnpq.br/cvlattesweb/PKG_MENU.menu?f_cod=BC0C9541843908467355C38B8100CC98 APRESENTAÇÃO DO MATERIAL Seja muito bem-vindo(a)! Prezado(a) aluno(a), se assunto desta disciplina te interessa, você acaba de dar o pontapé inicial para adquirir o conhecimento sobre planejamento urbano que iremos trilhar juntos. Proponho conhecermos juntos como se dá a gestão urbana, ou seja, entender como ocorre o planejamento de uma urbe e o qual é a função do seu principal instrumento: o Plano Diretor. Somado a isso, iremos entender quais são as dinâmicas e os enredos que produzem uma cidade, entendendo suas diversas contradições e problemáticas, e perce- beremos que a gestão democrática é a esperança de futuro de uma cidade. Para tanto, a unidade I introduz o conhecimento a ser formado, pois nos apresenta um breve panorama histórico de como o planejamento urbano surge e se consolida no Brasil. Devido ao fato de o desenvolvimento urbano ser influenciado por acontecimentos históricos, veremos também quais as primeiras correntes do urbanismo aplicadas no país e como Movimento Nacional pela Reforma Urbana interferiu nesse processo. A unidade II nos mostrará como os acontecimentos históricos resultam na criação do Estatuto da Cidade e como essa lei federal estrutura a roupagem atual dos planos diretores. A total compreensão da abrangência e aplicação desta lei no planejamento é o foco da unidade. Na sequência, as unidade III e IV tratam especificamente do entendimento da figura do plano diretor. Para isso, a unidade III se dedica a explicar o plano como um instrumento de planejamento, ou seja, como ele é composto por suas leis específicas, e como estas, configuram o desenvolvimento do tecido urbano. A unidade IV traz a visão da autora sobre os caminhos da construção de um plano diretor, então vocês compreenderão como é o processo de elaboração de um plano diretor. Desde já reforço o convite, para percorremos uma trilha de conhecimento sobre a visão do urbano que o conjunto de unidades mencionado nos traz. Espero contribuir para seu crescimento intelectual, profissional e pessoal, pois tenho a certeza que irão imergir no conhecimento do progresso de uma cidade. A cidade em progresso Não cresceu? Cresceu muito! Em grandeza e miséria Em graça e disenteria Deus franquia especial à doença venérea E à alta quinquilharia. Tornou-se grande, sórdida, ó cidade Do meu amor maior! Deixa-me amar-te assim, na claridade Vibrante de calor! (do poema A cidade em progresso, Vinícius de Moraes) Agradeço a atenção, tenham um ótimo estudo! SUMÁRIO UNIDADE I ...................................................................................................... 7 O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil UNIDADE II ................................................................................................... 28 O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos UNIDADE III .................................................................................................. 54 O Plano Diretor e Suas Leis Complementares UNIDADE IV .................................................................................................. 78 A Construção do Plano Diretor Municipal 7 Plano de Estudo: • As cinco correntes do planejamento urbano lato sensu no Brasil • Um breve histórico do processo planejamento urbano no Brasil Objetivos da Aprendizagem • Compreender como surgiu a ciência urbanismo • Conhecer os estilos de planejamento inicialmente aplicados no país • Entender como o planejamento se fundou, se configurou e se desenvolveu no Brasil • Refletir sobre como a população alterou os rumos do planejamento brasileiro • Conhecer as críticas sobre o planejamento atual das políticas públicas locais UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil Professora Doutora Layane Alves Nunes 8UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil APRESENTAÇÃO Esta aposta visa esclarecer o que é o planejamento urbano e como o processo de implantação deste ocorreu no Brasil. O planejamento se deu sobre diversas vertentes e crises e todos os países, seja no europeu e americano. Hoje o Brasil tende a absorver as ações de planejamento americanas e incorporá-las a nossa realidade, mas veremos que no início desse processo a base para a caracterização das cidades era europeia. A necessidade do planejamento nasceu de uma triste realidade de falta de infraestrutura, moradia, epidemias, peste, incêndios, entre outros graves problemas que as cidades enfrentavam ainda na 1ª revolução Industrial. Na atualidade temos cidades desenvolvidas, caracterizadas muitas vezes como modernas, pois incorporam em suas ações de gestão urbana características, conceitos e direcionamentos que o desenvolvimento do planejamento se mostrou ser necessário, visando a qualidade de vida dos habitantes no meio urbano. Há um texto do sociólogo Engels que descreve a realidade dos cortiços de Londres na era da 1ª Revolução, essa realidade se mostrava tão triste, pois relata uma população que vivia em locais de moradia que não possuía ventilação, água encanada ou saneamento básico, vocês podem ter uma ideia disso observando a Figura 1. Em uma passagem do seu texto, o autor escreve sobre a situação de que os moradores dividiam cômodos com outras dez a quinze pessoas mais, e demoravam dias para perceber que havia alguém morto no local, imaginamos como era o cheiro desses espaços. Relatei essa triste realidade que passou, para que vocês possam ter ideia de como a cidade e sociedade evoluiu desde então, por exemplo “não temos mais esgotos a céu aberto”. Coloquei a expressão citada entre aspas, porque em muitos locais, geralmente nas bordas das grandes cidades essa realidade ainda é existente, infelizmente segueatrelada a localização da população carente na área urbana, muitas em áreas favelizadas, também conhecida como a cidade ilegal, pois não possui normativas e a população não tem a posse da terra onde vivem, e essa é o motivo da falta de investimentos. Na realidade atual, vocês podem perceber e reparar na cidade onde moram, que na maioria da área urbana há saneamento básico, distribuição de água potável, iluminação pública, arborização pública, transporte coletivo, pavimentação e outras coisas que estão ligadas às infraestruturas básicas para a organização do tecido urbano. A necessidade 9UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil dessa organização e intervenção nas áreas urbanas, quando necessário, se estruturou e se estabeleceu a partir da evolução da ciência do urbanismo, que estuda e rege o planejamento urbano. Para compreender tudo isso, começamos com esta apostila que trata do planejamento urbano focado no Brasil. Por isso, o texto se inicia com uma introdução de como nasce o urbanismo e consequentemente o planejamento, depois relata brevemente as formas de planejar e a evolução das tipologias. Na sequência nos prendemos por mais tempo em conhecer o histórico dos conhecimentos da ciência Urbanismo aplicado nesse país, com a suas diversas roupagens, alteradas pelas transformações sociais, econômicas e tecnológicas. Portanto, o objetivo aqui é que o aluno(a) adquira o conhecimento das transformações que o planejamento sofreu em seu país, conhecendo seus períodos, suas influências, seus atores, suas roupagens e principalmente sua construção e aplicação, que se remete hoje na elaboração e efetivação de Planos Diretores Municipais, como uma forma de gestão de pública, autônoma em cada município, articulados ou não com a região, mas que deveriam se articular com as políticas públicas e com os investimentos locais. 10UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil INTRODUÇÃO A origem do planejamento urbano atrelada às iniciativas dos primeiros urbanistas, que se originaram da necessidade de atuar sobre as consequências da falta de qualidade de vida presente nas grandes cidades industriais. As problemáticas urbanas, desse período histórico, foram advindas da intensa urbanização decorrente da 1a Revolução Industrial - da descoberta do carvão como fonte de energia – no século XIX (Figura 1). Figura 1: Uma rua do bairro Dudley Street, em Londres. Esta é uma gravura de Gustave Doré de 1872. Fonte: BENEVOLO, 1999. A paisagem urbana degradada se conformava como uma realidade posta, um exemplo desta está retratada na figura acima (Figura 1). Diante disso, o trabalho dos primeiros pensadores urbanos focava em melhorar as condições de salubridade urbana, primeiramente direcionadas para as melhorias sanitárias. Decorrente desse contexto, surgiu no início do século XIX a disciplina científica Urbanismo, tendo como principais pensadores os progressistas e os culturalistas. O planejamento urbano se consolidou em três etapas, relacionando o Plano ao Projeto. A primeira etapa refere-se ao despertar do interesse político e público sobre a cidade, sobre a ótica de planejar a cidade para o futuro. A segunda enfrenta a necessidade de planejar o espaço físico-territorial no tempo, na consolidação da paisagem urbana. Essas duas etapas se referem ao que denominamos de Plano, entendido hoje no Brasil como Plano Diretor de Desenvolvimento Municipal, porém existem outros formatos e temáticas que um Plano Urbano pode assumir, por exemplo Planos de Mobilidade Urbanas, Planos de 11UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil Habitação, porém todos esses devem estar coordenados e articulados com o Plano Diretor do município. A terceira etapa é o Projeto Urbano, este se reflete na modelação física do planejado, ou seja, é a materialização construída das propostas para uso da população (PORTAS, 1996). Ao longo do tempo, o planejamento passou por crises, vinculadas às crises econômicas. Por isso, atualmente a solução encontrada está na flexibilização do Planejamento – do Plano - e a utilização do Projeto Urbano como a alternativa de intervenção no tecido urbano, embasado em oportunidades geradas e em parcerias público-privadas. As parcerias público-privadas, também chamadas de PPPs, ocorrem na Europa desde a década de 1960, pós-guerras, e no Brasil com mais ênfase desde a década de 1990 (ROLNIK, 2015). Assim, entendemos que no processo de planejamento o Plano equaliza as atividades e os anseios humanos dentro da cidade, correlacionando-os com os interesses e as relações sociais e econômicas. Já o Projeto Urbano promove a utilização do espaço, em um processo de tomadas de decisões. Diante do exposto, compreendemos que a produção do espaço urbano está ancorada às necessidades de organização do tecido da cidade, que cresce, se desenvolve e se reinventa a todo momento, uma vez que as necessidades dos cidadãos urbanos se modificam. O principal objetivo do crescimento urbano é, e sempre foi, o aumento das possibilidades de moradia. Esse contexto é recorrente em todos os países e cidades, sejam europeus, americanos, e, não obstante também é no Brasil. Por isso, é impossível desvincular a produção do espaço urbanizado com as políticas públicas e, consequentemente, com a economia e a tecnologia. A elaboração deste texto objetiva elucidar, ainda que brevemente, como o processo de planejamento ocorreu no Brasil, desde o início de suas discussões – no século XIX - até os dias atuais – século XXI. Para compreender isso, trago uma breve trajetória do planejamento urbano, vinculando-o às políticas públicas; aos movimentos populares; as transformações econômicas e tecnológicas; entre outros fatos que marcaram seu percurso, formação e modificações neste país. 12UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil 1. AS CINCO CORRENTES DO PLANEJAMENTO URBANO LATO SENSU NO BRASIL De acordo com Villaça (1999), no Brasil o planejamento urbano se definiu a partir da instituição de cinco correntes lato sensu, amarradas entre o discurso e a prática, são eles: 1. o planejamento urbano stricto sensu; 2. os planos de infraestrutura; 3. o zoneamento; 4. o planejamento de cidades novas; 5. o denominado “urbanismo sanitarista”. 1.1. O planejamento urbano stricto sensu e os planos de infraestrutura Como iremos apreender no texto a seguir, o planejamento urbano stricto sensu pertence a corrente que teve como objetivo as atividades e os discursos que promoveram a origem dos atuais planos diretores. Os planos de infraestrutura urbana eram considerados projetos urbanos, pois se efetivam como construções físicas (VILLAÇA, 1999). 13UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil 1.2. O Zoneamento O zoneamento foi o planejamento lato sensu mais difundido no Brasil, foi iniciado nas últimas décadas do século XIX no Rio de Janeiro e em São Paulo, se configurou como uma legislação urbanística variável em cada espaço do urbano. No Brasil, começou a ser elaborado e implementado sem seguir nenhuma teoria, sem a participação de estudiosos da cidade e sem influências do pensamento estrangeiro, mas ensaiavam-se os passos aplicados na Alemanha e nos Estados Unidos. Este ato de planejamento correspondia e ainda corresponde aos interesses e soluções específicas, dirigidas pelas elites brasileiras (VILLAÇA, 1999). Um Plano de Zoneamento não é considerado um Plano Diretor, mesmo que todo Plano Diretor - no discurso convencional – tenha incluso em suas leis complementares uma lei de zoneamento (uso do solo), resultado da fusão desta lei com da lei do Plano Diretor. Isso se efetivou na década de 1990. Abaixo há uma imagem aérea da cidade de Maringá, Paraná, onde podemos verificar como a paisagem urbana foi formada a partir dos parâmetros urbanísticos contidos na lei de Zoneamento Urbano. Isso é percebido pelas áreas verticalizadas ou nãoda cidade. A verticalização, caracterizada pelo o alto gabarito, está presente nos principais eixos de circulação (ECS – eixo de comércio e serviço) e o baixo gabarito no interior dos bairros (Figura 2), isso é intencional. Figura 2: Zoneamento Urbano de Maringá, imagem de satélite da área central com vista para o Parque do Ingá. Legenda: ZC (Zona Central) área de verticalização e adensamento urbano; ECS C eixo de comércio e serviço do tipo C; ZR1 zona residencial do tipo 1, onde não se permite verticalizar; ECS E eixo de comércio e serviço do tipo E, permitido verticalizar até três pavimentos. Fonte: Plano Diretor de Maringá, Lei n. 888/2011, adaptado pela autora. 14UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil 1.3. O projeto e a construção de cidades novas Essa prática de urbanização teve início no final da década de 1980, quando a cidade de Belo Horizonte foi inaugurada, se consolidou com a absorção - ao menos por parte dos planejadores engenheiros1 - do urbanismo monumental e embelezador das cidades barrocas, como Versalhes (França); Washington (Estados Unidos) e Paris (França) (VILLAÇA, 1999). O Brasil é um dos países que disseminou o planejamento de cidades novas por todo seu território, foram inúmeras cidades planejadas e executadas, como: Goiânia (GO, Figura 3), Volta Redonda (SP), Londrina (PR), Maringá (PR), Brasília (DFFigura 4) e várias outras. Figura 3: Planta do Setor Central, Goiânia, 1938 Fonte: MEDEIROS, 2005. Figura 4: Esboço do Plano Piloto de Brasília Fonte: Arquivo Público do Distrito Federal, Fundo Novacap2 1 Cito nesse momento da história a participação de engenheiros urbanista como planejadores de cidades, pois não haviam escolas de arquitetura no Brasil (FELDMAN, 2010) 2 Disponível em <https://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/projeto-arquitetonico-de-lucio-costa-para- brasilia-completa-60-anos.ghtml>, acessado em 09 de abril de 2020. 15UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil 1.4. O urbanismo sanitarista Esta foi a mais restrita de todas as correntes do urbanismo brasileiro, praticamente se extinguiu na década de 1930, seus exemplos mais emblemáticos estão nas obras de Saturnino de Brito, principalmente a dos canais de Santos (SP, Figura 5), uma obra de infraestrutura urbana que drena todas as águas pluviais da cidade (VILLAÇA, 1999). Figura 5: a imagem da direita é um retrato do engenheiro sanitarista Saturnino de Brito e a esquerda uma imagem do seu projeto para os canais de Santos (SP). Fonte: http://spb.org.br/os-canais-de-saturnino-de-brito/, acessado em 09 de abril de 2020. 16UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil 2. UM BREVE HISTÓRICO DO PROCESSO DE PLANEJAMENTO URBANO NO BRASIL A urbanização é um fenômeno que ocorre ao redor de todo o globo com velocidades diferentes entre os países. O Brasil é o maior país da América Latina e um dos maiores em população no mundo, segundo dados de 2015, somos a 4a maior população urbana do planeta, depois da China (1o); Índia (2o) e dos Estados Unidos (3o). A população urbana brasileira cresceu exponencialmente a partir da década de 1960, resultado do desenvolvimento industrial que teve sua maior ênfase na década de 1950. A partir de 1970 invertemos os números entre a população que residia na área urbana e na rural, e em 60 anos, de 1960 a 2020, nos tornamos um país predominantemente urbano (GLAESER, 2016). Somos um país com uma vasta extensão territorial e com mais de 200 milhões de habitantes, consequentemente temos uma das maiores desigualdades sociais mundiais, altas taxas de violência, problemas nos setores da educação, saúde e infraestruturas urbanas. Essa realidade denota como é importante a discussão e o equilíbrio do planejamento urbano no contexto brasileiro. A pergunta que fica é: como esse processo ocorreu e ocorre no Brasil? Com base em Villaça (1999), sabemos que o planejamento urbano brasileiro passou por três períodos macros, que abrangem os seguintes espaços temporais e temáticas. De 1875 a 1930 foi primeiro período, que contextualizou os Planos de Melhoramentos e 17UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil Embelezamentos Urbanos. O segundo período parte da década de 1930 até a década de 1990, período dos Planos Tecnocráticos que assumiram diversas roupagens, promovendo uma base técnica e científica para a solução dos problemas urbanos. O terceiro período se iniciou a partir da década de 1990 e segue até hoje, é o momento da formação atual da aplicação dos Planos Diretores de Desenvolvimento Municipal como a principal ferramenta de planejamento de um município, que se consolidou como reação ao modelo tecnocrático anterior, visando politizar os Planos Diretores, a partir das inovações advindas da Constituição Federal de 1988, associado à participação popular, mais focado no controle do solo urbano. 2.1. Primeiro Período do Planejamento no Brasil (1875 a 1930): os Planos de Melhoramentos e Embelezamos O primeiro período, de 1875 a 1930 - como citado anteriormente - foi o momento de maior evidência na concretização de Planos de Embelezamentos e Melhoramentos em cidades brasileiras, mais concentrados nas capitais de maior importância econômica daquela época, como Rio de Janeiro e São Paulo. O período da ascensão destes Planos foi até o ano de 1906, quando a elite dominante (de maior poderio financeiro) cobrava dos governantes que a aparência das cidades europeias (visitadas por eles) fossem implantadas nas cidades brasileiras. Depois disso, até 1930, devido às manifestações operárias e a necessidade de tornar as cidades mais eficientes, os planos de embelezamento declinaram, e passaram a mudar seu objetivo, visando a produção de infraestruturas urbanas, ou seja, os planos de melhoramentos (VILLAÇA, 1999). Trazemos quatro exemplos emblemáticos de Planos de Embelezamentos e Melhoramentos realizados como intervenções urbanas. O primeiro exemplo é o Plano de Pereira Passos (1903 – 1906), plano de Embelezamento, que visava a revitalização da área central da capital do Rio de Janeiro, para que o projeto fosse implantado, cortiços, ruas e edifícios foram demolidos e reconstruídos, a população de menor renda foi excluída da área, e a topografia do sítio foi alterada (Figura 6). O segundo exemplo, também foi realizado para a mesma área do Rio de Janeiro, é o Plano Agache (década de 1930), que proporcionou ideias para a expansão e adensamento do local (Figura 7). 18UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil Figura 6: Plano de Pereira Passos para a área central da cidade do Rio de Janeiro (1903-1906) Fonte: AZEVEDO, 2017 Figura 7: Imagens do Plano Agache para a cidade do Rio de Janeiro, Fonte: SEGRE, 2010. O terceiro exemplo é o Plano de Saneamento das Águas Pluviais (1905 – 1909) elaborado por Saturnino de Brito para a cidade de Santos, litoral do Estado de São Paulo (Figura 5). Nessa mesma linha de intervenções em infraestrutura, Planos de Melhoramentos, apresentamos o quarto exemplo, que está na transição dos dois primeiros períodos, o Plano de Avenidas do Prefeito Prestes Maia para a capital de São Paulo, que orientou o crescimento urbano sem limites claros, por meio de um emaranhado radial de avenidas para a circulação urbana (Figura 8). 19UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil As intervenções nas cidades decorrentes desses atos possuíram carácter de Projeto Urbano. No discurso as intervenções foram oriundas das premissas citadas, objetivavam que a cidade se civilizasse, se harmonizasse e se embelezasse, por meio de projetos de revitalizações da paisagem, com estilo belle époque. Além disso, havia o foco direcionado para a melhoria das estruturas urbanas, voltados ao sistema viário e melhorias sanitárias (VILLAÇA, 1999). Figura 8: Imagens que ilustram o Plano de Avenidas de Prestes Maia para a cidade de São Paulo, 1930. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Plano_de_Avenidas_de_São_PauloPara Feldman (2010), o marco do desenvolvimento da ciência urbanismo no Brasil ocorreu a partir da década de 1930, quando alterações em diferentes esferas ocorreram, visando atingir três necessidades principais: o alargamento da concepção desta ciência (escolas de urbanismo); o controle do crescimento urbano e a presença de urbanistas nas administrações públicas. Esse equivale também ao momento que a industrialização brasileira teve seu start no seu desenvolvimento, com ápice nas décadas de 1950 e 1960 no país, consequentemente a população urbana cresceu, marcando a necessidade de remodelação do planejamento das cidades, que refletiram na necessidade de controlar e orientar o crescimento urbano. O reflexo administrativo destas concepções foi materializado com a aprovação de leis que regulam o crescimento urbano até hoje, foram as primeiras normativas urbanas brasileiras: o Decreto de Lei no. 58/37 e a Lei Federal no. 6766/79. 20UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil 2.2. Segundo Período do Planejamento no Brasil (1930 a 1990): a tecnocracia dos planos. Os acontecimentos citados acima ocorreram conjuntamente com o segundo período do planejamento brasileiro. Segundo Villaça (1999), o período abrangeu seis décadas, de 1930 a 1990, foi marcado por inúmeras críticas por ter sido desenvolvido de forma tecnocrática, pois era tão técnico que as propostas não se efetivam, pois estavam descoladas da realidade local e/ou dos anseios da população, isso colocou esse formato de planejamento em declínio. Por isso, este pode ser considerado um momento ímpar, transitório, por apresentar um contraste entre a crescente organização e a consciência das classes populares, somado fragilidade momentânea das classes dominantes (SAULE JÚNIOR e UZZO, 2009). O planejamento então ganhou três roupagens onde predominava a razão, a ciência e o poder estatal (manipulado pelas elites). Inicialmente de 1930 a 1965, foram elaborados os planos para o discurso, ou seja, era um plano sem ações efetivas. De 1965 a 1971 fo- ram desenvolvidos os chamados Superplanos, totalmente técnico, compostos de extensos diagnósticos, que não possuíam proposições aplicáveis no desenvolvimento urbano, como exemplo temos o plano Doxiads para a Guanabara, Rio de Janeiro (Figura 9). Quanto mais complexos os planos se tornavam, mais os problemas sociais cresciam (VILLAÇA, 1999). Figura 9: Imagem do Plano Doxiads, para o Rio de Janeiro, 1965. Fonte: https://urbanidades.arq.br/2008/11/10/urbanismo-e-planejamento-urbano-no-brasil-1875-a-1992/ 21UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil De 1971 a 1992 houve a alternativa de elaboração de planos urbanos sem mapas, realizados por técnicos das administrações municipais, eram extremamente simplificados, sem diagnóstico técnico ou com diagnósticos reduzidos, seus dispositivos eram um conjunto de generalidades. Apesar disso, possuíam boas diretrizes, mas não resolviam os problemas das cidades, suas intenções eram as melhores possíveis, visavam eliminar as discórdias e ocultar os conflitos. Um exemplo foi a lei que instituiu o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado do município de São Paulo (PDDI), Lei no. 7.688/1971, que se configurou como uma simples lei, sem diagnóstico técnico (VILLAÇA, 1999). Podemos associar a versão da roupagem dos planos sem mapas como uma resposta aos movimentos sociais ocorridos na década de 1980. Quando as manifestações populares pelo direito à moradia e consequentemente à cidade (LEFEBVRE, 1970) tentaram e conseguiram ser ouvidos, e por um período refletiram em alterações no rumo do urbanismo. Os movimentos populares também mostraram o insucesso do planejamento daquele momento, assim como a extinção do Banco Nacional da Habitação, em 1986. Mas, esses eventos tiveram um imenso ponto positivo e crucial na história do planejamento urbano do Brasil, culminam na incorporação dos artigos no. 185 e 186 na Constituição Federal de 1988, que deram origem as raízes do desenvolvimento do planejamento voltado à democracia, restando as elites a “perda” de influência. Pena que isso não perdurou por muito tempo! A incorporação dos artigos acima citados na Constituição Federal de 1988, assumiu que havia a necessidade de novas políticas públicas, principalmente o reconhecimento da função social da propriedade e da cidade, de novas políticas habitacionais (como a regularização de favelas), do combate à gentrificação e da necessidade de se exercer um planejamento obrigatório e autônomo em cada município. Tanto que a Constituição, em seu artigo no. 30, iniciou a obrigatoriedade de elaboração de Plano Diretores – para cidades com mais de 20.000 habitantes -, cujo objetivo era que a partir de então os municípios pudessem receber recursos financeiros do Governo Federal. Com isso, alguns Estados também passaram a gerenciar de forma autônoma e obrigatória o seu planejamento estadual, regional e municipal, com autonomia embasada na Constituição. 22UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil 2.3. O Movimento Nacional pela Reforma Urbana Em 1963 uma proposta de reforma urbana foi elaborada e discutida em um Congresso de Arquitetura promovido pelo Instituto Brasileiro dos Arquitetos (IAB). A ditadura militar, ocorrida em 1964, interrompeu o movimento e a luta pela política urbana já fragilizada, uma vez que os problemas urbanos ainda não eram tão acentuados, apesar dos movimentos sociais serem fortes, sobretudo abrangendo a temática da moradia. Entre as décadas de 1970 e 1980 gradativamente os temas pela Reforma Urbana apareceram nas discussões populares. E com o fim da ditadura, em 1984, a discussão foi retomada, em janeiro de 1985 ocorreu o Movimento pela Reforma Urbana Brasileira (RIBEIRO e CARDOSO, 2003). O movimento contou com muitos atores, como: • Setores da Igreja Católica. • Movimento social. • Intelectuais. • Técnicos da área urbana • Entidades organizadas em torno da política urbana. • Partidos clandestinos e legais. Obteve mudanças consideráveis na melhoria das condições de vida e reivindicações por moradia; a volta do estado de direito e a liberdade de expressão, e ainda a prática cotidiana da democracia (MARICATO, 2015). 23UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil A articulação desse forte movimento nacional discutiu propostas para cidade, que foram incorporadas à nova Constituição Federal de 1988. O objetivo principal do movimento foi a (re)conceituação do planejamento urbano como instrumento de democratização da gestão urbana, tendo três definições como as principais incorporadas à plataforma da Reforma Urbana (RIBEIRO e CARDOSO, 2003): 1. Função social da cidade e da propriedade urbana, onde deve prevalecer o interesse comum sobre o individual; 2. Direito à cidade e à cidadania, buscando a universalização do acesso aos equipamentos e aos serviços urbanos; 3. Gestão democrática da cidade, como uma nova alternativa para planejar e governar as cidades, sendo estas submetidas ao controle e a participação popular. A Emenda Constitucional foi encaminhada por seis entidades nacionais e várias regionais, ficou conhecida como Emenda da Reforma Urbana, e originou o Capítulo da Política Urbana, inserido no título “Da Ordem Econômica e Financeira” da Constituição de 1988. Em 2001, o Estatuto da Cidade foi aprovado e com ele a regulamentação do capítulo da Política Urbana da Constituição foi regulamentado (MARICATO, 2011). 2.4. Terceiro Período do Planejamento no Brasil (1990 até hoje): a tentativa de democratização do planejamento. Diante desses fatos, pós década de 1990 tem-se uma nova alternativa de planejamento, construída como uma resposta contrária ao que ocorreu no período anterior. Para Villaça (1999) e Rolnik (2015), este foi o momento do início da busca pelos direitos sociais ao de acesso à moradia, e principalmente foram ampliadas as críticasvoltadas às obras públicas de infraestruturas que negligenciavam à população geral, excluindo a população de baixa renda, essa realidade é nominada de gentrificação. Para Villaça (1999) esse é o terceiro período. Neste momento estava se concretizando a redemocratização do planejamento, sendo esta a interface para o direito à cidade, que teve seu ponto auge na aprovação do Estatuto da Cidade, Lei Federal no. 12.257/2001. O Estatuto ampliou a obrigatoriedade de elaboração de Planos Diretores para outras formas urbanas - iremos discutir isso na próxima apostila -, e também criou e implantou uma série de instrumentos urbanísticos que visam combater a especulação imobiliária e com isso garantir a função social do solo urbano. 24UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil Esse fato mudou de vez a roupagem, o formato e o objetivo do planejamento urbano no Brasil. Mas, para Rolnik (2015), esse foi período de expectativas e também de contradições, quando o Governo Neoliberal atuante reiniciou o processo de financeirização do setor privado, deste modo novamente passou a atuar em favor das classes altas (as elites dominantes) e não mais olhava diretamente para a massa populacional (a população carente). Conforme a autora, o governo iniciou o programa social de habitação, com o Governo e os Bancos articulados. Porém, o PAR (Programa de Arrendamento Residencial) colocou o empreendedor privado como o articulador responsável por todo o processo de financiamento da construção de moradias (terreno e construção). Isso revela que a Reforma Urbana novamente se configurou por meio de coalizões que beneficiavam alguns, e infelizmente não todos. Não podemos esquecer que esse também foi o período da popularização do automóvel (1990-2000). Quando o automóvel deixou de ser um bem de luxo e se tornou a opção de deslocamento da classe média. A autonomia proporcionada no deslocamento, tanto na rota como no tempo, possibilitou - um fato importante para o meio urbano - um crescimento da mancha urbana que seguiu diferentes sentidos, e ocorreu sem precedentes em extensão. A forma urbana, decorrente disso, é determinada como dispersa e fragmentada, e com ela vieram mais opções de localidades de moradias (RODRIGUES, 2016). Durante esse tempo, também ocorreu o processo de descentralização industrial, fenômeno que deslocou as áreas industriais dos espaços centrais das cidades, seja pelo fato de suas plantas não atenderem mais suas prioridades de produção, ou pela dificuldade de acesso à matéria-prima, ou escoamento da produção. Além, as iniciativas de zoneamento urbano e dos conflitos de uso, também foram fatores geradores de tal iniciativa, regulamentas pelo planejamento. Todavia, as plantas industriais passaram a localizar-se nas margens dos principais eixos rodoviários conectores de cidades (VILLAÇA, 2001). No mesmo sentido de localização os grandes equipamentos urbanos também foram implantados, nas bordas dos tecidos urbanos, desenvolvendo essas áreas e gerando áreas obsoletas no centro do tecido consolidado. Um exemplo claro disso é a Zona 10, antiga Zona Industrial de Maringá, Paraná. Isso tudo foi possibilitado, dentre outros pontos, pelo acesso ao transporte individual. Não é por acaso que hoje a pauta da vez do planejamento é a mobilidade urbana, no Brasil e no mundo. Os Planos de Mobilidade Urbana se preocupam com a precarização do transporte público, com o tempo de deslocamento, com o custo de deslocamento, com as mortes no trânsito, entre outros pontos. 25UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil No Estatuto da Cidade há um instrumento chamado Operações Urbanas Consorciadas3 e junto deste foram efetivadas as parcerias público-privadas, ao contrário do que inicialmente objetivava o Estatuto, estas passaram a deter o poder de decisão dos projetos urbanos realizados no Brasil. Decorrente disso, a produção do solo urbano se transformou em moeda de troca eleitoral. Para Rolnik (2015), isso resultou em um modelo de financeirização imobiliária, comandada pelo setor privado, que direcionou a lógica do crescimento urbano com operações financiadas pelo fundo público do FGTS. De qualquer modo, os avanços no campo das políticas urbanas vieram juntamente com o Estatuto da Cidade, em 2001, uma vez que este visa a participação popular e o direito à cidade. O marco do Governo seguinte foi a criação do Ministério das Cidades, cuja função era apoiar a formatação de políticas urbanas locais. Além disso, recursos para a baixa renda foram implantados, para retirar famílias da linha da miséria, uma dessas ações foi o aumento do salário mínimo e a transferência de renda (o Programa Social do Bolsa Família), fora isso, recursos para o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) foram gerados em 2004 e o PPPs (Parcerias Público Privadas) em 2007 foram estabelecidas, para a construção de infraestruturas urbanas e loteamentos que garantiriam o acesso à moradia (ROLNIK, 2015). Esse conjunto de alternativas econômicas, administrativas e tecnológicas instituiu a roupagem atual da elaboração de Planos Diretores para os municípios brasileiros. Para compreender melhor como esse processo se dá hoje, vamos entender como o Estatuto da Cidade contribuiu para isso na Apostila 02, e o que é efetivamente o instrumento do Plano Diretor na Apostila 03, na Apostila 04 veremos como ele é elaborado e se reflete na sociedade. 3 Veremos mais sobre esse Instrumento na Apostila 02, que trata especificamente do Estatuto da Cidade. 26UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil CONSIDERAÇÕES FINAIS Hoje no Brasil o planejamento possui duas frentes de ações: o Estado capturado pelo privado versus a democratização no combate à pobreza, exclusão e opressão. Apesar de tudo ainda é possível realizar a regularização fundiária, por meio da ocupação de áreas e construções abandonadas, como um exemplo de garantia da função social da propriedade, advinda da Constituição Federal de 1988, gerando a possibilidade de acesso à moradia para muitas famílias. Juntamente com tudo isso, também houve uma evolução no acesso à educação, formação e informação dos cidadãos, o que promove o retorno dos movimentos sociais a favor dos oprimidos e demarca seus lugares na cidade. Mesmo com o auxílio dessas políticas públicas o planejamento não atingiu a democratização. O resultado foi a periferização das cidades, os tecidos urbanos dispersos e fragmentados, e o efeito colateral foi a evidente segregação urbana continuada, refletida pelo processo de gentrificação, gerado pela especulação imobiliária. Essa realidade é mascarada pela ideologia de que os problemas urbanos são causados apenas pelo crescimento desordenado e que o planejamento integrado seria a forma de solucioná-los. Porém, a realidade é a de que o Estado não consegue resolvê-los, uma vez que os Planos Diretores Municipais não se articularam com as ações públicas e com as iniciativas de investimentos. 27UNIDADE I O Planejamento Urbano e sua Evolução no Brasil REFLITA Apesar de tudo, hoje no Brasil, temos um planejamento individual em cada município e diretrizes metropolitanas aprovadas juntamente com Estatuto da Metrópole, em 2015. Assim, o planejamento e consequentemente a produção urbana está mais especializada, com o desenvolvimento de planos complementares aos Planos Diretores, a exemplo os planos de habitação, planos de mobilidade, planos de intervenções urbanas, etc. A população por sua vez tem voz ativa, é obrigatoriamente ouvida, devido ao instrumento da gestão democrática. A urgência, deste momento, está em articular os Planos Diretores com as ações das políticas urbanas em suas diferentes escalas (AUTORA, 2020). Fonte: a autora. SAIBA MAIS Os pré-urbanistas, como denominam as pesquisadoras Choay (1979) e Calabi (2012) são divididos em dois grupos: os progressistas e os culturalistas4. Em resumo: Os progressistas:defendiam a tecnologia como o futuro das cidades, a exemplo dos modernos, o termo comumente utilizado para eles era a Cidade da Máquina Os culturalistas: defendiam os princípios artísticos para construir cidades, como os ingleses com seus ideais de cidades-jardins 4 Se quiserem compreender melhor esse assunto sugiro a leitura de Calabi (2012). Os detalhes desta referência de leitura estão na bibliografia desta apostila. 28 Plano de Estudo: • O que é o Estatuto da Cidade • A articulação do Plano Diretor com o Estatuto da Cidade; • Os instrumentos do Estatuto da Cidade; • Os limites do Estatuto da Cidade no Planejamento Urbano Objetivos da Aprendizagem • Construir um entendimento geral sobre a criação e importância da Lei Federal no. 10.257/2001– o Estatuto da Cidade; • Entender o Estatuto da Cidade; • Compreender como esse instrumento promove a base da construção do Plano Diretor; • Compreender e se atualizar sobre a utilização dos instrumentos do Estatuto como ferramentas de gestão urbana; • Conhecer as críticas e as limitações do Estatuto no planejamento urbano. UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos Professora Doutora Layane Alves Nunes 29UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos APRESENTAÇÃO Nesta Unidade vocês entenderão a importância que a Constituição Federal de 1988 atribuiu ao planejamento, uma vez que regulamentou a autonomia para a administração municipal, tornando o Plano Diretor o seu principal instrumento no Brasil. Mas para que se concretizasse, veremos que o Estatuto da Cidade teve papel fundamental nesse caminho, pois traz consigo um conjunto de ferramentas que orientam e direcionam a elaboração dos Planos. Para total compreensão do que relatei acima, esta unidade proporcionará que cada aluno (a) compreenda como e porquê o Estatuto da Cidade estabeleceu as regras para o planejamento e trouxe instrumentos para auxiliar a gestão urbana. A reflexão está interliga- da em atender a função social da propriedade urbana, o que é contrário – muitas vezes - ao interesse individual, ou seja, a gestão pública deve olhar para todos os moradores da urbe. A função social da cidade é o principal objetivo do Estatuto, para que seja alcançado em cada município, vocês entenderão como as ferramentas – os instrumentos do Estatuto – auxiliam, envolvendo as questões de desenvolvimento territorial, social e econômico. Com a intenção de que haja total compreensão do contexto esta a apostila traz a definição do que é o Estatuto da Cidade (Lei Federal n. 10.257/2001). Depois vocês compreenderão os seus instrumentos se articulam com a construção de um Plano Diretor de Desenvolvimento Municipal. Conhecerão alguns dos instrumentos que considero os mais importantes para o desenvolvimento urbano, e saberão quais são os limites dentro do contexto do planejamento. 30UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos INTRODUÇÃO A Lei Federal no. 10.257 foi aprovada em junho de 2001, é comumente chamada de Estatuto da Cidade, como já falamos, foi criada para regulamentar os artigos no. 182 e 183 da Constituição Federal de 1988. Assim, trata das políticas públicas de desenvolvimento urbano e da função social da propriedade. O Estatuto é considerado um marco regulatório do desenvolvimento urbano do Brasil (FELDMAN, 2010), uma vez que seus objetivos visam a tentativa de democratização na gestão das cidades, com o uso de instrumentos que complementam o Plano Diretor, obrigatório para algumas cidades. Os seus instrumentos de gestão urbana são definidos e exemplificados em seu texto. No geral, têm o propósito da efetivação dos princípios constitucionais da participação popular; da gestão democrática; da garantida da função social da propriedade; do combate à especulação imobiliária; e a busca pela sustentabilidade. Porém, cabe a cada município promover e controlar a elaboração do conjunto de leis urbanísticas que irão direcionar o seu crescimento, a sua economia, o seu ordenamento territorial, entre outros pontos (INSTITUTO POLIS, 2010). No seu primeiro capítulo, o Estatuto elenca as diretrizes gerais mencionadas no parágrafo anterior; das quais se destacam a gestão democrática; cooperação entre governos; planejamento das cidades e a garantia do direito a cidade sustentável. Na sequência a lei traz os instrumentos como parâmetros para a construção de políticas públicas que podem auxiliar no desenvolvimento e no direcionamento da expansão urbana, mas não são os únicos instrumentos que podem ser aplicados pela administração municipal. Os treze instrumentos estão subdivididos em dois temas principais, os vinculados à gestão democrática e os que induzem o desenvolvimento urbano. 31UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos 1. O QUE É O ESTATUTO DA CIDADE? A Lei n. 10.257, o Estatuto da Cidade ... “estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”. (BRASIL, 2001, art. 1o, parágrafo único) Com o Estatuto as regras para a política urbana nacional foram estabelecidas, sendo aplicáveis para algumas cidades (vamos relembrar): cidades com mais de 20.000 habitantes; e/ou com interesses turístico; e/ou pertencentes a regiões ou aglomerações metropolitanas; e/ou com áreas de preservação ambiental em seu território. Para auxiliar o planejamento urbano, o Estatuto traz novas alternativas e para isso oferece seus instrumentos, considerados como ferramentas, para organizar o território municipal. Dentre seus principais fundamentos, segundo Pinheiro (2017) podemos elencar: 1. Direito à Cidade e à Cidadania: que busca promover o acesso à terra urbana, por todos os habitantes, promovendo moradia digna, serviços e equipamentos urbanos, mobilidade, lazer, saneamento e um meio ambiente sadio. 2. As funções sociais da cidade e da propriedade urbana: visa a orientação para o acesso à democratização do solo urbano, para isso a lei exige que o proprietário de imóvel, seja público ou privado, cumpra a destinação de coletividade (social, cultural ou ambiental) definida pelo Plano Diretor do município. 32UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos 3. Gestão democrática: mostra a necessidade de reconhecer que a cidade é produzida por diversos agentes, para que o interesse da coletividade seja atendido passa a ser obrigatória a participação popular na formulação, na execução, na aprovação e no acompanhamento dos planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano nos municípios. 4. Reconhecer a existência da cidade informal, pelo intuito de estabelecer estratégias e instrumentos para a sua legalização. Dos objetivos da política urbana elencados no Estatuto, são 16 no total, deles destacamos: • a busca pelo crescimento urbano compatível com a realidade municipal; • possibilitar o acesso à terra para produzir habitação de interesse social, visando a efetivação de habitações de interesse social, para a população de baixa renda; • proteger o meio ambiente, o interesse histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; • regularizar a situação fundiária da população de baixa renda; • articular a política econômica, tributária e financeira com os objetivos do desenvolvimento urbano; • democratizar a legislação e o acesso aos equipamentos da cidade para todos os seus moradores e agentes; • tornar a legislação municipal de desenvolvimento territorial mais efetiva; Para que essas diretrizes mencionadas sejam aplicadas de fato é necessário que haja um profundo diagnóstico da cidade, para que a realidade local seja conhecida, com seus pormenores de potencialidade e deficiências. Assim, pode-se promover a articulação e o fortalecimento das forças sociais. Para que os municípios incorporem seus avanços, a lei oferece uma organização simplificada, resultado dos cinco capítulos, que segundo Pinheiro(2017, Quadro 1), respondem às perguntas básicas relacionadas aos objetivos: Quadro 1: Perguntas-chaves de cada capítulo do Estatuto da Cidade, que busca atingir os objetivos propostos pela Lei. Capítulo Tema Pergunta Central I Diretrizes Gerais Que cidade queremos? II Instrumentos Como alcançar essa cidade? III Plano Diretor Onde estarão registradas as regras para se alcançar esta cidade? IV Gestão Democrática Quem estabelece estas regras? V Disposições Gerais Prazos e sanções pelo não cumprimento das regras Fonte: Pinheiro, 2017, p. 59, adaptado pela autora. 33UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos 2. A ARTICULAÇÃO DO PLANO DIRETOR COM O ESTATUTO DA CIDADE A Constituição Federal delegou aos municípios autonomia para formular sua própria gestão pública, estabelecendo seu planejamento urbano através da figura do Plano Diretor, como o instrumento base para o desenvolvimento e a expansão urbana. Por isso, o Plano Diretor passou a ser o suporte jurídico das administrações públicas, que buscam alternativas para solucionar seus problemas urbanos. Para concretizar diretrizes que darão suporte às administrações públicas municipais. Conforme Raquel Rolnik (2015), o Estatuto da Cidade disponibiliza um conjunto de ferramentas urbanísticas – seus instrumentos – para serem utilizadas a fim de solucionar “distorções e induzir o desenvolvimento da cidade com mais equidade e sustentabilidade”. Para que seus instrumentos sejam aplicados, eles deverão constar na lei do Plano Diretor do município e em outros planos, “como as Zonas Especiais de Interesse Social, podem ser aplicados por meio de lei específica” (PINHEIRO, 2017, p. 61). Portanto, a cada município fica a responsabilidade de conhecer a fundo suas realidades físicas, sociais e financeiras, para depois disso definir a escolha de quais diretrizes, objetivos e instrumentos - do Estatuto - podem e devem ser aplicados na solução de suas problemáticas urbanas. Por isso, o Plano Diretor é aqui compreendido como a chave do uso das ferramentas do Estatuto da Cidade nas políticas urbanas. Muitos dos instrumentos já existiam no país, o Estatuto foi a lei que promoveu a articulação deles com a política tributária, social e urbana. 34UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos 3. OS INSTRUMENTOS DO ESTATUTO DA CIDADE Como mencionamos na Introdução desta Apostila, treze são os instrumentos apresentados pelo Estatuto que destaco aqui. Estes estão subdivididos em dois temas principais: os que proporcionam a gestão democrática da terra urbana e os que suscitam o desenvolvimento físico urbano. Esta divisão pode ser melhor observada no Quadro 2, abaixo. Quadro 2: A subdivisão dos instrumentos do Estatuto por temas. Temas centrais dos instrumentos do Estatuto da Cidade Gestão Democrática Desenvolvimento urbano IPTU Progressivo no Tempo Consorcio Imobiliário ou Parcelamento Com- pulsório Parcelamento, Edificação, e Utilização Compulsórios Operações Urbanas Consorciadas Usucapião de Imóvel Urbano Zonas Especiais de Interesse Social Estudo de Impacto de Vizinhança Direito de Superfície Plano Diretor Outorga Onerosa do Direito de Construir Gestão Democrática Transferência de Potencial Construtivo Direito De Preempção Fonte: INSTITUTO PÓLIS, 2001, adaptado pela autora. Conforme o quadro acima, os instrumentos relacionados à gestão democrática e consequentemente à função social da propriedade são: IPTU progressivo no tempo; 35UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos parcelamento, edificação e utilização compulsórios; usucapião de imóvel urbano; estudo de impacto de vizinhança; Plano Diretor; gestão democrática e direito de preempção. Os relacionados ao desenvolvimento urbano são: consórcio imobiliário ou parcelamento compulsório; operações urbanas consorciadas; zonas especiais de interesse sociais; direito de superfície; outorga onerosa do direito de construir e transferência de potencial construtivo, os três últimos formam o conceito de solo criado, trazido pelo Estatuto. No próximo item, descrevo e explico de modo ampassã cada um dos instrumentos mencionados acima, para compreender melhor, ter acesso a mais exemplos e formas de aplicações, caso tenham dúvidas, indico a leitura o material complementar do Instituto Pólis (2001). 3.1. INSTRUMENTOS DA GESTÃO DEMOCRÁTICA 3.1.1. IPTU Progressivo no tempo O Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) é um tributo municipal cobrado dos proprietários de imóveis urbanos anualmente, sua atualização acompanha ou deve acompanhar a valorização ou desvalorização do imóvel. Esse imposto é considerado uma receita fundamental para o município. Segundo o Estatuto, este imposto pode se tornar uma alternativa para a gestão social da terra urbana (Figura 1). Portando, o instrumento do IPTU Progressivo no tempo visa o combate à especulação imobiliária, uma vez que força a ocupação de grandes vazios presentes na cidade. Anteriormente essa taxação era aplicada apenas em terrenos urbanos (lotes), mas no momento vemos a aplicação deste sobre a taxação de imóveis urbanos (edificações) sem uso. Como exemplo a cidade de São Paulo, desapropria imóveis prediais e os torna edificações reutilizadas como habitações de interesse social, para essa alternativa também há a possibilidade de recorrer ao instrumento do uso usucapião da terra urbana. 36UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos Figura 1: Ilustração do que é a função social da propriedade e a necessidade de seu cumprimento, como aplicado em São Paulo. Fonte: Prefeitura de São Paulo, 2014. A aplicação do IPTU Progressivo no Tempo ocorre sobre imóveis com mais de 10.000 m2, no caso de lotes, este deve estar rodeado por infraestruturas urbanas. Por exemplo, quando o imóvel é assim caracterizado, é considerado um vazio urbano, que “aguarda valorização imobiliária”, ou seja, o proprietário não promove o uso urbanizável ao local, por isso este se configura como um imóvel que tem consigo a especulação da terra urbana. Pois há um aguardo de tempo que se difere do ritmo de urbanização de todo o restante da cidade que o circunda, isso gera valorização, uma vez que há infraestrutura instalada nas proximidades da terra em questão, e somente depois disso o proprietário pode escolher parcelar quando desejar. Depois do imóvel caracterizado, a aplicação do instrumento funciona do seguinte modo (ilustrado na Figura 2): o imóvel (terreno) com mais de 10.000 m2 é notificado, a partir de então o proprietário passa a ter até 02 (dois) anos para apresentar e aprovar um projeto de ocupação na Prefeitura Municipal, órgão que o notificou, na sequência terá até 05 (cinco) anos para executá-lo. Caso o projeto não seja apresentado e/ou executado, o 37UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos IPTU passa a ser cobrado com o dobro – ou conforme descrito em lei específica - de seu valor taxado anteriormente a cada ano. No findar de 05 (cinco) anos o terreno em questão pode ser desapropriado por títulos da dívida pública – Figura 3 - (INSTITUTO PÓLIS, 2001). Figura 2: Ilustração sobre a aplicação e o cumprimento do instrumento do IPTU Progressivo no Tempo, na cidade de São Paulo. Fonte: Prefeitura de São Paulo, 2014. De acordo com o § 1o do artigo 156 da Constituição Federal, sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o artigo 182, § 4o., II, o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana poderá: I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização do imóvel A possibilidade do IPTU ser progressivo nos termos da lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade, nos termos do artigo 156, parágrafo 1o, significa que o Município pode instituir a progressividade visando a gravar a riqueza do contribuinte com base nos demais preceitos do sistema tributário constitucional. (INSTITUTOPÓLIS, 2001, p. 101) Para que o instrumento possa ser aplicado na cidade, antes de tudo, é necessário que seu uso conste na lei geral do Plano Diretor, e que o município tenha aprovado uma lei específica para sua aplicação, normalmente denominada a lei do IPTU Progressivo. 38UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos SAIBA MAIS Títulos da Dívida Pública Os títulos da dívida pública (Figura 3) terão prévia aprovação do Senado Federal e serão resgatados no prazo de até dez anos, em prestações anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais, nos termos do art. 8º da Lei Federal nº 10.257, de 2001 (PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2014). Figura 3: Ilustração sobre o processo de desapropriação mediante o pagamento por títulos da dívida pública. Fonte: Prefeitura de São Paulo, 2014. 3.1.2. Parcelamento, Edificação, e Utilização Compulsórios O Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios (PEUC) também é um instrumento da função social da propriedade, pois visa combater a existência de imóveis ociosos, que não cumprem sua função social. A grande diferença é a diminuição do tempo para a utilização final do imóvel, que resulta na metade do estimado pelo IPTU Progressivo (Figura 4). Figura 4: Ilustrações sobre o processo de aplicação do PEUC Fonte: SÃO PAULO, 2014 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10257.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10257.htm 39UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos 3.1.3. Usucapião do Imóvel Urbano O instrumento do Usucapião de Imóvel Urbano está vinculado à ideia da regularização fundiária, sendo uma das alternativas de tornar a cidade ilegal em cidade legal. Pode ser aplicado em imóveis urbanos com até 250,00 m2, que tenha sido utilizado continuamente no mínimo 05 (cinco) anos por alguém que não seu proprietário. Nesse tempo o proprietário não pode ter requerido a posse, e o usuário requerente não pode possuir outro imóvel em seu nome, para que o usuário tenha o direito à propriedade deste imóvel. Também pode ser aplicado para lotes urbanos com mais de 250 m2, para fins de regularização de favelas ou condomínios habitacionais, nesse caso há as mesmas premissas da situação anterior, e os diversos proprietários terá a terra subdividida para todos, como ilustrado na Figura 5. Figura 5: Ilustração da exemplificação do instrumento do Usucapião de Imóvel Urbano Fonte: arquivo autora, s/d Hoje há vários os tipos de aplicação do Usucapião, conforme o Código Civil Brasileiro, são definidos das seguintes formas (Figura 6)1: 1. EXTRAORDINÁRIA: Posse por 15 anos contínuos, independente de boa fé e apresentação de documento do imóvel. (Código Civil, art. 1.238, caput.); 2. ORDINÁRIA: Posse por 10 anos contínuos, com boa fé e apresentação de documento do imóvel. (Código Civil art. 1.242, caput.) 3. ESPECIAL URBANA: Posse por 5 anos contínuos de área inferior a 250 m², utilizado para moradia, desde que não se tenha outro imóvel. (Constituição Federal, art. 183; Código Civil 1.240) 4. COLETIVA: Posse por cinco anos contínuos de propriedade em área urbana maior que 250 m², desde que não se tenha outro imóvel. (Lei 10.257, de 10 de Julho de 2001, art. 10) 5. ESPECIAL RURAL: Posse por 5 anos contínuos, de área inferior a 50 hectares, com intuito de subsistência e moradia. (Constituição Federal, art. 191; Código Civil, art. 1.239) 1 Essas informações estão disponíveis na página da fonte da nota de rodapé seguinte (nota de rodapé 02). 40UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos Figura 6: Ilustração dos tipos de aplicação do instrumento do Usucapião de Imóvel Urbano Fonte: Associação de Engenheiros e arquitetos de Osasco, SP, S/d2 3.1.4. Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) O Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) objetiva a emissão de um parecer passivo de convívio entre atividades urbanas, ou seja, a intenção é que novos empreendimentos, principalmente de grande porte, não incomodem os imóveis do seu entorno imediato. Assim, visa a promoção da qualidade de vida dos habitantes de uma região, bairro, localidade, etc, evitando a ocorrência de conflitos. Este instrumento é obrigatório em alguns municípios e deve ser aprovado pelos Conselhos Municipais, em suas reuniões de acompanhamento do Plano Diretor. Por exemplo, evitar o incômodo gerado pela emissão de ruídos que uma danceteria pode causar para os moradores de sua vizinhança próxima, isso é um caso mais extremo. Mas também pode ocorrer em bairro residenciais, cuja legislação permite atividades de serviço na sua área, como o caso de consultórios odontológicos, que possuem o equipamento do compressor que causa ruídos que podem incomodar a outros moradores. Esse instrumento pode ser confundido com o Estudo de Impacto Ambiental, que visa a proteção para o meio ambiente. 3.1.5. Plano Diretor O Plano Diretor é o instrumento que regulamenta a organização territorial e o desenvolvimento socioeconômico de municípios, visa definir as diretrizes de políticas públicas a fim de buscar de verbas governamentais e orientar sua destinação. O Estatuto complementou a obrigatoriedade, descrita anteriormente pela Constituição federal que apenas para municípios com mais de 20.000 habitantes. Após o Estatuto o Plano Diretor também deve ser elaborado em municípios que se localizem em regiões metropolitanas e/ 2 Disponível em < http://www.aeaosasco.org.br/conheca-os-tipos-de-usucapiao-existentes-no-brasil-para- bens-imoveis/>, acessado em 20 de abril de 2020. 41UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos ou aglomerações metropolitanas; em áreas de interesse histórico e de proteção ambiental. Este deve ser elaborado obrigatoriamente com a participação popular, por isso é considerado um instrumento de gestão democrática, sobre esse instrumento iremos adquirir mais informações e conhecimento nas Apostilas 03 e 04. 3.1.6. Gestão Democrática O instrumento da gestão democrática é o que viabiliza a participação popular em todo o processo de elaboração, aprovação, execução e implantação de todos os planos que abrigam o planejamento urbano nas administrações municipais. Assim, o instrumento garante a função social da cidade atendendo as necessidades dos cidadãos na melhoria de qualidade de vida, justiça, direito à terra urbana, moradia digna, saneamento urbano e ambiental, infraestruturas, transportes, serviços públicos, entre outros. A gestão democrática passa a ser “a garantia da participação de representantes dos diferentes segmentos da popu- lação, diretamente ou por intermédio de associações representativas, nos processos de planejamento e gestão da cidade, de realização de investimentos públicos e na elaboração, implementação e avaliação de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano”. (SÃO PAULO, 2014, Lei 16.050, Cap. II, parágrafo 7o. A participação popular pode ser realizada por meio de audiências públicas, debates públicos, consultas públicas, oficinas técnicas com a população, questionário, Conselho Municipal, dentre outras inúmeras alternativas criativas ou não, desde que possibilitem que a população seja ouvida e atendida (Figura 7). Figura 7: Ilustração da participação popular Fonte: CARMO, s/d 42UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos 3.1.7. Direito de Preempção O instrumento denominado de direito de preempção denota a preferência de aquisição de um determinado imóvel urbano pelo poder público. Esse imóvel ou localidade deve estar pré-demarcado(a) no Plano Diretor ou em planos municipais específicos (como o PHIS); será adquirido pelo valor real de comercialização, com a intenção de implantar projeto que atendam a coletividade (Figura 8). Por Exemplo, no caso do Município de São Paulo, o direito de preempção poderá ser exercido, conforme consta em sua legislação, sempre que o Poder Público necessitar de áreas para (SÃO PAULO, 2014): I – execução de programas eprojetos habitacionais de interesse social; II – regularização fundiária; III – constituição de reserva fundiária; IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana; V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários; VI – criação de espaços públicos de lazer ou áreas verdes; VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental; VIII – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico. Figura 8: Ilustração sobre o instrumento do Direito de Preempção Fonte: SÃO PAULO, 2014 43UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos 3.2. INSTRUMENTOS DO DESENVOLVIMENTO URBANO 3.2.1. Parcelamento Compulsório ou Consórcio Imobiliário A urbanização consorciada poderá ocorrer por iniciativa do Poder Público, ou através de propostas dos interessados, cabendo ao Conselho Municipal de Política Urbana avaliar o interesse público da operação. Considera-se consórcio imobiliário a forma de viabilização de planos de urbanização ou edificação por meio da qual o proprietário transfere ao Poder Público municipal seu imóvel e, após a realização das obras, recebe, como pagamento, unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas. (INSTITUTO PÓLIS, 2001, p. 125). Quanto aos instrumentos de desenvolvimento territorial urbano apresento primeiro: o Parcelamento Compulsório ou Consórcio Imobiliário. O instrumento se configura como uma parceria público privada com o objetivo de urbanizar uma gleba (terreno grande) vazia e de propriedade privada. Para que isso ocorra o proprietário precisa ter um motivo plausível que o impeça de executar a urbanização com suas próprias posses. Por exemplo, ele pode ter herdado o terreno e não ter condições ou perspectivas para essa ação, assim pode – se for de interesse público – propor a administração uma parceria para lotear o local. Consórcio imobiliário é um instrumento de cooperação entre o poder público e a iniciativa privada para fins de realizar urbanização em áreas que tenham carência de infraestrutura e serviços urbanos e contenham imóveis urbanos subutilizados e não utilizados. Através do consórcio, o Poder Público realiza as obras de urbanização (abertura de vias públicas, pavimentação, rede de água, iluminação pública) e o proprietário da área recebe uma quantidade de lotes urbanizados, correspondente ao valor total das áreas antes de ter recebido os benefícios. Os demais lotes ficam com o Poder Público, que poderá comercializá-los para atender a população que necessita de habitação. (INSTITUTO PÓLIS, 2001, p. 125) Esse instrumento pode viabilizar planos de investimentos ou de urbanização, por exemplo, desde que necessariamente atendam aos objetivos definidos no Plano Diretor do município. Na cidade de João Pessoa (PB) e Natal (RN), esse instrumento pode ser utilizado como uma alternativa para viabilizar planos de Habitação de Interesse Social (HIS). Conforme o Estatuto da Cidade (INSTITUTO PÓLIS, 2001, p. 125-126): O Consórcio Imobiliário deve ser regulamentado pelo Município, sendo a lei do Plano Diretor a lei municipal adequada para dispor sobre os objetivos, as diretrizes, os 44UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos critérios para a utilização deste instrumento, em razão da sua finalidade estabelecida no artigo 46 do Estatuto de viabilizar as condições financeiras para o aproveitamento do imóvel que não cumpre com a sua função social... O objetivo do consórcio imobiliário ser regulamentado no Município pelo Plano Diretor é de viabilizar uma utilização do imóvel que atenda os objetivos da política urbana e atenda o princípio da função social da propriedade. (INSTITUTO PÓLIS, 2001, p. 125-126). 3.2.2. Operação Urbana Consorciada O instrumento controverso denominado de Operação Urbana Consorciada, também visa a ocupação de vazios urbanos ou áreas obsoletas e/ou subutilizadas existentes no tecido urbano consolidado. A aplicação deste instrumento se faz através da elaboração de plano urbanísticos de escala local, sendo uma parceria do poder público com a iniciativa privada (proprietários e investidores). Assim, o instrumento promove a execução de projetos de intervenções urbanas, cuja fiscalização deveria ser de responsabilidade da administração municipal. O Plano Diretor é a lei macro que estabelece as áreas passíveis de aplicação desse instrumento, e a aprovação dos projetos deve ter a participação popular. Existem vários exemplos de intervenções urbanas nesse formato no Brasil: Água espraia (SP); Polo Jurídico Joana Bezerra (Recife); Novo Bairro (SP), entre outros. Muitos extremamente criticados, por suas grandes dimensões e consequentemente a demora no tempo de execução e finalização. Além disso, as críticas seguem para preocupações apenas com a infraestrutura viária, promovida para o transporte individual. E a mais atingida é a segregação social, decorrente do processo de gentrificação, existente nas áreas que sofrem operações urbanas no Brasil. Um pouco dessa realidade está se alterando, como no caso do Conjunto Habitacional do Jardim Edite em São Paulo (Figura 9). Figura 9: Foto do Conjunto Habitacional Jardim edite, SP, projeto por H+F Arquitetos e MMBB ArquitetoFon- te: Site de projetos de arquitetura, Archdaily, 20103. 3 Disponível em < https://www.archdaily.com.br/br/01-134091/conjunto-habitacional-do-jardim-edite- slash-mmbb-arquitetos-plus-h-plus-f-arquitetos>, acessado em 20 de abril de 2020. https://www.archdaily.com.br/br/office/h-plus-f-arquitetos?ad_name=project-specs&ad_medium=single https://www.archdaily.com.br/br/office/mmbb-arquitetos?ad_name=project-specs&ad_medium=single 45UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos Para elucidar um pouco mais o assunto, trago aqui um recorte do texto do Estatuto da Cidade comentado: Operações urbanas consorciadas constituem um tipo especial de intervenção urbanística voltada para a transformação estrutural de um setor da cidade. [...] envolvem simultaneamente: o redesenho deste setor (tanto de seu espaço público como privado); a combinação de investimentos privados e públicos para sua execução e a alteração, manejo e transação dos direitos de uso e edificabilidade do solo e obrigações de urbanização. Trata-se, portanto, de um instrumento de implementação de um projeto urbano (e não apenas da atividade de controle urbano) para uma determinada área da cidade, implantado por meio de parceria entre proprietários, poder público, investidores privados, moradores e usuários permanentes. [...] trata-se da reconstrução e redesenho do tecido urbanístico/econômico/social de um setor específico da cidade, apontado pelo Plano Diretor, de acordo com os objetivos gerais da política urbana nele definidas. (INSTITUTO PÓLIS, 2001, p. 78) 3.2.3. Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) O instrumento das ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social - viabiliza a construção de áreas com moradia popular e/ou a regularização de assentamentos informais, como: áreas encortiçadas, vilas, favelas e loteamentos clandestinos. Para isso, institui parâmetros especiais de uso, ocupação e parcelamento do solo, normalmente reduzindo o dimensionamento dos lotes e ampliando os padrões de ocupação nessas áreas. A delimitação da área e as ZEIS devem ser criadas no Plano Diretor ou por uma lei específica, pode ser aplicada para lotes ou edifícios vazios (PINHEIRO, 2017). 46UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos SAIBA MAIS O SOLO CRIADO O solo criado é um conceito definido pelo Estatuto, nele estão vinculados três instru- mentos (direito de superfície, outorga onerosa do direito de construir e transferência do direito de construir). No direito urbanístico esse conceito possibilita a criação de áreas a serem ocupadas além do coeficiente básico de aproveitamento, ou seja, é uma permis- são onerosa para alguns ou o direito de não ter seu imóvel desvalorizado para outros (AUTORA, 2020).Fonte: a autora. 3.2.4. Direito de Superfície O Direito de superfície é um instrumento que permite a transferência, gratuita ou onerosa, por escritura pública, do direito de construir sem que seja necessário ter o direito da propriedade do terreno. Em outras palavras, o proprietário do terreno cede a outro proprietário, seja ele público ou privado, o direito de edificar sobre seu lote. Esse instrumento pode auxiliar na edificação compulsória (PINHEIRO, 2017). Sendo assim, o direito de superfície regulamenta a ocupação de lotes vazios por um proprietário diferente, funciona como um “aluguel do terreno” para um investidor interessado em investir na edificação. 3.2.5. Outorga Onerosa do Direito de Construir A Outorga Onerosa do Direito de Construir é um instrumento que cria um adicional de potencial construtivo, que pode ser direcionado para o uso em determinadas regiões da cidade, demarcadas pelo Plano Diretor. A ideia se fundamenta na recuperação da mais valia urbana para os cofres públicos, como se quem gera mais carga e mais uso do solo urbano, paga a mais por isso. O valor da taxa e o destino desta devem estar descritos em uma lei municipal específica, conforme o Estatuto, e destinado ao fundo de habitação municipal. Para ser aplicado sua referência é a lei complementar de uso do solo urbano, que estabelece os padrões de ocupação nas diversas áreas da cidade, sendo mensurado pelo coeficiente de aproveitamento ou potencial construtivo – iremos ver um pouco mais disso na Apostila 03. Em síntese, o coeficiente de aproveitamento define a área que uma determinada construção pode ocupar do terreno, que tem relação com o tamanho do lote. 47UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos Por exemplo, se o índice do coeficiente do lote for 03 (três), significa que a construção poderá ter uma área total que corresponda a três vezes a área do lote. Nos seus índices urbanísticos, o município institui três números para o coeficiente de aproveitamento: mínimo, básico e máximo, para cada zona, área ou eixo. Assim, o investidor que quiser construir acima do índice básico, limitado a alcançar o índice máximo, deverá pagar para adquirir o direito de edificar sobre essa diferença de metros quadrados. Nesse caso, as construções mais altas, consequentemente mais densas, “deverão pagar ao Poder Público pela sobrecarga que vão gerar nas redes de infraestrutura e de circulação ao seu entorno” (PINHEIRO, 2017, p. 66). O ponto discutível para a implementação do instrumento da Outorga é que este possui uma interseção com o instrumento da Transferência do Direito de Construir (TDC), que veremos a seguir. Podemos compreender isso da seguinte forma, em teoria um proprietário pode comprar seu direito de construir (a metragem da diferença entre os coeficientes básico e máximo) do Poder Público, por meio da Outorga, ou também pode adquirir o potencial construtivo de um proprietário privado, por meio da TDC (Figura 10). Essa combinação torna os dois instrumentos ao mesmo tempo concorrentes e complementares (SABOYA, 2008). Para que essa transação não cause problemas aos investidores, a lei da outorga e da transferência deve estipular a porcentagem de compra de cada tipo de investidor. Figura 10: Ilustração entre os coeficientes de aproveitamento com a aplicação da Outorga e da TDC. Fonte: SABOYA, 2008. https://urbanidades.arq.br/imagens/2007/OutorgaOnerosadoDireitodeConstruir_D608/outorga_x_transf_direito_construir.jpg 48UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos 3.2.6. Transferência do Potencial Construtivo A Transferência do Direito de Construir (TDC) visa a não desvalorização de um imóvel, quando está localizado em uma parte da zona em que seu potencial de aproveitamento se equivale ao do entorno. Dessa forma, o instrumento tem o objetivo de estimular a preservação do patrimônio histórico, ambiental e social do espaço urbano. Para isso, a TDC beneficia proprietários de imóveis que possuam o interesse pela preservação descrita acima, dessa forma com a finalidade de preservar o bem de interesse coletivo, o potencial construtivo deste lote pode ser utilizado em outro lote urbano, tornando-se uma moeda financeira para o proprietário. Assim, este instrumento permite ao proprietário utilizar o potencial construtivo em outro terreno de sua propriedade ou comercializá-lo para terceiros (Figura 11). Esse caso ocorre em imóveis ou áreas de interesse histórico, ambiental ou paisagístico. Por exemplo, em Curitiba (PR) e Belo Horizonte (MG) esse instrumento é comumente utilizado. Figura 11: Ilustração entre os coeficientes de aproveitamento com a aplicação da Outorga e da TDC. Fonte: SABOYA, 2008. Para que seja aplicado, como falamos anteriormente, este deve levar em consideração porcentagens que não anule o instrumento da Outorga Onerosa. Cabe também a formulação de uma lei específica para utilização e as áreas que tenham esse potencial de uso devem estar demarcadas no Plano Diretor. 49UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos 4. OS LIMITES DO ESTATUTO DA CIDADE NO PLANEJAMENTO URBANO Existem críticas, muitas delas coerentes, de que o Estatuto da Cidade foi uma Lei criada para o planejamento que visa as grandes metrópoles urbanas. Diante da realidade que envolve problemáticas urbanas das grandes cidades, como: a concentração de pobreza; a alta densidade populacional; a falta de infraestrutura urbana para uma parte da população; a violência mais presente (VILLAÇA, 2002). Estes fatos também são gerados pelo desprendimento do Estado com a realidade da sociedade. Por isso, alguns estudiosos passaram a questionar o fato de que o Estatuto seria uma ideia de cidade igualitária utópica. Uma ‘utopia espacial’ na medida em que acredita na possibilidade do controle social da ordem espacial, na distribuição das atividades econômicas, na Cidade Sustentável para as gerações presentes e futuras, com a adoção de padrões de produção, consumo e expansão urbana compatíveis com a sustentabilidade ambiental social e econômica do município e do território. É uma ‘utopia de processo social’ pois é o resultado de um longo processo de lutas e negociações, de pressões da sociedade organizada e dos movimentos sociais. (PINHEIRO, 2017, p. 72) Mas, precisamos compreender que a criação do Estatuto da Cidade reforçou a necessidade de organizar e movimentar a população para a busca do seu Direito à uma Cidade mais digna. Pois, segundo Pinheiro (2017, p. 73), os direitos descritos no texto do Estatuto “não estão automaticamente garantidos, sendo necessário que a sociedade 50UNIDADE II O Estatuto da Cidade e seus Instrumentos organizada os conquiste no embate da política local”. Isso demonstra que o instrumento da gestão democrática se faz crucial para o processo do planejamento participativo e para a conquista definitiva do assunto em questão. Para Soares (2003) e Rolnik (2015), entre outros estudiosos da cidade, o Estatuto da Cidade se configura como uma oportunidade única na história deste país de realizar a desejada Reforma Urbana, iniciada ainda na década de 1980, como vimos na Apostila 01. Para Pinheiro (2017, p. 72), a Lei reúne em um mesmo projeto a “Utopia Espacial e uma Utopia de Processo Social”. Para Feldman (2010), o Estatuto é uma evolução da legislação urbanística brasileira, evoluindo a Lei no. 6766/1979. Ainda que Villaça (2002) considere muitas críticas para esta Lei, como a não definição de punições para quem não cumpre os instrumentos; que a lei está obsoleta por não sofrer revisões; e a principal delas e a mais aceita por muitos autores é a de que o Estatuto não se aplica a realidade de muitos municípios brasileiros, no caso os pequenos. A grande crítica da pesquisadora Rolnik (2015), é a de que as enormes áreas destinadas as Operações Urbanas Consorciadas, nas grandes cidades, possuem o foco no sistema de melhorias de infraestruturas viárias,
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