Prévia do material em texto
AVISO Todo esforço foi feito para garantir a qualidade editorial desta obra, agora em versão digital. Destacamos, contudo, que diferenças na apresentação do conteúdo podem ocorrer em função das características técnicas específicas de cada dispositivo de leitura. ROBERT K. YIN Tradução Daniel Bueno Revisão técnica Dirceu da Silva Mestre em Física e Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) Docente na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Versão impressa desta obra: 2016 2016 Obra originalmente publicada sob o título Qualitative Research from Start to Finish ISBN 9781606237014 Copyright © 2010, The Guilford Press A Division of Guilford Publications, Inc Gerente editorial: Letícia Bispo de Lima Colaboraram nesta edição Editora: Priscila Zigunovas Assistente editorial: Paola Araújo de Oliveira Capa: Paola Manica Preparação de original: Daiana Klanovicz de Araújo Leitura final: Cristine Henderson Severo Editoração eletrônica: Kaéle Finalizando Ideias Y51p Yin, Robert K. Pesquisa qualitativa do início ao fim [recurso eletrônico] / Robert K. Yin ; tradução: Daniel Bueno ; revisão técnica: Dirceu da Silva. – Porto Alegre : Penso, 2016. e-PUB. Editado como livro impresso em 2016. ISBN 978-85-8429-083-3 1. Metodologia da pesquisa. 2. Pesquisa qualitativa. I. Título. CDU 001.891 Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094 Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à PENSO EDITORA LTDA., uma empresa do GRUPO A EDUCAÇÃO S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 – Santana 90040-340 – Porto Alegre – RS Fone: (51) 3027-7000 Fax: (51) 3027-7070 Unidade São Paulo Av. Embaixador Macedo Soares, 10.735 – Pavilhão 5 – Cond. Espace Center Vila Anastácio – 05095-035 – São Paulo – SP Fone: (11) 3665-1100 Fax: (11) 3667-1333 SAC 0800 703-3444 – www.grupoa.com.br É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. O autor Robert K. Yin, Ph.D., orientou diretamente, conduziu ou participou de quase 200 estudos, a maioria usando méto dos qualitativos. É presidente da corporação COSMOS, uma empresa dedicada à pesquisa em ciências sociais. Ma is recentemente, realizou um extenso trabalho no Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, ajudando sua equipe a reforçar o uso de pesquisa qualitativa em suas avaliações. Ministra cursos de metodologia no Departamen to de Estudos Urbanos e Planejamento no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e orienta alunos de doutor ado na preparação dos prospectos para suas teses, mais recentemente na University of Copenhagen. Atualmente, el e ocupa o cargo de acadêmico residente emérito na Escola de Serviço Internacional na American University (Was hington D.C.). O Dr. Yin é autor de seis livros, organizou outros quatro e publicou quase cem artigos acadêmicos. Sua pesquis a abrange uma ampla variedade de áreas, como educação primária, secundária e superior; promoção da saúde, pre venção de HIV/AIDS e prevenção de abuso de substâncias; desenvolvimento organizacional e avaliação de progra mas; desenvolvimento de bairros, comunitário e urbano; e inovação tecnológica e comunicações. Dedicatória Para Karen e Andrew, pelos muitos anos de amor, devoção e tolerância e por sua disposição em acreditar na possibilidade de que as ciências sociais sej am um empreendimento vitalício e estimulante. Agradecimentos Meus 30 anos de experiência em pesquisa abrangem trabalhos feitos em diversas organizações de pesquisa e acadê micas. Em cada uma delas houve colegas fundamentais que contribuíram para minha compreensão da amplitude d a pesquisa em ciências sociais, incluindo a pesquisa qualitativa. No Massachusetts Institute of Technology (MIT), estudei com o professor Hans-Lukas Teuber. Juntos, concentr amo-nos no tema do reconhecimento de faces. Embora os estudos tenham empregado métodos da psicologia exper imental, o tema – como as pessoas facilmente reconhecem e distinguem um número extremamente grande de rosto s, apesar de sua semelhança, conforme qualquer medida objetiva – ainda representa em minha mente uma questão qualitativa de primeira ordem. Posteriormente no MIT, mas dessa vez no Departamento de Estudos e Planejamento Urbano, também tive o pra zer de conhecer Lawrence Susskind e Lloyd Rodwin, que incentivaram muito meu trabalho sobre o desenvolvime nto de bairros. O tema atraiu uma diversidade de métodos de pesquisa, de antropológicos a demográficos. O trabalho no Rand Institute da cidade de Nova York e da filial da Corporação Rand em Washington, D.C., apr ofundou ainda mais minha investigação dos temas urbanos, bem como de políticas relacionadas. Peter Szanton im primiu sua marca em meu pensamento, por meio de seu incessante questionamento e sábios conselhos sobre como examinar esses tópicos. Da mesma forma, uma missão na Escola de Serviço Internacional da American University , guiada pela professora Nanette Levinson, levou a uma gama mais ampla de pesquisa sobre desenvolvimento inter nacional. Durante esse período, o maior esforço foi, contudo, associado à minha afiliação à Corporação Cosmos – uma o rganização de pesquisa independente, dedicada ao exame de uma ampla variedade de questões de políticas federai s e estaduais. Os inúmeros clientes da Cosmos, especialmente Bernice Anderson da National Science Foundation, possuem suas próprias credenciais acadêmicas e trabalhos publicados e criaram sua própria marca de ideias estimu lantes e retorno crítico. Os principais temas de discussão, se não de controvérsia, sempre tenderam a ser os metodo lógicos. Durante esse mesmo período, adquiri uma perspectiva mais ampla por meio do ensino colaborativo com estudio sos no exterior, principalmente na Dinamarca, na França e nos Países Baixos. Por exemplo, uma tarefa recente env olve o trabalho com estudantes de doutorado orientados pelo Professor Iben Nathan, da University of Copenhague n. Mais recentemente, passei uma quantidade significativa de tempo colaborando com estudiosos realizando pesqu isa de avaliação nas Nações Unidas. Juntos tivemos que desenvolver métodos de pesquisa qualitativa rigorosos – mas com uso racional de recursos – sobre uma ampla variedade de temas internacionais. Nas Nações Unidas, Suka i Prom-Jackson e Fabrizio Felloni foram colaboradores importantes, que me sensibilizaram para uma variedade de desafios envolvidos na realização dessa pesquisa. A preparação deste livro foi beneficiada por um conjunto mais próximo de amigos indispensáveis. Eles incluem sete revisores de um esboço anterior: Jessie L. Kreinert, Justiça Criminal, da Illinois State University; Penny Burg e, Educação, de Virginia Tech; James A. Holstein, Ciências Sociais e Culturais, da Marquette University; Michell e Bligh, Escola de Ciências Comportamentais e Organizacionais, da Claremont Graduate University; Lance Fusar elli, Liderança Educacional, da North Carolina State University; Thalia Mulvihill, Educação, da Ball State Univers ity; e Susan Shepler, Escola de Comércio, da American University. Vocês, revisores, muito gentilmente proveram sugestões e críticas úteis, ajudando inclusive a reordenar e a reestruturar os capítulos, bem como identificando lac unas que podiam ser preenchidas, e por esse esforço eu serei eternamente grato. Inúmeras palavras de incentivo e aconselhamento vieram de uma ilustre amiga decisiva: C. Deborah Laughton, editora de Metodologia e Estatística da Guilford, cuja experiência na publicação de textos sobre métodos de pesqu isa qualitativos e de outros tipos provavelmente é mais antiga do que ela gostaria de reconhecer. Nosso longo relac ionamento serviu como valiosa presença no provimento de inspiração para iniciar (e completar) este livro. Finalmente, minha esposa, Karen, e meu filho, Andrew, tiveram que tolerar a constante distração que o livro re presentou em nossa vida familiar, durante um prolongadoperíodo de tempo. Eles deram seu amor incondicional, i ntercalado com criatividade composicional, ajudando a encontrar palavras melhores e frases mais precisas. A dedi catória deste livro a eles é apenas uma singela maneira de reconhecer seu apoio permanente. Apesar de todas essas interações, nenhuma das instituições ou indivíduos mencionados tem qualquer responsabi lidade pelo produto final ou pelas declarações contidas neste livro. Prefácio A pesquisa qualitativa atingiu a maioridade. Os estudos publicados são abundantes. Seus resultados cobrem pratic amente todas as temáticas. De igual importância, trabalhos metodológicos convincentes agora definem o ofício, co locando-o na corrente principal das ciências sociais. O interesse do leitor em pesquisa qualitativa pode refletir um desejo de realizá-la, ensiná-la ou apenas de aprender sobre ela. Em qualquer uma dessas situações, este livro pode ser útil. O LIVRO Uma abordagem prática Como seu principal tema, o livro apresenta a pesquisa qualitativa de uma perspectiva prática. Tal enfoque revela p ercepções de como se faz pesquisa qualitativa, no nível básico. A abordagem deve ser especialmente útil se você r ealmente pretende realizar um estudo qualitativo – quer ele seja um estudo autônomo, parte de um estudo maior, o u um trabalho acadêmico ou de treinamento para um curso de graduação, de pós-graduação ou de educação contin uada. Uma abordagem indutiva Ao longo do caminho, o livro apresenta muitos exemplos de estudos qualitativos concluídos com êxito e publicad os, cobrindo muitas disciplinas acadêmicas e profissões, tais como sociologia, antropologia, psicologia, educação, saúde pública, assistência social, desenvolvimento comunitário, avaliação e relações internacionais. Os exemplos s ão apresentados como quadros e estudos breves, distribuídos por todo o livro. Ambos fornecem mais detalhes sobr e estudos individuais do que as citações padrão frequentemente encontradas em outros textos. Além disso, os estu dos são provenientes de revistas e livros amplamente disponíveis. Sua pronta disponibilidade permite examinar es ses materiais em pormenor, se você quiser. Além de fornecerem uma base mais concreta para compreender como a pesquisa qualitativa tem sido realizada por uma ampla diversidade de estudiosos, os inúmeros exemplos também expõem a amplitude da pesquisa qualitat iva. Os temas abrangem muitos tipos diferentes de contextos sociais e cotidianos, ao mesmo tempo cobrindo as pri ncipais variações em pesquisa qualitativa, incluindo pesquisa-ação, teoria fundamentada, estudos de caso, trabalho s feministas, investigação narrativa e fenomenologia. Como característica mais importante, todos os estudos ilustr ativos são estudos concluídos. Como tais, eles devem fortalecer a confiança do leitor em sua capacidade de termin ar (e publicar) sua própria pesquisa qualitativa. Da mesma forma, dois estudos concluídos, e como eles foram conduzidos em relação ao conteúdo dos Capítul os 8, 9 e 12, são apresentados em profundidade no final desses capítulos. Os estudos examinam dois temas (o siste ma K-121 em um caso e administração universitária em outro) que devem atrair todos os leitores porque todo mundo já vivenciou os dois ambientes. Uma abordagem adaptativa O livro deliberadamente apresenta a pesquisa qualitativa de maneira adaptativa, a qual é de fato adequada para o ofício. Em vez de expô-la com dogmatismo, o livro procura abordá-la de forma muito menos ideológica, apresentando tópicos metodológicos cruciais – como de que forma delinear ou analisar uma pesquisa qualitativa – como caminhos a escolher. Essas escolhas vão lhe permitir personalizar seu próprio estudo. Por exemplo, você pode criar seu próprio delineamento com base nas oito escolhas apresentadas no Capítulo 4. O resultado pode ser um estudo qualitativo que abrangerá desde o método mais antigo de fazer pesquisa qualitativ a até uma abordagem mais pragmática, que tire proveito das técnicas e ferramentas atuais. Da mesma forma, você tem a escolha de iniciar um trabalho de campo antes de finalizar suas questões de pesquisa – uma opção examinad a no Capítulo 3. Você também pode decidir codificar ou não seus dados e se vai ou não analisá-los com o auxílio de programas de computador, como discutido nos Capítulos 8 e 9. Se em primeiro lugar você tem problemas para iniciar um estudo qualitativo, as ideias no Capítulo 3 sobre criar um “banco de estudos” oferecem opções interessa ntes. O autor Minhas próprias experiências provavelmente explicam as três características precedentes do livro – seu tema práti co, dedicação à compreensão de como outros estudos foram feitos e necessidade de ser adaptativo. A orientação pr ática e a orientação indutiva se devem a mais de 30 anos fazendo pesquisa em ciências sociais. Durante esse temp o, eu supervisionei, conduzi ou participei diretamente de quase 200 estudos – inclusive os que deliberadamente co mbinavam métodos qualitativos e não qualitativos. A orientação adaptativa reflete o fato de que os estudos abrang eram uma grande variedade de campos, como educação primária, secundária e pós-secundária; promoção da saúde , prevenção de HIV/AIDS e prevenção de abuso de substâncias; desenvolvimento de bairros, comunidades e urban o; prevenção de crimes; inovação e difusão tecnológica; comunicações; e desenvolvimento organizacional e avalia ção de programas. Todos os estudos chegaram a uma conclusão formal escrita, quer na forma de publicação acadêmica, quer como algum tipo de relatório final. Chegar com êxito a tal etapa concludente significa que eu percorri todo o ciclo de pe squisa muitas vezes – do início ao fim. Cada estudo se iniciou com exame e análise intensiva de outros estudos co mparáveis, o que me expôs aos modos como outros estudiosos delinearam e conduziram suas pesquisas. Uma vez que cada um dos meus estudos foi realizado em circunstâncias diferentes e abordou diferentes questões de pesquis a, eu fui exposto às diversas formas em que é possível delinear, analisar e apresentar estudos. Fazendo uma retrospectiva, compreendi que essas experiências profissionais, juntamente com perguntas de pes quisa que inevitavelmente confrontam questões de “como e por quê”, incluíram uma extensa quantidade de trabalh o com métodos qualitativos. Embora não tenha passado longos períodos de tempo fazendo etnografia em campo, d irigi ou realizei numerosos estudos de campo, usando observação participante, estudo de caso, entrevista qualitativ a, fotografia e visita ao local. Eu, portanto, tive que lutar com as opções para analisar os dados resultantes, extrair conclusões deles e apresentar os estudos perante painéis de especialistas ou responder de outra forma às análises d e colegas. As experiências profissionais constituem a base da minha tentativa de fazer este livro cobrir a pesquisa qualitat iva de modo abrangente. Os diversos capítulos abordam praticamente todas as fases para a realização de pesquisas qualitativas, incluindo alguns tópicos que tendem a ser ignorados por outros textos. Por exemplo, quase todo estud o qualitativo exige a apresentação do significado da realidade social da perspectiva dos participantes de um estudo (pessoas cujas vidas são uma parte representativa do tema do estudo). Contudo, existem diferentes maneiras de mo strar suas palavras ou histórias de vida, e este livro aborda explicitamente essas variações (ver Cap. 10). Como out ro exemplo, a maioria das obras não discute as diversas maneiras de tirar conclusões da pesquisa qualitativa, mas e ste livro identifica ao menos cinco delas (ver Cap. 9). Finalmente, a pesquisa qualitativa contemporânea pode surg ir de rápidas visitas de campo, que são diferentes dos trabalhos etnográficos tradicionais, e este livro descreve esse s procedimentos básicos (ver Cap. 5). A ORGANIZAÇÃO DO LIVRO A sequência dos capítulos Como os livros precisam ser apresentados de maneira linear, eles seguem uma determinada sequência de capítulos . Entretanto, como acontece com toda pesquisa qualitativa,nada é linear. Compreender temas específicos depende de conhecer bem outros temas que um livro pode ainda não ter apresentado. De certa forma, um leitor precisa sabe r tudo ao mesmo tempo e então reconsiderar temas específicos recursivamente. Assim, os leitores devem sentir-se livres para alterar a sequência de capítulos deste livro. Aqueles que querem dar os primeiros passos para um estud o qualitativo podem iniciar no Capítulo 3 ou até no Capítulo 4. Inversamente, os leitores que desejam compreende r questões mais profundas na realização da pesquisa qualitativa podem querer ler primeiro os Capítulos 1 e 2. Eu p essoalmente queria, em meus primeiros tempos, compreender a base de evidências da pesquisa qualitativa, e assim eu começaria pela tentativa de compreender as atividades do trabalho de campo e da coleta de dados nos Capítulos 5 e 6. Como se pode ver, as sequências possíveis são quase ilimitadas. Características práticas Para estimular o envolvimento ativo do leitor com o livro, ele conta com algumas características adicionais. Prime iro, todos os capítulos se iniciam com um breve resumo, fazendo um apanhado geral de seus conteúdos. Depois, to das as seções de cada capítulo se iniciam com uma prévia, descrevendo sucintamente o que você deve aprender da seção. Finalmente, cada capítulo termina com uma recapitulação dos termos e conceitos apresentados. Segundo, cada capítulo também termina com um exercício, refletindo as práticas cobertas. Os exercícios visam servir como lições de casa que podem ser realizadas semanalmente. Como alternativa, o Apêndice contém um proj eto abrangente, de um semestre ou um ano de duração, que pode ser realizado no lugar dos exercícios individuais ( ou mesmo em acréscimo a eles). Terceiro, para facilitar as coisas, o livro inclui um breve glossário de termos especiais usados em pesquisa qual itativa. Além disso, ao final do volume, os editores da The Guilford Press permitiram um prolongamento arbitrário do formato padrão da American Psychological Association: a seção de referências inclui os primeiros nomes dos a utores, não apenas suas iniciais. Contextualmente, saber os primeiros nomes sem dúvida reduz a confusão entre pe ssoas que poderiam ter o mesmo sobrenome, bem como iniciais semelhantes. Tal conhecimento também poderia a judar os leitores a ligar os autores citados a pessoas da vida real – que podem inclusive estar lecionando ou ter leci onado em um de seus departamentos acadêmicos. Como um último objetivo, o livro também apresenta ao leitor uma variedade de trabalhos metodológicos, seja tr atando de questões de ética na pesquisa (Cap. 2), delineamento de pesquisa (Cap. 4), como tratar os comentários d a revisão por pares2 (Cap. 11) ou realização de estudos com métodos mistos (Cap. 12). Para cobrir esses temas e outros relacionados, tentei criar uma mistura de forma didática de citações de obras clássicas e contemporâneas. Da mesma forma, os conceitos relevantes variam desde compreender o valor de “descrição densa” até questionar o fundamento lógico para o “padrão ouro”. Ao mesmo tempo, livros como este não substituem as leituras da pesquisa. Livros-texto não podem reproduzir o rico espírito de um campo de pesquisa ou seus significados mais profundos. Bons textos devem, na verdade, proporcionar duas coisas: conhecimento prático, para que você possa praticar pesquisa, e pistas na forma de citações, em que você possa aprender mais sobre o espírito de um campo. Assim é este livro. 1 N. de R.T.: K-12 é uma designação dos Estados Unidos para os ensinos fundamental e médio como um todo. 2 N. de R.T.: Frequente em publicações científicas, a revisão por pares é aquela na qual pesquisadores da comunidade avaliam um trabalho em processo “às cegas” (blind review). Sumário Capa Aviso Folha de Rosto Ficha Autor Dedicatória Agradecimentos Prefácio Parte I - Compreendendo a pesquisa qualitativa Capítulo 1 - O que é pesquisa qualitativa – e por que você cogitaria fazer este tipo de pesquisa? A. O fascínio da pesquisa qualitativa: um panorama tópico dos estudos B. O que distingue a pesquisa qualitativa Pesquisa qualitativa: uma ampla área de investigação Cinco características da pesquisa qualitativa Práticas comuns C. O mundo multifacetado da pesquisa qualitativa Múltiplas interpretações dos mesmos eventos? Os eventos humanos podem ser singulares? Emular ou não uma das variantes de pesquisa qualitativa Estratégias de mediação D. Incorporando confiança e credibilidade na pesquisa qualitativa Transparência Metodicidade Fidelidade às evidências Estudos ilustrativos apresentados no restante deste livro Notas Capítulo 2 - Equipando-se para fazer pesquisa qualitativa A. Competências ao fazer pesquisa qualitativa “Escutar” Fazer boas perguntas Conhecer seu tema de estudo Cuidar de seus dados Executar tarefas paralelas Perseverar B. Gerenciando a pesquisa de campo Criar tempo para pensar no futuro Gerenciamento como parte de uma equipe de campo C. Praticando Usando os exercícios deste livro para praticar Fazendo um estudo-piloto Motivando-se D. Estabelecendo e mantendo padrões éticos de conduta Um desafio ético ilustrativo: examinando com imparcialidade todos os seus dados Códigos de ética Integridade da pesquisa Divulgação como uma maneira de demonstrar integridade da pesquisa E. Protegendo sujeitos humanos: obtendo aprovação de um comitê institucional de ética Submetendo protocolos de estudo para análise e aprovação Considerações específicas na proteção de sujeitos humanos Preparando-se para uma avaliação do CIE O diálogo do consentimento informado (em campo) como oportunidade para os participantes fazerem perguntas Capítulo 3 - Como iniciar um estudo investigativo O desafio de iniciar um estudo qualitativo Originalidade ao fazer um estudo qualitativo O restante deste capítulo A. Iniciando um estudo qualitativo pela consideração de três características Processamento paralelo do processo de iniciação Maneiras de dar os primeiros passos Desenvolver um banco de estudos Resultados de criar um “banco de estudos” ilustrativo Considerando um tema de investigação Considerando um método de coleta de dados Considerando uma fonte de dados (p. ex., identificando um ambiente de campo) Lembrando as limitações de tempo e recursos B. Revisando a literatura de pesquisa Fazer ou não uma revisão da literatura Papel da revisão da literatura ao iniciar um estudo Breve resumo: diferentes tipos de revisão da literatura Fazendo apontamentos sobre estudos existentes Baixando materiais da internet C. Detalhando um novo estudo qualitativo Um pouco de trabalho de campo primeiro Iniciando com as questões de pesquisa Examinando sua bagagem de conhecimentos e percepções em relação a um novo estudo Banco de estudos ilustrativo para o Capítulo 3 Notas Parte II - Fazendo pesquisa qualitativa Capítulo 4 - Escolhas no delineamento de estudos de pesquisa qualitativa Breve definição dos delineamentos de pesquisa Opções de delineamento Opção 1: Iniciando o delineamento de pesquisa no começo de um estudo (ou não) Opção 2: Tomar medidas para reforçar a validade de um estudo (ou não) O que significa validade ao fazer pesquisa Explicações rivais Triangulação Opção 3: esclarecendo a complexidade das unidades de coleta de dados (ou não) Arranjos de aninhamento Relação entre o nível das unidades de coleta de dados e o principal tema de um estudo Opção 4: atentando para a amostragem (ou não) Amostragem intencional e de outros tipos O número de unidades de coleta de dados a ser incluído em um estudo Nível mais amplo Nível mais estreito Opção 5: incorporando conceitos e teorias em um estudo (ou não) Mundos destituídos de conceitos? Abordagem indutiva versus dedutiva Opção 6:Planejando uma etapa inicial (ou não) para obter feedback dos participantes Opções de feedback Influência potencial sobre a narrativa posterior de um estudo Opção 7: preocupar-se em generalizar os resultados de um estudo (ou não) Necessidade de ir além das generalizações estatísticas Fazendo generalizaçõesanalíticas Opção 8: preparando um protocolo de pesquisa (ou não) Protocolos, não instrumentos Protocolos como estruturas mentais Definições operacionais Notas Capítulo 5 - Fazendo trabalho de campo A. Trabalhando em campo Variedade dos ambientes de campo Regras e expectativas diferentes para lugares públicos ou privados como ambientes de campo Variando a quantidade de tempo em campo B. Obtendo e mantendo o acesso ao campo Obtendo acesso a um ambiente de campo: um processo, não um evento Como o processo pode influenciar a substância de um estudo C. Nutrindo relações de campo Representando seu self autêntico Importância da conduta pessoal Fazendo favores aos participantes: faz parte do relacionamento ou não? Lidando com eventos inesperados Planejando como sair e não apenas como entrar em campo D. Fazendo observação participante O pesquisador como “instrumento de pesquisa” Assumindo uma postura indutiva mesmo que um estudo tenha se iniciado com algumas proposições E. Fazendo visitas aos locais de estudo Estudando um grande número de ambientes de campo Aderindo à programação e a planos formais Sendo “recebido” durante uma visita local Construindo o trabalho em equipe Capítulo 6 - Métodos de coleta de dados A. O que são dados? B. Introdução a quatro tipos de atividades de coleta de dados C. Entrevistas Entrevistas estruturadas Entrevistas qualitativas Fazendo entrevistas qualitativas “Entrando” e “saindo” de entrevistas qualitativas Entrevistando grupos de pessoas Entrevistas de grupo de foco como um método de coleta de dados qualitativos D. Observando Fazendo “observação sistemática” como base para todo um estudo qualitativo Decidindo quando e onde observar Decidindo o que observar Tirando vantagem de medidas não obstrutivas Derivando significado das observações e triangulando evidências observacionais com outras fontes E. Coletando e examinando Coletando objetos (p. ex., documentos, artefatos e registros arquivais) em campo: valioso porém demorado Usando documentos para complementar entrevistas e conversações de campo “Navegando” e usando o Google para encontrar informações relacionadas Coletando ou examinando objetos como parte complementar de sua coleta de dados F. Sentimentos “Sentimentos” assumem formas diferentes Documentando e registrando sentimentos G. Práticas desejáveis pertinentes a todos os tipos de coleta de dados Nota Capítulo 7 - Registrando dados A. O que registrar Tentar registrar “tudo” versus ser muito seletivo Destacando ações e capturando palavras textualmente Lembrando-se de suas questões de pesquisa Tomando notas sobre estudos escritos, relatórios e documentos encontrados em campo Duplicando cópias de documentos e materiais escritos enquanto se está em campo B. Práticas de tomada de notas no trabalho de campo Preparando-se Organizando suas notas Desenvolvendo sua própria linguagem de transcrição Criar desenhos e esboços como parte das notas C. Convertendo notas de campo em notas mais completas Convertendo as notas de campo rapidamente Requisitos mínimos para a conversão diária de notas de campo originais Quatro modos adicionais de aperfeiçoar as notas de campo originais Aprofundando a compreensão de seu próprio trabalho de campo Verificando notas de campo D. Registrando dados de outras formas que não escritas Obtendo permissão para gravar Dominando os dispositivos antes de usá-los Compartilhando os registros e preservando sua segurança Estar preparado para dedicar tempo à revisão e edição dos registros Quando as gravações são a principal técnica de coleta de dados Elaborando produtos acabados E. Mantendo um diário pessoal Capítulo 8 - Analisando dados qualitativos I A. Apanhado geral das fases analíticas Introdução a um ciclo de cinco fases: (1) compilar, (2) decompor, (3) recompor (e arranjar), (4) interpretar e (5) concluir Usando programas de computador como auxílio na análise de dados qualitativos B. Compilar um conjunto ordenado de dados Semelhante à pesquisa quantitativa? Relendo e reouvindo: “conhecendo” suas notas de campo Colocando tudo em um formato consistente Usando software para compilar seus registros C. Decompondo os dados Redigindo os memorandos Codificar ou não codificar Codificando dados Decompondo dados sem codificá-los Usando programas de computador como auxílio na decomposição de dados D. Recompondo dados Procurando padrões Usando arranjos para ajudar a recompor os dados Criando arranjos hierárquicos Delineando matrizes como arranjos Trabalhando com outros tipos de arranjos Resumindo o processo de ordenação dos dados Procedimentos importantes durante o processo de recomposição Usando programas de computador como auxílio na recomposição dos dados Palavras finais sobre recomposição Exemplo de Estudo 1: estudo dos convênios entre universidades e escolas, como exemplo para os Capítulos 8 e 9 (parte relativa ao Cap. 8) Introdução ao exemplo de estudo Base de dados compilada para o Exemplo de Estudo 1 Procedimento de decomposição no Exemplo de Estudo 1 Exemplo de arranjo de recomposição usado no Exemplo de Estudo 1 Notas Capítulo 9 - Analisando dados qualitativos II A. Interpretação B. Modos de interpretação “Descrição” como um tipo importante de interpretação Descrição e pedido de ação “Explicação” como um tipo de interpretação Criando perspicazes e úteis interpretações C. Concluindo Concluindo com um pedido por novos estudos Concluindo com uma contestação de generalizações convencionais e estereótipos sociais Concluindo com novos conceitos, teorias e mesmo “descobertas” sobre o comportamento social humano Concluindo com proposições substantivas (não metodológicas) Concluindo com uma generalização para um conjunto mais amplo de situações Exemplo de Estudo 1: um estudo dos convênios entre universidades e escolas como exemplo para os Capítulos 8 e 9 (parte relativa ao Cap. 9) Interpretação no Exemplo de Estudo 1 Concluindo no Exemplo de Estudo 1 Notas Parte III - Apresentando os resultados da pesquisa qualitativa Capítulo 10 - Apresentando dados qualitativos A. Dados narrativos sobre os participantes em um estudo qualitativo Intercalando passagens citadas dentro de parágrafos selecionados Usando apresentações mais extensas, abrangendo múltiplos parágrafos Fazendo apresentações de um capítulo de extensão sobre os participantes de um estudo Apresentando informações sobre diferentes participantes sem focar na história de vida de nenhum deles B. Apresentações tabulares, gráficas e pictóricas Tabelas e listas Elementos gráficos Fotografias e reproduções C. Criando slides para acompanhar apresentações orais Arte em slides: diferente da arte para apresentações em impressos Slides apenas com palavras (“slides de texto”) Aproveitando o formato livre dos slides Usando ícones e outros símbolos Escolhendo cores e estilo artístico Slides como um auxílio a sua apresentação Nota Capítulo 11 - Compondo a pesquisa para compartilhá-la com os outros A. Compondo: dicas gerais Conhecendo o público para sua pesquisa qualitativa Ter jeito com as palavras Compondo “às avessas” Compor “de forma retrocedente” B. Compondo pesquisa qualitativa Envolver os cinco sentidos Representar as múltiplas vozes e perspectivas e também lidar com questões de anonimato Ser sensível à natureza interpretativa de suas composições C. Apresentando seu self declarativo Iniciando sua composição em um ponto interessante Diferentes “formatos” de composições Usando palavras simples e minimizando o jargão de pesquisa Fazendo os cabeçalhos (ou os títulos de quadros) transmitirem uma mensagem substantiva D. Apresentando seu self reflexivo Explicitando suas lentes de pesquisa o máximo possível Descrevendo suas lentes de pesquisa como um importante procedimento de controle de qualidade Mantendo seu self reflexivo sob controle Tornando observações prefaciais interessantes e atraentes E. Reformulando sua composição A utilidade das revisões no processo de reformulação Participantes Pares Tempo e esforço na reformulação Preparando originais e revisando – e analisandoo trabalho dos revisores Parte IV - Levando a pesquisa qualitativa um passo adiante Capítulo 12 - Ampliando o desafio de fazer pesquisa qualitativa A. Pesquisa qualitativa como parte do domínio mais amplo da pesquisa em ciências sociais Exemplos de semelhanças do ofício Exemplos de práticas do ofício contrastantes Diferenças nas visões de mundo na pesquisa em ciências sociais B. Um diálogo permanente O posicionamento da pesquisa Métodos qualitativos versus quantitativos Um padrão ouro? C. A promessa e o desafio da pesquisa com metodologia mista As raízes da pesquisa com metodologia mista Um estudo com metodologia mista como único estudo Qualificação necessária para fazer um estudo com metodologia mista D. Indo adiante Diferentes motivações para ir adiante Colocando princípios, não apenas procedimentos, em prática Dar sua própria contribuição ao ofício de fazer pesquisa qualitativa Exemplo de estudo 2: um estudo com metodologia mista do processamento de propostas universitárias Notas Apêndice Um projeto para um semestre ou um ano Tema de investigação Iniciação Protocolo de campo Coleta de dados Análise da amostra Notas Glossário Termos especiais usados em pesquisa qualitativa1 Notas Referências Conheça também Conheça o Grupo A parte I Compreendendo a pesquisa qualita tiva 1 O que é pesquisa qualitativa – e por que você cogitaria faze r este tipo de pesquisa? Este capítulo introduz a pesquisa qualitativa, inicialmente ilustrando-a com um grupo diverso de estudo s publicados. Sua amplitude indica a potencial relevância e fascínio da pesquisa qualitativa: diferente d e outros métodos das ciências sociais, praticamente todo acontecimento da vida real pode ser objeto d e um estudo qualitativo. O capítulo então discute cinco características, bem como algumas práticas de pesquisa comuns, que juntas definem a pesquisa qualitativa. (As práticas comuns aparecerão em pormenor no restante deste livro.) Apesar dessas cinco características e práticas comuns, a pesquisa qualitativa continua sendo u m campo multifacetado de investigação, marcado por diferentes orientações e metodologias. Distinçõe s importantes se iniciam ao assumirmos uma realidade singular ou múltiplas realidades, a singularidad e ou potencial generalizabilidade dos eventos humanos e a necessidade de seguir uma variante metod ológica de pesquisa qualitativa ou não. O capítulo aborda as três distinções, sugerindo duas estratégia s de mediação para permitir que a pesquisa prossiga. Da máxima importância é um denominador comu m – a necessidade de que estudos qualitativos mostrem sua confiança e credibilidade, independentem ente de qualquer uma das três distinções. A. O FASCÍNIO DA PESQUISA QUALITATIVA: UM PANORAMA TÓPICO D OS ESTUDOS O que você deve aprender nesta seção: 1. A ampla variedade de tópicos que podem ser estudados por meio da pesquisa qualitativa, diferente de outros tipos de pesquisa em ciências sociais. 2. A presença de estudos de pesquisa qualitativa em muitas disciplinas acadêmicas e profissões diferentes. Por que fazer pesquisa qualitativa? Você pode apenas querer estudar um ambiente da vida real, descobrir como as pessoas enfrentam e prosperam em tal ambiente – e capturar a riqueza das vidas das pessoas. Pense na variedade de temas que você poderia estudar. Você poderia se concentrar em um grupo específico de pessoas, tal como mulheres sem moradia, passar muitas noites como voluntário em um abrigo para moradoras de rua e ajudar os outros a entender como essas mulheres lidam com seus desafios cotidianos, dentro e fora do abrigo (p. ex., Liebow, 1993). Ao longo do caminho, você poderia entender novas maneiras de como (e por quê) as mulheres chegaram a essa situação. Você também poderia ilustrar esses entendimentos reconstituindo as histórias de vida de muitas dessas mulheres (ver “Um estudo qualitativo de mulheres sem moradia”, Quadro 1.1.) Um estudo qualitativo de mulheres sem moradia Embora um estereótipo comum ligue a falta de moradia aos homens, as mulheres também podem carecer de moradia, e os abrigos atendem especificamente homens ou mulheres. O estudo de Elliot Liebow (1993), na área de Washington, trata de um grupo de mulheres e seu abrigo. Para fazer o estudo, Liebow trabalhou a maior parte de um período de quatro anos como voluntário no abrigo, muitas vezes passando a noite lá. O estudo de Elliot Liebow representa a cultura do abrigo, envolvendo as interações entre os clientes e os funcionários no esforço para atender as necessidades tanto individuais quanto institucionais. As mu lheres são de diversas idades e raças, e algumas já tiveram suas próprias famílias. Para capturar essa diversidade, o estudo também inclui as histórias de vida de cerca de 20 delas. Ao longo do livro, Liebo w debate a questão de por que essas mulheres não têm moradia, mas ao mesmo tempo fornece infor mações suficientes para que os leitores tirem suas próprias conclusões. Anteriormente, Liebow realizou um estudo de homens desempregados em um bairro urbano. Este trab alho anterior, Talley’s Corner (1967), foi por anos reconhecido como um estudo qualitativo clássico. Ver também Quadros 5.6 e 11.7. Por outro lado, você poderia querer estudar como o governo e as autoridades de saúde pública tomam decisões sobre uma ameaça de epidemia de gripe suína. Em 1978, tal ameaça levou à vacinação em massa de 40 milhões de norte-americanos (Neustadt & Fineberg, 1983). A campanha foi encerrada prematuramente quando, no decorrer da temporada de gripe, as autoridades perceberam que haviam superestimado o potencial da epidemia – mas também porque descobriram que a vacinação expôs as pessoas a uma doença rara, porém fatal. Para fazer esse estudo, você poderia ter entrevistado autoridades-chave e analisado muitos documentos oficiais. Os resultados de seu estudo poderiam ter apontado para as dificuldades e incertezas ao lidar-se com campanhas de imunização em massa – uma questão que, como seria de esperar, ainda é relevante no século XXI. Em um extremo mais íntimo, você poderia querer compreender e analisar a conversação e as interações entre duas pessoas. Você precisaria poder gravar, se não filmar, a conversação delas porque seu interesse iria muito além das palavras específicas da conversa. Entre outros sinais, seus dados também incluiriam o modo como as palavras foram mescladas ou encurtadas, além das pausas, sobreposições e linguagem corporal entre os interlocutores (p. ex., Drew, 2009). Seu objetivo geral seria deslindar o poder, o controle e outros motivos que cada interlocutor poderia estar perseguindo – possivelmente uma forma útil de compreender as relações médico- paciente, professor-aluno e colega-colega nos contextos de sua vida real. Existem muitos outros exemplos de pesquisa qualitativa. Eles tocam em todas as esferas sociais. Perto de todos nós, as mudanças no papel das mulheres na sociedade norte-americana têm sido o objeto de um bom número de estudos, tais como: a investigação de Ruth Sidel (2006) sobre como mães solteiras confrontam seus desafios sociais e econômicos; o exame de Pamela Stone (2007) de por que profissionais bem-sucedidas abandonam seus empregos para ficar em casa; e o estudo de Kathryn Edin e Maria Kefalas (2005) de por que as mulheres de baixa renda “colocam a maternidad e antes do casamento”. Nos três exemplos, os pesquisadores conduziram extensas entrevistas com muitas mulheres e suas famílias, alé m de visitarem seus lares e observarem o comportamento familiar. Estes e outros estudos seguem, de certa forma, o estudo de referência de Carol Gilligan (1982) do lugar da mulher em um mundo masculino – no qual ela alegou que grande parte das chamadas teorias do desenvolvimento moral e emocional tinham se baseado exclusivamente nas percepções e experiências masculinas. Além desses exemplos, a gama de temas abordados por outros trabalhos contemporâneos se estende do raro ao comum, tais como: revelar formas de exploração surpreendentes, mas ainda existentes, tais como escravidão humanana Tailândia, Mauritânia, Brasil, Paquistão e Índia (p. ex., Bales, 2004); analisar os desafios da imigração entre os Estados Unidos e outros países, seja no contexto educacional (p. ex., Valenzuela, 1999) ou comunitário (p. ex., Levitt, 2001); estudar como pessoas mais velhas podem ter sido internadas em um hospital ou para tratamento de longo prazo em circunstâncias que poderiam ter sido evitadas (p. ex., Tetley, Grant, & Davies, 2009); oferecer dados e explicações sobre como uma empresa constante da lista Fortune 500 no ramo de computação poderia fechar as portas na década de 1990 (p. ex., Schein, 2003); contrastar as diferenças entre os clientes de lojas de brinquedos localizadas em bairros de classe média em contr aste com bairros da classe operária, refletindo não apenas as práticas das lojas, mas também os hábitos de aqui sição e de compra das famílias (p. ex., Williams, 2006); examinar a vida residencial e as diferenças em tensões raciais, étnicas e de classe em quatro bairros urbanos (p. ex., Wilson & Taub, 2006); ou mostrar as diferentes experiências de infância de famílias de classe operária e média, fazendo extensas observaç ões nos lares de 12 famílias (p. ex., Lareau, 2003). Você pode inclusive estudar a vida cotidiana nas ruas de sua cidade, como no: estudo de Duneier (1999) dos vendedores de rua; estudo de Lee (2009) das interações nas ruas; ou estudo de Bourgois (2003) dos viciados, ladrões e traficantes que fazem parte da economia informal em alguma s cidades. O fascínio da pesquisa qualitativa é que ela permite a realização de estudos aprofundados sobre uma ampla vari edade de tópicos, incluindo seus favoritos, em termos simples e cotidianos. Além disso, a pesquisa qualitativa ofer ece maior liberdade na seleção de temas de interesse, porque os outros métodos de pesquisa tendem a ser limitado s por: impossibilidade de estabelecer as necessárias condições de pesquisa (como em um experimento); indisponibilidade de uma série de dados suficientes ou falta de abrangência de variáveis suficientes (como em u m estudo econômico); dificuldade de extrair uma amostra adequada de entrevistados e obter uma taxa de resposta suficientemente alta (como em um levantamento); ou outras limitações, como dedicar-se ao estudo do passado mas não de atualidades (como em uma história).1 Por ora, a pesquisa qualitativa tornou-se uma forma aceitável, se não dominante, de pesquisa em muitas áreas acadêmicas e profissionais diferentes. Consequentemente, o grande número de alunos e estudiosos que realizam estudos qualitativos pode fazer parte de diferentes disciplinas de ciências sociais (p. ex., sociologia, antropologia, ciência política ou psicologia) ou diferentes profissões (p. ex., educação, administração, enfermagem, planejamento urbano e avaliação de programas). Em qualquer desses campos, a pesquisa qualitativa representa um modo atraente e produtivo de fazer pesquisa. B. O QUE DISTINGUE A PESQUISA QUALITATIVA O que você deve aprender nesta seção: 1. As cinco características que distinguem a pesquisa qualitativa de outros tipos de pesquisa em ciências s ociais. 2. Como as cinco características apontam para modos específicos de praticar pesquisa qualitativa. Apesar da maior liberdade oferecida pela pesquisa qualitativa, seus colegas podem, não obstante, alegar que outro s tipos de pesquisa em ciências sociais – por exemplo, levantamentos, estudos econômicos, experimentos, semiexp erimentos e estudos históricos – também podem abordar muitos dos mesmos tópicos apontados no panorama de ab ertura dos estudos qualitativos. Esses outros tipos de pesquisa podem ser a base para estudar grupos de pessoas se melhantes, como moradoras de rua, questões de saúde pública semelhantes, como campanhas de imunização ou re lações médico-paciente, igualdade de gênero e aspectos femininos, e mesmo temas que estabelecem comparações internacionais e nacionais das mesmas temáticas citadas. As alegações de seus colegas, portanto, apontam para a n ecessidade de confrontar a questão do que distingue a pesquisa qualitativa, especialmente em relação a outros tipo s de pesquisa em ciências sociais. Pesquisa qualitativa: uma ampla área de investigação A diversidade do que se chama pesquisa qualitativa, devido a sua relevância para diferentes disciplinas e profissõ es, desafia qualquer um a chegar a uma definição sucinta. Uma definição muito curta parecerá excluir uma ou outr a disciplina. Uma definição muito ampla parecerá inutilmente global. Na verdade, o termo pesquisa qualitativa po de ser como os outros termos do mesmo gênero – por exemplo, pesquisa sociológica, pesquisa psicológica, ou pes quisa educacional. Dentro de sua própria disciplina ou profissão particular, cada termo implica um amplo conjunt o de pesquisa, abarcando uma diversidade de métodos altamente contrastantes. Pense simplesmente, por exemplo, na psicologia clínica e experimental. Apesar de ambas fazerem parte do mesmo campo, seus métodos diferem ace ntuadamente. Cinco características da pesquisa qualitativa Em vez de tentar chegar a uma definição singular de pesquisa qualitativa, você pode considerar cinco característic as, listadas abaixo e em seguida discutidas individualmente: 1. estudar o significado da vida das pessoas, nas condições da vida real; 2. representar as opiniões e perspectivas das pessoas (rotuladas neste livro como os participantes2) de um estudo; 3. abranger as condições contextuais em que as pessoas vivem; 4. contribuir com revelações sobre conceitos existentes ou emergentes que podem ajudar a explicar o comportamento social humano; e 5. esforçar-se por usar múltiplas fontes de evidência em vez de se basear em uma única fonte. Iniciando pelo topo da lista, a pesquisa qualitativa envolve primeiramente estudar o significado das vidas das pessoas nas condições em que realmente vivem. As pessoas vão estar desempenhando seus papéis cotidianos ou terão se expressado por meio de seus próprios diários, registros periódicos, textos e até fotografias – de maneira totalmente independente de qualquer investigação de pesquisa. As interações sociais ocorrerão com mínima interferência de procedimentos de pesquisa artificiais, e as pessoas dirão o que querem dizer, não limitadas, por exemplo, a responder a um questionário predefinido de um pesquisador. Da mesma forma, as pessoas não se sentirão inibidas pelos limites de um laboratório ou ambiente semelhante. E elas não serão representadas por médias estatísticas, como, por exemplo, a família norte-americana ter em média 3,18 pessoas (a partir de 2006) – o que pode representar com precisão uma população inteira, mas na verdade, por definição, não representa qualquer família da vida real. Segundo, a pesquisa qualitativa difere por sua capacidade de representar as visões e perspectivas dos participantes de um estudo. Capturar suas perspectivas pode ser um propósito importante de um estudo qualitativo. Assim, os eventos e ideias oriundos da pesquisa qualitativa podem representar os significados dados a fatos da vida real pelas pessoas que os vivenciam, não os valores, pressuposições, ou significados mantidos por pesquisadores. Terceiro, a pesquisa qualitativa abrange condições contextuais – as condições sociais, institucionais e ambientai s em que as vidas das pessoas se desenrolam. Em muitos aspectos, essas condições contextuais podem influenciar muito todos os eventos humanos. Entretanto, os outros métodos de ciências sociais (exceto a história) têm dificuld ade para abordar essas condições. Os experimentos, por exemplo, “fazem controle” dessas condições (daí a artificialidade dos experimentos labor atoriais). Semiexperimentos admitem tais condições, mas intencionalmente focam apenas em um conjunto limitad o de “variáveis”, que podem reconhecer plenamente ou não as condições contextuais. De modo análogo, as pesqui sas de levantamento3 são limitadas pela necessidade de gerenciar cuidadosamente os graus de liberdade necessários para analisar as respostas a um conjunto de questõesde pesquisa. Os levantamentos são, portanto, limitados no número de perguntas dedicadas a quaisquer condições contextuais. A história não confronta condições contextuais, mas em sua forma convencional estuda o “passado morto”, não os eventos em andamento como na pesquisa qualitativa (consulte novamente a nota de rodapé número 1 sobre história oral). Quarto, a pesquisa qualitativa não é apenas um diário ou uma narrativa cronológica da vida cotidiana. Tal função seria uma versão meio mundana dos acontecimentos da vida real. Ao contrário, a pesquisa qualitativa é guiada por um desejo de explicar esses acontecimentos, por meio de conceitos existentes ou emergentes. Por exemplo, um conceito existente é o de manejo do estigma de Goffman (1963). Em seu trabalho original, o manejo de estigma referia-se sobretudo às adaptações de uma pessoa. Entretanto, um estudo qualitativo contemporâneo aplicou essa tipologia e arcabouço a um grupo coletivo, assim oferecendo novas revelações sobre como as ações de estados-nações também poderiam tentar superar seus próprios acontecimentos historicamente estigmatizantes (ver “Usando a pesquisa qualitativa para produzir novas revelações”, Quadro 1.2). Usando a pesquisa qualitativa para produzir novas revelações O estudo de Lauren Rivera (2008) examina como o governo croata “alterou representações da história e da cultura da região por meio do turismo internacional na esteira das guerras violentas da secessão i ugoslava” (p. 614). O objetivo do governo era criar uma vigorosa indústria do turismo, atraindo viajante s estrangeiros. Para fazer isso era preciso “desviar a atenção da guerra e reposicionar o país como u m lugar idêntico a seus vizinhos europeus ocidentais” (p. 614). Dados de diversas fontes de campo mostram como a Croácia lidou com as dificuldades do passado p elo “reenquadramento cultural mais do que por reconhecimento público” (Rivera, 2008, p. 613). Essas constatações são então discutidas à luz do clássico estudo de Erving Goffman (1963) sobre estigma e manejo do estigma. Sua tipologia do manejo do estigma, geralmente aplicada ao estudo de indivíduos com deficiências mentais ou físicas, oferece um arcabouço interessante quando aplicada às condições na Croácia, um estado-nação. Ampliando o alcance das ideias de Goffman, para compreender “proces sos de representação histórica e cultural” (p. 615), o estudo de Rivera demonstra habilmente o valor d e ligar a pesquisa qualitativa a processos sociais interessantes. Da mesma forma, a pesquisa qualitativa pode ser uma ocasião para desenvolver novos conceitos. Os conceitos podem tentar explicar processos sociais, tais como o ensino escolar de estudantes norte-americanos. Um conceito ilustrativo oferecido por um estudo qualitativo é a noção de educação escolar subtrativa (ver “Usando um conceito abrangente para organizar um estudo qualitativo”, Quadro 1.3), usado para fornecer explicações potencialmente úteis e formar uma plataforma para novas investigações. Na verdade, estudos destituídos de conceitos, sejam existentes ou novos, ou destituídos de qualquer interpretação, seriam semelhantes a diários ou narrativas cronológicas, mas não pesquisa qualitativa. Usando um conceito abrangente para organizar um estudo qualitativo O estudo de Valenzuela (1999) de uma escola em Houston mostra como um conceito abrangente pode orientar a organização de todo um estudo. O conceito é o de educação escolar subtrativa, uma experiência que surgiu do modo como os programas de inglês como segunda língua (ESL) são impostos a estudantes imigrantes. O autor passou três anos como observador-participante na escola, também fazendo muitas entrevistas e colhendo dados documentais. Valenzuela observa que a maioria dos estudos de programas ESL foc ou em como os alunos aprendem e não em como são escolarizados, deixando uma lacuna na literatur a. Em suma, o estudo dela mostra como a experiência escolar assume um caráter subtrativo porque a fluência em espanhol, em vez de ser uma virtude a ser aproveitada, é uma “barreira que precisa ser su perada” (1999, p. 262). “Abandonar nossa cultura original” torna-se, então, parte de um processo de al ienação (p. 264). Os resultados mostram como a educação escolar subtrativa também se estende a di visões entre os diferentes grupos de estudantes. Ver também Quadro 4.5. Quinto, a pesquisa qualitativa procura coletar, integrar e apresentar dados de diversas fontes de evidência como parte de qualquer estudo. A variedade provavelmente será uma decorrência de você ter que estudar um ambiente da vida real e seus participantes. A complexidade do ambiente de campo e a diversidade de seus participantes provavelmente justificam o uso de entrevistas e observações e mesmo a inspeção de documentos e artefatos. As conclusões do estudo tendem a se basear na triangulação dos dados das diversas fontes. Essa convergência aumentará a credibilidade e confiabilidade do estudo (ver mais sobre esse objetivo ao final deste capítulo). Práticas comuns Articular como essas cinco características distintivas se convertem em real prática de pesquisa torna-se a tarefa do restante de todo este livro. Ainda que uma “metodologia” de pesquisa qualitativa formal possa não existir, as ofertas capturam as práticas que decorrem diretamente das cinco características. Várias práticas são descritas sucintamente a seguir. Entretanto, você terá que consultar os capítulos mencionados para detalhes sobre como estas e outras práticas podem funcionar para você: 1. O uso de delineamentos de pesquisa flexíveis em vez de fixos, abrangendo oito escolhas, tais como reforçar a validade de um estudo, selecionar as amostras a serem estudadas e preocupar-se em generalizar (ver Cap. 4). 2. A coleta de dados “de campo” – apropriadamente tentando capturar condições contextuais, bem como perspectivas dos participantes – resultantes de seu próprio trabalho de campo e examinando os diários, jornais, textos, fotografias, ou outros artefatos associados aos próprios participantes (ver Caps. 5 e 6). 3. A análise de dados não numéricos – inclusive escolhas sobre usar ou não vários tipos de programas de computador (ver Cap. 8); e 4. A interpretação dos resultados de um estudo qualitativo, que pode envolver generalizações convencionais desafiadoras e estereótipos sociais (ver Cap. 9). Os outros capítulos do livro tratam de questões mais gerais, tais como de que forma se equipar para fazer pesquisa qualitativa (Cap. 2), como dar os primeiros passos de um estudo qualitativo (Cap. 3), como registrar os dados corretamente (Cap. 7) e como apresentar dados qualitativos por meio de formas escritas e visuais e criar uma composição final (Caps. 10 e 11). O capítulo final introduz uma importante tendência contemporânea diretamente relacionada à pesquisa qualitativa – a maior atenção dedicada à pesquisa com metodologia mista (Cap. 12). Alguns temas importantes – tais como manter a consciência de como seu papel como pesquisador pode influenciar um estudo (reflexividade) – tendem a ocorrer em todo o livro (ver também a discussão no Cap. 11 sobre como apresentar nosso “eu reflexivo” como parte de um estudo qualitativo concluído). C. O MUNDO MULTIFACETADO DA PESQUISA QUALITATIVA O que você deve aprender nesta seção: 1. Como os eventos humanos podem refletir múltiplas realidades. 2. Como o estudo de tais eventos, a despeito de sua singularidade, ainda pode decorrer da coleta de dados e técnicas de análise comuns. 3. As múltiplas variações metodológicas dentro da pesquisa qualitativa. 4. Duas estratégias para o processo de realização de um estudo qualitativo (“estratégias de mediação”) à luz do rico mosaico da pesquisa qualitativa. A amplitude do que se chama pesquisa qualitativa abrange um mosaico de orientações, bem como de escolhas metodológicas. Tirar vantagem da riqueza do mosaico oferece uma oportunidade para personalizar um estudo qualitativo. Três condições em especial contribuem para o mosaico: a potencial multiplicidade de interpretações dos eventos humanossendo estudados; a potencial singularidade desses eventos; e as variações metodológicas disponíveis dentro da pesquisa qualitativa. Cada condição pode envolver escolhas extremas, muitas vezes envolvendo considerações filosóficas e não apenas metodológicas. Entretanto, entre os extremos existe uma ampla gama de posições aceitáveis. As três condições juntas, portanto, formam grande parte do mundo multifacetado da pesquisa qualitativa. Múltiplas interpretações dos mesmos eventos? A condição inicial deriva do desejo da pesquisa qualitativa de capturar o significado dos eventos da vida real, da perspectiva dos participantes de um estudo. Tal objetivo não pode ignorar o fato de que os significados dos participantes, se estudados e relatados por um pesquisador, também inevitavelmente incluem um segundo conjunto de significados para os mesmos eventos – aqueles do pesquisador. Dois termos complementares – êmico e ético – embora hoje um pouco superados – esclarecem a potencial duali dade, se não a multiplicidade, de significados. Uma perspectiva êmica procura capturar os significados nativos dos participantes dos eventos da vida real. Em contraste, uma perspectiva ética representa o mesmo conjunto de event os da vida real, mas de uma perspectiva externa – a de um pesquisador. Os dois termos lançam mão de um paralel o linguístico, no qual a fonêmica representa os sons com base em sua função interna dentro de uma língua e a foné tica representa as propriedades acústicas ou mais externas das palavras (p. ex., Emerson, 2001, p. 31). As perspectivas êmica e ética geralmente serão diferentes – devido a diferenças nos sistemas de valor dos obser vadores, suas predisposições e seu gênero, idade e raça e etnicidade. Por exemplo, em um estudo envolvendo “etn ografia naturalista”, os investigadores observaram que o pesquisador que realiza trabalho de campo em um ambien te natural era um estranho antropológico que tinha que “cuidar para não perturbar a ecologia do mundo social [dos participantes] introduzindo sua subjetividade, crenças, ou interesses próprios como pesquisador acadêmico de clas se média branco” (Roman & Apple, 1990, p. 45). Um desafio adicional aos pesquisadores é “manter em suspenso seus eventuais pressupostos políticos e comprometimentos teóricos” (p. 46). As diferenças nos sistemas de valor permeiam nossos próprios processos de pensamento. Essas diferenças, por sua vez, afetarão o modo como a pesquisa qualitativa será conduzida e relatada. Operacionalmente, elas vão apare cer mesmo (e especialmente) ao descrever um conjunto de eventos da vida real. Consequentemente, a tarefa apare ntemente natural de fazer uma descrição torna-se uma questão interpretativa (Lawrence-Lightfoot & Davis, 1997), mesmo que apenas por causa de um processo inevitável de seleção (Emerson, 2001, p. 28; Wolfinger, 2002). O pr ocesso descritivo não pode abarcar plenamente todos os eventos possíveis que poderiam ter sido observados em u m ambiente de estudo. Mesmo o uso de registros de comportamento social em vídeo ou áudio, embora aparenteme nte oferecendo um alcance abrangente, tem seus parâmetros básicos – de onde, quando e o que registrar – definido s pelo pesquisador. A seletividade também pode surgir por conta das categorias pré-concebidas de um investigador para atribuir sig nificado aos eventos e suas características (p. ex., Becker, 1998, p. 76-85). Como declarou Robert Emerson (2001 , p. 48): O autor decide não apenas quais eventos em particular são significativos, quais são apenas dignos de inclu são, quais são absolutamente essenciais e como ordenar esses eventos, mas também, em primeiro lugar, o que conta como um “evento”. O apelo para criar uma “descrição densa” – um termo comumente associado ao trabalho de Clifford Geertz (19 73), mas que, na verdade, ele creditou (p. 6-7) a Gilbert Ryle (1949), é uma forma de tentar revelar ou ao menos a umentar nossa consciência da seletividade e das categorias preconcebidas (Becker, 1998). Quanto mais densa a d escrição, mais possível seria dizer que aquela seletividade foi reduzida. Além de produzir uma descrição densa, outras práticas de estudo de campo incluem “nos confrontarmos com a s coisas que nos afastariam das categorias convencionais, da declaração convencional de um problema, da solução convencional” (Becker, 1998, p. 85), e “identificar o caso que provavelmente perturbaria seu pensamento e procur á-lo” (p. 87). Não obstante, por mais bem-sucedidas que essas confrontações possam ser, os pesquisadores não podem na aná lise final evitar suas próprias lentes de pesquisa ao representarem a realidade. Assim, o objetivo é reconhecer que múltiplas interpretações podem existir e garantir que o máximo possível seja feito para impedir que um pesquisad or imponha sua própria interpretação (ética) à interpretação (êmica) de um participante. Nesse sentido, as descrições do trabalho de campo são “construídas” (Guba, 1990). Mesmo um “ambiente” de c ampo não é uma “entidade natural preexistente”, mas algo que é construído (Emerson, 2001, p. 43). Ao estudar a c ultura de um povo ou de um lugar, as descrições podem ser consideradas interpretações de segunda ou terceira ord em, porque representam as “construções do pesquisador das construções [‘dos participantes’] daquilo que eles e se us compatriotas se ocupam” (Geertz, 1973, p. 9, 15). Seguindo essa lógica, o pesquisador em campo serve efetivamente como principal instrumento de pesquisa para coletar dados em um estudo qualitativo (ver Cap. 5, item D, para mais detalhes). Nenhum instrumento físico de m edição, procedimento experimental, ou questionário prevalece – ainda que todos possam ser usados como parte de um estudo qualitativo. Na maioria das situações, o pesquisador inevitavelmente serve como um instrumento de pe squisa porque os fenômenos importantes da vida real – tais como a própria “cultura” que é um tema frequente dos estudos qualitativos – não podem ser mensurados por instrumentos externos, mas somente ser revelados fazendo-s e inferências sobre os comportamentos observados e conversando com as pessoas (Spradley, 1979, p. 7). Além disso, o pesquisador tem uma personalidade humana e não pode se comportar como “um robô sem face o u como um gravador mecânico dos eventos humanos” (Powdermaker, 1966, p. 19). Essa personalidade “não se for ma no trabalho de campo, mas tem muitos anos de condicionamento por trás de si”, incluindo “a escolha dos probl emas e dos métodos, mesmo a escolha da própria disciplina [acadêmica]” (p. 19). As pessoas que fazem pesquisa qualitativa veem a distinção êmico-ético e a possibilidade de múltiplas interpret ações dos mesmos eventos como uma oportunidade, não uma limitação. Na verdade, um tema comum subjacente a muitos estudos qualitativos é demonstrar como as perspectivas dos participantes podem divergir acentuadamente daquelas apresentadas por pessoas externas. Por exemplo, a pesquisa multicultural visa a descrever as perspectivas dos participantes de maneiras precisas e válidas, mas também solidárias. Assim, tópicos de estudo comuns têm sido os grupos “que têm historicamente sof rido racismo, discriminação e exclusão” (Banks, 2006, p. 775). De maneira semelhante, o estudo de Edin e Kefala s de por que os participantes de seu estudo colocavam a maternidade antes do casamento foi uma tentativa de expl icar o mérito de manter essa convicção, ainda que não representasse uma visão da classe média convencional. Adotando-se ou não uma orientação multicultural, reconhecer a possibilidade de múltiplas interpretações de eve ntos semelhantes pode moldar a pesquisa qualitativa como um tipo de investigação relativista (múltiplas realidade s e dependente do observador) mais do que realista (única realidade e conjunto de “fatos”, independente de qualqu er observador). A maioria dos estudos qualitativos se situa ao longo de um continuum entre esses dois extremos fil osóficos. Por exemplo, seu próprio estudo poderia sinalizar uma inclinação à aceitação de múltiplas realidades, por destacar as diferentes perspectivas dos participantes e não forçá-los a convergir em uma única realidade. Você t ambém poderia incluir uma forte apresentação autorreflexiva, reconhecendo as importantes facetas de suas lentes de pesquisa, como discutido no Capítulo 11 deste livro. Por outro lado, seu estudo poderia sinalizar uma inclinação a aceitar uma única realidade, por triangular entre di ferentes fontes de dados e buscar estabelecer um conjunto comum de fatos. Seu objetivo poderia ser definir uma c erta realidade, e dentro dessa realidade você estaria tentando minimizar a contaminação entre suas próprias interpr etações e as dos participantes. Os eventos humanos podem ser singulares? Uma segunda condição enriquece mais o mosaico: eventos humanos podem ser considerados inteiramente únicos ou tendo algumas propriedades relacionadas e potencialmente aplicáveis a outras situações. Qualquer uma das pos turas, novamente com uma ampla faixa de posições intermediárias, pode ser assumida ao estudar quase todo tópic o social. Por exemplo, considere um estudo qualitativo em psicologia, abordando a relação amorosa entre duas pes soas. Da mesma forma, considere um estudo qualitativo em sociologia, focado no enobrecimento de um determina do bairro urbano em um determinado período – ou um estudo qualitativo em administração, tratando da fusão entr e duas empresas. Você pode imaginar todas as situações como totalmente únicas. Em contraste, você também pod e imaginar estudar as mesmas situações e se esforçar para identificar suas implicações para outras situações (presu mivelmente semelhantes). Dentro da pesquisa qualitativa, os estudos fenomenológicos, que enfatizam análises hermenêuticas ou interpreta tivas, são mais fortemente dedicados à captura da singularidade dos eventos. Como exemplo, como parte de um es tudo psicológico, você poderia mergulhar nas vidas de pessoas que estão sendo treinadas para exercer medicina fa miliar. Para realizar tal investigação, você poderia segui-las durante seus anos iniciais de residência, compartilhar suas lutas, contradições e conflitos, e tentar derivar uma compreensão profunda de como foi para essas pessoas su bmeter-se a essa experiência de treinamento (ver “Um estudo de imersão no treinamento de médicos”, Quadro 1.4 ). Um estudo de imersão no treinamento de médicos Richard Addison (1992) usou uma abordagem hermenêutica para estudar nove pessoas em seu prime iro ano de residência. Ele escolheu um programa de residência em clínica familiar ligado à universidad e, focando nas experiências de primeiro ano dos novos residentes. Addison iniciou seu estudo mergulhando no cotidiano dos residentes, desenvolvendo sua própria com preensão experiencial de suas práticas. Ele não apenas acompanhou esses residentes, como também entrevistou seus cônjuges e outros no mesmo ambiente educacional, além de ler “um imenso volume de memorandos, grades de horários e documentação” (1992, p. 115). Como parte de um “processo circular hermenêutico”, Addison então incorporou sua compreensão mai s completa a mais observações e imersão (1992, p. 116). Em diversas etapas, ele também apresentou seu trabalho a seus colegas, processo que o ajudou a “recuar, refletir e questionar [sua] compreensão” (p. 119). A análise de Addison constantemente o remeteu de volta a sua questão de pesquisa: como as pessoa s se tornam médicos de família. Seus principais resultados trataram da importância de “sobreviver” co mo um tema unificador, inserido em “um contexto de conflitos e contradições no tecido da residência” ( 1992, p. 122-123). Estudos fenomenológicos consideram não somente os eventos que estão sendo estudados, como também seus c ontextos políticos, históricos e socioculturais (p. ex., Miller & Crabtree, 1992, p. 25). Os estudos procuram ser o m ais fidedignos possível às experiências vividas, especialmente como estas poderiam ser descritas nas palavras dos próprios participantes. Na educação, um exemplo simples seria pedir às pessoas que descrevam situações em que a prenderam ou não aprenderam, em vez de tentar criar uma situação laboratorial específica para testar como elas ap rendem (Giorgi & Giorgi, 2009). Em tais investigações, estudos fenomenológicos resistem a “qualquer uso de con ceitos, categorias, taxonomias ou reflexões sobre as experiências” (Van Manen, 1990, p. 9). Relacionado a esse ob jetivo, o Capítulo 3 deste livro discute uma escolha de “trabalho de campo primeiro” que pode preceder a identific ação de quaisquer questões de pesquisa como parte do processo de iniciar um novo estudo qualitativo. As características a serem evitadas em estudos fenomenológicos incluem qualquer interesse em desenvolver ge neralizações, pois elas podem distorcer o desejado foco na singularidade dos eventos (Van Manen, 1990, p. 22). U ma consequente preocupação seria o uso de métodos de pesquisa predeterminados cujos procedimentos fixos pode riam restringir artificialmente uma representação do evento por “governarem por regras o projeto de pesquisa” (p. 29). Nesse sentido, a condução de um estudo fenomenológico poderia querer evitar a maioria ou todas as escolhas de delineamento – inclusive aquela sobre qualquer interesse em generalizar os resultados de um estudo – apresenta das no Capítulo 4 deste livro. Não obstante, e apesar de assumir-se esta postura, a singularidade dos eventos sendo estudados não impede um estudo fenomenológico de adotar os mesmos tipos de procedimentos de coleta de dados utilizados em um estudo n ão fenomenológico. Os procedimentos incluem obter descrições experienciais de diversas pessoas-chave, fazer ent revistas, fazer observações e coletar informações sobre as experiências vividas de outras fontes, tais como diários, jornais e registros (p. ex., Van Manen, 1990, p. 53-76). Esses procedimentos seriam diretamente semelhantes às pr áticas de coleta de dados apresentadas no Capítulo 6 deste livro. De maneira semelhante, estudos fenomenológicos tendem a usar o mesmo tipo de procedimentos de análise de dados que em um estudo não fenomenológico. Por exemplo, a ênfase dos estudos fenomenológicos de capturar e i nterpretar as palavras e a linguagem dos participantes leva ao ordenamento das palavras originais dos participantes lado a lado com as interpretações e mesmo transformações dessas palavras pelo pesquisador (Giorgi & Giorgi, 20 09, p. 44), bem como a possível necessidade de algum tipo de análise temática (Van Manen, 1990, p. 77-109). Ess es procedimentos não são diferentes da codificação de informações textuais de outros estudos qualitativos ou das p ráticas apresentadas posteriormente no Capítulo 8 deste livro. Em outras palavras, muitos procedimentos de pesquisa comuns ainda subsidiam estudos qualitativos, que em ou tros aspectos podem diferir fortemente em sua orientação filosófica e delineamento de pesquisa. Emular ou não uma das variantes de pesquisa qualitativa Uma terceira condição que contribui para o mosaico geral aponta para o grande número de metodologias formalm ente organizadas dentro da pesquisa qualitativa. Ao definir sua própria pesquisa qualitativa, você pode querer emu lar uma de duas variações. Você pode ter sido aconselhado a fazê-lo por um orientador, ou você pode sentir uma n ecessidade irresistível de responder à pergunta “que tipo de pesquisa qualitativa você está fazendo?”.4 Não existe tipologia formal ou inventário, mas a orientação especializada encontrada em muitos artigos e livros (p. ex., Denzin & Lincoln, 2005) fornece muitos modelos de variações que podem ser seguidas em sua pesquisa. Por exemplo, considere as 10 variações apresentadas na Tabela 1.1. Todas elas tendem a estar entre as formas comumente aceitas de pesquisa qualitativa. Elas não se agrupam em categorias ordenadas. Consequentemente, as variações podem se sobrepor, tal como: fazer um estudo de caso baseado em observação participante; ou conduzir uma história de vida como parte de uma investigação narrativa; ou fazer pesquisa-ação e adotar uma abordagem de teoriafundamentada na coleta e análise dos dados. Variações ilustrativas em pesquisa qualitativa Variação ilustrativa Trabalhos relevantes Descrição breve Pesquisa-ação Lewin (1946); Small (1995); Greenwood & Levin (1998); Reason & Riley (2009) Enfatiza a adoção de um papel ativo por parte do pesquisador ou uma colaboração ativa com os participantes do estudo. Estudo de caso Platt (1992); Yin (2009); Yin (no prelo) Estuda um fenômeno (o “caso”) em seu contexto real. Etnografia Powdermaker (1966); Geertz (1973); Wolcott (1999); Anderson-Levitt (2006) Envolve um estudo de campo suficientemente extenso para revelar normas, rituais e rotinas cotidianos em profundidade. Etnometodologia Garfinkel (1967); Cicourel (1971); Holstein & Gubrium (2005) Procura compreender como as pessoas aprendem e conhecem os rituais, maneirismos e símbolos sociais em sua vida e cultura cotidiana. Pesquisa feminista Fine (1992); Olesen (2005); Hesse-Biber & Leavy (2007) Abarca a perspectiva de que relações metodológicas e outras incrustam relações de poder com frequência ignoradas que podem afetar os resultados de pesquisa. Teoria Glaser & Strauss (1967); Presume que a ocorrência natural do comportamento social em conte fundamentada Charmaz (2005); Corbin & Strauss (2007) xtos da vida real é mais bem analisada derivando-se categorias e con ceitos fundamentados “de baixo para cima”. História de vida Lewis (1961, 1965); Langness (1965); Bertaux (1981) Coleta e narra a história de vida de uma pessoa, capturando seus pontos de virada e temas importantes. Investigação narrativa Riessman (1993, 2008); Chase (2005); Connelly & Clandinin (2006); Murray (2009) Constrói uma representação narrativa dos resultados obtidos em um ambiente real e dos participantes, para acentuar a sensação de “estar lá”. Estudo de observador- participante Becker (1958); Spradley (1980); Tedlock (1991) Conduz pesquisa de campo em que o pesquisador se coloca no ambiente real que está sendo estudado. Estudo fenomenológico Husserl (1970); Schutz (1970); Van Manen (1990); Moustakas (1994); Giorgi & Giorgi (2009) Estuda eventos humanos enquanto são imediatamente vivenciados em ambientes reais, evitando categorias e conceitos prévios que poderiam distorcer a base experiencial para compreender os eventos. Você precisa ser sensível a essas variações, mas não precisa escolher entre elas se não quiser. Sua sensibilidade precisa sobretudo reconhecer sua numerosidade. Por exemplo, além das 10 variedades listadas na Tabela 1.1, outr as incluem a autoetnografia (p. ex., Jones, 2005); análise conversacional (p. ex., Drew, 2009); análise do discurso (p. ex., Bloome & Clark, 2006; Willig, 2009); etnografia da performance (p. ex., Denzin, 2003); e interacionismo simbólico (p. ex., Blumer, 1969; Mead, 1934). Portanto, você deve apreciar e estar consciente da probabilidade de que os artigos encontrados em diferentes revistas de pesquisa qualitativa – tais como Action Research, Narrative I nquiry (anteriormente o Journal of Narrative and Life History) e o Journal of Contemporary Ethnography, para ci tar alguns – tendem a favorecer diferentes variações e consequentemente diferem em suas orientações de pesquisa. Alguns estudiosos (p. ex., Grbich, 2007; Rex, Steadman, & Graciano, 2006) também identificaram diferentes pref erências analíticas para acompanhar as diferentes variações. Apesar disso, as qualidades comuns que distinguem a pesquisa qualitativa em todas essas variações também per sistiram e tornaram-se mais reconhecidas. Independentemente de qualquer variação em particular, praticamente to da pesquisa qualitativa parece seguir a maioria, se não todas as cinco características da pesquisa qualitativa descrit as anteriormente. Na verdade, estudos consistentes, se não exemplares, podem ser conduzidos com o rótulo geral d e “pesquisa qualitativa” ou “estudo de campo”, sem recorrer a nenhuma dessas variações. É interessante que esse tipo de pesquisa qualitativa generalizada aparece com regularidade nos principais periód icos acadêmicos e editoras universitárias. Por exemplo, duas revistas de destaque em sociologia cobrem todas as c orrentes de pesquisa sociológica. Ambas dedicaram considerável espaço a uma variedade de estudos qualitativos ( p. ex., Auyero & Swistun, 2008; Cable, Shriver, & Mix, 2008; Davis & Robinson, 2009; Madsen, 2009; Moore, 2 008; Read & Oselin, 2008; Rivera, 2008). Citações semelhantes podem ser encontradas em outras disciplinas acadêmicas e profissões – cujos principais p eriódicos também fornecem todos os tipos de pesquisa, não apenas pesquisa qualitativa (como exemplos, ver Saud er, 2008, em ciências da administração, e Sack, 2008, em formação de professores). Da mesma forma, editoras uni versitárias publicam muitos estudos qualitativos que presumem as características mais gerais da pesquisa qualitati va e não se encaixam em nenhuma variante em particular. Portanto, em vez de se sentir forçado a escolher uma das variações como base para um estudo qualitativo, você pode exercitar uma opção viável conduzindo uma pesquisa qualitativa de uma forma generalizada. Você pode sim plesmente declarar – como nos artigos dos periódicos recém citados – que você está apresentando um estudo de pe squisa qualitativa, sem referência a nenhuma das variantes. Observe que seguir a forma generalizada de pesquisa q ualitativa não implica uma metodologia rígida. O delineamento de seu estudo (ver Cap. 4), os métodos de coleta d e dados (ver Cap. 6) e as opções de análise quanto a “codificar” seus dados ou não (ver Cap. 8), tudo isso envolve um conjunto de escolhas que você deve fazer. Estratégias de mediação A mediação no mosaico de orientações e metodologias pode ser feita de duas maneiras. Ambas vão ajudar-lhe a pr osseguir com seu estudo qualitativo, quer você planeje seguir uma das variações ou conduzir uma forma generaliz ada de pesquisa qualitativa. Seguindo a primeira maneira, você pode reconhecer explicitamente as escolhas metodológicas antecipadamente e depois indicar sua sensibilidade a respeito de suas oportunidades, limitações e fundamentos filosóficos. O proces so seria semelhante ao que Grbich (2007, p. 17) descreveu como reconhecer a localização epistemológica de seu e studo – ou seja, as suposições filosóficas que você faz sobre os modos de saber o que você sabe. Sua localização e pistemológica poderia ser um dos extremos criados pela escolha de uma combinação de dimensões relativista-reali sta e única-não única. Entretanto, a localização também poderia estar em qualquer ponto intermediário, representa ndo o “terreno intermediário viável” como reconhecido por Gubrium e Holstein (1998). Por exemplo, você pode expressar e defender sua intenção de fazer um estudo de caso porque ele represe nta um caso único, que merece ser estudado por seu próprio mérito. Embora se trate de uma situação parti cular, o caso ainda pode trazer revelações incomuns que justificam seu estudo. Robert Stake (1995, p. 8; 2 005) chamou esses de estudos de caso intrínsecos.5 Por outro lado, você pode afirmar que seu estudo de caso não somente apresenta uma determinada situação como pretende informar outras situações ou casos, e Stake chama esses de estudos de caso instrumentais (p. 3). Tendo declarado sua localização epistemológica, você então indicaria como o delineamento de seu estudo e a seleção de seus procedimentos de pesquisa refletiram a localização declarada – em parte citando outros estudos que haviam feito escolhas semelhantes e tinham expressado suas apropriadas precauções. Você poderia inclusive adotar “vozes” narrativas ao relatar seu trabalho, novamente observando antecipadamente por que você escolheu uma determinada voz. Por exemplo, John van Maanen (1988; ver também Quadro 11.3) faz distinção entre uma voz em terceira p essoa, impassível (história realista), uma voz em primeira pessoa participativa que reconhece abertamente o papel do pesquisador no campo (histórias confessionais), e uma narração que procura situar o leitor no meio da uma situação de trabalho de campo, como se fosse para revivê-la (história impressionista). As diferentes vozes acomodariam e complementariam sua localização epistemológica Seguindo-se uma segunda estratégia de mediação, uma maneira alternativa e igualmente viável de lidar com o mosaico é presumir que “todos os tipos de investigação, na medida em que o objetivo é chegar a conclusões veros símeis, [possuem] uma semelhança epistemológica subjacente” (Phillips, 1990b, p. 35, grifo nosso). Tal semelhan ça pode subjazer toda pesquisa qualitativa, independentemente das vozes, variantes, ou personalização dentro do mosaico. O objetivo principal – fazer pesquisa qualitativa verossímil e confiável – representa o esforço comum, e por isso a próxima seção é totalmente dedicada a essa segunda alternativa. D. INCORPORANDO CONFIANÇA E CREDIBILIDADE NA PESQUISA QUA LITATIVA O que você deve aprender nesta seção: 1. Três objetivos para construir a confiança e a credibilidade de um estudo qualitativo. Transparência O primeiro objetivo para construir confiança e credibilidade é que a pesquisa qualitativa seja feita de uma maneira publicamente acessível. Para usar um termo que ganhou popularidade no século XXI, os procedimentos de pesqui sa devem ser transparentes. Esse primeiro objetivo significa que você deve descrever e documentar seus procedimentos de pesquisa qualita tiva para que outras pessoas possam analisar e tentar compreendê-los. Todos os dados também precisam estar disp oníveis para inspeção. A ideia geral é que outros devem ser capazes de examinar detalhadamente seu trabalho e as evidências usadas para respaldar seus resultados e conclusões. O exame pode resultar em críticas, apoio, ou aperfe içoamento. Além disso, qualquer pessoa, seja um amigo, um colega, ou um participante de seu estudo de pesquisa qualitativa, deve ser capaz de empreender tal exame. Dessa forma, o estudo final deve ser capaz de resistir a um e xame profundo de outras pessoas (p. ex., Yardley, 2009, p. 243-250). Metodicidade Um segundo objetivo do ofício é fazer pesquisa qualitativa metodicamente. É preciso haver espaço adequado para a descoberta e consideração de eventos imprevistos. Entretanto, ser metódico significa seguir algum conjunto orde nado de procedimentos de pesquisa e minimizar trabalho extravagante ou descuidado – quer um estudo seja basea do em um delineamento de pesquisa explicitamente definido ou em uma rotina de campo mais informal, mas, não obstante, rigorosa. Ser metódico também inclui evitar viés não explicado ou deliberada distorção na realização da pesquisa. Finalmente, ser metódico também significa conferir um senso de completude a uma iniciativa de pesquis a, além de verificar os procedimentos e dados de um estudo. Eisenhart (2006) discutiu modos relacionados que podem ser usados para atender o objetivo de metodicidade. P or exemplo, ela nota que as descrições do trabalho de campo devem mostrar que um pesquisador estava “real e ple namente presente – física, cognitiva e emocionalmente – nas cenas de ação em estudo” (Eisenhart, 2006, p. 574). Os objetivos dela dizem respeito à pesquisa qualitativa, mas eles podem ter contrapartidas em outros tipos de pesq uisa em ciências sociais. Uma contrapartida na pesquisa experimental poderia ser o controle de qualidade exercido como parte dos procedimentos de coleta de dados do experimentador, abordando especialmente o perigo de “efeit os do experimentador” (Rosenthal, 1966). Eisenhart também encoraja os pesquisadores qualitativos a demonstrar que os dados e as interpretações são pre cisos de algum ponto de vista [ênfase minha], o que leva especialmente a uma sensibilidade sobre a necessidade d e relatar, de uma maneira autorreflexiva, a suposta interação entre o posicionamento do pesquisador (como um ins trumento de pesquisa) e os eventos e participantes no campo (p. 575-579). Especialmente relevante no registro de tal autorreflexividade pode ser um diário do pesquisador, o qual “contém um registro das experiências, ideias, med os, erros, confusões, avanços e problemas que aparecem” (Spradley, 1979, p. 76). Deve-se observar novamente qu e, como contrapartida, pesquisadores exemplares que fazem pesquisa não qualitativa também mantêm esse tipo de diário, geralmente na forma de um caderno formalmente organizado. Fidelidade às evidências Um último objetivo é que a pesquisa qualitativa seja baseada em um conjunto explícito de evidências. Para muitos estudos, especialmente aqueles nos quais o objetivo é fazer os participantes descreverem seus próprios processos d e tomada de decisão, as evidências consistirão da real linguagem dos participantes, bem como do contexto em que a linguagem é expressa (Van Manen, 1990, p. 38; Willig, 2009, p. 162). Nessas situações, a linguagem é valorizad a como a representação da realidade. Tal definição difere de muitas outras situações, enfatizadas ao longo deste liv ro, nas quais os estudos são dominantemente relacionados ao comportamento das pessoas. Nesta última circunstân cia, as palavras dos participantes são vistas como “autorrelatos” sobre seu comportamento. As palavras não podem ser aceitas literalmente, mas requerem corroboração adicional, por exemplo, para determinar se o comportamento realmente ocorreu ou não. Independentemente do tipo de dados que estão sendo coletados, as conclusões de um estudo devem ser tiradas c om base nesses dados. Se há múltiplas perspectivas, Anderson-Levitt (2006, p. 289) observa que a análise pode si gnificar extrair um sentido de cada perspectiva e também testar as evidências de consistência entre as diferentes fo ntes – fazendo esforços deliberados para encontrar casos contrários para reforçar ainda mais os resultados. O objetivo de evidenciar é perseguido em todo este livro. O objetivo se reflete no uso do termo pesquisa empíri ca, também usado em todo o livro.6 A meta é basear as conclusões em dados coletados e analisados com imparcialidade. Ao longo do livro também existem numerosas ilustrações de estudos qualitativos já publicados, tomando a forma de Quadros ou pequenas inserções dentro do texto. Os trabalhos específicos incluem trabalhos metodológicos relevantes, não apenas estudos individuais, especialmente no que se refere a compor e apresentar pesquisa qualitativa (ver Caps. 10 e 11). O livro se assenta, pois, em uma plataforma indutiva, derivando muitas das práticas de pesquisa preferenciais dos modos como a pesquisa qualitativa já foi executada com sucesso. Em certo sentido, os estudos ilustrativos representam os “dados” para o livro, de modo que o livro se engaja em sua própria busca de evidências. Estudos ilustrativos apresentados no restante deste livro A plataforma indutiva parece corresponder bem ao espírito de todo o empreendimento de pesquisa qualitativa. As ideias valiosas produzidas pela pesquisa qualitativa tendem a seguir uma abordagem de “baixo para cima”, na qual processos ou eventos específicos guiam o desenvolvimento de conceitos mais amplos, não o inverso. Além dos Quadros e inserções, quatro séries ou discussões específicas ilustram adicionalmente a plataforma. A primeira dirige a atenção ao valor de criar um “banco de estudos” (Cap. 3, item A). A segunda lista um grande número de estudos qualitativos com seus principais tópicos e níveis de unidades de coleta de dados (Cap. 4, Opção 3). A terceira disseca os sumários de estudos individuais para mostrar suas estruturas analíticas gerais (Cap. 9, item B). E a quarta ocorre por meio do uso de dois exemplos específicos: o Exemplo de Estudo 1 percorre a parte mais difícil da pesquisa qualitativa – analisar os dados qualitativos – nos Capítulos 8 e 9; e o Exemplo de Estudo 2 ilustra a pesquisa com metodologia mista no Capítulo 12. A abordagem indutiva ajuda a mostrar um outro aspecto do mosaico da pesquisa qualitativa – sua diversidade na representação de numerosas disciplinas acadêmicas e profissões. Os Quadros e exemplos ilustrativos vêm de campos como sociologia, antropologia, psicologia,ciência política, ciência da administração, trabalho social, saúde pública, educação e avaliação de programas. Qualquer que seja a disciplina acadêmica, os estudos também podem abordar questões importantes da política pública dos Estados Unidos (ver “Pesquisa qualitativa abordando uma importante mudança política dos Estados Unidos”, Quadro 1.5). Pesquisa qualitativa abordando uma importante mudança política dos Estados Unidos Durante a última parte do século XX, nenhuma questão nacional atraiu mais atenção do que o grande número de pessoas vivendo de assistência social. Depois de anos de controvérsia, o governo dos Estados Unidos aprovou leis de “reforma previdenciária” em 1996. Uma vez que o grande número de pessoas vivendo da assistência social torna possível uma análise e statística do tema, estudos quantitativos dominaram a pesquisa em previdência social. Em contraste, Sharon Hays (2003) mostra como a pesquisa qualitativa pode contribuir com revelações profundas so bre os universos dos beneficiários e funcionários da previdência social. Seu estudo se concentra nos postos da previdência em duas cidades, e a pesquisadora apresenta ext ensos dados de campo que revelam como os beneficiários chegaram a suas situações e como foram t ratados pelo sistema previdenciário. Mais importante, seus dados de entrevista apresentam a trajetória das vidas das pessoas (antes, durante e depois do benefício) – uma história que somente a pesquisa qualitativa pode contar. Hayes também apresenta suas práticas metodológicas de uma forma alternativa. O livro não tem uma seção de metodologia separada. Em vez disso, os procedimentos e condições aparecem em diversos lugares no texto e de vez em quando no meio de um conjunto extenso de notas de rodapé (p. ex., p. 1 40-141, 244-245, e 251). Muitos estudos conduzidos por escritores profissionais ou por jornalistas foram excluídos de consideração. Embora seus trabalhos frequentemente sejam apresentados de maneira qualitativa e abordem temas salientes, a maioria não inclui uma discussão de suas metodologias, seja em seções separadas do texto ou em notas de rodapé. Não está claro se esses trabalhos de fato tentaram emular as práticas de pesquisa enfatizadas pelo presente livro, e por isso eles não foram incluídos nas vinhetas ou exemplos. O propósito deste livro é, portanto, não apenas apresentar uma série completa de procedimentos para praticar pesquisa qualitativa, mas também dar acesso imediato aos exemplos específicos para sua futura referência. Para melhor aproveitar essa oportunidade, o livro presume que os leitores podem variar de pesquisadores altamente a menos experientes, mas que nenhum é novato. Em outras palavras, você pode estar fazendo pesquisa qualitativa pela primeira vez, mas você já deve ter uma base para saber como funciona a pesquisa em ciências sociais e para adotar um olhar crítico na leitura dos estudos de pesquisa publicados. Como nota final, as práticas abordadas no restante deste livro são apresentadas do ângulo de que você realmente encontrou boas razões para fazer pesquisa qualitativa – em resposta à primeira frase deste capítulo. Portanto, a orientação prática pressupõe constantemente a existência de um estudo hipotético planejado ou em andamento. Este pode fazer parte de um assunto mais amplo (p. ex., ver “Quinze anos de etnografia em uma comunidade mexicana”, Quadro 1.6), mas também pode ser concluí do em um período de tempo de um ano. Além disso, espera-se que a orientação seja relevante quer o estudo seja feito com seus próprios recursos, quer como parte de um projeto de pesquisa patrocinado. Quinze anos de etnografia em uma comunidade mexicana Às vezes, estudos qualitativos podem levar bastante tempo. Robert Courtney Smith (2006) estudou a migração de Ticuani – uma pequena localidade no México – para a cidade de Nova Iorque durante um período de 15 anos. O trabalho de campo de Smith se iniciou no verão de 1988 e depois incluiu “cinco ou seis viagens com duração de uma semana cada [para o México], de 1991 a 1993, enquanto [também] fazia etnografia em Nova Iorque” (2006, p. 5). Ele manteve contato com seus principais informantes durante os quatro anos seguintes, seguido por um “segundo período de intenso trabalho de campo, de 1997 a 2002” (p. 5). Um benefício de realizar um estudo durante esse período prolongado foi a capacidade de Smith de estudar não apenas a primeira, mas também a segunda geração de imigrantes. De sua experiência de pesquisa, Smith escreve que ele “pôde obter uma melhor compreensão vendo como as coisas se revelaram no final” (2006, p. 358). Fonte: Smith (2006). Supondo que você esteja interessado em fazer pesquisa qualitativa, alguns lembretes são necessários sobre as qualidades e competências pessoais que vão lhe ajudar a fazer tal pesquisa, e essas são o tema do próximo capítulo. Termos, expressões e conceitos que agora você é capaz de definir: 1. Participantes de um estudo qualitativo 2. Condições contextuais 3. Múltiplas fontes de evidência 4. Reflexividade 5. Êmico-ético 6. Etnografia naturalista 7. Descrição densa 8. A construção de descrições do trabalho de campo 9. O pesquisador de campo como principal instrumento de pesquisa 10. Tipo relativista versus realista de investigação 11. Estudos fenomenológicos 12. Variações formalmente reconhecidas de pesquisa qualitativa 13. Localização epistemológica em contraste com semelhança epistemológica 14. Transparência 15. Metodicidade 16. Pesquisa empírica Escreva uma descrição autobiográfica de três páginas (em espaço duplo), como se ela fosse aparecer como esboço autobiográfico em algum livro ou artigo que você posteriormente vai publicar. Redija todo o esboço de uma maneira promocional – como se você tivesse a expectativa de ganhar alguma verba ou bolsa de pesquisa para apoiar sua iniciativa de fazer pesquisa qualitativa. Reescreva todo o esboço ao menos uma vez, para tornar o texto o mais apresentável e comunicativo possível. O esboço deve se iniciar com a declaração de sua experiência passada com qualquer tipo de pesquisa empírica. Se fo r o caso, identifique o tipo de pesquisa (quer em ciências sociais ou não), o principal tema estudado e os métodos d e coleta de dados usados. Se você não realizou tal pesquisa, escreva sobre seu interesse e motivação para fazer pesqu isa empírica. Seja como for (p. ex., ter feito pesquisa empírica ou não), agora cite algumas de suas experiências-chave (p. ex., cursos realizados, trabalhos de graduação escritos ou professores inspiradores) que o levaram a seu presente nível de realizações ou interesse em fazer pesquisa qualitativa. (Procure evitar repetir exper iências que posteriormente aparecerão em sua autobiografia como parte do exercício para os Caps. 8 e 9 .) Considere a possibilidade de familiarizar-se com alguns dos estudos citados no Capítulo 1 e usá-los co mo exemplos cujas características talvez você queira emular. NOTAS 1. História oral (Yow, 1994) é um tipo mais contemporâneo de história, que pode capturar eventos em andamento. Assim, a história oral se enquadra tanto em investigação histórica clássica quanto em investigação qualitativa. De forma semelhante, esta breve alusão a outros tipos de investigação em ciências sociais não pretende passar a impressão de que há uma distinção nítida entre os tipos de pesquisa. Elas podem se sobrepor de uma forma ou outra, muito embora ainda possuam algumas características essenciais que as diferenciam. 2. A literatura qualitativa também usa o termo alternativo “membros”. Entretanto, a afiliação de um participante a um estudo qualitativo não é necessariamente forte para justificar tal termo. A maioria dos pesquisadores qualitativos também rejeitaria outra alternativa, de rotular um participante como um “sujeito” de estudo. Consequentemente, usar o rótulo “participantes” parece ser a melhor alternativa. 3. N. de R.T.: Neste livro, o termo em inglês survey foi traduzido como “pesquisa de levantamento”. 4. Creswell (2007, p. 5), por exemplo, coloca esta questãoe a apresenta como fundamento lógico para orientar as pessoas a fazerem estudos que enfatizem uma de cinco variações de pesquisa qualitativa: pesquisa narrativa, fenomenologia, teoria fundamentada, etnografia e estudo de caso. Ele admite ser incapaz de abordar outras variações, tais como pesquisa-ação (p. 11). 5. Rolls (2005), cujo livro consiste de uma compilação de 16 estudos de casos famosos na psicologia (p. ex., o caso sobre transtorno de múltipla personalidade, conhecido como As três faces de Eva), afirma a mesma coisa da seguinte maneira: “Mas nós sempre temos que descobrir verdades universais do comportamento? Às vezes, certamente, é suficiente explorar a vida de um indivíduo excepcional” (p. 2). Na história, a realização de biografias segue uma motivação semelhante. 6. Entretanto, o uso deste termo não deve ser confundido com um termo que parece semelhante, a visão empirista de como todo conhecimento humano é criado. Este último faz parte de um debate filosófico muito mais antigo, emanando dos textos de John Locke e Immanuel Kant, sobre se tal conhecimento resulta apenas das experiências de aprendizado, ou se os seres humanos já nascem com algum conhecimento inato, tal como a capacidade de perceber e produzir linguagem. O objetivo de basear-se em evidências, perseguido neste livro, refere-se à realização de um estudo investigativo, não aos processos (empiristas ou inatos) por meio dos quais os seres humanos acumulam conhecimento. 2 Equipando-se para fazer pesquisa qualitativa Certas competências pessoais, incluindo a capacidade de administrar pesquisa de campo, também ser ão importantes para fazer pesquisa qualitativa. Primordial entre as competências é ser capaz de “escut ar” de maneira multimodal, e ao mesmo tempo saber fazer boas perguntas. Este capítulo trata dessas e de diversas outras competências. Ele também discute modos de praticar procedimentos de pesquisa antes de eles serem empregados em um estudo real, contribuindo ainda mais para a preparação de u m pesquisador. Como tema relacionado, e ao fazer qualquer pesquisa, um traço-chave é manter um código de ética. Associações profissionais de ciências sociais definiram códigos específicos que levarão à desejada int egridade de pesquisa, e o presente capítulo sintetiza e discute esses códigos. Finalmente, associado à ética de fazer pesquisa existe um procedimento formal mediante o qual estudos prospectivos precisam obter aprovação de uma comissão institucional de ética. O capítulo é concluído descrevendo-se o proc edimento e alguns de seus desafios ao buscar-se aprovação para um estudo de pesquisa qualitativa. Fazer pesquisa qualitativa é difícil. Você precisa ter uma mente incisiva e manter uma atitude coerente frente ao tr abalho. Os temas de investigação não se enquadram em limites nítidos ou conhecidos, e sempre há surpresas. Alé m disso, o papel do pesquisador como instrumento básico de pesquisa apresenta desafios críticos. Consequentemente, as pessoas que fazem pesquisa qualitativa precisam possuir certas qualidades para serem be m-sucedidas. Este capítulo discute essas qualidades. Mesmo que você já possua todas ou a maioria delas, uma leit ura rápida e atenta deste capítulo pode proporcionar uma proveitosa revisão. A. COMPETÊNCIAS AO FAZER PESQUISA QUALITATIVA O que você deve aprender nesta seção: 1. Seis competências gerais, que transcendem às necessárias habilidades técnicas, para fazer boa pesqui sa qualitativa. 2. As situações de pesquisa que acarretam a necessidade dessas competências. Usar os procedimentos de pesquisa descritos no restante deste livro exige que você tenha certas habilidades técnic as. Entretanto, estas não são as competências abordadas na presente seção. Em vez disso, ela trata de seis habilida des gerais que precisam fazer parte de sua persona como pesquisador: “escutar”, fazer boas perguntas, conhecer se u tema de estudo, cuidar de seus dados, executar tarefas paralelas e perseverar. Essas habilidades transcendem sua s habilidades técnicas específicas e neste sentido podem ser mais fundamentais do que quaisquer habilidades técni cas específicas. Em certa medida, você já tem a maioria ou todas as seis habilidades. Seu desafio é aumentar o nível, para que v ocê possa desenvolvê-las e praticá-las a um grau exemplar. Treinamento, autotreinamento e inspiração no exempl o de pesquisadores respeitados, que possam servir de mentores ou modelos, são modos de aumentar suas capacida des. “Escutar” Esta habilidade assume muitas formas. Ela vai além de seu senso de audição e convoca todos os seus sentidos, inc lusive suas intuições. Por exemplo, a “escuta” pode iniciar quando você avalia um grupo de pessoas – por exempl o, seu humor e esperada cordialidade ou altivez quando você começa a encontrar-se com elas. De modo semelhant e, quando você conversa com outras pessoas, observando sua linguagem corporal ou entonações, pode ser tão imp ortante quanto escutar as palavras que elas falam. Finalmente, escutar as palavras ditas pelas pessoas, em contrapo sição a dominar as conversas com suas próprias palavras, pode produzir revelações interessantes sobre os pensame ntos das pessoas a respeito do que está acontecendo. A desejada competência aqui é ser capaz de captar grandes quantidades de informação sobre seu ambiente, espe cialmente sobre as pessoas em seu ambiente. A captação pode ser explícita ou inferencial. Frases cotidianas, tais c omo “ler nas entrelinhas” (de um documento) ou “escutar nas entrelinhas” (das palavras ditas por outra pessoa), sã o relevantes para esse tipo de escuta. Assim, pesquisadores de campo que fazem pesquisa qualitativa precisam se mpre suspeitar da existência de algo nas entrelinhas que pode revelar os motivos, intenções, ou significados mais profundos dos participantes. Quanto mais você for capaz de ouvir esses sinais, melhor será seu trabalho de campo. A “escuta” também tem um modo visual específico. Ela assume a forma de ser observador. A competência se in icia com alguns simples atributos físicos. Por exemplo, você deve saber da estreiteza ou amplitude de sua visão pe riférica, e se, sem virar sua cabeça, você percebe alguma coisa acontecendo do outro lado da rua com a mesma pro ntidão que uma pessoa que estivesse caminhando ao seu lado. Você também deve saber com que eficiência você é capaz de esquadrinhar uma multidão para localizar uma determinada pessoa ou objeto. Esses atributos físicos entã o se aliam a sua atenção a sinais visuais, especialmente aqueles que se referem aos gestos, linguagem corporal e p ostura física – e ajudam a construir sua capacidade de ser observador. Ser observador inclui a capacidade de examinar seu ambiente físico, não apenas social. Os símbolos de prestígi o em um consultório médico, a exibição dos trabalhos dos alunos de uma escola e a boa condição física ou deterio ração de um bairro, tudo isso pode transmitir informações significativas se seu estudo cobrir um ou mais desses a mbientes. Por exemplo, um estudo de campo do aprendizado de leitura constatou que ambientes públicos de bairros de baixa renda possuíam menos sinais públicos e letreiros do que os de bairros de renda média (Neuman & Celano, 2001). O estudo afirmou que, juntamente com a ausência de bibliotecas públicas e os currículos de leitura empobr ecidos oferecidos nas escolas dos bairros de baixa renda, a escassez de tais informações visuais nas ruas e em outros espaços públicos reforçava um ambiente indesejável de baixa capacidade de leitura. Você também pode escutar outras características do ambiente social que não se baseiam totalmente em indicad ores visuais. Estes incluem o “tempo” e o “ritmo” de um ambiente, agitações sociais, o tom e entonação de conver sações e a tensão geral que parece estar no ar. Você pode não ser capaz de medir essas características com qualque r precisão, mas ignorá-las pode também não ser uma boa ideia. Fazer boas perguntas Embora muitos dados de pesquisa virão da escuta, muitos também virão como consequência de fazer boaspergunt as. Sem boas perguntas, você corre o risco de coletar muitas informações irrelevantes e ao mesmo tempo não colet ar informações cruciais. Assim, ainda que seja desejável ser um bom ouvinte, isso não significa se apresentar com o uma pessoa totalmente passiva em qualquer ambiente. Isso tampouco significa que você deve esperar não dizer nada além de um repetido “um-hum” em uma entrevista. Você também precisa fazer boas perguntas. Se você realmente tem talento para fazer boas perguntas, você vai perceber certa dificuldade para desligar este t alento. Por exemplo, quando você está entrevistando participantes em um modo conversacional comum em pesqui sa qualitativa, mas você também quer manter a polidez, você se verá suprimindo seu impulso de fazer muitas perg untas, por medo de interromper os participantes ou, pior, direcionar suas palavras. Entretanto, terminada a entrevis ta, o talento reaparece quando você sente a frustração de agora ter-se lembrado de outra linha de perguntas que vo cê deixou de fazer. De maneira semelhante, imagine ler um texto relacionado a seu tema de estudo. O talento para fazer boas pergu ntas estará refletido em sua tendência de fazer perguntas a si mesmo durante a leitura. As perguntas podem se refe rir ao conteúdo do texto, mas também podem dirigir sua atenção à precisão e credibilidade do relato. Enquanto lê o texto, você também pode evocar perguntas sobre a relação entre o relato e as outras fontes de informação que vo cê vem consultando como parte de sua coleta de dados. Todas essas perguntas levarão a dois tipos de apontamento s feitos durante a leitura: notas sobre a leitura e notas que refletem essas perguntas. Uma mente questionadora aparece nas pessoas que fazem uma série de perguntas – as respostas a um conjunto de perguntas rapidamente levando a outras perguntas. Em contraste, você pode reparar que algumas pessoas passa m grande parte do tempo falando sobre suas próprias experiências e expressando suas próprias opiniões em vez de fazer perguntas. Se você tende a ser este segundo tipo de pessoa, você pode ter dificuldade para fazer boa pesquisa qualitativa. Conhecer seu tema de estudo Importante entre as competências esperadas é o conhecimento de seu próprio tema de pesquisa. Muitas pessoas pe nsam que, ao fazer pesquisa qualitativa, tal conhecimento gira em torno de ter uma noção do ambiente de campo e dos participantes de seu estudo. Estas pessoas ignoram o fato de que seu tema de estudo escolhido provavelmente já terá sido o tema de estudos anteriores. Neste sentido, saber sobre seu tema de estudo exige que você saiba sobre os resultados de pesquisa anterior sobre o assunto, não apenas o ambiente de campo e os participantes previstos. Ter conhecimento suficiente exige que você vá em busca desses outros estudos e aprenda sobre eles, incluindo s uas metodologias. Seu objetivo é evitar repetição ou reinvenção inadvertida. Você pode até ficar sabendo sobre al gum procedimento de pesquisa que vale a pena imitar em seu próprio estudo. Da mesma forma, revelações de estu dos anteriores também ajudarão a reduzir a possibilidade de você interpretar erroneamente seus próprios dados. Fazer uma revisão seletiva, se não abrangente, da literatura (ver Cap. 3, item B) seria uma forma de aprender so bre estudos anteriores. Você precisa acessar tais estudos, lê-los e familiarizar-se com as questões importantes relac ionadas ao seu tema de estudo. Você pode trazer a revisão para mais perto de casa acessando artigos recentes, tese s e dissertações, e apresentações públicas feitas por colegas de sua própria universidade ou instituição de pesquisa. Por exemplo, você iria querer saber rapidamente se um colega em seu próprio departamento acadêmico ou organiz ação tinha completado um estudo relacionado ao seu apenas alguns anos antes. Se, por medo de adotar categorias e conceitos prematuramente, você escolhe não fazer revisão da literatura, ma s opta por uma sequência de “trabalho de campo primeiro” (ver Cap. 3, item C), você pode ainda fazer alguma pre paração adquirindo familiaridade com seu campo de trabalho e participantes previstos. Use a internet e faça pesqui sas sobre lugares, organizações e pessoas. Leia sobre uma ampla variedade de temas na Wikipédia. Fale com as pe ssoas sobre o ambiente de campo. Embora essas informações possam não se basear em pesquisa, elas ainda podem familiarizá-lo com seu tema de uma maneira geral, contanto que você mantenha uma mente aberta e esteja prepara do para ser desencaminhado e também informado por essas fontes. Cuidar de seus dados Todo mundo provavelmente já passou ao menos uma vez pela experiência de perder inconvenientemente algum p ertence pessoal precioso. Tão valiosos quanto tais pertences, seus dados de pesquisa assumem uma condição quas e sem preço quando você está fazendo um estudo investigativo. A competência relevante envolve ter uma superse nsibilidade para reconhecer seus dados e cuidar deles. Você vai querer ser zeloso e não negligente com seus apont amentos, arquivos eletrônicos e arquivos impressos. Você vai querer manusear cuidadosamente os documentos ou artefatos que fazem parte de seus dados. Dados de pesquisa, mas especialmente dados de campo em um estudo qualitativo, exigem especial atenção e se gurança. Por exemplo, você não deve tolerar a desorganização ou desleixo com suas notas de campo. Para tomar t ais notas, você pode ter usado papéis de diferentes tamanhos ou mesmo tido que escrever em ambos os lados da m esma folha de papel – o que normalmente seria mal visto. Assim que possível, você deve colocar essas notas em o rdem ou refiná-las de outra forma como discutido no Capítulo 7. Você pode inclusive considerar fotocopiar materi ais de tamanhos irregulares, para que tudo fique do mesmo tamanho e do mesmo lado. Depois, você deve duplicar essas notas e manter uma cópia separadamente do original. Da mesma forma, toda vez que você salva notas em u m arquivo eletrônico, você deve criar um arquivo de segurança. Idealmente, o arquivo deve ser externo a qualquer computador (p. ex., usando um pendrive ou um disco rígido – HD – externo), de modo que os arquivos não esteja m ameaçados caso seu computador posteriormente sofra alguma falha de hardware ou software. Quando você faz gravações em fita, você precisa duplicar as fitas assim que puder e guardá-las separadas das versões originais. Ao manejar seus dados, todo cuidado é pouco. Alguns itens quando perdidos, como pertences pessoais, podem ser substituídos. Contudo, notas de campo não podem ser substituídas. Você não será capaz de replicar as condiçõ es exatas que produziram o conjunto original de notas. Por exemplo, imagine tentar manter a mesma conversa nov amente com um participante. A conversa não será a mesma, e o participante pode ter menos consideração por você depois que você admitiu que perdeu as anotações que continham a conversa original. Uma situação semelhante surge com dados documentais. Você deve determinar desde o início se você vai poder duplicar os documentos. Em caso negativo, ou se você não quer ter o ônus de ficar carregando muitos papéis, você vai ter que tomar notas no local. Essas notas devem receber sua maior atenção. Você pode não obter acesso aos m esmos documentos outra vez. Da mesma forma, documentos antigos ou em deterioração podem ser mais bem prot egidos colocando-os em seus envelopes ou pastas de arquivo devidamente rotulados. Executar tarefas paralelas As atividades na pesquisa qualitativa não vêm em um pacote bem amarrado. Você será constantemente desafiado a ter que desempenhar ou atentar para múltiplas tarefas, nem todas sob seu direto controle, ao mesmo tempo. Esse ambiente complexo difere do trabalho do estereotípico cientista de “bancada”, cujo desafio (e talento) pode ser co ncentrar-se intensamente em uma única exibição ou conjunto de dados, tentando resolver algum quebra-cabeça téc nico. Algumas das múltiplas tarefas já foram assinaladas. Por exemplo, você terá que saber como fazer observações de campo e tomar notas ao mesmo tempo. A dupla tarefa pode não parecer diferente de tomar notas em uma reuniã o. Entretanto, você pode ter que manter essas tarefas durante um período prolongado de tempo. A fadiga e a neces sidade de descanso podem se tornar um problema. Às vezes, assim que você inicia uma pausa e largou suas notas, algum evento inesperado no ambiente acontece, exigindo novamente sua atenção. Ao fazer trabalho de campo, vo cê pode descobrir que a única pausa ou descanso real ocorre quando você abandonou totalmente o campo e está e m um ambiente totalmente privado. Outros tipos de tarefas múltiplas ao fazer pesquisa qualitativa podem ser igualmente demandantes. Por exempl o, as relações recursivas em vez de lineares entre seu delineamento de estudo, coleta de dados e análise de dados s ão discutidas em detalhe nos Capítulos 4 a 9 deste livro. Tais relações significam que, enquanto estamos coletando dados, precisaremos simultaneamente estar pensando sobre suas implicações analíticas, em parte para determinar s e precisaremos coletar dados adicionais para confirmar ou aumentar os dados coletados. Um último exemplo. No nível mais simples de ter que desempenhar múltiplas tarefas em pesquisa qualitativa, p ense sobre a seguinte situação: ouvir a representação de um evento importante por um participante, com todos os s eus detalhes e nuances críticas refletindo um ambiente cultural diferente do seu – ao mesmo tempo mantendo uma atitude social atenta que mostre ao participante que você se importa com o que está sendo dito – e também enquan to está pensando sobre a(s) próxima(s) pergunta(s). Fique certo de que você realmente terá desenvolvido uma com petência especial depois de ter dominado tais situações. Perseverar Esta palavra pretende abranger diversas qualidades pessoais – todas de alguma forma relacionadas a uma capacida de de aderir a sua busca a despeito das inevitáveis frustrações, incertezas e mesmo fatos desagradáveis que podem os confrontar ao fazer pesquisa qualitativa. Como você está estudando acontecimentos da vida real, eles assumem seu próprio curso natural e podem alternativamente apresentar resistências e desafios imprevistos. Você também p ode ter que lidar com situações interpessoais constrangedoras ou difíceis. A competência envolve sua capacidade de avançar na pesquisa apesar de todos esses enfrentamentos. Naturalm ente, pode chegar um ponto em que o melhor a fazer é parar o estudo, e, caso você chegue a esse ponto, deve cons ultar outras pessoas, tais como colegas e consultores, antes de jogar a toalha. Entretanto, tal destino não tende a oc orrer na vasta maioria dos casos. Nesses casos, perseverar e pensar sobre como lidar com situações difíceis pode le var a estudos exemplares, tais como o estudo da vida familiar realizado por Annette Lareau (2003) e sua equipe de pesquisa (ver “Superando os desafios de fazer pesquisa de campo intensiva”, Quadro 2.1). Superando os desafios de fazer pesquisa de campo intensiva Um estudo de 12 famílias se concentrou nas “maneiras predominantemente invisíveis, mas poderosas , pelas quais a classe social dos pais impacta nas experiências de vida das crianças” (Lareau, 2003, p. 3). O estudo examinou “como as crianças passam o tempo em que estão fora da escola e... o trabalho que os pais têm para fazê-las passar o dia” (p. 263). Um pesquisador visitou o lar de cada família cerca de 20 vezes durante o período de um ano, em difer entes horas do dia. O acesso às famílias só foi obtido depois que os pesquisadores conseguiram licen ça das escolas para observar salas de aula do 3º ano, familiarizaram-se com os alunos e entrevistara m muitos pais. Somente depois dessa fase o autor tentou recrutar famílias para o trabalho de campo – um processo que foi considerado “muito estressante” (Lareau, 2003, p. 265). As observações domésticas tiveram seus próprios desafios, tais como superar o constrangimento das primeiras visitas (Lareau, 2003, p. 269). Os pesquisadores de campo também tiveram que aprender a se familiarizar e refrear-se para não intervir nas famílias “quando havia gritos, bebida, tumulto emocion al e violência física” (p. 267). O trabalho de campo compreendeu fazer refeições com as famílias, o qu e de vez em quando incluiu fingir gostar de toda a comida, mesmo itens pelos quais sentiam “intensa a versão” (p. 268). O estudo descreve esses e outros temas metodológicos de forma detalhada. Juntam ente com seus resultados importantes, o estudo não surpreendentemente recebeu prêmios de prestígi o e elogios no campo da sociologia. B. GERENCIANDO A PESQUISA DE CAMPO O que você deve aprender nesta seção: 1. A natureza extensiva do trabalho de campo e a resultante necessidade de considerá-lo como um desafio administrat ivo, não apenas técnico. 2. Os modos de preservar tempo suficiente para planejar e antecipar os próximos passos enquanto realizamos o trab alho de campo. 3. Os diferentes padrões e relações quando o trabalho de campo é conduzido por mais de uma única pessoa. Além dessas qualidades e competências pessoais, a capacidade de fazer pesquisa qualitativa inclui equipar-se para gerenciar a pesquisa de campo. Os tipos de pesquisa de campo variam. Você pode servir como um observador-participante em um ambiente da vida real (ver Cap. 5, item D). Fazer tal pesquisa exige reconhecer que, inerente à natureza do “campo”, os evento s não estão sob controle do pesquisador, nem ninguém desejaria que estivessem. Consequentemente, o desafio de administrar a pesquisa de campo é alcançar algum grau de metodicidade – mas evitar intrometer-se no que está ac ontecendo e ser capaz de tolerar níveis de incerteza ocasionalmente altos. Por outro lado, podemos conduzir um estudo qualitativo que depende predominantemente, se não exclusivamen te, de conduzir uma série de entrevistas abertas (ver “Um estudo qualitativo baseado unicamente em entrevistas ab ertas”, Quadro 2.2.). Observe que tais entrevistas provavelmente diferirão das partes abertas de estudos de levanta mento. Um estudo qualitativo baseado unicamente em entrevistas abertas O “campo” em pesquisa qualitativa não precisa ser sempre o objeto das observações ou interações pe ssoais de um pesquisador. Muitos estudos qualitativos podem ser baseados exclusivamente em um co njunto de entrevistas abertas. O que os torna estudos qualitativos é que estão interessados nas palavr as e ideias dos entrevistados, não na ordenação numérica das respostas. Tal estudo foi feito por Kathleen Bogle (2008), que analisou as relações casuais (o “ficar”) no campus, entrevistando 76 pessoas (alunos e ex-alunos) de duas faculdades. Cada entrevista durou de 1 a 1 ho ra e meia e foi gravada, com as devidas garantias de anonimato (p. 188). O estudo então apresenta uma numerosa seleção de diálogos (adaptados como scripts de cinema) en tre Bogle e os entrevistados. Cada diálogo ilustra um tema importante, revelando tanto as informações quanto o ponto de vista do entrevistado sobre o assunto. Os diálogos, assim, formam os reais dados p ara todo o estudo. Ver também Quadro 11.5. Em pesquisa qualitativa, as entrevistas geralmente assumem um modo conversacional (abordado mais detalhad amente no Cap. 6, item B). Em uma única entrevista, esse modo pode continuar por um período mais extenso, tal c omo 2 horas. O objetivo é encorajar os participantes a dispor de tempo e oportunidade para reconstruir suas própri as experiências e realidade em suas próprias palavras. Assim, a entrevista não pode se basear apenas em um questi onário criado pelo pesquisador. Para muitos estudos, a mesma pessoa pode ser entrevistada dessa forma em três oc asiões separadas: a primeira entrevista poderia cobrir a história de vida do participante; a segunda, os eventos envo lvidos no tema de estudo; e a terceira poderia abranger as reflexões do participante sobre o significado de suas exp eriências (Seidman, 2006, p. 15-19). Gerenciar o trabalho de campo em um estudo de entrevista desse tipo envolverá recrutar participantese encontr ar lugares para fazer as entrevistas. Os locais desejados são espaços prontamente convenientes para cada participa nte (p. ex., normalmente, a casa de um participante, dependendo da natureza do estudo). Menos desejável é fazer o participante se deslocar para um espaço conveniente ao pesquisador (p. ex., o escritório do pesquisador). Esses desafios administrativos são depois combinados em muitos estudos qualitativos, que podem consistir de f azer tanto observação participante quanto entrevistas extensas, não apenas um ou o outro. Criar tempo para pensar no futuro Ser organizado nessas circunstâncias exige uma postura paradoxal. Vamos querer ser capazes de seguir o fluxo nat ural dos eventos no campo, mas também devemos ter certeza de que estamos preparados para acompanhar esse flu xo. Nesse aspecto, um conhecido consultor administrativo e autor recordista de vendas, Stephen Covey, há muito te mpo definiu uma matriz de 2x2 cobrindo todos os tipos de trabalho, não apenas o trabalho de campo. Entretanto, a matriz apresenta revelações que na verdade parecem ser especialmente úteis para compreender como gerenciar o t rabalho de campo. Ao longo de uma dimensão da matriz, as tarefas de trabalho podem ser consideradas urgentes o u não urgentes; ao longo da outra dimensão, as tarefas podem ser consideradas importantes ou não importantes (ve r Tabela 2.1). As quatro células resultantes são rotuladas Células I, II, III e IV. Matriz de gerenciamento do tempo de Stephen Covey (1989) (ligeiramente abreviada) Urgente Não urgente Importante I Crises, problemas prementes, projetos guia dos por prazos II Prevenção, planejamento, reconhecimento de novas opo rtunidades, construção de relação Não importante III Interrupções; alguns telefonemas, e-mails e reuniões; alguns relatórios IV Trivialidades, atividades improdutivas, desperdícios de te mpo, atividades agradáveis A matriz ajuda a compreender o que poderia acontecer em empregos de alta pressão. Muitas tarefas são inevitav elmente tanto urgentes quanto importantes (Célula I). As pessoas podem então agravar suas próprias situações per mitindo que tarefas não importantes tornem-se urgentes, tal como ao ignorar prazos conhecidos e depois ter que se apressar para completar uma tarefa não importante (Célula III). Covey observa que quanto mais um dia é preenchido com tarefas urgentes, maior a necessidade de revigorar as energias psíquicas, se não físicas, fazendo pausas e atividades de lazer que se enquadrariam na Célula IV. Você po de imaginar os reflexos que tal pausa no trabalho de campo teriam se fizer uma refeição sem pressa e deliberadam ente não pensar sobre o trabalho. Uma consequência desse padrão é minimizar e talvez eliminar o tempo necessário para fazer tarefas importante s, mas não urgentes (Célula II). Em outras palavras, se você permite que seu tempo no campo seja consumido pela s tarefas nas Células I, III e IV, você pode ter perdido a oportunidades de planejar, reavaliar sua situação, construir melhores relações, ou fazer as tarefas importantes na Célula II. Assim, sua preocupação com a urgência dos event os que lhe confrontam imediatamente pode acarretar sua incapacidade de antever novos eventos ou tirar vantagem de oportunidades inesperadas. A matriz, portanto, ilustra como você pode ter dificuldade para preservar tempo suficiente em campo para pens ar sobre seus próximos passos e considerar alternativas – em outras palavras, planejar. Sem tal planejamento, e co mo em sua própria vida pessoal, você não será capaz de se colocar um pouco à frente dos fatos antevendo seu próx imo movimento. Em vez disso, você estará sempre um ou mais passos atrás, constantemente tentando recuperar o t erreno perdido. Gerenciamento como parte de uma equipe de campo Na maioria dos estudos qualitativos, o trabalho de campo, seja da variante observador-participante ou entrevista, é conduzido por pesquisadores desacompanhados. Nessas condições, o principal desafio no manejo do trabalho de c ampo envolve autogestão e a capacidade de controlar a si mesmo. Entretanto, alguns estudos qualitativos deliberadamente envolvem pessoas adicionais para auxiliar no trabalho de campo. Os papéis dessas pessoas diferem. No papel menos exigente, outra pessoa pode ser convocada para servir como acompanhante do pesquisador prin cipal – acompanhando-o, mas sem realizar qualquer função formal de pesquisa. Às vezes, a necessidade pode ser de segurança pessoal – como quando uma pesquisadora deve visitar lares de rapazes para entrevistá-los à noite (p. ex., Royster, 2003). Em outras situações, a necessidade pode ter uma base cultural – como quando a realização de uma entrevista privada entre um pesquisador de um sexo com uma pessoa do sexo oposto pareceria socialmente in adequada e ameaçaria a reputação do pesquisador na comunidade que está sendo estudada (p. ex., Menjívar, 2000, p. 246-247). Papéis mais exigentes requerem que o colega seja treinado para desempenhar funções de pesquisa. Tal colega p oderia ser convocado para resolver problemas de reflexividade. Por exemplo, o pesquisador principal pode ter a pr eocupação de que uma diferença de gênero, idade, ou raça e etnicidade possa acarretar uma distorção nos resultad os de entrevista. Uma parcela das entrevistas ser conduzida por um colega que difere em alguma dimensão demog ráfica fundamental ajudaria a resolver essa preocupação (ver “Trabalho em equipe desejável para um estudo basea do em entrevistas abertas”, Quadro 2.3). Trabalho em equipe desejável para um estudo baseado em entrevistas abertas Pamela Stone (2007) conduziu um estudo sobre por que as mulheres abandonam suas carreiras para ficar em casa e cuidar de suas famílias. O estudo foi baseado em 54 entrevistas. Além de descrever a seleção dos 54 entrevistados, os ambientes de entrevista, o protocolo de entrevista e outros procedim entos, o estudo também contém uma lista de três páginas enumerando cada um dos entrevistados (co m pseudônimos) e fornecendo dados demográficos chave sobre cada um deles. Uma vez que a própria autora era mãe e trabalhava fora, e os participantes do estudo eram mães que haviam parado de trabalhar, os procedimentos também tinham que lidar com ameaças de reflexividad e. Enquanto a autora realizou 46 das 54 entrevistas, um assistente devidamente qualificado (mais jove m, mas não uma mãe que trabalha fora) foi deliberadamente incumbido de fazer as outras oito. Dessa forma, a autora pôde comparar os resultados de dois tipos diferentes de entrevistadores. O exame pro fundo de Stone posteriormente revelou “poucas diferenças entre os temas que apareceram em minhas próprias entrevistas e naquelas conduzidas por meu assistente de pesquisa” (2007, p. 251). Uma motivação completamente diferente para ter membros de equipe adicionais surge quando o âmbito do estu do é amplo demais para ser coberto por um único pesquisador. A situação típica seria aquela em que o estudo tem múltiplos ambientes de campo. Para eliminar diferenças temporais ou sazonais na coleta de dados nesses ambiente s, o trabalho de campo precisa ser conduzido durante o mesmo período de tempo. Nessa situação, o pesquisador pr incipal precisaria treinar completamente um ou mais coinvestigadores, cada um deles cobrindo um ambiente difer ente (ver “Fazendo trabalho de campo com múltiplas pessoas trabalhando em múltiplos ambientes”, Quadro 2.4). Fazendo trabalho de campo com múltiplas pessoas trabalhando em múltiplos ambientes No trabalho de campo clássico, um único investigador trabalha em um único local. Esse esquema aind a domina a maioria dos estudos de pesquisa qualitativos. Um esquema alternativo exige múltiplos investigadores para trabalharem em múltiplos locais, todos at uando em um mesmo estudo. Essa alternativa foi seguida em um estudo que abrangeu sete bairros d a cidade de Nova Iorque (Yin, 1982b). Pesquisadores de campo diferentes passaram três meses em u m bairro diferente, participando e observando a vida nas ruas e sua relação com serviços urbanos(p. ex., proteção dos bombeiros e policial, saneamento e cumprimento de leis). O maior benefício desse esquema foi a possibilidade de cobrir vários bairros, compará-los e chegar a conclusões sobre serviços urbanos de uma perspectiva das ruas. Um desafio importante do sistema fo i a necessidade de coordenar os pesquisadores de campo e treiná-los em procedimentos comuns, ma s também trocar informações sobre as condições em cada bairro que contextualizassem sua vida nas ruas e serviços urbanos característicos. Por exemplo, um bairro com um excesso de casas abandonad as produz um ambiente diferente de outro com automóveis demais e problemas crônicos de estaciona mento em faixa dupla, mas tais condições podem ser menos evidentes se um estudo for limitado a um único bairro. Ver também Quadro 11.2. A necessidade de colegas plenamente treinados também pode existir mesmo que um estudo não seja realizado e m múltiplos ambientes. Em vez disso, o estudo poderia exigir a coleta de um extenso volume de dados sobre o me smo ambiente. Na situação mais complexa, uma equipe de pesquisa inteira pode montar um escritório de campo e radicar-se ali por um ou dois anos (p. ex., Lynd & Lynd, 1929). Os dados relevantes podem não se limitar a observ ações e entrevistas de campo, mas podem envolver levantamentos, bem como acesso e exame de informações arqu ivais e documentais. De modo mais simples, todos os membros de uma equipe ainda poderiam ter que trabalhar juntos durante um p eríodo prolongado de tempo, mas não necessariamente a partir de um único escritório. A coleta de dados seria vari ada como no exemplo anterior, mas também poderia ser extensa, coletando, por exemplo, as histórias de vida de 1 50 pessoas (p. ex., ver “Organizando uma equipe de pesquisa para coletar dados de campo vastos”, Quadro 2.5). Organizando uma equipe de pesquisa para coletar dados de campo vastos Newman (1999) organizou um “grande grupo de alunos de doutorado” (p. xvi) para realizar um estudo de dois anos no Harlem, bairro de Nova Iorque. O estudo focou em trabalhadores pobres – 200 funcio nários de “quatro grandes restaurantes de fast food bem-sucedidos” (p. 36), assim como “100 pessoas malsucedidas em busca de emprego que vieram bater na porta de dois desses estabelecimentos dura nte o mesmo período” (p. 36). Ao todo, a equipe de pesquisa reuniu os seguintes dados de campo: levantamentos e entrevistas com todas as 300 pessoas, além dos gerentes e proprietários dos quatro restaurantes; as histórias de vida dessas pessoas, levando de 3 a 4 horas para completar; e dados intensivos coletados sobre 12 funcio nários de restaurantes de fast food que foram “acompanhados... bem de perto” (1999, p. 37) por quas e um ano, abrangendo suas vidas pessoais e não somente profissionais. Finalmente, os alunos de pós -graduação da equipe também trabalharam atrás dos balcões dos restaurantes durante quatro meses. Como observado por Newman, “a riqueza de dados pormenorizados que afluíram de todos os lados fo rmaram a base para esse retrato dos empregados que recebem salário mínimo no setor de fast food n a capital histórica da América Negra” (1999, p. 37). Em qualquer uma dessas últimas situações, em que colegas estão coletando dados de uma maneira coordenada, seja no mesmo ou em vários locais, surgem procedimentos de gestão de equipe cruciais. Primeiro, a equipe provav elmente quer desenvolver e usar um protocolo de campo comum, para reduzir uma indesejável variabilidade na co leta de dados (ver Cap. 4, Opção 8, para uma discussão de protocolos de campo). Segundo, a equipe vai precisar r ealizar reuniões regulares durante o período de trabalho de campo, conscienciosamente coordenando e dividindo s eu trabalho (p. ex., Lareau, 2003, p. 268). A liderança pelo(s) investigador(es) principal(is) no sentido de garantir que essas práticas ocorram adequadamente torna-se essencial. C. PRATICANDO O que você deve aprender nesta seção: 1. As implicações da pesquisa ser mais do que apenas um empreendimento acadêmico. 2. Três modos de praticar suas habilidades antes de iniciar um estudo real. Pesquisar pode ser considerado uma espécie de estudo. Em outros tempos, “fazer pesquisa” podia significar sentar -se em uma biblioteca e ficar lendo e manipulando informações. Conhecimentos de valor podiam ser obtidos com esse tipo de trabalho. Atualmente, fazer pesquisa significa também coletar ativamente novos dados, quer em um la boratório quer em um ambiente da vida real. Nesse sentido, pesquisar não é apenas uma forma de estudo. É també m uma prática. Práticas podem ser “exercitadas” e quanto mais são exercitadas, melhores tendem a ser os resultad os. Equipar-se para fazer pesquisa qualitativa praticando-a é, assim, o tema desta seção. Infelizmente, a melhor prática para fazer um estudo qualitativo é já ter feito um. Entretanto, essa lógica não aju da a compreender o que fazer antes de seu primeiro estudo qualitativo. O que você pode fazer é praticar alguns do s procedimentos de pesquisa fundamentais de maneira independente e na base da tentativa. Usando os exercícios deste livro para praticar Os exercícios deste livro apresentam alguns desses procedimentos. Possivelmente, os preferíveis seriam aqueles di retamente relacionados à coleta de dados de campo, os quais incluem cotejar duas fontes de dados diferentes (exer cício para o Cap. 6). Nessa situação, embora o exercício apenas exija que você complete um único exemplo, tal como comparar um único documento com uma entrevista de uma única pessoa, você pode fazer mais. Você poderia facilmente exami nar vários documentos, pareados com entrevistas de várias pessoas. Para tirar máximo proveito da prática, você de ve avaliar seu próprio trabalho depois de cada pareamento e decidir que mudanças ou melhorias você poderia faze r no pareamento subsequente. Para entrevistas, por exemplo, você deve com a prática ir se acostumando a escutar, fazer perguntas e tomar notas ao mesmo tempo. Idealmente, você terá desenvolvido um procedimento de rotina co m o qual se sente à vontade. Além de uma autoavaliação, fazer uma pessoa observar seu trabalho pode gerar um retorno e ser de grande ajud a. Fazendo um estudo-piloto Os estudos-piloto ajudam a testar e refinar um ou mais aspectos de um estudo final – por exemplo, seu delineamen to, procedimentos de trabalho de campo, instrumentos de coleta de dados ou planos de análise. Neste sentido, o est udo-piloto fornece outra oportunidade de praticar. As informações de um estudo-piloto podem variar dos temas logísticos (p. ex., aprender sobre o tempo em cam po necessário para aplicar certos procedimentos) até outros mais importantes (p. ex., refinar as questões de pesquis a de um estudo). Seja qual for a finalidade do estudo-piloto, os participantes dele precisam saber que estão particip ando de um estudo-piloto. Você pode ficar surpreso ao ver que eles estão mais do que dispostos a participar porqu e você pode projetar uma parte do piloto – e não necessariamente uma parte que estará presente no estudo final – p ara atender às suas necessidades. Por exemplo, os participantes podem querer um retorno de um observador externo em relação a uma questão ur gente sua. Os participantes podem até pedir que você lhes forneça um breve relatório escrito sobre aquela questão depois que o piloto esteja concluído. Concordar em fazer essas tarefas tornará mais fácil a organização do estudo- piloto. Motivando-se Aumentar as motivações para fazer um estudo qualitativo também pode ser praticado, sendo uma maneira final im portante de se equipar. Se você tem temores antes de iniciar um estudo, estímulos motivacionais serão úteis. Tais e stímulos podem provir de uma postura competitiva, como ao fixar altas expectativas para realizar seu estudo. Voc ê pode conferir estudos relacionados, ver como outros pesquisadores executaram seu trabalho em circunstâncias se melhantes e aspirar fazer melhor. Se o anseio competitivo não se aplica a você, um modo alternativo de aumentar a motivação poderiaser pensar sobre a satisfação que você vai ter fazendo pesquisa qualitativa. Lembre-se de que a pesquisa qualitativa lhe dá a o portunidade de estudar um ambiente da vida real em seus próprios termos, deste modo colocando uma ampla gam a de temas de estudo a sua disposição. Lembre-se do conhecimento a ser obtido fazendo pesquisa qualitativa. Lem bre-se das valiosas experiências de outros pesquisadores, muitos deles conhecidos em suas áreas, que realizaram p esquisa qualitativa com êxito. Finalmente, você pode ainda querer saber mais sobre pesquisa qualitativa antes de se comprometer com este em preendimento. Para ajudar-lhe, você pode pular para o Capítulo 5. Esse capítulo se concentra inteiramente na exp eriência de trabalho de campo e como você poderia empreender o trabalho de campo em um estudo de pesquisa q ualitativa. O objetivo é transpor o brilho e fascínio inicial de fazer pesquisa qualitativa, como discutido anteriorme nte (ver Cap. 1, item A), e obter uma noção realista de como é fazer trabalho de campo em pesquisa qualitativa, in cluindo os desafios que outros enfrentaram e as soluções que encontraram. Além de praticar suas habilidades de pesquisa e motivar-se antes de iniciar um estudo real, há uma qualidade pe ssoal extremamente importante que lhe equipará para fazer pesquisa qualitativa, discutida a seguir. D. ESTABELECENDO E MANTENDO PADRÕES ÉTICOS DE CONDUTA O que você deve aprender nesta seção: 1. Uma ilustração de como um desafio ético pode surgir ao analisar dados de pesquisa. 2. Os códigos de ética mantidos pelas profissões das ciências sociais. 3. Os modos de usar divulgação para demonstrar sua integridade de pesquisa. Durante toda a sua carreira como pesquisador, em menor grau ao realizar qualquer estudo investigativo, você vai p recisar manter um traço pessoal essencial: você vai precisar manter um forte senso de ética em sua pesquisa. Ter e sse senso de ética é fundamental devido às inúmeras opções arbitrárias feitas por pesquisadores e especialmente p or pesquisadores qualitativos. (O espírito ético transcende, mas está diretamente relacionado aos procedimentos es pecíficos para proteção de sujeitos humanos, tema da seção final deste capítulo.) Um desafio ético ilustrativo: examinando com imparcialidade todos os seus dad os Por exemplo, ao fazer pesquisa, uma das escolhas mais importantes envolve decidir quais dados, uma vez coletado s, incorporar em uma análise. Embora o primeiro objetivo importante para construir confiança e credibilidade, co mo discutido no Capítulo 1, seja relatar os procedimentos de pesquisa e os dados da maneira mais transparente pos sível, alguns dados sempre ficarão fora da análise e também não serão relatados. À primeira vista, isso ocorre porque é impossível analisar todos os dados que foram coletados. Da mesma form a, o relato completo de todos os dados é limitado pelo espaço disponível em um artigo de revista. Trabalhos mais e xtensos, como livros ou teses, também têm seus limites. Os pesquisadores devem trabalhar com todos os seus dad os – mas será que alguns pesquisadores podem ter ignorado alguns de seus dados porque não apoiaram as principa is proposições de seu estudo? Ninguém abertamente exclui tais casos negativos. Como discute-se posteriormente neste livro (ver Cap. 4, Opç ão 2), tais casos negativos devem na verdade ser altamente apreciados como maneiras de sustentar um estudo, mes mo se levarem a modificações de suas premissas originais. Entretanto, a possibilidade de excluir dados pode-se tor nar uma realidade – mesmo em pesquisa experimental – porque um sujeito humano pareceu não querer cooperar o u um dos testes experimentais pareceu irregular. Os dados do experimentador estão sendo ignorados por razões pr áticas ou por causa de resultados contrários? Ao fazer pesquisa qualitativa, uma situação semelhante pode surgir q uando se ignora uma entrevista de um participante incrédulo. Será que o participante é realmente incrédulo, ou ele está simplesmente discordando das crenças estabelecidas do pesquisador? Em outras palavras, embora não esteja f lagrantemente ignorando um conjunto seleto de dados, o pesquisador pode encontrar alguma desculpa para justific ar sua exclusão. Evitar esse tipo de tendenciosidade exige um forte padrão ético. Você precisa iniciar sua pesquisa estabelecend o regras claras para definir as circunstâncias em que quaisquer dados devem posteriormente ser excluídos. Você e ntão vai precisar monitorar seu próprio trabalho e ter força de vontade para seguir suas próprias regras. Por exemp lo, uma estrutura de tomada de decisões, abrangendo critérios explícitos sobre como uma determinada situação se harmoniza com suas intuições, regras, princípios e teoria, valores e ação, pode ser útil (ver Newman & Brown, 19 96, p. 101-113). Você precisa se conhecer suficientemente bem para prever quando você se sentirá tentado a “faze r uma exceção” e se opor à tentação com uma admoestação ainda mais forte em relação às terríveis consequências de infringir suas próprias regras. (Quando muito, você deve estar menos disposto a fazer exceções quando elas vão contra suas próprias pressuposições.) Códigos de ética Comportar-se corretamente nessa situação é considerada uma questão de integridade da pesquisa. É possível enco ntrar orientação real sobre essa integridade em uma série de fontes. Essas fontes oferecem códigos de ética, padrõ es éticos, ou princípios norteadores formalmente declarados e são promovidas por associações profissionais. A Ta bela 2.2 contém ilustrações selecionadas de cinco associações profissionais cujos membros incluem aqueles que re alizam pesquisa qualitativa. A orientação diz respeito a todos os tipos de pesquisa tratados por essas profissões, nã o apenas pesquisa qualitativa. Estas guias ou códigos se aplicam sempre que uma pessoa está fazendo pesquisa e representando uma determin ada profissão. A Tabela 2.2 só dá uma visão geral dos códigos das associações. Para ver um quadro completo, voc ê deve encontrar, ler e manter em mente pelo menos um desses códigos – ou algum exemplo semelhante oriundo d e alguma outra profissão relacionada a seu trabalho – quando estiver fazendo sua pesquisa. Itens ilustrativos nos códigos de ética de cinco associações profissionais (exclui questões sobre proteção de suj eitos humanos) Associação/ano de pu blicação Itens ilustrativos American Anthropologi cal Association (1998, Sec. III) Responsabilidade com as pessoas e animais sendo estudados: p. ex., evitar danos; respeitar o bem-estar Responsabilidade com o saber e a ciência: p. ex., esperar dilemas éticos; evitar deturpação e engano Responsabilidade com o público: p. ex., ser franco e honesto American Educational Research Association ( 2000) Responsabilidades com o campo: p. ex., conduzir vidas profissionais para evitar pôr a profiss ão em risco; não fabricar ou falsificar; revelar qualificações e limitações ao oferecer opiniões profissionais; relatar resultados a todas as partes interessadas; divulgar todos os dados e pr ocedimentos para que outros pesquisadores compreendam e interpretem Propriedade intelectual, p. ex., diretrizes para coautoria Alterar, analisar e avaliar estudos American Evaluation A ssociation (2004) Investigação sistemática: p. ex., precisão e credibilidade dos resultados Competência: p. ex., possuir habilidades necessárias para executar tarefas de avaliação Integridade/honestidade: p. ex., no próprio comportamento e em todo o processo de avaliaçã o Respeito pelas pessoas: p. ex., sua segurança, dignidade e autoestima Responsabilidades pelo bem-estar público e geral: p. ex., levar em conta a diversidade de int eresses e valores relacionados à avaliação American Sociological Association (1999) Competência profissional: p. ex., manter-se a par de informações científicas e profissionais c orrentes Integridade: p. ex., honestidade, justeza e respeito Responsabilidade profissional e científica: p. ex., adotar os padrões mais elevados e aceitar a responsabilidade pelo própriotrabalho Respeitar os direitos, dignidade e diversidade Responsabilidade social American Political Scie nce Association (APSA Committee, 2008) Ações reclamatórias: p. ex., por direitos humanos de estudiosos em outros países Ética profissional adotada pela Associação Americana de Professores Universitários: p. ex., buscar e declarar a verdade; desenvolver e aperfeiçoar competência acadêmica Princípios de conduta profissional: p. ex., liberdade e integridade da pesquisa Os códigos não são documentos longos. Por exemplo, o código da American Educational Research Association (AERA, 2000) contém seis conjuntos de normas de orientação. Cada conjunto tem um preâmbulo seguido por um a série de normas. O preâmbulo para o primeiro conjunto, que trata das “responsabilidades com a área”, representa um bom exemplo do que você vai encontrar em todos os códigos: Para manter a integridade da pesquisa, pesquisadores educacionais devem justificar suas conclusões adeq uadamente de um modo compatível com as normas de suas próprias perspectivas teóricas e metodológica s. Eles devem se manter bem informados em seus próprios e em paradigmas concorrentes quando estes esti verem relacionados a sua pesquisa, devendo avaliar constantemente os critérios de adequação pelos quais a pesquisa é julgada. Observe como o preâmbulo não pressupõe nenhum tipo de pesquisa qualitativa ou não qualitativa, muito menos qualquer das variações da pesquisa qualitativa, anteriormente identificadas no Capítulo 1. Em vez disso, o preâmb ulo se aplica a qualquer tipo de pesquisa, apontando para a necessidade de apresentar algum tipo de respaldo metó dico (“justificativa”) para as conclusões e manter um nível profissional de competência (“manter-se... bem inform ado”). Integridade da pesquisa Esta qualidade pessoal, posicionada de forma destacada e comum aos vários códigos, não deve ser dada como gar antida. Em sua forma mais crua, integridade da pesquisa significa que se pode confiar que você e suas palavras rep resentam posições e declarações verídicas. Embora a pesquisa não exija que você faça um juramento, como em ou tras áreas, as pessoas devem saber, por meio de suas ações, conduta e métodos de pesquisa, que você está se esforç ando para produzir uma pesquisa que seja honesta, inclusive para esclarecer o ponto de vista que está sendo repres entado. Declarações honestas podem incluir advertências ou reservas, indicando incertezas que não puderam ser s uperadas. Entretanto, na ausência de tais advertências e reservas, as pessoas têm direito de pensar que você realme nte apresenta declarações verídicas. A integridade da pesquisa tem especial importância na pesquisa qualitativa. Uma vez que os delineamentos e pr ocedimentos para fazer pesquisa qualitativa são potencialmente mais flexíveis do que para fazer a maioria dos outr os tipos de pesquisa, as pessoas vão querer saber que pesquisadores qualitativos fizeram todo o possível para cond uzir sua pesquisa de maneira precisa e justa. Por exemplo, um sinal de integridade da pesquisa é a disposição a ser refutado, ou mesmo ver questionado seu pensamento prévio sobre um assunto. Divulgação como uma maneira de demonstrar integridade da pesquisa Quase todos os pesquisadores alegarão prontamente que possuem tal integridade da pesquisa. Como comunicar is so aos outros pode ser outro problema. Uma maneira útil é revelar as condições que podem influenciar a realização de um estudo. Por exemplo, todo m undo concorda que os pesquisadores devem revelar o máximo possível sobre as condições metodológicas que pod eriam afetar um estudo e seus desfechos – tais como de que forma um ambiente de campo ou seus participantes fo ram selecionados. Entretanto, a pesquisa qualitativa exige a divulgação dos papéis pessoais e traços de um pesquis ador que também poderiam afetar um estudo e seus desfechos. Mais comumente, essas condições pessoais incluem a influência do perfil demográfico do pesquisador (sexo, id ade, raça e etnicidade e classe social). O perfil poderia não apenas influenciar as lentes de pesquisa por meio das q uais o pesquisador interpreta os eventos, mas também os modos pelos quais os participantes poderiam reflexivame nte reagir à presença do pesquisador, incluindo a escolha de temas ou as respostas dos participantes em conversaç ões de campo. O estudo de Marwell (2007) das organizações comunitárias no Brooklyn apresenta um excelente ex emplo de como as condições tanto metodológicas quanto pessoais podem ser reveladas. Sua revelação também inc lui descrever como os participantes receberam a escolha de permanecerem anônimos ou serem citados em seu man uscrito final (ver “Detalhando as escolhas metodológicas e condições pessoais ao fazer um estudo qualitativo”, Qu adro 2.6). Detalhando as escolhas metodológicas e condições pessoais ao fazer um estudo qualitativo O estudo de Marwell (2007) das organizações comunitárias no Brooklyn em Nova Iorque exemplifica c omo as diversas escolhas metodológicas e condições pessoais podem ser inteiramente descritas. O estudo envolveu oito organizações, abrangendo quatro tipos organizacionais em cada um de dois b airros. Consequentemente, a autora faz consideráveis esforços para dizer como identificou os candida tos para essas escolhas e como fez as escolhas finais tanto das organizações quanto dos bairros (p. 2 39-248). O trabalho de campo de observação participante de Marwell ocorreu durante um período de três anos, e ela descreve seu acesso inicial ao campo, o valor de trabalhar como voluntária nessas organizações e sua abordagem para manter suas identidades no anonimato ou divulgá-las – os participantes podia m decidir por si próprios depois de verem as passagens no texto em que apareciam (2007, p. 253). Finalmente, a autora dá muita atenção aos potenciais efeitos de suas próprias características (raça, cl asse, etnia, língua falada, sexo e idade) em suas experiências de trabalho de campo, discutindo a pos sível influência de cada característica separadamente (2007, p. 255-259). As condições pessoais também incluem as associações que o pesquisador pode ter com os participantes estudad os. Por exemplo, pesquisadores podem estudar suas próprias organizações, comunidades ou grupos sociais – todos os quais podendo ser considerados uma forma de pesquisa com informações privilegiadas. Com frequência, os pes quisadores podem residir no mesmo bairro em que vivem os participantes, usando uma residência local para estab elecer vínculos mais estreitos, bem como desenvolver maior familiaridade com condições culturais e outras condiç ões contextuais. Entretanto, essas situações não parecem criar um possível conflito tão forte como quando pesquis adores estão estudando a mesma organização da qual fazem parte. Estes últimos podem ter complicadas implicaçõ es de poder e supervisão (p. ex., Brannick & Coghlan, 2007; Karra & Phillips, 2008), todas as quais podendo preci sar fazer parte de uma divulgação sobre a afiliação. Como uma última condição pessoal, ao praticar algumas variantes de pesquisa qualitativa, um pesquisador pod e assumir uma posição de advocacia em relação ao tema estudado. Quer reconheçam formalmente um papel de def esa ou simplesmente favoreçam certas opiniões, tais perspectivas também precisam ser divulgadas. O conceito ma is amplo, discutido ao longo deste livro, se refere a informações sobre reflexividade – descrever da melhor forma p ossível os efeitos interativos entre pesquisador e participantes, incluindo os papéis sociais à medida que eles se des envolvem no campo, mas também abrangendo posições de advocacia. O estudo de Bales (2004) da escravidão hu mana contemporânea oferece um exemplo de uma forma de divulgar tais informações (ver “Fazendo pesquisa qua litativa e defendendo uma causa sociopolítica, Quadro 2.7). Fazendo pesquisa qualitativa e defendendo uma causa sociopolítica Estudiosos que fazem pesquisa qualitativa também podem usar a pesquisa para incitar apoio a causa s sociopolíticas. O estudo de Kevin Bales (2004) da escravidãoem cinco países (Tailândia, Mauritânia , Brasil, Paquistão e Índia) é baseado em um vasto trabalho de campo. Em cada país, a equipe de ca mpo visitou locais de escravos (geralmente centros de atividades baseadas em trabalho manual) e ent revistaram pessoas escravizadas, bem como senhores de escravos. O autor mostra como seu uso de um arcabouço conceitual abrangente, assim como a profundidade de sua pesquisa, produzem uma co ntribuição acadêmica, e não meramente jornalística. Para combater a escravidão, o autor, um professor de sociologia, também criou e chefia uma empresa de advocacia, chamada Free the Slaves. Em seu prefácio, o autor orgulhosamente observa que a cria ção da organização se beneficiou da primeira edição do livro, publicado em 1999. Ele chamou atenção para as 27 milhões de pessoas no mundo que vivem em escravidão ou são traficadas. Os exemplos anteriores ilustram o uso de divulgação como uma forma de comunicar a integridade de nossa pes quisa. Um leitor que discorde das posições ou condições divulgadas tem então a opção de ignorar totalmente a pes quisa relatada. Por essa razão, você pode querer seguir uma prática comum de ler atentamente o prefácio, as seçõe s metodológicas, as declarações biográficas e até as sinopses nas contracapas de livros, antes de ler o mais importa nte de um relato de pesquisa. Se algumas condições reveladas parecem censuráveis, você pode desconsiderar total mente o relato, ou você pode lê-lo com um olhar crítico, para compensar a eventual preocupação de que a pesquis a possa estar indevidamente comprometida. De modo geral, as questões de conduta ética e os modos de comprovar sua pesquisa fazem parte da atividade pr eparatória adicional, abordada a seguir. E. PROTEGENDO SUJEITOS HUMANOS: OBTENDO APROVAÇÃO DE UM COMITÊ INSTITUCIONAL DE ÉTICA O que você deve aprender nesta seção: 1. O papel de um comitê institucional de ética (CIE). 2. Os fatores para proteção de sujeitos humanos. Todo estudo com participantes humanos, qualitativo ou não, requer aprovação prévia de um comitê institucional d e ética (CIE). A obtenção da necessária aprovação pode ser uma parte rotineira de fazer pesquisa qualitativa. Obte r a aprovação também pode ser motivo de muita frustração, exigindo mais energia e atenção do que você tinha ima ginado. A aprovação do CIE está plenamente relacionada às questões de ética humana recém-discutidas. A relevância d e tal aprovação se inicia com um princípio simples: toda pesquisa com participantes humanos (quer eles sejam for malmente designados como “sujeitos humanos” ou não) precisa ser revisada e aprovada de uma perspectiva ética. A necessidade desse tipo de avaliação se iniciou com desenvolvimentos na pesquisa médica e de saúde pública, na qual poderiam surgir sérios riscos de prejudicar as pessoas que participam de um experimento para testar, por exe mplo, um novo medicamento ou outro tratamento. Entretanto, riscos também podem surgir na pesquisa em ciência s sociais e comportamentais. Por exemplo, participantes de um estudo podem ser ameaçados de dano psicológico se forem deliberadamente l udibriados ou enganados como parte de um experimento social. Esse tipo de pesquisa, às vezes envolvendo colega s do experimentador atuando como “palhaços”, em certa época representou quase a metade de todos os artigos pub licados em uma das revistas de maior destaque em psicologia social (National Research Council, 2003, p. 110). Os pesquisadores devem cuidadosamente definir e depois aplicar modos de proteger as pessoas que participam de seus estudos. O espírito dessa busca deve refletir os princípios éticos discutidos na seção anterior deste capítulo . Especificamente, as primeiras páginas de um livro consagrado sobre proteção de participantes em pesquisa social e comportamental declaram com clareza o principal princípio subjacente (National Research Council, 2003, p. 9): O progresso na compreensão das pessoas e da sociedade e no aperfeiçoamento da condição humana dep ende da disposição das pessoas para participar de pesquisas. Por sua vez, o envolvimento de pessoas co mo participantes de pesquisas encerra obrigações éticas de respeitar sua autonomia, minimizar seus riscos de dano, maximizar seus benefícios e tratá-las corretamente. Os procedimentos de análise e aprovação – e especialmente como eles se aplicam à pesquisa em ciências sociai s e do comportamento – produziram considerável discussão pública durante a última década. As discussões se con centraram na análise de estudos que à primeira vista parecem representar “risco mínimo” ou nenhum “risco sério d e dano” aos participantes de pesquisa, porque eles não fazem parte de nenhum tratamento, mas estão atuando em s eus papéis cotidianos. Entretanto, se um estudo envolve questões delicadas sobre, por exemplo, a orientação de gê nero, religiosa ou cultural de um participante, pode haver algum risco. Os procedimentos também têm sido ambiva lentes em relação a se os projetos dos alunos, realizados como trabalhos de classe, também exigem aprovação. Ho uve casos em que consentimento informado escrito devia ser solicitado dos participantes que fizessem parte de um grupo pré-letrado (American Association of University Professors, 2006). Negociações em torno dessas e situaçõe s semelhantes podem levar a atrasos incomuns na obtenção de aprovação. Para se preparar para lidar com esses procedimentos de análise e aprovação, você vai precisar dedicar algum te mpo para entender como eles provavelmente se aplicarão particularmente a sua pesquisa. Você pode aprender mai s sobre o assunto em inúmeros sites na internet ou informando-se sobre as experiências anteriores com o CIE de s ua própria instituição. Existe inclusive um blog sobre o assunto que em dezembro de 2008 teve postagens na vésp era de um feriado nacional, refletindo a natureza potencialmente controversa do processo de aprovação ética da pe squisa. Submetendo protocolos de estudo para análise e aprovação Esta submissão ocorre antes de seu estudo poder começar. Uma comissão formalmente constituída, geralmente ch amada de CIE, analisará seu protocolo de estudo que delineia as principais características de seu estudo em relaçã o a questões de proteção de seus participantes. Os CIEs existem em toda universidade e organização de pesquisa. CIEs comerciais podem atender múltiplas in stituições. O CIE consiste em um grupo de cinco ou mais colegas que se apresentam como voluntários para condu zir, em regime rotativo, as necessárias análises. Os colegas intencionalmente representam diferentes disciplinas ac adêmicas, bem como vozes da comunidade. Alguns CIEs possuem seus próprios sites, listando seus membros e ex plicando seus cronogramas, prazos e procedimentos. Embora seu foco seja no resultado da análise de seu protocolo, seja sensível ao fato de que os CIEs podem ter u ma pesada carga de trabalho. Já em 1995, um CIE mediano estava analisando 578 protocolos por ano (National Re search Council, 2003, p. 36). O número sem dúvida aumentou substancialmente desde então. Cada CIE geralmente informará suas próprias diretrizes sobre a natureza do protocolo de estudo desejado. Depe ndendo da natureza do estudo planejado, o CIE pode realizar uma análise completa ou expressa, ou ele pode isenta r de análise uma submissão. Além da aprovação ou rejeição, outra análise comum pode ser uma solicitação de mo dificações e depois uma ressubmissão. Em algumas circunstâncias, os pesquisadores podem ter que fazer várias re ssubmissões, muitas vezes, então, deparando-se com atrasos imprevistos que interferem no cronograma original pa ra a pesquisa planejada (Lincoln, 2005, p. 167). Os CIEs operam sob as diretrizes publicadas pelo Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos. Embora todo CIE procure ao máximo exercer suas responsabilidades com grande cuidado, essas diretrizes não representam nor mas absolutas. CIEs de diferentes instituições podem seguir procedimentos ligeiramente diferentes e podem usar c ritérios um pouco diferentes em seu trabalho. Variaçõestambém podem ocorrer com a rotação dos membros volun tários dos CIEs. Consequentemente, você deve aprender sobre o CIE de sua instituição e as recentes experiências que ele teve na análise de submissões para a realização de pesquisa qualitativa em geral, se não de outros estudos usando métodos semelhantes aos seus. Considerações específicas na proteção de sujeitos humanos As diretrizes para os CIEs abrangem quatro procedimentos principais que as submissões devem abordar (National Research Council, 2003, p. 23-28): 1. obter consentimento informado voluntário dos participantes, geralmente fazendo-os assinar uma declaração escrita (“informado” indica que os participantes compreendem o propósito e a natureza da pesquisa); 2. avaliar os danos, os riscos e os benefícios da pesquisa, e minimizar qualquer ameaça de dano (dano físico, p sicológico, social, econômico, legal e dignitário) aos participantes; 3. selecionar os participantes equitativamente, de modo que não haja grupos de pessoas que sejam injustament e incluídos ou excluídos da pesquisa; e 4. assegurar o sigilo das identidades dos participantes, inclusive daquelas que aparecem em registros em comp utador e em gravações de áudio e vídeo. Todos esses procedimentos requerem considerações cuidadosas quando são personalizados para um determinad o estudo. No primeiro procedimento, a obtenção de consentimento pode ser representada por uma assinatura, mas os CIEs podem questionar se o consentimento obtido realmente terá sido voluntário ou informado. Os pesquisador es precisam demonstrar que não há coações implícitas sobre a decisão de um participante em participar e que a de cisão é verdadeiramente voluntária. Da mesma forma, um estudo planejado também precisa ser apresentado de um a maneira direta para que os participantes possam compreender o que estão concordando em fazer e deste modo e stão sendo verdadeiramente informados. Ainda mais difícil pode ser implementar o segundo procedimento, mediante o qual um CIE deve julgar os poten ciais danos, riscos e benefícios de estudos individuais. De modo semelhante, os pesquisadores devem demonstrar aos CIEs como sua seleção de participantes será justa. Finalmente, os pesquisadores precisam demonstrar consciê ncia de seu próprio processo para decidir como lidar com a confidencialidade – não apenas dos nomes das pessoa s, mas também dos nomes das organizações e lugares – e não apenas com o desfecho do processo (p. ex., Guenthe r, 2009). Dadas essas e outras dificuldades, as análises dos CIEs podem ser onerosas e intermináveis (p. ex., Lincoln & T ierney, 2004). Nada menos do que uma organização nacional de destaque como a Associação Americana de Profe ssores Universitários (AAUP) alegou que as análises podem até “constituir uma séria ameaça à liberdade acadêmi ca” (AAUP, 2006). A pesquisa qualitativa apresenta desafios maiores devido à crença de que muitos membros de CIEs têm opiniões desfavoráveis sobre métodos de pesquisa “emergentes” (Lincoln, 2005, p. 172), ou métodos cuj os procedimentos não foram rigidamente delineados. Preparando-se para uma avaliação do CIE Algumas sugestões podem ajudar-lhe a se preparar para uma análise do CIE. O passo mais importante já foi menc ionado: antes de iniciar o processo, você deve se informar sobre como a análise do CIE vem funcionando em sua u niversidade ou organização de pesquisa. Como seu estudo provavelmente não é o primeiro de sua espécie a buscar aprovação, considere atentamente as avaliações anteriores de estudos como o seu. Saber alguma coisa sobre os me mbros que compõem o CIE e seus próprios estudos de pesquisa e especialidades também não faria mal. Se sua inst ituição realmente nunca avaliou seu tipo de estudo, busque informações sobre seu tipo de estudo quando ele foi su bmetido à avaliação em outras instituições comparáveis. Segundo, você deve inserir seu estudo e métodos de pesquisa no contexto mais amplo de outros estudos semelh antes ou deliberadamente contrastantes (ver a revisão “seletiva” da literatura sugerida no Cap. 3, item B). Essa ins erção pode indicar como seus métodos se enquadram em parâmetros aceitáveis e conhecidos, já aprovados em est udos anteriores e que não tiveram consequências inconvenientes ou que podem ser facilmente previstas. Você tam bém pode descrever como seu estudo ampliará os resultados de outra pesquisa (especialmente de estudos não quali tativos), com isso construindo um conjunto de conhecimentos ou benefícios mais importantes em consequência de ser realizado. Terceiro, antes de ter adquirido experiência suficiente na obtenção de aprovação do CIE, o delineamento de su a pesquisa deve ter um escopo modesto (sem deixar de ser inovador e imaginativo). Estabeleça limites criteriosos sobre como você fará seu trabalho de campo e coletará dados. Peça para que um colega versado analise o esboço d e sua submissão ao CIE. O diálogo do consentimento informado (em campo) como oportunidade para os participantes fazerem perguntas Uma vez obtida a aprovação do CIE, não se surpreenda com uma dinâmica adicional. Sua apresentação das dispos ições para obter consentimento informado dos participantes também cria uma oportunidade lógica para que eles lh e façam perguntas. A situação pode servir para perguntar sobre como você está planejando empreender seu estudo (não necessariamente a substância de seu estudo). Outras perguntas podem se referir ao propósito de seu estudo; o que você espera alcançar realizando a subsequente entrevista ou conversa com o participante que agora está lhe fa zendo perguntas; como você pretende apresentar seu estudo final; como você vai evitar constranger ou de alguma outra forma depreciar outros que participarão do estudo; e outras curiosidades semelhantes sobre seu trabalho. Tanto quanto possível, esses tipos de perguntas devem ser previstos no momento da submissão original ao CIE. Quando e se surgirem no trabalho de campo, as perguntas devem ser encaradas de uma maneira conversacional e a mistosa, em oposição a um tom formal, legalista ou defensivo. Para evitar parecer excessivamente defensivo quan do confrontado com tais perguntas pela primeira vez, faça alguma preparação. O ideal é pedir que um colega simu le perguntas previsíveis, permitindo que você pratique suas respostas. Em outros tempos e possivelmente ainda relevante em muitos ambientes de campo contemporâneos, responder a essas e outras perguntas relacionadas de maneira mais concreta pode ser suficiente (p. ex., “Estou escrevendo u m livro” sobre o/a abc [nome do ambiente de campo]). Você então ficará conhecido como a pessoa que está escre vendo um livro. Poder apontar algumas publicações anteriores não vai ferir tal identidade. Notavelmente, como ou trora, as pessoas podem se sentir lisonjeadas de que sua vida real fará parte de um livro. 1. Escutar, avaliar uma situação, ler nas entrelinhas 2. Manusear dados 3. Antecipar-se aos eventos 4. Equipe de estudo 5. Estudo-piloto 6. As armadilhas de ignorar dados por causa de resultados contrários 7. Integridade da pesquisa 8. Divulgação 9. Pesquisa com informações privilegiadas 10. Sujeitos humanos 11. Consentimento informado voluntário 12. Confidencialidade Descreva uma experiência da vida real, envolvendo você e outras pessoas, em que você se sentiu altamente desafiado (p. ex., interagir com outras pessoas em um evento social; ser entrevistado para um emprego ou para ser admitido em uma faculdade; disputar uma vaga em uma equipe esportiva ou apresentar-se em um evento competitivo; resolver alg um problema com seus colegas no trabalho ou com sua família em casa; ou produzir um trabalho do semestre ou outr o produto sob condições exigentes). Descreva o desafio que você enfrentou pessoal mente e como você lidou com ele. Indique como sua habilidade de r esponder refletiu uma virtude ou debilidade em seus valores éticos, competência pessoal, habilidade social, apoio da família, um achado muito interessante ou outras circunstâncias pessoais. Compare esse desafio da vidareal com sua experiência mais exigente ao fazer pesquisa qualitativa. Se você não teve uma experiência de pesquisa qualitativa, compare suas respostas ao evento da vida real d esafiador com aquela que você acha que será a parte pessoalmente mais exigente ou difícil de fazer pes quisa qualitativa. Seja com relação a uma experiência real ou de pesquisa qualitativa projetada, suas res postas ao evento da vida real foram semelhantes às que você teve ou previu ao fazer pesquisa qualitativ a? As duas situações são totalmente diferentes ou elas guardam algumas semelhanças? Você é capaz d e aplicar as lições de sua experiência da vida real de modos que aperfeiçoem sua forma de fazer pesquis a qualitativa? 3 Como iniciar um estudo investigativo A maioria das pessoas tem dificuldade para iniciar um estudo empírico. Parte do desafio é definir um te ma de interesse. Entretanto, o estudo deve usar dados coletados recentemente, com base em um nov o conjunto de procedimentos de coleta de dados – não em informações de fontes secundárias já existe ntes. Para reduzir, se não superar, esse problema para dar a partida, o presente capítulo mostra como a criação de um banco de estudos pode ajudar a identificar as três características necessárias de todo estudo empírico: um tema, um método de coleta de dados e as possíveis fontes de dados. O capítulo também aborda os passos subsequentes no processo de partida. Estes incluem conduzir uma revisão da literatura e definir as questões de pesquisa de um estudo. Também se considera uma sequência alternativa em que algum trabalho de campo pode ser iniciado antes de fazer a revisão ou m esmo definir as questões de pesquisa. O fim do capítulo lembra os leitores de que as próprias percepç ões e bagagem do pesquisador provavelmente terão influenciado todo o processo de partida. Os pesq uisadores precisam estar conscientes de suas lentes de estudo e constantemente documentá-las. Os Capítulos 1 e 2 deste livro apresentaram uma ideia geral da pesquisa qualitativa (Cap. 1) e uma discussão da s competências pessoais para ser capaz de fazer pesquisa qualitativa (Cap. 2). A orientação de “aprender fazendo” deste livro presume que a melhor forma de aprender mais sobre pesquisa qual itativa é realmente executando um estudo de pesquisa qualitativa. Assim, o restante desta obra oferece sugestões e orientação para completar um ou mais estudos desse tipo. Em sua forma mais simples, conduzir um estudo empírico significa: definir alguma coisa para investigar; coletar dados relevantes; analisar e interpretar os resultados; e extrair conclusões baseadas nos resultados empíricos. “Coletar dados relevantes” significa lidar diretamente com uma fonte primária de dados, tais como observações de campo ou entrevistas, e não com fontes secundárias, tais como estudos de outros autores. Toda a parte intermed iária deste livro, abrangendo os Capítulos 4 a 9, é dedicada a todos esses e outros temas relacionados. Não obstante, apesar do entendimento quase comum de como a pesquisa consiste em executar as atividades me ncionadas, dar a partida em qualquer estudo parece ser uma tarefa intimidante. Muitas pessoas empacam e sentem- se frustradas porque não sabem o que estudar ou como pensar sobre um estudo. Por isso, elas não sabem quais dad os são relevantes, muito menos como prosseguir com a análise e a interpretação. Como superar esse problema de p artida é, portanto, o objetivo do presente capítulo. O desafio de iniciar um estudo qualitativo O desafio é propor um tema de estudo para o qual você possa coletar seus próprios dados. Surpreendentemente, gr ande parte da educação formal até a faculdade pode não ter exposto os alunos a tal desafio antes de terem chegado à fase de elaborar uma tese ou dissertação. Especialmente nas ciências sociais, o currículo provavelmente pediu qu e os alunos fizessem projetos semestrais e outros exercícios envolvendo “algum tipo de pesquisa”. Entretanto, a pe squisa pode ter exigido revisar a literatura ou fazer uma busca de algumas fontes na internet. Esses trabalhos anteri ores podem não ter realmente exigido que os alunos: coletassem seus próprios dados, baseados em seu próprio inst rumento de coleta de dados; entrassem em contato com eventos e pessoas da vida real e registrassem dados de alg uma maneira sistemática; e então extraíssem conclusões respaldadas pelos dados, e não pelas opiniões do autor. A maioria das pessoas (e seus consultores) está consciente do desafio de dar início a um estudo de pesquisa qua litativa. Menos reconhecido de imediato é que o desafio pode se referir a dar a partida em qualquer estudo empíric o, qualitativo ou não, especialmente para pessoas que estão fazendo um estudo pela primeira vez. Por exemplo, aqueles que fazem experimentos laboratoriais têm o mesmo problema de selecionar um tema de e studo (fazer experimentos sobre o quê?) para o qual eles possam coletar seus próprios dados (como montar e fazer o experimento?). Não pense que essas escolhas são fáceis. Além disso, experimentadores prospectivos precisam e vitar o número maior de experimentos logicamente possíveis que, todavia, não produzirão nenhuma informação út il. Embora seu interesse pelo drama dos outros possa ser apenas passageiro, você pode considerá-lo na expansão d e sua rede de apoio. Pergunte a seus colegas que fazem pesquisa não qualitativa como eles deram início a seu prim eiro experimento, levantamento, modelo econômico, ou outro estudo qualitativo que lhes exigiu coletar seus própr ios dados. Você pode se surpreender com a importância de se informar sobre as dificuldades que eles enfrentaram e posterior sucesso. Originalidade ao fazer um estudo qualitativo A jornada exige definir (e depois conduzir) um estudo original. “Original” significa que o estudo deve ser de sua p rópria responsabilidade, usando suas próprias ideias, palavras e dados. Tanto quanto possível, inclusive com seus esforços explícitos para verificar isso, você deve fazer um estudo que não tenha sido feito antes.1 Além de fazer um estudo original, há uma outra precaução. Inevitavelmente, e especialmente porque boa parte do restante deste capítulo sugere maneiras de revisar e usar trabalhos publicados anteriormente, alguns aspectos de qualquer estudo refletirão as ideias ou palavras de publicações de outras pessoas. Nessas circunstâncias, os autores precisam não se esquecer de citar os outros autores e suas publicações, reconhecendo as ideias emprestadas ou palavras citadas. Deve-se evitar a qualquer preço qualquer sugestão de que um estudo “original”, em sua totalidade ou em parte, vem de uma fonte não informada – por exemplo, que um estudo usou as palavras exatas de outra pessoa, sem colocá-las entre aspas ou em um parágrafo separado. Deixar de dar o devido crédito a outros autores constitui plágio (Booth, Colomb, & Williams, 1995, p. 167). O restante deste capítulo O restante deste capítulo discute o processo de iniciação. O capítulo pode ser mais indicado para pesquisadores inexperientes do que experientes, os quais podem, portanto, pular o resto deste capítulo e passar diretamente para o Capítulo 4. Ao mesmo tempo, as diferenças entre os Capítulos 3 e 4 também são dignas de nota. No passado, os conteúdos do presente capítulo poderiam ter sido suficientes para saber não apenas como dar início a um estudo qualitativo, mas também como delineá-lo. Os três modos de definir um novo estudo – discutidos no item A – poderiam ter sid o considerados sinônimos das informações necessárias para delinear o estudo. Os livros didáticos mais antigos pod em não ter se aprofundado em muitas das questões de delineamento que agora surgiram na pesquisa qualitativa. E m outras palavras, os métodos de pesquisa qualitativa avançaram, e o Capítulo 4 fornece mais detalhes sobre quest ões de delineamento reais. A. INICIANDO UM ESTUDO QUALITATIVO PELA CONSIDERAÇÃO DE TR ÊS CARACTERÍSTICAS O que você deve aprender nesta seção: 1. As três principais características dos estudos empíricos e, portanto,as características que precisam ser definidas como parte da iniciação de um novo estudo qualitativo. 2. Como criar um banco de estudos. 3. As diversas maneiras pelas quais um banco de estudos pode ajudar a definir um novo estudo qualitativo . A iniciação de todo estudo qualitativo precisa abarcar três características essenciais: 1. um tema (o que você vai estudar?), 2. um método de coleta de dados (como você vai coletar os dados?), e 3. uma fonte de dados – em muitos casos um ambiente de trabalho de campo (onde você vai obter os dados qu e devem ser coletados?). Como elas se referem a definir um novo estudo, o tempo dedicado à consideração dessas características será lim itado pelo prazo e recursos presumivelmente disponíveis para fazer todo o estudo. Ajuda muito ter uma ou mais de ssas características estabelecidas antes de sequer cogitar fazer um estudo qualitativo. Processamento paralelo do processo de iniciação Uma vez que este livro, como todos os outros de mesma natureza, é apresentado de maneira linear, as três caracte rísticas são discutidas sequencialmente. Entretanto, na realidade você deve estar preparado para fazer malabarismo s ao considerar as três – de maneira simultânea e interativa (processando-as paralelamente) – antes de decidir-se p or suas escolhas finais. Por exemplo, você pode começar com um tema de interesse, só para descobrir que não há f onte de dados pronta. Talvez você tenha encontrado uma fonte de dados viável, mas agora percebe a necessidade d e voltar e redefinir um tema de investigação mais cativante. Da mesma forma, você pode iniciar com uma preferên cia por certos tipos de métodos de coleta de dados, e essa preferência vai interagir com as escolhas de tema e fonte de dados. Algumas pessoas podem querer pensar sobre as três características simultaneamente. Fazendo isso, elas estão as sumindo a capacidade de conduzir as tarefas paralelamente. Entretanto, outras pessoas podem considerar as três ca racterísticas muito apavorantes para serem manuseadas como um pacote inteiro. Pensar sobre elas progressivamen te, uma característica de cada vez, também serve. Seja qual for sua preferência, o principal objetivo é avançar e nã o ficar em um impasse. Maneiras de dar os primeiros passos Talvez você já tenha um interesse premente e sabe o estudo que pretende fazer. Por exemplo, você pode ter trabal hado na equipe de pesquisa de outra pessoa e ter imaginado um novo ângulo digno de investigação, também conhe cendo, então, o provável método de coleta de dados e a fonte de dados. Talvez você também já tenha um interesse prévio em um tema, impelindo-lhe a aprender os métodos qualitativos para estudá-lo. Entretanto, se você não cheg ou a esses ou a pontos semelhantes, as seguintes dicas podem ajudar a começar a pensar sobre as três característica s. Uma alternativa é recapitular o que você já estudou em ciências sociais. Recorde-se de seus cursos e leituras ant eriores, seu conhecimento da pesquisa de seus colegas ou professores, ou mesmo dos numerosos estudos citados n este e em outros livros sobre pesquisa qualitativa. De qualquer uma dessas experiências, veja se alguma coisa lhe desperta interesse ou gosto pessoal. Outra alternativa é partir do zero. Você pode não ter ficado especialmente impressionado com seus cursos ou lei turas anteriores em ciências sociais; e você pode não querer se contentar com os trabalhos citados neste ou em outr os livros. A alternativa permite que você comece de novo e faça as coisas do seu jeito. Isso envolve desenvolver se u próprio banco de estudos, e essa alternativa pode estimular pensamentos mais criativos. Funciona como exposto a seguir. Desenvolver um banco de estudos Selecione algumas revistas e examine-as para encontrar estudos de pesquisa qualitativa. Tenha o cuidado de ident ificar apenas estudos reais, nos quais um artigo descreve uma pesquisa completa, especialmente apresentando e int erpretando um conjunto de dados. Exclua outros artigos que também aparecem nas mesmas revistas, tais como arti gos sobre metodologias qualitativas (mas nenhum estudo completo); relatos dos autores de suas experiências de pe squisa em um ou mais estudos (mas não um estudo completo); e sínteses de estudos anteriores e discursos teóricos (mas não um estudo completo). Depois de identificar estes estudos desejados, familiarize-se com seus temas, méto dos de coleta de dados e fontes de dados. Como aviso importante, observe que o desenvolvimento de seu banco de estudos difere de uma análise mais formal da literatura que você provavelmente também fará (discutida posterior mente no item B deste capítulo). Ao desenvolver seu banco de estudos, não se limite a artigos sobre um único tema ou método. Em vez disso, ac esse qualquer coisa semelhante a um estudo qualitativo em cada uma das revistas que você examinar. Você vai co nstatar e apreciar que coletivamente os estudos abrangem uma diversidade de temas e métodos. Veja se a variedad e desencadeia alguma conexão com seus próprios interesses e oportunidades. Resultados de criar um “banco de estudos” ilustrativo Para mostrar a facilidade e utilidade de criar um banco de estudos, eu elaborei um, como parte da preparação deste capítulo. Minha busca limitou-se a revistas com maior probabilidade de publicar estudos qualitativos, listadas na T abela 3.1. A ideia era identificar alguns estudos qualitativos rapidamente, não vasculhar exaustivamente as revista s em uma determinada disciplina, como sociologia ou antropologia, ou área específica, como assistência médica, p lanejamento comunitário ou educação. Limitei adicionalmente minha busca a estudos publicados nos últimos cinc o anos ou algo assim, e tendi a incluir apenas algumas áreas amplas: educação, saúde, trabalho social e pesquisa or ganizacional. Mesmo uma incursão superficial rapidamente produziu mais de 50 artigos que relatavam estudos qu alitativos originais. Revistas pesquisadas para identificar estudos qualitativos Action Research American Educational Research Journal Education and Urban Society Educational Policy Ethnography Field Methods Journal of Contemporary Ethnography Journal of Contemporary Ethnography Journal of Hispanic Higher Education Journal of Mixed Methods Research Journal of Research in International Education Journal of Transformative Education Organizational Research Methods Qualitative Health Research Qualitative Inquiry Qualitative Research Qualitative Social Work Urban Education O banco de estudos aparece no fim deste capítulo e apresenta as citações completas dos artigos identificados. A Tabela 3.2 lista seus temas. Os cerca de 50 artigos mostram que os estudos qualitativos podem ser facilmente enco ntrados em periódicos disponíveis. A pergunta seguinte era como esses estudos podem prover sugestões concretas para estimular a reflexão sobre temas de estudo e métodos a serem usados, se não fontes de dados, também. (Se vo cê quiser uma compreensão mais detalhada desses estudos, use as citações no banco de estudos para acessar e exa minar os estudos diretamente.) Temas abordados por estudos ilustrativos citados no banco de estudos no fim do Capítulo 3 1. Educação (K–12) Alunos de duas escolas de ensino médio católicas As vidas dos alunos de escolas internacionais Vestimenta dos alunos em uma escola de ensino médio urbana central Acompanhamento de diplomados no ensino médio de 50 anos atrás Adaptação de imigrantes vietnamitas Alunos latinos bem-sucedidos Escolas de alto e baixo desempenho comparadas Transferências de escola na faixa de Gaza 2. Educação (Pós-secundária) Experiência universitária de minorias étnicas Universitários urbanos de primeira geração Universitários afro-americanos Engajando universitários com publicidade política Pedagogia de graduação e aprendizagem dos alunos Viagens educacionais no exterior Iniciativa de mudança em uma faculdade comunitária Liderança das mulheres em faculdades comunitárias Introduzindo a pesquisa-ação entre professores em formação Subsídios do Estadoa faculdades por mérito Programas de ação afirmativa conscientes de raça 3. Organizações (Empresas e Trabalho) Redes de comunicação de uma empreiteira da construção civil Sistemas de Informações Gerenciais (SIG) em uma empresa industrial Cultura organizacional de dois pequenos fabricantes Trabalho de vendas no varejo Restaurantes de culinária ocidental na China Papel do gênero no serviço de mesa em restaurantes 4. Saúde e Trabalho Social Obstáculos percebidos no acesso a assistência médica Retenção de pais adotivos na assistência à infância Pais com um filho autista Serviços de assistência médica para diabéticos Grupos on-line de apoio a pacientes com câncer de mama Cuidados familiares para idosos com demências Adultos cuidando dos pais à longa distância Instalações de clínicas de repouso Cuidados das filhas a pais com doenças terminais Serviços para violência doméstica Mulheres com câncer ginecológico Usuários de heroína e crack sem moradia Mulheres HIV-positivo Experiências de doença em pessoas infectadas com o HIV Tabagismo pós-parto entre mulheres de baixa renda Decisões da saúde das mulheres Organizações comunitárias de saúde mental Fim da condução de veículos para mulheres idosas 5. Comunidades e Famílias Comunidades mexicanas de baixa renda dos Estados Unidos As esquinas em um bairro urbano Vendedores de rua em um cenário urbano Gangues urbanas de venda de drogas Homens sem-teto em duas cidades Recusa de trabalho entre beneficiários de auxílio-desemprego Adolescentes após divórcio e separação dos pais Organizando entidades comunitárias de ampla base Organizações de cúpula para desenvolvimento comunitário Considerando um tema de investigação Por exemplo, examinando-se a lista apresentada na Tabela 3.2, vê-se que estes 50 artigos sozinhos abrangiam uma ampla gama de temas. Além disso, o fato de os artigos serem recentes ajudou a garantir que os temas seriam conte mporâneos, possivelmente tornando-a uma lista realista para estimular inspirações sobre um novo estudo, em vez de apontar para condições sociais que já não existem (as quais seriam temas candidatos para fazer um estudo histó rico, mas não uma pesquisa qualitativa). Nesta etapa de seu trabalho, sua escolha de assunto não precisa refletir questões de pesquisa específicas ou outr os detalhes do estudo. Haverá bastante tempo para isso posteriormente. Assim, observe que os temas na Tabela 3. 2 foram listados apenas em termos gerais, divididos nas cinco categorias que foram abordadas. Esses temas devem ser suficientes para estimular sua reflexão sobre um novo tema. Primeiro, em educação, as diversas bagagens étnicas e culturais dos alunos na atualidade podem levar-lhe a pensar em fazer um estudo sobre algum grupo de alunos diferente. Segundo, os temas em saúde são um lembrete de que, atualmente, a boa saúde es tá igualmente relacionada a comportamentos de prevenção – por exemplo, seguir uma dieta nutritiva –, o que signi fica que um novo estudo pode ser feito dentro ou fora dos ambientes de serviços de saúde formais. Terceiro, os te mas sobre trabalho sugerem de forma semelhante possíveis estudos dos diferentes tipos de regimes de trabalho em tempo integral ou parcial que as pessoas adotaram. Quarto, mesmo o único artigo sobre viagens educacionais, mes mo que focado em uma função educacional, ainda nos sugere temas potencialmente interessantes sobre atividades de lazer. Usando essa lista apenas como um exemplo ilustrativo, dentro das cinco categorias, os temas tendem a destacar diferentes unidades focais para estudo, incluindo: indivíduos (p. ex., ver “Alunos latinos bem-sucedidos”, na Tabela 3.2); grupos de pessoas (p. ex., “Cuidados familiares para idosos com demências”); eventos (p. ex., “Decisões da saúde das mulheres”); organizações (p. ex., “Organizações de cúpula para desenvolvimento comunitário”). Esses exemplos devem ajudar-lhe não apenas a pensar sobre um tema, mas também articulá-lo um passo adiant e por que seu estudo pode necessitar de algum tipo de unidade focal. Ao mesmo tempo, os temas como listados na Tabela 3.2 não esclarecem de imediato a unidade focal e a orienta ção de pesquisa de cada estudo. Você terá que ler cada estudo de interesse para descobri-los: Por exemplo, o estudo listado em educação pós-secundária na Tabela 3.2 (“Iniciativa de mudanças em um a faculdade comunitária”) revela-se um estudo de um esforço em todo o campus de uma faculdade comunit ária para evoluir – de uma instituição acima da média para uma de excelência inquestionável (Locke & Gugl ielmino, 2006). O estudo mostra como a iniciativa de mudança necessária para lidar com as diversas “subculturas” do cam pus associadas aos diferentes constituintes (p. ex., alunos, professores, ex-alunos e funcionários). Essa ori entação de pesquisa relacionava o estudo ao que os autores alegavam ser proposições teóricas subdesenv olvidas sobre subculturas organizacionais, como encontradas na literatura da época. Seus resultados com i sso cobriram a iniciativa da faculdade comunitária e também contribuíram para novo conhecimento sobre li dar com subculturas organizacionais. O estudo ilustrativo tem, portanto, uma unidade focal concreta (uma faculdade comunitária contemporânea), e s ua orientação de pesquisa era sobre as subculturas organizacionais. Revisar outros estudos no banco de estudos de maneira semelhante sugerirá ideias tanto para unidades focais co mo para orientações de pesquisa. Além do mais, as unidades focais sugeridas – tais como novos tipos de famílias ou condições de trabalho, novos padrões de imigração, a natureza global da economia e novas políticas educacion ais – podem ainda não ter sido excessivamente estudadas. Um novo estudo qualitativo combinaria um desses exe mplos com uma determinada orientação de pesquisa. Evidentemente, você não deve se calcar nas características do meu banco de estudos. Você deve criar o seu pró prio banco, o qual lhe permitirá aumentar a utilidade dos resultados ainda mais. Por exemplo, você pode se concen trar em uma ou duas áreas gerais que anteriormente lhe atraíram e examinar a gama completa de revistas nestas ár eas. Inversamente, você pode fazer uma pesquisa mais ampla do que a minha e abranger mais áreas gerais. Finalm ente, você também não tem que limitar sua busca aos 50 artigos que identifiquei em menos do que alguns dias de t rabalho. À medida que você encontrar mais artigos, a profundidade de seu banco aumentará sua capacidade de pen sar mais profundamente sobre um tema de estudo. Considerando um método de coleta de dados Nesta etapa, você não precisa determinar um método de coleta de dados específico. Em vez disso, você deve ir co nsiderando algumas preferências e experiências pessoais mais amplas que possam ajudar a fazer escolhas iniciais. Por exemplo, se você já usou anteriormente algum método em especial, você pode se sentir mais à vontade incluin do-o como parte de sua escolha. Para iniciantes, você pode pensar se quer limitar sua coleta de dados a um único método (ver a gama completa de métodos de coleta de dados no Cap. 6). Por exemplo, você deve se perguntar se prefere coletar dados participan do e observando eventos da vida real – ou seja, “fazendo trabalho de campo” (ver os estudos de observação partici pante ao longo do Cap. 5). Por outro lado, você deve considerar se prefere coletar dados conduzindo uma série de entrevistas abertas (ver os estudos “só com entrevistas” no Cap. 2, item B). Um estudo de 50 pessoas que se tornar am mães solteiras por meio de separação, divórcio ou viuvez oferece um exemplo (ver “Um estudo de entrevistas l evando a uma agenda política social”, Quadro 3.1.) Um estudo de entrevistas levando a uma agenda política social Cinquenta mulheres que se tornaram mães solteiras sem ter tido essa intenção foi o objeto de um estu do de Sidel (2006). Algumas das mulheres tornaram-se mães solteiras como resultado de separação, divórcio ou viuvez; outras eram solteiras no momento da concepção, mas “supunham que seu parceiro estaria disponívelpara prover algum apoio – emocional, social [ou] financeiro” (p. 11), o que não acont eceu. Os dados para o estudo vieram de entrevistas de 1 a 2 horas com cada uma das mulheres, as quais e ram de variadas etnias, raças, classes sociais e idades. Apesar dessa diversidade de circunstâncias s ociais, todas as mulheres apresentaram experiências comuns, inclusive de perda genuína. Suas vidas também dissiparam mitos frequentes em relação a essas mulheres serem preguiçosas, indignas ou de smerecedoras (2006, p. 21). Por isso, todo o capítulo final do estudo foi dedicado a uma discussão das mudanças desejáveis na po lítica familiar dos Estados Unidos, incluindo disposições relacionadas à gravidez adolescente, assistên cia social e trabalho, salário mínimo, seguro de saúde universal, serviços de creche acessíveis e famíli as de pai/mãe solteiros. Se você está inclinado às entrevistas abertas como método de coleta de dados, você pode comparar adicionalme nte seu interesse e habilidade para entrevistar (1) um número de pessoas maior por um período mais curto de temp o versus (2) um grupo de pessoas menor por períodos de tempo mais longos. Por exemplo, o grupo maior consiste em 40 a 50 pessoas, cada uma entrevistada apenas uma vez por de 2 a 3 horas, ao passo que o grupo menor poderi a consistir de uma meia dúzia de pessoas, cada uma entrevistada por de 2 a 3 horas, mas em múltiplas ocasiões dur ante um período de tempo prolongado. Essa última escolha lhe permitiria desenvolver algumas histórias de vida (p . ex., ver Lewis, 1961, para exemplos de histórias de vida prolongadas; e o Apêndice. A em Liebow, 1993, para ex emplos de histórias de vida de extensão mais modesta). Você também pode ser suficientemente experiente ou ambicioso para considerar utilizar vários métodos de cole ta de dados como parte do mesmo estudo. Isso aumentaria sua carga, mas também reforçaria seu estudo. Os métod os poderiam incluir alguma combinação do trabalho de campo, entrevistas e histórias de vida recém-descritos. Vo cê poderia usar alguns ou todos esses métodos como parte de um único estudo de caso de uma organização ou gru po social. Grupos sociais podem incluir pessoas que trabalham juntas, tais como uma equipe de educação, saúde o u negócios. Outros métodos também poderiam ser adicionados, tais como coleta de dados censitários, registros organizacio nais, ou outras fontes documentais, para complementar seu trabalho de campo e entrevistas. Se você é ambicioso, t ais métodos de coleta de dados múltiplos podem tornar-se bastante extensos. Por exemplo, Levitt (2001) usou seis métodos diferentes em seu estudo da migração transnacional entre a República Dominicana e um bairro de Boston (ver Tabela 3.3). Múltiplas fontes de dados usadas por Levitt (2001, p. 231-235; ver também Quadro 4.10) Método de coleta de dados Cobertura dos dados Entrevistas 142 entrevistas com pessoas que trabalham nos níveis local, regional e nacional; partic ipantes de práticas religiosas de base domiciliar; autoridades de organizações e de par tidos políticos Gravaram e transcreveram cerca de 75% das entrevistas; mais de 80% realizadas em espanhol Entrevistas em profundidade 20 famílias de migrantes em regresso e 20 famílias de migrantes entrevistados em seu s lares Entrevistas geralmente incluíam três ou quatro indivíduos, com incorporações periódic as de outros Participação Compareceram a mais de 65 reuniões, comícios e eventos especiais em Boston e na República Dominicana, incluindo assembleias de partidos políticos e comemorações e missas de feriados Reproduções (p. ex., de obras de arte ou desenhos ou fotografias de outros) Análise de documentos Analisaram documentos, incluindo registros financeiros, sobre cada uma das organizaç ões no estudo Analisaram artigos de jornais e revistas relevantes Realização de uma pesquisa de levantamento Pesquisaram 184 domicílios envolvendo 806 indivíduos Uso de dados arquivais Usaram dados dos Censos dos Estados Unidos e pesquisa domiciliar de Levantament o da População Atual, por vários anos e abrangendo mais de 300 mil indivíduos Retornando aos artigos de revistas científicas que você selecionou para seu próprio banco de estudos, sua incurs ão pode inicialmente ter sido motivada pelo desejo de identificar um tema de estudo, como discutido anteriorment e. Entretanto, o banco de estudos também pode ser extremamente útil para estimular sua reflexão sobre métodos d e coleta de dados. Revisando os métodos de coleta de dados usados em cada estudo, podemos obter uma boa ideia dos modos específicos em que os diferentes métodos foram usados por outros. Você também pode se sensibilizar para os desafios da coleta de dados enfrentados por pesquisadores anteriores. Por exemplo, muitos dos estudos listados no banco de estudos usaram grupos focais como seu principal método de coleta de dados. Talvez você não tenha dado a esse método muita consideração anteriormente (ver Cap. 6, item C), mas se ele agora parece mais atraente ou apropriado, você pode examinar aqueles estudos mais detidamente pa ra aprender sobre as experiências de coleta de dados específicas. Os estudos no banco de estudos também poderia m conter um bom número de pesquisas com métodos mistos, permitindo que você veja como outros integraram da dos qualitativos e quantitativos. Você também pode ser mais ambicioso e incluir livros, não apenas artigos científicos, em seu banco de estudos. Tal combinação seria especialmente pertinente depois que você estreitou seus interesses com um determinado tipo de coleta de dados, tal como entrevistar alunos do ensino fundamental. Buscando estudos anteriores que usaram es se método, você pode encontrar um que até listou as perguntas que foram feitas às crianças nas entrevistas e discut iu os esforços do pesquisador para confirmar algumas das respostas das crianças entrevistando seus professores au xiliares e professores (ver “Um estudo qualitativo com alunos do ensino fundamental como principais fontes de da dos”, Quadro 3.2.) Um estudo qualitativo com alunos do ensino fundamental como principais fontes de dados Estudar crianças, e especialmente entrevistá-las sobre sua educação escolar, pode ser uma tarefa de safiadora. Bullough (2001) conduziu exatamente um estudo desse tipo. Ele observou as salas de aula de uma escola de ensino fundamental, entrevistou um total de 34 crianças do 1º ao 6º ano, e também entrevistou sete professores e 17 professores auxiliares (p. 8). O primeiro desafio foi obter permissão para realizar as entrevistas, o que exigiu obter permissão da cri ança, bem como permissão escrita de um responsável. Um desafio adicional foi evitar colocar palavra s na boca das crianças ou “criar uma expectativa de que [a criança] precisava dizer alguma coisa para me agradar” (2001, p. 7). Um desafio final foi confirmar as palavras da criança, entrevistando seus prof essores ou guardiões. Superando esses desafios, Bullough completou, registrou e transcreveu entrevistas com as 34 criança s. Ele também fornece uma cópia de seus três protocolos de entrevista para crianças, professores aux iliares e professores (2001, p. 115-117), observando que “em muitas das entrevistas eu achei necessá rio adaptar as perguntas e seguir a orientação da criança” (p. 115). Considerando uma fonte de dados (p. ex., identificando um ambiente de campo) Esta terceira característica pode ser mais difícil de avaliar, especialmente para pesquisadores novatos. Primeiro, c omo a maioria dos artigos de revista não dão muitos detalhes sobre como os autores passaram pelo processo de ide ntificação de suas fontes de evidência, as ideias desses artigos podem ser limitadas. (Em lugar dos artigos, você po de querer verificar os estudos publicados na forma de livros, nos quais prefácios e seções de metodologia com freq uência divulgam as experiências dos autores na identificação de suas fontes de evidência.) Segundo, obter acesso a situações de vida reais para seu trabalho de campo, ou recrutar pessoas para entrevistas, ou mesmo obterpermissã o para usar certos tipos de dados documentais, pode ser um desafio. Como acontece na identificação de um tema e método nessa etapa, não tente resolver os detalhes de acesso a de terminadas fontes de evidência – por exemplo, obter acesso a determinados ambientes de estudo. Você pode come çar a pensar sobre sua abordagem, usando algumas das experiências de trabalho de campo apresentadas posterior mente no Capítulo 5 para obter algumas ideias. Entretanto, durante essa fase de iniciação do seu estudo, você só pr ecisa ter algumas fontes candidatas. Duas precauções, contudo, merecem ser assinaladas. Primeiro, pesquisadores menos experientes podem tentar “ fazer duplo uso” de algumas fontes às quais já possuem algum acesso pessoal, tal como estudar sua própria escola, família, ou amigos. Esse “duplo uso” pode criar complicações indesejáveis. Você corre um grande risco de que seu estudo e sua afil iação original afetem negativamente um ao outro, em detrimento de ambos (ver Cap. 2, item D, para uma discussã o de pesquisa com informações privilegiadas). Ao mesmo tempo, muitos pesquisadores qualitativos completaram estudos sobre as organizações em que estavam empregados ou sobre os bairros em que residiam com sucesso (ver Cap. 5, item B). Uma sugestão básica é evitar um “duplo uso” se você estiver fazendo seu primeiro estudo, mas ap enas cogitar essa possibilidade quando tiver adquirido mais experiência – quando você for capaz de lidar com a afi liação atentamente e prever suas possíveis consequências para seu estudo. Segundo, ao pensar sobre estudar pessoas em ambientes de atendimento (p. ex., clínicas de saúde, consultórios médicos, agências de serviço social e escolas), você não deve pressupor que os serviços necessariamente cooperar ão para ajudar-lhe a estudar seus alunos ou clientes (ou seus funcionários). Por exemplo, Sarroub (2005, p. 17) estudou as experiências educacionais de seis alunos que estudavam n a mesma escola de ensino médio. Ela fez seus planos iniciais com eles, encontrando-os em um centro com unitário em que trabalhavam como voluntários. Depois de averiguar os interesses dos alunos em participar do estudo, ela obteve permissão das autoridades da escola para as suas participações na pesquisa. Além disso, o grau em que as pessoas em um local ou em um grupo lhe acolhem em seu círculo pode mudar ao longo do tempo (ver Cap. 5, item B). A escola de ensino médio no estudo de Sarroub (2005) mencionado acima, p or exemplo, embora inicialmente não estivesse ajudando a mobilizar a participação de seus alunos no estudo, post eriormente familiarizou-se melhor com o estudo. Assim, a escola disponibilizou à pesquisadora uma caixa de corr eio na sala dos professores, quando ela começou seu segundo ano de trabalho de campo. Sarroub relata que isso m udou seu trabalho “de maneira drástica”, porque ela sentiu um progresso ao tornar-se uma espécie de membro da e scola, passando a receber boletins diários e outros materiais de maneira rotineira (p. 124). Lembrando as limitações de tempo e recursos Todo mundo sabe que pesquisa exige tempo e recursos, e nenhum deles é ilimitado. Além disso, o conselho mais c omum, ao iniciar um estudo, é garantir que sua dimensão se enquadre no tempo e nos recursos previstos. Os parâmetros de tempo e recursos geralmente são conhecidos. Por exemplo, se você está fazendo um pequeno estudo como parte de um trabalho em um curso, você vai precisar limitar o âmbito de sua investigação, bem como sua coleta de dados, a algo que possa ser investigado em alguns meses. Dissertações de mestrado e teses de doutor ado permitem um período de vários anos e até dados provenientes de múltiplos locais. Estudos subsidiados por fon tes de financiamento externas a seus próprios recursos pessoais vão correspondentemente ampliar as possibilidade s ainda mais. Por exemplo, o tempo mínimo para qualquer estudo formal, que vai além de um exercício de campo experimental, parece ser de um ano acadêmico. Teses de doutorado geralmente consomem vários anos. Infelizmente, as orientações disponíveis oferecem poucas informações sobre a dimensão de estudo que parece c ombinar com determinados parâmetros de tempo e recursos. Na ausência de tais informações, os conselhos sobre t er objetivos “modestos” e escolher temas que não sejam nem complexos, nem demasiadamente simplórios parece m não ter muita validade. Em contraste, seu banco de estudos pode ajudar, especialmente se você também recorre a livros além de artigos de revistas. A maioria dos livros (e alguns artigos de revistas) esclarece o período bem como a quantidade de temp o envolvidos na realização de um estudo. Você também deve estimar a diferença cronológica entre o tempo da col eta de dados – por exemplo, a maioria dos estudos informa o(s) ano(s) de sua coleta de dados – e o ano de publica ção. Concedendo-se um período de aproximadamente 18 a 24 meses associado a atrasos de publicação, a diferença dá uma noção da quantidade de tempo que foi consumido na coleta e análise de dados e composição de um manus crito. Os leitores que fazem pesquisa qualitativa para suas teses devem observar que os quadros ao longo deste livro c ontêm muitos estudos que foram originalmente concluídos como teses. Uma estimativa ainda mais prática das pro váveis necessidades de tempo e recursos pode assim ser obtida analisando as teses recentemente concluídas no seu próprio departamento ou universidade. Essas teses fornecerão melhores exemplos por serem de seu próprio contex to acadêmico. B. REVISANDO A LITERATURA DE PESQUISA O que você deve aprender nesta seção: 1. As considerações ao decidir revisar a literatura no início de um novo estudo qualitativo. 2. As diferenças entre revisões da literatura seletivas e abrangentes, e como ambas diferem de um banco de estudos. 3. Características desejáveis na tomada de notas sobre a literatura nas revisões da literatura. 4. Precauções ao acessar sites da internet para encontrar relatos e documentos como uma forma de literat ura. Dadas as noções preliminares sobre tema, método e fonte de evidências para seu estudo emergente, outra tarefa ini cial poderia ser revisar a literatura de pesquisa. Tal revisão difere do desenvolvimento de seu banco de estudos, qu e você usou para ajudar-lhe com as três características de estudo precedentes. Entretanto, alguns dos artigos no ba nco de estudos, incluindo artigos que poderiam originalmente ter sido excluídos do banco, agora poderiam ser rele vantes para esta revisão da literatura. Fazer ou não uma revisão da literatura Embora as revisões da literatura tenham servido como um passo um tanto convencional ao fazer a maioria dos est udos empíricos, uma visão anterior de fazer pesquisa qualitativa resistia às revisões da literatura formal antes do in ício da coleta de alguns dados de campo. A resistência era oriunda da crença de que estudos qualitativos tentam sobretudo capturar o “significado” dos e ventos, incluindo seu tempo, lugar e momento histórico distinto. Além disso, o significado potencialmente mais de sejável viria daqueles que faziam parte daquele tempo e lugar único, não da perspectiva de um pesquisador. Considerando-se essa visão, embora uma revisão da pesquisa anterior pudesse ajudar a informar um novo estud o, tal revisão também poderia atrapalhá-la, se não induzi-la, criando um filtro ou lente indesejável. Por exemplo, s e um estudo fosse sobre o tema de pessoas socialmente “extravagantes” e a literatura fosse dominada por culturas convencionais, mesmo o uso do termo extravagante poderia ser percebido como vendo as vidas dos participantes d o estudo por meio das lentes não somente de uma cultura majoritária, mas também de uma época anterior imprópri a. Para começar, as lentes poderiam, portanto, diminuir muito o valor de fazer um estudo qualitativo. Ao iniciar um novo estudo, alguns pesquisadores experientes ainda podem assumir o ponto de vista precedente . Contudo, seu fundamento lógico está pouco a pouco se desgastando. O volume de estudosqualitativos aumentou grandemente nas últimas décadas (p. ex., observe o pouco tempo de existência de muitas das revistas citadas no ba nco de estudos, refletido pelo baixo número de volumes), e os estudos e a literatura tornaram-se muito mais divers ificados. Cada vez mais, novos investigadores precisam mostrar sua consciência, se não destreza, na identificação de linhas específicas de pesquisa – e os “significados” desvelados em circunstâncias semelhantes – que provavelm ente afetariam diretamente a temática, os métodos de coleta de dados e as fontes dos dados de um novo estudo. Se um novo estudo afirma ser inteiramente exclusivo, uma boa revisão da literatura também pode mostrar o domínio do pesquisador sobre a literatura, além de apresentar o argumento para a lacuna. Consequentemente, realizar algu m tipo de revisão da literatura parece ser desejável. Se um pesquisador ainda quer resistir a fazer uma revisão da literatura, mesmo a literatura metodológica de hoje contém exemplos de pesquisadores que assumiram posições semelhantes e posteriormente relataram suas experiên cias em publicações. Revisar seus relatos retrospectivos sobre suas experiências de pesquisa permitiria a um novo pesquisador demonstrar seu conhecimento das nuances metodológicas, além de sua habilidade para realizar uma r evisão da literatura como parte importante de saber fazer pesquisa. Em suma, os pesquisadores que iniciam um novo estudo qualitativo nos dias de hoje provavelmente têm poucas justificativas para não revisar a literatura antes de iniciar seus estudos. Essa necessidade tornou-se ainda maior co m a exigência de submeter os protocolos de estudo a comissões institucionais de ética (ver Cap. 2, item E). As co missões tendem a incluir ao menos um membro especializado em pesquisa não qualitativa, e a compreensível expe ctativa daquele membro seria ver algum tipo de revisão da literatura como parte de uma submissão inicial. Papel da revisão da literatura ao iniciar um estudo A revisão necessária nesta etapa é uma revisão seletiva, e não abrangente, da literatura (e ambas diferem da criaçã o do banco de estudos discutido anteriormente). O principal propósito da revisão seletiva é aguçar suas consideraç ões preliminares sobre o seu tema de estudo, método e fonte de dados. Em vez de assumir uma perspectiva mais a mpla e relatar o que se sabe sobre um tema (o que seria o objeto de uma revisão abrangente), seu objetivo é revisar e relatar em maior detalhe um leque específico de estudos anteriores, diretamente dirigidos a seu provável tema de estudo, método e fonte de dados. Em uma revisão seletiva, os estudos que precisam ser visados e revisados são aqueles que à primeira vista se as semelham muito àquele que você começou a pensar em fazer. É provável que você encontre outros estudos que fo caram em temas semelhantes ou usaram um método de coleta de dados parecido. Se você escolheu uma escola ou comunidade como sua principal fonte de evidências, você também pode encontrar estudos que usaram fontes seme lhantes ou talvez até mesmo as mesmas fontes. Encontrar tal estudo ou estudos não deve desencorajá-lo automatic amente de seu pensamento original. Você deve examinar estes estudos atentamente e verificar se é possível molda r o seu de alguma maneira significativamente diferente. Por exemplo, um estudo anterior pode ter deixado uma “ponta solta” – inclusive indicando-a nas conclusões do estudo – que poderia servir como prioridade para mais investigação. Seu estudo poderia então se basear nesse estu do anterior. Como outra possibilidade, um exame atento da metodologia e dos dados apresentados pelo estudo ant erior pode revelar que ele exagerou em algum resultado crucial ou interpretação essencial para as principais concl usões. Você pode então ser capaz de definir seu estudo para compensar as deficiências (ou omissão) e retestar o re sultado ou interpretação crucial. Ao perseguir esses contrastes com outros estudos específicos, seu objetivo é definir um nicho para seu estudo, s ituando-o no conjunto de estudos relacionados, e não apenas mostrando em que aspecto ele vai diferir de um ou vá rios estudos específicos. O nicho preferencial pode abarcar diferenças de metodologia e fontes de dados, mas preci sa, acima de tudo, ser definido com substância – isto é, nos termos de seu tema de estudo (ver “Definindo a contri buição de um novo estudo em relação à literatura existente, Quadro 3.3). Definindo a contribuição de um novo estudo em relação à literatura existente Um estudo de Lew (2006) de estudantes americanos coreanos do ensino médio afirmou que a maior p arte da literatura havia caracterizado os estudantes americanos asiáticos (e seu desempenho educaci onal) de uma maneira estereotípica bem como homogênea. Em contraste, e para preencher uma lacuna percebida na literatura, Lew deliberadamente estudou doi s grupos contrastantes de estudantes americanos coreanos. Ambos os grupos eram imigrantes de seg unda geração, mas um deles estava matriculado em uma escola de elite. O outro grupo era composto de alunos que abandonaram a escola inscritos em um programa comunitário de desenvolvimento educ acional geral (GED). Cobrindo os dois grupos, o estudo de Lew foi capaz de demonstrar um conjunto d iverso de experiências educacionais, refletindo as condições da família, bem como da educação escol ar. O estudo dela atribuiu essas diferenças aos contextos de classe, raça e educação escolar e assim questionou o estereótipo existente dos americanos asiáticos como uma minoria homogênea e modelar . Sempre existe a possibilidade de que você não consiga identificar de que modo seu estudo pode produzir novo conhecimento além do que estudos anteriores já fizeram. Neste caso, você pode ter que retornar e rever suas escol has originais de tema, método de coleta de dados e fonte de dados. Passando para o tema das revisões da literatura abrangentes, existem ocasiões em que tais revisões são justifica das. As revisões visam a reunir o que se conhece sobre um determinado tema, possivelmente sublinhando linhas d e pensamento controversas ou díspares ou mesmo o progresso no decorrer do tempo no conhecimento acumulado sobre um assunto. O papel legítimo desse tipo de revisão é de fato reconhecido pela existência de periódicos impo rtantes, em quase toda área disciplinar e temática das ciências sociais, dedicados exclusivamente a essas revisões d a literatura. Usar uma revisão abrangente como auxílio para definir um novo estudo pode, contudo, não ser uma boa ideia. Em uma revisão abrangente, a literatura pode parecer interminável, com um tema levando ao outro de uma maneir a rapidamente espiralar e deixando a impressão de que praticamente tudo que vale a pena já foi estudado. Revisõe s abrangentes podem ser mais adequadas para auxiliar a decidir sobre uma ampla área de interesses, que pode se re velar o equivalente a uma vida inteira de estudos – e não para definir um estudo em particular. Infelizmente, muito s novatos podem empreender uma revisão abrangente e passar uma quantidade exaustiva de tempo em tais revisõe s sem chegar mais perto de definir um novo estudo. Breve resumo: diferentes tipos de revisão da literatura Para resumir um pouco o papel das revisões da literatura nesse momento, três tipos diferentes foram discutidos. O primeiro é uma incursão inicial para construir um banco de estudos qualitativos anteriormente realizados, para aju dar a considerar o tema, o método e a fonte de evidências para um novo estudo. O segundo é uma revisão seletiva, que ocorre depois que você decidiu provisoriamente o que estudar. A revisão seletiva deliberadamente visa a outro s estudos que parecem cobrir um terreno semelhante e ajuda a definir seu novo estudo de uma maneira mais sutil, estabelecendo um nicho para seu novo estudo. O terceiro tipo é uma revisão abrangente, realizada a partir do desej o de sintetizar o que se sabe sobre um determinado tema, mas que não é necessariamente relevante para ajudar a in iciar um determinadonovo estudo. Fazendo apontamentos sobre estudos existentes Muitas vezes não se considera o que exatamente você deve analisar durante a revisão de um estudo existente. Se v ocê não tem uma boa ideia disso, o risco é de ter que ler todo estudo duas vezes. Por exemplo, conheço uma coleg a que sempre mantinha duas pilhas de coisas para ler sobre a mesa quando iniciava um estudo. Uma delas consisti a de novas leituras, algumas das quais ela descartava depois de analisar. A outra pilha consistia das leituras que ela inicialmente tinha revisado e não tinha descartado. Somente depois de terminar a primeira pilha ela examinava a s egunda e fazia apontamento sobre as leituras naquela pilha. O procedimento funcionava. Só que levava bastante te mpo. Alguns estudos levarão muito tempo para digerir. Você vai retornar a eles repetidamente à medida que seu próp rio trabalho for avançando. Entretanto, muitos estudos só precisam ser examinados uma vez – se você sabe o que e stá procurando, na primeira tentativa. Um procedimento pode funcionar ao revisar estudos empíricos (estudos baseados em dados). Ao ler um estudo pela primeira vez, tente fazer os seguintes registros: O principal tema de estudo, incluindo os problemas/questões que estão sendo abordados. O método de coleta de dados, incluindo a extensão da coleta de dados (p. ex. o número de pessoas entrevistadas, em investigações que usaram entrevistas, ou a duração e amplitude do trabalho de campo em um estudo de obs ervação-participante). Os principais resultados do estudo, incluindo a data específica usada para representar os resultados. As principais conclusões do estudo. Seus próprios comentários sobre as virtudes e fraquezas do estudo – e os detalhes bibliográficos completos para citar o estudo. Quanto mais você capturar essas informações, seja digitando-as em um computador ou escrevendo à moda anti ga sobre folhas de papel ou em fichas, maior a probabilidade de não precisar voltar a um estudo pela segunda vez. Se você registrar as informações em um PC, uma dica adicional é usar uma fonte de tamanho pequeno (p. ex., 10 pontos), esperando que nenhum estudo ocupe mais do que uma página e facilitando a organização e ordenação de suas notas. Baixando materiais da internet Muitos dos artigos de revista que você revisa podem ser provenientes de sites da internet, e não de uma biblioteca universitária. A maior conveniência de obter materiais desta forma precisa ser equilibrada pelo cuidado extra nece ssário para dar preferência a estudos que tenham aparecido em revistas acadêmicas, e não apenas em qualquer tipo de publicação ou fórum. Infelizmente, haverá ocasiões em que um “relato” importante aparece fora de uma revista, mas abordou um tem a ou usou métodos qualitativos que atraíram sua atenção. Nessas situações, você precisa avaliar atentamente para a autoria e patrocínio do trabalho. Trabalhos aceitáveis são produzidos por organizações de pesquisa independentes, embora a qualidade da pesquisa ainda possa variar. Relatos menos aceitáveis podem ser produzidos por empresas de advocacia ou de marketing, ou mesmo pelos departamentos de pesquisa de organizações de advocacia, principa lmente porque a pesquisa pode ter sido tendenciosa para representar um ponto de vista. O segredo aqui é se inform ar sobre a organização que patrocinou a pesquisa antes de usar seus relatos. Examinar as publicações anteriores do autor também deve ampliar a sua compreensão de como algum trabalho específico poderia ser usado. Para documentos que não provêm de revistas científicas, você também precisa verificar a autenticidade. Não ex iste uma fórmula simples de verificação. Estar consciente de que a autenticidade poderia ser um problema é o com eço da solução. Depois, pesquisar sobre o documento a partir de fontes diferentes e verificar a respeitabilidade das fontes são ambos procedimentos de valor. C. DETALHANDO UM NOVO ESTUDO QUALITATIVO O que você deve aprender nesta seção: 1. Os possíveis benefícios de fazer um pouco de trabalho de campo antes de identificar as questões de pe squisa de um estudo. 2. Os possíveis benefícios de definir as questões de pesquisa de um estudo antes de fazer qualquer trabal ho de campo. 3. Como encontrar as questões investigativas de um estudo em trabalhos publicados, ainda que as questõ es possam estar embutidas nas descrições da fundamentação ou propósito de um estudo. 4. A importância de saber que seu papel como instrumento de pesquisa já se revelou nas atividades de pa rtida sugeridas por todo o capítulo. Uma partida bem-sucedida até este ponto deve ter lhe ajudado a identificar, ao menos de maneira preliminar, três c oisas: um tema, um método e uma fonte de dados. Se, como sugerido, você avançou ainda mais neste processo de iniciação, também terá identificado um nicho potencial para seu estudo, especialmente em relação a outros estudos semelhantes. Esses contornos gerais agora precisam de maior detalhamento. Você precisa ver como os contornos gerais se traduzem em ações de pesquisa. A pesquisa qualitativa oferece outra oportunidade interessante neste momento. Com preparação apropriada, ma s sem maior detalhamento, talvez agora você queira dar início a algum trabalho de campo. (Para os propósitos dest a discussão, trabalho de campo é qualquer atividade de coleta de dados que você poderia realizar, tal como qualqu er dos métodos descritos no Cap. 6.) Por outro lado, você pode não querer iniciar o trabalho de campo antes de ter dado mais um passo – definir algumas questões de pesquisa. Mais uma vez, como na maioria dos passos em um es tudo qualitativo, essas e outras oportunidades são iterativas e recursivas – você pode fazer um pouco de uma etapa e depois retornar a uma etapa anterior, ajustando a etapa anterior apropriadamente. Você também pode repetir essa sequência mais do que uma vez. Resultados aceitáveis podem ser obtidos quer se inicie pelo trabalho de campo, quer pelas questões de pesquisa; uma advertência importante é como você vai lidar com os obstáculos que surgirem quando da submissão de seu es tudo ao CIE – novamente, assunto já abordado no Capítulo 2. Mas, primeiro, vamos aprender mais sobre as duas o portunidades. Um pouco de trabalho de campo primeiro “Trabalho de campo primeiro” faz sentido porque a pesquisa qualitativa procura capturar condições da vida real, a dotando a perspectiva das pessoas que fazem parte destas condições. Seguindo-se esta linha de raciocínio, um pes quisador qualitativo preferiria que as condições da vida real e as perspectivas dos outros ajudassem a definir as su bsequentes questões e delineamento do estudo. Consequentemente, esses pesquisadores atribuem grande valor ao t rabalho de campo em alguma etapa precoce no processo de iniciação. Ao mesmo tempo, “trabalho de campo primeiro” terá mais chance de ser eficaz se você explicitamente articular o que você espera aprender realizando o trabalho de campo. As aprendizagens previstas podem assumir ao menos três formas. Primeiro, elas podem ser substantivas (p. ex., se você deve aprimorar ou remodelar seu tema de interesse). Segu ndo, elas podem ser metodológicas (p. ex., se as pessoas no campo são tão acessíveis e informativas quanto você e sperava). Terceiro, o campo de trabalho pode orientá-lo a perspectivas relevantes (p. ex., como as pessoas no cam po pensam sobre suas atividades ou sobre eventos da vida real). Seja como for, resumir suas aprendizagens previst as por escrito de antemão vai ajudar a focar realmente sua experiência inicial de trabalho de campo. Assim, nesse sentido, “trabalho de campo primeiro” ainda exige preparação. A menos que você seja um pesquisador altamente experiente, a decisão de fazer “trabalho de campo primeiro” não deve ser tomada irrefletidamente. Sua presença e perguntas iniciais em campo, e a exposição inicial dos outro s a você e seus objetivos de pesquisa, tudo isso criará primeiras impressões indeléveis. Em uma situação da vida re al (quer você esteja diretamente observando eventos ou entrevistandoalguma outra pessoa sobre esses eventos), v ocê não pode se dar ao luxo de parecer que não sabe o que está fazendo. As outras pessoas aceitarão prontamente e podem inclusive apreciar que você quer uma perspectiva de campo para ajudar a refinar ou até questionar suas in tenções de pesquisa originais. Entretanto, as pessoas vão ser menos tolerantes e podem até se negar a continuar co operando se sentirem que você pode estar desperdiçando o tempo delas (e o seu) por falta de direção. Iniciando com as questões de pesquisa Seus colegas que fazem outros tipos de pesquisa (incluindo aquelas fora das ciências sociais, mas não necessariam ente pesquisa qualitativa), estarão mais acostumados a iniciar primeiro com as questões de pesquisa. As questões n ão apenas refletirão o que você espera estudar, mas também devem ser posicionadas de maneira cativante em relaç ão à literatura existente. Assim, a opção “questões primeiro” é importante. Uma crença comum na pesquisa fora d os estudos qualitativos é que a boa pesquisa geralmente só resulta de um bom conjunto de questões. Posteriormente, mesmo que você comece com uma opção de “trabalho de campo primeiro”, você vai precisar d esenvolver um conjunto de questões de pesquisa. Entretanto, como elas podem ser revistas e revisadas à medida q ue seu estudo prosseguir, você não deve pensar que o primeiro conjunto de questões serão necessariamente as que stões finais.2 O desafio do que compreende boas questões de pesquisa não tem uma fórmula pronta. Sua incursão anterior na literatura, para criar um banco de estudos, proverá muitos exemplos de questões de pesquisa de outros estudos. Para desenvolver um conjunto preliminar de suas próprias questões de pesquisa, você pode trabalhar com essas ou com questões propostas ao descrever suas metas de estudo a colegas, ou com alguma outra fonte por você definida. Se você examinar o banco de estudos como uma fonte, uma breve revisão não mostrará uma seção explícita em que os investigadores relatam rotineiramente suas questões de pesquisa. Em vez disso, você deve ler um estudo atentamente, procurando expressões como “o propósito deste estudo é...” ou “este estudo tem por objetivo...” Quando as questões de pesquisa de um estudo não são explicitamente enumeradas, suas questões geralmente estão contidas nessas ou em expressões semelhantes. Em vez de procurar literalmente por um conjunto de questões de pesquisa, pense sobre encontrar algo como a indagação ou fundamento lógico de um estudo. Você deve então descobrir exemplos como os que seguem (os três exemplos foram retirados de meu banco de estudos): O estudo aborda como estudantes imigrantes vietnamitas no ensino médio vivenciam os processos de formação cultural e de formação de identidades em sua transição para a educação escolar dos Estados Unidos. O estudo procura compreender melhor de que modo as categorias de identidade de gênero e cultural se relacionam com as experiências acadêmicas e sociais de estudantes que imigraram recentemente (Stritikus & Nguyen, 2007). O estudo tenta explicar diferenças entre escolas de baixo e alto desempenho, examinando diferenças nos níveis t écnico, gerencial e institucional da saúde organizacional das escolas (Brown, Anfara, & Roney, 2004). O propósito do estudo era compreender as percepções de universitários afro-americanos bem-sucedidos, formad os em dois grandes distritos escolares urbanos que agora estavam enfrentando graves problemas. O objetivo er a descobrir os pensamentos profundos, experiências e significados construídos dos alunos sobre sua experiênc ia escolar anterior e sua transição para a faculdade (Wasonga & Christman, 2003). Em outras ocasiões, o material pertinente é apresentado na forma de reais questões de estudo, como nos exempl os a seguir: Quais percepções e atitudes os estudantes de primeira geração de faculdades urbanas têm de sua preparação esc olar no ensino médio para a educação superior, e quais foram as virtudes e deficiências de sua preparação no e nsino médio (Reid & Moore, 2008)? Como uma determinada universidade tornou-se líder e defensora de políticas de admissão conscientes de raça; e como os líderes universitários responderam aos desafios legais, para defender sua posição sobre políticas cons cientes de raça (Green, 2004). Sejam quais forem as formas usadas para declarar a investigação, o fundamento lógico, ou as questões de um es tudo, observe como os exemplos vão significativamente muito além dos temas originais listados na Tabela 4.2. As afirmações ou perguntas começam a sugerir o tipo de dados que serão coletados pelo estudo, o que os temas origin ais não fizeram. Os exemplos não mostram, mas se você examinar atentamente os estudos reais listados no banco de estudos (o u aqueles listados em seu próprio banco de estudos), há uma outra relação: as introduções aos estudos contêm revi sões da literatura que situam os objetivos ou questões do estudo dentro da literatura, argumentando em favor do po tencial significado do estudo em relação à literatura mais ampla. (A presença de uma discussão desse tipo não sign ifica, contudo, que o autor revisou a literatura antes de iniciar o trabalho de campo – mais uma vez, um exemplo d e como a apresentação linear dos temas não coincide necessariamente com a ordem em que eles foram criados.) N esse sentido, possuir um bom conjunto de questões de pesquisa vai ajudar a definir as futuras decisões na realizaçã o de seu estudo, tais como o desenvolvimento de instrumentos de campo e outros de coleta de dados, assim como definir o nicho de seu estudo prospectivo na literatura mais ampla. Tendo estabelecido um conjunto inicial de questões de pesquisa, você agora está em uma boa posição para, cas o deseje, articular o delineamento de seu estudo ainda mais, como discutido no Capítulo 4. Examinando sua bagagem de conhecimentos e percepções em relação a um nov o estudo Existe, contudo, mais um prelúdio importante. Tendo começado a articular seus temas, métodos e fontes de evidên cia, juntamente com as eventuais questões de pesquisa, você precisa avaliar todas essas considerações em relação a sua própria bagagem. A pesquisa qualitativa irá fundamentalmente envolver-lhe como um instrumento básico de pesquisa (ver Cap. 5 , item D). A necessária avaliação provém de um autoexame de seus próprios conhecimentos e opiniões que podem influenciar seu papel como um instrumento de pesquisa. Você deve identificar os conhecimentos ou predileções pr évios que podem influenciar seu delineamento ou ações de coleta de dados. Inevitavelmente, e em função direta de ter escolhido um tema que é do seu interesse, haverá alguns fatores cont extuais. Normalmente as pessoas tendem a levar visões simpatizantes, antagônicas, ou excessivamente ingênuas a seus temas de interesse. Quaisquer dessas orientações podem influenciar as linhas de investigação de um estudo e consequentemente seus potenciais resultados. Você estaria enganando a si mesmo se pensasse que assume uma po stura totalmente neutra ou objetiva em seu estudo. A fase de iniciação de seu estudo, portanto, marca seus esforços iniciais para identificar e registrar o que posteri ormente será descrito como suas “lentes de pesquisa” (Cap. 11). Essa consciência e a manutenção de suas introspe cções em alguma forma escrita – por exemplo, seu próprio diário de pesquisa – devem continuar durante toda a re alização de seu estudo. O relato final do estudo, como discutido no Capítulo 11, deve conter uma seção sobre suas lentes de pesquisa e sua possível influência em todo o estudo e seus resultados. 1. O que constitui um estudo “original” 2. “Definir” em oposição a “delinear” um novo estudo 3. Banco de estudos 4. Temas de estudo consistindo geralmente de uma unidade focal e uma orientação de pesquisa 5. “Duplo uso” de fontes de campo 6. Revisão seletiva da literatura 7. Revisão abrangente da literatura 8. “Trabalho de campo primeiro” comparado com “questões de pesquisa primeiro” 9. Autoexame em relação a ser o instrumento básico depesquisa Depois de revisar a natureza e propósito de um banco de estudos como descritos no Capítulo 3, desenvo lva seu próprio banco de estudos (veja se você pode usar a conexão de sua universidade ou organização para acessar materiais de revistas). Defina um período (alguns anos ou mais) e um grupo de 10 a 15 revi stas em que pesquisa qualitativa aparece regularmente ou com alguma frequência. Tome um breve conju nto de notas sobre os temas abordados por cada um de cerca de 30 estudos (ou mais, se você quiser). L embre-se de que o banco de estudos deve conter apenas estudos reais, não revisões da literatura, artigo s metodológicos, ensaios teóricos, ou outros trabalhos publicados que não apresentem ou analisem dado s reais oriundos de um estudo ou projeto específico. Use suas notas para criar uma tabela formal contendo os temas de cada um dos estudos, possivelmente reunidos em subgrupos como a Tabela 3.2. Use expressões paralelas e curtas e capriche na apresentaçã o da tabela, como se ela fosse aparecer formalmente em algum estudo seu. Para um conjunto menor de estudos que podem ser sobre um tema que lhe interessa, tome mais notas e faça uma segunda tabela, d escrevendo sucintamente os métodos usados em cada um desses subconjuntos menores de estudos. Banco de estudos ilustrativo para o Capítulo 3 EQ, estudo qualitativo; EC, estudo de caso; EE, estudo de entrevistas (incluindo grupos focais); MM, estudo de métodos mistos. Bauer, M. J., Rottunda, S., & Adler, G. (2003). Older women and driving cessation. Qualitative Social Work, 2, 309-325. (EC) Bempechat, J., Boulay, B. A., Piergross, S. C., & Wenk, K. A. (2008). Beyond the rhetoric: Understanding achievement and motivation in C atholic school students. Education and Urban Society, 40, 167-178. (EE) Bourgois, P., & Schonberg, J. (2007). Intimate apartheid: Ethnic dimensions of habitus among homeless heroin injectors. Ethnography, 8, 7- 31. (EQ) Britton, M. (2008). “My regular spot”: Race and territory in urban public space. Journal of Contemporary Ethnography, 37, 442-468. (EQ) Brown, K. M., Anfara, V. A., Jr., & Roney, K. (2004). Student achievement in high performing suburban middle schools and low performin g urban schools: Plausible explanations for the differences. Education and Urban Society, 36, 428-456. (EC) Clawson, L. (2005). “Everybody knows him”: Social networks in the life of a small contractor in Alabama. Ethnography, 6, 237-264. (EQ) Cleaveland, C. (2005). A desperate means to dignity: Work refusal amongst Philadelphia welfare recipients. Ethnography, 6, 35-60. (EQ) Cohen-Vogel, L., Ingle, W. K., Levine, A. A., & Spence, M. (2008). The “spread” of merit-based college aid: Politics, policy consortia, and interstate competition. Education Policy, 22, 339-362. (MM) Collins, C. C., & Dressler, W. W. (2008). Cultural consensus and cultural diversity: A mixed methods investigation of human service provid ers’ models of domestic violence. Journal of Mixed Methods Research, 2, 362-387. (MM) Cristancho, S., Garces, D. M., Peters, K. E., & Mueller, B. C. (2008). Listening to rural Hispanic immigrants in the Midwest: A community- based participatory assessment of major barriers to health care access and use. Qualitative Health Research, 18, 633-646. (EE) Dohan, D. (2002). Making cents in the barrios: The institutional roots of joblessness in Mexican America. Ethnography, 3, 177-200. (EQ) Fail, H., Thompson, J., & Walker, G. (2004). Belonging, identity, and third culture kids: Life histories of former international school student s. Journal of Research in International Education, 3, 319-338. (EE) Fetherston, B., & Kelly, R. (2007). Conflict resolution and transformative pedagogy: A grounded theory research project on learning in high er education. Journal of Transformative Education, 5, 262-285. (EQ) Garot, R., & Katz, J. (2003). Provocative looks: Gang appearance and dress codes in an inner-city alternative school. Ethnography, 4, 421-4 54. (EQ) Gowan, T. (2002). The nexus: Homelessness and incarceration in two American cities. Ethnography, 3, 500-534. (EQ) Green, D. O´N. (2004). Fighting the battle for racial diversity: A case study of Michigan’s institutional responses to Gratz and Grutter. Educ ational Policy, 18, 733-751. (EE) Gross, Z. (2008). Relocation in rural and urban settings: A case study of uprooted schools from the Gaza Strip. Education and Urban Society , 40, 269-285. (EC) Hsu, C. L. (2005). A taste of “modernity”: Working in a Western restaurant in market socialist China. Ethnography, 6, 543-565. (EQ) Huxham, C., & Vangen, S. (2003). Researching organizational practice through action research: Case studies and design choices. Organizati onal Research Methods, 6, 383-403. (EC) Jones, L., Castellanos, J., & Cole, D. (2002). Examining the ethnic minority student experience at predominantly white institutions: A case st udy. Journal of Hispanic Higher Education, 1, 19-39. (EC) Kadushin, C., Hecht, S., Sasson, T., & Saxe, L. (2008). Triangulation and mixed methods designs: Practicing what we preach in the evaluati on of an Israel experience educational program. Field Methods, 20, 46-65. (MM) Kitchen, J., & Stevens, D. (2008). Action research in teacher education: Two teacher-educators practice action research as they introduce act ion research to preservice teachers. Action Research, 6, 7-28. (EQ) Locke, M. G., & Guglielmino, L. (2006). The influence of subcultures on planned change in a community college. Community College Revie w, 34, 108-127. (EC) MacGregor, T. E., Rodger, S., Cummings, A. L., & Leschied, A. W. (2006). Qualitative Social Work, 5, 351-368. (EE) Markovic, M. (2006). Analyzing qualitative data: Health care experiences of women with gynecological cancer. Field Methods, 18, 413-429. (EE) Mendenhall, T. J., & Doherty, W. J. (2007). Partners in diabetes: Action research in a primary care setting. Action Research, 5, 378-406. (E Q) Mendlinger, S., & Cwikel, J. (2008). Spiraling between qualitative and quantitative data on Women’s health behaviors: A double helix mode l for mixed methods. Qualitative Health Research, 18, 280-293. (MM) Menning, C. L. (2008). “I’ve kept it that way on purpose”: Adolescents’ management of negative parental relationship traits after divorce an d separation. Journal of Contemporary Ethnography, 37, 586-618. (EE) Nandhakumar, J., & Jones, M. (2002). Development gain?: Participant observation in interpretive management information systems research . Qualitative Research, 2, 323-341. (EQ) Nichter, M., Adrian, S., Goldade, K., Tesler, L., & Muramoto, M. (2008). Smoking and harm-reduction efforts among postpartum women. Q ualitative Health Research, 18, 1184- 1194. (EE) Ortner, S. B. (2002). “Burned like a tattoo”: High school social categories and “American culture.” Ethnography, 3, 115-148. (EQ) Parmelee, J. H., Perkins, S. C., & Sayre, J. J. (2007). “What about people our age?”: Applying qualitative and quantitative methods to uncov er how political ads alienate college students. Journal of Mixed Methods Research, 1, 183-199. (MM) Pettinger, L. (2005). Representing shop work: A dual ethnography. Qualitative Research, 5, 347-364. (EQ) Read, T., & Wuest, J. (2007). Daughters caring for dying parents: A process of relinquishing. Qualitative Health Research, 17, 932-944. (EE ) Reid, M. J., & Moore, J. L., III. (2008). College readiness and academic preparation for postsecondary education: Oral histories of first-gene ration urban college students. Urban Education, 43, 240-261. (EE) Roff, L. L., et al. (2007). Long distance parental caregivers’ experience with siblings. Qualitative Social Work, 6, 315-334. (EE) Scott, G. (2004). “It’s a sucker’s outfit”: How urban gangs enable and impede the reintegration of ex-convicts. Ethnography, 5, 107-140. (E Q) Scott, S. M. (2003). The social construction of transformation. Journal of Transformative Education, 1, 264-284. (EE) Stoller, P. (2002). Crossroads: Tracing African paths on New York City streets. Ethnography, 3, 35-62. (EQ) Stritikus, T.,& Nguyen, D. (2007). Strategic transformation: Cultural and gender identity negotiation in first-generation Vietnamese youth. American Educational Research Journal, 44, 853-895. (EQ) Tedrow, B., & Rhoads, R. A. (1999). A qualitative study of women´s experiences in community college leadership positions. Community Co llege Review, 27, 1-18. (EQ) Tibbals, C. A. (2007). Doing gender as resistance: Waitresses and servers in contemporary table service. Journal of Contemporary Ethnogra phy, 36, 731-751. (EQ) Tinney, J. (2008). Negotiating boundaries and roles: Challenges faced by the nursing home ethnographer. Journal of Contemporary Ethnogr aphy, 37, 202-225. (EQ) van Uden-Kraan, C., Drossaert, C. H. C., Taal, E., Shaw, B. R., Seydel, E. R., & van de Laar, M. (2008). Empowering processes and outcom es of participation in online support groups for patients with breast cancer, arthritis, or fibromyalgia. Qualitative Health Research, 18, 405-4 17. (EE) Voils, C. I., Sandelowski, M., Barroso, J., & Hasselblad, V. (2008). Making sense of qualitative and quantitative findings in mixed research synthesis studies. Field Methods, 20, 3-25. (MM) Wasonga, T., & Christman, D. E. (2003). Perceptions and construction of meaning of urban high school experiences among African Americ an university students. Education and Urban Society, 35, 181-201. (EE) Weitzman, P. F., & Levkoff, S. E. (2000). Combining qualitative and quantitative methods in health research with minority elders: Lessons f rom a study of dementia caregiving. Field Methods, 12, 195-208. (MM) Westhue, A., Ochocka, J., Jacobson, N., Simich, L., Maiter, S., Janzen, R., et al. (2008). Developing theory from complexity: Reflections on a collaborative mixed method participatory action research study. Qualitative Health Research, 18, 701-717. (MM) Woodgate, R. L., Ateah, C., & Secco, L. (2008). Living in a world of our own: The experience of parents who have a child with autism. Qua litative Health Research, 18, 1075-1083. (EE) Yauch, C. A., & Steudel, H. J. (2003). Complementary use of qualitative and quantitative cultural assessment methods. Organizational Rese arch Methods, 6, 465-481. (MM) Zalaquett, C. P. (2005). Study of successful Latina/o students. Journal of Hispanic Higher Education, 5, 35-47. (EE) Zhou, Y. R. (2008). Endangered womanhood: Women’s experiences with HIV/AIDS in China. Qualitative Health Research, 18, 1115-1126. (EE) NOTAS 1. Uma exceção importante poderia ser um estudo de replicação, deliberadamente projetado para duplicar um estudo anterior e determinar se os mesmos resultados seriam obtidos. Contudo, estudos de replicação não são discutidos neste livro. 2. Você não deve ser levado a crer que o padrão iterativo e recursivo se limita à realização de pesquisa qualitativa, muito menos ser considerado uma característica distintiva desse tipo de pesquisa. Experimentos laboratoriais também seguem um padrão semelhante, os investigadores tendo que revisar suas questões de pesquisa depois de executar alguns testes iniciais e possivelmente revisitar sua instrumentação ou procedimentos. O Capítulo 12 discute esses e outros paralelos entre pesquisa qualitativa e não qualitativa. parte II Fazendo pesquisa qualitativa 4 Escolhas no delineamento de estudos de pesquisa qualitati va Todo estudo investigativo tem um delineamento, implícito ou explícito. Os pesquisadores procuram usa r delineamentos robustos para reforçar a validade de seus estudos e assegurar que os dados a serem coletados confrontem adequadamente o tema de pesquisa que está sendo estudado. A pesquisa qualit ativa também tem delineamentos, mas não tipos ou categorias fixas de delineamentos. Assim, o prese nte capítulo descreve oito procedimentos diferentes que podem ser considerados no delineamento de pesquisa qualitativa. A pesquisa qualitativa se distingue pela potencial resistência a fazer excessivo, se fizer algum, trabal ho antecipado de delineamento – para evitar a imposição de critérios ou categorias externas, ou qualqu er regime fixo à realidade da vida real sendo estudada. Por isso, o presente capítulo discute os oito pro cedimentos como “escolhas”, sendo os pesquisadores livres, e não obrigados a adotar os procediment os de delineamento mais adequados a seus estudos específicos. Como seria de esperar, a primeira es colha é trabalhar no delineamento no início de um estudo ou não. Você pode criar uma plataforma sólida para seu estudo pensando cuidadosamente sobre seu delineamento de pesq uisa. Entretanto, um delineamento ponderado não significa adotar automaticamente diversos procedimentos de del ineamento rígidos. Ponderação aqui significa tomar decisões explícitas em primeiro lugar sobre querer ou não se p reocupar com todos esses procedimentos. O resultado geral de sua ponderação, sejam quais foram os procediment os específicos então adotados, será uma maior probabilidade de completar um estudo válido, ou seja, um estudo cu jos resultados realmente confrontem as questões iniciais ou temas de estudo. Breve definição dos delineamentos de pesquisa Delineamentos de pesquisa são modelos lógicos. Os delineamentos servem como projetos “lógicos”, não os planos “logísticos” muitas vezes citados por outros (os planos logísticos são todavia necessários, mas abrangem o gerenci amento de sua pesquisa, tal como o cronograma e a coordenação do trabalho). A lógica envolve as ligações entre as questões de pesquisa, os dados a serem coletados e as estratégias para anal isar os dados – de modo que os resultados de um estudo confrontem as questões de pesquisa pretendidas. A lógica também ajuda a reforçar a validade de um estudo, incluindo sua precisão. Por exemplo, um estudo comunitário pode ter se iniciado com sua principal questão de pesquisa focada na natur eza da prevenção de crimes residenciais. Entretanto, a coleta de dados acabou cobrindo apenas as organizações de moradores formalmente criadas, ignorando um grande número de redes informais. Os resultados devem, po rtanto, ser limitados à prevenção de crimes por organizações formais, resultando ou em uma questão de pesqui sa modificada (o que pode ser indesejável ou inaceitável) ou produzindo um entendimento distorcido de todo o arsenal de prevenção de crimes residenciais. Por definição, todos os estudos investigativos possuem um modelo ou delineamento implícito, quer você o tenh a planejado ou não. Entretanto, ele não precisa ser criado no início de um estudo. Em pesquisa qualitativa, a quanti dade de trabalho de delineamento que é feito de antemão é uma questão de escolha. Além disso, mesmo durante a realização de seu estudo você pode dar atenção diferenciada a diferentes partes dos delineamentos – possivelment e até ignorando algumas partes. Os delineamentos também podem mudar no decorrer de um estudo. As principais condições do delineamento, inclusive se iremos trabalhar no delineamento antecipadamente, são o tema do present e capítulo. Opções de delineamento A abordagem de “escolha” implicada pelo título deste capítulo parece justificada porque a pesquisa qualitativa não tem um conjunto de delineamentos fixos, como pode parecer existir ao fazer experimentos. Em outras palavras, u ma vez que não há uma tipologia clara dos modelos, todo estudo qualitativo tende a variar em seu delineamento, e ter diversas opções disponíveis permite que você possa personalizar seu delineamento como considerar adequado. Ao mesmo tempo, não há dúvida de que seu estudo concluído terá, em retrospecto, algum tipo de delineamento . Você pode ter planejado apenas algumas das características, deixando as outras emergirem no decorrer do estudo . O delineamento final pode se revelar robusto a despeito de sua falta de atenção. Inversamente, o delineamento po de não ser o que você queria que ele fosse, e o estudo pode ter falhas. Vamos agora passar para as escolhas. OPÇÃO 1: INICIANDO O DELINEAMENTO DE PESQUISA NO COMEÇO D E UM ESTUDO (OU NÃO) O que você deve aprender nesta seção: 1. Os prós e contras de iniciar um delineamentode pesquisa no começo de um estudo qualitativo. 2. Delineamento como um processo iterativo. Nem todos os estudos qualitativos se iniciam tendo um delineamento de pesquisa. Para tais estudos, o delineament o portanto não serve como um plano para conduzir o estudo, mas somente como uma característica retrospectiva d ele. Os pesquisadores qualitativos não produziram um consenso claro sobre o valor de criar delineamentos de pesqu isa antes de iniciar a coleta de dados. As diferenças de opinião mais uma vez se concentram na tensão apresentada pelas escolhas destacadas ao fim do Capítulo 3: definir a direção de um estudo antecipadamente (p. ex., a opção de “questões primeiro”) versus deixar que as experiências de campo iniciais (e daí uma coleta de dados precoce) influ enciem o rumo do estudo (p. ex., a opção de “trabalho de campo primeiro”). O presente capítulo não toma partido no assunto. Assim, iniciar um delineamento antecipadamente (ou não), ou dar atenção precoce a algumas características de delineamento (como identificadas nas sete escolhas de delineame nto adicionais no restante deste capítulo), mas não a outras, representa a primeira “escolha” de delineamento apre sentada por este capítulo. Sua própria experiência de pesquisa qualitativa, as normas que você deseja seguir e as n ormas em vigor onde você faz sua pesquisa indicarão em que medida você poderia desenvolver um delineamento de pesquisa antecipadamente. Quer você esteja iniciando-o no começo ou não, lembre-se de que o processo de delineamento é recursivo. Isso significa que partes do delineamento podem ser implementadas à medida que o estudo avança, e que essas caracter ísticas de delineamento também podem ser revistas mais de uma vez no decorrer do estudo. Por exemplo, Joseph Maxwell, que talvez seja quem mais escreveu sobre delineamentos de pesquisa qualitativa, caracteriza o processo como uma abordagem “interativa”, em que o “propósito, as questões de pesquisa, o cont exto conceitual, os métodos e a preocupação com a validade de um estudo qualitativo interagem constantemen te” (Maxwell, 1996, p. 1-8). O fato de que essas escolhas recursivas e outras arbitrárias podem ser feitas durante a realização de um estudo d irige a atenção diretamente para a questão da integridade do pesquisador (anteriormente discutida no Cap. 2, item D). Como a pesquisa qualitativa permite, e de certa forma encoraja múltiplos ajustes em qualquer fase do processo de estudo, os pesquisadores têm a oportunidade, diferentemente do que ocorre na maioria dos outros tipos de pesq uisa, de influenciar os resultados. Essa influência pode ser proposital ou inadvertida. Se proposital, o pesquisador teria fracassado em atender aos padrões de integridade de pesquisa aceitável. Se in advertida (e influências inadvertidas podem ser uma presença constante na pesquisa), o investigador tem a obrigaç ão de confrontar o modo como tais influências podem ter ocorrido e seu potencial efeito nos resultados de um estu do. Essa obrigação é tão importante que é discutida em passagens ao longo deste livro em referência à manutenção de notas para você mesmo (inclusive um diário pessoal). As notas devem tratar das questões de reflexividade, do p esquisador como instrumento de pesquisa e das “lentes” do pesquisador, também discutidas ao longo do livro. (Ve r a discussão no Cap. 11, item D, sobre seu “self reflexivo”.) OPÇÃO 2: TOMAR MEDIDAS PARA REFORÇAR A VALIDADE DE UM EST UDO (OU NÃO) O que você deve aprender desta seção: 1. Como empenhar-se para obter um estudo válido. 2. Duas práticas especialmente difundidas para reforçar a validade de um estudo. A segunda escolha na verdade envolve várias escolhas. Todas elas se referem a modos de reforçar a validade de u m estudo qualitativo. À primeira vista, a noção de “reforçar a validade” se contrapõe à nossa compreensão de vali dade como um conceito estritamente bivariado (existe ou não existe). Em vez disso, considere que todo estudo co ntém muitas alegações diferentes, cada uma das quais podendo ser válida ou não. Seu objetivo seria validar tantas dessas alegações quanto possíveis, assim reforçando a validade de um estudo em geral. O que significa validade ao fazer pesquisa Para todos os tipos de pesquisa, incluindo pesquisa qualitativa, possivelmente a questão fundamental do controle d e qualidade trata da validade de um estudo e seus resultados. Um estudo válido é aquele que coletou e interpretou seus dados adequadamente, de modo que as conclusões reflitam com precisão e representem a vida real (ou o labo ratório) que foi estudado. Inversamente, estudos são, em qualquer área, inválidos se chegarem a resultados falsos. Esse desfecho é improvável de ocorrer, mas os estudos devem não obstante usar características do delineamento q ue reforcem a validade de suas alegações e resultados. Observe que a questão da validade não se limita aos resultados do estudo. A questão se refere à simples descriç ão de um evento de campo ou das opiniões de um participante. Esses numerosos itens podem ser considerados os f atos apresentados por um estudo, e todos eles exigem validação. Em pesquisa qualitativa, é essencial não confundir o desejo de validade com o posicionamento do pesquisador e m termos relativista-realista (descrito anteriormente no Cap. 1, item C). Em outras palavras, mesmo um estudo qu e adote uma postura relativista (i.e., sustentando que não existe uma realidade única) ainda precisa tratar da valida de dos resultados relativistas. Você pode pensar o problema em termos de se outro estudo, com as mesmas lentes ou orientação, teria colhido as mesmas evidências e teria chegado às mesmas conclusões que aquelas de seu estud o. Maxwell destaca as questões de validade referindo-se à “correção ou credibilidade de uma descrição, conclusão , explicação, interpretação, ou outra forma de descrição” (1996, p. 87). Baseado em seu próprio trabalho bem com o em inúmeros outros estudos qualitativos, Maxwell também compilou e resumiu ao menos sete modos de confron tar os desafios da validade (ver “Sete estratégias para combater ameaças à validade em pesquisa qualitativa”, Qua dro 4.1.). A maioria das práticas recomendadas é fácil de entender e aplicar, e cada uma representa uma “escolha”. Assim, você deve ser capaz de incorporá-las a seu delineamento de estudo caso opte por isso. Sete estratégias para combater ameaças à validade na pesquisa qualitativa Joseph Maxwell (2009, p. 244-245) oferece uma lista de sete pontos a serem verificados para combat er as ameaças à validade: 1. Envolvimento [de campo] intensivo a longo prazo – para produzir uma compreensão completa e aprofundada das situações de campo, incluindo a oportunidade de fazer repetidas observações e entrevistas. 2. Dados “ricos” – para cobrir plenamente as observações e entrevistas de campo com dados detalhados e variado. 3. Validação do respondente – para obter retorno das pessoas estudadas, para diminuir a má interpretação dos seu s comportamentos e opiniões de autorrelato. 4. Busca de evidências discrepantes e casos negativos – para testar explicações rivais ou concorrentes. 5. Triangulação – para coletar evidências convergentes de diferentes fontes. 6. Equivalentes estatísticos – usar números reais em vez de adjetivos, tais como ao afirmar que alguma coisa é “típi ca”, “rara”, ou “prevalente”. 7. Comparação – comparar explicitamente os resultados entre diferentes ambientes, grupos, ou eventos. Duas das sete práticas, procurar “evidências discrepantes e casos negativos” (também conhecida como testar ex plicações rivais ou concorrentes) e “triangulação” precisam de maior elaboração. As práticas podem ser mais prev alentes do que geralmente se reconhece. Ambas levantam a necessidade de o pesquisador assumir uma orientação ou conduta metódica na realização de um estudo. Neste sentido, ambas envolvem mais do que uma prática única o u específica. As duas são portanto discutidas em maior detalhe a seguir. Explicações rivais Explicações rivais não são meramenteinterpretações alternativas. Rivais verdadeiras competem diretamente uma com a outra e não podem coexistir. Em pesquisa, pense em seus resultados e sua interpretação como combatentes que podem ser contestados por um ou mais rivais. Se uma das rivais se revela mais plausível do que sua interpreta ção original, você teria que rejeitar sua interpretação original, não apenas adicionar uma nota de rodapé sobre isso. Ao reconhecer adequadamente a rival e rejeitar sua interpretação original, você na verdade fortaleceu a validade d e sua pesquisa, especialmente se você também discute detalhadamente o fundamento lógico para aceitar ou rejeitar cada uma das rivais como parte de seu estudo (Campbell, 1975; Yin, 2000). Os pesquisadores deliberadamente procuram reforçar seus estudos procurando rivais durante todo o processo de estudo. Rivais podem existir em toda parte, não apenas na interpretação final dos resultados de um estudo. Por exe mplo, você inevitavelmente terá feito certas suposições sobre as características de seu ambiente de campo ou entre vistados por tê-los selecionado. Eles deviam ser a fonte de informações valiosas sobre seu tema de estudo. Um riv al constante, enquanto você coleta seus dados, deve apontar para a possibilidade de que a informação poderia ser e nganadora ou equivocada e que outras fontes (ambientes ou entrevistas) poderiam oferecer melhores pontos de vis ta. Você deve tomar medidas constantemente durante sua coleta de dados para “testar” essa rival. De modo geral, a orientação desejada para o pensamento rival por parte dos pesquisadores assume maior import ância do que simplesmente estipular uma ou mais explicações rivais na conclusão de seu estudo. O pensamento riv al desejado deve se basear em um constante senso de ceticismo enquanto você conduz seu estudo. O ceticismo env olveria fazer a si mesmo perguntas como: se os fatos e ações são como parecem ser; se os participantes estão dando suas respostas mais sinceras ao falar com você; e se suas suposições originais sobre um tema e suas características foram realmente corretas. A atitude cética levaria você a coletar mais dados e fazer mais análise do que se você não estivesse interessado em rivais. Por exemplo, você poderia fazer mais verificações, você poderia conferir mais outras fontes do que teria feito originalmente e você poderia ainda explorar algumas possibilidades remotas em vez de ignorá-las. Em outras palavras, toda faceta de sua pesquisa e métodos de pesquisa poderia ser sujeitada a explicações rivais. Ter evidênc ias sólidas para descartá-las (ou, alternativamente, cedendo a uma rival e rejeitando suas suposições originais) é u m modo essencial de reforçar a validade de seu estudo. Além disso, sua busca por tais “evidências discrepantes” deveria ser o mais rigorosa possível, como se você est ivesse tentando estabelecer a potência do rival mais do que procurando solapá-lo (Patton, 2002, p. 553; Rosenbau m, 2002, p. 8-10). Se nenhuma evidência desse tipo for encontrada apesar de diligente busca, você se sentiria mais confiante na descrição, atribuição, ou interpretação fundamental de seu estudo. Em suma, todos os tipos de rivais são possíveis a cada passo de seu estudo. Os estudos investigativos mais forte s são aqueles conduzidos com uma mentalidade cética. Eles tentam identificar e testar possíveis explicações rivais como parte integrante de todo o processo de pesquisa (Campbell, 2009; Yin, 2000). O pensamento rival deve entã o fazer parte da composição final da pesquisa, incluindo as breves sínteses do estudo, que geralmente assumem a f orma de um abstract (Kelly & Yin, 2007). Triangulação O princípio de triangulação vem da navegação, em que a intersecção de três pontos de referência diferentes é usad a para calcular a localização precisa de um objeto (Yardley, 2009, p. 239). Em pesquisa, o princípio refere-se ao o bjetivo de buscar ao menos três modos de verificar ou corroborar um determinado evento, descrição, ou fato que e stá sendo relatado por um estudo. Tal corroboração serve como uma outra forma de reforçar a validade de um estu do. Tal como acontece com o pensamento rival, a triangulação também pode ser aplicada ao longo de um estudo, e mbora a prática tenha tendido a ser associada à fase de coleta de dados. Ao coletar dados, a triangulação ideal não apenas buscaria confirmação de três fontes, mas tentaria encontrar três tipos diferentes de fontes. Assim, se você v isse um evento com seus próprios olhos (uma observação direta), e ele lhe fosse relatado por outra pessoa que o pr esenciou (um relato verbal) – e ele fosse descrito de maneira semelhante em um relato posterior escrito por uma te rceira pessoa (um documento) – você teria considerável confiança em seu relato daquele evento. Se em contraste s eu estudo focasse na visão de mundo de um participante, sem considerar sua relação com outras fontes, você pode ria ainda triangular conversando com o participante em duas ou mais ocasiões sobre a visão dele, para garantir que você havia representado corretamente a visão do participante. Muitas vezes, tipos diferentes de fontes podem não estar disponíveis. Você pode ter que se basear nos relatos ve rbais de três pessoas diferentes (ou nas informações de três documentos diferentes), mas não ter outra fonte de cor roboração. Em tais situações, você precisaria verificar se as fontes realmente representaram três relatos independe ntes, precavendo-se para a possibilidade de que os relatos estivessem de alguma forma ligados. Por exemplo, dois dos três documentos que inicialmente se apresentavam como fontes separadas poderiam simplesmente estar extrai ndo informações fundamentais do terceiro documento. A busca por relatos independentes pode ser especialmente problemática ao trabalhar com fontes da internet. O que pareciam ser três relatos diferentes em três sites diferentes poderiam facilmente provir da mesma fonte origina l. Por exemplo, muitas reportagens se baseiam no trabalho de uma conhecida e conceituada agência de notícias, a Associated Press (AP). Muitos sites pegam uma notícia da AP e publicam a mesma notícia, mas sem atribuí-la à A P. Se você pensasse que três desses sites estavam publicando a notícia de maneira independente e, por conseguinte , ajudando-lhe a corroborar ou triangular a notícia, você estaria equivocado. A necessidade de triangular será menos importante quando você capturar e registrar os dados diretamente. Por e xemplo, se você pode gravar uma entrevista ou fotografar uma questão visualmente importante, haverá menos, ou nenhuma, necessidade de corroborar as evidências. Infelizmente, tomar essas providências nem sempre é viável o u desejável (ver Cap. 7, item D). Muitos estudos qualitativos também envolvem diálogos em idiomas estrangeiros. Uma prática valiosa, quando da apresentação de algum diálogo em um manuscrito final redigido em português, é apresentar a linguagem origin al e sua tradução lado a lado no texto. Os leitores familiarizados com o idioma estrangeiro podem então avaliar a a dequação da tradução por si mesmos. Infelizmente, tal prática tem sido adotada apenas raramente (ver Valdés, 199 6, para uma das poucas exceções; consulte também o Quadro 10.3). OPÇÃO 3: ESCLARECENDO A COMPLEXIDADE DAS UNIDADES DE COL ETA DE DADOS (OU NÃO) O que você deve aprender nesta seção: 1. Um componente-chave em um estudo empírico, incluindo seus diferentes níveis. 2. A necessidade de uma clara compreensão da relação entre o componente e o tema de um estudo qualit ativo. Delineamentos de pesquisa também definem a estrutura de um estudo. Um componente importante na estrutura, e m torno do qual todo estudo empírico gira, consiste em sua unidade de coleta de dados.1 Em que medida você quer atentar para essa questão é uma terceira escolha. Todo estudo tem suas unidades de coleta de dados. Por exemplo, na parte de entrevistas de um estudo qualitativo, a unidade de coleta de dados é uma entrevista, e se seu estudo coletou dados de 15 entrevistados, isso significariaque ele tem 15 dessas unidades. Por outro lado, se um estudo envolveu uma série de grupos focais como fonte de dados, cada grupo de foco seria uma das unidades de coleta de dados. Arranjos de aninhamento É interessante observar que a maioria dos estudos qualitativos tem mais do que um nível de coleta de dados. Esses múltiplos níveis tendem a se enquadrar em um arranjo de aninhamento: um nível mais geral (p. ex., um ambiente de campo) que contém ou inclui um nível mais estreito (p. ex., um participante no ambiente). Cada nível também t em números diferentes de unidades. Normalmente, a maioria dos estudos qualitativos poderia ter uma única unida de no nível mais amplo (p. ex., um único ambiente), mas diversas unidades no nível mais estreito (p. ex., múltiplos participantes no mesmo ambiente). Para ilustrar as unidades nestes dois níveis, a Tabela 4.1 lista muitos dos estudos qualitativos que aparecem nos Quadros neste livro. A lista mostra dois níveis de unidades de coleta de dados, bem como o principal tema de cada estudo. Observe que os principais temas na Tabela 4.1 são semelhantes aos temas anteriormente discutidos no Cap ítulo 3 como parte do processo de iniciação de um estudo. Temas e dois níveis de unidades de coleta de dados em estudos qualitativos ilustrativos Estudo Tema principal Nível de coleta de dados Nível mais amplo Nível mais estreito Allison & Zeliko w (1999; orig. 19 71) Confrontos entre superpotênci as Crise dos mísseis de Cuba envolvendo os Estad os Unidos e a União Soviética Políticas e ações Anderson (1999) Vida moral do centro da cidad e Uma sub-região da Filadélfia Famílias e indivíduos Bales (2004) Escravidão moderna Cinco países Escravos e senhores de escravos Ball, Thames, & Phelps (2008) Conhecimento de conteúdo di dático Uma sala de aula do 3º ano Comportamento cotid iano na sala de aula Bogle (2008) Novas normas sexuais Dois campi universitários Indivíduos Brubaker et al. ( 2006) Nacionalismo étnico Uma cidade no leste europeu Instituições e indivídu os Bullough (2001) Perspectivas dos alunos sobre sua educação Uma escola de ensino fundamental Alunos e seus profes sores Carr (2003) Controle social informal Um bairro na periferia de Chicago Ações comunitárias Duneier (1999) Interações em lugares público s Calçadas em uma cidade Vendedores e pesso as nas ruas Dunn (2004) Privatização de empresas Uma fábrica na Polônia Funcionários Edin & Kefalas ( 2005) Maternidade e casamento Oito bairros na Filadélfia Famílias e indivíduos Ericksen & Dyer (2004) Trabalho em equipe no local d e trabalho Cinco indústrias diferentes Equipes de projeto Gilligan (1982) Desenvolvimento moral e emo cional das mulheres Nenhum identificado Indivíduos Gross (2008) Desterro Faixa de Gaza Comunidades e escol as Hays (2003) Cultura da pobreza Dois postos da previdência em duas cidades dif erentes Indivíduos Hochschild (200 3; orig. 1989) Mulheres e trabalho Uma grande corporação e conhecidos relaciona dos Casais, indivíduos e cuidadores Irvine (2003) Entrega de animais de estima ção Uma loja de animais de estimação Empregados e cliente s Kuglemass (200 4) Educação inclusiva Uma escola de ensino fundamental Professores e funcion ários Lawrence-Lightf oot (1983) Cultura escolar Três escolas públicas e três escolas particulares de ensino médio nos Estados Unidos Funcionários e aluno s Levitt (2001) Migração transnacional Comunidades locais na República Dominicana e nos Estados Unidos Famílias e indivíduos Lew (2006) Estudantes americanos asiátic os Dois grupos de alunos: classe trabalhadora e cl asse média Indivíduos Lewis (1961) Cultura da pobreza Uma família mexicana Indivíduos Lewis (1965) Cultura da pobreza Quatro bairros em San Juan, Porto Rico Famílias Liebow (1967) Pobreza urbana Um bairro de baixa renda na área de Washingto n, DC, Homens subemprega dos Liebow (1993) Falta de moradia Um abrigo para moradores de rua na área de W ashington, DC Indivíduos Lynd & Lynd (19 29) Vida em uma cidade mediana dos Estados Unidos A cidade de Muncie, Indiana Práticas comunitárias Marwell (2007) Integração social e ordem soci al Oito organizações comunitárias em dois bairros Políticas, práticas e p essoas McQueeny (200 8) Raça, gênero e sexualidade Duas igrejas que apoiam homossexuais masculi nos e femininos Frequentadores de ig reja e equipe minister ial Mead (1928) Desenvolvimento adolescente feminino Três aldeias em Samoa Famílias e indivíduos Mulroy & Lauber (2004) Avaliação de centro familiar Um centro familiar Funcionários e client es Napolitano (200 2) Vida em um bairro urbano Um bairro no México Indivíduos Narotzky & Smit h (2006) Desenvolvimento econômico e político Uma região do leste da Espanha Instituições e famílias Neustadt & Fine berg (1983) Crise nacional de saúde Campanha nacional de vacinação Políticas e ações Newman (1999) Trabalhadores pobres urbanos Um bairro de Nova Iorque Empregados e empre gadores Padraza (2007) Imigração Quatro ondas de imigrantes cubanos Indivíduos Pérez (2004) Diferenças de gênero na trans migração transnacional Uma comunidade de envio em Porto Rico e um a comunidade de acolhimento em Nova Iorque Indivíduos Rabinow (2007; orig. 1977) Encontros ao fazer trabalho de campo Uma comunidade na Cordilheira dos Atlas no M arrocos Indivíduos Royster (2003) Experiências masculinas na tr ansição da escola para o traba lho Uma escola de ensino médio vocacional na áre a de Baltimore Diplomados da escol a Sarroub (2005) Aculturação étnica em escolas dos Estados Unidos Uma escola de ensino médio de Dearborn, Mich igan Alunos muçulmanos Schein (2003) Fim de uma grande empresa Uma grande empresa de computação Práticas e indivíduos Sharman (2006) Bairros étnicos mistos Um bairro da cidade de Nova Iorque Indivíduos Sidel (2006) Impacto da maternidade soltei ra Área metropolitana de Nova Iorque Indivíduos Small (2004) Pobreza e capital social Um conjunto habitacional em Boston Eventos comunitários Smith (2006) Migração para os Estados Uni dos Uma comunidade de envio no México e uma co munidade de acolhimento na cidade de Nova Ior que Indivíduos e uma org anização comunitária Stack (1974) Cultura da pobreza Uma comunidade negra perto de Chicago Famílias e indivíduos Stone (2007) Mulheres e trabalho Nenhum identificado Indivíduos Valdés (1996) Aculturação étnica em escolas dos Estados Unidos Dez famílias de imigrantes mexicanos Famílias e funcionári os da escola Valenzuela (199 9) Educação escolar de estudant es imigrantes Uma escola urbana de ensino médio Alunos e funcionários Williams (2006) Equidade no local de trabalho Duas lojas de brinquedos, em um bairro rico e e m um bairro pobre Indivíduos Wilson & Taub ( 2006) Tensões raciais, étnicas e de classe Quatro bairros de Chicago Indivíduos Yin (1982a) Prevenção da criminalidade Grupos de cidadãos de combate à criminalidade Líderes organizacion ais e polícia do bairro Yin (1982b) Serviços urbanos Sete bairros da cidade de Nova Iorque Condições físicas e i ndivíduos Em relação ao número de unidades em cada nível, a Tabela 4.1 também indica o número de unidades no nível mais amplo, como no estudo de Edin e Kefalas (2005) de oito bairros da Filadélfia, ou o estudo de Ericksen e Dye r (2004) das equipes de projeto em cinco indústrias. (Contudo, a Tab. 4.1 não mostra o número de unidades em um nível mais estreito.) Examinando-se melhor a Tabela 4.1, pode-se notar que as unidades ao nível mais amplo geralmente são alguma entidade geográfica, organizacional ou social. As unidades no nível mais estreito frequentemente consistem em p articipantes. Entretanto, o nível mais estreito também pode ter políticas, práticas, ou ações como unidades. É importante assinalar que a relação de aninhamento entre os níveis mais amplos e estreitos é relacional, não ab soluta. Por exemplo, a unidade no nível mais estreito também pode ser uma comunidade ou uma organização, com o no estudo de Gross (2008) da transferência de israelensespara fora da faixa de Gaza, também listado na Tabela 4.1. Além disso, o arranjo aninhado pode não ser limitado a dois níveis. Alguns estudos, porém não incluídos na T abela 4.1, podem na verdade ter um terceiro nível, ainda adicionalmente embutido (e até mais estreito). Relação entre o nível das unidades de coleta de dados e o principal tema de um estudo Esclarecer a complexidade potencial nas unidades de coleta de dados e seus níveis pode ser uma parte importante do delineamento e realização de seu estudo. Mais especificamente, as unidades precisam ser um reflexo apropriad o do principal tema de estudo: Por exemplo, na Tabela 4.1, o tema principal no estudo de Mead (1928) (desenvolvimento adolescente feminino ) indicava que as unidades no nível mais amplo (três aldeias) desempenhavam grandemente uma função conte xtual, ao passo que os dados para o tema principal vieram das unidades no nível mais estreito (os dados coleta dos de cada mulher e suas famílias). Entretanto, em outros estudos, tais como no de Lynd e Lynd (1929) de uma cidade mediana dos Estados Unidos , a unidade no nível mais amplo (Muncie, Indiana) era o principal tema de estudo, não as unidades no nível ma is estreito (práticas comunitárias). De modo geral, você vai querer entender claramente se um estudo (inclusive o seu) tem unidades de coleta de d ados em mais de um único nível e, se afirmativo, a relação entre eles. Essa compreensão levará a uma revelação m ais importante, que é amarrar a relação entre o nível de unidades de coleta de dados e o principal tema de um estud o. Por exemplo, depois de ter coletado uma certa quantidade de dados, você pode encontrar uma incongruência ent re o tema original e os resultados emergentes. Essa incongruência pode ocorrer se o tema refletiu um nível da unid ade de coleta de dados, ao passo que seus resultados emergentes vieram das unidades em outro nível. Tendo chegado a uma encruzilhada, você tem duas alternativas. Uma é colocar mais energia na coleta de dados das unidades no nível menos enfatizado, de modo que os resultados emergentes reflitam mais rigorosamente o tem a principal. A outra possibilidade é redefinir seu tema original. Observe, contudo, que tal redefinição também exig iria que você repensasse o nicho de seu estudo, porque o estudo agora estaria tratando de um tema ligeiramente dif erente. Essa transição, por sua vez, poderia exigir que você cobrisse um conjunto diferente de estudos prévios em sua revisão seletiva da literatura. Esses tipos de complexidades fazem parte da estrutura de um estudo. Atentar para elas vai ajudar a construir um a apreciação sobre (1) a necessidade de definir cada uma das unidades de coleta de dados com certo cuidado; (2) a probabilidade de ter unidades de coleta de dados em mais do que um único nível; (3) a relação entre os níveis (pro vavelmente um arranjo de aninhamento) e (4) a relação entre os níveis e o principal tema de estudo. Tudo isso pod e ser considerado parte do delineamento de um estudo qualitativo. OPÇÃO 4: ATENTANDO PARA A AMOSTRAGEM (OU NÃO) O que você deve aprender nesta seção: 1. Os dois desafios na amostragem. 2. Várias estratégias diferentes de amostragem. 3. Fundamentos lógicos para decidir sobre o tamanho das amostras. Definir e reconhecer formalmente suas unidades de coleta de dados acarreta uma quarta escolha de delineamento. A escolha envolve a seleção (ou amostragem) das unidades específicas, assim como o número delas, a serem inclu ídas em um estudo. A tarefa diz respeito às unidades nos níveis mais amplos e estreitos, com os estudos na Tabela 4.1 novamente fornecendo uma rica diversidade de exemplos ilustrativos em cada nível. Quase todo estudo tem a mostras em ambos os níveis, uma sendo no nível mais amplo e o outra no nível mais estreito. O desafio da amostragem decorre da necessidade de saber quais unidades específicas selecionar e por quê, bem como o número de unidades que devem existir em um estudo. Especialmente desafiadores são os estudos que pode m ter apenas uma única unidade de coleta de dados: Por exemplo, recorde a famosa autobiografia de Lewis (1961) de uma única família mexicana. A amostra d aquele estudo consistia de um tipo de unidade (a família) e uma instância daquela unidade (uma família me xicana), não diferente de outros estudos de “caso único” (ver Yin, 2009, p. 46-53). Justificar a escolha da(s) unidade(s) de coleta de dados, mesmo que haja apenas uma, faz parte do desafio de a mostragem. Amostragem intencional e de outros tipos Em pesquisa qualitativa, as amostras tendem a ser escolhidas de uma maneira deliberada, conhecida como amostr agem intencional. O objetivo ou propósito de selecionar as unidades de estudo específicas é dispor daquelas que g erem os dados mais relevantes e fartos, considerando seu tema de estudo. Por exemplo, se você estivesse estudando como as comunidades lidam com desastres naturais, você apre nderia mais coletando dados de um lugar que recentemente passou por uma catástrofe (e possa oferecer o portunidades para fazer observações diretas, não apenas coletar dados de entrevistas ou documentais) do que de outro cuja catástrofe aconteceu há muitos anos (e que só poderia fornecer informações retrospectiv as – a menos que você estivesse deliberadamente fazendo um estudo histórico). Da mesma forma, se o nível mais amplo e tema principal de um estudo fosse uma organização, sua amostr a no nível mais estreito de coleta de dados precisaria incluir o dirigente máximo da organização (muito emb ora o dirigente máximo de uma grande organização possa não aparecer como parte de uma amostra aleató ria de seus funcionários). Igualmente importante, a seleção dessas unidades deve procurar “obter a maior gama de informações e de persp ectivas sobre o tema do estudo” (Kuzel, 1992, p. 37). De alta prioridade neste aspecto, essas unidades devem inclu ir aquelas que poderiam oferecer evidências ou visões contrárias, especialmente diante da necessidade de testar ex plicações rivais (p. 37-41). Por exemplo, ao selecionar participantes, você deve deliberadamente entrevistar algum as pessoas que você suspeita que poderiam ter opiniões diferentes relacionadas a seu tema de estudo. Mais do que tudo, você quer evitar tendenciosidade – ou qualquer aparência de parcialidade – em seu estudo, escolhendo apena s as fontes que confirmem seus próprios pressupostos. A amostragem intencional difere de diversos outros tipos de amostragem: por conveniência, bola de neve e alea tória. A amostragem por conveniência – selecionar unidades de coleta de dados simplesmente por causa de sua pr onta disponibilidade – normalmente não é a preferencial. Ela tende a produzir um grau desconhecido de incomplet ude porque as fontes de dados imediatamente disponíveis tendem a não ser as mais informativas. Da mesma forma , amostras de conveniência tendem a produzir um grau indesejável de tendenciosidade. A amostragem em bola de neve – selecionar novas unidades de coleta de dados como um desdobramento das existentes – pode ser aceitável se o efeito de bola de neve tiver um propósito, e não feito por conveniência. Por ex emplo, no desenrolar de uma entrevista, você pode ficar sabendo de outras pessoas que poderiam ser entrevistadas . O efeito de bola de neve ocorre quando você vai atrás e permite que estes novos casos resultem na identificação de ainda outros entrevistados. O procedimento em bola de neve pode ser seguido, mas somente se você pensar ant ecipadamente sobre suas razões para escolher a(s) entrevista(s) subsequente(s). É preciso distinguir entre ter uma r azão com um propósito (p. ex., considera-se que um entrevistado prospectivo tem informações adicionais relevant es a seu estudo) e ter apenas uma razão de conveniência (p. ex., o entrevistado prospectivo por acaso está presente e tem uma hora livre para conversar com você). A amostragem aleatória – selecionar uma amostra de unidades definida estatisticamente de uma população de unidades conhecida – pode ser feita se seu estudopretende generalizar seus resultados numericamente a toda a po pulação de unidades. Tal fundamentação numérica, juntamente com os pressupostos sobre as propriedades da pop ulação, geralmente não são relevantes em pesquisa qualitativa – daí a raridade de encontrar amostras aleatórias em estudos qualitativos. (Uma contrastante maneira não numérica de generalização, altamente preferencial para pesqu isa qualitativa, é discutida posteriormente neste capítulo na Opção 7.) O número de unidades de coleta de dados a ser incluído em um estudo Não há fórmula para definir o número desejado de instâncias2 para cada unidade mais ampla ou mais estreita da coleta de dados em um estudo qualitativo. Em geral, números grandes podem ser melhores do que números pequenos, porque um número maior pode criar mais confiança nos resultados de um estudo das seguintes maneiras. Nível mais amplo No nível mais amplo, a maioria dos estudos só possui uma unidade de coleta de dados. A unidade pode ser um ambiente de campo, uma organização ou outra entidade, mais uma vez como ilustrado na Tabela 4.1. Os fundamentos lógicos para selecionar a única unidade incluem estudar um local raro, extremo, ou inversamente “típico”, em relação a seu tema de estudo. Se seu estudo pretende examinar hipóteses específicas, você também pode selecionar um local “crucial”, onde as hipóteses (e suas rivais) podem ser efetivamente examinadas (Yin, 2009, p. 47-49, discute os critérios de seleção em relação à seleção de estudos de caso único). Ao mesmo tempo, os estudos podem ter duas ou mais instâncias das unidades no nível mais amplo. Se escolhidas para serem instâncias contrastantes, observe como os resultados de um estudo em dois locais podem gerar maior confiança do que os de um estudo em um único local, porque os dados de um local devem contrastar de maneiras previsíveis com os dados do outro local (ver “Estudando a desigualdade no mercado de varejo”, Quadro 4.2). Estudando a desigualdade no mercado de varejo Um trabalho de campo em dois locais contrastantes – uma loja de brinquedos localizada em um bairro modesto e outra em um bairro mais afluente – permitiu a Christine Williams (2006) estudar “a construção social do comprar e as implicações das escolhas de consumo para a desigualdade social” (p. 13). Os pontos de vista contrastantes forneceram dados que salientaram “como gênero, raça e classe social moldam o setor do comércio varejista” (2006, p. 17). O estudo focou especialmente nas desigualdades sofridas pelos trabalhadores do varejo. Entretanto, também examina como os adultos de classes sociais diferentes ensinam seus filhos a se tornarem consumidores e desse modo repassam valores culturais importantes à geração seguinte. Os títulos dos seis capítulos do livro revelam como a autora molda seu estudo qualitativo: (1) um sociólogo dentro das lojas de brinquedo; (2) história da compra de brinquedos nos Estados Unidos; (3) a organização social das lojas de brinquedos; (4) desigualdade no pavimento de brinquedos; (5) crianças na terra dos brinquedos; e (6) brinquedos e cidadania. Ver também Quadro 5.4. Se escolhido para refletir a presença de eventos semelhantes em múltiplos locais, mas com condições sociais e econômicas diversas, a confiança pode ser maior do que se apenas um único local tivesse sido estudado; qualquer uniformidade nos resultados de todos os locais, a despeito de suas condições sociais e econômicas diferentes, poderia aumentar o apoio para as principais afirmações do estudo (ver “Seis descrições etnográficas como parte de um único estudo”, Quadro 4.3). Seis descrições etnográficas como parte de um único estudo Estudos qualitativos não precisam se limitar a um único lugar ou local de estudo. Pelo contrário, os estudos podem ter por objetivo abranger múltiplas culturas ou ambientes institucionais, com as conclusões finais do estudo baseadas nas experiências de todos eles. Esse tipo de relato “múltiplo” ocorre no premiado estudo de Lawrence-Lightfoot (1983) de seis escolas de ensino médio. Cada escola foi escolhida em função de sua excepcional reputação e desempenho acadêmicos. Duas eram escolas urbanas, duas eram suburbanas e duas eram particulares. A cultura e caráter de cada escola é o objeto de um relato separado, aparecendo como capítulos separados. O autor então mescla as observações de todas elas para montar um retrato composto da “boa escola de ensino médio”. Para esses trabalhos separados e compostos, o autor também emprega seu estilo retratista próprio. Trata-se de um processo de coleta de dados mediante o qual o pesquisador trata tanto da dimensão empírica como clínica para tentar definir a essência das pessoas e instituições que estão sendo estudadas. Como um exemplo final, as múltiplas unidades no nível maior não precisam consistir de diferentes ambientes, organizações ou entidades. As unidades podem representar diferentes períodos de tempo no mesmo sítio geográfico, como em um estudo da imigração cubana, que cobriu deliberada e intensamente quatro diferentes ondas de imigração que ocorreram durante um período de 50 anos (ver “Um delineamento comparativo de quatro casos através do tempo no mesmo local, Quadro 4.4.) Um delineamento comparativo de quatro casos através do tempo no mesmo local A imigração cubana para os Estados Unidos foi marcada por quatro ondas de imigrantes, refletindo as mudanças nas condições políticas em Cuba. Silvia Pedraza (2007) examina cada onda como um “cas o” separado, mas une os casos para formar uma representação da relação entre revolução e êxodo. As ondas ocorreram durante um período de 50 anos (1959-1962, 1965-1974, 1980 e 1985 até o prese nte). O estudo mostra as dificuldades que as pessoas enfrentaram no contexto de cada onda, com iss o ligando o comportamento individual às normas e instituições culturais, especialmente a igreja e a fa mília. Longas narrativas são dedicadas a múltiplas histórias de vida, mas extensos dados de levantam ento e de sondagens também traçam um perfil da população mais ampla em cada onda. O tempo todo , Pedraza faz amplo uso de extensas fontes de campo (observação participante em comunidades cub anas em Cuba e nos Estados Unidos; entrevistas gravadas de 120 pessoas, muitas em seus próprios l ares e usando um questionário estruturado, mas aberto; documentos e fotografias; dados de levantam entos e censitários; e dados eleitorais e de pesquisa de opinião pública). Uma vez que todas as análises subsequentes confrontam o mesmo amplo arcabouço teórico, os autor es usam os quatro casos para criar um entendimento muito mais amplo da desafeição política e saída, alegando que é relevante para todas as sociedades. Ver também Quadros 7.1 e 11.8. Ao mesmo tempo, estudar quaisquer instâncias adicionais da unidade de nível mais amplo consumirá mais tempo e esforço. Por essa razão, ir além de uma única instância ao nível mais amplo pode estar além do alcance de um único estudo. Uma forma de lidar com essa limitação é completar um estudo mesmo que tenha apenas uma única instância. Se os resultados de tal estudo forem suficientemente promissores, selecionar e examinar uma segunda unidade poderia fazer parte de um estudo de seguimento separado. Nível mais estreito No nível mais estreito, a maioria dos estudos qualitativos terão, em contraste com o nível mais amplo, mais do que uma única instância da unidade mais estreita. O número de entrevistados, práticas, políticas, ou ações incluídas em um estudo pode facilmente se situar na faixa de 25 a 50 unidades: Um estudo de mulheres que trabalhavam fora e como elas e suas famílias lidavam com suas responsabilidades d omiciliares e maternas envolveu entrevistas com 50 casais (100 pessoas) e 45 outras pessoas – babás, funcioná rios de creches e outros profissionais de apoio a casais (Hochschild, 1989). Outro estudo que se tornou um livro recordista de vendas, traduzido em 16 línguas com quase um milhão de exe mplares vendidos, baseou-se nas entrevistas de 32 homens e mulheres (Gilligan, 1982). Finalmente, um terceiroestudo, sobre uma polêmica disputa jurídica (Green, 2004), teve apenas 26 informantes -chave, mas eles incluíam todas as pessoas nos cargos de elite relevantes. No nível mais estreito, a preferência geral por números maiores a menores ainda persiste. Entretanto, em vez de buscar alguma fórmula para selecionar o número apropriado,3 você precisa pensar sobre a complexidade de seu tema de estudo e a profundidade da coleta de dados de cada unidade. Por exemplo, capturar uma história de vida inteira poderia ser considerado um tema mais complexo, comparado com focar em um único evento de vida, tal como um nascimento, casamento, ou funeral. Entretanto, esse tema complexo pode ser coberto ou com um número maior de instâncias em um nível mais superficial – ou com um número menor de instâncias examinadas intensamente. Por exemplo, recorde novamente o estudo de Lewis de uma única família: os dados daquela família preencheram a maior parte de um livro de 500 páginas. Ter números grandes não é a única forma de aumentar a confiança nos resultados de um estudo. Outra consider ação essencial reflete a composição, não apenas o tamanho, de um grupo maior. Mais uma vez, você deve delibera damente buscar dados para se proteger de explicações rivais ou vieses indesejáveis. Por exemplo, embora um pesq uisador tenha passado três anos como observador-participante em uma grande escola urbana de ensino médio (a u nidade de coleta de dados mais ampla), o principal tema de estudo referia-se aos jovens na escola (as unidades no nível mais estreito). Para cobrir o nível mais estreito suficientemente, o pesquisador coletou dados de diversos gru pos diferentes de jovens, não de apenas dois deles (ver “Buscando múltiplas unidades de coleta de dados, mas de u ma maneira metódica variada”, Quadro 4.5). Buscando múltiplas unidades de coleta de dados, mas de uma maneira metódica variada Um estudo sobre alunos americanos de origem mexicana focou em suas experiências de educação es colar comuns, sem considerar se os alunos eram imigrantes de primeira, segunda ou terceira geração (Valenzuela, 1999). Para fazer o estudo, a autora passou três anos como observadora-participante em uma grande escola urbana de ensino médio. Entretanto, uma vez que o principal tema de estudo eram os jovens na escola e por causa do tamanho da escola, a autora receou que a coleta de dados não tra çava suficientemente um perfil realista do corpo estudantil. Para reduzir essas preocupações, Valenzuela deliberadamente organizou e depois realizou uma série de 25 entrevistas de grupo abertas (1999, p. 278). Como também estava preocupada com a represent atividade dos alunos nesses grupos, ela passou dois verões entrevistando deliberadamente alunos de diferentes coortes (imigrantes de primeira, segunda e terceira geração) de interesse para o estudo (p. 281). Esses esforços não apenas resultaram em um estudo baseado em dados de um número maior d e estudantes, mas também criaram maior confiança nos resultados do estudo. Ver também Quadro 1.3. OPÇÃO 5: INCORPORANDO CONCEITOS E TEORIAS EM UM ESTUDO (O U NÃO) O que você deve aprender nesta seção: 1. Dois modos de oscilar entre dados e conceitos. 2. Exemplos de como estudos qualitativos incorporaram conceitos e teorias, usando ambos. A pesquisa qualitativa geralmente foca no significado dos eventos da vida real, não apenas na ocorrência dos eve ntos. O Capítulo 1 já assinalou que os conjuntos de significados importantes são aqueles mantidos pelos participan tes dos eventos, sendo uma vantagem da pesquisa qualitativa sua capacidade de capturar esses significados, em ve z de ser limitada aos significados impostos por um pesquisador. A busca do significado é na realidade uma busca de conceitos – ideias que são mais abstratas do que os dados r eais de um estudo empírico. Uma coleção de conceitos, mesmo que pequena, pode ser reunida de alguma maneira lógica, que depois pode representar uma teoria sobre os eventos que foram estudados. O grau em que você quer de senvolver conceitos e teorias como parte de um estudo – assim como em que sequência você quer reconhecê-los e m relação a suas atividades de coleta de dados – é uma quinta escolha de delineamento. Mundos destituídos de conceitos? Muitas pessoas podem pensar que um estudo qualitativo estereotípico é destituído de conceitos. O estereótipo mos traria a pesquisa qualitativa como uma representação da realidade semelhante a um diário, jorrando um detalhe atr ás do outro sobre eventos ou pessoas sem fazer uso de nenhum conceito, muito menos de teorias. O estereótipo po deria considerar os estudos qualitativos como semelhantes a narrativas cronológicas de um escriba medieval, ou m esmo como os detalhes clínicos na linguagem seca de um laudo feito por um médico legista. Esse estereótipo da pesquisa qualitativa não representa a boa pesquisa qualitativa, e você deve evitá-lo. A pesqu isa qualitativa preferencial captura o mesmo detalhe empírico – porém entrelaçado de alguma maneira com concei tos abstratos, se não teorias. Por exemplo, recorde, do Capítulo 1 (item A), que um dos motivos comuns para fazer pesquisa qualitativa é a capacidade de estudar os eventos dentro do contexto da vida real – incluindo a cultura rele vante das pessoas, da organização, ou dos grupos que estão sendo estudados. Observe rapidamente, contudo, que c ultura é um conceito abstrato, se não uma teoria sobre a existência de regras e normas não escritas que regem o co mportamento social de grupos de pessoas. Abordagem indutiva versus dedutiva O desejo de entrelaçar dados empíricos pormenorizados com algum conjunto de conceitos e teorias nos leva de vo lta à introdução anterior relativa à abordagem indutiva no presente livro (ver Cap. 1, item D). As abordagens indut ivas contrastam com as abordagens dedutivas, pois as duas refletem diferentes formas de oscilar entre dados e con ceitos. Abordagens indutivas tendem a permitir que os dados levem ao surgimento de conceitos; abordagens dedut ivas tendem a permitir que os conceitos – mesmo que tomem a forma de “categorias” iniciais (que são outra forma comum de conceitos) – levem à definição dos dados relevantes que precisam ser coletados. A maior parte da pesquisa qualitativa segue uma abordagem indutiva. Entretanto, não há nada de errado em seg uir uma abordagem dedutiva. Exemplos dessas duas abordagens são discutidos a seguir. Um estudo que seguiu uma abordagem mais indutiva iniciou-se com o tema da prevenção de crimes em bairros, no qual os próprios moradores formam grupos de combate ao crime (Yin, 1982a). Naquela época, muitos desses g rupos existiam em diferentes variedades de bairros, mas pouco se sabia sobre tais grupos – ou mesmo se eles eram do mesmo tipo. Por isso, o trabalho de campo para um novo estudo se iniciou sem muita conceitualização ou teori zação. Somente depois do trabalho de campo ter sido concluído é que surgiu uma tipologia útil de quatro tipos de grupos de combate ao crime (ver “Como o trabalho de campo pode levar a uma tipologia útil”, Quadro 4.6). Como o trabalho de campo pode levar a uma tipologia útil Quando as taxas de criminalidade residencial aumentam, os próprios cidadãos muitas vezes formam g rupos de combate ao crime. Os grupos podem variar desde incentivar os vizinhos a ficarem “de olho n as ruas” até realizar rotinas de ronda. Uma consequência ocasional é o surgimento indesejável de “jus ticeiros”. A criação de políticas públicas para apoiar ou desencorajar tais grupos de combate ao crime exige que se faça uma distinção entre grupos diferentes. Para esse propósito, o presente autor inicialmente colet ou dados sobre 226 desses grupos, sem ter preconceitos sobre como eles foram organizados (Yin, 19 82a). Um trabalho de campo posterior abrangendo 32 deles levou a uma tipologia de quatro tipos nunc a antes revelada pela literatura investigativa – grupos que (1) fazem rondas em edifícios ou condomíni os residenciais fechados; (2) fazem rondas em áreas de bairros menos bem definidas; (3) combinam p revençãode crimes com outros serviços sociais; ou (4) protegem os moradores de possíveis abusos p ela polícia local. Um achado importante foi que as rondas em edifícios (tipo 1) podem facilmente identif icar estranhos, mantê-los fora das dependências dos prédios e aumentar a sensação de segurança do s moradores. Em contraste, as rondas de bairro (tipo 2) não podem facilmente distinguir estranhos de moradores, e com isso muitas vezes fazem os moradores se sentirem mais incomodados do que segu ros. Esse tipo de abordagem indutiva é totalmente apropriado para a pesquisa qualitativa. Não se sinta desencorajad o se os conceitos ou teorias relevantes levem algum tempo para aparecer: Os conceitos podem ser novos na literatura, tal como a noção de “educação escolar subtrativa” de Valenzuela (1 999) em relação a seu estudo de estudantes imigrantes (ver Quadro 4.5 e também Cap. 1, Quadro 1.3). Os conceitos podem se encaixar com uma literatura bem desenvolvida e consagrada, tal como na releitura da “c ultura da pobreza” feita por Hays (2003) em relação a seu estudo da participação das mulheres com as novas p olíticas de reforma da previdência social. Por comparação, a abordagem dedutiva tem outros méritos. Ela pode poupar-lhe de sofrer com a grande quantid ade de incerteza durante a realização de seu trabalho de campo inicial, porque você teria começado com conceitos relevantes em vez de esperar que eles apareçam. Entretanto, um risco importante poderia ser a perda prematura de quaisquer novas revelações sobre os eventos da vida real que estão sendo estudados. Uma abordagem dedutiva pode ser extremamente útil em certas circunstâncias. Por exemplo, imagine que você tem acesso a videoteipes detalhados de um ano inteiro de ensino de matemática em uma sala de aula de quarto ano do ensino fundamental de uma escola pública. Sem alguns conceitos ou teorias iniciais, você pode passar um temp o interminável assistindo a essas gravações, sem saber o que está procurando e desesperadamente esperando que s urjam padrões comportamentais, e daí conceitos. Vamos supor que, em vez disso, você usasse essas gravações par a reexaminar um conceito que você havia identificado claramente de antemão. Você poderia então produzir um est udo notável devido ao interesse generalizado naquele conceito (ver “Estudando um conceito preestabelecido: conh ecimento de conteúdo didático”, Quadro 4.7). Estudando um conceito preestabelecido: conhecimento de conteúdo didático O conceito de conhecimento de conteúdo didático aponta para a distinção entre simplesmente conhec er o conteúdo de uma disciplina acadêmica e saber como ensiná-lo aos alunos. O conceito já tinha sido bem desenvolvido e atraído amplo interesse no campo da educação, com exte nsas citações em 125 periódicos diferentes (Ball, Thames, & Hoover, 2008, p. 392). Ball e colegas (20 08) reexaminaram este conceito revendo as gravações em áudio e vídeo que abrangiam um ano inteir o de ensino de matemática em uma classe de quarto ano em uma escola pública. A revisão dessas gravações revelou que o conceito, em vez de assumir uma forma singular, consistia de duas subáreas importantes: conhecimento de conteúdo especializado que os professores precisam saber e conhecimento de conteúdo comum, que professores e não professores precisam saber (2008, p. 399-402). Os autores concluíram com a sugestão de que essa delineação tinha importantes implica ções para os futuros programas de desenvolvimento profissional para professores. A abordagem dedutiva também pode ajudar a estabelecer a importância de um estudo. Por exemplo, um estudo de uma empresa industrial, que de outra forma poderia não ter sido considerada um local particularmente especial, assumiu maior importância porque a empresa era uma das primeiras empresas estatais do leste europeu a ser privat izada após a queda da União Soviética (ver “Estudando a privatização em países da ex-União Soviética”, Quadro 4.8). Estudando a privatização em países da ex-União Soviética Elizabeth Dunn (2004) estudou a transição de uma fábrica polonesa de um sistema socialista para cap italista. A Gerber Products Co., com sede em Michigan, havia comprado a empresa, operando-a como a fabricante de alimentos para bebês Alima-Gerber S.A. – uma das primeiras estatais do leste europeu a ser privatizada (p. 27). O estudo de Dunn se baseou em uma missão de 16 meses, de 1995 a 1997, como observador particip ante trabalhando na empresa. Seu principal foco foi na mudança de cultura entre os funcionários. Para eles, a transição mudou “o próprio fundamento do que significa ser uma pessoa” (2004, p. 6). O livro in teiro é dedicado a explorar como os empregados “usam as experiências do socialismo, do ativismo no sindicato Solidariedade, além das ideologias do catolicismo, parentesco e gênero, para se redefinirem e negociarem processos e relações dentro da empresa” (p. 8). Por exemplo, um princípio-chave é que “a consideração mais importante no processo de produção é moral, não financeira” (p. 170). As explorações de Dunn mostram como um único campo de estudo pode ser inserido em uma esfera muito mais ampla de mudanças socioeconômicas e políticas importantes. Tanto da perspectiva indutiva quanto dedutiva, os exemplos anteriores devem sugerir o benefício de interligar e studos qualitativos com conceitos e teorias. Observe que, embora os conceitos sejam abstrações, eles não são nece ssariamente representações de grandes teorias. Por isso, a interligação não precisa ser uma tarefa hercúlea. Os con ceitos e teorias pertinentes devem estar bem ao alcance de nosso conhecimento e pesquisa. Estudos qualitativos organizados inteiramente em torno de seus conceitos teóricos são realizados em ocasiões e xtremamente raras: Por exemplo, o “capital social” foi um construto teórico de destaque em estudos comunitários recentes. Sm all (2004) organizou os capítulos de seu estudo de acordo com os aspectos do capital social e não em torno do único conjunto habitacional que era seu real tema de estudo. Os méritos de seguir este enquadramento conceitual, comparado com o enfoque em um determinado ambiente e suas características, precisam ser cuidadosamente ponderados. OPÇÃO 6: PLANEJANDO UMA ETAPA INICIAL (OU NÃO) PARA OBTER F EEDBACK DOS PARTICIPANTES O que você deve aprender nesta seção: 1. O fundamento lógico para definir o processo de feedback como uma atividade de delineamento. 2. As diferentes partes de um estudo que podem ser compartilhadas para obter feedback. Em uma etapa posterior de seu estudo, você provavelmente compartilhará alguns dos seus resultados ou dados co m um ou vários participantes do estudo – ou seja, aqueles que você entrevistou e com os quais você colaborou – p ara obter seu feedback. Talvez somente naquela etapa posterior você venha a confrontar pela primeira vez a questã o do que compartilhar com quem – uma prática que muitos estudiosos têm chamado de verificação de membros. Alternativamente, e como uma prática cada vez mais frequente em pesquisa qualitativa, você pode confrontar e ssa questão mais cedo – durante o delineamento de seu estudo. Você pode provisoriamente pensar sobre os temas e tipos de materiais (p. ex., notas de campo ou primeiros esboços de sua narrativa) que posteriormente irá compart ilhar e com quem. Você pode então incorporar seu plano a seus planos de pesquisa bem como a seu procedimento de consentimento informado. Como acontece com todos os planos, a prática real pode evoluir e mudar durante a re alização do estudo, mas ao menos você iniciou com um plano. Nessa medida, pensar sobre a questão nesta etapa p recoce pode ser tratado como uma questão de delineamento, semelhante às outras escolhas neste capítulo. Como acontece com todas as outras questões de delineamento, o procedimento de obter um retorno dos particip antes sobre o seu trabalho pode ocorrer com tranquilidade, mas também criar obstáculos imprevistos. Como em rel ação a todas as demais questões de delineamento, não existe uma maneira perfeita de garantir quetudo ocorra sem percalços, especialmente sem sua constante atenção, bem como disposição para adaptar seu plano original. Opções de feedback Locke e Velamuri (2009) fizeram uma útil compilação das prováveis escolhas. Por exemplo, eles assinalam que o s motivos para compartilhar o trabalho com os participantes relacionam-se tanto às correções e mudanças, que au mentarão a validade de um estudo (ver também a referência à “Validação do entrevistado” no Quadro 4.1), quanto à necessidade de reforçar as relações cooperativas e éticas com os participantes (Locke & Velamuri, 2009, p. 488- 489). Da mesma forma, eles classificam as escolhas dos resultados a serem compartilhados, as quais vão desde co mpartilhar o esboço de um resumo do produto final até mostrar ao participante as notas obtidas em uma determina da entrevista com ele (p. 494). Uma boa ideia é discutir seu pensamento inicial sobre o que será compartilhado e com quem, como parte da con versa sobre consentimento informado que você terá com cada participante. Você deve determinar se o(s) participa ntes(s) têm outras sugestões ou preferências, e trabalharem juntos para chegar a um procedimento aceitável. Abordar a questão nesse momento crítico tem duas vantagens. Primeiro, a questão possivelmente terá sido leva ntada antes de tornar-se “um problema”. Segundo, como com outras escolhas de delineamento, você terá definido o caminho planejado na ausência dos resultados do estudo. Portanto, você e os participantes posteriormente não po derão ser acusados de predispor o plano, porque todos sabiam da natureza dos resultados. Influência potencial sobre a narrativa posterior de um estudo A previsão do processo de feedback não deve influenciar os resultados de seu estudo. Entretanto, o processo irá ex igir uma certa delicadeza em suas palavras. Antes de esmerar-se pela precisão, você deve ser mais sensível à neces sidade de evitar palavras que desnecessariamente incitem os participantes de uma maneira pessoal. Você também não pode ficar alheio às condições contextuais que podem ter mudado desde a época em que voc ê coletou os dados até a época em que redigiu o manuscrito final. Uma nota prefacial pode esclarecer os tempos da s atividades. Entretanto, as condições podem ter mudado significativamente – lembre-se de que o intervalo entre a coleta de dados e o relato final pode ser de até um ano ou mais. Nesse caso, você pode ter que fazer ajustes adicio nais, tais como repetir parte da coleta de dados e apresentar o trabalho posterior em um epílogo. OPÇÃO 7: PREOCUPAR-SE EM GENERALIZAR OS RESULTADOS DE UM ESTUDO (OU NÃO) O que você deve aprender nesta seção: 1. 1. O potencial valor de tentar generalizar os achados de um estudo qualitativo. 2. 2. Dois modos de pensar sobre como desenvolver generalizações. Por sua própria natureza, a pesquisa qualitativa é particularista. Compreender as nuances e os padrões do comport amento social só resulta do estudo de situações e pessoas específicas, complementado por cuidadosa atenção às co ndições contextuais especificas. A característica particularista dificulta a consideração de como os resultados de es tudos qualitativos podem ser generalizados a um conjunto mais amplo de condições – além daquelas no estudo im ediato. Existe muita discussão sobre a relevância e natureza das generalizações em pesquisa qualitativa (p. ex., Gomm, Hammersley, & Foster, 2000). Alguns argumentariam que generalizar tem um papel limitado ao fazer-se pesquisa qualitativa. Por exemplo, as primeiras raízes na antropologia cultural preocupavam-se fortemente em distinguir cu lturas exóticas e distantes, não na generalização de suas experiências (p. ex., Schofield, 1990, p. 202-205) (ver tam bém a discussão anterior no Cap. 1, item C, sobre a singularidade dos eventos humanos). Você certamente tem a opção de concordar com esses papéis limitados, mas você também pode querer ter a opç ão de tentar generalizar os resultados de seu estudo. Nesse caso, o fundamento lógico para querer generalizar os re sultados de um único estudo é o fato de que qualquer estudo (qualitativo ou não) só pode coletar uma quantidade li mitada de dados, envolvendo números limitados de unidades de coleta de dados. Contudo, a maioria dos estudos pode produzir maior valor se seus resultados e conclusões tiverem implicações que vão além dos dados coletados – ou seja, o quanto os resultados podem ser “generalizados” para outros estudos e outras situações. Quanto mais uma pesquisa de qualquer tipo pode ser generalizada dessa forma, mais ela será va lorizada. Isso é verdade mesmo quando um estudo tenha apenas uma unidade de coleta de dados, tais como um est udo de caso único. Como fazer generalizações de pesquisa qualitativa é, assim, mais uma escolha que merece sua máxima atenção. Necessidade de ir além das generalizações estatísticas Para a pesquisa qualitativa, um obstáculo importante no pensamento sobre generalizações tem sido uma lastimável pressuposição. Ela começa com a noção de que existe apenas uma maneira de generalizar. Além disso, essa manei ra de generalizar presume que os resultados de um estudo representam uma “amostra”, e que se a amostra foi escol hida adequadamente, os resultados podem ser generalizados para a “população” mais ampla da qual a amostra foi extraída. Esse modo de generalizar caracteriza a maioria dos estudos de levantamento, em que o objetivo é selecio nar uma amostra representativa de entrevistados e depois extrapolar os resultados para o universo original dos entr evistados. Uma vez que a relação entre as amostras e sua população se baseia em estimativas numéricas, esse modo de ge neralizar pode ser descrito como generalização estatística (Yin, 2009, p. 15, 38-39). Essa maneira de pensar tem si do tão comum que mesmo estudiosos que fazem apenas pesquisa qualitativa pensam constantemente nesses termo s, perguntando a si mesmos como os resultados de seu local de estudo (com frequência, único) podem ser generali zados às experiências em outros locais, como se o(s) seu(s) local(is) de estudo representasse(m) alguma espécie de amostra de uma suposta população de locais. Para pesquisa qualitativa, esse tipo de pensamento não funciona bem e leva a um inevitável dilema: nenhum nú mero menor de unidades de coleta de dados, muito menos uma única unidade, pode representar adequadamente a população de unidades mais ampla, mesmo quando a população mais ampla pode ser definida. Por exemplo, um e studo da construção de instituições democráticas em países específicos não pode ser prontamente generalizado a o utros países específicos, mesmo que os países estudados tenham sido selecionados para (1) serem de tamanho vari ado; (2) representem diferentes continentes e condições econômicas; e (3) consistam de pessoas de cor diferente. A teoria numérica não funciona porque os países variam ao longo de tantas dimensões que o tamanho de qualquer amostra será inadequado para representar a população dos países. Um modo alternativo de generalizar exige que você abandone quaisquer ideias sobre amostras ou populações. As unidades de coleta de dados de seu estudo, seja no nível amplo seja no estreito, como discutido anteriormente, não são “unidades de amostragem”, e todas as considerações desse tipo precisam ser totalmente descartadas. Fazendo generalizações analíticas O modo alternativo é comumente praticado em pesquisa, mas não comumente reconhecido. Essa noção se inicia c om a observação de que toda pesquisa, não apenas a pesquisa qualitativa, ocorre na forma de estudos individuais. O desafio de generalizar para outras condições surge, portanto, com experimentos de laboratório, Como generaliza r os resultados de um único experimento, executado com um grupo específico de sujeitos experimentais em um da do lugar e tempo (e submetidos a intervenções e procedimentos experimentais específicos), também pode parecer problemático. Tanto em estudos qualitativos quanto em experimentos laboratoriais, o objetivo de generalizar os resultados é o mesmo:os achados ou resultados de um único estudo devem seguir um processo de generalização analítica (Yin, 2009, p. 43). Pode-se definir generalização analítica como um processo em duas etapas. A primeira envolve uma a firmação conceitual mediante a qual os investigadores demonstram como os resultados de seu estudo provavelmen te informam um determinado conjunto de conceitos, construtos teóricos, ou sequência hipotética de eventos. A seg unda envolve aplicar a mesma teoria para implicar outras situações semelhantes, em que conceitos semelhantes po dem ser relevantes. Esse modo de generalizar pode ser encontrado em quantos estudos se queira, inclusive estudos que foram recor distas de venda em suas áreas acadêmicas (ver “Generalizando os resultados de um estudo de caso único”, Quadro 4.9). Uma abordagem semelhante se aplica ao exemplo anterior sobre estudos de caso de países que perseguem a c onstrução de instituições democráticas: em vez de generalizar para a população de outros países, um estudo desse t ipo deve procurar desenvolver, e depois discutir, como seus resultados podem ter implicações para uma melhor co mpreensão de determinados conceitos – neste caso, o processo de construção de instituições democráticas. Generalizando os resultados de um estudo de caso único Em seu famoso estudo da crise dos mísseis em Cuba, Allison e Zelikow (1999) delinearam seu trabalh o para que ele investigasse um domínio teórico mais amplo – como as superpotências se enfrentam (n ão apenas os detalhes concretos da crise dos mísseis). O caso em si envolvia os Estados Unidos e a ex-União Soviética ameaçando-se mutuamente em 1962, por causa de mísseis localizados em Cuba q ue poderiam alcançar os Estados Unidos – um confronto que ameaçava desencadear uma guerra nucl ear. O estudo inicialmente lança três teorias da confrontação de superpotências, como representados na lit eratura existente. Os fatos de um caso individual são então apresentados em relação a essas três teor ias, mostrando, como uma das principais conclusões, que tais confrontos não são governados por um padrão de liderança de um “grande homem”, que era uma das teorias dominantes na época. Os autores alegam que seus resultados podem ser aplicados a uma ampla variedade de outros confro ntos entre superpotências, inclusive aqueles de outras épocas, e envolvendo outras superpotências qu e não os Estados Unidos e a União Soviética. O estudo foi tão bem concebido e conduzido que se torn ou um sucesso entre as leituras dos cursos de ciência política por várias décadas após sua publicação original (Allison, 1971). Como outro exemplo relacionado a uma questão altamente relevante e contemporânea, o estudo de caso de Neustadt e Fineberg (1983) da “epidemia que nunca existiu” – um programa de vacinação para a gripe s uína lançado pelo governo federal em 1976 – atrai retrospectivamente contínua atenção popular. O caso envolveu a disseminação inicial de uma gripe, a inoculação em massa da população e o subsequen te cancelamento do programa de vacinação. Diante de novas ameaças de epidemias de gripe, tais como a do H1N1 de 2008 a 2010 nos Estados Unidos e no exterior, o estudo tem sido de grande interesse para aju dar a compreender os dilemas das ações públicas e crise da saúde. Fazer generalizações analíticas exige um argumento cuidadosamente construído, seja para um estudo qualitativ o ou para um experimento. O argumento provavelmente não alcançará a mesma condição de, por exemplo, uma “p rova” em geometria, mas ele deve ser apresentado de forma clara e ser resistente a questionamento lógico. A “teor ia” relacionada pode se restringir a uma série de hipóteses ou mesmo uma única hipótese. Cronbach (1975) esclare ce que a generalização almejada não é a de uma conclusão, e sim mais semelhante a uma “hipótese de trabalho” (v er também Lincoln & Guba, 1985, p. 122-123). A confiança em tais hipóteses pode então ir se construindo à medi da que novos estudos, como no caso dos experimentos, continuem produzindo resultados que respaldem as hipótes es. O argumento precisa ser apresentado em relação à literatura de pesquisa existente, não às condições específicas no estudo em si. Em outras palavras, o objetivo é apresentar proposições e hipóteses em um nível conceitual mais alto do que o dos resultados específicos. Este nível mais alto pode, em primeiro lugar, ter sido necessário para justi ficar a importância investigativa de estudar-se o tema escolhido. Os resultados do estudo mostram se e como os resultados apoiaram ou contestaram a teoria. Se apoiaram, os in vestigadores precisam mostrar como os avanços teóricos podem ser aplicados (generalizados) a outras situações q ue não as examinadas como parte do estudo original (ver “Um exemplo de generalização analítica de um único est udo qualitativo”, Quadro 4.10). Um exemplo de generalização analítica de um único estudo qualitativo Um estudo da recente migração entre a República Dominicana e os Estados Unidos (Levitt, 2001) forn ece um excelente exemplo de generalização analítica. O autor fornece evidências de como o padrão migratório difere das migrações historicamente mais importantes dos países europeus para os Estado s Unidos no começo do século XX (p. 21-27). Em contraste, os novos padrões assumem um caráter “tr ansnacional”, com os novos migrantes permanecendo simultaneamente ligados a comunidades tanto em seu país de origem quando nos Estados Unidos (“aldeias transnacionais”). O estudo mostra como os padrões migratórios mais recentes são marcados pela alta proporção da po pulação do país de origem envolvida em tal migração (2001, p. 16), bem como pela dupla-cidadania fo rmal concedida pelo país de origem a seus migrantes (p. 19). Demonstra-se que existem condições se melhantes com outros padrões migratórios contemporâneos (p. 16-21). O capítulo final discute esses outros padrões “transnacionais” e como os achados da experiência da República Dominicana e Estad os Unidos pode informá-los (e ser generalizada para eles). Ver também Tabela 4.3 Como observação final, a apresentação e exame de explicações rivais, como discutido anteriormente neste capít ulo, reforçará muito qualquer generalização analítica. Rivais significativas ou plausíveis da hipótese inicial podem ter sido identificadas no início do estudo ou encontradas durante sua realização. Um exame completo das rivais en volve esforços sinceros para coletar dados, durante o estudo, que apoiem as rivais. Se tais dados tiverem sido rigor osamente procurados, mas não apoiam a rival, essa pode ser rejeitada. Resultados de estudos que apoiam a princip al hipótese, e ao mesmo tempo rejeitam rivais plausíveis, representam forte base para reivindicar generalizações a nalíticas. OPÇÃO 8: PREPARANDO UM PROTOCOLO DE PESQUISA (OU NÃO) O que você deve aprender nesta seção: 1. Os temas que podem ser cobertos em um protocolo de pesquisa. 2. As diferenças entre um protocolo e um instrumento. 3. Como um protocolo representa um arcabouço mental. Esta escolha final de delineamento reflete outro possível dilema ao fazer pesquisa qualitativa. Ter um protocolo d e pesquisa pode solapar uma virtude importante da pesquisa qualitativa, que é a capacidade de capturar a vida real como os outros a vivem e veem, não como os pesquisadores conjeturam ou esperam que ela seja. Contudo, os valo res, expectativas e perspectiva estão implicitamente contidos em qualquer protocolo de pesquisa. Como seria de esperar, muitos pesquisadores qualitativos resistem a definir um protocolo de pesquisa de antem ão. Eles procuram adotar uma atitude de mente aberta ao realizarem seu trabalho de campo inicial. De maneira se melhante, as primeiras entrevistas de campo também se baseiam em um estilo conversacional aberto que evita dire cionar os entrevistados tanto quanto possível. Ao mesmo tempo, se você definiu seu tema de estudo e até começou a articular algumas questões fundamentais de pesquisa, e se você escolheu suas unidades de coleta de dados com a expectativa de que eles fornecerãocertos t ipos de dados necessários, algum tipo de protocolo pode ajudar a orientar seu estudo e toda a coleta de dados de u ma maneira produtiva. Você ainda precisa manter uma mente aberta para capturar adequadamente uma perspectiv a do campo e considerar as informações inesperadas que surgem, mas um protocolo pode ajudar você a lembrar-se de seu tema e questões originais. A oitava escolha de delineamento é o grau em que você quer preparar um protocolo antes do tempo.4 Sua escolha pode variar de um extremo (sem protocolo) ao outro (um protocolo bem articulado). É provável que você vá terminar em algum ponto intermediário, mas a escolha é sua. Protocolos, não instrumentos O termo protocolo é usado para indicar um conjunto mais amplo de procedimentos e perguntas do que o clássico instrumento. Os instrumentos mais comuns geralmente são bem estruturados, com perguntas abertas e fechadas em pesquisas de levantamento ou itens numéricos e procedimentos em experimentos humanos. Em contraste, um protocolo altamente estruturado consiste apenas de um conjunto declarado de temas. Esses temas cobrem o terreno substantivo que você precisa abranger como parte de uma linha de investigação, descrita em maior detalhe a seguir. Entretanto, eles não “escrevem” um roteiro de perguntas faladas e específicas, como um instrumento faria. Para quase todos os tipos de pesquisa qualitativa, portanto, os “instrumentos” não são relevantes. Se você de fato usou um instrumento, mesmo um instrumento aberto de levantamento, você estará fazendo um levantamento e não um estudo qualitativo. Na verdade, a maioria dos estudos qualitativos citados nos quadros deste livro, quando baseados ou mesmo limitados a um conjunto de entrevistas, não tiveram nenhum instrumento (ou ao menos não discutiram ou apresentaram um). Os dados de entrevista foram coletados de um modo mais conversacional discutido no Capítulo 6 (item C), mas não no formato de perguntas e respostas pré-definidas, mesmo de perguntas abertas, que indica um levantamento. Portanto, a principal escolha para estudos qualitativos parece ser sobre protocolos, não instrumentos. Mas o que é um protocolo se ele não é um instrumento? Protocolos como estruturas mentais Um protocolo deve implicar um amplo conjunto de comportamentos que você deve adotar, em vez de uma interaç ão bem-roteirizada entre você e sua fonte de evidência, tal como um participante em campo. Embora um protocolo possa inicialmente ser preparado e estudado a partir de uma folha de papel, você não leva consigo um protocolo es crito durante o trabalho de campo. O protocolo está em sua cabeça e nesse sentido serve como uma estrutura ment al. Uma analogia adequada é com as perguntas clínicas feitas por médicos. Ao indagarem sobre indisposições que os pacientes podem ter dificuldades para descrever, os médicos conversam informalmente com seus pacientes, ma s eles também estão seguindo uma linha de investigação para verificar os sintomas. Enquanto fazem suas pergunta s, os médicos estão cogitando as possíveis doenças que podem ser relevantes. Observe que neste processo de entre vista, os médicos podem tomar notas enquanto fazem suas perguntas, mas eles não estão seguindo nenhum protoc olo escrito nem lendo perguntas de um instrumento. Uma analogia igualmente apropriada é o trabalho do detetive. Durante a resolução de crimes, as investigações d os detetives ocorrem em dois níveis. A primeira envolve a coleta das provas (ou seja, realizar a coleta de dados), a o passo que a segunda envolve simultaneamente cogitar suas próprias ideias sobre como e por que os crimes pode m ter acontecido. As perguntas que levam aos palpites e teorias dos detetives sobre os crimes, inicialmente experi mentais e posteriormente tornando-se mais firmes à medida que mais provas são colhidas, podem ser consideradas as estruturas mentais dos detetives. O protocolo para um estudo qualitativo tem algumas características previsíveis. Primeiro, ele deve conter quest ões suficientes, fundamentais para o tema que está sendo estudado, que orientem uma ou mais linhas de investigaç ão – por exemplo, quais evidências buscar e de que fontes. As linhas de investigação gerais trabalham para revelar as questões para todo o estudo. Observe que essas questões devem ser respondidas por você, com base nas evidênc ias (incluindo as entrevistas) que você reúne. Uma vez que é você que deve responder às perguntas, elas são aplicáveis a todas as suas fontes de evidência – por exemplo, as perguntas em sua cabeça enquanto você revisa documentos ou faz observações de campo. Quando você está entrevistando alguém como uma dessas fontes de evidências, observe que as perguntas do protocolo não representam uma sequência particular de perguntas faladas, como faria um instrumento de questionário. Você vai criar as perguntas faladas como parte de uma conversa mais natural com determinado participante. Essas pergunta s faladas refletirão as perguntas em seu protocolo, mas o palavreado e a sequência reais das perguntas serão perso nalizados para a situação específica da entrevista. Segundo, manter o protocolo como uma estrutura mental e assim privada paradoxalmente ajuda tanto o detetive quanto o pesquisador qualitativo a apresentar uma postura neutra na coleta da plena variedade de dados, seja entre vistando pessoas, examinando documentos, fazendo observações ou analisando evidências de campo. O truque é n ão permitir que a existência de nossa estrutura mental influencie a coleta de dados. Pelo contrário, a existência da estrutura, se usada adequadamente, deve apontar para oportunidades de buscar evidências contrárias, bem como c omprovativas. Terceiro, as questões do protocolo vão lhe ajudar a lutar por evidências convergentes e trianguladas, como disc utido anteriormente neste capítulo (ver Opção 2). Mais uma vez, a fluidez do processo de coleta de dados deixa op ortunidades para essa convergência ou triangulação, que poderiam ser ignoradas na ausência de um protocolo. Finalmente, uma das virtudes importantes dos estudos qualitativos é a possibilidade de obter novas revelações d urante a coleta de dados. O uso de um protocolo de pesquisa não deve inibir o processo de descoberta. Embora as questões protocolares provenham dos temas originais e das questões propostas por um estudo, você também precis a manter uma mente aberta durante o processo de coleta de dados. Assim, embora um protocolo tenha as três outra s características recém descritas, você também deve ser capaz de pensar “fora da caixa” (neste caso fora de toda a estrutura mental) quando surgirem evidências inesperadas. Quando ocorre uma descoberta, é preciso interromper o processo de coleta de dados e repensar o protocolo orig inal. Você pode querer alterar os planos para suas atividades de coleta de dados subsequentes, a fim de incorporar as descobertas mais recentes. Uma advertência é que se a descoberta for significativa, repensar o protocolo també m pode levar a repensar (ou redesenhar) todo o estudo e seus objetivos originais. Por exemplo, as principais quest ões de pesquisa podem precisar ser reformuladas, e as eventuais revisões da literatura precisam ser expandidas. As Tabelas 4.2 e 4.3 contêm protocolos ilustrativos de dois estudos qualitativos. O protocolo na Tabela 4.2 foi usado para estudar mais de 40 organizações de bairro (National Commission on Neighborhoods, 1979). Cada orga nização foi objeto de um estudo de caso. O protocolo de estudo serviu como protocolo para cada estudo de caso e t inha as características recém-descritas. Nesse estudo, o protocolo também ajudou a respaldar o uso de procedimen tos paralelos de coleta de dados entre os estudos de caso. O principal tema de investigação tinha a ver com o papel das organizações de bairro na promoção da revitalização de bairros – tema de grande interesse na década de 1970 e que continua até hoje (p. ex., Chaskin, 2001; Marwell, 2007). As perguntas do protocolo são dirigidas ao operad or de campo, não a um determinado participanteou entrevistado. O operador de campo deve escrever uma respost a a cada pergunta, citando uma combinação de dados, incluindo entrevistas com autoridades e moradores, docume ntos relevantes e evidências arquivais, e observações diretas das condições do bairro. Exemplo de um protocolo de campo para estudo de organização de bairro Temas e pergunta protocolares (exibindo somente perguntas ilustrativas) A. Inauguração e estrutura da organização 1. Em que ano a organização foi inaugurada? 2. O que levou a sua criação, e quem ou qual foi a principal fonte de apoio na criação? 3. Qual foi a fonte original de financiamento? 4. Qual foi a orientação inicial da organização? 5. Como a organização mudou desde seus primeiros dias? (cinco outras perguntas não exibidas) B. Atividades de revitalização e seu apoio 6. Que atividades foram concluídas ou estão a caminho? 7. Como a organização se envolveu nestas atividades? (sete outras perguntas não exibidas) C. Relação com associações e redes voluntárias 8. A organização faz parte de uma organização superior? 9. Descreva a relação entre a organização e outras organizações locais no mesmo bairro. (cinco outras perguntas não exibidas) D. Relação com a prefeitura da cidade 10. A organização tem alguma relação com autoridades específicas ou com departamentos do governo da cidade? 11. A relação é formal ou informal? 12. A relação tem sido produtiva? (quatro outras perguntas não exibidas) E. Resultados 13. Durante a existência da organização, houve evidência concreta de melhorias no bairro? 14. Há evidência de que a organização tenha impedido ou prevenido alguma mudança na condição física do bairro? 15. As atividades da organização resultaram em um aumento na participação dos moradores? 16. Existe maior integração ou fragmentação no bairro desde a fundação da organização? 17. Como a organização lidou com os problemas de raça e pobreza do bairro? (quatro outras perguntas não exibidas) Fonte: National Commission on Neighborhoods (1979). Protocolo geral de entrevista usado para entrevistar homens História na comunidade 1. Pergunte há quanto tempo o Entrevistado (E) vive em Golden Valley, e por que ele veio para cá, se veio de outro lu gar. Que tipos de vínculos o E tem com a comunidade? O E está feliz aqui? Por que o E gosta de viver em Golden Valley? 2. A comunidade mudou durante a vida do E? Em que aspectos? A vida está melhor agora do que no passado? História familiar 1. Pergunte ao E sobre o que faziam seus pais enquanto ele crescia, como o trabalho era distribuído na família, que papéis cada um dos pais desempenhou na casa e em relação aos filhos. Com qual dos genitores o E era mais íntimo? 2. Peça ao E que descreva seu pai e a relação com ele. Ele era um modelo ou alguém com quem ele queria ser parecido? 3. Pergunte ao E se ele esperava que sua vida fosse semelhante à dos seus pais. Quais eram as expectativas que ele tinha de si mes mo em relação ao trabalho e à família quando adulto? 4. As expectativas do E mudaram? A vida é melhor ou pior do que ele imaginou para si quando criança? História de trabalho e lazer 1. Pergunte ao E sobre o atual emprego ou busca de trabalho. O E está feliz com sua atual situação de trabalho? 2. Que tipos de trabalho o E fez no passado? Quais foram os melhores empregos? A vida profissional foi afetada pelo fechamento da fábrica? 3. Se o E está em busca de emprego, converse sobre o processo. Como ele se sente em relação a si mesmo quando não consegue e ncontrar emprego? Como ele lida com essa emoção? Peça ao E que fale sobre casos específicos em que ele perdeu o emprego e como isso lhe afetou. 4. O que ele faz por dinheiro quando não consegue emprego? Ele fez sacrifícios para permanecer na comunidade? Por que ele fica se está com dificuldades para encontrar trabalho? 5. Que outros tipos de atividades o E faz no tempo livre? O que ele mais gosta de fazer? Procure descobrir sobre atividades de caça /pesca/ao ar livre, bem como de socialização, beber, etc. Casamento e família 1. O E é ou já foi casado? Por quanto tempo e/ou quantas vezes? Ele se sente mais feliz casado ou solteiro? Em que tipo de relacio namento eles estão atualmente envolvidos? 2. O E tem filhos? Quantos? Com quem eles moram? Como foram decididos os acordos de guarda? 3. Fale sobre o relacionamento com os filhos. Que tipos de papel o E desempenha como pai? Quais são as coisas que ele mais gost a de fazer com os filhos? Ele acha que tem sido um bom pai para seus filhos? O que isso significa para ele? Quais foram os mel hores momentos como pai? Quais foram os maiores desafios ou decepções? 4. O E é muito parecido com seu próprio pai? Em que aspectos ele é semelhante ou diferente? Ele preferiria ser mais ou menos par ecido com seu pai? Que tipos de coisa faz de alguém um bom pai? 5. Se não tem filhos, o E deseja ter filhos? Por quê? Ele tem alguma relação com crianças em sua vida, e, nesse caso, descreva seu papel. 6. Se nunca foi casado, o E deseja se casar? Que tipos de relações ele já teve – coabitação, etc. Que tipos de qualidades o E está bu scando em um parceiro? É solteiro por opção? 7. Quais são alguns dos maiores desafios ou problemas nos relacionamentos com parceiros amorosos? Aprofunde-se nas causas se possível. Como ele lida com esses problemas? Se mantém múltiplos relacionamentos, quais foram algumas das causas dos romp imentos? Como ele se sente em relação às ex? 8. O estresse relacionado ao trabalho (ou falta dele) afetou seus relacionamentos de alguma forma? Descreva se possível. Fonte: Sherman (2009, Appendix A, p. 617). O protocolo na Tabela 4.3 foi usado em um estudo sobre perda de emprego, normas de gênero e estabilidade fa miliar em uma comunidade rural (Sherman, 2009). A comunidade foi durante muito tempo dependente de uma ind ústria específica para emprego, e o estudo focou nas consequências advindas do declínio dessa indústria sobre as f amílias. O interesse em gênero estava ligado à consequente mudança nos papéis masculino e feminino no trabalho e nos domicílios. O protocolo foi usado para realizar entrevistas qualitativas com os participantes do sexo masculi no do estudo (observe como o protocolo é escrito de uma forma que dirige as perguntas ao entrevistador, não ao p articipante). Definições operacionais Quer usemos um protocolo de pesquisa quer não, um dos benefícios de pensar sobre os dados coletados é definir o s diversos tipos de dados. Por exemplo, você claramente iria querer distinguir um evento observado de um evento relatado (mas não observado). Dependendo do tema de estudo, muitos conceitos relevantes, tais como “coesão” da comunidade, “mudança” organizacional, “promoção” da saúde, “reforma” educacional, ou liderança dos “pobres” – para citar apenas alguns – vão requerer algum tipo de definição operacional. Em outros tipos de pesquisa, essas definições operacionais podem estar embutidas nas ferramentas e instrument os usados na pesquisa. Em pesquisa qualitativa, como você provavelmente será o instrumento de pesquisa mais im portante, você precisará adotar algumas diretrizes para reconhecer um fenômeno de interesse de maneira consisten te. Essas diretrizes também podem ser estimuladas por um protocolo de pesquisa bem-delineado. 1. Delineamento de pesquisa 2. Validade de pesquisa 3. Explicações rivais 4. Triangulação 5. Unidades de coleta de dados 6. Amostras intencionais, em bola de neve e aleatórias 7. Modos dedutivos versus indutivos de relacionar conceitos aos dados 8. Verificação de membros 9. Generalização estatística versus analítica 10. Protocolo de pesquisa 11. Estrutura mental Delinear estudos é possivelmente a parte mais difícil de fazer pesquisa. Você precisa começar do zero, e você terá pouca orientação. Uma maneira de praticar o trabalho de delineamento sem ficar totalmente fru strado é diagnosticar o delineamento de estudos existentes. Assim, para o exercício do Capítulo 4, seleci one seis estudos qualitativos de seu banco de estudos (criado como exercício para oCap. 3). Escolha aq ueles que parecem ter descrito seus delineamentos da maneira mais completa possível. Examine e sintet ize cada um dos estudos selecionados conforme as seguintes características de delineamento (como adi cional referência, a primeira característica abaixo foi descrita no Cap. 3; todas as demais características a parecem como uma das escolhas no Cap. 4): A(s) questão(ões) de pesquisa do estudo. Seu(s) tipo(s) e número de unidades de coleta de dados. De que forma o estudo selecionou a amostra de cada tipo de unidade. Se o estudo indica o uso de um protocolo de qualquer tipo, e a natureza do protocolo. Se o estudo faz alguma tentativa de generalizar os resultados para outras situações que não foram estudadas. Não fique surpreso se um ou mais estudos que você escolheu deixou lacunas ou carece de informações em relação a uma ou mais das características precedentes. Nesse caso, observe com que grau de atenç ão você vasculhou o texto dos estudos e por que você está seguro de que a necessária informação de de lineamento estava realmente ausente. NOTAS 1. O temo coleta de dados é usado aqui como uma referência não técnica, para evitar a confusão com os termos mais técnicos unidade de análise, unidade de atribuição ou unidade de alocação. Todos estes últimos termos levantam questões referentes às unidades apropriadas ao fazer análises (especialmente análises estatísticas), e, embora a unidade de coleta de dados geralmente seja a unidade de análise, existem situações complicadas em que ela não é. Entretanto, essas situações e as estratégias analíticas necessárias não costumam aparecer em pesquisa qualitativa e, portanto, estão fora da alçada do presente livro. 2. O termo instância é usado para conotar o número (não o tipo) de unidades. Uma organização poderia ser a unidade mais ampla e estudar três organizações seria um exemplo de três instâncias da unidade mais ampla. Em pesquisa não qualitativa, o termo tamanho da amostra refere-se ao mesmo conceito de instância, como usado aqui, mas pelas razões discutidas no texto, o conceito de amostra no termo tamanho da amostra tende a não ser relevante em pesquisa qualitativa. 3. O problema do tamanho de amostra adequado também existe em estudos quantitativos. Neles, contudo, os pesquisadores podem realizar uma análise formal do poder dos testes para determinar o tamanho de amostra necessário, presumindo que existem certos dados prévios. O tamanho desejado irá variar de acordo com o tamanho presumível das diferenças e variabilidade na população que está sendo amostrada (p. ex., o tamanho de efeito que um pesquisador precisa saber de antemão), assim como o nível de confiança nos resultados desejado pelo pesquisador (Lipsey, 1990). Pesquisadores quantitativos reconhecem prontamente que diferenças estatisticamente significativas também podem não se igualar a resultados com qualquer significado prático. Assim, mesmo em pesquisa quantitativa, a questão do tamanho de amostra desejável exige algumas escolhas arbitrárias. 4. Na maioria dos casos, o protocolo de pesquisa atenderia às necessidades de um protocolo de estudo usado na obtenção de aprovação de um CIE (ver Cap. 2, item E). Entretanto, e dependendo da orientação do CIE, um protocolo de estudo pode dar mais ênfase a procedimentos logísticos e não abranger temas substantivos com tantos detalhes quanto um protocolo de pesquisa. 5 Fazendo trabalho de campo Coletar dados para pesquisa qualitativa geralmente implica interagir com situações da vida real e as pe ssoas envolvidas nelas. Isso tudo torna-se parte do ambiente de campo para um estudo de pesquisa. A variedade de ambientes de campo se soma aos numerosos eventos humanos importantes e interess antes que podem ser objeto de estudos qualitativos. Ao mesmo tempo, uma vez que os ambientes de c ampo são situações da vida real, os pesquisadores precisam entrar e sair deles com certa formalidade, particularmente obtendo as necessárias permissões para fazerem seu estudo. Manter relações de cam po saudáveis torna-se, então, um desafio constante. O presente capítulo discute toda a gama de questões associadas à realização de pesquisa em ambi entes de campo, concentrando-se fortemente na observação participante como o papel geralmente pre enchido por um pesquisador. O capítulo também discute as visitas locais como uma opção separada, mas relacionada para coletar dados de ambientes da vida real. Para a maioria das pessoas, fazer algum tipo de trabalho de campo anda de mãos dadas com a realização de pesqu isa qualitativa. Dados de campo – quer sejam provenientes de observações diretas, entrevistas, ou videoteipes, qu er da análise de documentos contemporâneos como diários, registros ou mesmo fotografias dos participantes – for marão grande parte das evidências usadas em um estudo qualitativo. Por essa razão, você pode querer se familiariz ar com o processo de trabalho de campo como parte da compreensão de um comprometimento inicial com a realiz ação de pesquisa qualitativa. Este capítulo discute as maneiras de trabalhar em um ambiente de campo – separada mente de quaisquer procedimentos de coleta de dados específicos, que são os temas do Capítulo 6. O trabalho de campo ocorre em ambientes da vida real, com pessoas em seus papéis da vida real. Os ambientes, ilustrados em maior detalhe posteriormente neste capítulo, podem ser os lares das pessoas, locais de trabalho em e mpresas, ruas e outros espaços públicos, ou serviços como escolas ou clínicas de saúde. O trabalho de campo pode focar em grupos de pessoas, independentemente de qualquer ambiente físico em particular. O trabalho de campo exige estabelecer e manter relações genuínas com outras pessoas e ser capaz de dialogar c onfortavelmente com elas. Desenvolver relações viáveis pode ser o maior desafio pessoal ao fazer pesquisa qualita tiva. Muitas das habilidades necessárias se reúnem para sermos capazes de gerenciar o processo do trabalho de ca mpo – e sermos capazes de lidar com as incertezas que ele cria. Uma vez que o campo é um ambiente da vida real com pessoas realizando suas rotinas, uma advertência muito i mportante é que você estará entrando no espaço, no tempo e nas relações sociais delas. Observe que a realidade de um ambiente de campo em pesquisa qualitativa contrasta fortemente com a artificialidade dos ambientes para outr os tipos de pesquisa. Comparado com esses outros ambientes, você não terá o luxo de definir suas condições de tra balho, como ao marcar os horários que lhe sejam mais convenientes para aplicar uma série de questionários em u m levantamento ou para “submeter sujeitos” a um experimento laboratorial – ou ainda para pesquisar informações arquivais tranquilamente em uma biblioteca ou na internet. Como seria de esperar, as primeiras experiências no trabalho de campo tem sido simultaneamente as mais emoc ionantes e exasperantes. Em grande medida, fazer trabalho de campo pode inicialmente envolver “ir com a corrent e”. Somente com um tempo mais prolongado em um ambiente os pesquisadores poderão identificar as melhores o portunidades para escolher quando e onde se posicionarem no campo. Mesmo pesquisadores qualitativos não pode m prever seus encontros iniciais em campo quando estão iniciando um novo estudo (e muitos desses pesquisadore s tampouco iriam querer isso). Cada situação de campo é única. Mas mesmo assim você vai querer se preparar adequadamente para seu trabalho de campo. É provável que já e xistam muitas informações disponíveis sobre o ambiente de campo que você está cogitando estudar. Cobertura da imprensa local, informações na internet, bem como estudos investigativos anteriores provavelmente estão disponív eis. Você deve consultar essas informações antecipadamente. Assim, e como uma advertência extremamente impo rtante para fazer trabalho de campo nestes tempos do século XXI, “ir com a corrente” significa ser adaptativo e fle xível ao iniciar de fato seu trabalho de campo, mas sem ignorar a necessidade de, em primeiro lugar, se preparar c uidadosamentepara o trabalho. Além disso, o procedimento para garantir a proteção de sujeitos humanos vai exigir sua própria previsão de mui tas das questões do trabalho de campo esperadas. Um comitê institucional de ética (CIE) (ver Cap. 2, item E) terá que revisar e aprovar suas garantias. Para se familiarizar com os desafios de fazer trabalho de campo, o presente capítulo discute como outros estudi osos vivenciaram seus dias no local do estudo, incluindo como obtiveram e mantiveram acesso a ele. As três prim eiras seções do capítulo destacam o trabalho em campo e a iniciação e cultivo das relações de campo. Essas questõ es tendem a ser relevantes qualquer que seja sua metodologia específica de trabalho de campo. As duas seções sub sequentes então descrevem duas das principais maneiras pelas quais os métodos de trabalho de campo foram form almente reconhecidos: observação participante e visitas ao local. A. TRABALHANDO EM CAMPO O que você deve aprender nesta seção: 1. As diferentes maneiras de definir os ambientes de campo para um estudo qualitativo. 2. Variações no trabalho em ambientes de campo, tanto em relação a seu caráter público ou privado, quan to à quantidade de tempo a ser despendido em campo. Variedade dos ambientes de campo Um modo de pensar sobre o trabalho de campo é pensar sobre seus variados ambientes. Em antropologia e sociol ogia, os primeiros ambientes de campo clássicos eram tanto distantes (os primeiros estudos antropológicos de trib os nativas na Nova Guiné ou nas Ilhas Trobriand – Malinowski, 1922), quanto próximos (os estudos sociológicos de gangues – Thrasher, 1927; de casas de assentamento – Addams & Messinger, 1919; e de outros grupos de bairr os estudados pelos pesquisadores da Universidade de Chicago – a “Escola de Chicago” no início do século XX, p. ex., Burgess & Bogue, 1967; Park, Burgess, & McKenzie, 1925; Shaw, 1930; Thomas & Znaniecki, 1927; Zorbau gh, 1929). Quer remotos quer próximos, os ambientes representavam culturas e estilos de vida socialmente distant es daqueles do pesquisador e de seus colegas (predominantemente) de classe média. Portanto, esses primeiros estu dos eram valorizados porque ofereciam revelações sobre a vida da perspectiva de diferentes culturas. Ao mesmo tempo, outros ambientes eram deliberadamente escolhidos por serem “medianos”, tais como os estu dos originais e de seguimento dos Lynds da cidade de Muncie, Indiana, escolhida porque representava uma cidade estadunidense demograficamente mediana naquela época (Lynd & Lynd, 1929, 1937). Embora não culturalmente distantes, as informações sobre esses ambientes “medianos” também contribuíram para uma compreensão mais pr ofunda das relações sociais e institucionais em uma época em que esses ainda não eram temas de estudo frequente s. Ambientes de campo podem ser definidos de muitas formas (Anderson-Levitt, 2006). Primeiro, eles podem incl uir pequenos grupos de pessoas que possuem um vínculo comum, tais como uma gangue ou um grupo de trabalho. Segundo, eles podem abranger moradores da mesma área geográfica. Esses dois primeiros tipos foram tema de mu itos estudos urbanos que prevaleciam em meados do século XX, focando especialmente em pessoas que viviam e m área urbanas centrais (p. ex., Gans, 1962; Hannerz, 1969; Liebow, 1967; Molotch, 1969; Suttles, 1968; Vidich e t al., 1964; Whyte, 1955, 1984, 1989, 1992). A atenção a esses tipos de grupos continua até hoje (p. ex., Anderson, 1999; Liebow, 1993; Wilson & Taub, 2006). Terceiro, ambientes de campo podem focar em cenários institucionais. A vida cotidiana em muitos tipos diferen tes de instituições, tais como ambientes clínicos ou escolas, podem ser temas de estudo: Por exemplo, um estudo dos cuidados de longa duração prestados a idosos focou em seus processos de tomada de decisão e usou três centros comunitários como ambientes para fazer observações e entrevistas (p. ex., Tetle y, Grant, & Davies, 2009). Pode haver uma gama completa de ambientes institucionais e cotidianos que ofereçam experiências da vida real dignas de estudo qualitativo (ver “Exemplos de contextos cotidianos”, Quadro 5.1). Exemplos de contextos cotidianos A pesquisa qualitativa pode trazer revelações sobre os ambientes sociais não totalmente apreciadas p ela maioria das pessoas. O resultado pode ser uma compreensão mais completa de nossa sociedade, bem como das teorias emergentes sobre como a sociedade funciona nesses ambientes. Alguns desses ambientes (e pistas sobre as teorias emergentes como ilustradas pelos pesquisadores que estudaram os ambientes) são capturadas em uma coleção de leituras de Glenn Jacobs (1970). E mbora os ambientes sejam de uma época anterior, eles ainda sugerem situações equivalentes, que po dem ser estudados por alunos e pesquisadores contemporâneos: capitalismo de guetos (empresas de negros), viciados de rua (o cenário do consumo de drogas injetáveis), uma comissão de reclamações de inquilinos (nascimento de um minimovimento), uma instituição psiquiátrica (o manicômio dourado), cultura das ruas (tempo e pessoas legais), uma academia de artes marciais (samurai urbano), grupos de jogos de azar colegiados (pôquer e pop), um bar de bairro (bar de território natal), trabalho de garç om em um resort de verão (o garçom “shlockhaus”), trapaças na sala de bilhar (o trapaceiro), assistent es sociais e clientes (a vida nas colônias) e homens desempregados no bairro. Quarto, ambientes de campo podem ser definidos como grupos de pessoas não relacionadas. Elas podem ter alg uma condição comum, tais como um problema de saúde ou indisposição física semelhante, mas não interagem enq uanto grupo, residem em áreas geograficamente próximas, ou atuam como membros de ambientes institucionais se melhantes. Essa quarta definição tem se destacado na pesquisa de teoria fundamentada (p. ex., Charmaz, 1999, 20 02; Glaser & Strauss, 1967; Strauss & Corbin, 1998). Os participantes de interesse também podem compartilhar al guma característica, tais como serem aprendizes de inglês como segunda língua (p. ex., Duff, 2008). Nessas situaç ões, uma pesquisa qualitativa em psicologia poderia empreender uma cuidadosa análise do discurso, enfatizando o uso da linguagem dos participantes como um modo de construir a realidade social (p. ex., Coyle, 2007). A expressão ambientes de campo é usada no restante deste capítulo se referindo a todos os tipos de situações pr ecedentes. Todas elas oferecem aos pesquisadores qualitativos a oportunidade de representar culturas, organizaçõe s sociais e estilos de vida, a fim de obter conhecimentos possivelmente importantes sobre como as pessoas interag em, enfrentam situações e prosperam. Todas elas oferecem excelentes oportunidades para estudar temas que pode m ter sido ignorados por pesquisas anteriores. As revelações e descobertas desses estudos podem levar a novas ide ias que por sua vez podem ter implicações importantes muito além da cultura, organização social, estilo de vida ou condição psicológica particular, que foi objeto original do estudo. As contribuições da pesquisa qualitativa podem, consequentemente, assumir uma dupla natureza: novas informações sobre alguma coisa anteriormente pouco conh ecida, combinadas com conceitos e revelações que possuem implicações para interpretações mais amplas das relaç ões humanas. Seria desejável buscar uma combinação semelhante ao fazermos nossa própria pesquisa qualitativa. O ambiente de campo pode ser exótico ou mediano. Mas não se esqueça de que, o que à primeira vista pode parecer ser apenas outro ambiente, pode tornar-se algo mais especial ao se destacar alguns conceitos-chave e usando-os para derivar novas perspectivas. Regras e expectativas diferentes para lugares públicos ou privados como ambie ntes de campo Alguns ambientes de campo vão exigir permissão para serem estudados. Por exemplo, observe como, entre os am bientes enumerados no Quadro 5.1, você não precisaria necessariamente da mesma permissão para se situar, conve rsar com pessoas ou mesmo tirar fotografias em ambientesde estudo que são públicos (p. ex., ruas) comparados c om ambientes privados (p. ex., uma academia de artes marciais). Entretanto, os limites entre lugares públicos e privados nem sempre serão claros. Por exemplo, escolas “pública s” são “particulares” no sentido de que você precisará da permissão das autoridades escolares para realizar pesquis a, bem como de permissão daquelas autoridades e dos pais se quiser conversar ou tirar fotografias dos alunos. Lug ares de práticas religiosas, lojas a varejo, bibliotecas “públicas” e assemelhados apresentam a mesma dualidade – acolhem todas as pessoas como se fossem lugares públicos, mas se consideram espaços privados para fins de pesq uisas em suas dependências. Uma regra geral recomendada é perguntar se é necessário, e a quem você teria que so licitar permissão, se fosse fazer um estudo de um determinado ambiente ou sobre um determinado grupo de pessoa s. Variando a quantidade de tempo em campo Pesquisadores de campo podem passar vários anos ou apenas alguns dias em campo, dependendo de seus interesse s teóricos, bem como de seus recursos. Os estudos clássicos tendiam a envolver um prolongado trabalho de campo em função do desejo de estudar-se as complexidades da cultura, ou estrutura social de um lugar ou pessoas, de for ma mais completa. Tais investigações mais profundas exigiam examinar como os eventos e interações humanas po deriam ter-se repetido ou mudado durante um período de tempo prolongado – por exemplo, recorde os 15 anos apr esentados anteriormente no Quadro 1.6 – e entre uma variedade de pessoas e grupos. Você pode não querer ou precisar investir em um período de tempo tão prolongado em seu trabalho de campo. Entretanto, esteja ciente de que, no mínimo, muitos tipos de estilos de vida que podem ser o tema de sua pesquisa qualitativa tendem a variar conforme as quatro estações. Assim, um ano de trabalho de campo faria sentido como um período lógico de tempo de trabalho de campo. Se tal variação sazonal parece não ser relevante, períodos de tr abalho de campo mais curtos podem ser aceitáveis. Estudos qualitativos menos clássicos, mas ainda dignos, tendem a focar em práticas específicas – por exemplo, como se ensina matemática no 4º ano; como as comunidades planejam suas respostas a catástrofes; como empresa s privadas diversificam seus negócios; ou como indivíduos superam psicologicamente a perda de entes queridos. O trabalho de campo nessas instâncias pode estender-se por um período de vários meses, e o pesquisador de camp o pode estar presente apenas esporadicamente ou não constantemente ao longo desse período. A quantidade mais limitada de tempo em campo – dois ou três dias – é, não obstante, justificável se o tema de i nvestigação for igualmente limitado. Tais estudos podem ter por objetivo determinar se uma ação específica ocorr eu ou está ocorrendo. Exemplos que imitam deliberadamente os do parágrafo anterior, mas com maior foco, poder iam ser as maneiras como professores estão usando um determinado método de ensino em suas salas de aula; a nat ureza de um plano de resposta a catástrofes específicas de uma comunidade (e a consciência desse plano por autori dades e moradores locais); as evidências de que um negócio se diversificou (ou não); e o comportamento imediato para superar a perda de uma pessoa importante. Os períodos mais curtos podem também ser adequados para envol ver ambientes múltiplos (ver a discussão sobre “fazer visitas ao local” no item E). Se seus recursos ou motivações para fazer trabalho de campo (ou para coletar qualquer tipo de dados de pesquis a) são limitados, a lição aqui é identificar um tema de investigação limitado. Inversamente, se suas ambições intele ctuais são grandes e você dispõe dos recursos para sustentá-las, você se beneficiará de passar muito tempo em cam po. B. OBTENDO E MANTENDO O ACESSO AO CAMPO O que você deve aprender nesta seção: 1. As condições dinâmicas envolvidas em obter e manter acesso aos ambientes de campo. 2. A relação entre a natureza dos contatos de campo iniciais e o subsequente curso de um estudo qualitati vo. Os ambientes da vida real pertencem às pessoas na vida real, não aos pesquisadores que interferem nesses ambien tes. Fazer pesquisa nesses ambientes requer especial atenção ao modo como você poderia obter permissão para est udá-los e seu subsequente acesso a eles. Para realizar essas tarefas, os pesquisadores de campo muitas vezes são a uxiliados por outras pessoas que podem saber mais do que eles sobre o ambiente. Por exemplo, se uma pesquisa a nterior ou relacionamentos pessoais não produziram maior familiaridade com o ambiente que deve ser estudado, u m colaborador altamente familiarizado com aquele ambiente será extremamente valioso. O colaborador ideal pode ajudar a identificar e colocar um pesquisador de campo em contato com pessoas-chave no ambiente. Obtendo acesso a um ambiente de campo: um processo, não um evento Pesquisadores menos experientes podem pensar o “acesso” como um evento, semelhante a candidatar-se para adm issão em uma faculdade ou escola de pós-graduação. Entretanto, nessas situações, um estudante admitido permane ce admitido, geralmente não tendo mais contato com o departamento de admissões. O procedimento de admissões foi um evento que passou. Os alunos podem posteriormente serem expulsos ou suspensos, mas as ações que levam a tais sanções são bem definidas de antemão e tornam-se um conjunto separado de eventos. Além disso, uma ação drástica como uma expulsão raramente ocorre. Qualquer imagem semelhante à das admissões simplifica em demasia a situação do trabalho de campo. Obter a cesso pode ser mais um processo do que um evento pontual (p. ex., Maginn, 2007). Ao longo do trabalho de camp o, a ameaça de perder o acesso (não o mesmo que ser expulso) sempre existe. Os pesquisadores de campo, portant o, devem administrar o acesso durante todo o seu tempo em campo. Uma vez obtido o acesso, os experientes não o dão por garantido. Eles evitam comportamentos que possam parecer “estar abusando da hospitalidade”. O acess o pode ser totalmente perdido ou limitado, pois os anfitriões podem deliberadamente excluir os pesquisadores de c ertas atividades (ver “Acesso obtido e depois restringido” no Quadro 5.2). Os participantes podem inclusive levant ar objeções a um estudo em andamento há algum tempo. Por exemplo, Kugelmass (2004) relatou tais questioname ntos a seu estudo depois de ter obtido as devidas permissões e ter completado dois anos de trabalho de campo em uma escola (ver “Questões de continuação levantadas no terceiro ano do trabalho de campo”, Quadro 5.3). Acesso obtido e depois restringido Como parte de seu livro-texto sobre o método de observador participante, Danny Jorgensen (1989) cit ou seu próprio estudo do ocultismo para ilustrar as diversas técnicas e lições metodológicas (ver p. 63, 71, 89, e 92). Logo no início do estudo, Jorgensen havia desenvolvido estreitas relações com várias pessoas e cons eguido coletar muitos dados, incluindo entrevistas e documentos. Foi somente no final da pesquisa, co ntudo, que ele se conscientizou da existência de grupos rivais dentro da comunidade ocultista. Ele ent ão deixou de comparecer a uma feira de ocultismo promovida por um dos grupos, cujo líder já havia c omeçado a identificar Jorgensen como seu rival e usou essa ausência para questionar o comprometim ento do pesquisador com o ocultismo. Consequentemente, Jorgensen não conseguiu interagir com o g rupo ofendido e teve acesso negado a suas atividades. O autor relata que o episódio foi pessoalmente traumatizante e extremamente problemático. Não obstante, ele foi valioso por confirmar o quadro emer gente “... de redes, segmentos e política nesta comunidade de ocultistas” (1989, p. 79). Questões de continuação levantadas no terceiro ano do trabalho de campo Um estudo de Judy Kugelmass (2004) de uma única escola de ensino fundamental acabou envolvend o cinco anos de trabalho de campo. O estudo focou nos esforços dos professorespara criar salas de a ula inclusivas – pretendendo celebrar a diversidade em seu sentido mais amplo, não restrita a alunos c om deficiência ou necessidades especiais. Embora Kugelmass tenha recebido permissão para realizar a pesquisa de todas as fontes relevantes, após dois anos de trabalho de campo, dois professores “começaram a expressar temores sobre como [a pesquisa dela] poderia ser percebida pelo ‘mundo de fora’. Eles, juntamente com um pai não queria m que [a pesquisa dela] continuasse” (2004, p. 20). As preocupações refletiam “tensões crescentes entre a escola e o sistema escolar mais amplo” em tor no de um enrijecimento das regras de responsabilização e da possibilidade de que os achados de pes quisa poderiam ser “mal interpretados fora do contexto da cultura da escola” (2004, p. 20). Depois de prolongadas discussões, o estudo continuou, juntamente com uma concordância em manter o anonim ato da escola e dos participantes. Como o processo pode influenciar a substância de um estudo Para a maioria dos ambientes de campo, e especialmente aqueles com redes organizacionais ou sociais reconhecid as, o principal acesso de um pesquisador de campo vem apropriadamente de uma autoridade da instituição ou do lí der da rede de contatos. Essa pessoa geralmente é considerada como um “porteiro”. Entretanto, esta maneira de ob ter acesso pode fazer as outras pessoas na instituição ou na rede de contatos acreditarem que a pesquisa representa os interesses do “porteiro”. Essa percepção afetará a recepção dada ao pesquisador pelos outros membros no ambi ente de campo. Por exemplo, o “porteiro” pode ter representado uma facção em um local, e um pesquisador então pode ser visto pelas outras facções como representante dos interesses da facção do porteiro. Da mesma forma, em um ambiente institucional, os funcionários podem responder de maneira diferente caso acreditem que um estudo f oi sancionado por seu empregador (ver “Trabalhando como balconista de loja”, Quadro 5.4). Trabalhando como balconista de loja Christine Williams (2006) enfrentou o desafio de ser observador participante submetendo-se a uma ent revista e depois sendo contratada para trabalhar como vendedora em duas lojas (uma localizada em u m bairro modesto e a outra em um bairro nobre). Ela trabalhou 8 horas por dia durante aproximadame nte seis semanas em cada loja. Williams “não buscou aprovação oficial da gerência para realizar um estudo formal... [porque] os funci onários muitas vezes ficam desconfiados de pesquisadores que obtêm aprovação da gerência, tratand o-os como espiões corporativos” (2006, p. 18). Apesar dessa condição, ela declara “nunca fui disfarça da. Quando eu estava trabalhando... eu era realmente uma vendedora” (p. 18). Ela também observa q ue ninguém perguntou sobre sua experiência anterior, porque a maioria dos funcionários não fazem es se tipo de pergunta uns aos outros, e ela não era a única funcionária com pós-graduação. Ver também Quadro 4.2. As associações implícitas criadas por qualquer uma dessas situações nem sempre podem ser evitadas. O princip al objetivo deve ser tratar com sensibilidade as implicações de como um local foi acessado e como os contatos inic iais podem afetar um estudo e seus resultados. Uma situação um pouco diferente surge quando o acesso ao ambiente de estudo ocorre como parte de um proce sso mais natural, porque o pesquisador já estava situado em um local ou era membro de um grupo social antes do i nício do estudo. Na verdade, fazer parte do local ou do grupo social pode ter sido o principal fundamento lógico p ara considerar a realização do estudo. A literatura contém muitos estudos em que o investigador casualmente vivia em um país estrangeiro, trabalhav a em uma determinada organização, ou estava familiarizado com um certo grupo de pessoas, e nos quais essas situ ações tornaram-se os ambientes para estudos de campo subsequentes. Em um desses estudos, um pesquisador e su a esposa se mudaram para um bairro e tentaram criar ali uma organização artística sem fins lucrativos. O bairro e s eus moradores posteriormente tornaram-se o objeto de um estudo etnográfico (ver “Residindo e trabalhando em u m bairro urbano em transição”, Quadro 5.5). De maneira semelhante, dois pesquisadores estudaram 162 mulheres em oito bairros, cada pesquisador residindo e fazendo um trabalho voluntário em cada um dos bairros (Edin & Kef alas, 2005). Residindo e trabalhando em um bairro urbano em transição Russell Leigh Sharman (2006) estudou um bairro etnicamente misto na cidade de Nova Iorque depois de se mudar para lá e criar uma organização de educação artística sem fins lucrativos. A partir dessa posição vantajosa, ele se familiarizou bastante com muitos moradores do bairro, alguns deles tornand o-se os sujeitos das histórias de vida que dominam seu livro. As histórias de vida ocupam capítulos se parados, cada capítulo chamando atenção para a extrema mescla de etnias do bairro: italianos, porto-r iquenhos, americanos africanos, mexicanos, africanos do oeste e chineses. A organização artística se extinguiu depois de alguns anos, enquanto o bairro passava por um dispend ioso processo de aprimoramento, comumente chamado de gentrificação. Entretanto, Sharman deliber adamente não permite que qualquer perspectiva teórica introduza ou de outra forma obscureça a apre sentação das histórias de vida. Com o que chamou de um “estilo não usual de etnografia” (2006, p. xiii ), as histórias de vida são seu modo de “permitir que a etnografia faça o trabalho da abstração teórica” (p. xiii). Nessas situações, obter acesso assume um significado ligeiramente diferente. É menos provável que você fosse precisar de permissão para estar presente em um cenário, mas você ainda precisaria obter permissão para falar ou entrevistar as pessoas específicas que fazem parte do cenário. Nessas situações, o fato de que um estudo está send o realizado não deve ser disfarçado, muito menos ocultado. Quando estão conversando com você, as pessoas deve m saber se isso faz parte de um estudo ou não, questão que deve ter sido explicitamente abordada como parte do p rocedimento para proteger sujeitos humanos. Quanto mais tempo um pesquisador está em um ambiente de campo, mais complicadas podem se tornar as rela ções sociais. As complicações podem surgir pelo desenvolvimento de relações mais intensas com as pessoas. Aind a mais difícil de prever, os outros vão conversar entre si e trocar informações sobre você e seu trabalho, potencial mente tingindo suas posteriores respostas a suas perguntas. A situação mais complicada surge quando um pesquisador parece estar totalmente integrado ao ambiente ou gru po estudado, possivelmente com pouca consciência de que uma perda da adequada perspectiva investigativa tamb ém está ocorrendo. Pesquisadores de campo nessas circunstâncias arriscam serem acusados de “virar nativos”, co m uma conotação negativa atrelada a seus resultados de pesquisa. Um antídoto frequentemente recomendado para todas essas complicações é, enquanto estiver fazendo seu trabal ho de campo, dialogar frequentemente nas horas vagas com um colega de confiança que não faça parte do ambient e ou do estudo. Informar colegas e alertá-los para que fiquem atentos a complicações indesejáveis ou sua inconsci ente imersão nas questões de um ambiente de campo é uma forma de manter a necessária perspectiva investigativa . C. NUTRINDO RELAÇÕES DE CAMPO O que você deve aprender nesta seção: 1. O papel que você vai assumir ao fazer o trabalho de campo, incluindo sua identidade, suas relações co m os participantes do estudo e seu comportamento de enfrentamento. Obter e manter o acesso são apenas uma parte de um empreendimento maior ao fazer trabalho de campo. Você ta mbém precisa gerenciar um conjunto contínuo de relações humanas. Algumas dessas relações podem ser mais anti gas do que seu trabalho de campo, mas a maior parte delas terá se formado durante o trabalho. E algumas relações podem perdurar (calculadamente ou não) até depoisde você ter concluído seu trabalho de campo. A tarefa não é tão intimidante quanto você poderia imaginar. Mas haverá surpresas, e existem riscos. Representando seu self autêntico Esta é a maneira mais segura e saudável de apresentar a identidade para construir relações de campo. A identidade inclui uma função básica (a de fazer um estudo) assim como uma personalidade (a sua). Essa é a identidade prefer encial porque em primeiro lugar você vai representar de maneira mais fiel o motivo original para estar em campo, e você será capaz de manter uma postura e conduta coerentes ao interagir com outras pessoas. Apresentar-se como quem está realizando um estudo investigativo pode ser atraente porque a identidade sugere um compromisso sério e profissional em vez de uma curiosidade casual pela vida de outras pessoas. Ao mesmo te mpo, uma vez que tantos estudos já foram feitos sobre tantos temas, algumas das pessoas que vão participar de um novo estudo podem já ter opiniões próprias sobre tais estudos. Talvez elas acreditem que estudos podem se tornar intrusivos e trair confianças, quando experiências compartilhadas são expostas por escrito. Desde cedo, portanto, v ocê deve estar preparado (1) para definir o tipo de texto (relato ou livro) que resultará; (2) se e como você vai com partilhar esse texto com as pessoas que você estudou; e (3) o grau de anonimato com que as informações serão apr esentadas (ver também Cap. 4, Opção 6). Apresentar-se em alguma outra função depende da autenticidade da alternativa escolhida e a relação dela com s ua pesquisa. Como mencionado anteriormente em relação ao processo de obter acesso ao campo, você pode ter u m emprego, servir como voluntário, ou ser um real morador no ambiente que está sendo estudado. Tais posições v antajosas podem prover uma base sólida para participar de atividades de campo, mas se você sabe que está fazend o um estudo você também precisa informar as pessoas sobre isso. A esse respeito, Elliot Liebow foi uma das pesso as mais francas que eu tive o privilégio de conhecer. Em seu estudo de moradoras de rua (1993), ele pungentement e toca em todas as questões relativas à apresentação de sua identidade ao formar relações em campo (ver “O pesqu isador de campo em ação, Quadro. 5.6). O pesquisador de campo em ação Em seu estudo sobre moradoras de rua, Elliot Liebow (1993) discute sua maneira de se posicionar co mo pesquisador de campo, reconhecendo plenamente sua função como instrumento de pesquisa. Trê s questões ilustram sua discussão. Primeiro, Liebow comenta sobre seu próprio histórico e “preconceitos”, porque “tudo o que foi relatado sobre as mulheres neste estudo foi selecionado e filtrado por mim” (1993, p. vii). Segundo, acreditando que as relações devem ser “as mais simétricas possível”, Liebow encorajou sua esposa e filhas (adultas) a visitarem o abrigo das sem-teto, seguindo um princípio de “uma coisa pela outra”: “as mulheres precisavam saber tanto sobre mim quanto eu sabia sobre elas” (1993, p. xii). Com isso elas podiam perguntar mais vividamente sobre a família dele durante as conversas sobre suas pr óprias famílias e experiências na criação dos filhos. Terceiro, Liebow discute seus padrões éticos – “o que fazer ao ficar sabendo de furtos em lojas cometi dos pelas mulheres”, por exemplo. Nessa questão, ele procurou “seguir no trabalho de campo a mesm a ética que sigo em qualquer parte de minha vida” (1993, p. 327). Ver também Quadros 1.1 e 11.7. Importância da conduta pessoal Condutas típicas incluem ser respeitoso, e não condescendente, amigável, mas não lisonjeador, e atencioso com os outros, mas sem fazer seu jogo. Pesquisadores de campo devem empenhar-se na “escuta” (em todas as suas modal idades) do que está acontecendo, mas não podem tornar-se personalidades totalmente passivas. Inversamente, a afi rmação explícita de suas visões ou opiniões, além de levar a condutas possivelmente dominadoras, pode também c riar um risco metodológico. As visões e opiniões dos pesquisadores podem influenciar fortemente as reações dos o utros, assim como moldar os eventos no ambiente. Dessa forma, um estudo deixará de apreender o significado das próprias condições da vida real que deveriam ser o objeto de investigação. De maneira geral, por meio de sua escolha de roupas e acessórios pessoais, seu objetivo é ser genuíno, mas sem chamar indevida atenção para si mesmo. Lembre-se de que os outros são o objeto de estudo, não você. Observe ta mbém que quaisquer sinais sutis que você emite podem ser tão importantes quanto o que você afirma abertamente. Mais uma vez, lembre-se de que em condições da vida real, não é só você que está observando outras pessoas – el as estão simultaneamente “lendo” você, e algumas dessas pessoas podem ter talento para leitura. Sua linguagem c orporal, pausas, hesitações e expressões faciais e verbais, tudo isso transmite informações. Por exemplo, todos e q ualquer um desses gestos pode levar à percepção de que você está sendo diretivo, enquanto você talvez pense que está sendo adequadamente não diretivo. Fazendo favores aos participantes: faz parte do relacionamento ou não? Embora estar em campo signifique fazer parte de um ambiente da vida real, o papel dos pesquisadores de campo a inda é um tanto artificial, porque o motivo para estar presente é que um estudo está sendo realizado. Um dilema co mum é se o papel inclui fazer favores, e nesse caso, o limite desses favores. Pequenos favores podem variar desde pequenos empréstimos (10 ou 20 dólares), cuidar de uma criança, animal de estimação ou parente idoso enquanto um participante saiu para fazer compras, realizou uma tarefa, ou preocupo u-se de outra forma, até fazer favores relacionais, como falar com outra pessoa em nome de quem está pedindo o f avor. Favores maiores podem envolver apostas mais altas. Todos os pesquisadores devem decidir por si mesmos o que parece mais confortável e é aceitável. Algumas regr as gerais poderiam ser (1) evitar por completo favores maiores; (2) fazer pequenos favores apenas em raras ocasiõ es, deixando claro que é uma rara ocasião; e (3) manter uma conduta suficientemente íntegra para que ninguém se quer lhe peça um favor que beire algo ilegal ou que resulte em dano ou prejuízo psicológico a outra pessoa. Lidando com eventos inesperados O evento mais surpreendente pode ser simples: embora você esteja focado em fazer perguntas ligadas à sua pesqui sa, os outros podem fazer perguntas a você. Eles podem perguntar sobre seu estudo, sua história e opiniões pessoai s, ou sobre praticamente qualquer outro assunto. Ainda que seja impossível prever todas essas perguntas, pensar d e antemão sobre os limites que você gostaria de fixar – tais como o quanto você está disposto a revelar sobre sua v ida pessoal – seria um exercício aconselhável. Outros eventos inesperados variam desde ser convidado para participar de certas atividades (inclusive ser convi dado para relacionamentos pessoais), até ficar sabendo sobre atividades ilícitas ou de outra forma indesejáveis. Es sas situações não têm soluções fáceis. Muitos anos atrás, Florence Kluckhohn (1940) descreveu como um particip ante de um estudo se apresentou como um pretendente tentando marcar um encontro com ela. Ela só sentiu totalm ente confortável em suas relações de campo depois que, devido a um posterior conjunto de circunstâncias favoráv eis, ele se desculpou diretamente e repudiou outras tentativas neste mesmo sentido. Um tipo final de evento inesperado pode envolver ameaças ou perigos a você e sua subsistência (p. ex. Howell, 1990). Esteja ciente (e estude) as condições econômicas, políticas e sociais contemporâneas em seu ambiente de c ampo que podem afetar as pessoas e o ambiente que você está estudando. Sua preparação deve lembrar que o foco de seu trabalho é a rotina da vida real dos outros. O contexto para essas rotinas pertence ao mundo que você está e studando, não ao seu. Se o contexto envolve violência física, tal como estudar o trabalho de cumprimento da lei (p .ex., Punch, 1989) ou hostilidade de grupo de qualquer tipo, seja conservador e espere reações adversas mais do q ue agradáveis ao fazer seu trabalho de campo. Planejando como sair e não apenas como entrar em campo Muita atenção é adequadamente dedicada a como você vai se apresentar e entrar em campo. Menos atenção é dada à fase igualmente importante de sair. Por exemplo, você pretende retornar ao ambiente de estudo depois de redigir seu trabalho? Na maioria dos casos, é provável que você não volte, e sair significaria chegar a mútuos entendimentos com as pessoas que você esteve estudando. Você pode indicar como ou se você vai compartilhar parte de seus escritos co m elas. Você pode também querer “manter o contato”, ainda que não esteja pensando em voltar ao ambiente em si. Para algumas relações é melhor deixar perdurar do que terminá-las com um “adeus” firmemente estabelecido. Voc ê pode até querer deixar aberta a oportunidade de retornar ao ambiente de estudo algum dia, para fazer um estudo de seguimento. Não existe uma estratégia única que sirva para todas as situações. Afora os eventuais compromissos que você te nha firmado (e deve manter) ao oferecer a sujeitos humanos proteção ou em suas primeiras interações com partici pantes, as situações são dominadas por relações humanas únicas. Você está na melhor posição para decidir qual es tratégia escolher, então, reflita um pouco sobre a questão antes que o processo de saída se inicie. D. FAZENDO OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE O que você deve aprender nesta seção: 1. De que forma a prática da observação participante acentua o papel do pesquisador como instrumento d e pesquisa em um estudo qualitativo. 2. Como dar aos eventos em campo um papel influente, comparado com preconceitos prévios ao trabalho de campo. De um ponto de vista metodológico, os papéis no trabalho de campo variam. A metodologia associada à realizaçã o de trabalho de campo tem sido a da observação participante (Anderson-Levitt, 2006; Jacobs, 1970; Jorgensen, 1 989; Kidder & Judd, 1986; Kluckhohn, 1940; McCall & Simmons, 1969; Platt, 1992; Spradley, 1980). A observação participante tem sido praticada de uma forma ou outra há mais de 100 anos na antropologia e há q uase tanto tempo na sociologia: Na antropologia (Emerson, 2001, pp. 4-7), os primeiros trabalhos incluem os estudos de Franz Boas e post eriormente de outros estudiosos notáveis que foram seus alunos (p. ex., Ruth Benedict, Margaret Mead, Ro bert Lowie e Alfred Kroeber) e de Bronislaw Malinowski e posteriormente de outros que foram seus alunos ( p. ex., Evans-Pritchard, Raymond Firth e Hortense Powder-maker). Na sociologia, os primeiros foram Robert E. Park e a “Escola de Chicago” de sociologia (Platt, 1992, p. 37-3 8), que também inclui uma renomada coleção de estudiosos (p. ex., W. I. Thomas, R. C. Angell e C. R. Sha w). Nesses trabalhos de observação participante, os temas dos estudos foram desde sociedades inteiras e grupos de pessoas até indivíduos. Segundo Bruyn (1966), o termo observação participante provavelmente foi usado pela primeira vez por Eduard Lindeman, e as primeiras descrições detalhadas sobre o método foram escritas por Lohman (1937) e Kluckhohn (1 940). Na década de 1950, o termo já tinha se tornado quase sinônimo de fazer pesquisa de campo (Emerson, 2001, p. 13; Platt, 1992, p. 39-43). O método foi mais tarde usado para estudar os bairros descritos anteriormente neste capítulo, e também muitos grupos sociais, tais como alunos de medicina (p. ex., Becker, Geer, Hughes, & Strauss, 1961). Para pesquisadores contemporâneos e especialmente para os que praticam etnografia, a observação participante enfatiza um envolvim ento estreito, íntimo e ativo, fortemente ligado ao objetivo de estudar as culturas dos outros (Emerson, 2001, p. 17 -18). A ênfase relativa entre “participar” e “observar” pode produzir quatro variantes: (1) ser apenas um participante; (2) ser um participante que também observa; (3) ser um observador que também participa e (4) ser apenas um obs ervador (Gold, 1958; Schwartz & Schwartz, 1955). (Uma quinta combinação lógica seria a de um não participante que tampouco observa – mas nenhum trabalho de campo ocorreria com essa combinação.) A essência de ser um o bservador participante exige a emulação das duas combinações intermediárias das quatro variantes – ou seja, have r alguma participação e alguma observação, e não negligenciar completamente nenhuma delas. O pesquisador como “instrumento de pesquisa” Pense sobre um instrumento de pesquisa como uma ferramenta para coletar dados. Exemplos comuns da atividade escolar seriam uma régua, um compasso, um transferidor, ou um termômetro. Exemplos comuns da psicologia ou da sociologia poderiam ser um audiômetro (para testar a audição das pessoas) ou um questionário fechado (para c oletar resposta verbais). Em todos esses casos, os seres humanos usam a ferramenta e podem criar “erros de mediç ão” indesejáveis, mas cada ferramenta tem seu próprio padrão de medida, pelo qual pode-se expressar e registrar u ma medição. Não existe semelhante ferramenta ao trabalhar como observador participante. Você pode ter um questionário c omo parte de seu trabalho, mas a menos que esteja fazendo apenas um estudo com entrevistas, você também estará observando e registrando diretamente as ações, eventos e conversas que ocorrem no ambiente. Você vai tomar not as (tema discutido no Cap. 7, item B), mas elas apenas registram o que você mesmo “mediu”. Mesmo que você re gistre os eventos em vídeo ou áudio, esses registros não fornecem por si nenhum critério – por exemplo, para disti nguir eventos importantes de não importantes, ou o significado das visões dos entrevistados. Em outras palavras, os encontros da vida real dominam o trabalho de campo. Nessas situações, seus cinco senti dos serão as principais modalidades para medir e avaliar informações do campo. Você também será limitado por s ua capacidade de lembrar e relembrar ações, e você estará exercendo seu próprio arbítrio ao decidir o que registrar . Todas essas funções significam que você estará servindo como o principal instrumento de pesquisa (ver “Fazend o trabalho de campo em dois templos religiosos”, Quadro 5.7). Fazendo trabalho de campo em dois templos religiosos Duas igrejas que apoiam gays e lésbicas – uma delas “predominantemente negra, da classe operária, lésbica e evangélica, e a outra predominantemente branca, de classe média, heterossexual e liberal” ( p. 151) – serviram como ambientes para um estudo de campo bem executado de Krista McQueeney ( 2009). O trabalho de campo incluiu 200 horas de observação participante envolvendo cultos de adoração, est udos da bíblia, uniões sagradas, eventos sociais e congressos regionais; 25 entrevistas semiestrutura das (incluindo os quatro pastores das duas igrejas) que foram gravadas em áudio e inteiramente trans critas; e análises de boletins informativos, reportagens locais e outras publicações afins. McQueeney prontamente reconhece sua própria “perspectiva e privilégio enquanto estudante de pós-g raduação, branca e lésbica fazendo pesquisa de campo”, e “costumava refletir e redigir notas sobre co mo suas expectativas, inclinações e interações com os participantes moldavam sua própria análise” (2 009, p. 154). O esmero do trabalho e a boa escrita também mostram como um estudo desse tipo pode ser apresentado dentro das limitações de espaço de um artigo em uma revista acadêmica contemporâ nea. Ser o principal instrumento de pesquisa exige que o pesquisador esteja ciente das potenciais tendenciosidades e idiossincrasias do instrumento (ou seja, as suas). Elas incluem condições resultantes de seus antecedentes pessoais , suas razões para fazer a pesquisa e suas categorias ou filtros que poderiam influenciar seu entendimento dos even tos e ações no ambiente. Entre esses atributos pessoais destaca-se a correspondência entre a raça ou etnicidade de um pesquisador e as d os participantes de um estudo. Existem exemplos conhecidos de situaçõescontrastantes, incluindo pesquisadores b rancos que estudaram a vida familiar ou social de negros (p. ex., Hannerz, 1969; Liebow, 1967; Stack, 1974), assi m como estudos feitos por pesquisadores com identidades muito semelhantes também envolvendo não falantes de inglês (p. ex., Brubaker et al., 2006; Padraza, 2007; Rivera, 2008; Sarroub, 2005; Valenzuela, 1999). Uma equipe de pesquisadores, por força de sua composição multirracial e seu foco em um múltiplo conjunto de bairros com dif erentes composições raciais, foi capaz de estudar as aparentes diferenças e semelhanças de condições emparelhada s e não emparelhadas (ver “Congruências raciais e étnicas”, Quadro 5.8). Outra equipe diversificada estudou as vi das de 12 famílias heterogêneas e, portanto, teve a mesma oportunidade (Lareau, 2003). Congruências raciais e étnicas Dois professores e nove alunos de pós-graduação fizeram imersão em quatro bairros urbanos por mai s de 30 meses, aproximadamente duas pessoas por bairro (Wilson & Taub, 2006). As equipes mapear am os bairros e coletaram dados censitários e históricos de outro tipo sobre eles. Na maior parte do te mpo, os pesquisadores participaram das atividades de bairro, frequentaram igrejas, escolas e outros lo cais, falaram com informantes bem informados e trabalharam como voluntários nas organizações de b airro. O delineamento em múltiplos locais e equipes permitiu aos autores comentarem sobre as vantagens d e haver pesquisadores de origens raciais ou étnicas diferentes ou iguais às dos moradores dos bairros . Os autores acreditam que relações congruentes tendem a ser mais sensíveis a sinais culturais e eng endram maior confiança. Relações não congruentes tendem a lançar um novo olhar sobre a situação; a distância social também pode aumentar o acesso a informações que não seriam compartilhadas co m amigos ou com pessoas que possuem características congruentes (p. 192-193). Ver também Quadro 8.4. Assumindo uma postura indutiva mesmo que um estudo tenha se iniciado com a lgumas proposições Os antropólogos geralmente usam o trabalho de campo como uma maneira de tentar representar a cultura de um gr upo ou lugar. Essa busca exige a capacidade de captar e depois elaborar o significado de rituais, símbolos, papéis e práticas sociais. Tudo isso varia, o que dificulta a realização do trabalho de campo. Entretanto, para executá-lo be m é necessário que o pesquisador aborde o ambiente de estudo com o mínimo de pressuposições. Quer se esteja estudando uma cultura quer não, deve-se aderir à mesma meta. As pressuposições a serem minim izadas vêm não apenas de suas crenças pessoais, mas também das suposições teóricas iniciais que podem ter ocasi onado seu estudo. Importantes às duas esferas são os construtos hipotéticos denominados categorias (p. ex., Becke r, 1998, p. 76-85), anteriormente discutidos no Capítulo 1 (item C). Todo mundo usa categorias diariamente para c lassificar as experiências em padrões significativos. Entretanto, nas primeiras etapas de seu trabalho de campo, vo cê não deve tentar “categorizar” os eventos e ocorrências prematuramente. A postura indutiva bem-sucedida permite que os eventos no campo guiem o posterior desenvolvimento de categ orias, proposições e por fim o “significado”, com base nas ações no campo e não em pressuposições. Iniciar um es tudo com pressuposições, antes de fazer o trabalho de campo, seria considerado um procedimento dedutivo. Aqui chegamos a um paradoxo decisivo. Anteriormente, o Capítulo 4 discutiu como a pesquisa qualitativa pode ria se iniciar com uma variedade de delineamentos, inclusive aqueles baseados em proposições teóricas preconceb idas (ver Cap. 4, Opção 5). Mesmo que um estudo se inicie com tal delineamento, o trabalho de campo será mais b enéfico se as proposições iniciais forem ignoradas temporariamente. Em outras palavras, esforce-se ao máximo pa ra permitir que o campo conte a história primeiro, a seu próprio modo. Mais tarde, sempre haverá tempo para com parar aquela história a suas proposições iniciais. A situação paradoxal não é diferente de um ambiente clínico ou médico onde o doutor começa a conversar com o paciente perguntando “Como você se sente?”. Um bom clínico é treinado a primeiro fazer o paciente se sentir co nfortável o suficiente para compartilhar seus sentimentos mais íntimos e então ouvir atentamente, deixando que as respostas do paciente levem a mais perguntas ou sondagens. O bom clínico está “avaliando” a situação. Entretanto, isso não significa que inicialmente ele estivesse desprovi do de qualquer conhecimento (i.e., proposições). Na atualidade, é provável que o médico seja um especialista e pr esuma que o paciente veio por acreditar que a doença tinha relação com a especialização (do contrário, o paciente teria consultando algum outro especialista). Alguns (possivelmente a maioria) dos clínicos são bons o suficiente p ara suspender suas pressuposições e reconhecer quando um paciente fez uma suposição incorreta a respeito de um a indisposição e deveria ter consultado outro especialista. Outros clínicos vão aderir a seu conhecimento especializ ado e podem indesejavelmente desviar os relatos do paciente na direção daquela especialidade. Treinar-se para ser um pesquisador de campo semelhante ao primeiro e não ao segundo tipo de clínico requer te mpo e paciência. O credo de um observador participante pode ser o seguinte: Inicie o trabalho de campo escutando atentamente o que está acontecendo. Faça um bom registro mental do que está acontecendo. Evite comparar uma experiência de campo inicial com suas experiências (de campo ou não) anteriores. Faça o mínimo possível de suposições iniciais. Tenha confiança de que padrões surgirão sem estímulos artificiais. Tenha confiança também de que, se um estudo se iniciou com algumas proposições, as experiências de campo e aquelas proposições com o tempo irão interagir de alguma maneira produtiva, incluindo a constatação de que a s proposições iniciais precisam ser descartadas, aprimoradas ou redefinidas de alguma forma interessante. E. FAZENDO VISITAS AOS LOCAIS DE ESTUDO O que você deve aprender nesta seção: 1. As situações para as quais visitas ao local são mais adequadas. 2. As principais vantagens e desvantagens de fazer visitas em comparação à observação participante. Fazer visitas ao local de estudo é outra forma reconhecida de fazer trabalho de campo. Na verdade, na maioria dos estudos de políticas, organizacionais e de avaliação, o termo trabalho de campo refere-se a fazer visitas ao local. Além disso, nessas situações, as visitas conotam a porção de pesquisa qualitativa de um estudo, às vezes servindo como o único método de um estudo, mas em outros casos usadas como parte de um estudo investigativo com meto dologia mista. Poucos especialistas em outras disciplinas científicas reconhecem que podem até realizar visitas ao local rotinei ramente. Tais visitas ocorrem sempre que comissões revisam o trabalho dos departamentos e programas universitá rios. Fazendo essas visitas, coletando e analisando dados sobre um departamento ou programa da universidade, ess es especialistas estão na verdade fazendo pesquisa qualitativa. A maioria dos textos não discute a precedente aplicação ou outras formas de visitas ao local como um procedim ento formal. Contudo, os dados de visitas podem ser tão valiosos quanto os de observação participante. Diferenças importantes também existem, é claro. Primeiro, uma visita típica ao local abrange apenas alguns dias. Segundo, o t rabalho de campo em visitas ao local pode deliberadamente visar o envolvimento de dois ou mais pesquisadores n a realização de uma visita. Isso pode ajudar a compensar a falta de tempo total no campo, na medida em que os me mbros da equipe podem dividir responsabilidades e separadamente cobrir diferentes eventos ou entrevistas. A seguir apresentamos alguns destaques do processo de visita ao local. Estudando um grande número de ambientes de campo Embora visitas ao local ofereçam uma experiência maissuperficial para qualquer ambiente de estudo, se compara das à observação participante, uma importante vantagem do uso de visitas como procedimento de trabalho de cam po é a capacidade de coletar dados de muitos ambientes de campo como parte do mesmo estudo. Enquanto a obser vação participante tende a ser limitada a um ou dois ambientes de campo, o uso de visitas pode facilmente abrange r uma dúzia de ambientes ou mais. Os dados de um único ambiente podem ser mais limitados do que aqueles em u m estudo de observação participante, mas os dados de visitas de diversos ambientes podem respaldar descobertas e padrões significativos entre locais. Inversamente, os ambientes de campo preferenciais tendem a ser menores ou mais autossuficientes do que os en volvidos em observação participante. Ambientes de visita frequentes incluem salas de aula, clínicas, escritórios e a mbientes de trabalho, como instalações industriais e postos de atendimento. Fazer visitas locais a esses tipos de a mbientes pode produzir as informações necessárias quando padrões entre locais servem como principais questões de pesquisa. Parte do padrão também pode exigir visitas aos mesmos ambientes duas ou mais vezes, para obter um a perspectiva temporal, bem como entre os locais. Se o tema de estudo envolve evidências documentais extensas, r evisões de campo de documentação anterior podem ampliar a perspectiva temporal ainda mais. Aderindo à programação e a planos formais Visitas ao local tendem a ser mais rígidas do que observação participante. Devido ao tempo de campo limitado, as visitas geralmente seguem uma programação preestabelecida, assim como uma agenda a ser cumprida. Ambas au mentarão a probabilidade de entrevistar ou conversar com os necessários participantes ou observar os desejados ev entos. Uma vez em uma entrevista ou observação programada, a coleta de dados e os procedimentos de registro pa ra visitas ao local podem não parecer diferir muito daqueles seguidos em observação participante. Entretanto, o co ntexto pode ser totalmente diferente – como a entrevista ou observação programada ocorrendo em condições mais artificiais do que ao realizar observação participante. Você não deve subestimar a potencial influência dessas condições contextuais. Por exemplo, membros de um a mbiente de campo que está recebendo visitas podem ter ajudado a organizar a programação, com isso manipuland o-a para sua vantagem. Além disso, as pessoas no campo também saberão da programação de antemão e podem pr eparar sua visita, novamente manipulando-a para sua vantagem. Nessas situações, as atividades e respostas durant e sua visita podem não representar o que normalmente ocorre naquele ambiente. As atividades podem ter um tom i dealizado, e as respostas podem guardar mais semelhança com o que os participantes acham que você quer ouvir d o que com o que eles normalmente falariam. Sendo “recebido” durante uma visita local Uma complicação adicional surge quando um visitante é acompanhado por seu anfitrião, seja quando está observa ndo as atividades de campo ou quando está entrevistando as outras pessoas do local. O anfitrião pode ter duas moti vações diferentes. Uma é monitorar o visitante. A outra é ver ou ouvir o que o visitante parece estar aprendendo. P or exemplo, quando organizações são o ambiente para pesquisa de campo, o visitante pode ter acesso a um funcio nário superior que normalmente não concederia tal acesso ao anfitrião. A presença do anfitrião durante quaisquer atividades de campo torna a questão da reflexividade ainda mais com plicada. Os outros participantes podem não apenas responder artificialmente ao visitante, mas também alterar toda a sua conduta devido à presença do anfitrião. Assim, os visitantes precisam decidir quando preferem não ser acom panhados pelo anfitrião e discutir essa questão com ele antecipadamente. Essa preparação evitará que situações em baraçosas surjam no meio de uma visita. Construindo o trabalho em equipe Estudos com visitas que envolvem múltiplas pessoas por equipe de campo (ou ainda múltiplas equipes cobrindo di ferentes locais) exigem esforços adicionais para a construção das equipes. Por exemplo, treinamento e preparação comuns são necessários para aumentar a uniformidade do trabalho de campo. Os integrantes das equipes também devem se comunicar entre si para construir uma química, que inclui entender como evitar interromper um ao outro quando estiverem entrevistando conjuntamente um participante e seguindo uma linha de investigação. A construção do trabalho em equipe requer uma medida de colaboração e planejamento, que vai além do que é necessário fazer quando se está conduzindo um estudo “sozinho”. Entretanto, a pesquisa em equipe oferece benefí cios compensadores, tais como criar a oportunidade de reforçar a validade e confiabilidade de um estudo e dar mai or atenção aos objetivos de triangulação discutidos no Capítulo 6 (item C). Essencialmente, a existência de múltipl os visitantes significa ter a oportunidade de usar múltiplos instrumentos de pesquisa no trabalho de campo, compa rado com as limitações de observadores participantes sozinhos. 1. Ambiente de campo 2. Acesso ao campo 3. Porteiro 4. “Virar nativo” 5. Entrar e sair de um ambiente de campo 6. Observação participante 7. A identidade do instrumento de pesquisa ao fazer observação participante 8. “Deixar que o campo conte a história primeiro” 9. Visitas ao local 10. Ser “recebido” em um ambiente de campo Faça um acordo de acompanhamento de algum funcionário universitário (p. ex., um administrador no gab inete do chefe do departamento, um funcionário do departamento de alimentação ou de outros serviços d o campus, um pesquisador em um dos centros de pesquisa afiliados da universidade, ou alguma outra pe ssoa que trabalha em escritório, mas recebe muitos visitantes ou se desloca frequentemente entre divers as partes do campus). Durante um período de duas semanas, escolha três (ou mais) dias para acompanh ar essa pessoa e observar suas ações, inclusive suas conversas e interações com outras pessoas. Se po ssível, escolha três dias em que o calendário de seu anfitrião parece ocupado, em vez de dias em que el e simplesmente ficará trabalhando em sua escrivaninha. Esteja preparado para explicar as razões para s ua presença a qualquer uma das outras pessoas (tendo antecipadamente combinado uma explicação co m seu anfitrião) e certifique-se de não haver objeções a sua presença. Antes do trabalho de campo, conjeture as dificuldades que você pode ter para fazer boas observações e ao mesmo tempo fazer boas anotações de campo, sem o auxílio de um gravador de áudio ou vídeo. O pr oduto para este exercício deve ser suas respostas às seguintes quatro perguntas (as notas em si serão p osteriormente usadas para criar os produtos para os exercícios associados aos Caps. 10, 11 e 12): 1. É sempre fácil representar as conversas com precisão? 2. Foi fácil descrever nuances de significado, da linguagem corporal, ou detalhes do ambiente físico, e estes foram asp ectos importantes dos eventos observados? 3. Houve acontecimentos imprevistos quando você foi incluído em uma conversa ou de alguma forma tornou-se parte d os eventos que estavam sendo observados? O que você fez então com seu procedimento de tomada de notas? [Ambientes de campo alternativos quando acompanhamentos em contexto de trabalho não podem ser or ganizados: participe como ouvinte de diversas aulas ou cursos em que o professor tem fama de envolver os alunos em discussões de classe; ou compareça a diversas reuniões diferentes, mas prolongadas, em que você possa ser um observador – uma boa oportunidade seria algum tipo de reunião pública, tal como uma reunião da câmera de vereadores eleitos ou da diretoria da escola, que devem ser abertas ao públic o.] 6 Métodos de coleta de dados Dados servem como base para um estudo de pesquisa. Em pesquisa qualitativa, os dados relevantes derivam de quatro atividades de campo: entrevistas, observações, coleta e exame (de materiais)