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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO CARIOCA CHARLES LOUIS N. DUMARD USO DA FORÇA MAIOR NA DISSOLUÇÃO DE CONTRATOS DE TRABALHO DURANTE A PANDEMIA DO CORONAVÍRUS Rio de Janeiro 2021 2 CHARLES LOUIS N. DUMARD USO DA FORÇA MAIOR NA DISSOLUÇÃO DE CONTRATOS DE TRABALHO DURANTE A PANDEMIA DO CORONAVÍRUS TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO APRESENTADO AO CENTRO UNIVERSITÁRIO CARIOCA, COMO REQUISITO PARCIAL À OBTENÇÃO DO GRAU DE BACHAREL EM DIREITO. ORIENTADOR: PROF. DR. LUIZ ANTONIO ALVES GOMES Rio de Janeiro 2021 3 Verso da folha de rosto repetida FICHA CATALOGRÁFICA Feito por 4 Rio de Janeiro 2021 5 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho à todos os professores do Centro Universitário Carioca, bem como a minha esposa, companheira de todas as lutas diárias e que serviu de base para que chegasse até este momento. 6 AGRADECIMENTOS Dedico este trabalho a Deus, minha fortaleza e meu refúgio, a minha esposa Marcela, a minha mãe Rozeli, ao meu pai Washington (in memoriam), aos meus avós (in memoriam), irmãos e amigos, a todos que de certa maneira contribuíram para a realização deste sonho. 7 EPÍGRAFE “(...) Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.(...)” (Celso Antônio Bandeira de Mello) 8 RESUMO DUMARD, Charles Louis N.. USO DA FORÇA MAIOR NA DISSOLUÇÃO DE CONTRATOS DE TRABALHO DURANTE A PANDEMIA DO CORONAVÍRUS. Análise de aplicação de artigo da CLT em dissolução de contratos de trabalho durante a pandemia do Coronavírus, breve análise sobre o caso FOGO DE CHÃO e seus efeitos no mundo jurídico. Trabalho de Conclusão de Curso – Curso de Direito do Centro Universitário Carioca - UNICARIOCA, Rio de Janeiro, 2021. O presente trabalho tem por objetivo apresentar os efeitos das dissoluções de contrato durante a vigência da pandemia do coronavírus, utilizando como mecanismo para o encerramento o dispositivo da Força Maior e o Fato Príncipe, ambos previstos na CLT. Como caso paradigma foi usado o exemplo da churrascaria FOGO DE CHÃO, que logo no início da decretação do estado de calamidade pública demitiu quase 700 funcionários em todo o país, em seguida dezenas de empresas usaram o mesmo artifício, o que gerou reação imediata do Ministério Público do Trabalho, provocando o Poder Judiciário e o Poder Executivo a se manifestarem e construírem jurisprudência e forma de atuação dos fiscais do trabalho. Palavras chave: CLT, FORÇA MAIOR, DISSOLUÇÃO DE CONTRATOS, CORONAVÍRUS. 9 ABSTRACT DUMARD, Charles Louis N .. USE OF FORCE MAJEURE IN DISSOLVING LABOR CONTRACTS DURING THE CORONAVIRUS PANDEMIC. Analysis of the application of a CLT article on dissolution of employment contracts during the Coronavirus pandemic, brief analysis of the FOGO DE CHÃO case and its effects on the brazilian juridical world. Undergraduate Thesis - Law School at Centro Universitário Carioca - UNICARIOCA, Rio de Janeiro, 2021. Keywords: CLT, FORCE MAJEURE, DISSOLVING LABOR CONTRACTS, CORONAVIRUS. 10 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABNT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS BDB - BIBLIOTECA DIGITAL BRASILEIRA 11 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 12 2 DESENVOLVIMENTO A ERA PRÉ-CLT 14 A PRÉ-CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO 15 A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO 17 O MOTIVO DE FORÇA MAIOR NA CLT 18 FORÇA MAIOR SEGUNDO A DOUTRINA 19 A FORÇA MAIOR USADA NA DISSOLUÇÃO DE CONTRATOS DE TRABALHO DURANTE A PANDEMIA DO CORONAVÍRUS 23 DO CASO FOGO DE CHÃO - CHURRASCARIA FOGO DE CHÃO RJ LTDA 25 DOS DESDOBRAMENTOS DO CASO 31 3 CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS 34 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 38 12 INTRODUÇÃO O período que estamos vivendo será marcado para sempre na história contemporânea como o tempo das mudanças profundas nas relações de trabalho, obrigando não somente legisladores a aperfeiçoar os textos normativos, como também o Poder Judiciário a se debruçar sobre temas que antes dificilmente chegavam até a Alta Corte do País. A pandemia do coronavírus mudou completamente o cenário vivido até a eclosão do contágio e praticamente destruiu os anos de 2020 e 2021, seja pela paralização de serviços, seja pela espera por vacinas e seus efeitos, ainda sem saber delas do momento que escrevo estas linhas. Se por um lado tivemos medidas duras como o lockdown, que mesmo sem comprovada eficácia científica se mostrou o melhor caminho para frear o ritmo de contágio e dar a possibilidade dos Entes Federativos se prepararem com equipamentos e remédios para enfrentar o eminente colapso do sistema público de saúde, por outro forçou o fechamento de milhares de estabelecimentos comerciais, obrigando o governo central a criar medidas de compensação e ajuda financeira, como o Auxílio Emergencial, também chamado de BEm, que foi instituído com intuito de custear parte dos salários dos trabalhadores e garantir estabilidade empregatícia sobre o mesmo período que o benefício foi usado. Ainda sim outras milhares de empresas não suportaram ficar meses fechadas e sucumbiram diante da crise, encerrando definitivamente suas operações. Mas fechar, além de um grande problema, traz consigo as obrigações do passivo trabalhistas, do encerramento dos contratos com os trabalhadores e é neste momento que entra uma figura da Consolidação das Leis Trabalhistas, que é a Força Maior, previstas desde 1941 no grupo de trabalho do Primeiro Congresso Brasileiro de Direito Social, (realizado em maio de 1941 em São Paulo), pareceres de Oliveira Viana e Oscar Saraiva e pronunciamentos da recém-instalada Justiça do Trabalho, quais sejam: Título I (introdução) e capítulos I, II, III e IV do Título IV (referentes a disposições gerais, remuneração, alteração, suspensão e interrupção do contrato individual de trabalho), com a consequente adaptação das disposições inseridas nos Capítulos V, VI, VII e VIII do mesmo título (referentes a: rescisão, aviso prévio, 13 estabilidade e força maior).1 No presente Trabalho de Conclusão de Curso objetiva-se mostrar o uso do dispositivo no encerramento dos contratos de trabalho usando como artifício a paralisação de empresas com a decretação do estado de emergência em virtude da pandemia do coronavírus, sua aplicabilidade no Direito e consequências para a Justiça do Trabalho, usando como fontes recentes julgados, depoimentos de trabalhadores que tiveram seus vínculos encerrados com base na normativa, e notícias jornalísticas. 1 O PROCESSO DE ELABORAÇAO DA CLT: HISTÓRICO DA CONSOLIDAÇAO DAS LEIS TRABALHISTAS BRASILEIRAS EM 1943 Frederico Gonçalves Ceza, Revista Processus de Estudos de Gestão, Jurídicos e Financeiros – Ano 3 – Edição Nº 07, ISSN 2178-2008 14 A ERA PRÉ-CLT Com o advento da Primeira Guerra Mundial, além das mortes e da reorganização política no Velho Continente, marcas profundas foram deixadas no seio de toda a sociedade ocidental, pois era uma preocupação a grande evolução bélica da Rússia e os ideais comunistas que representavam.Acompanhada da necessidade de formulação de políticas públicas para o interesse das massas operárias na Europa, cada vez mais ganhando destaque na economia, tendo em vista o crescente número de abertura de fábricas com a consolidação da Revolução Industrial pouco antes do início do século XX, bem antes da eclosão da Primeira Guerra, onde a maioria dos países enfrentavam uma verdadeira mudança de comportamentos de consumo e de massas migratórias para as cidades. Ainda na Europa foi observado o crescente movimento Fascista, em virtude do desequilíbrio social provocado pela Guerra, além das grandes somas de dinheiro e da enormidade de vidas humanas perdidas, o que de certa maneira contribuiu para que os ideais comunistas passassem a ser mais aceitos como solução para o extremo desequilíbrio social vivido à época. Já no Brasil, ainda que tardiamente em comparação com os países europeus, também profundas mudanças aconteceram, um fator determinante foi o rompimento da política do café com leite, que garantia aos Estados de São Paulo e Minas Gerais a alternância de poder junto ao Governo Central, com ações de manutenção da política de proteção ao cultivo do café, à época o principal produto brasileiro, mas que em 1929 sofreu uma forte desvalorização, mas a atuação do Governo Central com medidas extremamente duras fez aumentar assustadoramente a dívida pública e gerou um enorme descontentamento junto às outras províncias ante a manutenção dos interesses da elite paulista. O rompimento da aliança São Paulo e Minas Gerais iniciou com o presidente Washington Luís, representante do Estado de São Paulo, recusando-se a apoiar um sucessor de Minas Gerais, apoiando a candidatura de Júlio Prestes, paulista, como forma de dar continuidade à política de protecionismo à cafeicultura2. O candidato paulista saiu-se vitorioso no pleito, com a vice-presidência sendo vencida pelo paraibano João Pessoa, que não 2 https://www.bn.gov.br/acontece/noticias/2020/05/fim-republica-cafe-com-leite-revolucao-1932 15 chegou a assumir devido a seu assassinato, também estopim para a deflagração do golpe de 1930, chefiado então por Getúlio Vargas, candidato apoiado e derrotado pelas províncias como do Rio Grande do Sul e pelos traídos mineiros. Ao assumir Getúlio Vargas se utilizou de uma política nacionalista e populista, conferindo aos trabalhadores novos direitos através de Decretos e Decretos-Leis, política essa que serviu de sustentação para a manutenção do golpe. Dentre estas políticas destacam-se o emaranhado de leis trabalhistas e foram estas que serviram como base para a criação da Consolidação dos Direitos do Trabalho e inclusão de teses como a Força Maior no rol dos mecanismos previstos para rompimento do contrato de trabalho. A PRÉ-CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO Até a efetiva Consolidação das Leis do Trabalho o Brasil convivia com uma enormidade e complexo emaranhado de Leis, Decretos e Decretos-Leis, que versavam desde o direito material até o direito processual do trabalho, mas que se aplicavam somente a determinadas categorias profissionais, normalmente aquelas que já contavam com lobby junto à políticos para a formulação de leis específicas. De acordo com o brilhante artigo de Frederico Gonçalves Cezar3, na Revista Processus de Estudos de Gestão, Jurídicos e Financeiros, o Código Civil aprovado pela Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916, com as correções ordenadas pela Lei n. 3.725, de 15 de janeiro de 1919, introduziu dispositivos legais sobre locação de serviços, que antecede o contrato individual de trabalho, algumas normas do Código Civil de 1916 serviram de base para a elaboração da legislação trabalhista especializada, sendo: a fixação de um prazo máximo de 4 anos para os contratos de duração determinada (art. 1.220); aviso prévio de 8 dias para mensalistas, de 4 dias para semanalistas e quinzenalistas e de véspera quando o contrato tivesse duração inferior a 7 dias (art. 1.221); enumeração de algumas hipóteses de justa causa para rescisão do contrato (art. 1.226); e critérios de reparação decorrentes da rescisão sem justa causa (arts. 1.225 a 1.231). Mais adiante foram editadas Leis como a Lei n. 4.682, de 24/1/23, 3 Cezar , Frederico Gonçalves, O PROCESSO DE ELABORAÇAO DA CLT: HISTÓRICO DA CONSOLIDAÇAO DAS LEIS TRABALHISTAS BRASILEIRAS EM 1943, Revista Processus de Estudos de Gestão, Jurídicos e Financeiros – Ano 3 – Edição Nº 07. 16 instituindo caixas de aposentadorias e pensões para ferroviários e normatizando a estabilidade no emprego para esses trabalhadores ao completarem 10 anos de trabalho, também tivemos a Lei n. 4.982, de 23/12/1925, sobre o direito a férias4; a Lei n. 5.492, de 16/7/1928, sobre a locação de serviços teatrais; o Decreto nº. 16.027, de 30/4/23, criando o Conselho Nacional do Trabalho; e o Decreto nº. 17.934, de 12/10/27, sobre o trabalho de menores. Após a decretação do golpe diversas matérias foram editadas, bem como a criação do ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 1930, além do decreto n. 19.482, contendo medidas de proteção ao trabalhador. No mesmo ano, foi publicada a Lei dos Dois Terços, voltada à nacionalização do trabalho, impedindo a admissão de estrangeiros ante a proporção de dois trabalhadores brasileiros para a admissão de um estrangeiro, pois vale lembrar que nesta época o Brasil vivia uma grande emigração de pessoas advindas de outros países em busca de oportunidades. A partir de 1931 diversas leis e decretos foram criados com vista a proteção do trabalhador em geral, como o Decreto n. 19.770, de 19/3/31, que regula a sindicalização; Decreto n. 20.465, de 1/10/31, que altera a legislação das Caixas de Aposentadoria e Pensões; Decreto n. 21.175, de 1932, que institui a Carteira Profissional; Decreto n. 21.186, de 22/3/32, que regula o horário para o trabalho no comércio; Decreto n. 21.186, de 22/3/32, que regula o horário para o trabalho na indústria; Decreto n. 21.396, de 12/5/32, que institui Comissões Mistas de Conciliação; Decreto n. 21.417-A, de 17/5/32, que regula as condições de trabalho das mulheres na indústria e no comércio; Decreto n. 21.690, de 1.8.32, que cria inspetorias regionais do trabalho nos Estados; e Decreto n. 22.042, de 3.11.32, que estabelece as condições de trabalho dos menores na indústria. Um dos grandes avanços à época e que pode ser considerado o embrião da CLT foi a Lei n. 62, de 1935, aplicável a industriários e comerciários e que assegurou diversos direitos: indenização de dispensa sem justa causa (art. 1º); garantia da contagem do tempo de serviço do trabalhador na sucessão de empresas (art. 3º) ou na alteração da sua estrutura jurídica; privilégio dos créditos trabalhistas na falência (art. 4º, 2); enumeração das hipóteses de justa causa (art. 5º); efeitos da força maior nos créditos trabalhistas (art. 5º, §§ 1º e 4 A Lei 4.982 foi uma das seis primeiras leis no mundo a disciplinar especificamente o direito a férias, assegurando ao trabalhador, anualmente, 15 dias de férias sem prejuízo da remuneração. 17 2º); transferência para o Governo da responsabilidade de indenizar quando desse causa à cessação da atividade (art. 51, §3º); aviso prévio (art. 6º); rescisão antecipada de contratos a prazo (art. 7º); suspensão do contrato (art. 9º); estabilidade decenal (art. 10); redução do salário (art. 11); nulidade das estipulações contratuais contrárias às normas legais (art. 14); exclusão dos aprendizes da proteção legal (art. 15); responsabilidade solidária do sindicato ou associação que desse causa ao inadimplemento das obrigações contratuais, pelas respectivas indenizações (art. 16); prescrição de um ano para reclamar a indenização, além da Lei n. 185, de 14 de janeiro de 1936, que institui o salário mínimo; Lei n. 367, de 31.12.36, que cria o instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários;Decreto-lei n. 1.402, de 5.7.39, que regula a associação profissional ou sindical; e o Decreto-lei n. 1.523, de 18.8.39, que assegura aos empregados o direito a dois terços dos vencimentos em caso de incorporação militar, entre outros diplomas legais. A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO Em 1941 no grupo de trabalho do Primeiro Congresso Brasileiro de Direito Social5, (realizado em maio de 1941 em São Paulo), pareceres de Oliveira Viana e Oscar Saraiva e pronunciamentos da recém-instalada Justiça do Trabalho, definiram os primeiros esboços da CLT, sendo: Título I (introdução) e capítulos I, II, III e IV do Título IV (referentes a disposições gerais, remuneração, alteração, suspensão e interrupção do contrato individual de trabalho), com a consequente adaptação das disposições inseridas nos Capítulos V, VI, VII e VIII do mesmo título (referentes a: rescisão, aviso prévio, estabilidade e força maior). Já em 2 de janeiro de 1942 Alexandre Marcondes Filho assume o cargo de Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. No mesmo mês da sua posse, o Ministro do Trabalho e Getúlio Vargas avançam nas negociações em torno da criação de uma Consolidação das Leis do Trabalho e da Previdência Social. Na primeira reunião com o grupo de trabalho foi decidido que o projeto seria dividido em dois, um para o direito do trabalho e outro para a Previdência Social. Em 9 de novembro de 1942, o anteprojeto foi encaminhado para apreciação do 5 No intuito de comemorar os cinquenta anos da encíclica rerum novarum, em maio de 1941, foi realizado o 1º Congresso Brasileiro de Direito Social. As conclusões desse congresso, organizado por Cesarino Júnior e Rui Azevedo Sodré, são consideradas fontes materiais da CLT. 18 Presidente Getúlio Vargas, aprovado logo no início de janeiro de 1943 e após a análise de todas as sugestões feitas em 1º de maio de 1943, a CLT foi aprovada pelo Decreto-Lei n. 5452, mas somente restou publicada no Diário Oficial de 9 de agosto, para entrar em vigor três meses depois. O MOTIVO DE FORÇA MAIOR NA CLT Conforme já explicitado nos parágrafos acima o rompimento de contratos de trabalho por motivo de força maior foi incorporado à Consolidação das Leis Trabalhistas ainda em sua formação original, e o artigo 502 derivado do contexto do sistema da estabilidade decenal, consagrada inicialmente apenas em favor dos ferroviários (Decreto Legislativo n.º 4.682/1923, art. 42), mas que adiante foi ampliada de forma a agraciar os trabalhadores da indústria e comércio e por fim para todos os trabalhadores urbanos com a criação da CLT, com exceção aos trabalhadores do art. 7º do mesmo diploma legal. Hoje, na presente data, encontra-se o texto expresso da seguinte forma: CAPÍTULO VIII DA FORÇA MAIOR Art. 501 - Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente. § 1º - A imprevidência do empregador exclui a razão de força maior. § 2º - À ocorrência do motivo de força maior que não afetar substâncialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo. Art. 502 - Ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada a este, quando despedido, uma indenização na forma seguinte: I - sendo estável, nos termos dos arts. 477 e 478; II - não tendo direito à estabilidade, metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa; III - havendo contrato por prazo determinado, aquela a que se refere o art. 479 desta Lei, reduzida igualmente à metade. Art. 503 - É lícita, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários 19 dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um, não podendo, entretanto, ser superior a 25% (vinte e cinco por cento), respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região. Parágrafo único - Cessados os efeitos decorrentes do motivo de força maior, é garantido o restabelecimento dos salários reduzidos. Art. 504 - Comprovada a falsa alegação do motivo de força maior, é garantida a reintegração aos empregados estáveis, e aos não-estáveis o complemento da indenização já percebida, assegurado a ambos o pagamento da remuneração atrasada.6 FORÇA MAIOR SEGUNDO A DOUTRINA O autor Gustavo Cisneiros7, na obra Manual de Prática Trabalhista, trata de forma cristalina a definição de força maior e a extinção por motivo de força maior, bem como exemplo prático, sendo: Força maior é todo acontecimento (fato), natural ou humano, imprevisível, e para o qual o empregador não tenha contribuído direta ou indiretamente, sendo certo que a imprevidência patronal afasta a força maior. Essa magistral definição é encontrada no art. 501 da CLT. A antiga diferença entre força maior (fato natural) e caso fortuito (fato humano) é hoje considerada inútil e desprezível. Ainda em suas palavras, se determinada empresa encerrou suas atividades por conta de uma enchente de grandes proporções. Eis um caso clássico de força maior. Mas digamos que outra empresa tenha encerrado suas atividades por conta de um incêndio que destruiu suas instalações. Durante as investigações de rotina, foi descoberto que a empresa já tinha sido notificada dos riscos de incêndio pelas autoridades competentes, mas permaneceu inerte quanto à melhoria da parte elétrica do seu estabelecimento. As rescisões contratuais, nesse último caso, não derivaram de motivo de força maior, porquanto o fato era previsível e, além disso, o empregador contribuiu com a sua inércia (imprevidência) para a ocorrência do incêndio. Terá de pagar todas as verbas rescisórias (art. 485 da CLT). Diz ainda que na rescisão por motivo de força maior não há aviso prévio, exatamente pela imprevisibilidade do fato. Além disso, a indenização cai pela 6 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm 7 Cisneiros, Gustavo; Manual de Prática Trabalhista / Gustavo Cisneiros. – 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2018. 20 metade (de 40% para 20% sobre o FGTS), nos termos do art. 501 da CLT e do art. 18, § 2º, da Lei 8.036/1990. As demais verbas rescisórias devem ser pagas sem qualquer decréscimo. Ensina também Mauricio Godinho Delgado8, no livro Curso de Direito do Trabalho na parte que trata dos Efeitos da Extinção Contratual, que a CLT estipula que o fator de força maior que determine a extinção da empresa ou do estabelecimento, provocando a terminação do contrato, reduz pela metade as indenizações rescisórias nela previstas (art. 502). Trata-se do estável decenal, cujas indenizações se calculam conforme arts. 477, caput, e 478, da CLT (figura hoje rara no Brasil, em face da não recepção da estabilidade celetista, desde 5/10/1988, pela Constituição); do empregado não estável, mas sob o antigo regime de proteção ao tempo de serviço do caput do art. 477 da Consolidação Trabalhista (dispositivo também não recepcionado pela Constituição); por fim, trata-se do empregado submetido a contrato a termo, cuja indenização do art. 479 da CLT fica também reduzida à metade. O fator de força maior também provoca a redução pela metade do percentual rescisório pago sobre os depósitos contratuais de FGTS: de 40%, tal acréscimo decai para somente 20% (art. 18, § 2º, Lei n. 8.036, de 1990). Não há previsão legal para redução de outras verbas rescisórias, no presente caso — nesta linha, a Súmula 44 do TST. Súmula nº 44 do TST AVISO PRÉVIO (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 A cessação da atividade da empresa, com o pagamento da indenização, simples ou em dobro, não exclui, por si só, o direito do empregado ao aviso prévio. Precedentes: ERR425/1971., Ac. TP 298/1972 - Min. Mozart Victor Russomano DJ 30.05.1972 - Decisão por maioria RR 7/1971., Ac. 2ª T 642/1971 - Min. Luiz Roberto de Rezende Puech DJ 24.08.1971 - Decisão unânime 8 Delgado, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho Revisto e Ampliado, 16ª Edição, Ltr Editora, São Paulo, 2017, páginas 1436 e 1437. 21 RR 4345/1970., Ac. 2ªT 315/1971 - Min. Raymundo de Souza Moura DJ 23.06.1971 - Decisão unânime RR 4354/1970., Ac. 3ªT 88/1971 - Min. Arnaldo Lopes Sussekind DJ 16.03.1971 - Decisão unânime Histórico: Redação original - RA 41/1973, DJ 14.06.1973 9 Ocorrendo, ainda, extinção contratual em virtude de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, por causa de factum principis, prevalecerá o pagamento da indenização, mas a cargo da respectiva pessoa jurídica de direito público e não do empregador (art. 486, caput, e seus parágrafos, CLT). A indenização referida corresponde àquelas antigas da CLT, por tempo de serviço (caput dos arts. 477 e 478) ou por tempo de serviço e estabilidade (arts. 492, 497 e 498, CLT). A este grupo, pode-se acrescentar a indenização pela ruptura antecipada dos contratos a termo (art. 479, CLT). Outro autor que vai de encontro quanto à obrigatoriedade quanto ao pagamento das verbas rescisórias do término do contrato de trabalho é o Carlos Henrique Bezerra Leite10, na obra Curso de Direito do Trabalho, e diz que quando a terminação do contrato decorrer de extinção da empresa existe algumas situações a considerar, sendo: Se a empresa for individual (morte do empresário-empregador), o empregado tem a faculdade de rescindir o contrato (CLT, art. 483, § 22), eximindo-se da obrigação de indenizar ou dar aviso prévio aos sucessores do empregador. Se o empregador não se constituir em empresa individual (qualquer que seja a modalidade de sociedade empresária) e a extinção não for resultante de força maior (CLT, arts. 501 a 504), o empregado terá direito a saldo de salários, férias vencidas e/ou proporcionais, salário proporcional, aviso prévio, FGTS (+ 40%) e indenização integral (se estável). Havendo força maior, o empregado terá os mesmos direitos acima, salvo 9 https://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_1_50.html#SUM-44 10 Leite, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho, Carlos Henrique Bezerra Leite, 8ª Edição, 2017, Saraiva Jur, páginas 568 e 569. 22 com relação à indenização ou FGTS, os quais serão reduzidos à metade, nos termos do inciso I do art. 502 da CLT. Voltando a obra do professor Mauricio Godinho Delgado, no livro Curso de Direito do Trabalho Revisto e Ampliado, o mesmo ensina sobre a ordem justrabalhista, anteriormente à Constituição de 1988, que buscava atenuar, em algumas situações, a regra de assunção dos riscos pelo empregador. Em seu art. 503, por exemplo, a CLT considerava lícita, “Em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, a redução geral dos salários dos empregados da empresa, proporcionalmente aos salários de cada um”. Ensina que a norma do art. 503, CLT, francamente atenuadora da responsabilidade objetiva do empregador pelos riscos do contrato empregatício (e do próprio empreendimento), foi, contudo, parcialmente revogada (ou não recebida) pelo art. 7º, VI, CF/88. Hoje qualquer procedimento de redução de salários somente poderá ser efetuado mediante os instrumentos formais de negociação coletiva, com participação do respectivo sindicato obreiro (art. 7º, VI, combinado com o art. 8º, VI, CF/88). Não obstante e usando as palavras do professor Délio Maranhão, na mesma obra do professor Mauricio Godinho Delgado, de acordo com algumas teorias explicativas quanto ao cabimento ou não do pagamento de indenização pelo término contratual de trabalho seja por casos de dispensa sem justa causa, de rescisão indireta, de término contratual por extinção do estabelecimento, ainda que por força maior (neste último caso, o valor seria reduzido à metade), além dos casos de dispensa do estável, não sendo possível ou aconselhável a reintegração, pois no período de vigência dessa indenização (até 5.10.1988, data da Constituição), era inconciliável o debate acerca de sua natureza jurídica, sendo assim foram construídas as teorias, e fixo somente as duas primeiras. A primeira, do abuso do direito, considerada de origem francesa11. Esta, contudo, não se adequaria com perfeição à ordem jurídica do Brasil, por ser devida a indenização mesmo em caso de extinção do contrato em virtude de extinção do estabelecimento derivada de fator de força maior (causa específica que eliminaria a ideia de abuso). A segunda teoria seria a do risco criado pelo empreendimento empresarial, apto a gerar responsabilidade objetiva do empregador. Embora 11 Conforme MAGANO, Octavio Bueno. Manual de Direito do Trabalho. v. II, 2. ed. São Paulo: LTr, p. 299. 23 possa ser extraída da velha fórmula jurídica ubi emolumentum, ibi onus (quem tem as vantagens contratuais e do empreendimento, como o empregador, terá, necessariamente, seus encargos e riscos), a teorização tinha suporte em elaborações atribuídas a Duguit12, tendo ainda prestígio na jurisprudência alemã. Maranhão rejeita tal teoria, ao fundamento de que não há, na ruptura, prova de dano real; a par disso, a força maior situa-se fora do espectro do risco, e, mesmo assim, não elidiria o pagamento da parcela13. Ou seja, a doutrina é unanime ao reconhecer o direito do empregador em rescindir o contrato de trabalho mediante causas como a Força Maior, mas reconhece o pleno direito do trabalhador em receber as verbas rescisórias como a saldo de salários, férias vencidas e/ou proporcionais, salário proporcional, e FGTS (neste caso somente a metade, ou 20%), havendo parcial discordância quanto ao pagamento do aviso prévio em sua totalidade ou até mesmo se metade do valor devido. A FORÇA MAIOR USADA NA DISSOLUÇÃO DE CONTRATOS DE TRABALHO DURANTE A PANDEMIA DO CORONAVÍRUS Logo após a primeira morte em função do vírus Sars-Cov-2, ou Coronavírus, datada de 17 de março de 202014, uma parte dos brasileiros já sabia que o que viria seria forte e até mesmo devastador para a saúde e a economia do nosso País. Na sequência umas séries de medidas restritivas começaram a ser adotadas em todo território nacional, como o Decreto Estadual do Estado do Rio de Janeiro, Nº 46.973 DE 16 DE MARÇO DE 202015, na época assinado pelo ainda Governador Wilson Witzel, que sofreu impeachment meses após por escândalos de desvios de recursos públicos no combate ao coronavírus, com a restrição de funcionamento de aulas nas unidades da rede pública e privada de ensino, inclusive nas unidades de ensino superior; Jogos de futebol e demais eventos desportivos; Sessões de cinema e de teatro; entre outros. 12 https://ambitojuridico.com.br/cadernos/filosofia/a-solidariedade-social-como-fundamento-de-direito-na- perspectiva-de-leon-duguit/ 13 MARANHÃO, Délio. Direito do Trabalho. 14. ed. cit., p. 229. 14 https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/03/17/anuncio-da-primeira-morte-por-covid-19-no-brasil- completa-um-ano.ghtml 15 http://estaticog1.globo.com/2020/03/17/17decreto.pdf?_ga=2.50926569.113174609.1621016185- 7c2fcb26-aed6-bade-d1b7-1fdb7c23afcc 24 O mesmo Decreto recomendou o fechamento de shopping centers e centros comerciais, exceto supermercados, farmácias e serviços de saúde. Bares, restaurantes e lanchonetes deveriam observar a restrição da lotação e reduzir em 30% o horário de funcionamento; recomendou ainda restringir a 30% a lotação em bares, restaurantes e lanchonetes, com normalidade de entrega e retirada de alimentos no próprio estabelecimento; além do fechamento de academias de ginásticas e a frequência em praias, lagoas, rios e piscinas públicas. O fechamento dos comércios foi acatado por grande parte dos empresários, naquelemomento completamente cegos quanto às informações sobre formas de contágio e a preocupação com o que poderia advir com os trabalhadores se os mesmos se contaminassem no ambiente de trabalho, provocando assim certa histeria e, a meu ver, apenas prolongando os efeitos inevitáveis das ondas de contágio, mas que naquela altura a edição dos decretos serviria para que o Sistema Único de Saúde se preparasse com estrutura de pessoal e equipamento para enfrentar as mazelas do coronavírus com muitas internações e uso de terapia intensiva com intubação de pacientes a fim de tentar salvar vidas, mas o que assistimos foi o uso descabido de recursos públicos, a locupletação e pouco resultado quanto ao aumento efetivo no curto prazo dos serviços de saúde, o que na verdade acompanhamos até hoje, infelizmente, com a minguada abertura de novos leitos hospitalares. Acontece que logo após a edição deste Decreto e dos outros subsequentes ao Nº 46.973, mais restrições foram impostas aos comerciantes, o que de fato impossibilitou o funcionamento como do ramo de restaurantes na forma como estavam acostumados a servir seus clientes, como foi o caso do restaurante Fogo de Chão, que já em abril de 2020 demitiu 690 funcionários em todo o país, segundo alardeado em toda a imprensa, e no momento da dispensa se recusou a pagar todas as verbas rescisórias dos empregados, pagando somente saldo de salário, as férias vencidas e proporcionais (ambas acrescidas de 1/3), o 13º salário proporcional, além do acesso ao Fundo de Garantia e seguro desemprego, para alguns ainda houve o pagamento de 20% do FGTS, mas em todos os casos o não pagamento do Aviso Prévio, e ainda o aviso para que o restante fosse cobrado junto ao então Governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, para que arcasse com o restante do pagamento, uma vez que ele havia decretado a paralisação das atividades do empregador, 25 configurando neste momento o uso da Força Maior e também do factum principis, ou Fato do Príncipe, ambos ancorados no Direito do Trabalho. A partir deste momento muitas empresas amparadas pela drástica medida da empresa internacionalmente conhecida e também com o pronunciamento do Presidente da República, Jair Bolsonaro, que em uma entrevista informal citou a possibilidade de rompimento do contrato de trabalho com base na Força Maior e no Fato do Príncipe, passaram a usar do mesmo expediente e romperam centenas de contratos de trabalho, alguns deles maliciosamente, pois as suas atividades foram atingidas sim pelos Decretos Estaduais e Municipais, mas não da forma disposta na CLT, ou seja, que implicasse diretamente em seu fechamento total e paralisação das atividades de forma definitiva, pois o caput do art. 502 é claro e inequívoco, somente quando determinado a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, o que de fato ocorreu em muitos estabelecimentos, que foram obrigados a fechar, mas por outro lado usado de forma sorrateira por muitos empresários, que viram neste artigo uma oportunidade de encerrar os vínculos, mas sem pagar todos os direitos que a Lei exige. Se não vejamos o artigo 502: Art. 502 - Ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada a este, quando despedido, uma indenização na forma seguinte: DO CASO FOGO DE CHÃO - CHURRASCARIA FOGO DE CHÃO RJ LTDA O Brasil ainda começava o início da longa jornada do enfrentamento ao coronavírus quando em abril de 2020 as manchetes de todos os jornais deram destaque à dispensa coletiva da rede de restaurantes Fogo de Chão16 de praticamente todos os seus funcionários das unidades de venda direta ao consumidor, provocando a demissão de 690 (seiscentos e noventa) funcionários em todo o país somente naquele mês, mas o que chamou a atenção não foi simplesmente a demissão em massa de centenas de empregados, mas sim dispositivos da CLT que até então era pouco praticada, ou ainda que praticada, que não houvesse tamanho alcance, que é o uso da Força Maior e Fato do 16 https://diariodorio.com/fogo-de-chao-demite-690-e-manda-a-conta-para-governadores-pagarem/ 26 Príncipe. Do momento da decisão da rede de restaurantes de rescindir os contratos e não efetuar todos os pagamentos quanto à rescisão, principalmente a multa sobre o fundo de garantia e o aviso prévio, recorreu do disposto na CLT para enquadrar como motivo de Força Maior e Fato Príncipe para o não pagamento, o que gerou uma série de discussões no mundo jurídico e acadêmico sobre o alcance de tais medidas e se as mesmas de fato correspondiam com a verdade escancarada pela empresa e por outras que passaram a utilizar do mesmo expediente para o término dos contratos com os seus empregados até então. Rapidamente e ciente da gravidade do caso o Ministério Público do Trabalho impetrou ação civil pública nº 0100413-12.2020.5.01.005217, o que demandou diante da péssima imagem que a holding controladora da rede passou a ter em todo o território nacional o recolhimento e pagamento a todos os funcionários demitidos da rede na cidade do Rio de Janeiro dos direitos trabalhistas faltantes, conforme verifica-se na decisão da Juiza do Trabalho Substituto, Ana Larissa Lopes Caraciki, que em seu despacho exarou o seguinte: É incontroverso que a reclamada realizou a dispensa de cerca de 100 empregados, em suas duas unidades no Município do Rio de Janeiro, principalmente entre as datas de 04 e 06 de abril de 2020, com base no artigo 486 da CLT, tendo efetuado, no dia 13 de abril de 2020, o pagamento de saldo de salário, de décimo terceiro proporcional, de férias + 1/3 e de indenização de 20% do FGTS, conforme consta dos documentos de ids. 2da9759, 7f00350 e 0e029fd. A partir de 05.06.2020, a reclamada complementou o pagamento de verbas rescisórias, com valores correspondentes ao aviso prévio e à diferença de 20% de indenização do FGTS. Inicialmente, ressalta-se que o chamado factum principis é matéria de defesa, somente podendo ser reconhecido em Juízo, o que se reforça por não constar como hipótese de 17 https://www.conjur.com.br/dl/justica-ordena-fogo-chao-reintegre-100.pdf 27 afastamento na Portaria nº 2.685/11, Anexo VIII, do extinto Ministério do Trabalho e Emprego. Na sequência, conforme o despacho anexado aos autos da Ação Civíl Pública, ficou constatado nos documentos formais de dispensa que a empresa lançou como causa de afastamento a despedida sem justa causa pelo empregador, após toda a controvérsia, afastando o inicialmente alegado como motivo de Força Maior e Fato Príncipe, principalmente. Para o afastamento do Fato Príncipe a Juíza se manifestou da seguinte maneira: Não se vislumbra a hipótese de ocorrência de fato do príncipe, contemplada no art. 486 da CLT, uma vez que as medidas adotadas pelo Poder Público não configuraram causa principal da suspensão parcial e temporária das atividades empresariais, mas, sim, a necessidade de isolamento social para a contenção do potencial lesivo do vírus Covid-19, em caráter de pandemia reconhecida pela Organização Mundial de Saúde. Assim, o Poder Público não agiu em prejuízo de determinados agentes e setores, tendo adotado medidas de caráter amplo e geral, necessárias para evitar o caos social e sanitário. Ademais, a conduta patronal voltada a fundamentar as dispensas com arrimo no fato do príncipe violou o artigo 1º, parágrafo único, da Medida Provisória nº 927/2020, vigente desde 22.03.2020, que dispõe que o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020, constitui hipótese de força maior, nos termos do disposto no art. 501 da CLT, para fins trabalhistas. O grifo acima no despacho da Juíza do Trabalho não resta dúvidas sobre o caso em questão quanto a possível incidênciada Força Maior, forçosamente, no caso em tela e não do Fato Príncipe, uma vez que as unidades ainda continuaram a executar serviços de delivery, ou seja, não foi possível contemplar 28 do ponto de vista jurídico o alcance total do disposto na CLT quanto a paralisação total das atividades e que tenham forçado o fechamento dos estabelecimentos. Há o destaque ainda para as medidas editadas e que passaram a vigorar em todo o território nacional quanto a preservação do emprego e renda e redução do impacto social decorrentes das consequências do estado de calamidade pública, no próprio despacho a Juíza elenca seis alternativas à dispensa imotivada, sendo: - a antecipação de férias individuais (artigo 3º, II da MP nº 927/2020); - a concessão de férias coletivas (artigo 3º, III da MP nº 927/2020); - o aproveitamento e a antecipação de feriados (artigo 3º, IV da MP nº 927/2020); - o banco de horas (artigo 3º, V da MP nº 927/2020); - a redução proporcional de jornada de trabalho e de salários, com a previsão de pagamento de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (artigo 2º, II da MP nº 936/2020); - a suspensão temporária do contrato de trabalho, com a previsão de pagamento de Benefício. No mesmo documento o Poder Judiciário se manifestou quanto à falta de diálogo com o sindicato da categoria para justificar a demissão em massa de cerca de 100 funcionários, e ainda a violação de dispositivos do Código Civil, em especial o artigo 187, sendo: Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.18 Uma vez que não foram observados de forma ainda mais intensa os limites impostos pelos seus fins econômicos e sociais e pela boa-fé, neste caso caracterizado o abuso. Há ainda segundo o Juízo violação de dispositivos constitucionais no caso, se não vejamos parte do despacho: Vale lembrar, ainda, que a livre iniciativa deve se pautar por seus valores sociais, conforme artigo 1º, IV da CRFB, e que a atividade econômica exercida em território nacional tem por princípios, expostos no rol do artigo 170 da CRFB, 18 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm 29 dentre outros, a valorização do trabalho humano, a função social da propriedade, a redução das desigualdades sociais e regionais e a busca do pleno emprego.19 Diante dos fatos narrados na decisão o juízo concluiu naquele momento que a rede de restaurantes não buscou o diálogo, tão pouco se fez valer das alternativas para a continuidade e manutenção de seus empregados, no mesmo despacho diz o juízo, fazendo ainda uso dos valores quanto à função social da propriedade e da empresa, que num cenário pandêmico as empresas devem dar amparo, prudência, cautela, fraternidade e empatia, todos ancorados no artigo 170, III, da nossa Carta Magna. Sendo assim não restou naquele momento outra se não a decisão de deferir a tutela de urgência para reconhecer a nulidade das dispensas e determinou ainda o restabelecimento imediato dos contratos extintos a partir de 20.03.2020 (conforme limitação do pedido), no Município do Rio de Janeiro, e respectivos benefícios. Na sequencia a empresa impetrou mandato de segurança20 contra a decisão e o que se viu foram uma séries de decisões contra e a favor dos empregados demitidos, primeiramente uma decisão monocrática da Desembargadora Ana Maria Moraes do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, com Id e4f43fc, onde na oportunidade deferiu parcialmente a liminar pleiteada para suspender os efeitos da decisão atacada até o julgamento final do Mandado de Segurança, como razões colaciono o texto abaixo: Inicialmente, vale dizer, de plano, que a dispensa coletiva foi regulamentada pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), consistindo, atualmente, em faculdade atribuída ao empregador, desde que observados os termos e circunstâncias legais. Além disso, é imperioso considerar a notória situação de pandemia decorrente do novo coronavírus, declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11/03/2020 e prevista na Lei nº 13.979/2020. A legislação, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus, busca evitar o risco de infecção pelo novo covid-19 e seu alastramento no Município do Rio de Janeiro, com a recomendação de que as pessoas permaneçam em suas residências, em razão do alto índice de transmissibilidade e o agravamento significativo do risco de contágio em aglomeração de pessoas. 19 https://www.conjur.com.br/dl/justica-ordena-fogo-chao-reintegre-100.pdf 20 https://pje.trt1.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/0101827-07.2020.5.01.0000/2 30 Assim, é evidente que a impetrante se viu diante de queda drástica de faturamento, dada a sua atividade comercial, qual seja, Churrascaria Rodízio, diante da suspensão do seu funcionamento, por força do Decreto nº 47.006 de 27 de Março de 2020, que, posteriormente, autorizou a atividade em Restaurantes, mas apenas com capacidade reduzida a 30%. Ainda que o mais recente Decreto Governamental, nº 47.112 de 05 de Junho de 2020, tenha autorizado a reabertura de restaurantes, esta foi permitida apenas de forma gradual e parcial, abrangendo os sistemas de “delivery, take away e drive-thru”, o que sequer socorre a impetrante, de modo a justificar a readmissão de centenas de empregados nesse momento. Nesse caso, portanto, ainda que se considere a vulnerabilidade dos trabalhadores, há de se levar em conta que os empregados tiveram seus direitos observados quando foram dispensados, garantindo-lhes a subsistência. Revela-se, então, que o risco maior à sobrevivência, nesse caso, é da impetrante, e não dos empregados, ante o rombo econômico-financeiro e a manutenção da suspensão das atividades, pois esta ainda se vê impedida de atuar normalmente, após cerca de 3 meses de portas fechadas. Na sequencia foi exarado Acórdão21, Id 11abb12, ante a decisão monocrática proferida pela Desembargadora, elencando-se as medidas não tomadas pela empresa ante a manutenção dos empregos, mesmo com todas as normas editadas pelo Governo Federal, além disso, foi questionada a falta de documentos comprobatórios da queda brusca de seu faturamento, nada que demonstrasse o grave comprometimento do fluxo de caixa da empresa, ainda sim foram adicionadas notas de imprensa comunicando o retorno, mesmo que gradual, do atendimento ao público nas unidades da Cidade do Rio de Janeiro, dessa forma foi revogada a medida liminar deferida, mas com a ampliação do prazo para o retorno dos empregados. Inconformada a empresa apresentou Recurso Ordinário, que deferido foi remetido ao Tribunal Superior do Trabalho, de forma que pudesse ser analisado. Já no TST o processo foi distribuído para a Ministra Maria Helena Mallmann22, que no dia 11 de maio de 2021, decidiu pela denegação do Mandato de Segurança, ante a sentença nos autos da ação civil pública n.º 0100413- 12.2020.5.01.005223. 21 https://pje.trt1.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/0101827-07.2020.5.01.0000/2 22 PROCESSO NºTST-ROT -101827-07.2020.5.01.0000 23 https://pje.trt1.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/0100413-12.2020.5.01.0052/1 31 Em consulta ao Sistema de Acompanhamento Processual do TRT da 1ª Região verifico que, em 05 de março de 2021, foi proferida sentença nos autos da ação civil pública n.º 0100413-12.2020.5.01.0052, sendo ratificada a tutela de urgência concedida.Conclui-se, portanto, que o ato apontado como coatornão mais subsiste. Aplica-se o entendimento consagrado pelo item III da Súmula nº 414 do TST. Com a perda do objeto no TST, uma vez que já havia uma decisão proferida no dia 05 de março de 2021, voltam-se as atenções para o processo no TRF1.No julgamento de mérito que o TST se referiu, a juíza Mirna Rosana Ray Macedo Correa, Id 407da2f, deferiu o pedido do Ministério Público do Trabalho e determinou o retorno de todos os empregados a seus postos de trabalho e ainda atendeu ao pedido de dano moral coletivo, mas na ordem de R$ 17 milhões de Reais. Mais uma vez o réu recorreu da decisão e ainda guarda definição por parte do TRF1, que processar o recurso manejado. DOS DESDOBRAMENTOS DO CASO A repercussão do caso FOGO DE CHÃO foi tamanha que o Ministério da Economia, através da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, do Setor de Fiscalização do Trabalho da Superintendência Regional do Trabalho no Rio de Janeiro emitiu Nota Informativa SEI nº 13448/2020/ME24, versando sobre o entendimento sobre alegação de fato do príncipe ou de força maior como motivo para rescindir contratos de trabalho. No documento os Auditores Fiscais do Trabalho no Estado do Rio de Janeiro foram instruídos de como proceder e do documento extraímos importantes lições. Quanto ao Fato Príncipe a nota explica que a paralisação não pode ser parcial, por inexistir tal previsão na letra da lei e por se tratar de hipótese, no mínimo, paradoxal. Se o trabalho segue parcialmente, ou se a atividade continua, ainda que adaptada à nova realidade, então não se pode dizer que houve 24 https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/6/3D1C3CA1D5865C_notainformativa.pdf 32 paralisação do trabalho, nem impossibilidade de continuação da atividade, mas mera readaptação de rotinas e métodos – o que se insere na órbita dos riscos do empreendimento assumidos pelo empregador (art. 2º da CLT). Quanto a validade da rescisão do contrato de trabalho fundamentada no fato do príncipe há de se verificar a existência de atos dos Entes Públicos suspendendo expressamente a atividade, informando para tanto que inexiste na esfera federal tal comando, apenas nas esferas estadual e municipal Decretos que restringem a atividade, mas não a restrição por completo, não sendo aceitável a rescisão do contrato de trabalho com base no fato do príncipe. Importante ressaltar que a nota faz menção aos ensinamentos do professor Maurício Godinho Delgado, já destacado no presente trabalho quanto à impossibilidade e equivocada interpretação quanto à indenização do art. 486 da CLT, tendo em vista que muitos empresários deixaram de quitar, no prazo legal, as verbas devidas em virtude da rescisão contratual supostamente motivada por ato da autoridade pública, inclusive aquelas de natureza salarial. De acordo com a nota o §1º do art. 486 estabelece que sempre que o empregador invocar em sua defesa o fato do príncipe, “o tribunal do trabalho competente notificará a pessoa de direito público apontada como responsável pela paralisação do trabalho, para que, no prazo de 30 (trinta) dias, alegue o que entender devido, passando a figurar no processo como chamada à autoria”. Trata-se, portanto, de questão que, a rigor, deve ser resolvida judicialmente. Quanto à rescisão por motivo de Força Maior a nota é cristalina e é taxativa ao dizer que a redução prevista nos incisos I e II contempla apenas a indenização rescisória, que, no caso do sistema do FGTS, é aquela prevista no art. 18, §1º, da Lei nº 8.036/90, se não vejamos novamente o que diz a CLT em seu artigo 502 e incisos: Art. 502 - Ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada a este, quando despedido, uma indenização na forma seguinte: I - sendo estável, nos termos dos arts. 477 e 478; II - não tendo direito à estabilidade, metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa; III - havendo contrato por prazo determinado, aquela a que se refere o art. 479 desta Lei, reduzida igualmente à metade. Outro ponto de grande destaque é a recomendação da não admissão da 33 alegação força maior quando não ocorre a extinção da empresa ou do estabelecimento em que trabalhe o empregado. O procedimento para extinção da empresa ou estabelecimento é um procedimento complexo, bem como o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica, que ocorre somente após a liquidação da empresa. Os Fiscais do Trabalho foram orientados a somente considerar tal prática com a apresentação da averbação da dissolução no registro onde a pessoa jurídica estiver inscrita, nos termos do art. 51, §1º, do Código Civil. 34 CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS O que me fez escrever este Trabalho de Conclusão de Curso, além da busca pelo Direito e conhecimento, o que move todo estudante quando entra no prédio de qualquer instituição para se matricular no curso de maior tradição no país, que é o curso de Direito, foi tentar encontrar algo que se apresentasse como uma cura para algum mal sofrido, e através da rota traçada a solução para o que mal apresentado não se manifestasse novamente, ainda que pese certa presunção para um estudante de Direito com a complexidade do nosso ordenamento jurídico em apresentar alguma solução jurídica, mas somente a oportunidade de manifestar um injusto encerramento de vínculo com base em artigo da CLT para não quitar os direitos adquiridos com a relação de trabalho já é uma grande oportunidade de dar publicidade ao que ocorreu em muitos casos em nosso país, pois o risco da atividade empresária é do empresário, conforme disposto no artigo 2º da CLT. Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. É de se considerar que os efeitos do covid-19 sobre todos os aspectos foram devastadores, principalmente sobra à saúde pública e a economia, neste sentido foi editada Medida Provisória nº 927/202025, datada em 22/03/2020 e que teve seu prazo de vigência encerrado no dia 19 de julho de 2020, mas que no momento de vigência atestou que o estado de calamidade reconhecido pelo Decreto Legislativo n.º 6/2020 constituiu, para fins trabalhistas, “hipótese de força maior, nos termos do disposto no art. 501 da Consolidação das Leis do Trabalho”, ou seja, durante o estado de calamidade pública o empregador estava autorizado a valer das hipóteses de prorrogação de jornadas previstas nos artigos 61, caput e § 3º, e 413, inciso II, da CLT. Posteriormente o Governo Federal criou os programas de manutenção do emprego com a redução da jornada de trabalho e complementação de parte do salário, com igual estabilidade de emprego para o período utilizado, através da Medida Provisória 936/2020, convertida na Lei nº 14.020, 6/07/202026 com a seguinte ementa: 25 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv927.htm 26 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14020.htm 35 Institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda; dispõe sobre medidas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020; altera as Leis n os 8.213, de 24 de julho de 1991, 10.101, de 19 de dezembro de 2000, 12.546, de 14 de dezembro de 2011, 10.865, de 30 de abril de 2004, e 8.177, de 1º de março de 1991; e dá outras providências. No momento da edição da MP e posteriormente da conversão em Lei o empregador possuía mecanismos para a proteção de sua empresa, bem como os trabalhadores para a manutenção dos seus empregos, pois ainda que o estado de calamidade vivenciado por todos tenha sido diferente de tudo que já tínhamos visto, pois não era um estado de calamidade como de enchentes ou outras catástrofes naturais, não era somente um curto período de dias, mas sim de uma longa duração que até hojevivenciamos com as ondas de contágio, transformando todo o cenário econômico, sendo assim o empresário ao usar de tal prerrogativa para a o encerramento do vínculo de trabalho usando como artifício a Força Maior deve comprovar a extinção da empresa ou do estabelecimento em que o trabalhador estava alocado, não sendo cabível o encerramento em qualquer situação. Acompanhei de perto algumas situações narradas em todo este trabalho científico, sentindo na pele também os efeitos de uma demissão em função da paralização das atividades empresariais, e passei a acompanhar os desdobramentos de casos como o do restaurante FOGO DE CHÃO, sendo que em muitos casos não houve a publicidade e a atuação estatal como foi do caso, mas de lá tiramos importantes lições e aprendizados quanto ao importante papel do advogado e do Ministério Público na proteção dos direitos individuais e coletivos. Como narrado, em casos sem tanta publicidade, e que aqui não vale a pena descrever com detalhes, seja por cláusulas de confidencialidade, seja por relatos extraoficiais, o que se viu após as decisões elencadas neste trabalho foi uma reversão, em muitos casos, das demissões com o argumento da Força Maior, retornando ao encerramento do vínculo por vontade expressa do empregador e consequentemente o pagamento de todas as verbas rescisórias devidas. 36 Por outro lado ainda temos questões sendo decididas nos tribunais, mas neste momento já com farta prova documental e jurisprudência positiva que alicerça os questionamentos de uma demissão sem justa causa, ou seja, afastando peremptoriamente a Força Maior ou o Fato Príncipe nas rescisões dos contratos para empresas que efetivamente continuaram a funcionar depois do advento da pandemia do coronavírus e somente tiveram que se adequar a uma nova realidade, o que na verdade obrigou a praticamente a todos os negócios existentes, como é o caso da própria Instituição UniCarioca, que se adequou e transformou as aulas presenciais em aulas remotas, mas mesmo assim manteve padrão de qualidade e oferecimento do seu produto aos seus consumidores, no caso os estudantes. Quanto a reversão das demissões com motivo de Força Maior para demissão por vontade expressa do empregador e sem justa causa há de se observar o que o Ministério Público e as cortes do País tem decidido, até com base no caso FOGO DE CHÃO, que é o pagamento integral das rescisões e o dano moral sofrido. Temos casos como de uma vendedora de Manaus/AM27, que ingressou na Justiça e teve a reversão da demissão para justa causa, e recebeu as verbas rescisórias e valor por dano moral. Se não vejamos o despacho do Juiz do Trabalho Substituto, Jose Antonio Correa Francisco, da 12ª Vara do Trabalho de Manaus. Tenho entendido, reiteradamente, que a recusa injustificada do cumprimento dasobrigações contratuais e rescisórias, além dos danos pecuniários e materiais, tutelados pelasnormas ordinárias da CLT, geram um dano imaterial ao trabalhador, na medida em que se encontra totalmente sem respostas às preocupações alimentares individuais e familiares. Neste caso, a conduta ilícita (art. 186 do CC) do reclamado é evidente, demonstrando intenso desprezo aos direitos de seu empregado, recusando-se até a justificar um motivo razoável para não cumprir seu ônus social de respeito à dignidade da pessoa do trabalhador e de suportar os riscos de sua atividade econômica, sem prejuízo de terceiros. Por fim este humilde estudante sente que apesar de todos os acontecimentos, de tudo que temos acompanhado nas decisões em instâncias superiores e de como até mesmo causa certo desconforto questões controversas 27 https://pje.trt11.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/0000484-50.2020.5.11.0012/2 37 e que acreditávamos estar superadas, valeu a pena chegar até ao final do curso e ver que em muitos casos a atuação de advogados e da Justiça em Geral foi fundamental para uma efetiva justiça no seio da nossa sociedade. Foi muito duro e cruel ver amigos, pessoas que convivemos mais que nossa própria família, sofrerem e serem dispensadas no momento de maior fragilidade da pandemia, muitos até hoje não estão empregados, mas foi gratificante acompanhar, ainda que com certa angústia, a solidificação do entendimento jurisprudencial, o mesmo que meu Coordenador e orientador deste Trabalho de Conclusão de Curso, Mestre Luis Antonio, pediu que esperasse. Não a favor do empregado, mas sim a favor da sociedade, compreendendo os direitos basilares da nossa Carta Magna, que é a dignidade da pessoa humana e o objetivo central da nossa República, fundada na promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, e neste elenco a discriminação social, se aproveitar do lado mais fraco, de poucos recursos. Como dito, apesar da farta oferta de decisões que assentaram o entendimento sobre a questão da Força Maior neste período de pandemia, se este trabalho puder ajudar uma pessoa sequer já terá valido todos os anos de estudos e dedicação junto a instituição, e todo o tempo gasto dos nossos mestres comigo e com os meus colegas de curso. Obrigado! 38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Cezar, Frederico Gonçalves, O PROCESSO DE ELABORAÇAO DA CLT: HISTÓRICO DA CONSOLIDAÇAO DAS LEIS TRABALHISTAS BRASILEIRAS EM 1943, Revista Processus de Estudos de Gestão, Jurídicos e Financeiros – Ano 3 – Edição Nº 07. ISSN 2178-2008 https://www.bn.gov.br/acontece/noticias/2020/05/fim-republica-cafe-com-leite- revolucao-1932 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm CISNEIROS, Gustavo; MANUAL DE PRÁTICA TRABALHISTA / Gustavo Cisneiros. – 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2018. DELGADO, Maurício Godinho. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO REVISTO E AMPLIADO, 16ª Edição, Ltr Editora, São Paulo, 2017, páginas 1436 e 1437. https://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_1_50. html#SUM-44 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO, Carlos Henrique Bezerra Leite, 8ª Edição, 2017, Saraiva Jur, páginas 568 e 569. MAGANO, Octavio Bueno. MANUAL DE DIREITO DO TRABALHO. v. II, 2. ed. São Paulo: LTr, p. 299. https://ambitojuridico.com.br/cadernos/filosofia/a-solidariedade-social-como- fundamento-de-direito-na-perspectiva-de-leon-duguit/ MARANHÃO, Délio. DIREITO DO TRABALHO. 14. ed. cit., p. 229. https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/03/17/anuncio-da-primeira- morte-por-covid-19-no-brasil-completa-um-ano.ghtml http://estaticog1.globo.com/2020/03/17/17decreto.pdf?_ga=2.50926569.113174 609.1621016185-7c2fcb26-aed6-bade-d1b7-1fdb7c23afcc https://diariodorio.com/fogo-de-chao-demite-690-e-manda-a-conta-para- governadores-pagarem/ https://www.conjur.com.br/dl/justica-ordena-fogo-chao-reintegre-100.pdf http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm https://www.conjur.com.br/dl/justica-ordena-fogo-chao-reintegre-100.pdf https://pje.trt1.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/0101827- 07.2020.5.01.0000/2 https://ambitojuridico.com.br/cadernos/filosofia/a-solidariedade-social-como-fundamento-de-direito-na-perspectiva-de-leon-duguit/ https://ambitojuridico.com.br/cadernos/filosofia/a-solidariedade-social-como-fundamento-de-direito-na-perspectiva-de-leon-duguit/ http://estaticog1.globo.com/2020/03/17/17decreto.pdf?_ga=2.50926569.113174609.1621016185-7c2fcb26-aed6-bade-d1b7-1fdb7c23afcc http://estaticog1.globo.com/2020/03/17/17decreto.pdf?_ga=2.50926569.113174609.1621016185-7c2fcb26-aed6-bade-d1b7-1fdb7c23afcc https://pje.trt1.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/0101827-07.2020.5.01.0000/2 https://pje.trt1.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/0101827-07.2020.5.01.0000/2 39 https://pje.trt1.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/0101827- 07.2020.5.01.0000/2 PROCESSONºTST-ROT -101827-07.2020.5.01.0000 https://pje.trt1.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/0100413- 12.2020.5.01.0052/1 https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/6/3D1C3CA1D5865C_notainformat iva.pdf http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv927.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14020.htm https://pje.trt11.jus.br/consultaprocessual/detalhe-processo/0000484- 50.2020.5.11.0012/2 https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/6/3D1C3CA1D5865C_notainformativa.pdf https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/6/3D1C3CA1D5865C_notainformativa.pdf http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/L14020.htm
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