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URSS_ o Socialismo Real - Daniel Aarão Reis Filho

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Prévia do material em texto

Daniel Aarão Reis Filho
B O Ano Vermelho -- Reflexos da Revolução Russa. no Brasil
Moniz Bandeira
8 Crítica ao Sorex -- Debatendo as Idéias de Rudolf Bahro --
Diversos Autores
B Diante da Guerra -- C. Casf0/7a(Éb
e Marxismo Heterodoxo --/Uau/íc/'o 77agfe/7be/g
B PCB 1922/1982 Memória Fotográfica D/versos
Autores
B Um Socialismo a Inventar -- Z.úc/o Z.. Radfce
URSS: O SOCIALISMO REAL
( 1921-1964 )
Coleção Primeiros Passos
e O que é' Capitalismo .urna/do SP/'nde/
B O que são Comissões de Fábrica -- /?/ca/do C. .4nfunes/4
Nogueira
e O que é Comunismo -- .4rna/do Sp/nde/
e O que são Ditaduras -- .4rna/do Sp/'nde/
B O que é Imperialismo .4Érán/o /L#endes Calam/
e O que é Socialismo -- .4rna/do S»/hde/
e O que é Stalinismo rosé Pau/o /Veria
Coleção Tudo é História
B A Primavera de Praga -- Sono Go/dfeder
e A Guerra Fria -- Déa/?. rena/0/7
e Revolução Cubana; De José Marti a Fidel Castro (1868-1959)
-- Abelardo Branco e Cardos A. Daria
B Êússia {1917-1921 ) -- Os Anos Vermelhos -- Dana/ .4a/ão
Reis Filho 40 anos de bons livros
Copyright © Daniel Aarão Reis Filho
Capa :
' 123 (antigo 27)
Artistas Gráficos
Revisão :
Rosângela M. Dons
ÍNDICE
/nfrodução
Cronsta dt e aNEP
As contradições daNEP
A revoluçãopelo alto
A URSS e a llGuerra Mundia!
O apogeu do stalinismo
O reformismo pelo alto ou a desestaliniza ção
A URSS e o movimento comunista internacional
A URSS - (.) socialismo real
Indicações para leitura
7
9
18
31
48
58
67
84
99
109
editora brasiliense s.a.
01223 -- r. general jardim. 160
são paulo -- brasil
INTRODUÇÃO
Neste livro procura-se estudar a história da cons-
trução do socialismo na IJRSS, da formulação da
Nova Política Económica -- NEP --, em 1921, à
queda de N. Kruchtcheli e à revogação da política
reformista associada a seu nome, em 1964. Pros-
segue-se, assim, o trabalho iniciado: em Rússía, os
anos verme/Àos; . /9.Z 7-.192.Z (vo1. 61 desta coleção) .
Começamos com a analise da NEP, de suas
motivações, características, êxitos, contradições e da
crise que levou a seu abandono (caps. l e 2). Ana-
lisa-se, em seguida, o processo da revolução pelo alto
(cap. 3) que marcaria até os diasde hoje a fisionomia
da URSS, condicionada sua participação na ll Guer-
ra (cap. 4) e a elevaria à condição de superpotência
mundial (cap. 5). Mas a faria também conhecer um
outro aspecto essencial do modelo económico-social
então implantado -- o terror político indiscriminado,
praticado numa escala que surpreenderia os mais cé-
Para Pipsi
Sempre, infinitamente
8 Danie} Aarão Reis Filho
tacos. A política de N. Kruchtchev pretendeu refor-
mar os mecanismos do terror e outras características,
consideradas anomalias e deformações do socialismo
-- o alcance e os limites desta política constituem o
tema do cap. 6. Nos dois últimos capítulos estudam-
se as relações entre a URSS e o Movimento Comu-
nista Internacional (cap. 7) e as características e
bases sociais do modelo soviético que é, atualmente,
a encarnação viva do socialismo -- o socialismo real-
mente existente (cap. 8).
Neste final de século XX, não só o capitalismo,
mas o regime socialista e o próprio conceito de socia-
lismo estão em crise. A dependência do bloco socia-
lista ao mercado internacional, suas contradições in-
ternas (guerras, invasões, lutas sociais), a crise ideo-
lógica em que se encontra mergulhado o movimento
comunista internacional fazem parte de um mesmo
processo que torna atual o debate e a reflexão crítica
sobre a história da URSS.
Participar do detnte aberta e francamente é a
melhor homenagem a tantos que tanto lutaram para
que o regime socialista não.fosse apenas o mais efi-
caz, mas o mais democrático, o mais igual e o mais
livre
CRONSTADT E A NEP
Março, 1921: fracassa a revolução alemã. Mar-
ço, 1921: os marinheiros de Cronstadt, a base ver-
melha da revolução russa, levantam-se em armas
contra o governo bolchevique e exigem uma ''terceira
revolução". Março, 1921: o X Congresso do partido
comunista (bolchevique) russo formula as primeiras
medidas da Nova Política Económica -- a NEP. Os
três acontecimentos constituem aspectos de uma
nova fase que se abre para a revolução russa.
A revolução alemã jâ sofrera derrotas em 1919 e
1920. A realidade impunha uma nova tâtica. Mas o
11 Congresso da Internacional Comunista e os bol-
cheviques consideravam a revolução madura e impu-
seram uma nova direção aos comunistas alemães que
passaram à ofensiva: foi a ''ação de março'', um fra-
casso est)etacular que marcou o fim das esperanças
10 l)aniet Aarão Reis Filho URSS: O Socialismo Real 11
de uma revolução a curto prazo na Alemanha.
A derrota na Alemanha somava-se à passividade
dos operários poloneses, que não se sensibilizaram
com a aproximação do exército vermelho no verão de
1920, ao recuo do proletariado italiano face à ofen-
siva fascista e ao reformismo dos operários escandi-
navos, ingleses e norte-americanos. A revolução in-
ternacional não eclodira.
O 111 Congresso da Internacional Comunista,
em 1921 , assumiria a realidade: a etapa do ''assalto'l
ao poder estava encerrada, passava-se ao ''cerco''
Na verdade, era a revolução russa que estava cer-
cada.
radas e um exército de cerca de. 50 mil homens.
Desempenharam um papel decisivo na denota dos
generais brancos, mas não queriam aceitar a política
bolchevique. Para dobrar sua resistência foi necessá-
rio utilizar o ferro e o fogo do exército vermelho.
Em fevereiro de 1921 chegaria a vez de Petro-
grado. No dia 24, param os moinhos Trubetzkoi: os
operários exigem rações melhores e combustível para
o aquecimento de suas casas. Os bolcheviques res-
pondem com a repressão, mas o movimento se am-
plia: entram em greve as fábricas Baltisky, Laferme,
A. Teiski, G. Bormann e as célebres usinas Putilov.
Surgem novas reivindicações: liberdade de ir e vir,
fim da militarização do trabalho, melhores condições
de vida e de trabalho. Os marinheiros de Cronstadt
solidarizam-se com os grevistas e, desde o dia 2 de
março, declaram-se em estado de rebelião.
Cronstadt tinha uma sólida tradição revolucio-
nária. Conformava com Petrogrado o eixo principal
da revolução de outubro. Logo depois de fevereiro de
1917, os marinheiros tomaram a base prendendo e
executando os oficiais hostis à revolução. Foram dos
pHmeiros a instituir a elegibilidade do comando e a
supressão dos símbolos e emblemas hierárquicos;
Desde maio de 1917 a base dialogava de igual para
igual com o governo provisório; em .julho, os mari-
nheiros participariam das manifestações de Petro-
grado, em agosto da luta contra l(ornilov e em outu-
bro da.vitória que levara os bolcheviques ao poder.
Os marinheiros não eram revolucionários por
acaso. Apesar de possuírem qualificação profíssio-
Os bolcheviques também estavam isolados no
plano interno. A polícia política indicava, em feve-
reiro de 1921, a existência de 118 movimentos insur-
reiçonais camponeses em todo o país: localizavam-se
na bacia do Volga, na Sibéria, no norte do Cáucaso e
na l.Jcrânia. Os camponeses já não suportavam mais
os rigores do comunismo de guerra e exigiam o fim
das requisições de cereais e a liberdade de comércio.
Um camponês, criticando os bolcheviques, resumirá
o estado de espírito do povo: ''A terra é nossa, mas o
pão é vosso, a agua é nossa, mas o peixe é vosso, as
florestas são nossas, mas a madeira é vossa...". As
revoltas camponesas revestiam as características tra-
dicionais:. espontâneas, violentas, localizadas. Na
Ucrânia, os camponeses formaram, sob direção do
anarquista N. Makhno, um sistema de comunas fede-
12 Daniel Aarão Reis Filho URSS: O Socialismo Real 13
nal, devido à complexidade de armamentos e maqui-
naria dos navios de guerra modernos, suportavam
péssimas condições de trabalho: alimentação precá-
ria, repouso insuficiente, castigos corporais etc. Ao
se declararem em estado de rebelião, os marinheiros
retomavam a tradição dos anos vermelhos da revolu-
ção russa. O manifesto dos rebeldes formulada rei-
vindicações semelhantes às dos operários de Petro-
grado: liberdade de expressão e de imprensa para
todasas correntes políticas (citam-se anarquistas e
SRs de esquerda), liberdade de reunião para a orga-
nização de sindicatos, libertação dos presos políticos
e constituição de uma comissão para investigar a
existência de campos de concentração. Os marinhei-
ros exigem uma conferência de operários, soldados e
marinheiros de Cronstadt e de Petrogrado sem a pre-
sença dos partidos políticos, a abolição do apoio
estatal a qualquer partido, a eleição de novos soviets
na base do \roto secreto. Pede-se ainda a liberdade de
movimentos e de comércio para camponeses e arte-
sãos. Constitui-se um comité provisório revolucioná-
rio que reivindica a publicação do manifesto na im-
prensa e conclama as forças armadas a se juntarem
ao movimento.
Os bolcheviques tentam fazer o movimento re-
cuar. Uma série de concessões diminui o ímpeto das
greves, suspensas em 3 de março. Em 5.de março,
Trotsky, em nome dos bolcheviques, envia um ulti-
mato aos revoltosos, que é recusado. Cronstadt tor-
nou-se um abscesso intolerável para o governo bol-
chevique. Em 7 de março, começará o bombardeia
da base. No dia seguinte um primeiro ataque frus-
trado radicalizará os ânimos de parte a parte. Os
marinheiros formularão um segundo manifesto ex-
pondo as condições de repressão em que vivem, de-
nunciando o partido comunista e anunciando o início
de uma terceira revolução, ''contra a constituinte
com seu regime burguês e cota.ra, a.ditadura do PC
com sua Cheka e seu capitalisãio de Estado". Os
rebeldes defendem um socialismo ''diferente da cons-
trução comunista, mecânica e governamental''. Pro-
põem um regime de soviete livres e de sindicatos não
estatizados. A partir de agora, os campos estão de-
marcados e será impossível a conciliação. A luta
continuará até 18 de março, quando a resistência,
afinal, será silenciada. Cerca de 12 mil mortos e feri-
dos dos dois lados, mais de 2 500 prisioneiros entre os
marinheiros, que serão deportados ou fuzilados, por
pequenos grupos.
Terminara o movimento de Cronstadt. A con-
fiança do povo na revolução chegara ao ponto mais
baixo. Os bolcheviques estavam atordoados com o
próprio isolamento. Soara a hora da Nova Política
Económica -- a NEP. Ela terá como objetivos o cres-
cimento da produção agrícola, a reconquista da con-
fiança dos camponeses e a garantia de um mínimo de
estabilidade. A Rússia revolucionária estava pas-
sando fome, e, como dizia Innin, não se tratava de
lutar pelo socialismo, mas de manter um país civili-
A política de requisições foi substituída por um
imposto em géneros. Depois que o pagassem, os
zadoa
14 Daniel barão Reis Filho URSS: O Socialismo Real 15
largar força de trabalho, arrendar terras, e recebe-
riam incentivos morais e materiais para aumentar a
ü=â .ã:"nhH==n== : : ::ll
6
mesmo ano. . '
A indústria também foi contemplada com me-
didas especificas. porque era necessário garantir a
existência de produtos industrializados pelos.quais o
camponês trocaria sua produção. Apelou-se à inicia-
tiva 'particular para que retomasse as pequenas e.
médias empresas, cuja produção destinava-se ao con-
sumo dos camponeses. O Estado decidiu arrendar
empresas nacionalizadas ou devolver ao controle pri-
vado as que empregassem até 20 operários. A indús-
Êz.:===:ün=\H Êsm
lucro. O Estado suspendeu os subsídios -- assumia-
se que as empresas ineficientes deveriam fechar.
No plano financeiro, criou-se umasérie de insti-
tuições: um banco do Estado, com funções regula-
doras de um banco central, um banco de crédito para
a indústria, outro para as cooperativas, além de ban-
cos municipais, mutuais e caixas económicas para
captar a poupança popular. Valorizou-se a estabi-
lidade da moeda, criando-se o chervonetz, baseado
no padrão ouro, que funcionava como unidade de
contabilidade.
A NEP extinguiu o trabalho obrigatório e esta-
beleceu a remuneração segundo a quantidade e a
qualidade do trabalho prestado. Consagrou-se, no
âmbito das indústrias, os estímulos materiais e o sa-
lário por produção.
A NEP favorecia as tendências capitalistas no
campo e na cidade. Os bolcheviques admitiam que a
luta contra elas seria árdua. Afinal de contas, os
revolucionários ''não haviam aprendido a comerciar
nas cadeias''
Como enfrentar o desafio?
Os bolcheviques responderam no próprio con-
gresso de 1921. A ''abertura económica'' seria com-
plementada, no plano político, por um fechamento
sem precedentes. Os soviets, já bastante desfigu-
rados, seriam totalmente avassalados pelos bolche-
viques, que, se já gozavam de confortáveis e inamo-
víveis maiorias desde 1918, passariam, desde 1921,
a contar com até 99%o dos delegados nos congress(is.
Os sindicatos, também controlados pelos bolchevi-
ques, dilaceravam-se entre as tarefas opostas de de-
fender os interesses dos trabalhadores e estimular a
16
Daniel Aarão Reis Filho
URSS: O Socialismo Real 17
destinos da sociedade: o partido bolchevique.
O mais significativo, entretanto, foi a ascensão,
donariam mais ó centro do Palco ..
A Nova Política Económica ---- a NEr -- nao ioi
do Trabalho.
Certas questões, porém, permaneciam no ar: a
NEP seria Capaz de conseguir algo mais do que a
recuperação imediata da produção agrícola? Ou seja,
e considerando-se o isolamento internacional da Rús-
sia soviética, ela seria capaz de dar resposta às exi-
gências da construção do socialismo num só país? De
outro lado, até quando os camponeses se satisfariam
apenas com as liberdades económicas? Até quando
seria possível manter uma abertura parcial e sob
controle? Até quando seria possível preservar um
poder político ultracentralizado numa sociedade com
relativa liberdade económica?
URSS: O Socialismo Rea! 19
junto. A população voltara a crescer e em 1926/1927
já ultrapassara o nível anterior à guerra. As grandes
cidades repovoavam-se. O índice dos empregados
nas indústrias alcançava 88,9 para uma base igual a
100 referente a 1913.
O governo concentrara-se em reativar a indús-
tria leve. Era a seguinte a situação de alguns de seus
ramos principais (base = 100 em 1913): tecidos --
81; calçados -= 103; açúcar -- 77; sal -- 109; quero-
sene ;-- 98; fósforos -- 104. No conjunto (indústria
leve e indústria pesada), a atividade industrial atin-
gira em 1927 o índice 110,5, mas o resultado .enco-
bria o lento ritmo de recuperação da indústria pe-
sada.
A reativação económica gerava efeitos positivos
nas condições de vida da população. Os trabalha-
dores urbanos ainda foram beneficiados por uma
legislação social avançada: assistência médica gra-
tuita, férias de oito semanas para ãs parturientes,
seguro-doença, seguro social contra o desemprego,
aposentadoria para os empregados de certos ramos
industt'tais, melhores salários para as tarefas mais
penosas. O salário médio operário em 1927 ultra-
passava em 15%o os índices de 1913. Além disso, uma
certa mobilidade social era garantida pelas ''facul-
dades operárias'', criadas para formar técnicos e
administradores de base e compensar, assim, as per-
das em quadros motivadas pela emigração maciça de
pessoal qualificado (cerca de 2 milhões até o fim da
guerra civil) .
A população rural beneficiava-se com o imposto
AS CONTRADIÇÕES DA NEP
A aplicação da Nova Política Económica -- NEP
-- permitiu a rápida recuperação da produção agrí-
cola. A situação caótica posterior à guerra civil, agra-
vada pela fome, que matou mais de 5 milhões de
pessoas no inverno de 1921-1922, apresentava sinais
de superação. Em 1926/1927, para uma base igual a
100, correspondente a 1913, a superfície semeada
atingia o índice de 93,2, a produção de cereais, 91,7,
e a média de produção por pessoa, 85,6. Entretanto,
como a produção de exportação decresceu propor-
cionalmente, caindo de 13%o em relação ao total
(1913) para apenas 3%o em 1925, a disponibilidade
dos cereais no mercado interno aumentava ligeira-
mente (514kg por pessoa em 1926/1927 contra 501kg
em 1913). A criação de animais também se recupe-
rava. Equinos, bovinos e porcinos alcançavam, res-
pectivamente, os índices 87, 121 e 98,5.
A recuperação agropecuária estimulava ocon-
Z)azzíe/ .barão Reis .Filão l t/X.ss.- O .Sacia/limo Rea/
20 21
em gêneros., pedra angular da NEP. As obrigações do
camponês com o Estado baixaram em mais de 50%o
em relação a 1913. Quanto à alimentação, assinale-
se a recuperação dos índices anteriores à guerra.
Estes eram os êxitos. Vejamos os problemas.
A NEP objetivava a recuperação da produção
agrícola. Supunha-se que, pagos os impostos, os
camponeses comercializariam os excedentes com o
Estado. Mas a indústria não estava sendo capaz de
fazer chegar ao camponês os produtos de consumo
corrente. O mercado rural destes produtos ainda não
atingira os índices de 1913 e, em 1926/1927, absorvia
apenas 1/4 da produção, que era basicamente dirá-.
gida para os mercados urbanos.
A NEP também deveria fornecer máquinas e
implementos agrícolas ao campo. Com isso atingia-
se um duplo objetivo: mais cereais em troca destes
produtos e mais produtividade no campo, bara-
teándo o custo dos cereais, ou seja, alimentos mais
baratos, o que significava um custo real mais baixo
da força de trabalho assalariada na indústria. Mas
havia também dificuldades nesta área. A entrega de
mâqüinas à agricultura, em 1927, não chegava a
superar em 5%o os índices de 1913. A de adubos quí-
micos efa maior em 7%o . O total de arados, em ferro
e madeira, em 1927, mantinha-se inferior a 1910.
O parque de tutores dera um salto: de 600, em 1914,
para 24504 em 1927, mas era uma gota d'água no
oceano.Basta conferir o consumo de energia nos tra-
balhos agrícolas -- energia animal: 73,7%o ; humana:
24,3%o; mecânica: 2%o . Um outro indicador mostra
como os progressos industriais não alcançavam o
campo: a produção de eletricidade saltara de 897
para 5325 milhões de kw/h, entre 1923 e 1927. No
entanto, as atividades agrícolas, responsáveis por
quase 50%o da renda nacional, consumiam apenas
menos de 1 %o da eletricidade produzida.
Ora, a produção agrícola só continuaria a cres-
cer se a indústria fosse capaz de aumentar a produ-
ção de bens de consumo corrente. Se o camponês não
encontrasse nos mercados rurais o fósforo, o tecido,
o sal, o querosene, o calçado, o arado etc., não teria
interesse em vender sua produção. Na pior hipótese,
e ela era provável, diminuiria, por falta de estímulos,
a superfície semeada. Por maiores que fossem os
preços pagos aos produtos agrícolas, se com o di-
nheiro o camponês nada pudesse comprar, também
não produziria. Na comparação de preços, alias, os
camponeses vinham perdendo. A exceção de um
breve período consecutivo ao fim da guerra civil, a
relação do índice de preços a varejo dos produtos
industriais e o índice dos preços pagos pelos produtos
agrícolas fora sempre desvantajosa aos camponeses .
Já em 1923, .começou-se a falar da ''crise das tesou-
ras'': verificava-se que os preços industriais afasta-
vam-se velozmente dos preços agrícolas, como se
afastam as duas pontas de uma tesoura. Para um
afastamento calculado em 1,0, em 1913, saltara-se
para um de 2,38, em 1923/1924. Em 1927, o afas-
tamento continuava em 1,82, o que era altamente
insatisfatório para os interesses camponeses. Assi-
nale-se que o afastamento era bem menor para as
URSS.r22 Daniet Aarão Reis Filho O Socialismo Rea / 23matérias-primas industriais, ou seja, o camponês
produtor de alimentos, de cereais, estava sendo pena-
lizado pela política económica.
O problema era que o fornecimento de bens de
uso corrente e o enfrentamento da ''crise das tesou-
ras'' garantiriam apenas o atingimento dos índices de
1913, talvez até mesmo um certo acréscimo. Mas a
União Soviética necessitava de muito mais para cons-
tituir um parque industrial significativo. Para isso
era necessária uma verdadeira revolução tecnológica
no campo, condição indispensável para a constitui-
ção de uma indústria em condições de enfrentar a
concorrência e as ameaças internacionais, para abas-
tece-la de matérias-primas, para alimentar os operá-
rios e os empregados dos serviços que ela criaria e dos
quais dependeria. Como conseguir recursos para em-
preender a revolução tecnológica no campo? Seria
possível faze-la nos moldes da NEP?
IJma outra questão dizia respeito à indústria
pesada, de modesto desenvolvimento na época ante-
rior à guerra. Aqui não se tratava apenas de reativar
equipamentos, mas de criar todo um setor ainda ine-
xistente e que era essencial à revolução tecnológica
no campo, à independência da URSS e à própria
existência da revolução. A preocupação com o desen-
volvimento da indústria pesada começou, desde 1927,
a atropelar a NEP. Em 1926, fixou-se um montante
de investimentos de 900 milhões de rublos, conside-
rado exagerado pelos mais decididos partidários da
NEP. Ainda no mesmo ano os cálculos foram revistos
para 991 milhões e, mais tarde, para 1.068 milhões.
© W
K
K
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(;omeçou-se a falar da ''crise das tesouras
24 Z)ante/ ,4arão Reü .F}/&o ll
Para 1927/1928, as estimativas chegaram a 1.304
milhões, elevando-se para 1.679 milhões, em 1928/
1929. O dispêndio de recursos públicos -- mais 41%o
-- não correspondia ao aumento da arrecadação
(mais 6,3%o). A ênfase na indústria pesada já estava
levando ao desaquecimento da indústria leve, ou seja,
à escassez de bens de consumo corrente, particular-
mente nos mercados rurais. A contrapartida seria a
escassez de cereais. E, no entanto, o desenvolvimento
da indústria pesada exigia o aumento da produção de
alimentos. Era como se os soviéticos estivessem co-
brindo a cabeça e. descobrindo os pés.
Os camponeses começaram a .reagir. Se, antes
da guerra, entregavam 26%o da produção ao mer-
cado, em 1926/1927 comercializariam apenas 13%o.
Já vimos que a produção de cereais atingia, em 1927,
91,7%o da de 1913. Pois bem, o montante comer-
cializado caíra mais de 50%o em relação a 1913. Os
camponeses estocavam, ou deixavam de semear. Ou
ambas as coisas. Os camponeses pobres e médios
asseguravam 85,3%o da produção. Mas só estavam
jogando no mercado 11,2%o de sua produção. Ã es-
cassez de bens industriais de consumo corrente, os
camponeses respondiam com a escassez de cereais.
Os órgãos estatais encarregados de comprar cereais
no ano agrícola de 1927/1928 ainda equilibraram a
situação em julho e agosto de 1927.Mas a partir de
então as compras começaram a despencar: em se-
tembro, menos 3%o em relação ao mesmo mês do ano
anterior; em outubro, menos 30%o; menos 56%o em
novembro. O mesmo déficit em dezembro. Com-
URSS: O Socialismo Real 25
prava-se menos em 1927 do que em 1926. E os planos
exigiam melhores índices para abastecer cidades em
crescimento e para comprar máquinas para a indús-
tria pesada em expansão. A crise ameaçava subverter
os planos, punha em perigo a indústria pesada e o
abastecimento das cidades. Como enfrentar o pro-
blema? Reafirmando ou abandonando a NEP?
O partido bolchevique dividia-se em duas ten-
dências.
A primeira, sempre derrotada até dezembro de
1927 nas conferências e congressos. do partido bol-
chevique, previa a revisão, e mesmo o abandono da
NEP, em proveito de investimentos maciços na. in-
dústria pesada. A liberdade económica da NEP seria
substituída por Planos progressivamente mais rigo-
rosos nas previsões, estimativas e controles. A agri-
cultura seria coletivizada e mecanizada para ganhar
níveis mais altos de produtividade, liberando mão-
de-obra para o crescimento industrial que a abasté-
ceria de máquinas, tutores, arados etc. Conside-
rava-se que a pequena produção era incapaz de cor-
responder às exigências de um desenvolvimento ace-
lerado da indústria. A exposição mais sistemática
desta concepção fora realizada por Preobrazensky,
que enunciava a Lei da Acumulação Socialista Primi-
tiva: ''Quanto mais um país que passe à organização
socialista da produção for economicamente atrasado
e de carâter camponês...- mais deverá contar, para a
acumulação socialista, com a exploração das formas
pré-socialistas de economia'.'. Para Preobrazensky,
era preciso dirigir a economia do ponto de vista da
26 Daniet Aarão Reis Filho URSS: O Socialismo Real 2n
l cativo e suscetível de coexistir com aliberdade co-
mercial que a NEP assegurava. Condenava os inves-
1 1 timentos maciços na indústria pesada e lutava pela
1 1 noção de ''combinação 6tima'' entre a produção eo
l consumo. Quanto ao ritmo de desenvolvimento, pre-
conizava o ''ritmo mais elevado a longo prazo'' e não
o ''ritmo máximo no próximo ano ou em qualquer
ano isoladamente". Bukharin criticava a tendência
1 1 de Preobrazensky e de Trotsky por não compreender
que se ''a indústria é o elemento dirigente na econo-
mia nacional, a agricultura é a base sobre a qual a
nossa indústria pode se desenvolver". Bukharin pro-
põe a defesa da NEP não como um recuo tático
devido às condições de um dado momento, mas como
uma nova estratégia, a longo prazo, de construir o
socialismo baseado na aliança com o campesinato e
contando com sua atava participação.
Mas Bukharin e Stalin não queriam saber de
democratização do partido, e muito menos na socie-
dade como um conjunto. Aferravam-se às definições
do X Congresso, e ameaçavam com punições admi-
nistrativas os adversários, classificando qualquer
tentativa organizada de travar a luta política contra a
direção como ''fracionismo'' , ou seja, passível de ex-
pulsão do partido. Brandiam a seu favor o argu-
mento leninista de que o partido precisava precaver-
se contra as ameaças intemas e externas. E entra-
vam, assim, em contradição com seus próprios obje-
tivos de consolidar a NEP como uma alternativa a
longo prazo.
No plano internacional, a tendência acompa-
r
produção, e não do consumo. A resistência campo-
nesa deveria ser enfrentada com uma política fiscal
mais rigorosa do que a aplicada pela NEP e com o
estímulo à produção coletiva no campo.
O projeto era altamente centralizador, mas o
autor, paradoxalmente, alertava contra tendências
parasitárias, resultantes da hipertrofia previsível no
aparelho estatal, e reclamava métodos democráticos
e maior liberdade de discussão, ao menos ao nível do
partido, levantando-se contra as resoluções partidá-
rias de 1921. O prometo privilegiava, nà prática, a
construção do socialismo na URSS, mas o autor
insistia na necessidade da revolução mundial, adver-
tindo que o isolamento da URSS no plano interna-
cional conduziria a revolução russa ao fracasso.
Em torno desta tendência agrupar-se-iam Trots-
ky, Antonov-Ovseenko, Muralov, Smirnov, Piata-
kov, Smilga, Radek, Racowsky, Serebriakov, Sapro-
nov e, depois dç 1926, mas sem muita firmeza, Ka-
menev, Zinoviev, Krupskaya, entre outros. A tendên-
cia reunia boa parte da velha guarda bolchevique e a
maioria dos intelectuais da organização interdistrital
que, sob a liderança de Trotsky, se haviam incorpo-
rado aos bolcheviques em 1917.
A segunda tendência organizou-se sob a direção
de Bukharin e Stalin. Bukharin afirmava que a Lei
da Acumulação Socialista Primitiva de Preobra-
zensky levaria ao massacre do campesinato e, em
conseqüência, ao rompimento da aliança operário-
camponesa, e à criação de uma nova classe de explo-
radores. Advogava um plano flexível, de carâter indi-
28 Dente! Aarão Reis Filho URSS: O Socialismo Real 29
nhava Stalin: o isolamento era um fato consumado.
Aos revolucionários russos restava perseverar dentro
de suas fronteiras. Stalin apressava-se a dizer, para
salvar as aparências, que a vitória ''definitiva'' fica-
ria sempre na dependência da revolução interna-
cional. Mas enquanto esta não viesse, os bolchevi-
ques não poderiam ficar de braços cruzados à espera
de uma esperança. . .
A tendência de Bukharin e Stalin foi vitoriosa na
XIV Conferência do Partido em abril de 1925, afir-
mou-se no XIV Congresso em fins do mesmo ano,
por 559 a 65 votos, e se consolidou no XV Congresso,
que se realizaria em dezembro de 1927 jâ sem a pre-
sença de uma oposição digna deste nome. Os vence-
dores removeriam da cena política legal os adversá-
rios através da expulsão do partido por ''fracio-
nismo'', da prisão e do exílio. O processo de desvi-
talização dos soviets e dos sindicatos atingia agora o
próprio partido. Não só um partido único na socie-
dade, mas uma tendência única no partido.
A chamada ''Oposição Unificada'' (formada por
Trotsky, Kamenev e Zinoviev) tentará todos os meios
para inverter a correlação de forças. Mas em nenhum
momento empolgaria qualquer setor da população
em torno de suas idéias ou do debate que se travava
no interior do aparelho partidário. O próprio Trotsky
admitiria que os efetivos de seus simpatizantes nunca
passariam de 8 mi]. Era uma gota no oceano de
750 mi] filiados ao partido comunista da União So-
viética.
Os vitoriosos eram homens de organização e de
execução. Eficientes, disciplinados, homens de apa-
relho, constituíam a chamada geração de ''secretá-
rios": laroslavski, secretario na Sibéria; Kagano-
vitch, secretário no Turquestão; Kirov, no Azer-
baidjan; l(ossior, sucessor de laroslavski; Mikoyan,
secretário no Cáucaso; Ordjonikidze, na Transcau-
câsia; Kuibychev, presidente da Comissão Central de
Controle; Solts, . sucessor de Kuibychev; Molotov, se-
cretário do partido em 1921; e, finalmente, o diri-
gente supremo, o secretário-geral, Stalin, que acu-
mulava as funções de membro do gabinete político,
do gabinete de organização e da Inspeção Operârio-
Camponesa. Os secretários haviam crescido com o
partido, suas criaturas e também seus criadores. Era
de certo modo sintomático que o poder no partido se
deslocasse da direção política para as secretarias exe-
cutivas, ou melhor, que a direção política passasse a
ser exercida a partir das secretarias executivas. Bu-
kharin era o mais brilhante dirigente político desta
maquina. Mas não a controlava porque não detinha
o controle de nenhuma secretaria importante. A ri-
gor, não passava de um refém cumprindo funções
determinadas.
As grandes linhas da NEP foram preservadas
pelo XV Congresso, em 1927. Mas acoplavam-se
estranhamente com um superaparelho partidário e
estatal num país isolado internacionalmente em seu
prometo de revolução política e social. As orientações
de Bukharin correspondiam a um prometo de aliança
a longo prazo com o campesinato. Os aparelhos
ultracentralizados secretavam o rompimento desta
30 Dancei Aarão Reis Filho
aliança. As contradições da NEP, já assinaladas, e
que se acirravam em fins de 1927, precipitariam
novas e imprevisíveis reviravoltas.
A REVOLUÇÃO PELO ALTO
A crise anunciada em 1927, e que se agravaria
em 1928, levaria à adição de um novo modelo --
o dos Planos Qüinqüenais -- baseado na coletivi-
zação forçada da agricultura, na industrialização
acelerada -- com ênfase na indústria pesada = e na
utilização do terror político em larga escala.
Em lo de janeiro de 1928, apenas 39,3%o das
compras previstas de cereais foram realizadas. No
ano anterior, na mesma época, 63,7%o do programa
estava cumprido. O partido comunista decretara
então ''medidas extraordinárias'', enquadrando pe-
nalmente kulaks e especuladores e autorizando a
requisição dos estoques que fossem encontrados. Mas
os kulaks detinham apenas 20%o da produção comer-
cializada. Assim, para atender às previsões e às or-
dens recebidas, as autoridades locais estenderão as
32 Dance! barão Reis Filho URSS: O Socialismo Real 33
medidas aos camponeses médios, que controlavam
85%o da produção e 74%o dos cereais comercializa-
dos. As requisições implicarão prisões, confiscos ile-
gais, utilização de grupos armados, empréstimos ar-
bitrários etc. Em fevereiro de 1928, o próprio Stalin
lamentará os ''excessos'' cometidos e dará conselhos
de moderação. Mas o relaxamento da pressão é catas-
trófico: de uma média mensal equivalente a cerca de
1,5 milhão de toneladas compradas no primeiro tri-
mestre, cai-se para apenas 250..mil toneladas em
abrj]. O cumprimento das metas industriais exigirão
novas medidas de força em maio e junho, o que
permitirá fechar o ano agrícola com um resultado
ligeiramente inferior ao de 1926/1927.
O êxito, contudo, é relativo. Os camponeses,
desconfiados, reduzirão a super'fície semeada. Nos
primeiros seis meses do ano agrícola de 1928/1929,
as autoridades só conseguirão comprar metadedos
cereais, comparando-se com o ano anterior. O par-
tido decretara novas "medidas extraordinárias'' e a
política de força agora abate-se sobre o conjunto dos
camponeses. Os que não entregam as quotas fixadas
sofrem multas e podem até perder terras e bens ou
mesmo serem presos ou deportados. Mas os resul-
tados são medíocres: menos 20%o em relação ao ano
anterior. As exportações de cereais baixam de forma
brutal: de pouco mais de 2 milhões de toneladas para
menos de 100 mil. A brecha é coberta com expor-
tações de petróleo, manteiga, madeiras, peles etc.,
abrindo-se com isso novas frentes de escassez nos
mercados urbanos e rurais. As perspectivas para o
ano de 1929/1930 são mais do que sombrias. Nada
indica uma mudança de atitude por parte dos cam-
poneses. Que fazer?
O partido optará pela coletivização forçada.
Há muito que a pequena exploração era consi-
derada incapaz de alcançar a produtividade reque-
rida por uma indústria avançada. Mas as teses vito-
riosas no XV Congresso e a própria filosofia da NEP
previam um processo de coletivização lento, ex-
cluindo-se a violência. Os dados relativos a 1929 são
ilustrativos: 1,7%o de explorações coletivas em ja-
neiro; 3,9%o em junho; 7,6%o em outubro. O l Plano
Qüinqüenal previa para 1933 um limite não superior
a 17%a. Os ritmos serão agora acelerados. Mesmo
que isto signifique repressão em massa aos campo-
A marcha da coletivização é rápida: 7,6%o em
outubro de 1929, cerca de 60% em março de 1930.
Na região de Moscou passa-se de 3,2%o. para 73%o.
Nos Urais, de 6,3%o para 68%o . Na IJcrânia atinge-se
82%o. Os camponeses revoltam-se, matam comissá-
rios comunistas, incendeiam os campos, abatem os
animais, mas serão impotentes para deter o processo.
A violência é tamanha que as próprias autoridades
criticarão (mais uma vez) os ''excessos'', recomen-
dando-se a inscrição voluntária nas explorações cole-
tivas, as cooperativas ou kolkhozes. A conseqüência
é que a proporção de camponeses coletivizados desce
para 21%o. Na Ucrânia o índice cai para 18%o. A
partir de novembro de 1930 o partido voltará a apelar
para a violência, combinando-a com medidas admi-
neses
T34 Daniel barão Reis Filho URSS: O Socialismo Real 35
nistrativas e estímulos económicos (isenção de im-
postos, direito a sementes etc.). O índice de coleti-
vização voltará a crescer: 52,7%o em junho de 1931,
61,5%o em 1932, pausa até 1934, quando se registra
71,4%o. Em 1940, 96,8%o das explorações estarão
coletivizadas: 25 milhões de pequenas propriedaties
haviam dado lugar a 240 mil kolkhozes e a 5 mil
sovkhozes (fazendas estaduais). A agricultura fora
coletivizada. Mas custara caro.
Os recenseamentos soviéticos indicam em 1939
um déficit de 10 milhões de pessoas. Mantidas as
taxas de crescimento da década de 1920, deveria
estar em 180 milhões e não passava de 170 milhões.
Há outras estimativas mais sombrias, indicando per-
das humanas em torno de 20 milhões de pessoas. Do
ponto de vista da produção agrícola, os índices de
1928 só seriam igualados em 1948. A criação de
animais sofreu um imenso recuo: em 1934 reduzia-se
a menos da metade do rebanho existente em 1929.
Foi necessário reintroduzir o racionamento, que só
foi suspenso em 1935. Mas a coletivização permitira
ao partido um estrito controle da produção agrícola,
das margens de comercialização e das disponibili-
dades para a exportação. E era isto que contava para
as metas.industrializantes.
Desenvolver a indústria era o aspecto essencial
dos Planos Qüinqüenais. Foram criados novos se:to-
res: química, eletrotécnica, aeronáutica, automóveis,
construção de máquinas. A metalurgia foi moderni-
zada e impulsionada. Entre 1928 e 1939 a produção
de carvão saltara de 35 para 146 milhões de tonela-
das; a de petróleo, de 12 para 32 milhões; a de aço,
de 4 para 17 milhões; a de cimento, de 1,8 para 5,5
milhões de toneladas. A de automóveis, de 7 para
200 mil unidades; a de máquinas/ferramentas, de 2
para 50 mil; a de tutores, de 1,3 para 51 míl. A de
eletricidade, de 5,3 para 11,2 milhões de kw/h. Em
pouco mais de 10 anos a URSS passara à terceira
nação industi'ial do mundo e segunda da Europa. E
certo que a produção da indústria leve não acompa-
nhava o ritmo. A de lã cresce apenas 8%o ; a de algo-
dão, 28%. As de sabão, de calçados, de açúcar refi-
nado etc. registram resultados bem mais modestos.
O esforço concentrava-se na indústria pesada e nos
grandes projetos: barragens, centrais elétricas, mi-
nas, siderurgia, estudas de ferro etc.
Mas a vida não é fácil para os operários e para
os trabalhadores urbanos. Em 1933, 75%o dos operá-
rios são pagos de acordo com a produção. E as nor-
mas de produção são fixadas de forma arbitrária,
muito altas para as possibilidades da maioria. Em
1938, cerca de 60%o dos operários metalúrgicos não
atingem as normas. A conseqüência é a queda no
salário real: em 1937, o salário médio real equivale a
cerca de 60%o do de 1928. Três anos depois registra-
se uma nova queda de 10%o. A sistemática das nor-
mas de produção estimula a concorrência entre os
operários e uma crescente diferenciação no interior
das fábricas. Os trabalhadores de choque -- udar-
niks -- e os stakhanovistas (do nome de um mineiro.
A. Stakhanov), que se dedicam a conceber novos
métodos de intensificação do trabalho ou/e do apro-
36 Daniet barão Reis Filho URSS: O Socialismo Rea! 37
veitamento dos instrumentos de produção, desta-
cam-se do conjunto em termos salariais ( 1 .800 rublos
mensais contra uma média de 100 rublos pagos aos
trabalhadores não qualificados) e pelo acesso a um
certo número de privilégios: prioridade no acesso a
novas habitações, a bolsas de formação profissional,
a colónias de férias, a géneros escassos etc. A jornada
de trabalho é aumentada para 56 horas semanais,
relaxa-se a segurança do trabalho, e são péssimas as
condições de habitação: 25%o da população urbana
mora em dormitórios, 5%o em corredores, 23,6%o vive
''num canto'', 40%o em habitações de uma só peça...
As transformações na agricultura e na indústria
modificam a fisionomia da sociedade. Novos eixos de
desenvolvimento económico no espaço soviético (Tur-
questão, Sibéria Ocidental, Urais etc.) rompem o
antigo exclusivismo nas regiões ocidentais. A popu-
lação urbana evolui, entre 1926 e 1939, de 26 para 56
milhões de habitantes (mais de 112%o), enquanto a
população total passaria de 147 para 170 milhões
(mais 15%o). Em alguns grandes centros a população
chega a duplicar, sem falar nas cidades que nascem
do nada. Grandes movimentos populacionais inter-
regionais e do campo para a cidade subvertem tra-
dições e laços de coesão enquanto novas oportuni-
dades de trabalho abrem horizontes para jovens e
mulheres. Na URSS 45%o da população tem menos
de 20 anos, 63%o menos de 30. Em 1937, as mulheres
constituem 82%o dos novos assalariados e, em 1940,
1/3 da força de trabalho.
Os Planos Qüinqüenais sepultam a burguesia
privada nas cidades e os camponeses ricos -- os ku-
laks -- na área rural. Estimados em cerca de 5 mi-
lhões, desaparecerão do mapa. A grande maioria dos
75 milhões de camponeses médios tornar-se-ão kol-
khozianos ou então emigram para as cidades. Os
assalariados urbanos e os kolkhozianos constituem
90%o da população.
Os trabalhadores intelectuais são os grandes
beneficiários: funcionários da máquina estatal e do
aparelho partidário, dirigentes de empresas, enge-
nheiros, administradores, pesquisadores, planeja-
dores, militares, professores, médicos, técnicos quali-
ficados etc. Eles se localizarão na cúpula da pirâmide
social e é deste setor que sairá a maioria dos que
detêm o poder de decisão política. Compreendem,
incluindo as famílias, de 7 a 13 milhões de pessoas,
ou seja, entre 4 a 7,5%o da população total. Molotov,
em 1939, falará de 9,5 milhões. As principais cate-
gorias seriam formadas pelos quadros. do partido, do
exército e da polícia, cerca de 1,5 milhão, ou 16,3%o;
pelos chefes de empresas rurais e urbanas, 1,7S mi-
lhão,ou 18,4%o ; e pelos engenheiros e técnicos traba-
lhando na indústria, cerca de 1,0 milhão, ou 11,1%o.
Os salários deste setor social são consideravel-
mente maiores em relação ao conjunto: um técnico
qualificado pode chegar a ganhar 80 a 100 vezes o
salário médio operário. Mesmo os escalões inferiores
são privilegiados: um secretário de célula, numa fá-
brica, ganha o dobro do salário médio operário.
Além do salário mais elevado, destacam-se as van-
tagens especiais: pensões e prêmios, direitos de he-
38 Daniel Aarão Reis Filho URSS: O Socialismo Real 39
rança, isenção de impostos, habitações melhores,
acesso a lojas especiais, transporte melhor, utilização
prioritária de colónias de férias, acesso prioritário à
educação etc. Registre-se um grau relativamente ele-
vado de mobilidade social -- quase metade deste
setor é originária de famílias operárias ou campo-
nesas.
Os trabalhadores intelectuais desempenham um
papel-chave nas instâncias de direção política da so-
ciedade soviética. Em 1934, constituirão 21%o dos
delegados ao XVll Congresso do PCUS; cinco anos
mais tarde, serão 54%o dos delegados ao XVlll Con-
gresso do partido comunista. Em 1938, 70%o dos
novos recrutas do partido originam-se neste setor,
enquanto se estima que os operários diretamente li-
gados à produção não ultrapassam 15%o dos filiados.
O partido estimula o recrutamento nas altas esferas:
pertencem aos seus quadros 97%o dos diretores de fa-
brica, 82%o dos chefes de empresas de construção
civil, 40%o dos engenheiros do país. Inversamente, os
operários perdem importância: 30%) apenas dos efe-
tivos, em 1941. Ocupados diretamente ha produção
não passam de 6%o neste último ado... A influência
dos intelectuais é também dominante no aparelho
sindical: 52%o dos delegados ao IX Congresso dos
sindicatos realizado em 1932.
O planejamento centralizado da indústria e da
coletivização forçada, as múltiplas tarefas de dire-
ção, de controle e repressão implícitas nesta dinâ-
mica consolidam um processo já esboçado nos anos
20 e fazem emergir um superestado, dotado de pode-
res ilimitados e não regulado por nenhum tipo de
legislação. Trata-se de um aspecto essencial do mo-
delo dos Planos Qüinqüenais e da nova fisionomia da
URSS.. Neste terreno, e particularmente no interior
do partido comunista, se elaborarão as práticas e as
ideologias de dominação: o terror político e os mitos
do socialismo real -- o culto ao Estado todo-podem
roso, ao progresso industrial e à defesa nacional.
O terror abate-se sobre os trabalhadores do
campo e da cidade. No campo assume, num primeiro
momento,- a forma de luta pela ''dekulakzação'', ou
seja, da luta pelo extermínio dos kulaks como classe.
Na prática, trata-se de uma guerra contra o campo-
nês porque o conceito de kulak amplia-se conforme
as circunstâncias. Ao kulak propriamente dito, isto
ê, ao camponês rico, acrescentam-se o pequeno-ku-
lak, o subkulak, o kulak pela metade, o kulak na
prática etc. Mais tarde se dirá que devem ser consi-
derados kulaks os que assumirem uma atitude típica
dos kulaks, ou sqa, os que se opuserem ao partido e
aos seus objetivos. Num segundo momento, o terror
no campo se manifestará no controle e na repressão
aos trab.alhadores kolkhozianos: extração pela força
de proporções crescentes da produção agrícola, esta-
belecimento de preços desvantalosos aos campo-
neses, condições duríssimas de trabalho, assimiláveis
a uma ''servidão'' de Estado, designação pelo alto
dos dirigentes kolkhozianos, punições e multas seve-
ras para os que não cumprissem as normas de pro-
dução, vinculação obrigatória do camponês a um
determinado kolkhoze (ou remoção obrigatória, de-
40 Daniet Aarão Reis Filho URSS: O Socialismo Real 41
pendendo das necessidades do Plano) etc.
Nas fábricas, abstraindo-se a fração de udarniks
e stakhanovistas, prevalece o regime de ''todo o po-
der ao chefe da empresa''. O chefe tem poderes
ilimitados para admitir e demitir os operários. As
normas de produção são determinadas pelo alto e
obrigatórias para todos. Os que não cumprem as
condições do contrato de trabalho sãQ passíveis de 2 a
4 meses de prisão. A paralisação do trabalho é pu-
nida com .penas de prisão não inferiores a um ano,
com confisco parcial ou total de bens de acordo com
a gravidade do caso. Em certos casos prevê-se o fuzi-
lamento. A ausência injustificada é sujeita a multas e
a trabalho suplementar. Os pequenos roubos e os
escândalos devidos ao alcoolismo são passíveis de
cadeia (mas o Estado não deixa de aumentar a pro-
dução de vodca). O trabalhador é obrigatoriamente
vinculado à empresa e só pode sair com o consenti-
mento do chefe. Cria-se a carteira de trabalho, que
fica em poder do chefe e onde são feitas as anotações
correspondentes a cada operário. Nenhum operário
bode ge empregar sem a respectiva carteira. Os qua-
dros intermediários, chefes e juízes são advertidos
que a complacência será punida severamente. Kaga-
novitch dirá em 1934 que ''... a terra deveria tremer
quando o diretor anda pela fábrica''. A disciplina
é garantida pela polícia política: a NKVD mantém
seções em cada fábrica.
A legislação toma-se cada vez mais severa nos
anos 30. A lei estipularâ pena de morte para maiores
de 12 anos, será instaurada a responsabilidade cole-
tiva familiar: os que não denunciarem os próprios
parentes implicados em algum crime serão conside-
rados cúmplices, sujeitando-se à prisão e ao confisco
de bens. Mesmo ignorando os crimes cometidos pelo
parente estarão sujeitos à deportação por cinco anos.
O terror também se abate sobre o trabalho inte-
lectual. O controle sobre a História será particular-
mente severo, poi.s o partido considera-se a própria
encarnação do movimento histórico e o intérprete
privilegiado do presente e do futuro. Mas seus efeitos
''normalizadores'' se estenderão à Filosofia, Direito,
Psicologia (Freud é banido), Física, Matemática,
Biologia etc. A lista de intelectuais que pereceram
nos campos e cárceres soviéticos, sem processo ou
julgamento, ocuparia dezenas de páginas. Os meios
de comunicação são estritamente controlados e as
obras dos ''dissidentes'' de todos os tipos são reti-
radas das bibliotecas.
O partido comunista dirige o terror através da
polícia política. A Cheka dos tempos da guerra civil
reorganiza-se em 1922 e se transforma na Adminis-
tração Política Unificada do Estado -- OGPU, que,
por sua vez, se transformaria, em julho de 1934, no
Comissariado do Povo para o Interior -- NKVD. A
polícia política, que, no início, tinha objetivos bem
delimitados -- combater a contra-revolução branca
torna-se um gigantesco aparelho encarregado da
política de ''dekulakzação'' no campo, da vigilância
sobre as relações de trabalho, do controle dos presos
sentenciados a mais de três anos de prisão e da orga-
nização dos campos de trabalhos forçados, que che-
42 Dance! Aarão Reis Filho URSS: O Socialismo Real
43
garão a abrigar entre 7 a 12 milhões de pessoas,
e que desempenharão um papel produtivo impor-
tante na consecução das metas dos Planos Qüinqüe-
nais. Os prisioneiros -- os zeki -- trabalharão sob
condições degradantes na construção de ferrovias,
banais, fabricas, barragens, nas minas de ouro e de
carvão e na extração de madeira. Os campos de Ko-
lima, ao nordeste da Sibéria, contarão com cerca de
3 milhões de prisioneiros, trabalhado de 12 a 16
horas por dia na extração do ouro (300 toneladas por
ano em 66 minas) e das madeiras para exportação.
A polícia política, por explícita delegação do
comité central do partido comunista, possui a facul-
dade de. torturar física e psicologicamente os detidos,
além de executar as sentenças que seus próprios tri-
bunais proferem. Estima-se que o número de prisio-
neiros não era inferior a 5 milhões em fins de 1930.
É impossível calcular o número das vítimas.
O terror não pouparia sequer os quadros do par-
tido, do exército e da própria polícia política.
Ainda na década de 20, por decisão do cc,mitê
central, a OGPI.J começaria a desempenhar impor;
tente papel na luta política, identificando os grupos
''fracionistas'', vigiando reuniões, prendendo e de-
portando quadros dissidentes. Mas a polícia políticasó conquistaria um lugar de primeiro plano na se-
gunda metade dos anos 30, quando dirigiu os gran-
des processos de Moscou, realizados eih agosto de
1936, janeiro de 1937 e março de 1938. A nata dos
revolucionários de 1917 seria acusada de espionagem
a favor da Alemanha nazista e das potências impe-
rialistas, de ates de sabotagem económica e de terro-
rismo político. As provas limitavam-se às confissões
dos acusados, extraídas sob tortura ou por meio de
chantagens (ameaças aos filhos e às mulheres dos
acusados etc.). Os processos foram públicos e causa-
ram profundo impacto na URSS e em'todo o mundo.
A relação dos revolucionários fuzilados é extensa:
Zinoviev, Kamenev, Bukharin, Smilga; Preobra-
zensky, Beloborodov, Sapronov, Kossior, Sosnovski,
Safarov, Zalutski, Chliapnikov, Medvedev, Uglanov,
Riutin, Schmidt, Maretski, Riazanov, Miliutin, Lo-
mov, Krylenko, Lominadze, Syrtsov, entre centenas
de outros. AÍ estavam incluídos os partidários das
diversas ''oposições'' que se haviam formado desde
1921: da oposição operaria à tendência de Trotsky e
Preobrazensky, dos partidários de Kamenev e Zino-
viev aos que se alinharam com Bukharin, cujas teses
predominaram até dezembro de 1927. O terror atin-
giria as próprias fileiras stalinistas: Rudzutak, Posty-
chev, Eikhe, Solts, Gamarnik etc. Sem contar os
assassinados semjulgamento, como Kirov, ou os sui-
cidados, como Tomski, Kuibychev, Ordjonikidze
etc. O último bolchevique famoso de oposição morre-
ria assassinado em agosto de 1940, em seu exílio no
México: Trotsky. Acusado de espionagem interna-
cional e de assassinato. . .
As forças armadas e particularmente o exército
vermelho também foram devastadas pelo terror: três
dos cinco marechais, 13 entre 15 comandantes do
exército, 57 em 85 comandantes de corpos de exér-
cito, 110 em 195 generais-de-divisão. O Conselho
44 Dance! barão Reis Filho URSS: O Socialismo Real 45
Supremo Militar foi dizimado: 75 membros em 80
foram executados. O expurgo atingiu milhares de
oficiais e de suboficiais. Nem a polícia política esca-
paria. lagoda e Ejov, seus chefes durante a década de
30, assim como seus auxiliares imediatos, cairiam
também, vítimas do terror.
A utilização do terror em larga escala foi uma
condição indispensável à existência do modelo dos
Planos. Cumpriu importante função económica. Inti-
midou o mais tímido movimento de crítica. Garantiu
a exploração dos trabalhadores rurais e urbanos,
contribuindo assim para as fantásticas taxas de acu-
mulação características do desenvolvimento da in-
dústria soviética. Criou um clima de espionite e de-
lação que foi essencial para a paralisação das even-
tuais oposições. Além disso, os constantes expurgos
forneciam ao povo descontente bodes expiatórios. Os
processos procuravam convencer o povo (e o conse-
guiam em grande parte) de que o Estado e o partido
velavam e puniam os ''culpados'' da mâ situação em
que todos se encontravam. Finalmente, o terror pos-
sibilitou a emergência de uma nova camada diri-
gente, identificada com a filosofia dos Planos Qüin-
qüenais, disciplinada, e dependente do aparelho
através do qual elevara-se à condição de direção polí-
tica. Do terror tudo se poderá dizer, menos que
falhou em seus objetivos.
Mas o terror não seria suficiente para mobilizar
e coerir o povo. Para isso também concorreriam
os mitos do socialismo real: o progresso industrial, a
defesa nacional e o culto ao Estado todo-poderoso.
A URSS era uma fortaleza cercada por potên-
cias hostis. A realidade aqui se aproximava do dis-
curso: o Japão desde 1932 ameaçava a leste. A oci-
dente, França e Inglaterra faziam o possível para
jogar a Alemanha nazista contra a URSS. O eixo
Romã-Berlim e o pacto contra a Internacional Comu-
nista assinado pela ltália, Alemanha e Japão defen-
diam o aniquilamento dos soviéticos. Diante desta
situação quem não estivesse com a URSS estava con-
tra ela. Quem estivesse contra a direção do partido
comunista estava, automaticamente, contra a pró-
pria URSS. Não havia nuanças, meios-termos. Aos
inimigos e traidores, aplicava-se a tortura, o fuzila-
mento, o terror.
O progresso industrial era duplamente necessá-
rio: para construir o socialismo e defender melhor a
revolução. A indústria era o progresso, a moderni-
zação, a abundância, a sociedade nova, sem explo-
rados e exploradores. Todos os sacrifícios eram justi-
ficados para tornar a URSS realmente independente
do mercado internacional, livre das potências capita-
listas, capaz de se defender baseada nas próprias
forças. Tudo dependia da indústria, da técnica. O
culto da produtividade mobilizada operários (cf. o
movimento stakhanovista), jovens, mulheres. Era
exaltante construir um mundo novo. Os jovens, par-
ticularmente, foram sensíveis ao chamado.
Completava o quadro o culto ao Estado. A uto-
pia leninista de extinção do Estado fora deixada para
trás. Era preciso agora ''amar o Estado''. A pro-
gressão rumo ao socialismo acentuada a luta de clas-
46 Daniel Aarão Reis Filho
URSS: O Socialismo Real 47
l ses interna e externamente e por isso a ditadura do
proletariado precisava de um Estado cada vez mais
forte. E de chefes, porque o culto ao Estado era co-
roado pelo culto ao chefe, ao mestre, ao continuador
de Lenin, ao Lenin de nossos dias, ao guia genial,
exemplar, o ''camarada Stalin''. Fotografias, bustos,
monumentos, nomes de ruas, de avenidas, de cida-
des, tudo lembrava a figura mítica de Stalin. Pater-
nal, bondoso, mas firme, decidido e implacável, se
fosso o caso, sempre clarividente, encarnação da von-
tade e da unidade do partido, do Estado e da nação,
o homem tornou-se um mito e o mito era querido,
temido, reverenciado, adorado.
No partido houve luta contra este processo. Mas
os sucessivos expurgos diminuíram a possibilidade de
crítica. Em 1934 ganhava terreno uma corrente favo-
rável à moderação dos ritmos, a uma certa abertura
política, representada por Kirov, Rudzutak, Kuiby-
chev, Ordjonikidze. Falou-se mesmo na substituição
de Stalin por Kirov. Mas o assassinato deste último
pela NKVD, em dezembro de 1934, extinguiria qual-
quer esperança de degelo. O extermínio dos quadros
do partido foi avassalador: dos 139 eleitos para o
comité central em 1934, 98 (pouco mais de 70%)
foram aniquilados até março de 1939, o mesmo ocor-
rendo com 1 108 dos 1 966 delegados presentes ao
XVll Congresso (cerca de 56 %) .
Na sombra do terror surgira uma nova geração
de dirigentes: em 1939, 80,5%o dos secretários regio-
nais e 93,5%o dos secretários locais haviam ingres-
sado no partido depois de 1924. Mais de 90%o eram
adolescentes em 1917. A maioria, inexperiente, acede
aos cargos de direção pela primeira vez. A formação
política de grande parte baseia-se em dois textos:
História do partido comunista da URSS'' e ''Pro-
blemas do leninismo'', redigidos sob a direção ime-
diata de Stalin.
A alta direção partidária mescla ''veteranos:
agrupados em torno de Stalin na luta contra as opo-
sições e novos secretários cooptados, como Jdanov,
Berma, Malenkov, Kruchtchev, Bulganin, Voznes-
senski etc. Os secretários e os funcionários perma-
nentes, sempre nomeados de cima para baixo, domi-
nam o partido e constituem uma cantada solidária e
interdependente, formada por quase 10%o dos filia-
dos. A organização do aparelho baseia-se na nomen-
klatura que significa ao mesmo tempo a competência
de nomeações dos diversos secretários, os cargos e
respectivos poderes, e a relação dos quadros afetados
aos postos existentes. No final da década de 30 o
gabinete político é formado por Stalin, Vorochilov,
Molotov, Kaganovitch, Kalinin, Andreev, Mikoyan,
Jdanov e Kruchtchev. Sob a direção destes homens a
URSS ingressará na ll Guerra Mundial.
h
URSS: O Socialismo Real 49
e venceu um cerco de mais de.seis meses. Foi a maior
batalha da ll Guerra, reunindo mais de 2 milhões de
soldados. A vitória soviética representou uma revira-
volta decisiva: em fevereiro de 1943 os russos é que
tomariam a ofensiva. A partir de julho, a correlação
de forças inclinar-se-ia para a URSS, com a liberta-
ção devárias cidades até novembro: Kursk, Oral,
Smolensk, Kiev.
No começo de 1944 as tropas soviéticas atingi-
riam as fronteiras nacionais de 1939 e penetrariam,
logo depois, na Europa oriental e central. Em outu-
bro, os russos jâ estavam em território alemão. A
derrota nazista era uma questão de tempo, mas uma
resistência desesperada prolongaria a agonia até
maio de 1945. No dia 8 deste mês seria assinada a
capitulação incondicional dos exércitos nazistas.
A chamada Grande Aliança -- formada pela
URSS, EUA e Inglaterra -- abatera a Alemanha
hitlerista, mas foi a URSS que suportou o peso da
guerra e assumiu a principal responsabilidade pela
liquidação do nazismo. O balanço das perdas é ilus-
trativo: no cerco de Leningrado morreram mais rus-
sos do que todos os ingleses e norte-americanos na
guerra. As perdas humanas da Inglaterra, da França
e dos EUA são estimadas em 1,3 milhão de pessoas,
enquanto os soviéticos perderam mais de 20 milhões,
entre civis e militares. Em 1956, regiões da URSS
não haviam recuperado os níveis demográficos de
1'940
As perdas materiais também foram enormes:
em relação ao índice 100, equivalente a 1940, as
A URSS E A ll GUERRA MUNDIAL
A ofensiva alemã contra a URSS iniciou-se em
22 de.junho.de 1941 e foi marcada até o final do ano
por vitórias surpreendentes: ocupação dos Estados
bálticos, da Bielo-Rússia, de parte da Ucrânia e da
Criméia e de parcela considerável da Rússia euro-
peia. Os territórios equivaliam a 40%o da população,
65%o do carvão, 68%o do ferro, 58%o do aço, 60%o do
alumínio, 41%o do equipamento ferroviário, 38%o da
produção de cereais etc. As tropas nazistas chegaram
a 25km do Kremlin e fizeram quase 2 milhões de
prisioneiros. A URSS beirara a catástrofe.
No inverno de 1941/1942, o exército vermelho
equilibrada as ações, mas a situação continuava crí-
tica. Na primavera de 1942, os alemães lançariam
nova ofensiva, agora contra o Câucaso, com o obje-
tivo de ocupar o sul da URSS. Para isso era preciso
conquistar Stalingrado, mas os nazistas não conse-
guiram faze-lo. A cidade defendeu-se com heroísmo
se l)anieí Aarão Reis Filho URSS: O Socialismo Real
51
indústrias de consumo, em 1945, estavam em 59. A
agricultura caíra para 60. A eletricidade para 89.
O carvão para 90; o petróleo para 60; o aço para 65;
o trigo para pouco mais de 50; o cimento para 30;
calçados para pouco mais de 30; tecidos para cerca
de 40.
A vitória fora conquistada, mas a guerra come-
çara com surpreendentes derrotas. Como explicá-
A interpretação stalinista atribuiu-as à superio-
ridade alemã, à surpresa do ataque e à negligência
de chefes militares. Depois da morte de Stalin, a
direção soviética jogaria a responsabilidade sobre o
ditador. Examinemos estes argumentos .
Em 1941, a Alemanha nazista contava inegavel-
mente com condições político-militares favoráveis:
maior força económica, liberdade de movimentos na
Europa (onde só a Inglaterra resistira a seu expan-
sionismo), superioridade militar, em quantidade e
qualidade. Mas não é possível alegar falta de conhe-
cimento sobre o ataque, ou atribuir as primeiras der-
rotas a oficiais isolados ou ao próprio Stalin.
Não deveria ter havido surpresa. No primeiros
semestre de 1941, três redes de espionagem soviéticas
enviaram minuciosas informações a respeito da inva-
são, o que seria confirmado por outras fontes. Mas
não seriam consideradas. Uma semana antes do ata-
que, os russos declaravam estar de pé o pacto ger-
mano-soviético, de 1939, e denunciavam como hostis
bs rumores em sentido contrário. Nos dias anteriores
ao início da guerra os editoriais do Pravda discordam
las?S
sobre assuntos rotineiros. No dia 22 de junho, quan-
do começou a ofensiva, o editorial falava da preo-
cupação com o sistema escolar. Enquanto isso as
unidades militares das fronteiras recebiam ordens
formais de não reagir a ''provocações''. As primeiras
medidas sérias de defesa s6 foram tomadas mais de
três horas depois da invasão.
O quadro que se forma é o seguinte: não deveria
ter havido surpresa, mas os soviéticos foram, de fato,
surpreendidos. Por quê? Porque as autoridades não
consideraram as informações que detinham. E por
que assim o fizeram? Não se trata de encontrar bodes
expiatórios, mas de compreender a política que orien-
tava o Estado soviético e que permitiu a diversas
autoridades, em vários escalões, desprezar informa-
ções vitais para a segurança e a sobrevivência do
Desde o ascenso do nazismo, em 1933, a URSS
procurara isolar a Alemanha. A Intemacional Comu-
nista formulada, em 1935, a política de frente popu-
lar antifascista e o Estado soviético tentava articular
um sistema de alianças com a Inglaterra e a França.
Mas as potências capitalistas tinham outros pla-
nos. Pretendiam jogar a Alemanha contra a URSS.
A tendência confirmara-se na conferência de Muni-
que, em setembro de 1938, com o abandono da
Tchecoslovâquia, e em setembro de 1939, quando
nada fariam em defesa da Polâtüa.
Mas a l.JRSS não assistia ao jogo passivamente.
Também procurou aproximar-se de Hitler, estimu-
lando-o contra a França e a Inglaterra. Caberia aos
país
52 Daniet barão Reis Filho URSS: O Socialismo Real 53
soviéticos, neste caso, assistir de palanque ao conflito
entre as potências capitalistas.
Os nazistas preferiram a segunda hipótese e as-
sinaram um pacto de não-agressão com os soviéticos
em agosto de 1939. E em setembro um outro, de
delimitação de fronteiras e de amizade. Protocolos
secretos estabeleciam uma divisão de esferas de in-
fluência na Europa central e oriental, prevendo a
liquidação do Estado polonês e a absorção dos Esta-
dos bálticos pela URSS. Os acordos germano-sovié-
ticos permitiriam à Alemanha ''atacar e vencer a
França em maio-junho de 1940, avassalar o conjunto
da Europa continental e desencadear uma grande
ofensiva aérea contra a Inglaterra no segundo semes-
tre do mesmo ano. Mas a surpreendente resistência
inglesa levaria os nazistas a voltar sua máquina mili-
tar contra a URSS.
Os soviéticos não quiseram compreender a mu-
dança de rumos, deixando-se enganar pelos alemães,
com os quais mantinham florescente comércio. A
URSS concentrava sua propaganda contra os anglo-
franceses e mesmo internamente não se falava mais
em fascismo. A palavra só voltaria a circular em 22
de junho de 1941... horas depois da invasão. Fora,
portanto, presa na armadilha por sua própria polí-
tica ao não acreditar em mais uma reviravolta de
alianças, o que acabou desarmando autoridades e
povo face à eventualidade de uma guerra. Daí o des-
prezo pelas informações que previam o ataque na-
zista. E a ''surpresa'' no dia 22 de junho.
Para a derrocada inicial concorreriam também
outros fatores. Em primeiro lugar, a insatisfação dos
povos das regiões recém-anexadas à URSS e dos
camponeses brutalizados pela coletivização forçada.
Em segundo'lugar, os expurgos no exército vermelho:
no coüneço da guerra, apenas 7%o dos oficiais tinham
diplomas de estudos militares superiores, 37%o não
haviam ainda terminado seus estudos, 75%o dos ofi-
ciais e 70%o dos comissários exerciam funções hâ
apenas um ano. Finalmente, mas não menos impor-
tante, a própria estrutura política que emergira das
purgações dos anos 30 não favorecia o espírito de
iniciativa e a liberdade criadora, essenciais para en-
frentar a adversidade num -momento de surpresa, de
retirada, de derrota.
Os fracassos iniciais não foram, no entanto,
definitivos. O povo saberia, à custa de terríveis sacri-
fícios, virar a sorte da guerra que se iniciara tão des-
favoravelmente. Como entendo-lo?
O partido comunista atribuirá a vitória ao ''ca-
marada Stalin''. Depois de 1956 a responsabilidade
será transferida para o próprio partido e, em menor
medida, para o povo. Mas são explicações que não
satisfazem.
A URSS virou a guerra em primeiro e principal
lugar graças à resistência de seus povos. Tratava-se
de uma luta pela sobrevivência. Desde o início do
conflito os nazistas não deixaram nenhuma margem
de dúvida: vinham não apenas para esmagar o Es-
tado soviético e matar os comunistas, mas para des-truir fisicamente a maioria dos russos e não-russos.
O restante seria convertido a um regime de semi-
l
54 l)aniet Aarão Reis Filho tJRSS: O Socialismo Real 55
escravidão. Previa-se a deportação de 30 milhões de
pessoas e sua substituição por colonos alemães. A
URSS seria desmembrada: os Estados bálticos reser-
vados para as raças nórdicas, a Ucrânia e o Câucaso
para os alemães, Baku tornar-se-ia uma colónia mili-
tar. As grandes cidades, como Moscou e Leningrado
(ex-Petrogrado), seriam arrasadas a canhão, riscadas
do mapa. Os nazistas odiavam e desprezavam os
russos e a raça eslava em geral, considerando-os
''aglomerados de animais''. A URSS tornar-se-ia um
país de escravos, de operários agrícolas ou industriais
a serviço do nazismo. O terror abateu-se sobre a
população. Já vimos as perdas totais. Alguns outros
exemplos ilustrarão a ferocidade dos alemães: dos 5
milhões de prisioneiros de guerra, escaparam pouco
mais de l milhão em 1945; Leningrado teve mais de
800 mil mortos civis; Kiev passou de 900 mil habi-
tantes, em 1941, para 180 mil, quando foi libertada
em 1944; a Bielo-Rússia perderia quase 1/3 de sua
população total. Poderíamos encher dezenas de pá-
gin.as com exemplos: todos comprovariam a política
de genocídio praticada pelos nazistas na URSS. Além
disso, os alemães depredavam os recursos materiais:
absorviam mais de 50%o da reduzida produção agrí-
cola, abatiam animais indiscriminadamente, des-
montavam indústrias e as enviavam para a Alema-
Aos russos e aos povos soviéticos sobrava a alter-
nativa de resistir. Souberam fazê-lo de forma exem-
plar: Odessa resistiu 73 dias; Sebastopol, quase 9
meses; Leningrado ficou cercada 506 dias e não se
nha
entregou. Stalingrado resistiu mais de 180 dias e
simbolizaria a reviravolta da guerra. Na luta pela
sobrevivência, pela defesa da terra, da pátria e da
independência, os russos se superaram e ganharam,
mais uma vez, a admiração do mundo.
O partido comunista e o Estado soviético tam-
bém souberam adaptar-se à nova situação. A propa-
ganda concentrou-se em estimular os sentimentos
patrióticos, a veneração pela tradição e pelos ances-
trais, pela terra ''sagrada'' e pelo ''glorioso passado
do povo russo''. Cultuavam-se os antepassados herói-
cos, retornou-se à tolerância religiosa, restabelece'
ram-se as tradições hierárquicas nas forças armadas
culto aos galões, às condecorações, à continência
müilar etc.). Até o hino nacional mudou: a Inter-
nacional deu lugar a uma melodia autenticamente
russa
A nova política não agitava o patriotismo no ar.
Os Planos Qüinqüenais haviam elevado a URSS à
condição de segunda potência industrial européia em
1940. O nível de centralização política e económica e
mais a experiência adquirida de gestão e planeja-
mento permitiram alcançar uma notável concentra-
ção de recursos materiais e humanos e este também
foi um fator essencial para explicar o êxito dos sovié-
ticos na guerra.
A URSS emergiria da guerra como segunda po-
tência internacional. Nas conferências de Yalta e
Potsdam discutiria de igual para igual com as princi-
pais potências capitalistas uma nova divisão de esfe-
ras de influência no mundo. No plano interno, a
DanieIAarão Reis Filho \ URSS: O Socialismo Real56 57
indústria (à exceção da de armamentos) e a agricul-
tura saíam bastante debilitadas. A principal altera-
ção qualitativa fora a aceleração da transferência de
pólos produtivos para as regiões orientais, processo
já iníêiado anteriormente e acompanhado de novas e
maciças migrações: mais de 10 milhões de trabalha-
dores foram para o leste com ''suas'' indústrias. A
composição da força de trabalho alterara-se com o
deslocamento dos homens para as frentes de com-
bate: 53%a da mão-de-obra era feminina, enquanto
os menores de 18 anos constituirão 15%o da força de
trabalho.
Embora os critérios de eficiência sofressem o
impacto da guerra (nem sempre o melhor ''buro-
crata'' era mais eficiente nas tarefas militares), as
instituições. políticas não se transformaram. O par-
tido comunista continuou firme no leme do Estado,
acentuando-se a fusão entre partido e Estado. A eco-
nomia de guerra não favorecerá a democracia. Os
operários estavam mais enquadrados e vigiados do
que nunca: extensasjornadas de trabalho, sindicatos
rigidamente controlados, vinculação obrigatória ao
emprego e à empresa etc. Houve concessões aos cam:
poneses, mas não ultrapassaram uma certa liberdade
de comerciar os produtos de seus pequenos lotes no
interior dos kolkhozes.
Os comunistas não conheciam mais as práticas
democráticas, mesmo formais. A Juventude Comu-
nista, entre 1936 e 1949, não realizaria um s6 con-
gresso. Os sindicatos fariam um, em 1942, mas para
tratar de produção.e produtividade. Quanto ao par-
tido, também não reuniu um só congresso durante a
guerra. O próprio comité central não se reuniria uma
s6 vez. Justificar o fato com as dificuldades da guerra
é esquecer que, em plena guerra civil, entre 1918 e
1921, o partido realizara congressos anuais. ..
Durante a guerra o comando do Estado será
exercido por um organismo especial -- o Comité de
Estado para a Defesa, formado por Stalin, Molotov,
Berma, Vorochilov e Malenkov. Em 1942, ingressa-
riam por cooptação Kaganovitch, Mikoyan e Voznes-
senski. E em 1944, Bulganin. Este organismo no-
meara e desfará comissões específicas para as várias
funções de cúpula do sistema. O partido será gover-
nado pelos secretários.
O partido comunista, a rigor, transformara-se
numa frente patriótica popular, e o mesmo, aconte-
ceu com a Juventude Comunista. Os efetivos do par-
tido saltaram de 2 milhões de membros, em 1938,
para 5,5 milhões em 1945. A Juventude contava com
cerca de 15 milhões de filiados. A influência dos tra-
balhadores intelectuais acentuara-se com a guerra.
A vitória, o poderio e o prestígio intemacional
da URSS fortaleciam os laços de coesão do povo em
torno do Estado, do partido, dos chefes. O culto à
personalidade de Stalin, venerado, adorado e endeu-
sado pelos Órgãos de propaganda, atingia o paro-
xismo. Havia uma esperança difusa de que, depois
dos horrores da guerra, a situação tenderia a melho-
rar. Mas o modelo dos Planos Qüinqüenais passara
pela prova da guerra: não só sobrevivera mas saíra
dela ainda mais forte. . .
URSS: O Socialismo Real 59
profundas.
A agricultura continuava à deriva: a compara-
ção entre as previsões dos planos e as colheitas efeti-
vamente realizadas revela que o partido não domi-
nava ainda a realidade da agricultura, mesmo coleti-
vizada. Em 1940, a colheita ficara em 80%o das pre-
visões. Em 1948, os resultados fora inferiores a 60%o
do previsto. Em 1949, a colheita ficou em 56%o do
previsto. Entre 1950 e 1952 houve ligeiras melhorias,
mas em 1953 as previsões confirmavam-se apenas em
70%o. .O mais grave é que, em números absolutos,
a colheita de 1953 fora inferior à de 1940, e apenas
levemente superior à de 1913. Certos produtos salva-
vam-se do incêndio, como as matérias-primas indus-
triais. Mas, no que se refere aos cereais e aos legu-
mes, a situação era preocupante. A pecuária apre-
sentava também um quadro sombrio: em relação à
base igual a 100, de 1914, o número de bovinos, em
1953, não ultrapassava o índice de 103; o de porcinos
estava em 104, o de ovinos em 105.
Oito anos depois da guerra, a agricultura sovié-
tica crescia muito lentamente, quando não revelava
indícios de estagnação. Mas continuava sendo uma
área secundaria de investimentos -- média de 12%o
entre 1946 e 1953. O sonho da mecanização acele-
rada não se concretizará. A produção de tutores
estava longe de atender aos requisitos de uma agri-
cultura moderna. A produção individual, limitada
pela coletivização a pequeníssimos lotes para os
membros dos kolkhozes e execrada ideologicamente
como expressão e fatos de atraso económico e mesmo
O AP(X}EU DO STALINISMO
Depois da guerra a reconstrução da URSS seria
realizada sob orientação de novos Planos Qüinqüe-
nais -- o 4o, de 1946 a 1950, e o 5o, iniciado em
janeiro de 1951. Mantinha-se o padrão da década de
30: ênfase na indústriapesada, expropriação dos
excedentes camponeses e dos trabalhadores fabris,
terror político.
A situação em 1953 era a seguinte, tendo em
vista um índice igual a 100 relativo a 1940 -- carvão:
193; eletricidade: 279; petróleo: 167; aço: 211. Mas
as indústrias leves continuavam retardatârias -- te-
cidos de algodão: 133; de lã: 130; calçados: 113.
A indústria pesada recebera uma média de investi-
mentos equivalente a 42%o do total, sobrando para a
indústria leve apenas 5,4%o. E certo que as necessi-
dades militares absorviam entre 1/4 e 1/5 dos orça-
mentos estatais, mas a ênfase no setor pesado da
indústria tinha raízes sociais e políticas bem mais
60 Daniel Aarão Reis Filha URSS: O Socialismo Real 61
cultural, assegurava mais de S0%o da produção de
batatas e de legumes, ocupando apenas 4%o da super-
fície cultivada. As autoridades respondiam com o
aprofundamento do processo de coletivização e do
controle sobre os camponeses. Assim, os kolkhozes
passarão de 2S2 mi] para pouco mais de 75 mil, em
1952. Argumentava-se com a possibilidade de con-
centração de recursos e controles. Mas a agricultura
continuava rebelde aos planejadores soviéticos.
Os fracassos eram atribuídos a dificuldades cli-
máticas ou a deficiências de organização, mas os
problemas eram sociais e políticos.Os camponeses,
sempre insatisfeitos com a coletivização forçada, ha-
viam recebido durante a guerra preços estimulantes.
Ora, no transcurso do 4o Plano Qüinqüenal, refor-
mas monetárias e fiscais expropriaram os lucros e
rendimentos auferidos no período anterior. De outro
lado, o estrangulamento da indústria leve tornava
crónico o velho problema da escassez de produtos de
consumo corrente nos mercados rurais.
A insatisfação estendia-se aos trabalhadores fa-
bris, rigidamente enquadrados pelos poderes ilimi-
tados dos chefes de empresas, pelas normas de pro-
dução fixadas de cima para baixo, por uma repressão
onipresente. Parecia não haver perspectivas no re-
gime soviético para as grandes massas de trabalha-
dores rurais e urbanos. Apelavam então para as for-
mas mais simples e elementares de resistência pas-
siva: falta de iniciativa, de entusiasmo, lentidão no
trabalho, despreocupação com a qualidade dos servi-
ços e dos produtos, com os meios de trabalho e de
produção, com a produtividade. . .
Depois de 1945 o terror voltaria a flagelar a
sociedade soviética. Dois ministérios (a designação
''comissariado do povo'' caíra em desuso durante a ll
Guerra) ocupavam-se do . assunto: o do Interior
(MVD) e o da Segurança do Estado (MGB), depois
transformado em Comité para a Segurança do Es-
tado, o KGB, substituto das polícias políticas da
década de 30 -- OGPU e NKVD. As vítimas da nova
vaga de terror foram, em primeiro lugar, os ex-pri-
sioneiros de guerra. Libertados dos campos nazistas
transitaram diretamente para os campos soviéticos.
O regime desconfiava dos que escapavam dos na-
zistas: poderiam ser espiões ou colaboracionistas.
Várias pequenas nações não-russas também recebe-
ram o peso da repressão, acusadas de cumplicidade
com o invasor. Depois da responsabilidade coletiva e
da solidariedade familiar, adotava-se a responsabi-
lidade solidária para nações inteiras. A deportação
atingiria 75 mil karatchais, 134 mil kalmuyks, 500
mil tchetchenes-inguches, 42 mil balkars, 200 mil
târtaros da Criméia e 380 mi] alemães do Volga.
Ex-prisioneiros, ex-deportados, nações colaboracio-
nistas, espiões, traidores, sabotadores, dissidentes
ativos, descontentes passivos, toda uma nova geração
de presos políticos (estimados entre 6 a 10 milhões)
toma o rumo do leste, onde será(i colocados sob a
severa vigilância da direção geral dos campos de
concentração -- o Gulag.
A propaganda e a ''luta ideológica'' complemen-
tavam o terror. A exaltação do nacionalismo russo
62 Daniel Aarão Reis Filha URSS: O Socialismo Real
63
desdobrava temas já tratados durante a guerra. In-
tensifica-se o culto aos heróis russos, passados e pre-
sentes, reais ou imaginários, inflam-se as previsões,
ritmos e resultados dos Planos, mesmo que a reali-
dade não corresponda aos objetivos fixados. O culto
a Stalin mobiliza toda a sociedade. Seus livros e
pensamentos são as bíblias do movimento comunista
internacional, editados em milhões de exemplares e
dezenas de línguas. Em 1949, por ocasião do seu 70o
aniversário, abrem-se museus dedicados a seus fei-
tos, as estátuas multiplicam-se, crescendo em tama-
nho e volume. Stalin é generalíssimo, guia, chefe,
dirigente genial, pai.
O tema da defesa nacional volta ao primeiro
plano graças à guerra fria, que se insinuada desde
agosto de 1945, com o lançamento das bombas ató-
micas sobre o Japão. Os EUA não pretendiam ape-
nas liquidar o inimigo, mas advertir o aliado que se
tornava incómodo. Ao mesmo tempo que se realiza-
vam sucessivas reuniões e conferências destinadas ao
fracasso, as máquinas de propaganda preparavam o
condicionamento dos povos para novos ódios e novas
guerras.
Os EUA, principal potência mundial, tomam
iniciativas de rompimento: a doutrina Truman e o
Plano Marshall, em 1947; a formação da OTAN e da
República Federal Alemã, em 1949; a Comunidade
Económica Europeia, em 1952. A URSS responderia
lance por lance: a fundação do secretariado de infor-
mação -- o Kominform, em 1947; acentuação do
domínio sobre a Europa Oriental, em 1947 e 1948;
fundação do Conselho de Ajuda Mútua Económica,
que obrigara as chamadas "democracias.populares''
(Polânia, Bulgária, Romênia, Tchecoslováquia, Hun-
gria e Albânia) a se regerem pelo modelo dos Pla-
nos soivéticos, e a formação da República. Demo-
crática Alemã, em 1949. Mesmo os países socialistas
asiáticos não escaparão. A República Popular da
China, formada em outubro de 1949, alinha-se ao
padrão soviético pelos acordos de 1950 e o mesmo
acontece com a Coréia. A guerra neste país,, iniciada
em junho de 1950, ''justificará'' a posferiorí a guerra
fria, servindo como uma luva para agrupar os ''dois
campos'' em torno das superpotências que emergi-
ram do conflito mundial.
As forças internacionais interessadas na guerra
terão sabido afirmar-se, ganhando as populações
para um novo clima de tensão, de medo, de histeria e
de conflitos. Nos EUA identificam-se com o que se
convencionou chamar de ''complexo industrial-mili-
tar''. Na URSS defendem a retomada dos Planos, de
seus delirantes ritmos e do terror político indispen-
sável ao cumprimento de suas metas. A fortaleza
soviética cresceu com a guerra, ampliou-se a leste e a
oeste. Mas continua ''cercada'', ''aguada'', ''amea-
çada''. Para defendê-la tudo será permitido. E nem o
próprio partido comunista escapará do zelo de seus
defensores.
Em 1946/1947 uma ampla depuração atinge o
partido: na Ucrânia, caem 38%o dos secretários de
distritos e 64%o dos presidentes de soviets locais. Na
Bielo-Rússia 90%o dos secretários locais e 96%o dos
64 Daniel Aarão Reis Filho tJRSS: O Socialismo Real 65
responsáveis administrativos. No Kazaquistão, 67%o
dos dirigentes do partido e do Estado. No conjunto
da URSS, mais de 30%o dos dirigentes locais. A
depuração chega à cúpula do partido com o desapa-
recimento de Jdanov e do chamado ''grupo de Lenin-
grado'': N. Voznessenski, do gabinete político; P.
Popkov, secretário de Leningrado; M. Rodionov,
presidente da Rússia soviética; A. Kuznetsov, secre-
tário do comité.central. Vários foram fuzilados, sem
processo e sem julgamento. Os expurgou alcançam as
''democracias populares'', onde se realizam simula-
cros dos processos de Moscou da década de 30. Rajk,
na Hungria, Kostov, na Bulgária, Gomulka, na Po-
lânia, Clementis, na Tchecoslováquia, entre outros,
são demitidos e muitos perderão a vida. Trata-
se de garantir o monolitismo do bloco socialista no
contexto da guerra fria. Os partidários incondicio-
nais de Moscou assumem o primeiro plano: Ulbricht,
na Alemanha, Bierut, na Polânia, Rakosi e Germe,
na Hungria etc.
Expulsões, afastamentos e depurações impri-
mem alta rotatividade no interior do partido e de
seus quadros dirigentes, sobretudo nos escalões inter-
mediários. Mas

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