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ESTÉTICA E SEMIÓTICA - AULA 6 (Semiótica da Cultura e Estética)

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ESTÉTICA E SEMIÓTICA 
AULA 6 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Prof. Jeferson Ferro 
 
 
2 
CONVERSA INICIAL 
Nesta aula vamos tratar de dois temas centrais: a relação entre 
semiótica e sistemas culturais, a Estética enquanto um campo específico da 
filosofia. Os temas que abordaremos são: 
1. Semiótica da cultura 1 
O que é cultura e como podemos abordá-la a partir de um viés 
semiótico? 
2. Semiótica da cultura 2 
Biosfera, semiosfera e o conceito de modelização. 
3. Semiótica da cultura 3 
Um tempo de crises: a representação e a identidade – problemas 
contemporâneos. 
4. Estética 1 
Dos gregos aos alemães, o pensamento sobre a arte, a beleza e o bom 
gosto. 
5. Estética 2 
A estetização do mundo capitalista e seus problemas. 
CONTEXTUALIZANDO 
Chegamos à última aula de nossa disciplina. De certa forma, iremos 
resgatar conceitos vistos ao longo do percurso para que possamos lançar um 
olhar semiótico para a cultura contemporânea. Entre as questões mais 
prementes de nosso tempo, podemos destacar os conflitos de identidade e a 
estetização da vida. 
Saiba mais 
Para você, o que é a beleza? O link a seguir apresenta um vídeo 
produzido por jornalistas da Folha de São Paulo e se debruça sobre a questão 
da beleza e da identidade em nossa sociedade atual. Assista e reflita sobre 
essa questão. 
PÓS-BELEZA. Tab Uol. Disponível em: <https://tab.uol.com.br/beleza#pos-
beleza>. Acesso em: 7 set. 2018. 
 
 
3 
TEMA 1 – SEMIÓTICA DA CULTURA (1) 
Nas aulas anteriores, entramos em contato com teorias semióticas que 
buscam compreender o processo da significação em diversos campos da vida 
social. Um grande número de pensadores assumiu a tarefa de identificar e 
classificar elementos das linguagens humanas, entendidos como sistemas de 
significação – na linguística, na literatura, no cinema etc. Saussure lançou as 
bases do estudo estrutural das línguas naturais, estabelecendo uma série de 
dicotomias úteis para a definição dos fenômenos da comunicação, bem como 
para a compreensão do funcionamento do sistema linguístico – 
sincronia/diacronia, significante/significado, língua/fala etc. A concepção 
saussuriana da linguagem rendeu muitos frutos teóricos, dentre eles a 
semiótica de Julian Greimas, que compreende as relações simbólicas, 
notadamente no campo da arte, como uma dinâmica entre o plano de conteúdo 
e o plano de expressão, que pode ser compreendida no percurso gerativo do 
sentido, um eixo semântico que se organiza a partir de elementos em oposição 
– vida x morte, liberdade x opressão etc. 
Já Peirce parte de uma concepção fenomenológica, fundada na 
filosofia, para conceber a própria natureza do processo de significação não 
como algo que se manifesta em um “sistema específico”, mas como uma 
relação triádica que se dá no mundo, o tempo todo, em qualquer situação. 
Entre as tríades peirceanas estão os conceitos de Primeiridade/ 
Secundidade/Terceiridade; Objeto/Signo/Interpretante; e Ícone/ Índice/Símbolo. 
Roland Barthes e Umberto Eco, por sua vez, aproximaram os estudos da 
significação de objetos comuns ao universo da vida moderna, como a moda, a 
televisão, as histórias em quadrinhos etc. Eles beberam tanto na fonte 
saussureana quanto na peirceana. Como podemos, portanto, falar de uma 
abordagem semiótica do grande e heterogêneo conjunto de manifestações 
humanas que consideramos parte da “cultura”? Vamos a seguir pensar a 
respeito do conceito de cultura e de como podemos abordá-lo por um viés 
semiótico. 
 
 
4 
1.1 Cultura 
O termo cultura não possui uma única definição e é considerado de 
forma distinta por pensadores da psicologia, antropologia, artes etc. Uma das 
primeiras tentativas de se definir cultura, que acabou se tornando referência 
para estudos posteriores, foi a do antropólogo britânico Edward Tylor: em 1871, 
ele a definiu como sendo “aquele conjunto complexo que inclui conhecimento, 
crenças, arte, lei, princípios morais, hábitos e qualquer outra capacidade ou 
habilidade desenvolvida por um ser humano dentro de uma sociedade.” 
(Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2011). Seguindo Tylor, podemos 
entender como cultural tudo aquilo que a espécie humana produziu em sua 
existência neste planeta. Tudo o que criamos – ferramentas, máquinas, 
habitações, cidades – todas as formas de relação que estabelecemos com o 
meio ambiente e com os outros habitantes – agricultura, democracia, guerra – 
e sobretudo todas as linguagens e suas manifestações que regem nossa 
comunicação – as línguas naturais, a literatura, a música etc. – formam o 
conjunto da cultura. Percebe-se que cultura, grosso modo, se opõe à natureza, 
uma vez que é cultural tudo aquilo que é produto de uma transformação ou 
criação operada pelo humano. No entanto, essa oposição cria um sério 
problema: e o ser humano, por acaso, não é fruto da natureza? Mais à frente 
veremos como a semiótica da cultura busca aproximar cultura e natureza, indo 
além dessa dicotomia. 
O que se caracteriza como essencialmente relevante para o estudo 
semiótico é que a cultura se manifesta por meio da linguagem, dos sistemas de 
comunicação que criamos para interagir com o mundo, criar e difundir 
conhecimento. Nesse sentido, a cultura é em sua essência uma manifestação 
sígnica, pois ela só existe nas relações de representação que estabelecemos 
com o mundo. Conforme explica Stuart Hall (2016), os signos que criamos 
transmitem sentidos dentro de um código, que não é um elemento da natureza, 
mas criação de uma sociedade: 
No cerne do processo de significação na cultura surgem, então, dois 
“sistemas de representação” relacionados. O primeiro nos permite dar 
sentido ao mundo por meio da construção de um conjunto de 
correspondências, ou uma cadeia de equivalências, entre as coisas – 
pessoas, objetos, acontecimentos, ideias abstratas etc. – e nosso 
 
 
5 
sistema de conceitos, os nossos mapas conceituais. O segundo 
depende da construção de um conjunto de correspondências entre 
nosso mapa conceitual e um conjunto de signos, dispostos ou 
organizados em diversas linguagens, que indicam ou representam 
aqueles conceitos. A relação entre “coisas”, conceitos e signos se 
situa, assim, no cerne da produção do sentido na linguagem, fazendo 
do processo que liga esses três elementos o que chamamos de 
“representação”. (Stuart Hall, 2016, p. 38) 
Não é possível, portanto, pensar em cultura sem pensar em linguagem, 
o que significa dizer que a questão da representação está no cerne da 
discussão sobre cultura. Hall (2016) nos explica que todas as culturas humanas 
– e aqui podemos pensar em cultura como um conjunto específico de 
manifestações de um determinado grupo, como o povo brasileiro, o carioca, o 
frequentador de rodeios etc. – criam “mapas conceituais compartilhados”, que 
são aqueles conjuntos de significados que se expressam por meio da 
linguagem e regem as relações entre os indivíduos que os compartilham. 
Assim, o uso do diminutivo no português brasileiro – “Me dá um chorinho / 
beijinho / tempinho...” – é uma marca de nossas relações que se estabelece 
formalmente no código (a língua portuguesa). 
Saiba mais 
PEREIRA, R. A. Cuidado com a língua. Folha de S. Paulo, 19 ago. 2018. 
Neste texto, o humorista português Ricardo comenta aspectos 
peculiares das relações humanas no mundo lusófono que se manifestam no 
uso da língua portuguesa. 
1.2 Escola de Tartu 
A semiótica da cultura é uma vertente dos estudos da significação que 
se estabeleceu em Tartu, na Estônia, na década de 1960. Seu principal autor 
foi Yuri Lotman. Inspirados pelos estudos formais de Saussure, mas sem 
ignorar a semiótica peirceana, seus pesquisadores propõem a análise dos 
sistemas culturais com base em fenômenos linguísticos, uma vez que 
entendem que as línguas naturais são um sistema primário, enquanto as 
demais manifestações da cultura (o jogo, as artes, a ciência, a religião etc.) 
constituem sistemassecundários, pois se organizam a partir da língua natural. 
Seu foco não era o signo em si, mas a linguagem como um sistema semiótico. 
A cultura é, então, compreendida como um sistema de sistemas, ao mesmo 
 
 
6 
tempo homogêneo e heterogêneo: se, por um lado, cada sistema apresenta um 
comportamento específico, no conjunto da cultura todos os sistemas fazem 
parte de um grupo maior, como se fossem partes de um mesmo organismo – a 
cultura humana. 
Para a semiótica da cultura, o elemento fundamental dos processos de 
significação é a informação, e ele está presente tanto na natureza quanto na 
cultura. Essa dicotomia, cultural x natural, é reformulada nos termos semiosfera 
e biosfera. Conforme define Kirchof (2010, p. 64): 
Ao passo que a segunda compreende o mundo da natureza ainda 
não organizada a partir de qualquer código ou sistema semiótico, a 
primeira corresponde ao mundo da semiose, em que funcionam os 
sistemas semióticos, responsáveis pela comunicação. A cultura, 
sendo o lugar da semiosfera, subdivide-se em diferentes linguagens, 
criando-se, dessa forma, “subsemiosferas”, que adquirem uma 
identidade própria a partir da maneira específica como organizam a 
informação. 
 Na natureza, a energia do sol, as leis da física e da química e o código 
da vida (DNA) são as “informações” que geram transformações no mundo. Na 
cultura, as informações são codificadas por meio da linguagem. Conforme 
aponta Machado (2010, p. 160), do ponto de vista da cultura, “O mecanismo 
elementar de produção da semiose é a transformação da informação percebida 
em informação codificada, isto é, um texto”. A codificação da informação, 
portanto, é o processo semiótico fundamental da cultura. Nesse sentido, 
segundo Hall (2016), ela se aproxima da noção de cultura como produto dos 
processos de representação. Mas a cultura não deve ser vista como um 
elemento necessariamente oposto à natureza. Se, por um lado, a semiosfera 
existe dentro da biosfera, por outro, ela a absorve e transforma, pois ambas 
“competem” pela informação no mundo. A seguir, vamos nos aprofundar nos 
conceitos fundamentais da semiótica da cultura desenvolvida pelos 
pesquisadores de Tartu. 
Saiba mais 
O QUE é cultura? Curso massivo (MOOC) cultura e gestão cultural, 7 jul. 
2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1C6u6_J1C1c>. 
Acesso em: 7 set. 2018. 
 
 
7 
TEMA 2 – SEMIÓTICA DA CULTURA (2) 
 Para a escola de Tartu, a semiótica da cultura vai se ocupar dos “textos” 
e da forma como eles se organizam em sistemas produtores de semiose. A 
cultura é uma força estruturante que organiza o mundo em sistemas que 
permitem ao ser humano processar informação e interagir. Nas palavras de 
Lotman e Uspenski (1981, p. 39; citados por Machado, 2010, p. 160): “O 
‘trabalho’ fundamental da cultura [...] consiste em organizar estruturalmente o 
mundo que rodeia o homem. A cultura é um gerador de estruturalidade: cria à 
volta do homem uma sociosfera que, da mesma maneira que a biosfera, torna 
possível a vida, não orgânica, é óbvio, mas de relação”. 
 A sociosfera de que nos fala Lotman, por sua vez, é a manifestação das 
relações sociais que, para a semiótica, interessam como um processo inerente 
à semiosfera, ou seja, o universo das relações simbólicas que opera pelos 
meios de representação. A cultura, portanto, seria uma estrutura capaz de 
“transformar toda informação circundante em conjuntos diversificados, porém 
organizados, de sistemas de signos, aptos a constituir linguagens, tão distintas 
quanto as necessidades expressivas dos diferentes sistemas culturais” 
(Machado, 2010, p. 160). 
Dessa forma, estudar a cultura equivale a debruçar-se sobre os códigos 
que estruturam a produção e distribuição de informação nas sociedades, o que 
nos permitiria compreender tanto aspectos da organização das coletividades 
quanto da consciência individual. Para atingir esse propósito, esse estudo teria 
os seguintes objetivos, segundo Kirchof (2010, p. 65): 
a. descrever os principais tipos de códigos culturais, responsáveis 
pela formação das ‘línguas’ ou ‘culturas isoladas’; 
b. descrever suas características comparativas; 
c. determinar os universais das culturas humanas; 
d. construir um único sistema das características tipológicas dos 
principais códigos culturais e das propriedades universais da 
estrutura geral da ‘cultura da humanidade’. 
Devemos destacar que, conforme descrito no item d, a semiótica da 
cultura prevê a concepção de um sistema único, geral, capaz de tipificar e 
descrever o funcionamento da cultura como um todo. Para isso, toma como 
objeto de seu modelo semiótico não o signo, mas o “texto”, entendido aqui 
 
 
8 
como toda manifestação codificada de informação. Isso significa dizer que uma 
determinada informação se caracteriza como texto a partir do momento em que 
ganha forma dentro de um determinado código, que, por sua vez, faz parte de 
um determinado sistema dentro da cultura. Assim, dados expressos em 
fórmulas matemáticas, informações descritas por um texto na língua natural, 
uma imagem captada em uma fotografia digital, são todos exemplos de 
diferentes códigos que processam a informação dentro de um sistema próprio. 
Esse processo de codificação tem uma característica determinante: ele é 
duplo. Um texto verbal, por exemplo, é código porque representa determinadas 
informações com base nas relações sintáticas e semânticas convencionais, 
características do sistema da linguagem verbal, mas também é um código 
porque encarna uma forma distinta dentro da estrutura maior que sistematiza 
os textos verbais – ou seja, dentro do sistema discursivo. Como aponta 
Machado (2010, p. 162), “todo texto deve estar codificado, no mínimo, duas 
vezes: pelo código que apreende a informação e a transforma num conjunto 
organizado de signos; pelo contexto sistêmico da cultura historicamente 
constituído”. Assim como um texto opera por seus elementos linguísticos 
(alfabeto, sintaxe, semântica etc.) e discursivos (gêneros, funções da 
linguagem etc.), a música, por exemplo, é codificada pelo sistema de notas 
musicais, mas também pelos estilos musicais – clássica, pop, rock, blues – 
dentro das relações que os organizam histórica e culturalmente. 
Além da dupla codificação do texto, existe também a dupla função dos 
códigos. Eles não se restringem à função de configurar e transmitir 
informações, mas possuem um papel sistêmico modelador dentro do universo 
da cultura. Conforme descreve Kirchof (2010, p. 66): 
Os pesquisadores de Tartu acreditam que a linguagem não deve ser 
vista apenas como sistema de comunicação, mas também como 
sistema modalizador: ao mesmo tempo em que transmite 
mensagens/informações, também cria os códigos/ modelos a partir 
dos quais o receptor deve decifrar tais informações. Assim, para 
Lotman (1978b, p. 37), cada código específico cumpre duas funções 
simultâneas, que estão ligadas indissoluvelmente: a) a função de 
comunicação: transmitir informações ou mensagens; b) a função de 
modalização: fornecer um modelo determinado do mundo nos seus 
contornos mais gerais. A modalização consiste, de forma resumida, 
no processo de conferir, à informação, um caráter, uma forma ou um 
modelo específico, derivado do código através do qual é veiculada. 
 
 
9 
 O conceito de modalização (ou modelização, como outros 
pesquisadores preferem) será, portanto, fundamental à semiótica da cultura. 
Os sistemas modelizantes organizam-se em dois níveis. Em nível primário 
estão as línguas naturais, que se organizam com base numa relação entre os 
planos da expressão e do conteúdo. Já nos secundários, além da relação 
expressão/conteúdo, haverá uma outra, que pode ser ideológica, estética, ética 
etc. Podemos pensar no jornalismo como um sistema modelizante. Quais 
critérios éticos e estéticos esse sistema constrói com base na linguagem 
verbal? Sabemos que o jornalismo preza pela objetividade e pela 
imparcialidade– critérios éticos do seu sistema. E que sua linguagem procura 
observar preceitos linguísticos que conduzam a esses objetivos, buscando a 
simplicidade e a clareza do texto, a fim de gerar uma interpretação inequívoca. 
Tais aspectos são exemplos de características determinantes do sistema 
secundário desse tipo de texto. Machado (2010, p. 161) também aborda essa 
relação entre os sistemas e aponta para possibilidades que vão além do 
escopo da linguagem verbal: 
se narrativa é a língua natural dos mitos, tanto o poeta quanto o 
astrônomo podem construir narrativas sobre o mundo. Contudo, o 
modelo verbal do mito em nada se aproxima do modelo das fórmulas 
e medições dos signos matemáticos e geométricos. E, no entanto, 
ambos são sistemas modelizantes da cultura. Com isso, a 
modelização apresenta-se como capacidade cognitiva de um 
princípio heurístico para configurar distintas semioses na dinâmica da 
cultura. Ao lado da semiose social, em que a interação entre pessoas 
é mediada pela palavra oral e escrita, ocorrem outras semioses 
geradoras de diferentes textos que são ocorrências da e na cultura. 
Isso significa que podemos entender a narrativa como um sistema 
modelizante secundário, que está submetido à linguagem verbal como seu 
sistema primário. Por outro lado, sistemas como o da matemática, por exemplo, 
não estarão relacionados ao da narrativa. 
A semiótica da cultura, em sua abrangência propositiva, demonstrou 
capacidade de incorporar diferentes enfoques para a questão da significação, 
em que pese sua inspiração fundadora estar na linguística estrutural de 
Saussure. Dessa forma, a concepção de que há uma continuidade entre o 
mundo biológico e o mundo da cultura, ambos vistos como sistemas que 
processam informação, por exemplo, está na fenomenologia de Peirce, cuja 
concepção de semiótica não propõe distinções entre sistemas e classes de 
 
 
10 
fenômenos, mas aborda todos os objetos da percepção sob a mesma ótica. 
Podemos também aproximá-la da noção de semiose como cadeia ininterrupta 
das relações sígnicas, um aspecto central à teoria de Peirce e que também foi 
destacado por Bakhtin, para quem o signo gera outro signo, e assim 
sucessivamente. Por tudo isso, a escola de Tartu representou um avanço 
importante nos estudos da significação, lançando novos olhares para os 
sistemas de comunicação que operam nas sociedades humanas. 
TEMA 3 – SEMIÓTICA DA CULTURA (3) 
 Vamos nos concentrar agora em alguns aspectos relevantes das 
relações simbólicas nas sociedades contemporâneas, procurando lançar um 
olhar semiótico para eles. Uma das características marcantes de nossa era 
pós-moderna é a instabilidade, fruto de um estado de incerteza permanente 
quanto aos rumos do mundo. A aceleração exponencial dos processos 
comunicativos possibilitou um crescimento vertiginoso na produção e acúmulo 
de informações. A velocidade das transformações é tal que perdemos a 
capacidade de prever com antecedência razoável o que vai acontecer com o 
mundo ou com nossas vidas num horizonte curto de tempo. Segundo Bauman 
(1998, p. 20), “pode-se definir a modernidade como a época, ou o estilo de 
vida, em que a colocação em ordem depende do desmantelamento da ordem 
‘tradicional’, herdade e recebida; em que ‘ser’ significa um novo começo 
permanente”. Ou seja, questionar a ordem preestabelecida e reformatar o 
mundo, seja em suas relações sociais, seja no aspecto individual, torna-se uma 
nova regra. Vivemos em constante movimento, sem saber exatamente aonde 
estamos indo, nos transformando a cada minuto. De que forma tal ambiente de 
instabilidade e mudança permanente é causa ou consequência das 
transformações ocorridas no mundo da comunicação? Podemos supor que o 
mundo simbólico nos oferece pistas importantes para interpretar esse estado 
de coisas. 
Na aula anterior, ao estudarmos a televisão, refletimos sobre o gênero 
reality e sua consolidação como uma marca definidora de nossa época. O 
chamamento indicial, ou seja, a atração exacerbada por signos que nos 
aproximem de uma realidade tangível encontra nesse gênero televisivo sua 
 
 
11 
manifestação mais presente. Uma possível interpretação para esse fenômeno 
aponta para o cenário de transformação das mídias tradicionais: além da 
explosão de conteúdos provocada pela ascensão do digital, que transformou 
receptores em produtores e tornou muito mais difícil identificar o que é uma 
fonte confiável, instituiu-se também um crescente ceticismo em relação ao 
poder de representação das mídias digitais. É como se não mais pudéssemos 
acreditar no que vemos nas telas ou lemos nas páginas da internet. Esse 
ceticismo é uma marca do tempo em que vivemos, chamada de era da pós-
verdade, e tem como sua consequência mais nefasta as temidas fake news. A 
seguir, debatemos essas questões com base no viés da representação. 
3.1 A crise da representação 
O jornalismo sempre esteve fortemente embasado nos princípios de 
honestidade, fidelidade e objetividade. No entanto, no mundo pós-moderno tais 
premissas, em todas as formas de comunicação, passaram a ser bastante 
problematizadas. Nenhum tipo de linguagem pode garantir por si só a 
“fidelidade da representação”, como se estivesse intrinsecamente livre de 
aspectos conotativos – só os matemáticos discordarão disso. Como vimos na 
aula 2, a linguagem não é isenta de ideologia, e mesmo a melhor das tentativas 
de produzir uma reprodução fiel dos fatos estará, em alguma medida, 
influenciada pelo olhar de quem a produziu – para não falar na política editorial 
do veículo, no caso do jornalismo. Mesmo se acreditarmos que isso não 
invalida o princípio da honestidade e da busca pelo real, coloca todo o universo 
da comunicação em xeque. 
Um dos grandes problemas comunicacionais de nossa era está 
justamente num aparente afrouxamento do compromisso com a verdade, em 
grande medida derivado de uma leitura que relativiza exageradamente o poder 
representativo da linguagem, como se ela fosse uma ferramenta incapaz de 
nos permitir qualquer afirmação sobre o mundo, configurando aquilo que se 
chamou de pós-verdade. Trata-se de um afastamento dos elementos indiciais e 
simbólicos da comunicação e uma desconfiança sobre nossa capacidade de 
nos aproximarmos da realidade. É como se, ao aceitarmos que nosso 
conhecimento do mundo é sempre parcial e contaminado pelo viés do 
 
 
12 
enunciador, perdêssemos de todo a capacidade de buscar a precisão dos 
fatos, a imparcialidade do relato. Tudo são narrativas (ou simulacros) e, 
portanto, todas as versões se tornam igualmente válidas. Os especialistas 
perderam seu status de autoridade e com isso ficamos autorizados a acreditar 
em qualquer relato que nos pareça atraente. O poder de convencimento, afinal, 
resume-se ao valor icônico da mensagem – se ela nos parece atraente e 
convincente, então a aceitamos. 
Em termos da semiótica peirceana, podemos entender que a pós-
verdade é, de fato, uma pré-verdade. Como já vimos, o trabalho de 
interpretação do mundo é uma jornada que “regride infinitamente em direção 
ao objeto dinâmico e progride infinitamente em direção ao interpretante final” 
(Santaella, 2008, p. 42). Isso significa dizer que um signo não altera seu objeto 
dinâmico, mesmo que o represente de forma equivocada – caso em que o 
objeto imediato é falho. E que o trabalho de interpretação implica, por definição, 
a busca pela melhor compreensão possível do objeto dinâmico – e isso é um 
imperativo ético. Todavia, há que se considerar que os avanços tecnológicos 
da contemporaneidade mudaram não só nossa percepção do mundo, mas a 
própria constituição do mundo, de tal forma que, num cenário de constantes 
mudanças, torna-se cada vez mais difícil delimitar a fronteira entre fato e ficção. 
Santaella (2004, p. 212), entretanto, tem uma visão otimista sobre este cenário: 
Em vez de estarem fazendo proliferar simulacros, as tecnologias 
estão, istosim, nos permitindo ver o que não podíamos ver antes, a 
saber, que a condição humana é, de saída, mediada por sua 
constituição simbólica, técnica e artificial. É certo que as tecnologias 
têm feito crescer as camadas de mediação, o que torna o processo 
muito mais complexo, difícil de ser compreendido, mas também mais 
rico. 
 A cultura é mediação. Tornou-se essencial para a sobrevivência do 
jornalismo hoje reatar seus laços com a verdade. O compromisso com a busca 
dos fatos e a produção de interpretações honestas – e não de representações 
absolutamente infalíveis do mundo, pois elas não existem – é condição 
fundamental para resgatar a credibilidade no âmbito da comunicação 
profissional. A falibilidade intrínseca ao processo de representação não deveria 
ser um argumento em prol do abandono desse compromisso ético. 
 
 
13 
3.2 A crise da identidade 
As distopias futuristas estão novamente na moda. Séries como Carbon 
Altered (Netflix, 2018) e Westworld (HBO, 2016) são exercícios ficcionais sobre 
o que aguarda a humanidade num futuro próximo. Santaella entende o 
processo de expansão do corpo humano como a transferência de aspectos de 
nossa identidade para as redes virtuais ou ainda a modificação do próprio 
corpo, que ganha extensões artificiais, o que caracterizaria um ser pós-
humano, como consequência do processo evolutivo proporcionado pelo 
desenvolvimento da linguagem, da nossa capacidade simbólica. Assim, como 
vimos anteriormente, o ambiente da cultura não estaria em oposição ao 
ambiente natural, pois tudo que é criado pela humanidade o é enquanto 
continuação da própria natureza. Em suas palavras: 
Não há uma dicotomia entre natureza e cultura, pois o homem e a 
sociedade se formam no processo de artificialização do mundo. 
Portanto, o processo de ciborgização atual nada mais é do que a 
continuação inelutável da saída do homem da natureza na construção 
de uma segunda ordem artificial. [...] as fronteiras entre ambiente 
externo (mídias, tecnologias) e ambiente interno (percepção, 
cognição, modelização) caminha para uma radical abolição. 
(Santaella, 2004, p. 218) 
Se chegaremos ao ponto em que o corpo humano será inseparável de 
elementos tecnológicos, biológicos ou não, só o tempo dirá. Mas o fato é que a 
identidade se tornou um tema dominante nas angústias existenciais na 
contemporaneidade. No mundo pós-moderno, as instituições tradicionais 
perderam em grande medida seu papel de elementos garantidores de nossas 
identidades. Nacionalidade, gênero, profissão, religião – tudo se tornou mais 
vago, menos certo, mais mutável. Por outro lado, o desenvolvimento 
tecnológico nos deu poderosos instrumentos de reconfiguração de nossas 
identidades, e, em consequência, a questão identitária se tornou o grande 
problema moderno. Que tipo de pessoa você é? Que tipo de música o define? 
A que série de tevê você assiste? Que marcas traz no corpo? Quantos 
seguidores no Instagram? Como explica Bauman (2005, p. 38): 
Num ambiente de vida líquido-moderno, as identidades talvez sejam 
as encarnações mais comuns, mais aguçadas, mais profundamente 
sentidas e perturbadoras da ambivalência. É por isso, diria eu, que 
estão firmemente assentadas no próprio cerne da atenção dos 
 
 
14 
indivíduos líquido-modernos e colocados no topo de seus debates 
existenciais. 
No cenário cultural, um exemplo da prevalência dos debates em torno da 
identidade é a tendência à autoficção, tanto na literatura quanto no audiovisual. 
Nunca antes tivemos um número tão grande de pessoas falando de si mesmas 
– e o reality não foge à regra. Junte-se a isso uma forte tendência documental 
nas produções para cinema e tevê e temos um cenário em que seria possível 
perguntar: seria a narração de si mesmo um sistema secundário na cultura 
contemporânea? Figueiredo (2017, p. 59) coloca a questão da seguinte forma: 
Na contemporaneidade, a pregnância da primeira pessoa na narrativa 
literária reflete o recuo do tempo social em prol do aqui e agora de um 
sujeito que já não se compromete com a construção do novo, que 
não se percebe como alguém que atua na história e que poderia 
transformá-la. A própria superabundância de fatos midiatizados 
contribui para expandir a visão da história como pura atualidade e 
para intensificar o temor de uma completa ficcionalização do mundo. 
Entretanto, definir quem somos implica dizer quem não somos. A 
identidade é um signo, e como tal se enquadra na dicotomia identidade x 
diferença. E as guerras em torno da identidade estão também se tornando um 
tema político da maior importância em nosso tempo. Na Europa, a questão da 
assimilação dos refugiados coloca os conflitos culturais em proeminência. Há 
uma tensão permanente que se expressa na linguagem: aceitar, assimilar x 
excluir, segregar. Landowski (2012) observa que na França há uma expressão 
costumeira que se emprega para repreender algum estrangeiro “desavisado” 
que, desconhecedor dos mapas conceituais compartilhados pelo povo francês, 
comete uma gafe: “Você não pode fazer como todo mundo?” O 
questionamento equivale a impor o rótulo de estrangeiro, diferente, não 
assimilado àquele indivíduo que, por suas atitudes, demonstra desconhecer o 
comportamento padrão naquela sociedade. Ele descreve semioticamente esta 
tensão no seguinte quadro: 
 
 
15 
Quadro 1 – Conjunção versus disjunção 
 
Fonte: Landowski, 2012, p. 15. 
Diante de uma identidade fragmentada, a aceitação do outro se torna 
uma barreira intransponível? A instabilidade e a incerteza inerentes à 
existência no mundo contemporâneo nos levam a voltar os olhos para dentro 
de nós mesmos? O desencanto com o poder de representação da linguagem 
nos faz duvidar de tudo, tratando todas as formas de comunicação como se 
fossem produtos de ficção? Essas são algumas das questões que definem as 
angústias do cenário cultural de nosso tempo e que se encarnam nos produtos 
comunicacionais como os quais interagimos cotidianamente. 
TEMA 4 – ESTÉTICA 1 
Você se lembra do que falamos sobre a estética na aula 1? A palavra 
vem do grego aiesthesis e se refere à capacidade humana de perceber 
sensações – nossas habilidades sensoriais, portanto. Exatamente por isso ela 
está ligada ao mundo das artes, pois a arte é o império dos sentidos. Antes de 
raciocinar sobre uma obra de arte, devemos percebê-la, senti-la, não é 
mesmo? Pois essa briga entre a emoção e o raciocínio, a sensação e o 
pensamento é um debate bastante antigo no campo da filosofia. Estudar a arte 
e suas relações com a sociedade implica necessariamente lidar com as 
questões colocadas pela estética – que são várias, e muito interessantes. 
Ao longo dos séculos, diversos filósofos pensaram e escreveram sobre a 
estética. Questões como a verdade da arte e a definição de belo preencheram, 
 
 
16 
e continuam a preencher, páginas e páginas de tratados filosóficos. Lipovetsky 
e Seroy (2015), em trabalho recente, definem 4 eras da estética ao longo da 
história. São elas: 
1. A arte realização ritual – o período mais longo, desde a pré-história, em 
que as obras artísticas serviam exclusivamente a propósitos ritualísticos: 
“a arte realização pré-reflexiva, sem sistemas de valores essencialmente 
artísticos, sem desígnio estético específico e autônomo” (Lipovetsky e 
Seroy (2015, p. 18). 
2. A estetização aristocrática – ao final da Idade Média, com o 
Renascimento, o domínio artístico e estético começa a ter identidade 
própria. Valores estéticos (a beleza) adquirem importância social e 
passam a ser sinônimo de prestígio. É na vida da corte que esse 
momento estético encontra solo fértil. 
3. A moderna estetização do mundo – surge no começo da era industrial, 
quando a arte se liberta das igrejas e dos palácios e goza de liberdade 
inédita. Ainda assim, se define em oposição ao universo da cultura de 
massa. “Enquanto na esteira do criticismo kantiano a filosofia deve 
renunciar a revelar o Absoluto ea ciência deve se contentar com 
enunciar as leis da aparência fenomenal das coisas, atribui-se à arte o 
poder de fazer conhecer e contemplar a própria essência do mundo. [...] 
O poeta faz concorrência ao padre” (Lipovetsky e Seroy, 2015, p. 22). O 
museu é a nova igreja. 
4. A era transestética – Momento atual, que começa a se delinear no pós-
guerra. Vivemos num universo de “inflação estética”, os fenômenos 
estéticos passam a viver “integrados nos universos de produção, de 
comercialização e de comunicação dos bens materiais. [...] A arte se 
tornou um instrumento de legitimação das marcas e das empresas do 
capitalismo” (Lipovetsky e Seroy, 2015, p. 29). Vivemos numa cultura 
“democrática e mercantil do divertimento”, e a arte serve à indústria 
cultural. 
A seguir, vamos resgatar um pouco desse percurso histórico, 
começando na Grécia antiga e retomando alguns aspectos da discussão que já 
 
 
17 
fizemos sobre arte e representação para, em seguida, progredir para uma 
discussão da questão estética na contemporaneidade. 
4.1 Os gregos e a arte 
Os gregos entendiam que a arte e a filosofia eram atividades paralelas, 
mas que se cruzavam em diversas instâncias da vida. Como a grande questão 
que movia os pensadores era a busca da verdade, as discussões sobre a 
estética giravam em torno da questão do poder da arte de produzir 
conhecimento verdadeiro. Para Platão (c. 430 a.C.) o poeta era um hipócrita, 
pois a poesia busca nos seduzir e para isso nos afasta da razão. Para ele, “O 
conhecimento é a beleza e o bem, porque ele é conhecimento dessas 
verdades ideais que compreendem a verdadeira realidade das coisas” (Herwitz, 
2010, p. 19). Platão acreditava que o conhecimento era fruto do raciocínio 
analítico. A arte, baseada no efeito mimético (imitação, representação da 
realidade), seria uma “simulação inadequada e fraudulenta” que nos afasta 
ainda mais do real. 
Já para Aristóteles (c. 385 a.C.), que foi um discípulo de Platão, a arte 
possuía um importante papel social, pois ela era capaz de nos dar lições 
profundas sobre a natureza humana e sobre as relações sociais graças a seu 
efeito catártico (de purgação), tipificado na experiência do teatro. Ao 
assistirmos aos dramas humanos representados em uma tragédia, seríamos 
capazes de nos “transportar” para o palco e “viver” aqueles dramas, o que teria 
um efeito positivo sobre nós, tanto do ponto de vista de produção de 
conhecimento, quanto do ponto de vista de produção de uma emoção 
libertadora. Esse debate sobre o poder da arte, conhecimento ou ilusão, 
reencarnou nas discussões sobre a linguagem e a representação: há os que 
defendem o conceito de simulacro para a comunicação, como se a linguagem 
fosse uma estrutura enganadora que nos afasta do real (Baudrillard); e os que 
defendem o poder revelador dos signos, entendendo que eles fazem com que 
nos aproximemos do mundo real (Peirce). 
Cerca de sete séculos depois das discussões fundadoras dos gregos, 
Santo Agostinho (ca. 360 d.C.) vai retomar a reflexão sobre a estética a partir 
do viés do conceito de beleza. Imbuído de uma lógica cristã, Agostinho vê na 
 
 
18 
estética uma manifestação da vontade divina: a beleza seria um modelo de 
concepção do mundo realizado por Deus. A arte sacra, que domina a Idade 
Média, é uma manifestação clara dessa concepção. 
4.2 A estética alemã 
No século XVIII nasce uma linhagem filosófica alemã que dará grandes 
contribuições ao estudo da estética, com filósofos como Kant, Schelling, Hegel 
e Schopenhauer. Esse é o primeiro momento em que a filosofia se permite 
pensar sobre a beleza em si mesma, ou seja, em definir “O que é o belo?”. A 
experiência estética passa a ser vista como uma experiência sensual e 
individual, e não mais como conhecimento coletivo. A beleza deixa de ser 
pensada como forma de conhecimento, área que deixa o universo da arte e 
passa a ser um tema exclusivo da ciência. Esclarece Herwitz (2010, p. 24): 
Somente quando as vidas humanas, quando o sujeito humano é 
liberado da dependência de Deus, das formas platônicas ou o que o 
valha, somente quando esse sujeito é considerado como a base da 
experiência, do conhecimento, da vida, pode a experiência estética 
surgir como um tópico para a filosofia, para além do que os gregos já 
tinham feito escrevendo sobre a arte. 
 Portanto, este renascimento da estética é resultado da concepção 
moderna do homem como dono de sua própria vontade, de seu próprio destino, 
como alguém que percebe o mundo por meio dos seus sentidos. Não por 
acaso, o nascimento dos museus acontece nessa época: as obras de arte 
passam a pertencer à “esfera do prazer autônomo” (Herwitz, 2010, p. 28), ou 
seja, podem ser admiradas pelo que são, independentemente de seu contexto 
de produção ou de um ideal que lhes é exterior – não são mais elementos de 
adoração a Deus, por exemplo. Assim, a estética passa a ser vista como uma 
discussão do gosto, e como tal um tipo específico de pensamento do ser 
humano. Sua questão central passa a ser, então, a definição do bom gosto. 
Conforme aponta Herwitz (2010, p. 38): “Visto que o século XVIII acredita que o 
juízo de gosto não é nada mais do que o prazer obtido na própria experiência, 
a questão é saber quais prazeres contam e como nesse mundo eles podem ser 
justificados”. 
 Kant defende que critérios de apreciação da beleza devem estar sujeitos 
a princípios morais da sociedade. Ou seja, “belo” é aquilo que é aceito como 
 
 
19 
moralmente correto: “a moral exerce influência direta na forma de pensar, agir 
e comportar-se em uma sociedade e na apreciação da beleza, ou seja, nos 
mecanismos considerados no momento da fruição” (Engelmann, 2008, p. 40). 
Para Schelling, a arte opera uma combinação entre elementos conscientes e 
inconscientes, produzindo um conhecimento transcendente que nos leva ao 
infinito. Já para Schopenhauer, o filósofo do pessimismo, a arte abriria uma 
porta de fuga do mundo, para um momento em que nos fosse possível viver 
longe das frustrações cotidianas: “A experiência estética consiste no fato de o 
homem sair de si e desenvolver uma percepção sobre a essência dos objetos. 
Esse exercício possibilita intuir um mundo diferente daquele que é vivido com 
tédio e dor” (Engelmann, 2008, p. 46). Por fim, Heidegger, já no século XX, vai 
apontar para as contradições da arte na sociedade capitalista de consumo. Ele 
acreditava que a arte tinha perdido seu valor como elemento definidor da 
identidade de um povo. O mundo contemporâneo e sua relação com a estética 
é o que veremos a seguir. 
TEMA 5 – ESTÉTICA 2 
Ao longo do século XX, o mundo passou por mudanças radicais. De 
início, duas grandes guerras redefiniram as fronteiras e o equilíbrio de poder 
em todo o planeta. A partir da segunda metade do século, o sistema econômico 
capitalista passou rapidamente a se tornar dominante e as sociedades 
ocidentais entraram de vez na era do consumo de massa. Já em meados dos 
anos 1930, pensadores alemães da escola de Frankfurt se dedicavam a refletir 
sobre a cultura na sociedade capitalista, e a analisar os impactos da 
massificação do consumo sobre a arte. 
Em 1935, o filósofo Walter Benjamin publica um ensaio que se tornaria 
fundamental para os estudos culturais no século XX: “A obra de arte na era da 
reprodutibilidade técnica”. Benjamin (2000) argumentava que, com o advento 
da reprodutibilidade – a capacidade de reproduzir algo em larga escala – a 
obra de arte perdia sua aura, ou seja, seu aspecto de materialização única no 
espaço e no tempo. Se antes uma obra de arte era fruto de um momento único 
de produção do artista, e além disso era necessário ir até ela para contemplá-la 
– por exemplo, ir até o museu do Louvre para ver a Mona Lisa – isso agora já 
 
 
20 
não era mais preciso, pois no mundo moderno encontramos obras de arte que 
são facilmente reproduzidas e distribuídas a qualquer momento. O cinemaseria um exemplo deste novo ambiente artístico: obras de arte que eram 
criadas coletivamente, num processo de tentativa e erro, e que quando prontas 
eram exibidas a milhares de pessoas ao redor do planeta. Isso representava 
uma profunda mudança na sensibilidade humana. O tempo de contemplação 
de uma obra foi substituído pela atenção efêmera. Mudou a velocidade do 
mundo, mudou a relação das pessoas com a arte. 
Saiba mais 
O kitsch 
 Se foram os alemães que aprofundaram a filosofia da estética em 
direção à definição da beleza e do bom gosto, foram eles também que criaram 
a palavra que resume o mau gosto, e que é tão característica que ganhou o 
mundo em sua forma original (sem tradução): kitsch. Podemos entender a 
definição da expressão mau gosto (ECO, 2008, p. 70) como a “pré-fabricação e 
imposição do efeito”. Ou seja, trata-se daquela arte que não nos deixa 
descobrir qual seu sentido, pois ela já nos dá a resposta de saída. É a música 
que, desde a primeira nota, é feita para chorar; a cena que, desde o primeiro 
segundo, é feito para causar revolta etc. O kitsch nos faz lembrar de que a arte 
precisa deixar espaço para a dúvida, para a descoberta. 
A velocidade só aumentou depois disso e o universo das artes viu uma 
profusão cada vez maior de obras – filmes, fotos, quadros, discos etc. – de tal 
forma que hoje há “arte” em toda parte: nos comerciais de tevê, no youtube, 
nas paredes de nossas casas, nas capinhas de nossos celulares. A própria 
definição de o que é arte e o que não é se tornou muito mais complexa, 
sobretudo após o advento da chamada pop art. É a “estetização da vida” de 
que nos falam Lipovetsky e Serroy, em que tudo ao nosso redor ganha 
contornos estéticos. Se mudam as formas de produção e consumo, mudam 
também as noções de bom gosto e de valor. O mundo do capitalismo 
transestético explora a arte como valor agregado a seus produtos: trata-se de 
um “novo modo de funcionamento que explora racionalmente e de maneira 
generalizada as dimensões estético-imaginárias-emocionais tendo em vista o 
lucro e a conquista dos mercados” (Lipovetsky; Serroy, 2015, p. 14). 
 
 
21 
Figura 1 – Arte é tudo aquilo que chamamos de arte? 
 
 
Fonte: Meunierd/Shutterstock; Emka74/Shutterstock; Mazura1989/Shutterstock. 
Seria justo dizer que o capitalismo deixou o mundo mais feio? Para os 
autores, não necessariamente. O regime capitalista não empobreceu a arte, 
mas democratizou o Homo aestheticus. Vivemos num mundo de “fetichismo e 
voyeurismo estético generalizados”, de tal forma que “a vida estetizada pessoal 
aparece como o ideal mais comumente compartilhado da nossa época: ele é a 
expressão e a condição do incremento do hiperindividualismo contemporâneo” 
(Lipovetsky; Serroy, 2015, p. 32). Ou seja, estetizar a própria vida – o corpo, o 
carro, a cozinha, o cachorro etc. – passou a ser uma atividade central para o 
indivíduo moderno. Por outro lado, essa avalanche estética que toma nossas 
vidas não nos eleva o espírito. “Consumimos cada vez mais belezas, porém 
nossa vida não é mais bela” (idem, p. 33). Eis o grande problema do 
capitalismo artista: 
Desse ponto de vista, a vida consumista merece inúmeras críticas, e 
não em nome de uma ética ascética revisitada, mas, ao contrário, em 
nome de um ideal estético superior que se pretenda a serviço da 
riqueza existencial, um ideal que privilegie a sensação de si e do 
mundo, o recentramento no tempo interior e na emoção do momento, 
a disponibilidade para o inesperado e o instante vivenciado, a fruição 
das belezas ao alcance da mão, o luxo da lentidão e da 
contemplação (Lipovetsky; Serroy, 2015, p. 36) 
Se houve uma época em que a arte era um produto de acesso restrito a 
certas elites, hoje parece que o problema é que temos que conviver com uma 
“inflação” do universo artístico. Há arte demais ao nosso alcance? A 
quantidade oblitera a qualidade, ou ainda, como argumentam Lipovetsky e 
Serroy, nos impede de apreciar a arte com a devida atenção, tirando dela sua 
função de produzir um aprofundamento na nossa capacidade de percepção do 
 
 
22 
mundo? São questões que se colocam para o debate no âmbito da estética 
contemporânea. 
Saiba mais 
WALTER Benjamin e a aura da obra de arte. Victor Naine, 8 nov. 2016. 
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=GBBxYn-wvuE>. Acesso 
em: 7 set. 2018. 
Neste vídeo, o autor faz uma leitura crítica, bastante didática, deste texto 
fundamental da crítica de arte no século XX. 
TROCANDO IDEIAS 
A arte tem, inegavelmente, o poder de dizer muito sobre a sociedade e 
seu contexto histórico. Pabllo Vittar é hoje um dos casos mais polêmicos no 
cenário cultural brasileiro. Muitos resistem a considerar Pabllo como uma 
artista de fato. Outros, por sua vez, aceitam seu papel como performer e a 
consideram uma artista relevante no cenário nacional por levantar questões de 
identidade e representação, reposicionando papéis historicamente definidos em 
nossa sociedade. 
Saiba mais 
No vídeo-ensaio “Pabllo Vittar: o problema é da arte”, o canal Meteoro 
Brasil discute a questão da legitimidade da artista e de seu papel como 
provocadora no cenário cultural brasileiro. Assista o vídeo e discuta com seus 
colegas: Pabllo Vittar merece seu lugar de destaque no cenário cultural 
brasileiro? 
PABLLO Vittar: o problema é da arte. Meteoro Brasil, 16 ago. 2018. Disponível 
em: <https://www.youtube.com/watch?v=svuFUpe0Uz0>. Acesso em: 7 set. 
2018. 
NA PRÁTICA 
A estética é certamente um valor cultural construído pelas dinâmicas 
sociais de um momento histórico. Seguindo a ideia de que vivemos hoje um 
processo inflacionário da estética, a “estetização da vida cotidiana”, como 
 
 
23 
definem Lipovetsky e Serroy (2015), reflita a respeito da sua relação com a 
arte. O seu mundo é excessivamente estetizado – ou seja, você se preocupa 
constantemente com a “beleza” das coisas, paga mais caro pelo estilo da 
roupa, do celular, do carro, prefere produtos gourmet etc.? A sua relação com a 
arte se resume ao consumo puro e simples? Existe espaço para a 
contemplação e para o aprofundamento de emoções e pensamentos no seu 
contato com a arte? Qual foi o último objeto artístico que o impactou e o fez ver 
o mundo de uma forma inesperada e por quê? Responda a essas questões por 
meio de um texto que discute o papel da “beleza” em sua vida: 
Saiba mais 
SCRUTON, R. Why Beauty Matters (Por que a beleza importa?) Álvaro 
Canella, 3 dez. 2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=bHw
4MMEnmpc>. Acesso em: 7 set. 2018. 
FINALIZANDO 
Nesta aula discutimos o conceito de cultura a partir de suas relações 
com a semiótica e a estética. Baseamo-nos no entendimento de que a cultura 
é, essencialmente, uma manifestação sígnica. Em seguida, ao entrarmos em 
contato com a semiótica da cultura desenvolvida pela Escola de Tartu, vimos 
que a cultura pode ser entendida como um “sistema de sistemas”, que se 
organiza primariamente com base nas línguas naturais, mas secundariamente 
em códigos diversos e independentes. 
A semiosfera é o ambiente de tudo aquilo que é cultural. A informação 
codificada dá origem a textos, que, por sua vez, compõem os sistemas da 
cultura e cumprem duas funções: comunicar e modelizar. A semiosfera e a 
biosfera, mais do que lados antagônicos, estão em uma relação de 
continuidade. 
Em seguida, refletimos sobre as questões culturais que definem a 
contemporaneidade, em especial as crises da representação e da identidade. A 
primeira é representada pelo cenário da pós-verdade e das fake news; já a 
segunda é uma manifestação da decadência das instituições tradicionais e da 
consequente instabilidade do mundo – a condição “líquida”, como define 
Bauman. 
 
 
24 
Por fim, resgatamos a história da estética para refletir sobre a condição 
atual da arte nas sociedades de consumo. A estetização de tudo e o sequestro 
da arte pela indústria são dois aspectos do mundocontemporâneo que 
colocam em xeque concepções tradicionais dos valores estéticos. 
 
 
25 
REFERÊNCIAS 
BAUMAN, Z. Identidade – entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: 
Jorge Zahar, 2005. 
_____. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. 
BENJAMIN, W. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In: 
ADORNO, T. et al. Teoria da cultura de massa. Trad. de Carlos Nelson 
Coutinho. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 221-254. 
CULTURE and cognitive science. Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2 
nov. 2011. Disponível em: <https://plato.stanford.edu/entries/culture-cogsci/>. 
Acesso em: 7 set. 2018. 
ECO, U. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 2008. 
ENGELMANN, A. A. Filosofia da arte. Curitiba: InterSaberes, 2012. 
FIGUEIREDO, V. L. F. Ficção e resistência na cultura de arquivo. Revista 
Matrizes, São Paulo, v. 11, n. 3, set-dez 2017, p. 57-70. 
HALL, S. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Ed. da PUC Rio; Apicuri, 
2016. 
HERWITZ, D. Estética: conceitos-chave em filosofia. Porto Alegre: Artmed, 
2010. 
KIRCHOF, E. R. Yuri Lótman e a semiótica da cultura. Revista Prâksis, 
Feevale, Novo Hamburgo, v. 2, p. 63-72, 2010. 
LANDOWSKI, E. Presenças do outro. São Paulo: Perspectiva, 2012. 
LIPOVETSKY, G.; SERROY, J. A estetização do mundo – viver na era do 
capitalismo artista. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. 
MACHADO, I. Cultura em campo semiótico. Revista USP, São Paulo, n. 86, p. 
157-166, jun./ago. 2010. 
SANTAELLA, L. Cultura e artes do pós-humano – da cultura das mídias à 
cibercultura. São Paulo: Paulus, 2004. 
_____. Semiótica aplicada. São Paulo: Cengage Learning, 2008. 
	Conversa inicial
	Contextualizando
	Trocando ideias
	Na prática
	FINALIZANDO
	REFERÊNCIAS

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