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ESTÉTICA E SEMIÓTICA AULA 4 Prof. Jeferson Ferro 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula, vamos tratar dos signos visuais. Para isso, vamos conhecer um pouco sobre a semiótica de Julian Greimas, pensador que desenvolveu uma teoria em busca da sistematização dos elementos da forma e do conteúdo das mensagens, a fim de entender como suas relações produzem sentidos. Além, é claro, do contato com outros autores que pensaram as artes visuais. Os temas abordados serão: 1. Semiótica visual 1 – Faremos uma introdução à questão das imagens como sistemas de significação. 2. Semiótica visual 2 – Vamos conhecer alguns conceitos semióticos fundamentais para se analisarem as imagens, principalmente os de Greimas. 3. As artes plásticas – Pensaremos a respeito da pintura e da escultura, com base na dicotomia plano da expressão x plano do conteúdo. 4. A fotografia – Vamos discutir sobre as principais características da análise semiótica da fotografia. 5. O cinema – A linguagem do cinema, o efeito mimético e a montagem serão nossos temas centrais. CONTEXTUALIZANDO Quantas fotos você tirou nas últimas 24 horas? Quantas vezes usou um símbolo visual – um meme, uma figura, um emoji – para se comunicar na rede? As imagens estão cada vez mais presentes em nossas vidas. Nesta aula vamos refletir sobre elas nas artes plásticas, na fotografia e no cinema como sistemas de significação. Quais são seus elementos, como eles se relacionam e como produzem sentidos? De que forma seu funcionamento é diferente da linguagem verbal? O cinema será o nosso último tema desta aula. Fruto direto da invenção da fotografia no século XIX, ele representa a síntese das linguagens desenvolvidas pelas sociedades humanas, pois todas as artes plásticas e a linguagem verbal compõem sua matéria-prima. Portanto, para começar essa 3 viagem pelos signos visuais, que tal resgatar um pouco da história dessa grande arte? Assista aos vídeos sugeridos a seguir. Saiba mais Os dois vídeos listados abaixo são colagens de cenas da história do cinema, feitas por cinéfilos amadores. Com qual deles você se identifica mais? • THE HISTORY of Cinema in 2 minutes. Lucia Bulgheroni, 26 fev. 2013. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hKWXiBgIeKA>. Acesso em: 5 ago. 2018. • THE EVOLUTION of film in 3 minutes. Scott Ewing, 21 mar. 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=84v3gV0wkjk>. Acesso em: 5 ago. 2018. TEMA 1 – SEMIÓTICA VISUAL 1 Nos dias de hoje parece que as imagens estão cada vez mais presentes em nossas vidas. Nas telas, nas ruas, nos materiais impressos, vemos e produzimos imagens a todo momento. Manovich, no livro The language of new media (2002), observa que nossa era está testemunhando uma tendência para a utilização crescente do conteúdo audiovisual como forma privilegiada de comunicação, roubando espaço da linguagem verbal, especificamente da escrita. São nossas stories no Instagram e os áudios que enviamos via whatsapp, os vídeos e os emojis que compartilhamos nas redes sociais etc. Ainda assim, seria justo dizermos que a linguagem escrita perdeu seu papel central como matéria-prima da comunicação? Certamente que não, pois as próprias imagens que utilizamos, na maioria dos casos, não se sustentam enquanto um código de comunicação independente. Elas precisam de palavras que lhes deem sentido, ou ao menos que direcionem sua interpretação de alguma forma. Roland Barthes, semiólogo francês que escreveu nos anos 60 (bem antes da internet, portanto) alguns dos mais importantes estudos sobre a significação na moda, no cinema e na fotografia já alertava que as imagens que usamos como forma de comunicação raramente se apresentam livres das palavras, e que assim seria mais justo falar de um tipo de comunicação logoicônica – uma junção do signo simbólico (a 4 palavra, o logos) com o signo visual da imagem (o ícone) – em vez de simplesmente “comunicação visual”. A verdade é que a linguagem verbal continua a ser dominante e, consequentemente, essencial para a organização do pensamento e para a produção de sentidos na sociedade. Mas isso não nos impede de pensar nas imagens, que têm se tornado cada vez mais presentes, como um sistema de signficação próprio, que se organiza com base em parâmetros específicos. É por isso que podemos falar de uma semiótica visual, ou seja, de um estudo específico sobre as imagens como elementos de um sistema de significação particular. Ao estudarmos a semiologia de Saussure (Aula 2), entramos em contato com uma teoria da significação calcada na linguagem verbal, muito próxima da linguística. Na aula 3, em que estudamos Peirce, conhecemos uma teoria semiótica que olha para todas as manifestações comunicativas de forma abrangente, não se restringindo à linguagem verbal, com base em uma concepção triádica de signo e do processo da semiose. Nesta aula, em que vamos nos concentrar especificamente nos signos visuais, vamos abordar o trabalho o semioticista franco-lituano Julian Greimas (1917- 1992). Ele desenvolveu uma teoria semiótica de análise das linguagens que buscava compreender como se dava o processo da significação levando-se em conta seus elementos constituintes. Na sua concepção semiótica, “o sentido é definido por uma rede de relações, o que quer dizer que os elementos do conteúdo só adquirem sentido por meio das relações estabelecidas entre eles” (Pietroforte, 2017, p. 13). Caberia à semiótica, portanto, definir categorias para classificar tais elementos, assim como os tipos de relações que se podem estabelecer entre eles, dentro da própria estrutura da mensagem. Além de Greimas, nos valeremos aqui também das reflexões de Roland Barthes, um autor que já encontramos em aulas anteriores. Antes, todavia, de nos aproximarmos dos conceitos fundamentais da semiótica visual, vamos abordar a questão da imagem como um tipo específico de signo. Para começar, vamos compará-la à linguagem verbal. O escritor russo Vladimir Nabokov (1899-1977), em uma palestra sobre a leitura de textos literários, faz uma interessante comparação entre o ato da leitura e a apreciação de um quadro: 5 Quando olhamos um quadro, não temos de mover nossos olhos de maneira especial, mesmo se, como num livro, a pintura contém elementos de profundidade ou seguimento. O elemento tempo realmente não está presente num primeiro contato com a pintura. Na leitura de um livro devemos ter tempo para no acostumarmos com ele. Com relação à leitura, o corpo humano não dispõe de nenhum órgão capaz de, primeiro, abranger o todo (como, no caso da pintura, os olhos sobre a tela) e, depois, se fixar em cada um dos detalhes. Mas, numa segunda ou terceira, ou quarta leitura podemos, em certo sentido, nos comportar com o livro como fazemos com o quadro. (Nabokov, 1992, p. 18) Nabokov tentava convencer seus alunos de que a primeira leitura de um texto implicava um exercício físico que impossibilitava sua devida apreciação. Por isso, seria necessário “livrar-se dela” para então poder, de fato, numa segunda ou terceira leitura, finalmente apreender o livro como um todo, de modo semelhante ao que é feito durante a observação de um quadro, do qual tomamos antes uma ideia geral para depois nos concentrarmos nos detalhes. Aqui Nabokov já destacava uma primeira diferença fundamental entre as linguagens verbal e visual: enquanto as palavras se organizam num eixo sintagmático, que se realiza no tempo, a imagem se apresenta em uma dimensão espacial, e não temporal. É verdade que também podemos pensar na dimensão espacial quando falamos de um texto, e nesse caso haverá uma determinação específica que faz parte do código (o sentido físico da leitura, de cima pra baixo, da esquerda para a direita, ou da direita para a esquerda). Todavia, é o aspecto temporal o que domina a linguagem verbal– o fato de que seus elementos são dispostos em uma cadeia lógica que se realiza no tempo (uma palavra depois da outra, nunca duas palavras ao mesmo tempo) –, enquanto que, na apreciação das imagens, o aspecto espacial é dominante. 6 Figura 1 – A linguagem visual Fonte: Rzarek/Shutterstock; Hikaru59/Shutterstock; Hikaru59/Shutterstock. Outro aspecto que distingue radicalmente a linguagem verbal da linguagem visual é sua natureza sígnica: enquanto a linguagem verbal é claramente simbólica, construída com base em um conjunto de elementos cujas regras de significação são codificadas e compartilhadas na sociedade, e na qual a relação entre significante e significado é arbitrariamente estabelecida, a linguagem visual é essencialmente icônica e parte de uma relação analógica (de semelhança) entre o significante e o significado, não dependendo de um código específico. Enquanto a palavra maçã representa uma determinada categoria de fruto para os falantes da língua portuguesa, qualquer uma das imagens a seguir representará tal categoria a falantes de quaisquer línguas do mundo: 7 Figura 2 – Representações de uma maçã Dizemos que a relação entre estas três imagens (significantes) e seus significados (que neste caso assumimos como sendo basicamente o mesmo) se dá por analogia (semelhança), e não por uma regra interpretativa, como na linguagem verbal, que estabelece um determinado significado para uma determinada cadeia de sons ou letras. Fonte: Pavlo_Kucherov/Shutterstock; Kasue/Shutterstock; Yusufdemirci/Shutterstock. Por outro lado, o signo visual guardará um caráter denotativo bastante evidente. Falar maçã implica se referir a uma categoria geral, simplesmente, e a nenhuma maçã em específico. Já ao desenhar uma maçã, além do fato de que este signo se refere a uma determinada categoria que nos é reconhecível por semelhança, implica criar uma maçã específica. Conforme esclarece Barthes (2005, p. 92): A linguagem articulada permite a manipulação das abstrações: quando digo a maçã, o que manipulo, linguisticamente falando, é a maçã em si. Mas, assim que se tenta traduzir essa abstração em imagem, por mais esquemática que ela seja, é sempre uma certa maçã que se desenha e que se designa. (grifos no original) Por causa disso, enquanto a linguagem verbal pode ser bastante específica em relação aos seus significados – a palavra ‘maçã’ significa exata e unicamente ‘maçã’, e se quero acrescentar outros significados a ela preciso associá-la a outras palavras –, o signo visual será essencialmente polissêmico (com vários significados). Quando estudamos os fundamentos da linguagem visual (aula 1), vimos que o traço, a cor, a luz e a profundidade, por exemplo, são elementos determinantes para a composição de uma imagem. Um determinado objeto – uma maçã, por exemplo – representado por imagens que combinam tais elementos de formas distintas poderá apontar para outros significados além daqueles previstos na natureza denotativa do signo. “Uma 8 imagem irradia sentidos diferentes, e nem sempre se sabe como dominar esses sentidos” (Barthes, 2005, p. 92). Tudo isso coloca algumas questões centrais ao estudo das imagens como um sistema de significação: é possível pensar numa semântica e numa sintaxe das imagens? Sem definir categorias de significação e de combinação de seus elementos, podemos falar que tal sistema constitui um código? A seguir, buscaremos aprofundar nossa reflexão sobre tais aspectos da linguagem visual. TEMA 2 – SEMIÓTICA VISUAL 2 2.1 Denotação e conotação nas imagens A questão central à discussão semiótica das imagens parte de sua distinção como um tipo de signo de natureza icônica e analógica, o que problematiza seu estudo como um sistema, código ou linguagem. Uma linguagem – no sentido estrutural de sua compreensão – deve necessariamente envolver elementos distinguíveis (o aspecto semântico, composto pelos itens que carregam o significado) e regras de combinação para tais elementos (sua sintaxe). Mas como podemos entender as imagens com base nessas duas categorias? De fato, não parece ser possível organizar o universo das imagens fundamentando-se nelas, o que nos coloca a tarefa de buscar outro viés de análise. Diante desse dilema, Barthes (2005, p. 70) se pergunta: “A imagem toca o homem puro, o homem antropológico, ou, ao contrário, o homem socializado, o homem já marcado por sua classe, seu país, sua cultura?”. Esse questionamento nos direciona especificamente para dois aspectos analíticos com base nos quais podemos enxergar o signo visual: a denotação e a conotação. Dizemos que o aspecto denotativo de uma imagem se refere àquilo que ela representa como um elemento existente no mundo. Já seu aspecto conotativo se refere às interpretações possíveis para uma determinada imagem com base em seu contexto cultural. Assim, a imagem de um tomate vermelho e reluzente, em um anúncio publicitário de molho de tomate, denota o fruto tomate (aquilo que enxergaria o “homem puro”), e conota culinária italiana / sabor original etc. (o que enxergaria o “homem socializado”), dentro de um 9 determinado contexto interpretativo. O significado conotado seria, portanto, fruto de um código cultural, variável e dependente do contexto. Saiba mais Denotação: diz-se que um signo denota algo quando ele aponta para um ser existente no mundo. Assim, podemos dizer que o retrato de alguém denota essa pessoa. Os nomes e pronomes são signos denotativos: ele, ela, Maurício, Fernanda etc. Conotação: diz-se que um signo conota algo quando ele abrange uma significação que depende do contexto. Conotações são subjetivas e interpretativas. Na linguagem verbal, a conotação é associada a “sentido figurado”; enquanto que a denotação, a “sentido literal”. Podemos dizer que esta imagem, por exemplo, Crédito: Martial Red/Shutterstock. denota ossos humanos, mas seu significado conotativo poderá indicar vários sentidos diferentes dependendo do contexto em que ela aparecer: morte, rebeldia, perigo etc. A publicidade é uma área especialmente atraente para a análise do signo visual porque nela existe sempre um significado intencional. Ou seja, na publicidade busca-se anular a polissemia da imagem, conferindo-lhe um sentido claro e inequívoco, que serve ao propósito de divulgação de seu produto. 10 Figura 3 – Exemplo de anúncio Fonte: Library of Congress, Prints & Photographs Division, Theodor Horydczak Collection Conforme aponta Barthes (1990), para atingir esse objetivo a publicidade necessita da linguagem verbal como elemento de fixação do significado visual. Assim, num anúncio como esse que vemos acima, identificamos três tipos distintos de mensagens: a linguística, a icônica codificada e a icônica não codificada. A mensagem icônica codificada é aquela que se refere ao aspecto conotativo da imagem, nesse caso dependente do signo linguístico, que podemos interpretar como sendo: dona de casa norte-americana, feliz e tranquila em sua casa bem equipada, nos anos 1940. A mensagem icônica não codificada representa uma interpretação despojada desse contexto cultural, ou seja, em seu aspecto denotativo, que aqui poderíamos entender simplesmente como “uma mulher branca sentada no sofá de uma sala, lendo uma revista”. Assim, a imagem denotada é aquela que entendemos a partir de uma leitura literal, já a imagem conotada é aquele que é fruto de uma interpretação simbólica, cultural e contextual da imagem. Barthes observa ainda que o texto, além de fixar um determinado sentido na imagem, também pode ser empregado na função que ele chama de relais, num sentido de complementaridade essencial à compreensão de determinados tipos de imagens. Esse é o caso das charges ou das histórias em quadrinho, por exemplo, em que o significado é expressopelo texto e reforçado pela imagem. Na fotografia jornalística, o texto e imagem estarão quase sempre numa relação de interdependência, de modo que um complementa o sentido do outro – como no caso das fotos que ilustram uma matéria e recebem uma legenda, por exemplo. 11 2.2 A semiótica de Greimas O semiótico Julian Greimas criou uma teoria que busca definir e classificar um conjunto de categorias e funções por meio das quais os signos se manifestam e se relacionam, resultando na produção de sentidos. Conforme resume o semioticista Leone (2015, p. 114), “Greimas desenvolveu sua semântica estrutural, e depois sua semiótica gerativa [...] para elaborar uma metalinguagem que lhe permitisse descrever o sentido de todos os textos, independentemente das suas substâncias de manifestação”. Para isso, ele criou alguns conceitos fundamentais para interpretar os signos em suas relações produtivas de sentido, baseado na premissa de que cabe à semiótica dizer o que o texto significa e como ele organiza seus elementos para produzir tal significado. Para ele, o foco da semiótica está nas relações entre os elementos que se apresentam em determinado “texto” – aqui compreendido como uma unidade de significação, não importa se efetivamente um texto escrito, uma imagem, uma história em quadrinhos, um filme, um quadro etc. Um texto é basicamente uma estrutura na qual se apresentam dois planos: o da expressão e o do conteúdo. Quadro 1 – Plano da expressão versus plano do conteúdo Plano da Expressão A forma do texto. Manifestação de um sistema que pode ser verbal (um poema, por exemplo), não verbal (um quadro, uma escultura etc.) ou sincrético (aquele que une o verbal e o não verbal, como um filme, uma história em quadrinhos, uma galeria de fotos legendadas etc.). Plano do Conteúdo O significado do texto, aquilo que ele diz e como faz para dizê-lo. Fonte: Pietroforte, 2017. Essa abordagem dos textos com base nesses dois planos não é, originalmente, de Greimas, mas do linguista Louis Hjelmslev e ecoa a dicotomia clássica saussureana entre significante e significado. No entanto, é na semiótica de Greimas que ela ganha um novo sentido ao produzir o conceito de semissimbolismo, que lhe será fundamental. O semissimbolismo é uma relação específica entre os dois planos, ou seja, entre uma forma da expressão 12 e uma forma do conteúdo, produzindo um significado. Assim, podemos entender, por exemplo, que o uso de uma determinada cor por um pintor produz um certo significado em sua obra; ou ainda que o traço de um quadrinista é não apenas uma marca de seu estilo, mas também um elemento na produção de sentido das suas histórias. As relações semissimbólicas são sempre criações particulares de uma determinada obra de arte. Outro conceito determinante da semiótica greimasiana é o do percurso gerativo do sentido, que procura descrever as categorias fundamentais do sentido em uma narrativa. Essas categorias são disposições do eixo semântico e se manifestam em conceitos bastante abstratos, de polos opostos, tais como: vida x morte, natureza x cultura, opressão x liberdade, identidade x alteridade. Greimas dispôs esta relação no chamado quadrado semiótico: Figura 4 – Quadrado semiótico Assim, podemos entender essas relações com base na oposição e na complementaridade: opressão e liberdade são categorias semânticas opostas, enquanto a não liberdade é complementar à opressão, assim como a não opressão é complementar à liberdade. Essas oposições podem ainda ser de natureza eufórica, quando recebem valor positivo, ou disfórica, quando seu valor é negativo. Em Romeu e Julieta, por exemplo, podemos entender que a narrativa se organiza baseada na oposição opressão x liberdade (ou ainda amor x ódio, vida x morte), e que a liberdade é o elemento euforizado – para atingir tal objetivo, os protagonistas fogem para se casar em segredo. O percurso gerativo de sentido envolve ainda uma série de outros elementos que dizem respeito aos níveis narrativo e discursivo de uma história, mas que não abordaremos aqui. Como nosso foco de atenção será a leitura de textos 13 visuais, a seguir nos concentraremos nas relações semissimbólicas expressas nas imagens. Saiba mais SEMIÓTICA greimasiana. Tailne Gazola, 30 maio 2016. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=-dmfMEjXhxM&t=3s>. Acesso em; 6 ago. 2018. Este criativo vídeo explica conceitos fundamentais da semiótica greimasiana e faz um exercício de análise do percurso gerativo de sentido a partir da narrativa de Jogos vorazes. TEMA 3 – AS ARTES PLÁSTICAS As artes plásticas são praticamente tão antigas quanto a própria humanidade. Desde o tempo em que habitávamos as cavernas já nos dedicávamos a pintar e esculpir, em nossas tentativas primitivas de representar a natureza e refletir sobre nossos medos e desejos. Como não poderia deixar de ser, a linguagem da arte foi se desenvolvendo ao longo da história, tornando-se cada vez mais complexa e refletindo o progresso cultural e tecnológico da humanidade. O conjunto das artes plásticas envolve as artes gráficas bidimensionais (a pintura, a gravura e o desenho) e as tridimensionais (a escultura e a arquitetura). Neste tema, faremos algumas considerações sobre a linguagem de duas delas: a escultura e a pintura. 14 Figura 5 – Exemplos antigos de pintura, escultura e arquitetura Pinturas em cavernas, como esta, foram feitas há cerca de 30 mil anos. Qual seria a motivação de nossos ancestrais para representar a natureza? E por que sentiam a necessidade de deixar suas mãos marcadas na parede? A Vênus de Willendorf é considerada a escultura mais antiga da história – aprox. 25 mil anos atrás. Suas formas evidenciam os órgãos reprodutores femininos. As pirâmides do Egito (cerca de 2.600 anos antes de Cristo) eram imensas capelas mortuárias construídas por uma civilização que dava muito valor à vida após a morte. Fonte: Enrique Alaez Perez/Shutterstock; Lefteris Tsouris/Shutterstock; Witr/Shutterstock. 3.1 A escultura A escultura é uma composição artística em três dimensões, que pode ser feita com uma vasta gama de materiais, sendo a pedra, os metais, a cerâmica e a madeira os mais tradicionais. Inicialmente, a escultura era feita utilizando-se de duas técnicas: o emprego de moldes que dão forma a uma substância incialmente líquida ou pastosa, mais tarde enrijecida; a atividade de talhar uma peça bruta, como um bloco de mármore ou um tronco, do qual se retiram partes por meio de um instrumento cortante. Atualmente são utilizadas diversas outras técnicas, como a colagem e a soldagem, bem como uma ampla gama de materiais que se tornaram comuns graças ao avanço das técnicas industriais. Por muitos anos, a escultura se concentrou na reprodução de deuses, figuras mitológicas, animais e personalidades históricas ou religiosas. Mas na era moderna ela se libertou do figurativismo e passou a se desenvolver em direção a uma linguagem mais abstrata, como aponta Bueno (2008, p. 85): A escultura, até recentemente, era figurativa e representativa, uma fiel reprodução da realidade. No século XX, período de ampliação de conquistas técnicas, devido ao progresso industrial iniciado no século anterior, houve uma mudança brusca de conceitos, e as esculturas foram criadas sem representar a forma real, possibilitando o manuseio ou a modificação do trabalho do artista pelo público. 15 Figura 6 – Marathon, de Henk Vish Marathon, de Henk Vish (2001). Estátua em metal e concreto (Rotterdam, Holanda). Exemplo de escultura moderna, trabalha com formas abstratas – linhas e cores que não representam formas naturais – para construir seu significado de maneira simbólica. Trata-se de uma escultura em homenagem aos maratonistas de diversas nacionalidades que participam anualmente de uma corrida que passa pelo mesmolocal onde fica a escultura. Suas cores representam a diversidade étnica dos corredores. Fonte: Brian S/Shutterstock. Vamos agora pensar a respeito de uma das esculturas mais famosas da história da arte, que mostramos a seguir, levando em consideração as possíveis relações entre o plano da expressão e o plano do conteúdo. Figura 7 – David, de Michelangelo “David”, de Michelangelo (1504). Estátua esculpida em mármore, com 5,17m de altura. Obra representativa do Renascimento, época em que a escultura viveu seu grande momento. Fonte: Marta Pons Moreta/Shutterstock. Nesta estátua vemos a reprodução de um corpo masculino, que representa um herói bíblico. O realismo anatômico é impressionante, o que intensifica seu poder mimético. No plano da expressão, notamos a perfeição da estátua, seu tamanho (3 vezes maior do que um ser humano normal), bem como a qualidade do material utilizado na sua construção, o mármore. No plano do conteúdo, vemos a figura de um herói, um vencedor, de feições 16 tranquilas, cabeça erguida e olhar voltado para a linha do horizonte – como alguém que não teme o que virá. Na mão esquerda, ele aperta a cabeça de uma cobra, mas seu rosto é absolutamente sereno. A conjugação dos dois planos configura o sentido de “divindade” da escultura, que podemos ler em oposição ao “humano”. Davi é gigante, destemido, perfeito, nobre – qualidades que se manifestam tanto no plano da expressão quanto no plano do conteúdo, resultando na perfeita harmonia da obra, criando uma representação semissimbólico do seu heroísmo. 3.1 A pintura Conforme estudamos anteriormente (aula 1), a pintura manipula seis elementos fundamentais: o ponto, a linha, a forma, o volume, a cor e a luz. Como podemos, portanto, estabelecer relações de significado com base em determinados usos desses elementos visuais? Quais são as relações possíveis entre os planos da expressão e do conteúdo em um quadro? Não é difícil perceber como diferentes autores, em diferentes épocas, fizeram usos característicos desses elementos. A seguir temos dois exemplos, separados no tempo por 400 anos: 1. Uma pintura de tema religioso, cujo traço busca uma reprodução bastante precisa das formas (idealizadas), tanto dos seres quanto da paisagem retratada, e na qual a oposição entre espaços de luz e de sombra é evidente; 2. exemplo de obra do impressionismo, percebe-se o movimento do pincel (quase um pontilhado) na criação de formas distintas, porém sem o nível de detalhamento da reprodução mimética – aqui as cores e a luz são mais importantes, e criam uma sensação de profundidade e frescor que parece nos levar para dentro da pintura. 17 Figura 8 – A virgem dos rochedos, de Leonardo da Vinci e A casa dos surdos e a torre de Eragny, de Pisarro 1. A virgem dos rochedos, de Leonardo da Vinci, 1486. 2. A casa dos surdos e a torre de Eragny de Camille Pissarro, 1886 Fonte: Domínio público. No início desta aula, mencionamos que a questão da direção do olhar é um problema que se coloca para a semiótica visual. Na linguagem verbal, temos o eixo sintagmático, aquele que estabelece um encadeamento lógico dos elementos significantes com base em suas relações sintáticas – que se organiza, em nossa língua, da esquerda para a direita. Mas na pintura não há a priori um eixo que estabeleça uma direção específica para a leitura dos elementos significantes. Todavia, pode-se entender que o eixo sintagmático de uma imagem é uma construção própria de cada texto visual, que se realiza nas “operações interpretativas dos observadores” (Leone, 2015, p. 111). Assim, podemos entender que uma imagem dispõe elementos que induzem a uma certa direção do olhar: “Aqui o ‘sentido’ pode considerar-se como a direção do olhar que produz uma direção na interpretação, como um olhar que, na sua interação com a superfície da imagem, produz um significado” (Idem, p. 112). No quadro de Da Vinci há um brilho intenso nos três rostos da parte superior e no corpo do menino ao chão, que estão em primeiro plano na imagem. Se ligarmos esses pontos, percebemos que formam um quadrilátero. Os rostos estão voltados para dentro deste quadrilátero imaginário, e a figura da virgem demonstra uma postura protetora. Como há também um ponto mais 18 claro ao fundo, no canto superior esquerdo, podemos entender que há um eixo de luz que corta a imagem no sentido transversal, do ponto alto-esquerda para o baixo-direita. Assim, podemos pensar nesta imagem como representando a oposição “acolhido x isolado” (plano do conteúdo), entendendo que a postura da virgem circundada pelos três elementos é a de acolhimento e proteção, a partir da dicotomia “claro x escuro” (plano da expressão). Já no segundo quadro percebemos um grande campo vazio na parte inferior, sobretudo à esquerda. Esse campo domina a imagem e destaca a linha que o invade, proveniente do canto inferior direito, em sentido transversal, de baixo para cima, representada pelas pequenas árvores dispostas em linha reta, que produzem sombra sobre o gramado. A profundidade e a luminosidade, que ressaltam as cores verde e azul, típicas do ambiente natural, são os elementos dominantes. A figura humana nos parece distante e alheia – um sentido que é reforçado pelo título do quadro, que se refere a uma “mulher surda”. Podemos, portanto, pensar neste quadro a partir das oposições “perto x distante” e “natural x artificial” como eixos semânticos de interpretação. Comparando os dois quadros, podemos ainda dizer que, quanto à perspectiva, o primeiro é plano, enquanto que o segundo é profundo. Quanto ao traço, no primeiro há uma clareza absoluta das formas retratadas, enquanto que no segundo ela é relativa. Por fim, devemos lembrar que, diante de sua natureza polissêmica, a interpretação dos singos visuais é sempre aproximativa, e nesse sentido sua leitura semiótica não tende a interpretações fechadas ou definitivas. Como ressalta Leone (2015, p. 114), a beleza da comunicação visual reside na dificuldade de comunicar sem “ambiguidades” através dos elementos que a caracterizam, ou seja, as formas, as cores e a disposição destas formas e destas cores no espaço. Raramente os códigos da comunicação visual são tão rígidos que eliminam toda possiblidade de variação entre o projeto do criador e a interpretação do observador. Portanto, a interpretação dos signos visuais é sempre uma tarefa especulativa, ainda que baseada em elementos concretos identificados nas imagens e nas possíveis relações de significado que eles permitem identificar. 19 Saiba mais LINGUAGEM da arte. Cesum Eja, 24 fev. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=mwD0n0thnGs>. Acesso em: 6 ago. 2018. Este vídeo faz uma breve introdução ao universo das artes plásticas. Com exemplos de obras de arte e depoimentos de pesquisadores e artistas, busca responder às perguntas básicas da semiótica greimasiana: o que a arte diz, e como ela diz? TEMA 4 – A FOTOGRAFIA Para pensarmos na fotografia como uma linguagem visual, vamos nos basear na discussão de seu caráter documental. Como vimos anteriormente, os signos visuais são de natureza icônica, pois representam seus objetos com base em uma relação de semelhança. Na fotografia, além da iconicidade, também se sobressai o aspecto indicial, pois a fotografia é, ao menos em tese, um registro de algo que aconteceu, que se apresentou de tal forma no mundo, ou seja, que existia “independentemente” da presença do fotógrafo. É justamente por isso que a fotografia se tornou tão importante para o jornalismo, sendo um documento que confere credibilidade ao texto. Nesse sentido, a fotografia seria primeiramente um registro, e depois uma criação. Diante disso, Barthes (1990, p. 30) pergunta: seria a fotografia uma “mensagem sem código”? Para melhor entendermos o que significa esse questionamento,vale a pena comparar a fotografia com outra forma de representação visual, como o desenho, como o autor faz a seguir: A natureza codificada do desenho aparece em três níveis: inicialmente, reproduzir um objeto ou uma cena através do desenho, obriga a um conjunto de transposições regulamentadas; não existe uma natureza da cópia pictórica, e os códigos de transposição são históricos (sobretudo no que tange a perspectiva); em seguida, a operação de desenhar (a codificação) obriga imediatamente a uma certa divisão entre o significante e o insignificante: o desenho não reproduz tudo, frequentemente reproduz muito pouca coisa, sem, porém, deixar de ser uma mensagem forte, ao passo que a fotografia, se pode escolher seu tema, seu enquadramento e seu ângulo, por outro lado não pode intervir no interior do objeto (salvo trucagem); em outras palavras, a denotação do desenho é menos pura do que a 20 denotação fotográfica, pois nunca há desenho sem estilo; finalmente, como todos os códigos, o desenho exige uma aprendizagem [...]. (Barthes, 1990, p. 35) A comparação realizada por Barthes destaca a diferença entre o aspecto denotativo, dominante na imagem fotográfica, e o conotativo, dominante no desenho. A imagem fotográfica seria essencialmente denotativa, assim como é a palavra quando dizemos um nome, como Martin Luther King, por exemplo. Se retomarmos os dois quadros analisados no tema anterior, podemos ver que em A virgem dos rochedos, de Da Vinci, a técnica da pintura é muito mais denotativa do que aquela empregada por Pissarro, pois em Da Vinci as imagens estão reproduzidas com precisão mimética, de modo a serem claramente identificadas, o que não acontece no outro quadro. O século XIX viu a pintura perder gradualmente seu poder representativo para a fotografia, como no caso dos retratos, por exemplo – o que permitiu que a pintura, por sua vez, se tornasse mais conotativa. A concepção do valor documental da imagem fotográfica como sendo sua característica dominante pode ser problematizada sob diversos aspectos. Dentre eles, podemos argumentar que: 1. A presença do fotógrafo condiciona a cena de uma certa maneira, de modo que as pessoas retratadas não se comportariam da mesma forma caso ele não estivesse lá; 2. O recorte operado pela técnica fotográfica (enquadramento, luz, foco etc.) produz uma visão particular do objeto retratado, que não representa o todo; 3. O uso de determinada foto para ilustrar um texto, ou simplesmente a sua legenda, por exemplo, pode conferir-lhe significados que não são óbvios em seu conteúdo; 4. As imagens estão sujeitas à manipulação e alteração após terem sido inicialmente capturadas pela máquina. Na era da imagem digital, quem ainda “acredita” em uma fotografia, não é mesmo? Assim, voltamos à pergunta: em que medida a fotografia constitui uma linguagem? E aqui podemos retomar a distinção que Barthes faz a respeito dos dois tipos de mensagem icônica: a codificada e a não codificada. A mensagem 21 não codificada seria uma representação literal de algo, de forma que não se percebessem nela quaisquer traços de um determinado viés autoral ou mesmo de uma significação cultural. Já a mensagem icônica codificada seria aquela que possui um caráter simbólico, que representa algo dentro de um contexto cultural determinado. Figura 9 – Vitória-régia Fonte: Pelikh Alexey/Shutterstock. Seria essa uma foto verdadeiramente literal? Uma mensagem icônica não codificada? Barthes (1990, p. 34) nos adverte, porém, que distinguir a imagem literal da simbólica é uma abstração analítica, pois “mesmo que conseguíssemos elaborar uma imagem inteiramente ‘ingênua’, a ela se incorporaria, imediatamente, o signo da ingenuidade e a ela se acrescentaria uma terceira mensagem, simbólica”. Ou seja, simplesmente definir uma imagem, como a foto acima, chamando-a de “ingênua” já é um ato simbólico. A denotação pura e simples seria uma utopia. A quais aspectos da fotografia, então, devemos https://www.shutterstock.com/pt/g/pelikh%20alexey 22 nos atentar no trabalho de análise semiótica? As três imagens abaixo nos oferecem algumas pistas. Figura 10 – Martin Luther King, War News e Jesse Owens 1. Martin Luther King – “Press Conference”, 1964 2. “War News” (1917) 3. “Jesse Owens” (1936) Fonte: Marion S. Trikosko/Library of Congress; Library of Congress; Library of Congress. Nas imagens 1 e 3 há um caráter fortemente indicial, pois elas retratam figuras históricas. Na terceira foto, temos a figura histórica em um momento histórico – Jesse Owens na Olimpíada de Berlim, em 1936. O flagrante do momento da arrancada nos dá um close do atleta em primeiro plano, que nos permite observar até mesmo sua expressão facial, e ressalta os movimentos do seu corpo. No fundo da foto, vemos a arquibancada completamente repleta de espectadores, mas tão pequeninos que é impossível enxergá-los individualmente. Isso tudo, aliado à ausência dos demais competidores na cena, compõe um quadro que ressalta sua qualidade “mítica”, de forma semelhante ao que fazem as esculturas do Renascimento. É a imagem de um atleta capturada em um momento único de demonstração de suas habilidades. 23 Assim, temos uma oposição “herói x massa” que é construída pelo conjunto enquadramento e foco. Na imagem 1, Martin Luther King fala à imprensa. A foto capturou uma postura corporal de intimidade e proximidade, já que ele parece se aproximar do púlpito e o fotógrafo capturou a imagem em close frontal. Sua expressão facial é tranquila e ele parece conversar com alguém. O conjunto da imagem transmite a impressão de um diálogo amigável. Poderíamos nos perguntar: será que essa conferência de imprensa foi realmente tranquila e pacífica? No fotojornalismo, é comum que os profissionais busquem obter uma imagem que retrate o viés que eles desejam dar à matéria, o que não significa que a foto seja uma reprodução fiel do acontecido, ou mesmo do sentimento da pessoa retratada. Sua postura corporal poderia ainda ser lida com outros significados, como um encolhimento que manifesta apreensão ou receio. De toda forma, a leitura dessa foto se baseará numa leitura da postura do personagem fotografado, levando em consideração seu contexto de produção. Por fim, na foto 2, vemos três homens velhos, de idade avançada, concentrados ao redor de um jornal. Trata-se de pessoas comuns, portanto o simbolismo está na composição da foto que revela o interesse dos indivíduos pela notícia que estão lendo – no caso, sabemos graças à legenda que se trata de “notícias de guerra”, o que faz desta mensagem uma forma sincrética (união de imagem e texto). Observamos o conjunto a certa distância e é como se eles não percebessem que estão sendo fotografados. Seria essa foto a captura de um momento aleatório, informal, ou teria o fotógrafo instruído seus modelos a posar? Percebemos que nas três fotos há uma série de escolhas feitas pelo fotógrafo, que tem um grande impacto na produção dos significados da imagem: enquadramento, distância, ângulo, foco etc. Para não falarmos, é claro, na construção do cenário e na direção dos modelos, no caso de uma foto que fosse assim produzida; ou ainda nos recursos digitais disponíveis para a alteração da imagem, tão corriqueiros hoje em dia. Todo esse conjunto de elementos é manuseado de acordo com o olhar do fotógrafo, a serviço de sua intenção e capacidade criativa. Portanto, não há como negar que a fotografia 24 tenha um potencial conotativo tão grande quanto o de qualquer outra modalidade de comunicação visual. Saiba mais HIPER-REALISMO: parece fotografia, mas não é; surpreenda-se. Pragmatismo, 21 maio 2013. Disponível em: <https://www.pragmatismopolitico.com.br/2013/05/hiper-realismo-parece- fotografia-mas-nao-e-surpreenda-se.html>. Acesso em: 6 ago. 2018.O hiper-realismo é um movimento artístico na pintura e na escultura, surgido na segunda metade do século passado, que busca reproduzir imagens com extrema fidelidade, fazendo com que pinturas se pareçam fotos, e esculturas pareçam pessoas reais. É como se o ser humano desafiasse a máquina: eu consigo “representar” melhor do que um computador. TEMA 5 – O CINEMA O cinema é uma forma de expressão sincrética, pois combina as linguagens visual, sonora e verbal. Seu plano de expressão é de alta complexidade: reúne uma ampla categoria de elementos que podem se relacionar de inúmeras formas dentro de seu projeto de construção de sentidos. Cenários, figurinos, técnicas de filmagem, animação, roteiro, atuação, efeitos sonoros etc. Um filme poderá, dentro de seu projeto narrativo, ressaltar aspectos visuais, sonoros ou verbais, de forma que existe grande liberdade de manipulação desses elementos por seus criadores. Para começarmos a pensar a respeito da linguagem cinematográfica, vamos resgatar um pouco da sua história. Saiba mais DEUS da Carnificina. Direção de Roman Polanski. França, Espanha, Polônia e Alemanha, 2011. 1h20min. Baseado numa peça teatral, este filme é totalmente dependente do texto e da interpretação do elenco. A narrativa se passa dentro de um apartamento, num espaço de poucas horas, em que dois casais se reúnem para conversar 25 sobre uma briga ocorrida entre seus filhos. Os movimentos da câmera, seus cortes e closes intensificam a tensão dos diálogos. PARIS, Texas. Direção de Wim Wenders. França, Reino Unido, Alemanha Ocidental, EUA, 1984. 2h27min. Neste filme, não há muitas falas e pouca coisa acontece, mas as imagens comunicam muito. A linguagem visual domina a narrativa e envolve o espectador numa viagem por cores e paisagens encantadoras, que constroem o sentido do filme ao comunicar iconicamente as emoções e pensamentos dos personagens. A tecnologia de gravação de imagens em movimento é um desenvolvimento natural da fotografia, que surgiu na primeira metade do século XIX. No final do século, vários pesquisadores, dentre eles os irmãos Lumière (franceses) e Thomas Edison (norte-americano), buscavam uma técnica que fosse comercialmente viável para a gravação e exibição de filmes, o que fez com que diferentes protótipos de câmeras e projetores surgissem mais ao menos ao mesmo tempo, competindo pelo mercado nas feiras de entretenimento, na Europa e na América do Norte. A certidão de nascimento do cinema é a exibição pública do filme Chegada do trem à estação, em janeiro de 1896, na França, pelos irmãos Lumière. Foi na primeira década do século XX que uma linguagem cinematográfica começou a ganhar forma. Os primeiros filmes se encaixavam na categoria do “teatro filmado” – a ação acontecia num palco, de forma ininterrupta, e a câmera que a filmava era fixa, como se fosse os olhos de um espectador na plateia. Logo o cinema foi ganhando características próprias: a câmera passou a se mexer, produzindo enquadramentos e closes; os filmes passaram a ser produzidos em estúdios e divididos em cenas, intercaladas por textos explicativos; a música passou a ser um elemento usado para transmitir a emoção da cena, ainda na época do cinema mudo, quando a execução da trilha sonora ao vivo era parte do espetáculo cinematográfico. Então, na segunda década do século XX surgiu Hollywood, e a grande indústria do cinema nasceu na América – a arte do cinema floresceu em diversos países ao redor do mundo, mas foi nos EUA que a indústria cinematográfica se 26 estabeleceu de forma mais pujante, com um claro projeto de desenvolvimento comercial desta área de entretenimento. No início, os roteiros cinematográficos eram inspirados quase que exclusivamente na literatura e em acontecimentos históricos, sendo essencialmente narrativos. Os primeiros pensadores do cinema buscaram definir a linguagem cinematográfica a fim de diferenciá-la das demais artes – a fotografia, a pintura e a literatura. Como o cinema é uma forma híbrida, esses pensadores tentavam definir os elementos que seriam específicos à linguagem cinematográfica. Dentre as inúmeras discussões a respeito da natureza essencial do cinema, dois aspectos ganharam evidência: a montagem e a impressão de realidade. Os grandes defensores da montagem como sendo a característica essencial do cinema foram os estudiosos e cineastas russos. Lev Kulechov fazia experiências, na década de 1920, com sequências de cenas, buscando entender qual é o efeito interpretativo que elas causavam nos espectadores (o chamado “efeito Kulechov”). As conclusões de Kulechov, conforme aponta Joly (2002, p. 221), foram de que: quando se justapõem dois planos, ou se introduz um plano entre outros dois, faz-se nascer uma ideia ou exprime-se algo que não estava contido em nenhum dos planos tomados separadamente, [...] o resultado semântico é, assim, um produto (e não uma soma) incluído entre a alucinação e abstracção. Ou seja, montar um filme, estabelecendo uma sequência para as tomadas e cenas, seria a essência da produção de sentido no cinema. Eisenstein e Vertov foram dois cineastas marcantes dessa época: eles exploraram as possibilidades da montagem de forma inédita até então, promovendo o progresso da linguagem cinematográfica. Figura 11 – Sequência de tomadas do filme Homem com uma câmera (Vertov, 1929) 27 Sequência de tomadas do filme Homem com uma câmera (Vertov, 1929). Com um tempo médio de 2,3 segundos por tomada, Vertov criou uma dinâmica de montagem inédita no cinema – e que só seria adotada pelo cinema narrativo 30 anos depois, com Godard. Fonte: All soviet movies on Rvision, 2016. O trabalho de Dziga Vertov representa um estilo de filmagem que buscava promover o encontro entre a verdade do mundo e a técnica artística cinematográfica. Seu cinema era movido pelo impulso documental. Mas o cinema comercial – não só o hollywoodiano – seria essencialmente narrativo. E, como tal, calcado na impressão de realidade. Conforme aponta Machado (2011, p. 81), assim como na literatura realista, que buscava apagar a figura do narrador, o cinema se voltaria para a “legitimação documental” em busca do maior “coeficiente de realidade”. Ou seja, o cinema narrativo clássico se baseava no “efeito janela”: os espectadores assistem ao filme como se observassem pela janela algo acontecendo naturalmente “no mundo lá fora”, e simplesmente “não enxergam” a montagem, como se ela fosse invisível. Para atingir tal efeito, operam dois fatores: 1. O poder mimético da imagem cinematográfica – consta que durante a exibição do filme inaugural dos irmãos Lumière, Chegada do trem à estação, vários espectadores teriam fugido da sala com medo de serem atropelados pelo trem; 2. A técnica de montagem, que envolve o espectador da história de tal forma que ele se desconecta do mundo real e vive uma imersão na tela. 28 Xavier (2005, p. 24-25) explica que a impressão de realidade depende da montagem, que implica opções de dois níveis: do tipo de relação entre as imagens justapostas [...] [e] da opção entre buscar a neutralização da descontinuidade elementar ou buscar a ostentação desta descontinuidade. [...] Dependendo das opções realizadas diante destas alternativas, o “efeito de janela” e a fé no mundo da tela como um duplo do mundo real terá seu ponto de colapso ou de poderosa intensificação na operação de montagem. Assim, montagem e impressão de realidade são dois paradigmas interligados, pois um dependerá do outro. O filme Birdman – ou a inesperada virtude da ignorância (2015, Alejandro Iñarritu) é um exemplo de como os planos da expressão e do conteúdo podem alcançar profunda sintonia. A montagem do filme simula um plano sequência (como se não houvesse cortes) que dura quase toda a extensão da narrativa, o que intensifica a dinâmica da ação e o “efeitojanela”, fazendo-nos sentir como se toda a história se passasse em duas horas. Durante a maior parte do filme, a câmera circula pelos corredores do teatro, cenário principal da história, transmitindo uma sensação de proximidade absoluta com os personagens – estamos sempre muito perto deles, entrando e saindo dos camarins, vendo seus rostos como se estivéssemos logo ali, ao lado. Esses elementos reforçam sobremaneira a impressão de realidade do filme. Por outro lado, os efeitos especiais embaralham o universo onírico do protagonista (que se imagina com superpoderes) com a diegese fílmica, o que deixa os espectadores em dúvida sobre “o que é que realmente acontece no filme?”. Por fim, a própria trilha sonora transita entre os dois níveis, pois em alguns momentos surge na tela um músico executando a trilha que ouvimos o tempo todo – ou seja, um elemento externo se torna interno à narrativa. Assim, o filme consegue produzir um intenso envolvimento do espectador, quase uma “realidade virtual”, ao mesmo tempo em que o coloca em dúvida sobre as fronteiras entre o diegético e o não diegético na narrativa, misturando os planos de expressão e de conteúdo de forma instigante. Como a narrativa trata da própria representação, pois o tema é a produção de uma peça e os personagens são atores e atrizes, plano de expressão e plano do conteúdo se casam no eixo semântico “ilusão x realidade”. 29 Saiba mais Diegese é o mundo ficcional, aquilo que “acontece de verdade” na narrativa. A linguagem audiovisual tem se desenvolvido por diversos caminhos desde que surgiu, no final do século XIX. As fronteiras entre os gêneros fílmicos são constantemente redesenhadas e novas técnicas mudam a forma de fazer e consumir produtos audiovisuais. O cinema é uma linguagem dinâmica, profundamente ligada ao desenvolvimento tecnológico da sociedade. Como tal, coloca-se como uma espécie de fronteira da comunicação: fazer cinema é usar aquela que é a linguagem mais complexa, abrangente e tecnologicamente desenvolvida já criada pela humanidade, seja para transmitir significados por meio de uma narrativa, seja para outros fins comunicacionais. Saiba mais PETER Greenaway and the language of film. Art regard, 25 jul. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=cBRelck_N2U>. Acesso em: 6 ago. 2018. O inglês Peter Greenaway é um cineasta verdadeiramente revolucionário. Seus filmes exploram combinações incomuns de som e imagem, fugindo da narrativa convencional e da montagem clássica. Que tal começar a conhecer seu trabalho? TROCANDO IDEIAS Fórum: poste uma foto que você produziu (ou uma foto que você gosta) e analise-a sob os critérios discutidos ao longo desta aula. O que sua foto comunica? Seu conteúdo é válido também para outras pessoas, ou apenas para você? Como as técnicas fotográficas se manifestam no plano da expressão? O foco, o enquadramento e a luz agregam sentidos à imagem? 30 Como? Ela possui um significado claro? Por quê? Compartilhe sua foto e discuta sua análise com os colegas. NA PRÁTICA Atividade 1 Frans Krajcberg foi um artista plástico polonês, naturalizado brasileiro, que concebia a arte a partir das interações do homem com a natureza. Sua obra revolucionária é um grito em defesa da natureza. Acesse os links a seguir para conhecer um pouco sobre ele e sua obra. Em seguida, reflita sobre sua linguagem: Que tipo de elementos significantes ele empregava em suas criações? Como esses elementos produzem significados? Escolha uma obra deste autor e elabore um texto falando sobre a relação entre o plano do conteúdo e o plano da expressão. 1. FRANS Krajcberg. Enciclopédia Itaú Cultural, 27 mar. 2018. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa10730/frans-krajcberg>. Acesso em: 6 ago. 2018. 2. KRAJCBERG – O grito da natureza. – TVBrasil, 17 out. 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=yXvaM_H1_As>. Acesso em: 6 ago. 2018. Atividade 2 O videodocumentário é uma linguagem do audiovisual bastante próxima do jornalismo, pois assume o compromisso de apresentar e discutir aspectos da realidade. No entanto, como o videodocumentário é uma manifestação artística, e não uma reportagem, ele deve destacar aspectos icônicos da mensagem, explorando a pluralidade de sentidos e a emoção. O filme Notícias de uma guerra particular (Kátia Lund e João Moreira Salles, 1999) é um documentário sobre a guerra ao tráfico de drogas no Rio de Janeiro – reconhecido como a origem do filme Tropa de elite. Assista ao documentário e analise os aspectos artísticos de sua realização: as imagens, os sons, a narração – de que forma eles transmitem algo além da mera informação? Acesse o documentário completo em: 31 NOTÍCIAS de uma guerra particular. Ricardo Quirino, 26 fev. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=aPhhNK8Fkxw>. Acesso em: 6 ago. 2018. FINALIZANDO Nesta aula, abordamos o universo das linguagens visuais como sistemas de significação próprios. Partimos da discussão sobre as imagens enquanto signos de um código específico, com regras e padrões particulares, semelhantes ou não às línguas escritas. Nesse sentido, abordamos a questão do eixo sintagmático e da “direção da leitura”. Em seguida, introduzimos alguns conceitos-chave para a interpretação dos signos visuais. Noções da semiótica greimasiana, como plano da expressão e plano do conteúdo, bem como sua articulação na produção de formas semissimbólicas estiveram no centro da discussão. Além disso, discutimos os conceitos barthesianos de imagem icônica codificada e não codificada, juntamente com a ideia de conotação X denotação, como um parâmetro para a leitura das imagens. Abordamos ainda as artes plásticas, especificamente a pintura e a escultura, com base nesses conceitos analíticos, e depois a fotografia – e aqui a discussão sobre o valor documental da imagem, sua iconicidade e indicialidade foram aspectos centrais. Por fim, falamos da linguagem do cinema, que é a forma mais jovem e sincrética dentre as artes, na qual todas as linguagens encontram espaço. LEITURA OBRIGATÓRIA Texto de abordagem teórica PIETROFORTE, A. V. Semiótica visual: os percursos do olhar. São Paulo: Contexto, 2017. Disponível em: <http://uninter.bv3.digitalpages.com.br/users/pu blications/8572442766>. Acesso em: 6 ago. 2018. 32 REFERÊNCIAS BARTHES, R. A imagem. In: Inéditos – v. 3 – imagem e moda. São Paulo: Martins Fontes, 2005. _____. A retórica da imagem. In: O óbvio e o obtuso – ensaios sobre fotografia, cinema, teatro e música. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. BUENO, L. E. B. Linguagem das artes visuais. Curitiba: InterSaberes, 2012. JOLY, M. A imagem e a sua interpretação. Lisboa: Edições 70, 2002. LEONE, M. Dificuldades e oportunidades da semiótica visual. Revista Comunicare, v 15, n. 2, 2º sem./2015. Disponível em: <https://casperlibero.edu.br/wp-content/uploads/2016/08/Dificuldades-e- oportunidades-da-semiotica-visual.pdf>. Acesso em: 6 ago. 2018. MACHADO, A. Pré-cinemas e pós-cinemas. Campinas: Papirus, 2011. MAN with a movie camera (1929) movie. All soviet movies on Rvision, 1 dez. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=cGYZ5847FiI>. Acesso em: 6 ago. 2018. MANOVITCH, L. The language of new media. Massachusetts: MIT Press, 2002. NABOKOV, V. A leitura. Nicolau, ano V, n. 41, 1992, p. 18-19. PIETROFORTE, A. V. Semiótica visual: os percursos do olhar. São Paulo: Contexto, 2017. XAVIER, I. O discurso cinematográfico – a opacidade e a transparência. São Paulo: Paz e Terra, 2005. Conversa inicial Contextualizando THE HISTORY of Cinema in 2 minutes. Lucia Bulgheroni, 26 fev. 2013. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hKWXiBgIeKA>. Acesso em: 5 ago. 2018. THE EVOLUTION of film in 3 minutes. Scott Ewing, 21 mar. 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=84v3gV0wkjk>.Acesso em: 5 ago. 2018. PETER Greenaway and the language of film. Art regard, 25 jul. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=cBRelck_N2U>. Acesso em: 6 ago. 2018. Trocando ideias Na prática FINALIZANDO LEITURA OBRIGATÓRIA Texto de abordagem teórica REFERÊNCIAS MAN with a movie camera (1929) movie. All soviet movies on Rvision, 1 dez. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=cGYZ5847FiI>. Acesso em: 6 ago. 2018.
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