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HISTÓRIA DO BRASIL COLÔNIA Caroline Silveira Bauer Extrativismo, agropecuária e o açúcar Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar a estrutura econômica do Brasil colonial. Caracterizar a economia extrativista colonial e seus produtos. Definir os avanços da economia açucareira e agropecuária no Brasil colonial. Introdução Desde o período colonial, a economia agrária e extrativista brasileira foi bastante diversificada. Essa diversificação deveu-se às mudanças históricas nos interesses da metrópole em relação a sua colônia, bem como às diferentes regiões da América portuguesa, de acordo com suas condições climáticas e de vegetação. Essa economia também apresentou dinâmicas específicas quando direcionada ao mercado interno ou externo. Esses são alguns dos aspectos fundamentais para o estudo das práticas agrárias e extrativistas empregadas na colônia portuguesa na América. Nesse capítulo, você vai compreender a estrutura econômica da América portuguesa, estudando as características do extrativismo, as di- ferenças existentes no extrativismo desenvolvido no litoral e nas florestas, bem como seus principais produtos. Por fim, aprenderá as dinâmicas da produção do açúcar no Brasil como principal produto de exportação, e suas relações com a pecuária. 1 A economia da América portuguesa Podemos dividir a economia da América portuguesa em dois processos inter- relacionados: a economia voltada para o mercado externo e a economia voltada para o mercado interno. Enquanto a primeira se relacionava com os interesses mercantis próprios da lógica colonial, a segunda possuía um funcionamento autônomo, vinculado ao consumo interno na colônia. Em relação ao mercado externo, podemos compreender a economia da América portuguesa a partir de sua inserção em uma “economia-mundo”, interpretação baseada nas ideias Immanuel Wallerstein (VIERA, 2010). Assim, segundo Vieira (2010, documento on-line), “[...] a produção e o consumo do açúcar integraram processos comerciais e produtivos que ocorriam no Brasil, na Europa, na África e na Ásia”. Nessa economia voltada para o mercado externo, havia diferentes relações estabelecidas entre as possessões ultramarinas portuguesas, configurando uma cadeia mercantil. Vejamos nos tópicos a seguir como se organizava essa cadeia (VIEIRA, 2010): Entre a América portuguesa e a Europa, estabeleciam-se relações fortes e necessárias, pois da metrópole provinha o impulso para o desenvol- vimento da agricultura na colônia, bem como as ferramentas, tecidos e armas; era na Europa que ocorria o refino do açúcar, e era para lá que se destinava quase a totalidade da produção. Entre a América portuguesa e a África, estabelecia-se uma relação de oferta e demanda de mão-de-obra de africanos escravizados, cujos números são imprecisos, mas calcula-se que tenham sido quase 5 mi- lhões. Para a comercialização desses seres humanos, era utilizada como moeda de troca a farinha de mandioca, a cachaça e o fumo. Entre a América portuguesa, a África e a Ásia, havia uma troca de pro- dutos coloniais, como o fumo, por tecidos, que também eram utilizados no escambo por escravizados. Todo o açúcar da colônia excedente do consumo interno era exportado para a Europa, seguindo os padrões de produção e comércio já praticados por Portugal em outras possessões ultramarinas. Contudo, não há como separar a prática econômica voltada para o mercado externo da destinada ao mercado interno. Além da agricultura de subsistência possibilitar as práticas econômicas dos engenhos, outros cultivos, como o de mandioca e o de fumo, além da própria produção da cachaça, tornaram-se moeda de troca para a comercialização de africanos escravizados, trazidos para a América para trabalharem na produção de açúcar. Ou seja, historica- mente, “[...] a agricultura para exportação e para o consumo interno estiveram intimamente relacionadas de uma maneira complexa, multidimensional e historicamente mutável” (SCHWARTZ, 1998, p. 66). Extrativismo, agropecuária e o açúcar2 2 O extrativismo A primeira atividade econômica desenvolvida após a chegada dos portugue- ses na América foi o extrativismo. Chamamos de extrativismo ou economia extrativa “[...] uma maneira de produzir bens na qual os recursos são retirados diretamente da sua área de ocorrência natural, sendo a coleta de produtos vegetais, a caça e a pesca os três exemplos clássicos de atividades extrativistas” (GOMES, 2018, documento on-line). Enquanto prática econômica, as atividades extrativistas caracterizam-se por três momentos: [...] no início, observa-se crescimento da extração, provocado pelo aumento de demanda; isto provoca um segundo momento, caracterizado pelo limite da capacidade de oferta, devido aos estoques disponíveis e ao aumento de custos para exploração de áreas mais distantes. Por último, inicia-se o declínio na produção devido ao esgotamento das áreas de extração, não sendo possível atender à demanda de mercado, o que influencia esforços para investimentos de capital e de tecnologia para domesticação e plantio dos produtos com significância econômica e demanda (GOMES, 2018, documento on-line). De acordo com Homma (2008), há um limite para o crescimento de mercado da economia extrativa: a oferta, restrita à existência fixa de estoques naturais, não consegue suprir a demanda. Enquanto o mercado é reduzido e enquanto ainda há grandes estoques, é possível atender nichos de mercado ou ganhar tempo, até que surjam alternativas econômicas. Na primeira fase da colonização do território americano luso, a principal atividade extrativista foi a coleta de pau-brasil, que se localizava próximo ao litoral, na zona da mata, que era de fácil acesso para os navegantes e comerciantes portugueses. Foi explorado do litoral do Rio Grande do Norte até o Rio de Janeiro. De acordo com Santos (2015, documento on-line), “[...] em 1501, a expedição comandada por Duarte Coelho reconheceu a madeira preciosa e, em função da grande procura por corantes naturais na Europa, enviou uma carga com amostras a Portugal. O nome pau-brasil deriva-se, provavelmente, pela ‘cor de brasas que produz’”. Contudo, ao longo da expansão territorial, outros produtos foram inseridos nessa lógica econômica, como as “drogas do sertão”, a exploração de tartarugas e a extração de cacau. As “drogas do sertão”, segundo Ronaldo Vainfas (2000, p. 191) eram “[...] os produtos, nativos ou aclimatados, do Amazonas, Pará e Maranhão, muito procurados na Europa como drogas medicinais, temperos ou tinturaria”. 3Extrativismo, agropecuária e o açúcar O pau-brasil passou a interessar os colonizadores portugueses porque, de sua madeira, era possível extrair um corante vermelho, bastante apreciado no mercado europeu, em que a indústria têxtil estava em pleno desenvolvi- mento. A extração do pau-brasil foi transformada em monopólio da coroa, e seu primeiro arrendatário foi Fernão de Loronha (ou Fernando de Noronha, conforme algumas grafias), que pagaria taxas (um quinto do lucro obtido) à coroa e protegeria a costa (ZEMELLA, 1950). A extração do pau-brasil e seu comércio foi disputada por Portugal com outros reinos. Os franceses, por exemplo, traficaram a madeira até meados do século XVI, muitas vezes estabelecendo alianças com os nativos. Conforme Santos (2015, p. 42): A política adotada por D. João III tentou mediações diplomáticas e valeu-se também da força. A expedição capitaneada por Cristóvão Jacques foi enviada em 1526 com a missão de expulsar os corsários franceses e garantir o controle do litoral. Contudo, devido à continuidade de investidas francesas, Martim Afonso de Sousa foi enviado em 1530 com a missão de combater corsários estrangeiros, descobrir terras e, talvez a mais importante delas, fundar um núcleo de povoação portuguesa. Quanto aos lucros obtidos pelo comércio do pau-brasil, Zemella assinala que não era assim tão tentador.“Ia decrescendo cada vez mais, em virtude das guerras de corso, das lutas com os franceses. A exploração do pau-brasil foi se convertendo numa empresa arriscada, cujos lucros eram muito magros para compensar os riscos e perigos. Os comerciantes se retraem. O monopólio do pau-brasil já não encontra arrendatários” (ZEMELLA, 1950, p. 486). Contudo, até quase o final do século XIX o pau-brasil estava presente na lista de produtos exportados pelo Brasil. Logo após a descoberta do Brasil, o extrativismo do pau-brasil (Caesalpinia echinata Lam.), de acordo com Homma (2008, p. 22), “[...] foi o primeiro ciclo econômico pelo qual o país passou e que perdurou por mais de três séculos. O início do esgotamento dessas reservas coincidiu com a descoberta da anilina, em 1876, pelos químicos da Bayer, na Alemanha”. Para a extração do pau-brasil, a mão-de-obra utilizada foi a indígena e, posteriormente, a de africanos escravizados. Os indígenas cortavam as árvores na mata e arrastavam os troncos até o litoral, onde eram preparados para serem embarcados. O pagamento por seu trabalho era feito por meio do escambo: recebiam pelo corte e transporte canivetes, facas, miçangas, tecidos e outras quinquilharias (ZEMELLA, 1950). Extrativismo, agropecuária e o açúcar4 Apesar de já interferirem na organização tradicional das populações indígenas, esses contatos iniciais formaram relações que foram, dentro dos limites, bem aceitas devido ao interesse nos objetos de troca — apesar de criarem certa dependência com relação aos fornecedores e hierarquia internas. Por ser a atividade de corte de madeira vinculada aos homens, favoreceu o escambo, pois não alterava a organização sexual do trabalho e, também, o fato de não os colocarem de forma intensa e perene com as relações de mercado (SAN- TOS, 2015, p. 40–41). O desenvolvimento dessa prática econômica possibilitou aos portugueses o conhecimento do litoral de suas possessões na América, enquanto a con- corrência com os franceses no extrativismo levou à construção de feitorias, onde eram armazenadas as árvores, e de fortes, para proteger o litoral. As principais feitorias foram construídas em Igaraçu, Itamaracá, Bahia, Porto Seguro e Cabo Frio, mas não foram suficientes para o povoamento nem a estruturação social (ZEMELLA, 1950). Lembre-se que do pau-brasil originou um dos nomes da colônia (“brasil” de brasa, da cor vermelha), vinculado ao comércio e ao lucro, o qual suplantou o nome oficial do território, Santa Cruz. 3 A agricultura e a pecuária na América portuguesa A produção agrícola foi a principal atividade econômica desenvolvida durante o período colonial, convivendo com outros arranjos econômicos. Fosse para o mercado externo ou para o mercado interno, a produção de bens agrícolas representou um dos pilares do processo de colonização da América portu- guesa. Já a pecuária, iniciada com a introdução do gado na América pelos portugueses, visava a utilização dos animais como força para os engenhos e para o transporte de mercadorias, bem como para alimentação. Em relação à agricultura, o principal produto cultivado no território português na América era a cana-de-açúcar. Para além da cana, existiam outras culturas, com bons rendimentos no mercado exportador e interno. Eis algumas delas: 5Extrativismo, agropecuária e o açúcar Tabaco: cultivado no Maranhão, no Pará, em Pernambuco e principal- mente no sul da Bahia. Era um ramo menos prestigioso, mas também menos caro, o que possibilitava que pessoas com menos posses, e afri- canos escravizados em seu tempo livre, se dedicassem ao seu cultivo (PIASSINI, 2013). Mandioca: cultivada pelos indígenas, foi adotada pelos portugueses tanto para a subsistência quanto para exportação, na forma de farinha. Era a base alimentar dos engenhos e, em certo momento, a administração colonial obrigou os senhores de engenho e lavradores de cana a cultivar mandioca a fim de abastecer a própria força de trabalho escravo, o que não obteve muito sucesso em função da hostilidade dos senhores em relação ao cultivo de subsistência (PIASSINI, 2013). Outros produtos que configuravam a diversificação agrícola: algodão, cacau (que fora explorado apenas de forma extrativista, mas que pas- sou a ser cultivado), café (introduzido na colônia no início do século XVIII, contrabandeado da Guiana Francesa), entre outros produtos (FAUSTO, 1995). Além desses produtos, outros alimentos estavam presentes na colônia, ainda que não disponíveis para todos os grupos sociais e regiões: [...] pomares recheados de abacates, açaís, ananases, cajás, ingás, jacas e marmelos, para não falar dos diversos tipos de bananas, laranjas e das mangas espalhadas por todo o território. Hortas repletas de cheiros e temperos, como alho, cebola, cebolinha, salsa, coentro, louro, noz- -moscada. As pimentas amarelas, vermelhas, verdes, pimenta-castanha, pimenta-cumarim, pimenta-malagueta, pimenta-fidalga. Verduras e legumes, como abóboras, aspargos, maxixes, nabos, palmitos, pepinos, quiabos, além das raízes e tubérculos nativos, como mandioca, batata doce, cará, inhame, e dos deliciosos mangaritos que alegravam os olhos dos viajantes e deixavam, nos relatos, uma sensação de água na boca (SILVA, 2013, p. 279). Extrativismo, agropecuária e o açúcar6 A cana-de-açúcar No território brasileiro, o primeiro engenho de cana-de-açúcar foi instalado em 1532, na capitania de São Vicente, no extremo-sul da colônia. No entanto, a produção de açúcar foi maior nas capitanias da Bahia e de Pernambuco, atingindo seu apogeu entre 1570 e 1650. Portugal já possuía experiência anterior do cultivo da cana nas ilhas do Atlântico e, no Nordeste, encontrou condições climáticas e de solo favoráveis ao cultivo (FAUSTO, 1995). Era um empreendimento dispendioso, que exigia investimentos em equi- pamentos e na compra de seres humanos escravizados. Aqui o colono encontrou terra abundante e propícia, como o massapé nordes- tino, imensas florestas que seriam devastadas para fazer lenha, madeira para cabos de ferramentas, para as prensas e os carros de boi que transportavam a cana da plantação à moenda. Mas teve também de trazer ou importar va- liosíssimos tachos de cobre, caldeiras, ferro para as ferramentas e moendas, e até mão-de-obra especializada — os mestres artesãos do açúcar — para movimentar seus engenhos. No início, as dificuldades eram enormes (MOU- RA, 2013, p. 136). Em poucos anos, o açúcar se transformou no produto mais importante exportado pelo Brasil, permitindo que a colonização se efetivasse. Segundo Fausto (1995, p. 77), seu cultivo passou a ser o núcleo da ativação socioeco- nômica do Nordeste. Assim, se no século XV o açúcar ainda era visto como remédio ou condimento exótico, “[...] livros de receitas do século XVI indi- cam que estava ganhando lugar no consumo da aristocracia europeia. Logo passaria de um produto de luxo para o que hoje chamaríamos de um bem de consumo de massa”. Mas não havia somente a produção de açúcar nos engenhos: “[...] deles saíram os açúcares mascavos e semirrefinados, em formas chamadas de pães de açúcar e as aguardentes de cana — a nossa famosa cachaça” (MOURA, 2013, p. 134) Moura (2013, p. 137) reforça a importância da cachaça como um produto colonial: [...] alambiques proliferaram ao longo dos séculos coloniais, tanto nos gran- des engenhos quanto nas sesmarias de colonos plantadores de cana. Aqui na Colônia, juntamente com as farinhas de mandioca e milho, a cachaça passou a ter uso corrente na alimentação colonial e foi fundamental para abastecer a escravaria. 7Extrativismo, agropecuária e o açúcar Além disso, não se limitou ao consumo interno, transformando-se em moeda de troca para a compra e venda de africanos escravizados. O açúcar foi responsável pela formação de uma sociedade agrária, es- tratificada e patriarcal (MOURA, 2013). A expressão dessa sociedade era visível nos engenhos, unidades de produção completas que, em geral, também eram autossuficientes,porque possuíam culturas de subsistência paralelas às grandes plantações de cana. Um engenho era geralmente formado pela casa- -grande, habitada pela família proprietária, pela senzala, local destinado aos escravizados, além dos espaços de trabalho, e poderiam ter capelas e escolas. O chapéu e o chicote, a rudeza e brutalidade dos senhores de engenho foram romantizadas durante séculos. Entre a senzala e a casa-grande ficara um hiato que só os estudos mais recentes vêm preenchendo e anexando à História, com os devidos matizes sociais e econômicos, a participação de homens livres, escravos indígenas e africanos, brancos e mestiços, que, com o suor de seu trabalho, construíram a sociedade brasileira (MOURA, 2013, p. 139). Os senhores de engenho Stuart B. Schwartz, em sua obra Segredos internos, dá especial atenção aos senhores de engenho, considerando-os enquanto classe. Essa importância está, segundo o autor, no fato desses homens manterem-se “[...] no ápice da hierarquia social, projetando uma imagem de nobreza, fortuna e poder” (SCHWARTZ, 1998, p. 224). Foi um grupo que se constituiu historicamente e apresentou diferentes características ao longo do tempo. Schwartz (1998) descreve a classe dos senhores de engenho como um grupo que se formou historicamente e manifestou diversas características ao longo do tempo. Seu surgimento, quando da transição de atividades extrativas para a agricultura, afirmou sua posição de prestígio decorrente da posse de terra. A maioria desses senhores era de origem europeia, em grande parte cristãos- -novos, que adquiriram seus engenhos pela posse de bens, por herança, sorte ou casamento. Seu status adquirido era relativo: a aristocracia do Brasil Colônia formou-se de grupos cujo status, na sociedade portuguesa, eram inferiores. Porém, em princípios do século XVII, essa classe encontrava-se solidificada a ponto dos senhores reivindicarem para si, “[...] o status de nobreza e o direito de exercer o poder localmente” (SCHWARTZ, 1998, p. 226). Como categoria, manteve certa homogeneidade durante um longo período, mas aos poucos foi agregando novos elementos, constituindo uma elite diversa. Sua constituição enquanto classe foi feita segundo a diferenciação do resto Extrativismo, agropecuária e o açúcar8 da população, e o reconhecimento de uma semelhança entre seus iguais. Para Schwartz (1998, p. 231), “[...] a legitimação da posição de nobre implicava desvinculação de qualquer estigma de heterodoxia religiosa, origens em ofícios mecânicos ou ligação com as ‘raças infectas’ dos mouros, judeus ou mulatos”. Assim, conseguiam se isolar de qualquer estigma e assegurar sua posição de nobreza colonial. Ainda segundo Schwartz (1998, p. 234), “[...] os senhores de engenho compuseram inquestionavelmente o seguimento mais poderoso da sociedade baiana”. A insegurança decorrente dessa nobreza relativa — já que não possuíam tal título frente à metrópole — fazia com que esses homens recorressem a funções, atos e modos de vida que legitimassem, em relação ao resto da sociedade colonial, sua posição social e seu status mediante seu modo de vista, a relação entre a família e a propriedade e a difusão de ideais patriarcais, sendo a família sinônimo de casa e linhagem, como continuação de seu legado. Extrativismo açucareiro Para se transformar em uma atividade lucrativa, a cana deveria ser plantada em grandes extensões de terra, o que resultou na formação de grandes propriedades, chamadas latifúndios, principalmente na região nordeste. Nesse contexto, os senho- res de engenho confi guraram-se como a classe dominante da economia açucareira. Assim, podemos afirmar que o cultivo da cana-de-açúcar era realizado majoritariamente em latifúndios, por meio da monocultura, utilizando-se predominantemente a mão-de-obra escravizada, voltada para o mercado ex- terno. O Brasil Colônia produzia o açúcar, Portugal o transportava e o refino e o comércio eram realizados pelos Países Baixos. Estima-se que no final do século XVII houvesse 528 engenhos na colônia. Os engenhos se espalharam pela Colônia desde o Nordeste do século XVI, área de concentração original, à capitania do Espírito Santo e à capitania real do Rio de Janeiro no século XVII, atingindo o sul da capitania das Minas do século XVIII — no presente, a produção maior se concentra no estado de São Paulo (MOURA, 2013, p. 134). Em relação à mão-de-obra, Moura (2013, p. 135) nos chama a atenção para o destaque recebido pela escravidão africana nas produções historiográficas, com menos ênfase para a escravidão indígena, que também foi um elemento bastante importante no desenvolvimento da economia colonial: 9Extrativismo, agropecuária e o açúcar Nesse processo, a presença africana é muito mais conhecida e difundida do que a escravidão indígena. Numerosas pesquisas e publicações sobre o assunto tratam da complexidade das formas de apresamento na África, do tráfico atlântico, de seus mercados no Brasil e de sua redistribuição para as áreas coloniais. Mas, ao longo do século XVI e início do XVII, foi a escravaria dos ‘negros da terra’ (indígenas) que sustentou a implementação e a expansão contínua dos engenhos e canaviais. O processo de colonização produtiva iniciou-se com a utilização da mão-de-obra indígena. As diversas formas de contato entre colonizadores e as diferentes culturas indígenas variaram das alianças às guerras de extermínio. [...] Concomitante a esse tipo de ação, tínhamos também a ‘guerra justa’. Eram as que se davam, no dizer de teólo- gos que justificavam a dominação colonial, quando as populações indígenas resistiam ao poder colonizador ou à cultura cristã. O cultivo da cana-de-açúcar foi responsável pelo aumento na entrada de escravos africanos na colônia brasileira, os quais foram direcionados ao trabalho nos canaviais, mas também a outros postos de trabalho. O tráfico negreiro constituiu-se numa mercadoria altamente lucrativa dentro da lógica do mercantilismo, já que Portugal tinha o monopólio de venda de escravos para a colônia. O monopólio da coroa portuguesa sobre a produção de açúcar gerava lucros à coroa e aos senhores de engenho, mas essa exclusividade de produção foi rompida quando os holandeses passaram a produzir açúcar em seus domínios ultramarinos nas Antilhas. De acordo com Boris Fausto (1995, p. 82): Na década de 1630, surgiu a concorrência. Nas pequenas ilhas das Antilhas, a Inglaterra, a França e a Holanda iniciaram o plantio em grande escala, provo- cando uma série de efeitos negativos na economia açucareira do Nordeste. A formação de preços fugiu ainda mais das mãos dos comerciantes portugueses e dos produtores coloniais no Brasil. A produção antilhana, também com base no trabalho de escravos, gerou uma elevação do preço destes e incentivou a concorrência de holandeses, ingleses e franceses no comércio negreiro da costa africana. A pecuária De acordo com Fausto (1995), a criação de gado começou na América na proximidade dos engenhos; porém, com a necessidade de ampliação da área de cultivo de cana-de-açúcar, os criadores e seus rebanhos foram se deslocando para o interior. Um relato de Gabriel Soares de Souza, de 1587, afi rma que foi Extrativismo, agropecuária e o açúcar10 Ana Pimentel, esposa de Martim Afonso de Souza, donatário da capitania de São Vicente e Governador Geral de 1542 a 1545, quem importou os primeiros exemplares de bois. Além disso, esse animal foi introduzido no sul da colônia pelos jesuítas para servir de alimento. Os franceses também trouxeram gado nas invasões ocorridas no nordeste (DEL PRIORE, 2010). Além da carne, eram utilizados o couro e o sebo do animal, assim como sua força de tração para o funcionamento dos engenhos. “Em 1701, a ad- ministração portuguesa proibiu a criação em uma faixa de 80 quilômetros da costa para o interior” (FAUSTO, 1995, p. 84), o que transformou os pecuaristas em desbravadores do “sertão”, como era chamado o território do interior, e em povoadores, alcançandoos atuais territórios do Piauí, Maranhão, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, e dominando a região dos rios São Francisco, Tocantins e Araguaia. Mais do que o litoral, foram essas regiões que se caracterizaram por imensos latifúndios, onde o gato de espalhava a perder de vista. “No fim do século XVII, existiram propriedades no sertão baiano maiores do que Portugal, e um grande fazendeiro chegava a possuir mais de 1 milhão de hectares” (FAUSTO, 1995, p. 84). As fazendas de gado desenvolviam agricultura de subsistência e eram dominadas por famílias ligadas à elite dos senhores de engenho do litoral. “Por seu afastamento dos centros do governo real, os fazendeiros de gado detinham um poder mais irrestrito do que os senhores de engenho” (PIASSINI, 2013, documento on-line). Na lida com o gado, foi utilizada a mão-de-obra indígena, africana escravizada e de trabalhadores livres. Antes da chegada dos portugueses à América, os indígenas não costumavam criar animais para o abate, utilizando somente a caça. Pelo contato estabelecido com os europeus, passaram a utilizar cães, chamados de iaguás-mimbabas (onças de criação), para a caça e como proteção. As galinhas também foram introduzidas no cotidiano dos indígenas, que passaram a comercializar ovos. Os cavalos, que também foram introduzidos pelos europeus, logo se transformaram em instrumentos de guerra, montados por algumas etnias indígenas. Muitos cavalos se espalharam pela América com a destruição de Buenos Aires pelos indígenas em 1541 (DEL PRIORE, 2010). 11Extrativismo, agropecuária e o açúcar Os relatos em relação à qualidade da carne, no entanto, desaprovavam o produto: [...] as péssimas condições de criação, assim como as piores situações a que o gado era submetido nos longos trajetos percorridos, contribuíam para que o consumidor final encontrasse uma carne fresca magra e dura, já quase apo- drecida. Secar a carne ao ar e ao sol em finas mantas, ação facilitada também pela falta de umidade natural do sertão, fazia com que ela se prestasse mais ao consumo ou mesmo ao armazenamento. [...] A carne-seca se firmava como um excelente alimento adaptado ao clima e à necessidade de mantimentos, numa terra ainda precária em comércio e em excedente de produtos básicos (SILVA, 2013, p. 282–283). Contudo, houve a criação de gado em outros espaços do território por- tuguês na América. Ao sul da colônia, houve uma dispersão de rebanhos após a destruição de Buenos Aires por ataques indígenas em meados do século XVI, ocasionando uma migração desses animais para os territórios que hoje compreendem os estados do sul do Brasil e Mato Grosso. Esse gado “selvagem”, juntamente com a migração interna na colônia de pecuaristas e tropeiros, era utilizado para a produção de charque, um tipo de carne salgada (para sua melhor conservação), que era utilizada como base da alimentação da população local, sendo que sua distribuição chegava à região das minas de ouro no Sudeste do Brasil. DEL PRIORE, M. Mil e uma utilidades. Revista de História, 2010. Disponível em: https:// web.archive.org/web/20120308084037/http://www.revistadehistoria.com.br/secao/ capa/mil-e-uma-utilidades Acesso em: 25 mar. 2020. FAUSTO, B. História do Brasil. 3. ed. São Paulo: Edusp, 1995. GOMES, C. V. A. Ciclos econômicos do extrativismo na Amazônia na visão dos viajantes naturalistas. Bol. Mus. Para. 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