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ECOLOGIA GERAL Ronei Tiago Stein Introdução à sustentabilidade: conceitos, vertentes e aplicabilidades Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Definir biodiversidade e a sua importância para o homem. � Discutir o papel da Biologia da Conservação na prevenção da extinção de espécies. � Analisar as principais ameaças à biodiversidade. Introdução O planeta Terra é rico em seres vivos e tem uma encantadora diversidade em fauna e flora, o que é conhecido como biodiversidade. Porém, nas últimas décadas, o homem vem destruindo o ambiente e, dessa forma, tem sido considerado o principal responsável por um profundo impacto sobre o ambiente natural, afetando, assim, a biodiversidade, que varia entre os habitats — por exemplo, a floresta tropical tem uma enorme variedade de espécies em comparação a uma área de deserto, que apre- senta poucas espécies. Contudo, visando a preservação e o uso sustentável dos recursos naturais, a Biologia da Conservação surge com o foco de encontrar formas de reduzir a degradação ambiental e a taxa de extinção das espécies. Obviamente, essa não é uma tarefa fácil, pois, atualmente, o mundo se preocupa apenas com a questão econômica, deixando o ambiente de lado. Neste capítulo, você vai compreender o significado da expressão “biodiversidade” e sua importância para o ambiente e para o homem. Além disso, vai ver uma discussão sobre o papel da Biologia da Con- servação visando a proteção das espécies e, por fim, vai analisar como as diferentes práticas antrópicas vêm assolando a biodiversidade em todo o planeta. Biodiversidade Etimologicamente, a palavra biodiversidade significa diversidade da vida (do grego bios, que significa vida), ou seja, a variedade e a multiplicidade de seres vivos que há em nosso planeta. Miller e Spoolman (2013) descrevem a biodiversidade (também conhecida como diversidade biológica) como a variedade de espécies da Terra ou as variações de formas de vida, os genes que elas contêm, os ecossistemas em que vivem e os processos ecossistêmicos de fluxo de energia e ciclagem de nutrientes que sustentam toda a vida. Em outras palavras, a diversidade dos seres vivos também pode ser compre- endia como uma associação de vários componentes hierárquicos (ecossistema, comunidade, espécies, populações e genes) interligados e interagindo numa determinada área geográfica (BARSANO; BARBOSA; VIANA, 2014). A variedade de seres vivos na Terra foi surgindo de acordo com diversos aspectos determinantes, como os processos evolutivos de seleção natural, e também por causa de ações antrópicas (BARBOSA; VIANA, 2014). A diversidade é classificada em três categorias: � Alfa: corresponde ao número de espécies em um habitat homogêneo. � Beta: revela-se pela heterogeneidade da estrutura da comunidade. � Gama: corresponde ao número total de espécies observado em todos os habitats em uma determinada área geográfica. Segundo Barsano, Barbosa e Viana (2014), a classificação dos seres vivos teve suas origens a partir dos estudos do sueco Carl von Linné (1707-1778), também conhecido como Carlos Lineu, que, em 1735, eternizou a ciência propondo a nomenclatura binomial dos seres vivos. De acordo com essa nomenclatura, cada ser deveria ser nomeado com duas palavras: a primeira referindo-se ao nome genérico (gênero) e a segunda referindo-se ao nome específico (espécie). Introdução à sustentabilidade: conceitos, vertentes e aplicabilidades2 Conforme essa classificação, tais nomes seriam apresentados em itálico ou grifados com a primeira letra (prenome) em maiúsculo. Por exemplo: � Gato (nome popular) — Felis silvestris catus (nome científico). � Boi (nome popular) — Bos taurus (nome científico). A biodiversidade consiste na variedade de diferentes espécies encontradas em uma determinada área. Na sua forma mais simples, o termo é usado para expressar a riqueza de espécies, ou seja, o número de espécies presentes em uma unidade geográfica definida. Essa classificação é excelente para a ciência em geral, uma vez que facilita o entendimento e a comunicação entre os cientistas de diferentes partes do mundo, tendo em vista que um mesmo ser vivo, dependendo da região onde é encontrado, pode ser identificado e conhecido por diferentes nomes (BAR- SANO; BARBOSA; VIANA, 2014). Por volta de 1969, o botânico norte-americano Robert Harding Whittaker (1920-1980) criou uma forma de classificar os diferentes organismos que ainda é utilizada nos dias atuais e divide os em cinco reinos diferentes, conforme descrevem Burnie (2007) e Barsano, Barbosa e Viana (2014), em: � Fungos: organismos, em geral, multicelulares, que vivem por absor- ção de alimento. Constituem o reino dos fungos (Fungi) seres que se parecem com plantas, mas vivem de modo bem distinto. Não usam a luz para produzir alimentos, absorvem as substâncias da matéria viva ou morta. Contêm cerca de 200 mil espécies conhecidas. Como exemplo de seres desse reino, há os fungos (Figura 1), os responsáveis por produzir bolores, mofos, fermentos, levedos, orelhas-de-pau, trufas, cogumelos-de-chapéu, etc. 3Introdução à sustentabilidade: conceitos, vertentes e aplicabilidades Figura 1. A orelha-de-pau (Pycnoporus sanguineus), também conhecida como pironga e urupê, é um fungo que cresce, normalmente, em árvores em estado de putrefação. Fonte: Dave Cutts/Shutterstock.com. � Plantas: o reino Plantae ou reino dos vegetais é representado por seres eucarióticos, na maioria, multicelulares, autotróficos e fotossintetizantes, dos mais presentes na Terra, chegando a passar de 400 mil espécies conhecidas, incluindo as árvores e ervas, os arbustos, as frutas, as plantas microscópicas, etc. � Animais: o reino Animalia ou reino animal (Metazoa) abriga indivíduos eucarióticos, pluricelulares e heterotróficos, cujas células foram for- mando tecidos biológicos em condições de responder ao ambiente que os envolve. Os animais podem locomover-se, embora alguns passem a maior parte da vida no mesmo lugar. O reino animal contém mais de 2 milhões de espécies. � Protistas: grupo de organismos intermediários, parecidos, ao mesmo tempo, com plantas e animais. O reino Protoctista (Protista), de forma geral, é composto por organismos eucariontes, unicelulares, coloniais ou multicelulares, que não possuem tecidos verdadeiros e se alimentam por ingestão ou absorção, como é o caso dos protozoários e das algas marinhas. Esse reino contém, no mínimo, 50 mil espécies. � Moneras: organismos unicelulares sem núcleo organizado. Essas for- mas microscópicas de vida são procariotas, ou seja, não contêm núcleo individualizado. Esse reino inclui as bactérias e as cianofíceas. As moneras foram as primeiras formas de vida desenvolvidas na Terra. O reino das moneras contém cerca de 4 mil espécies. Introdução à sustentabilidade: conceitos, vertentes e aplicabilidades4 No início, os primeiros sistemas de classificação compreendiam apenas dois reinos, vegetal e animal. Depois, os estudiosos da área ambiental acrescentaram mais reinos, distinguindo formas de vida que não pertenciam, de fato, nem aos vegetais nem os animais. Hoje, a maioria dos sistemas de classificação baseia-se em cinco reinos: moneras, protistas, fungos, plantas e animais. Na maioria dos grandes grupos de organismos (vegetal, animal, e talvez microbiano), o número de espécies aumenta marcantemente, com umas pou- cas exceções, em direção ao Equador. Ricklefs e Relyea (2016) apresentam alguns exemplos: � Numa pequena região a 60° de latitude ao norte, poderíamos encontrar 10 espécies de formigas; a 40°, entre 40 e 100 espécies de formigas; numa área de tamanho similar, a 20º do equador, entre 100 e 200 espécies. � A Groenlândia é o lar de 56 espécies de pássaros procriadores; Nova Iorque (EUA), de 105; a Guatemala, de 469; e a Colômbia, de 1395. � Em relação ao ambiente marinho, há uma tendência mais ou menos semelhante. As águasárticas abrigam 100 espécies de tunicados, mas mais de 400 espécies são conhecidas nas regiões temperadas e mais de 600 nos mares tropicais. Tunicados (também conhecidos como Urochordata) são um subfilo do filo Chordata. Os animais desse subfilo vivem sésseis e podem atingir grandes profundidades no mar. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (BRASIL, 2018), o Brasil ocupa quase metade da América do Sul e é o país com a maior diversidade de espécies no mundo, espalhadas nos seis biomas terrestres e nos três grandes ecossistemas marinhos. São mais de 103.870 espécies animais e 43.020 espécies vegetais conhecidas no país. Suas diferentes zonas climáticas favorecem a formação de zonas biogeográficas (biomas), a exemplo da floresta amazônica, maior 5Introdução à sustentabilidade: conceitos, vertentes e aplicabilidades floresta tropical úmida do mundo; o Pantanal, maior planície inundável; o Cerrado, com suas savanas e bosques; a Caatinga, composta por florestas semiáridas; os campos dos Pampas; e a floresta tropical pluvial da Mata Atlântica. Além disso, o Brasil possui uma costa marinha de 3,5 milhões km2, que inclui ecossistemas como recifes de corais, dunas, manguezais, lagoas, estuários e pântanos. Conservação da biodiversidade A taxa de extinção de espécies decorrente da influência humana é a principal preocupação dos biólogos da conservação. Para avaliarmos a dimensão desse problema, precisamos conhecer o número total de espécies que existem no mundo, a taxa na qual elas estão sendo extintas e compará-la com a taxa de extinção de períodos anteriores à evolução da espécie humana (TOWNSEND; BEGON; HARPER, 2011). Ainda existem incertezas quanto ao número de espécies existentes no globo terrestre: as estimativas variam de 8 a 100 milhões, mas o melhor palpite é o de que há 10–14 milhões de espécies, e cerca de 1,9 milhão de espécies já foram descritas pelos cientistas (Figura 2). Figura 2. Número de espécies identificadas e classificadas e estimativas de espécies não classificadas que existem. Fonte: Townsend, Begon e Harper (2011, p. 512). Introdução à sustentabilidade: conceitos, vertentes e aplicabilidades6 Barsano. Barbosa e Viana (2014) relatam previsão de que a crescente taxa de extinção de espécies está entre 1 mil e 10 mil vezes maior que a natural. Esse fato demostra que o mundo natural não pode mais suportar tamanha degradação. Biologia da Conservação é uma nova disciplina que surgiu na última década devido à crescente preocupação com a velocidade a que têm ocorrido extinções de espé- cies. Essa nova disciplina tem como objetivo estudar como preservar as espécies, as comunidades e os ecossistemas. A Biologia da Conservação estabelece quatro agentes que resultam na extinção: � A exploração, que gera a redução da população efetiva. � A perda e a fragmentação de habitat das espécies. � A introdução de espécies invasoras, que competem com habitats nativos ou modificados. � Interações sinérgicas por meio das quais a extinção de uma espécie gera a extinção de outras em um efeito em cadeia. Os biólogos da conservação buscam manter três importantes aspectos da vida na Terra: a diversidade natural encontrada nos sistemas vivos (biodiversi- dade); a composição, a estrutura e o funcionamento desses sistemas (integridade ecológica); e sua resiliência e habilidade de resistir ao longo do tempo. Para facilitar seu o entendimento a respeito dos princípios dois quais trata a Biologia da Conservação, apresenta-se, no Quadro 1, um resumo dos temas e princípios primários e secundários dessa área. 7Introdução à sustentabilidade: conceitos, vertentes e aplicabilidades Te m as Pr in cí pi os p ri m ár io s Pr in cí pi os s ec un dá ri os O bj et iv os d a Bi ol og ia d a Co ns er va çã o O s bi ól og os d a co ns er va çã o bu sc am m an te r t rê s im p or ta nt es as p ec to s da v id a na Te rr a: b io di ve rs id ad e, in te gr id ad e ec ol óg ic a e sa úd e ec ol óg ic a. � A d iv er si da de b io ló gi ca é u m a m ed id a da d iv er si da de d e to da a v id a em to do s os n ív ei s de or ga ni za çã o. � A in te gr id ad e ec ol óg ic a é um a m ed id a da c om p os iç ão , e st ru tu ra e d o fu nc io na m en to d os s is te m as bi ol óg ic os . � A s aú de e co ló gi ca é u m a m ed id a da re si liê nc ia d e um s is te m a bi ol óg ic o e su a ha bi lid ad e de m an te r- se a o lo ng o do te m p o. Co nc ei to s pa ra a co m pr ee ns ão d a bi od iv er si da de , da in te gr id ad e ec ol óg ic a e da sa úd e ec ol óg ic a O e nt en di m en to d a co ns er va çã o ba se ia -s e em c on ce ito s- ch av e de ta xo no m ia , d e ec ol og ia , de g en ét ic a, d e ge og ra fia e d e ev ol uç ão . � To do s os o rg an is m os e st ão re la ci on ad os e nt re s i. � O s co m p on en te s da n at ur ez a es tã o ag ru pa do s em c on ju nt os d e ní ve is d e or ga ni za çã o, d es de p eq ue no s (g en es ) a té g ra nd es (p ai sa ge ns ). � O s ge ne s co nt êm a in fo rm aç ão p ar a cr ia r u m o rg an is m o, e e ss a in fo rm aç ão v ar ia d e or ga ni sm o a or ga ni sm o. � A u ni da de b ás ic a de o rg an iz aç ão p ar a or ga ni sm os é a e sp éc ie . � A s p op ul aç õe s cr es ce m e xp on en ci al m en te , a n ão s er q ue e st ej am li m ita da s p el o am bi en te ; p op ul aç õe s p eq ue na s es tã o m ai s su je ita s a ris co q ue a s m ai or es . � A s es p éc ie s sã o di st rib uí da s de fo rm a di fe re nc ia da p el a Te rr a, c om b as e na s hi st ór ia s in di vi du ai s, na s ca ra ct er ís tic as e n as re sp os ta s às a çõ es h um an as . � Co m un id ad es e e co ss is te m as s ão c ol eç õe s de e sp éc ie s qu e in te ra ge m e o s co m p on en te s de s eu am bi en te fí si co . � A n at ur ez a p od e co m p or ta r- se e st oc as tic am en te , c om c on di çõ es e re su lta do s im pr ev is ív ei s. � A e xt in çã o é o té rm in o de u m a lin ha e vo lu tiv a e p od e se r a ca rr et ad a ta nt o p or a çõ es h um an as qu an to p or n ão h um an as . Q ua dr o 1. R es um o co m o s pr in ci pa is o bj et iv os , t em as e p rin cí pi os re la ci on ad os c om a B io lo gi a da C on se rv aç ão (C on tin ua ) Introdução à sustentabilidade: conceitos, vertentes e aplicabilidades8 Fo nt e: A da pt ad o de T ro m bu la k et a l. (2 00 4, p . 1 0- 11 ). Te m as Pr in cí pi os p ri m ár io s Pr in cí pi os s ec un dá ri os A m ea ça s à bi od iv er si da de , à in te gr id ad e ec ol óg ic a e à sa úd e ec ol óg ic a. A n at ur ez a en fr en to u e co nt in ua e nf re nt an do nu m er os as a m ea ça s do s se re s hu m an os , i nc lu in do co le ta d ire ta , d es tr ui çã o de h ab ita t e in tr od uç ão de e sp éc ie s ex ót ic as . � Pr in cí pi os d e ec on om ia e co ló gi ca c or rig em o s en ga no s da te or ia e co nô m ic a ne oc lá ss ic a, q ue co nt rib ui u pa ra a s am ea ça s à co ns er va çã o. � A s so ci ed ad es h um an as tê m u m lo ng o hi st ór ic o co m o ca us ad or as d e ex tin çã o e ag ente s de g ra nd es m ud an ça s em e co ss is te m as . � A s a çõ es h um an as a fe ta m a n at ur ez a po r m ei o de su a fre qu ên ci a, su a in te ns id ad e e su a ex te ns ão e sp ac ia l. � At ua lm en te , a s es pé ci es e xt in gu em -s e m ai s ra pi da m en te d o qu e em q ua lq ue r o ut ro p er ío do n a hi st ór ia hu m an a e em n ív ei s co m pa ra do s a ev en to s de e xt in çã o de m as sa v is to s ap en as e m re gi st ro s fó ss ei s. � O s se re s hu m an os c au sa m a e xt in çã o p or m ei o de d es tr ui çã o e m od ifi ca çã o de h ab ita t, su p er ex pl or aç ão e in tr od uç ão d e es p éc ie s ex ót ic as . � O s se re s hu m an os e st ão c au sa nd o o aq ue ci m en to d a Te rr a, o q ue a ca rr et ar á se ve ra s co ns eq uê nc ia s pa ra o s si st em as n at ur ai s. � A e xt in çã o de u m a es p éc ie p od e se r c au sa da p el a ex tin çã o de o ut ra e sp éc ie . A c on di çã o at ua l d a m ai or ia d os s is te m as n at ur ai s, di fe re nt e da c on di çã o do p as sa do , r es ul ta d as a çõ es h um an as . � A s id ei as s ob re a s co nd iç õe s “n or m ai s” d a na tu re za s ão in flu en ci ad as p el as e xp er iê nc ia s qu e as p es so as tê m d ur an te s ua s vi da s. A çõ es : p ro te çã o e re st au ra çã o da bi od iv er si da de , da in te gr aç ão ec ol óg ic a e da sa úd e ec ol óg ic a. A c on se rv aç ão e xi ge um a co m bi na çã o de v ár ia s es tr at ég ia s di fe re nt es . � Pr ot eg er e sp éc ie s em ri sc o de e xt in çã o. D es en ha r r es er va s ec ol óg ic as . � D im in ui r a m ag ni tu de d os im pa ct os c au sa do s p el os s er es h um an os n os s is te m as n at ur ai s. � Re st au ra r e co ss is te m as q ue tê m s id o de gr ad ad os . � A um en ta r p op ul aç õe s co m in di ví du os c ria do s em c ul tiv o ou c at iv ei ro . � Co nt ro la r o n úm er o de in di ví du os c ol et ad os n a na tu re za . � Im p ed ir o es ta b el ec im en to d e es p éc ie s ex ót ic as e e lim in ar a s já e st ab el ec id as . � En te nd er e p ar tic ip ar d a cr ia çã o de p ol íti ca s pú bl ic as . � Ed uc ar o ut ra s p es so as s ob re a im p or tâ nc ia d a co ns er va çã o. Q ua dr o 1. R es um o co m o s pr in ci pa is o bj et iv os , t em as e p rin cí pi os re la ci on ad os c om a B io lo gi a da C on se rv aç ão (C on tin ua çã o) 9Introdução à sustentabilidade: conceitos, vertentes e aplicabilidades Importância das Unidades de Conservação (UC) No contexto da Biologia da Conservação e da preservação das espécies, é de grande importância falar sobre as Unidades de Conservação (UC), denominação dada pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), por meio da Lei nº 9.985/2000, para as áreas natu- rais passíveis de proteção por suas características especiais. As UCs têm a função de salvaguardar a representatividade de porções significativas e ecologicamente viáveis das diferentes populações, habitat e ecossistemas do território nacional e das águas jurisdicionais, preservando o patrimônio biológico existente. Além disso, garantem às populações tradicionais o uso sustentável dos recursos naturais de forma racional e ainda propiciam às comunidades do entorno o desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis (MENEZES, 2015). As UCs podem apresentar diferentes objetivos, como, por exemplo: pre- servação das espécies e da diversidade genética; proteção de características naturais e culturais locais; manutenção dos serviços ambientais (água, regu- lação do clima, diminuição da erosão, dentre outros); investigação científica; turismo e recreação; educação ambiental; utilização sustentável dos recursos naturais. As Unidades de Conservação de Uso Sustentável, segundo a Lei nº 9.985/2000, podem ser de sete tipos distintos: Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrati- vista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural (BRASIL, 2000). Por se tratar de áreas protegidas, as Unidades de Conservação possuem diferentes objetivos, mas apresentam como elemento central uma preocupação com a proteção da natureza local. Os objetivos podem variar consideravelmente em uma Unidade de Conservação, podendo apresentar uma forte restrição da presença humana até abordagens inspiradas na ideia de desenvolvimento sustentável ou de proteção integrada. Introdução à sustentabilidade: conceitos, vertentes e aplicabilidades10 Um dos principais objetivos das Unidades de Conservação é a conservação do patrimônio genético (PG), definido, segundo o Ministério do Meio Ambiente (BRASIL, 2018), como o conjunto de informações genéticas contidas nas plantas, nos animais e nos microrganismos, no todo ou em suas partes (cascas, folhas, raízes, pelos, penas, peles, etc.). Também está contido em substâncias produzidas por eles, como resinas, látex de plantas ou veneno de animais, e substâncias químicas produzidas por microrganismos. O Brasil está entre os poucos países do mundo que reúne as principais características para ter um sistema de gestão de acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais associados que promova o desenvolvimento sustentável. O país apresenta, em relação: � à biodiversidade: mais de 200 mil espécies já registradas em seus biomas (Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa) e na Zona Costeira e Marinha. Estima-se que esse número possa chegar a mais de 1 milhão e oitocentas mil espécies; � à sociodiversidade: são mais de 305 etnias indígenas, com cerca de 270 diferentes idiomas, além de diversas comunidades tradicionais e locais (quilombolas, caiçaras, seringueiros, etc.) e agricultores fami- liares, que detêm importantes conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade; � ao complexo industrial: dispõe de um diversificado e bastante avançado complexo industrial em setores ligados à bioeconomia e à biotecnologia, com empresas de referência mundial; � à capacidade científica: conta com pesquisadores que detêm grande expertise no tema, além da capacidade de desenvolvimento tecnológico para fazer desse potencial uma realidade de benefícios econômicos, sociais, culturais e de qualidade de vida. À medida que se tem espécies ameaçadas ou que acabam ficando isolados, tem-se perda da variação genética. Mesmo que a espécie se recupere, seu nível de variação genética não será recuperardo. A variação genética somente será restaurada lentamente pela acumulação de mutações por meio de muitas gerações. Por essa razão, uma espécie ameaçada com baixa variação genética continuará em risco de extinção por muito tempo após a recuperação do tamanho da população. 11Introdução à sustentabilidade: conceitos, vertentes e aplicabilidades Ou seja, pouco adianta ter áreas protegidas para conservação da fauna se esses locais se encontram isolados. Dessa forma, os corredores ecológicos (também conhecidos como corredores de biodiversidade) apresentam uma função fundamental, uma vez que ligam áreas naturais isoladas, como Unidades de Conservação, para possibilitar o deslocamento de animais, a dispersão de sementes e o aumento de cobertura vegetal. Com o movimento da biota entre ecossistemas fragmentados, os corredoresaumentam, também, o fluxo de genes. Assim, as Unidades de Conservação são uma estratégia para amenizar os impactos do homem sob o meio ambiente e possibilitam uma extensão maior para a circulação das espécies. Ameaças à biodiversidade Segundo Oliveira (2008), as preocupações com aquecimento global, redu- ção da camada de ozônio, salinização e desertificação de áreas, perda de biodiversidade e qualidade da água de mananciais, dentre outros diversos impactos ambientais, são efeitos do acúmulo dos impactos das mais diversas ações humanas ao longo dos séculos. Isso porque não se deu importância às enormes quantidades de gases lançados na atmosfera, aos poluentes lançados nos recursos hídricos, aos desmatamentos e queimadas, à caça predatória, ao uso de agrotóxicos, entre outros, não havendo uma real avaliação dos impactos ambientais, que, atualmente, vêm assolando a saúde do planeta Terra. Ou seja, a poluição, o uso excessivo dos recursos naturais, a expansão da fronteira agrícola em detrimento dos habitats naturais e a expansão urbana e industrial estão levando muitas espécies vegetais e animais à extinção. Estima-se que, a cada ano, aproximadamente 17 milhões de hectares de floresta tropical são desmatados. Se isso continuar nesse ritmo, entre 5% e 10% das espécies que habitam as florestas tropicais poderão estar extintas dentro dos próximos 30 anos (WWF, 2018). A poluição ambiental sempre existiu, mas seus efeitos eram tão pequenos que praticamente não havia consequências para o meio ambiente. Essa situação começou a mudar, principalmente, após a Revolução Industrial, quando o homem deixou de produzir produtos e alimentos unicamente para seu consumo próprio, passando a produzir em larga escala. Com o passar dos anos, segundo Barsano, Barbosa e Viana (2014), a sociedade foi modificando-se de acordo com o desenvolvimento tecnológico e científico, buscando melhorar a vida e atender os objetivos individuais e coletivos de crescimento econômico. Introdução à sustentabilidade: conceitos, vertentes e aplicabilidades12 A poluição, que pode ser definida como a presença, no ambiente, de de- terminadas substâncias químicas em doses prejudiciais aos seres vivos, afeta diretamente a saúde humana, além de prejudicar o equilíbrio dos ecossistemas naturais. Ao poluir o ambiente, a espécie humana põe em risco sua saúde e a própria sobrevivência. As atividades humanas, principalmente nas sociedades industrializadas modernas, têm gerado diversos tipos de poluentes: esgotos, resíduos indus- triais, gases tóxicos, substâncias radioativas, dentre tantos outros (AMABIS; MARTHO, 2007). De acordo com a localização dos poluentes no ambiente, a poluição pode ser dividida em três categorias: � Do solo: substâncias que possam resultar em alterações físicas, químicas ou microbiológicas do solo. � Atmosférica: os principais agentes poluidores do ar são o monóxido de carbono, o dióxido de enxofre e de nitrogênio, os hidrocarbonetos e a matéria particulada em suspensão. � Da água: o lançamento de resíduos industriais e domésticos na água e no solo constitui um grave problema ecológico. Substâncias poluentes, como detergentes, ácido sulfúrico e amônia, entre outras, envenenam os rios e prejudicam sua comunidade biológica. Você sabe qual é a diferença entre poluição e contaminação ambiental? � Poluição: alteração ecológica na relação entre os seres vivos provocada, principal- mente, pelo homem, prejudicando, direta ou indiretamente, a vida das pessoas ou o seu bem-estar, como, por exemplo, danos aos recursos naturais, como a água e o solo, e impedimentos a atividades econômicas, como a pesca e a agricultura. � Contaminação: presença, em determinado ambiente, de seres patogênicos, que provocam doenças, ou substâncias em concentração nociva aos seres vivos. No entanto, se essas substâncias não alterarem as relações ecológicas ali existentes ao longo do tempo, essa contaminação não é considerada uma forma de poluição. Em relação à poluição, os solos, por exemplo, sofrem diariamente com os efeitos devido às diversas atividades antrópicas que causam sua dete- rioração. De acordo com Abiko e Moraes (2009), a poluição do solo ocorre 13Introdução à sustentabilidade: conceitos, vertentes e aplicabilidades basicamente sob duas formas: atividades humanas que provocam alterações em suas características e lançamento de resíduos no solo. Entre essas fontes de poluição, pode-se citar: � aplicação de agentes químicos; � presença de dejetos oriundos de animais; � despejos de resíduos sólidos; � lançamento de resíduos líquidos, domésticos ou industriais; � atividades que possam resultar na erosão do solo. De acordo com Rosa, Fraceto e Moschini-Carlos (2012), nas regiões ru- rais, a falta de esgotamento sanitário adequado e o uso indiscriminado de pesticidas e fertilizantes são as principais fontes de contaminação dos solos. Os compostos presentes nos pesticidas e agrotóxicos, quando utilizados em demasia, provocam contaminações de grandes áreas, além de trazer enorme risco à saúde dos trabalhados e moradores do local. De modo geral, Silva e Costa (2011) comentam que o uso dos pesticidas tem por objetivo a eliminação de pestes ou pragas, os quais são considerados organismos biológicos nocivos ao interferir na atividade humana, competindo por alimentos, disseminando doenças ou prejudicando colheitas, alimentos e ecossistemas urbanos. Entre os problemas ambientais relacionados ao uso de agrotóxicos, pode-se mencionar a contaminação do solo e da água, tornando-a imprópria para o consumo humana (ou mesmo de animais). No entanto, existem outros problemas ambientais causados pelo uso desses produtos tóxicos, como, por exemplo, os inseticidas do tipo organoclorados e organofosforados, como os bioacumula- tivos, o que significa que se acumulam nos níveis tróficos. Esses compostos permanecem no corpo do inseto ou dos animais (como peixes) mesmo após sua morte e, caso algum outro animal se alimente de um animal contaminado, também ficará intoxicado, e assim sucessivamente, aumentando o alcance do problema e afetando toda a cadeia alimentar. Qual é o valor da biodiversidade? A biodiversidade constitui toda a riqueza viva do nosso mundo natural, é absolutamente admirável e infinita. Mas qual é o valor da biodiversidade? A biodiversidade não é homogênea, como um estoque de trigo ou de televi- sores. Em todo o planeta, os ecossistemas são únicos e apenas parcialmente comparáveis. Coutinho (2001) descreve que a complexidade da biodiversidade Introdução à sustentabilidade: conceitos, vertentes e aplicabilidades14 não nos permite pensá-la em quantidades ou partes e, ainda mais, como não há nenhuma segurança quanto ao funcionamento de sistemas extremamente complexos, como a Amazônia — se é que podemos dizer que a Amazônia “funciona” —, não se sabe qual seria o ponto de devastação a partir do qual o desequilíbrio poderia levar à completa degradação ou ao colapso desse ecossistema: não conhecemos o ponto de “não retorno”. Supor que há escolha entre produção de riqueza econômica e a manutenção da biodiversidade pode nos levar a equívocos extremamente graves. Ou seja, a biodiversidade tem um valor intrínseco, que se refere a man- termos as condições de permanência da vida — portanto, é incomensurável. Infelizmente, os custos do esgotamento e dos danos causados aos recursos naturais têm sido frequentemente desconsiderados quando se avaliam os impactos ambientais. A importância de museus de história natural para o patrimônio genético da biodiver- sidade é imprescindível. Museus guardam espécies que representam a diversidade de um dado momento, e que, caso perdido, jamais será recuperado, como o que aconteceu com o Museu Nacional do Rio de Janeiro em 2018. Muitas espécies têm um valor direto e muitas outras, provavelmente, têm um valor potencial que permanece desconhecido. Como exemplo disso, a carne de animais selvagens (carne de caça),os peixes e as plantas continuam sendo recursos vitais em muitas partes do mundo, enquanto a maior parte do alimento mundial vem de plantas originalmente selvagens e que foram domesticadas em regiões tropicais e semiáridas. Para saber mais a respeito do valor da biodiversidade, assista o vídeo no link a seguir. https://goo.gl/kCyejD 15Introdução à sustentabilidade: conceitos, vertentes e aplicabilidades ABIKO, A.; MORAES, O. B. Desenvolvimento urbano sustentável. São Paulo: Escola Poli- técnica da USP, 2009. 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