Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
LEGISLAÇÃO, REGULAMENTOS E NORMAS EM SAÚDE DO TRABALHADOR UNIASSELVI-PÓS Autoria: Luciano Trentin Indaial - 2020 1ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Copyright © UNIASSELVI 2020 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: T795l Trentin, Luciano Legislação, regulamentos e normas em saúde do trabalhador. / Luciano Trentin. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 164 p.; il. ISBN 978-65-5646-253-0 ISBN Digital 978-65-5646-248-6 1. Saúde e trabalho. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 341.6 Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 SAÚDE DO TRABALHO ..................................................................7 CAPÍTULO 2 SAÚDE DO TRABALHO ................................................................55 CAPÍTULO 3 SAÚDE DO TRABALHO .............................................................. 115 APRESENTAÇÃO Caro acadêmico, seja bem-vindo à disciplina de Legislação, Regulamentos e Normas em Saúde do Trabalhador. O livro que agora está disponível para você servirá de subsídio para que possa dar início ao seu processo de aprendizagem na temática de Saúde do(a) Trabalhador(a) que vem conquistando cada vez mais notoriedade devido à grande influência na qualidade de vida e bem-estar físico, mental e social das pessoas. A saúde do(a) trabalhador(a) é uma relevante estratégia não meramente para assegurar a saúde da mão de obra, mas para colaborar positivamente com a produtividade, qualidade dos produtos e serviços, motivação e satisfação no desenvolvimento de suas atividades e para o desenvolvimento socioeconômico de forma sustentável. Para um melhor entendimento de todo esse processo de aquisição de conhecimento, inicialmente, abordaremos, na primeira seção, de forma mais abrangente, a saúde do trabalhado. Iniciaremos nossa aprendizagem compreendendo a evolução histórica e os conceitos gerais sobre a saúde do(a) trabalhador(a) e dos riscos e as enfermidades relacionados ao trabalho. Em seguida, no segundo módulo, abordaremos a legislação acidentária, compreendendo como identificar direitos e deveres, além de entender o processo formal de reconhecimento do acidente de trabalho ou doença ocupacional. Na terceira e última seção, apresentarem as normativas de saúde do(a) trabalhador(a), abordando os princípios e as diretrizes para o desenvolvimento da atenção integral à saúde, os requisitos e procedimentos relativos à segurança e medicina do trabalho e a importância de um sistema de certificação internacional. Enfim, o conhecimento disponibilizado para você nesse material servirá como alicerce para iniciar seu aprendizado no extenso campo de conhecimento da saúde do(a) trabalhador(a), que é digno de notoriedade quando se aborda a produtividade e efetividade, ou seja, fazendo as coisas certas (eficácia) da melhor maneira possível (eficiência), destacando-se a promoção, proteção e prevenção da saúde do(a) trabalhador(a). Bom estudo!!! CAPÍTULO 1 SAÚDE DO TRABALHO A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: Saber: Compreender os determinantes de saúde e do bem-estar do(a) trabalhador(a). Fazer: Conhecer a evolução histórica da saúde do(a) trabalhador(a); Identifi car os riscos mais frequentes nos ambientes de trabalho e seus efeitos sobre a saúde. 8 LEGiSLAÇÃo, rEGuLAmENToS E NormAS Em SAÚDE Do TrABALHADor 9 SAÚDE DO TRABALHO Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Como parte constituinte da Saúde Pública, a saúde do(a) trabalhador(a) tem como propósito estudar e intervir na relação de interdependência entre produção- consumo e o processo saúde-doença das pessoas, em particular da mão de obra. Pode-se considerar o trabalho como estrutura organizadora da vida social e, em vista disso, provedor das condições de vida e saúde e um conversor natural de processos produtivos no sentindo de transformá-los em impulsionadores de saúde e não de enfermidade e perecimento em colaboração com os trabalhadores. As concepções de trabalho, trabalhador, saúde e enfermidade associadas à ocupação profi ssional constituem o campo de conhecimento e propiciam a compreensão das restrições sociais, econômicas, tecnológicas e organizacionais, resultantes da matriz de desenvolvimento utilizada pelo país, responsável pela condição de vida e de saúde dos cidadãos e dos(as) trabalhadores(as). A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, a saúde do(a) trabalhador(a) dispõem de uma nova defi nição e novo delineamento institucional, com o estabelecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e sua integração como área de competência própria de saúde. Tal efeito, proveniente de um processo constituinte com evidente participação dos movimentos sociais e sindicais, suscitou estados e municípios a modernizarem seus estatutos jurídicos de maneira a conduzir tais modifi cações e robustecer suas práticas na esfera da saúde, essencialmente, a saúde do(a) trabalhador(a). Compreendido ainda como um campo de conhecimento contemporâneo, no que diz respeito às práticas, à competência, às atribuições e ao objeto (a saúde do(a) trabalhador(a) em relação ao processo produtivo). Inevitavelmente, é um objeto de difícil compreensão, dadas suas concepções socioculturais, políticas e econômicas, com interações institucionais variadas com as quais estados e municípios têm enfrentado consideráveis embates rumo à consolidação da área de saúde do(a) trabalhador(a). O perfi l dos(as) trabalhadores(as) no país que perderam suas vidas em decorrência de uma doença específi ca dentro de determinado segmento mercadológico caracteriza-se pela existência simultânea de agravos que possuem vínculo contínuo com as condições do ambiente de trabalho. São exemplos disso os acidentes de trabalho típicos, as doenças profi ssionais e doenças relativas ao trabalho, que possuem frequência, manifestação e ou gravidade transformadas pelo trabalho, além de doenças cotidianas ao conjunto populacional, que não apresentam vínculo e ou origem com o trabalho. 10 LEGiSLAÇÃo, rEGuLAmENToS E NormAS Em SAÚDE Do TrABALHADor Esperamos que o presente material não seja o fi m de um ciclo de aprendizagem, mas que possa ser um instrumento de compreensão, revisão e aperfeiçoamento na medida em que amplie o desenvolvimento de competências e futuras práticas de vigília da saúde do(a) trabalhador(a), encontrem-se elas nos âmbitos da assistência, da vigilância epidemiológica, da vigilância sanitária ou da promoção da saúde. 2 CONHECENDO A SAÚDE DO(A) TRABALHADOR(A) A concepção do campo de conhecimento de saúde do(a) trabalhador(a) no Brasil preserva um vínculo próximo do movimento de reestruturação sociopolítico do país entre os anos de 1970-1980, na tentativa de conquistar melhorias na condição de vida e saúde para os(as) trabalhadores(as). Ao trazer à tona o debate sobre questões relacionadas ao trabalho e à enfermidade para o domínio da saúde pública, ou da saúde coletiva, o movimento criou uma ruptura com os padrões correntes das práticas de saúde ocupacional. E, no contexto das políticas públicas, incorporou a temática debatida na rede de serviços de saúde (GOMEZ et al., 2018). O movimento da saúde do(a) trabalhador(a)obteve relevantes incentivos, entre eles: as premissas da denominada “corrente latino-americana da Medicina Social”, acerca da defi nição social da doença (LAURELL; NORIEGA, 1989); o debate sobre as demandas de saúde do(a) trabalhador(a) relacionadas à corrente do “novo sindicalismo”, infl uenciado, signifi cativamente, pela experiência operária italiana; e a colaboração de profi ssionais especializados, dos serviços de saúde, dos Ministérios do Trabalho e da Previdência Social (MENDES; DIAS, 1991). Afi nal, o que devemos entender por saúde do(a) trabalhador(a)? “É o conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho” (BRASIL, 1990). Em sua origem o tema saúde do(a) trabalhador(a) foi constituído no encontro do vínculo regulamentar entre a medicina e as ciências sociais nos anos 1970, por intermédio das ideias expostas por Karl Marx1 (1978), particularmente no Capítulo VI Inédito de O Capital1, pela adesão da premissa sobre a determinação social 11 SAÚDE DO TRABALHO Capítulo 1 do processo saúde-doença, sumarizada no conceito de “processo de trabalho” (NEHMY; DIAS, 2010). A apropriação do conceito “processo de trabalho” como um recurso de análise propicia remodelar princípios ainda dominantes que ao instituírem conexões simplifi cadas entre causa e efeito, em uma interpretação única e ou de várias causas, desconceituam a dimensão social e histórica do trabalho e do binômio (consiste em dois termos que estão unidos) saúde-doença (GOMEZ et al., 2018). Uma temática tão abrangente como a saúde do(a) trabalhador(a) nos reporta, a princípio, à análise de uma quantia de normativas técnicas que circundam o campo de conhecimento. No entanto, não podemos omitir que todo o conhecimento somente será plenamente compreendido na sua completude quando observados os movimentos históricos que resultaram no todo da área de conhecimento, tanto quanto na teoria como na práxis. 1 Karl Marx (1818-1883), considerado como um dos três principais arquitetos da ciência social moderna, foi fi lósofo, sociólogo, historiador, economista, jornalista e revolucionário socialista. Publicou vários livros durante sua vida, sendo O Manifesto Comunista (1848) e O Capital (1867-1894) os mais proeminentes. Livro: Capítulo VI Inédito De O Capital. Autor: Karl Marx. Link: o livro está disponível em: <https://cutt.ly/XghcpbC>. Sinopse: Ao revolver a análise do modo de produção burguês com todos os seus antagonismos na proclamação da sua catástrofe revolucionária, que opera através das forças geradas no seu seio pelas próprias exigências da sua conservação, o Capítulo VI Inédito de O Capital lança uma ponte em direção ao Livro II de O Capital, ao analisar a mercadoria não já como ponto de partida do processo produtivo, mas como seu resultado, isto é, como depositária do capital original antecipado e da mais-valia produzida e, nessa medida, precisamente como premissa de um novo ciclo de produção de mercadorias. 12 LEGiSLAÇÃo, rEGuLAmENToS E NormAS Em SAÚDE Do TrABALHADor 2.1 CONCEITOS GERAIS SOBRE A SAÚDE DO(A) TRABALHADOR(A) As ocupações produtivas, no Brasil, estão estruturadas de inúmeras maneiras, com diferentes níveis de inserção tecnológica e modelos de gestão, na lógica de cadeias produtivas, em todos os setores econômicos (agroindústria, mineração, construção, indústria, setor de serviços, entre outros) (CANO; SILVA, 2010). Assim podemos observar diferentes maneiras de conformação dos processos produtivos e de integração tecnológica (da mão de obra manual à robotização de produção), de modelos de gerir e de vínculo do(a) trabalhador(a) com o empregador ou responsável por gerir o processo produtivo, por intermédio de características distintas, a começar com carteira assinada e outro modelos de contratos, tais como cooperativas, associações e relações informais (CARNEIRO; MARTINS, 2015; MARTINS; MOLINARO, 2013). Embora, ainda sejam verifi cadas, em algumas circunstâncias, ocorrências de trabalho ilegal, como o trabalho cativo e ou que engloba crianças e adolescentes, elas devem ser contestadas/suprimidas e analisadas na mensuração dos impactos sobre a saúde e a qualidade de vida dos(as) trabalhadores(as) e suas famílias (SANCHEZ; MINAYO, 2004). Em consequência dos diferentes vínculos de trabalho, estabilidade, acesso aos direitos trabalhistas e previdenciários, considera-se a força da mão de obra brasileira como complexa, infl uenciando diretamente na qualidade de vida dos(as) trabalhadores(as) e suas famílias, seja na vida pessoal, no trabalho ou na saúde. O IBGE (2015) categorizou a população ocupada conforme ocupação e categoria da ocupação (Figura a seguir). Segundo o Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística (IBGE), no ano de 2015, em torno de 105 milhões de pessoas eram consideradas como trabalhadores(as) brasileiros(as), sendo que desses trabalhadores(as) encontravam-se somente 43 milhões (quase 41%) de pessoas seguradas pelo Seguro Acidente de Trabalho (SAT) da Previdência Social. 13 SAÚDE DO TRABALHO Capítulo 1 FIGURA 1 – CATEGORIZAÇÃO DA POPULAÇÃO OCUPADA POR OCUPAÇÃO E CATEGORIA DE OCUPAÇÃO FONTE: Adaptado de IBGE (2015) Esteja ele presente ou ausente de nossas vidas, o trabalho pode ser considerado como o relevante originador do padrão de vida e da condição de saúde dos(as) trabalhadores(as) e de suas famílias. Visto como essencial à vida das pessoas, o trabalho, além da remuneração ou rendimentos, propicia ao trabalhador(a) a sensação benéfi ca de utilidade e partícipe da vida social, favorecendo a saúde. Em contrapartida de acordo com o ambiente no qual o trabalho é realizado ele também pode ocasionar infortúnios, como angústia e enfermidade ao(a) trabalhador(a), algumas vezes podendo levar a óbito, agravar injustiças e a instabilidade das pessoas e ocasionar a destruição do ambiente. Cabe destacar que ser ou estar desocupado também pode colaborar para que o(a) trabalhador(a) adoeça. Garbois, Sodré e Dalbello-Araujo (2017) consideram o trabalho como um agente motivador de saúde e do bem-estar do(a) trabalhador(a) e das pessoas que estão em volta dele(a). Além de gerar ganhos, que promove as condições materiais de vida, existe um aspecto que confere um caráter mais humano ao(a) trabalhador(a) e consente a inclusão social a quem trabalha, colaborando com a criação de vínculos sociais de suporte, essenciais para a saúde. 14 LEGiSLAÇÃo, rEGuLAmENToS E NormAS Em SAÚDE Do TrABALHADor Nessa perspectiva de que o trabalho é determinante social do binômio saúde-doença, no ano de 2005, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou uma comissão específi ca denominada Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde (CDSS), para debater os determinantes sociais da saúde e intimou o comparecimento de autoridades de diversos países para criar diretrizes coletivas de combate as profundas desigualdades em saúde (ALMEIDA-FILHO, 2010). O que são determinantes sociais? A Comissão para os Determinantes Sociais da Saúde (CDSS) entende os determinantes sociais da saúde como as “circunstâncias em que as populações crescem, vivem, trabalham e envelhecem, bem como os sistemas implementados para lidar com a doença” (CDSS, 2010, p.1). O conceito de Determinantes Sociais da Saúde (DSS), da mesma maneira que foi criado pela CDSS, foi inspirado no modelo de Dahlgren e Whitehead (1991). Nesse modelo, os determinantes sociais da saúde são tratados em camadas, desde aquelas que apresentam características do indivíduo, até as que compreendem os macrodeterminantes do processo saúde-doença (DAHLGREN; WHITEHEAD, 1991). Contudo, no ano de 2010, a OMS constituiu um novo marco conceitual sobre os determinantessociais de saúde, sintetizado a partir do modelo proposto por Solar e Irwin (2010) (Figura a seguir), que foi adoto no ano seguinte, na Conferência Mundial sobre os Determinantes Sociais de Saúde de 2011, sendo adicionado no relatório denominado Diminuindo diferenças: a prática das políticas sobre determinantes sociais da saúde (OMS, 2011). FIGURA 2 – MODELO DOS DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE PROPOSTO POR SOLAR E IRWIN FONTE: Solar e Irwin (2010, p. 6) 15 SAÚDE DO TRABALHO Capítulo 1 Os determinantes estruturais, nesse novo modelo (Figura anterior), operam por intermédio de um agrupamento de determinantes intermediários para delinear as implicações na saúde. A estrutura exterioriza-se como os mecanismos sociais, econômicos e políticos dando origem a um grupo de posições socioeconômicas, nas quais a população é segmentada conforme a renda, a educação, a ocupação, o gênero, a raça/etnia, dentre outros fatores (determinantes estruturais). Esse posicionamento socioeconômico, no que lhe concerne, estabelece vulnerabilidades e exposição desiguais nas condições de saúde, refl etindo a posição das pessoas dentro das hierarquias sociais (BORDE; HERNANDEZ-ALVAREZ; PORTO, 2015; ALBUQUERQUE; SILVA, 2014; SOLAR; IRWIN, 2010). Dentre os fatores contextuais pertencentes à produção e manutenção da ordem social, Solar e Irwin (2010) destacam: 1) estruturas de governança formais e informais relacionadas com os mecanismos de participação social da sociedade; 2) políticas macroeconômicas, incluindo políticas fi scais, monetárias, políticas de mercado e a estrutura do mercado laboral; 3) políticas sociais nas áreas de emprego, posse de terra e habitação; 4) políticas públicas em áreas como educação, saúde, água e saneamento, assim como a extensão e a natureza de políticas redistributivas, de seguridade social e de proteção social; e 5) aspectos relacionados com a cultura e com os valores sociais legitimados pela sociedade. Os determinantes intermediários referem-se ao agrupamento de elementos classifi cados em condições materiais (como condições de moradia, características da vizinhança, condições de trabalho, qualidade do ar, acesso e disponibilidade a alimentos, à água), aspectos comportamentais (estilos de vida e comportamentos, que se expressam, entre outros, nos padrões de consumo de tabaco, álcool e na falta de atividade física), biológicos (fatores genéticos) e psicossociais (estressores psicossociais, circunstâncias estressantes, falta de apoio social). Nesse padrão conceitual, o sistema de saúde é tido como um determinante intermediário de saúde, admitindo em especial a infl uência das barreiras de acesso. A coesão social e o capital social permeiam as duas dimensões: estrutural e intermediária (BORDE; HERNANDEZ-ALVAREZ; PORTO, 2015; ALBUQUERQUE; SILVA, 2014; SOLAR; IRWIN, 2010). A compreensão dos determinantes sociais de saúde corresponde, essencialmente, a uma diversidade e a uma complexidade de fatores que pertencem às condições de vida, trabalho e saúde e como elas se relacionam. Os elementos/fatores determinantes sociais de saúde, referentes ao processo de trabalho, são entendidos pelo Ministério da Saúde como uma estratégia de estruturação da Atenção Básica (ou primária) à saúde, que desenvolve a mediação das ações governamentais para melhorar as condições de vida, trabalho e saúde, a partir de práticas desenvolvidas por equipes multiprofi ssionais. Essa força de trabalho promove ações a grupos de pessoas com fatores de risco 16 LEGiSLAÇÃo, rEGuLAmENToS E NormAS Em SAÚDE Do TrABALHADor comportamentais e ambientais, propondo-se a adequar hábitos/estilos de vida saudáveis, minimizando o aparecimento de enfermidades (SANT'ANNA et al, 2010). Considerados os pressupostos estabelecidos para os determinantes sociais de saúde, faz-se necessária uma melhor compreensão das práticas cotidianas de atenção básica à saúde, compreendendo o processo de trabalho das equipes de atenção básica à saúde e a respectiva responsabilidade pelo atendimento inicial às urgências e emergências, além dos serviços disponibilizados pela rede de atenção às urgências e emergências, de forma a articular e integrar todos os equipamentos de saúde. No dia a dia dos serviços de saúde, faz-se necessária uma percepção diferenciada dos(as) trabalhadores(as), considerado os vínculos entre as atividades que exercem e suas condições de saúde-doença. As resultantes negativas na saúde defi nidos pelo trabalho são usualmente evidenciados nos acidentes e nas enfermidades relacionadas ao trabalho que se apresentam como demanda dos(as) usuários(as) nos inúmeros locais da rede, cujos principais pontos de entrada são a atenção básica à saúde (Figura 3 e Quadro 1) e as Redes de Urgência e Emergência – RUE (Figura 4 e Quadro 2) (VELLO, 2015; MSB, 2001). Fique por dentro do conhecimento!!! Descubra a importância da atenção básica à saúde e a rede de urgência e emergência. FIGURA 3 – ATENÇÃO BÁSICA FONTE: <https://cutt.ly/VghcG8x>. Acesso em: 21 fev. 2020. 17 SAÚDE DO TRABALHO Capítulo 1 FIGURA 4 – REDE DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA FONTE: <https://cutt.ly/IghcK24>. Acesso em: 21 fev. 2020. QUADRO 1 – ATENÇÃO BÁSICA (AB) À SAÚDE QUADRO 2 – REDES DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA (RUE) A atenção básica em saúde tem como objetivos a ampliação do acesso, o fortalecimento do vínculo, a responsabilização e o primeiro atendimento às urgências e emergências, em ambiente adequado, até a transferência/encaminhamento dos pacientes a outros pontos de atenção, quando necessário, mediante implantação de acolhimento com avaliação de riscos e vulnerabilidades. Caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte na situação de saúde e autonomia das pessoas e nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades (Portaria MS/GM nº 2.488/2011). As equipes da atenção básica têm a possibilidade de se vincular, responsabilizarem-se e atuar na realização de ações coletivas de promoção e prevenção no território, no cuidado individual e familiar, assim como na cogestão dos projetos terapêuticos singulares dos usuários, que, por vezes, requerem percursos, trajetórias e linhas de cuidado que perpassam outras modalidades de serviços para atender as necessidades de saúde de modo integral. • A rede de atenção às urgências e emergências, de forma a articular e integrar todos os equipamentos de saúde, objetiva ampliar e qualifi car o acesso humanizado e integral aos usuários em situação de urgência e emergência nos serviços de saúde, de forma ágil e oportuna, em todo o território nacional, respeitando-se os critérios epidemiológicos e de densidade populacional. A rede de atenção às urgências e emergências se organizam em um arranjo composto por: • Atenção básica: unidades básicas de saúde. • Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e demais serviços 24h. • Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). • Hospitais voltados ao atendimento de urgências – SOS Emergências. • Esses serviços possuem uma ampla gama legal de portarias que são essenciais para o seu devido funcionamento. São elas: • Portaria nº 1.600/2011 – Reformula a política nacional de atenção às urgências, de 2003, e instituindo a rede de atenção às urgências e emergências no SUS. • Portaria nº 1.601/2011 – Contém as diretrizes para regular o funcionamento da UPA 24h e os demais serviços de urgência da rede de urgências, baseado na Política Nacional de Atenção às Urgências. 18 LEGiSLAÇÃo, rEGuLAmENToS E NormAS Em SAÚDE Do TrABALHADor No que se refere ao processo de trabalho das equipes com foco na urgência/emergência, os profi ssionais devem realizar o acolhimento com escutaqualifi cada, classifi cação de risco, avaliação de necessidade de saúde e análise de vulnerabilidades, tendo em vista a responsabilidade da assistência resolutiva à demanda espontânea e ao primeiro atendimento às urgências e emergências. • Portaria nº 1.010/2012 – Institui diretrizes para a implementação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) e da sua central de regulação médica. • Portaria nº 963/2013 – Institui o cuidado em domicílio no Sistema Único de Saúde (SUS). FONTE: Adaptado de Brasil (2013a) FONTE: Adaptado de Brasil (2013a) No que se refere aos serviços de atendimento de urgências e emergências, de modo específi co, a implantação da Política Nacional de Atenção às Urgências e Emergências intenciona atingir todos os estágios de prestação de assistência desenvolvidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), estruturando desde os serviços oferecidos nas Unidade Básicas de Saúde (UBS) até os atendimento de maior complexidade, como os cuidados pós-hospitalares na convalescença, recuperação e reabilitação. Da mesma forma, estar interligado a um atendimento ou meio de transporte adequado a partir da hierarquização dos serviços de saúde, regulado e integrando ao sistema de urgência e emergência vigente. Além das UBS, os serviços também podem ser prestados por: equipes de saúde da família, ambulatórios especializados, serviços de diagnóstico e terapêuticos, unidades não-hospitalares de atendimento de urgência e emergência e pelos serviços móveis de atendimento pré-hospitalar, como o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). A adoção da rede de atenção às urgências e emergências visa ampliar os acessos e meios de promoção de saúde através de um planejamento articulado, fl exível e rápido, dirigido às necessidades da população (OLIVEIRA; TRINDADE, 2017). A fi gura a seguir apresenta a hierarquização e qualifi cação do sistema de atendimento às urgências e a emergência. 19 SAÚDE DO TRABALHO Capítulo 1 FIGURA 5 – HIERARQUIZAÇÃO E QUALIFICAÇÃO DO SISTEMA DE ATENDIMENTO ÀS URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS FONTE: Ortiga et al. (2016, p. 3) Legenda: AB: Atenção Básica; ACS: Agentes Comunitários de Saúde; SADT: Serviço de Apoio Diagnóstico e Terapêutico; SAMU: Serviço de Atendimento Móvel de Urgência; SF: Saúde da Família; USA: Unidade de Suporte Avançado; USB: Unidade de Suporte Básico; VIR: Veículo de Intervenção Rápida. Você sabe quantas ambulâncias possui o SAMU? O SAMU 192 está presente, atualmente, em 3.618 municípios, com 3.274 ambulâncias. O país conta ainda com 252 motolâncias, 12 embarcações (ambulancha), 14 aeromédicos e 191 centrais de regulação. Ao todo, 174 milhões de pessoas (83,69% da população) contam com a cobertura do serviço (BRASIL, 2019). 20 LEGiSLAÇÃo, rEGuLAmENToS E NormAS Em SAÚDE Do TrABALHADor Considerada uma estratégia essencial, a organização da atenção básica à saúde, propõe-se a reduzir a desigualdade e prover cuidados resolutivos e com qualidade. Por intermédio das atividades desenvolvidas pelas equipes de saúde, permite-se que se acompanhe mais a respeito das condições de vida e de trabalho dos cidadãos sob sua supervisão, colaborando com a defi nição de políticas e ações de saúde mais apropriadas ao perfi l de pessoas mortas em decorrência de algumas doenças específi cas (morbimortalidade) e o ingresso e acompanhamento de grupos de risco (BRASIL, 2013b). A rede de atenção básica à saúde abarca uma série de ações de caráter individual e coletivo, incluindo as regras e normas de promoção de saúde, prevenção de agravos, tratamento e reabilitação, instituindo o primeiro estágio de atenção à saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) (OLIVEIRA; TRINDADE, 2017). Starfi eld (2002) menciona a existência de diversas formas de organização da atenção básica à saúde no Brasil, devido à inserção de ações essencialmente voltadas à saúde do(a) trabalhador(a). Essas ações indicam mudanças no modelo tradicional de assistência à saúde, de cunho médico hospitalar e baseada na oferta de serviços de maneia centralizada, ocasionando uma certa ausência de clareza no emprego dos termos “atenção médica” convencional e “atenção básica (ou primária)” à saúde. O quadro a seguir apresenta as diferenças entre “atenção médica” convencional e “atenção básica (ou primária)” à saúde, segundo o entendimento de Starfi eld. QUADRO 3 – DIFERENÇAS ENTRE ATENÇÃO MÉDICA CONVENCIONAL E ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE Características Atenção médica convencional Atenção básica à saúde Enfoque • Doença• Cura • Saúde, • Prevenção, atenção e cura Conteúdo • Tratamento • Atenção por episódio • Problemas específi cos • Promoção da saúde • Atenção continuada • Atenção abrangente Organização • Especialistas • Médicos • Consultório individual • Clínicos gerais • Outros profi ssionais • Equipe multiprofi ssional Responsabilidade • Apenas o Setor Saúde • Domínio pelo profi ssional • Recepção passiva • Ação intersetorial • Participação da comunidade • Autorresponsabilidade FONTE: Starfi eld (2016, p. 33) Desta forma, a denominação atenção básica à saúde vem sendo utilizada para caracterizar modelos distintos de organização e oferta de serviços de saúde, em vários países do mundo, inclusive no Brasil. 21 SAÚDE DO TRABALHO Capítulo 1 O conceito de atenção básica (ou atenção primária) à saúde, provavelmente, teve sua origem nos Estados Unidades da América, em uma conjuntura de crescimento urbano, com comunidades carentes oriundas de pequenas províncias e de milhares de imigrantes estrangeiros, em sua maioria sem condições de custear as despesas de cuidado à saúde (UFMG, 2010). FIGURA 6 – SÍNTESE DOS RESPECTIVOS FOCOS DE ATUAÇÃO DAS EQUIPES DE ATENÇÃO BÁSICA E SAÚDE DA FAMÍLIA FONTE: Adaptado de Brasil (2013a) e Mângia e Lancman (2008) As intervenções desenvolvidas pelas equipes de atenção básica e saúde da família (fi gura a seguir), no campo do conhecimento da saúde do(a) trabalhador(a), possibilitam a compreensão das relações entre as condições de vida e trabalho, evidenciados nos determinantes sociais de saúde (estruturais ou intermediários) e sua inclusão no cuidado (BORDE; HERNANDEZ-ALVAREZ; PORTO, 2015). O cuidado em saúde, no ponto de vista da atenção integral, engloba práticas de promoção e proteção da saúde, vigilância, assistência e reabilitação. Desse modo, a rede de saúde por intermédio de seus profi ssionais, em especial as equipes de atenção básica e saúde da família, deve ser qualifi cada para constituir as relações entre as condições de vida, saúde-doença e o trabalho, recente ou anterior dos usuários, de maneira a determinar a diagnose precisa, a relação causal com a atividade de trabalho e estabelecer o plano terapêutico apropriado, abarcando a reabilitação, a instrução do(a) trabalhador(a) sobre as medidas de promoção e proteção da saúde, o direcionamento trabalhista e previdenciário e a notifi cação ao sistema de informações em saúde (CYPRIANO, 2016; NASCIMENTO; NASCIMENTO, 2005). 22 LEGiSLAÇÃo, rEGuLAmENToS E NormAS Em SAÚDE Do TrABALHADor 2.2 CONHECENDO A SAÚDE DO(A) TRABALHADOR(A) Integrante do escopo de atuação de saúde pública, a saúde do(a) trabalhador(a) tem como objetivo de estudo e intervenção as relações produção- consumo e o processo saúde-doença das pessoas e, em particular, dos(as) trabalhadores(as). Em se tratando de saúde pública, o trabalho pode ser compreendido com a base organizadora da vida social o ambiente de dominação e resistência dos(as) trabalhadores(as) e determinante das condições de vida e saúde das pessoas. A partir desse silogismo, as intervenções devem dedicar- se na proposição de mudanças dos processos produtivos, no propósito de transformá-los em originadores de saúde, e não de adoecimento e morte, além de assegurar a atenção integral à saúde dos(as) trabalhadores(as), considerando sua incorporação nos processos produtivos (BRASIL,2012). Livro: Determinantes Ambientais e Sociais da Saúde. Autor: Luiz Augusto C. Galvão, Jacobo Finkelman, Samuel Henao. Sinopse: Os organizadores chamam atenção para a crescente medicalização das agendas de saúde, “ignorando com frequência a crescente massa de evidências que associam uma boa ou má saúde individual e coletiva a um grau de determinantes ambientais e sociais, dominados por amplas iniquidades sociais e econômicas que limitam o bem estar e o progresso de amplos setores da população”. No campo de ação da atenção básica, as ações públicas de Vigilância em Saúde do Trabalhador (Visat) devem iniciar pela observação e registro das atividades produtivas estabelecidas no Brasil que estão sob gerenciamento das equipes de atenção básica e saúde da família, incluindo-os em seu planejamento de trabalho, além da vigilância dos danos à saúde relativos ao trabalho (os acidentes e as doenças) que é assegurado por intermédio da notifi cação dos casos reconhecidos no Sistema de Informação de Agravos de Notifi cação (Sinan) e o monitoramento dos ambientes e processos de trabalho, com ênfase nas atividades produtivas concebidas na residência e ou na área externa de uma residência, em um raio não superior a cem metros dela (VASCONCELLOS; GOMEZ; MACHADO, 2014; BRASIL, 2013c). 23 SAÚDE DO TRABALHO Capítulo 1 O nível de cobertura de saúde do(as) trabalhadores(as) por intermédio da Previdência Social brasileira, exceto os segurados especiais, decorre, essencialmente, do modo de se comportar do mercado de trabalho. A elevação do emprego formal ou da desocupação possui infl uência direta no número de segurados do sistema. Desse modo, a responsabilidade do SUS com a vida e a saúde dos(as) trabalhadores(as) tem por orientação sua inclusão no processo produtivo/processo de trabalho, a partir do início da vida laboral, independentemente, da atividade laborativa, abrangendo os intervalos de inatividade, desocupação, aposentadoria e velhice (BATISTA et al., 2008). Tambellini (1987) menciona que a evolução da área da saúde do(a) trabalhador(a) recebeu uma grande contribuição de técnicos em nível das instituições públicas, tais como, as universidades e institutos de pesquisa, a rede de serviços de saúde e fi scalização do trabalho, agregando esforços por melhores condições de saúde e trabalho, por intermédio do desenvolvimento profi ssional, da geração de conhecimento, da prestação de serviços e da fi scalização das demandas legais. Na década de 1980, o Movimento da Saúde do(a) Trabalhador(a) estabeleceu-se no Brasil, no âmago do processo de redemocratização do País e da luta pela Reforma Sanitária, que culminou na instituição do Sistema Único de Saúde (SUS) pela Constituição Federal (CF) de 1988. Ao instituir a saúde como direito de cidadania e dever do estado, a Constituição Federal assegurou a atenção integral à saúde para todos(as) trabalhadores(as) a despeito do modelo contratual acordado no mercado de trabalho. Outrora, somente os(as) trabalhadores(as) com contratos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), ou seja, com “carteira de trabalho assinada”, usufruíam do direito à assistência médica e à Previdência Social (VELLO, 2015). A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) é um documento obrigatório para toda pessoa que venha a prestar algum tipo de serviço, seja na indústria, no comércio, na agricultura, na pecuária ou mesmo de natureza doméstica. Agora sua CTPS poder ser digital. Desenvolvida pela Dataprev, a Carteira de Trabalho Digital é um aplicativo que permite ao cidadão acessar as informações da carteira física e emitir a sua CTPS de forma digital. Além das informações de identifi cação civil, o cidadão tem acesso a seus vínculos, remunerações e contribuições (BRASIL, 2019a). 24 LEGiSLAÇÃo, rEGuLAmENToS E NormAS Em SAÚDE Do TrABALHADor Na implementação desse "novo" método de abordagem de questões relacionadas à saúde do(a) trabalhador(a), Mendes e Dias (1991) defi nem como propósito fundamental de saúde do(a) trabalhador(a) o processo de saúde-doença dos grupos de pessoas, em sua relação com o trabalho. Segundo os autores, a concepção do processo saúde-doença representa um esforço de compreensão de como e porque isso ocorre, e do desenvolvimento de possibilidades de intervenção que conduzam a um modelo mais humanizado na relação entre trabalho e trabalhadores(as). Backes et al. (2009) menciona que a vida se manifesta através da saúde- doença, que são formas singulares, experiências abstratas e que não devem ser reveladas por intermédio de palavras. Contudo, a pessoa doente serve-se de palavras para exteriorizar a sua doença e os profi ssionais da saúde, no que lhe concerne, igualmente utilizam-se de palavras para dar sentido às lamentações dos pacientes. Para os autores, a saúde-doença possui aspectos econômicos, políticos, socioculturais, socioepidemiológicos e históricos que infl uenciam a saúde humana e os modos de vida, os processos de trabalho e de produção, essenciais para se interpretar os processos de saúde, adoecimento e morte da população. As concepções dispares sobre saúde-doença, de maneira a estabelecer relações entre as necessidades em saúde baseadas nas particularidades de uma população em um dado território, caracterizam-se pela relação entre a saúde- doença e as atividades de cuidado inseridas no contexto relativo à organização das ações e serviços de saúde e as redes de apoio para a população, em especial os(as) trabalhadores(as). E também compreender os diferentes determinantes sociais da saúde-doença a partir das características de uma dada população (CRUZ, 2012). Para Gamba e Tadini (2010), a saúde-doença não são duas faces da mesma moeda. A saúde-doença deve ser compreendida como um mecanismo social relativamente autônomo em relação à ideia de doença, assim como as repercussões que ela trará para a vida social e para a rotina das pessoas. De outro ponto de vista, Brêtas e Gamba (2006) expõem que a saúde é silenciosa, normalmente não a identifi camos em sua totalidade, na maior parte das ocasiões, somente a identifi camos quando estamos enfermos. Trata-se de uma experiência de vida, experienciada no íntimo do corpo humano. Escutar o próprio corpo é uma excelente técnica para garantir a saúde com qualidade, visto que não se encontra uma linha precisa entre a saúde-doença, mas um vínculo de interdependência entre elas. A Organização Mundial da Saúde (OMS), no ano de 1947, defi niu a saúde 25 SAÚDE DO TRABALHO Capítulo 1 como: “Um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade” (OMS, 2011, p. 283). A defi nição de saúde pela OMS é considerada válida até os dias atuais, entretanto, tem recebido, desde sua formulação, diversas críticas e refl exões de inúmeros profi ssionais, pesquisadores e outros intérpretes da área da saúde. Essas pessoas, em tese, consideram-na como uma ideia irrealizável e não funcional, tipifi cando-a como uma declaração ao invés de uma defi nição propriamente dita (NARVAI; PEDRO, 2008). Dentre as abordagens possíveis para defi nir o binômio saúde-doença, apresentaremos uma que parece mais proveitosa a nossos estudos. Pode-se então descrever a condição de saúde, didaticamente, segundo a soma de três planos: subindividual, individual e coletivo, apresentados no quadro a seguir. Organização Mundial da ou de Saúde é uma agência especializada em saúde, fundada em 7 de abril de 1948 e subordinada à Organização das Nações Unidas. A OMS é composta por representantes de 194 Estados-membros e presidida por um diretor-geral. Com sede localizada em Genebra, na Suíça, a organização ainda possui seis escritórios regionais (Américas, África, Sudeste da Ásia, Europa, Mediterrâneo Oriental e Pacífi co Ocidental) (OMS, 2020). QUADRO 4 – CONDIÇÃO DE SAÚDE DE ACORDO COM OS PLANOS: SUBINDIVIDUAL, INDIVIDUAL E COLETIVO Su bind iv id ua l Corresponde ao nível biológico e orgânico, fi siológico ou fi siopatológico. Nesse plano, o processo saúde-doença seria defi nido pelo equilíbrio dinâmico entre a normalidade – anormalidade/funcionalidade – disfunções. Assim, quando a balança pender para o lado da anormalidade/disfunção, podem ocorrer basicamente duas situações: a enfermidade e a doença. A enfermidade seria a condição percebida pela pessoa ou paciente, caracterizando-a como queda de ânimo, algum sintoma físico ou mesmo dor. A doença seria a condição detectada pelo profi ssional de saúde, com quadro clínico defi nido e enquadrada como uma entidade ou classifi cação nosológica (área da medicina que se dedica ao estudo, descrição e classifi cação das diferentes doenças). 26 LEGiSLAÇÃo, rEGuLAmENToS E NormAS Em SAÚDE Do TrABALHADor Enxergando-se a condição de saúde-doença segundo esses três planos, compreendemos melhor porque somente em situações muito específi cas a saúde resulta apenas da disponibilidade e do acesso aos serviços de saúde. Assim, o direito à saúde deveria ser entendido de forma mais abrangente do que apenas o direito ao acesso aos serviços de saúde (NARVAI; PEDRO, 2008). Nossa própria Constituição Federal de 1988, em sua seção sobre saúde (Art. 196), defi ne-a nos seguintes termos (grifos do autor): “A saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. De acordo com Brasil (2016), a partir da década de 1990, diferentes maneiras de organização institucional e estratégica de ações foram utilizadas pelas três instâncias de gestão do SUS (União, estados e municípios) para executar as determinações constitucionais. Nesse sentido, a constituição da Rede Nacional de Atenção à Saúde do Trabalhador (RENAST), planejada com base nos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), trouxe, dentre outras vantagens, maior exposição para o desenvolvimento de ações junto aos gestores, às equipes de saúde e ao controle social. É notório que a maior evolução da saúde do(a) trabalhador(a) no país foi seu reconhecimento constitucional como área contida no âmbito da saúde pública. Todavia, as ações de proteger, promover a saúde e prevenir os danos à saúde do(a) trabalhador(a), missão do SUS, contribuíram para distinguir a prática médica de saúde dos(as) trabalhadores(as) da medicina tradicional. Minayo, Machado e Pena (2011) e Brasil (2009) mencionam que a saúde dos(as) trabalhadores(as) difere do hábito comum da medicina convencional e a FONTE: Adaptado de Navai e Pedro (2008) In di vi du al Entende que as disfunções e anormalidades ocorrem em indivíduos que são seres biológicos e sociais ao mesmo tempo. Portanto, as alterações no processo saúde- doença resultam não apenas de aspectos biológicos, mas também das condições gerais da existência dos indivíduos, grupos e classes sociais, ou seja, teriam dimensões individuais e coletivas. Segundo essa concepção, a condição de saúde poderia variar entre um extremo de mais perfeito bem-estar até o extremo da morte, com uma série de processos e eventos intermediários entre eles. C ol et iv o Expande ainda mais o entendimento sobre o processo saúde-doença, que é encarado não como a simples soma das condições orgânicas e sociais de cada indivíduo isoladamente, senão a expressão de um processo social mais amplo, que resulta de uma complexa trama de fatores e relações, representados por determinantes do fenômeno nos vários níveis de análise: família, domicílio, trabalho, micro área, bairro, município, região, país, continente etc. 27 SAÚDE DO TRABALHO Capítulo 1 implicação do médico com o capital. Ela posiciona a saúde do(a) trabalhador(a) como objetivo fundamental da prática médica, ao contrário de somente declarar a aptidão do(a) trabalhador(a). Ela abarca os fundamentos da Saúde Pública, de prevenção de riscos e da promoção da saúde com a participação dos(as) trabalhadores(as). Essa concepção tem implicações consideráveis acerca das práticas de saúde e da compreensão sobre quem são as pessoas consideradas trabalhadores(as). Quem são trabalhadores para o SUS? Para o SUS, trabalhadores(as) são todos(as) homens e mulheres que trabalham na área urbana ou rural, independentemente da forma de inserção no mercado de trabalho, formal ou informal, de seu vínculo empregatício, público ou privado, assalariado, autônomo, avulso, temporário, cooperativado, aprendiz, estagiário, doméstico, aposentado e mesmo os desempregados (BRASIL, 2012). Organizada a partir da atenção básica à saúde, as ações colocadas em prática por intermédio da Rede de Atenção à Saúde (RAS), tida como organizadora da rede e coordenadora do cuidado, ratifi cou a necessidade do comprometimento das equipes de atenção básica e em especial da estratégia de saúde da família nos cuidados à saúde do(as) trabalhadores(as). Contudo, independentemente, da concordância sobre o progresso da atenção básica enquanto política e estratégia de consolidação do SUS, em especial no que tange a expansão da cobertura de acesso da população aos serviços de saúde, a conjuntura se torna mais complexa com o advento das transformações ambientais nos processos produtivos decorrentes da inclusão de novas tecnologias e estratégias de gestão, que instituem aceleração e fl exibilização do trabalho metodizados em cadeias produtivas, aumentando a responsabilidade do SUS, em especial as ações desenvolvidas pelas equipes de atenção básica e saúde da família, no cuidado à saúde do(as) trabalhadores(as) (SOUZA; VIRGENS, 2013). As ações de saúde, organizadas e direcionadas ao(à) trabalhador(a), nas inúmeras competências da rede do SUS, têm que levar em consideração: a) O processo saúde-doença dos(as) trabalhadores(as) é concebido socialmente. b) O(a) trabalhador(a) é sujeito da saúde e possui saberes e conhecimentos sobre seu trabalho e sobre as repercussões dele sobre sua saúde, que devem ser considerados no planejamento e na execução das ações de saúde. c) É essencial a participação dos(as) trabalhadores(as), da comunidade e do controle social em todas as instâncias e etapas da organização das ações e serviços de saúde. d) A integralidade das ações de saúde pressupõe que as ações preventivas e curativas são indissociáveis, porém com primazia das ações de promoção e da vigilância em saúde. 28 LEGiSLAÇÃo, rEGuLAmENToS E NormAS Em SAÚDE Do TrABALHADor QUADRO 5 – EIXO REPRESENTATIVO DE ASPECTOS DE SAÚDE DO(A) TRABALHADOR(A) Pr om oç ão d a sa úd e Reconhece o trabalho como promotor de saúde e não apenas produtor de sofrimento, adoecimento e morte. Mais do que mudanças de comportamentos favoráveis à saúde, as ações de promoção da saúde devem buscar o empoderamento e o fortalecimento da autonomia dos(as) trabalhadores(as) na luta por condições dignas de trabalho. A articulação de políticas e práticas intersetoriais deve ser estimulada, especialmente aquelas com potencial para promover o controle e a intervenção sobre os determinantes de saúde e a participação em processos regulatórios e na produção conjunta de normas protetivas, entre outras. As si st ên ci a à sa úd e Começa pela identifi cação do(a) usuário(a) enquanto trabalhador(a), considerando sua inserção laboral atual e pregressa, para que se estabeleça a relação entre o trabalho e o processo saúde-doença e se faça o diagnóstico correto e se defi na o plano terapêutico adequado, incluindo a reabilitação física e psicossocial. Também deve incluir a orientação do(a) trabalhador(a) sobre as medidas de prevenção e direitos trabalhistas e previdenciários, a notifi cação dos agravos relacionados ao trabalho e, se necessário, o acionamento dos setores da vigilância em saúde. Vi gi lâ nc ia e m S aú de do T ra balh ad or - Vi sa t É um dos componentes da Vigilância em Saúde e abrange a vigilância epidemiológica dos agravos (acidentes, intoxicações, entre outros) e doenças relacionadas ao trabalho e a vigilância dos ambientes e processos de trabalho, em estabelecimentos e atividades do setor público e privado, urbanos e rurais. Inclui a produção, a divulgação e a difusão de informações em saúde e ações de educação em saúde. Deve ser realizada de forma articulada com a rede assistencial e com os demais componentes da Vigilância em Saúde: Epidemiológica, Sanitária e em Saúde Ambiental. FONTE: Brasil (2018, p. 19) O avanço de ações de saúde do(a) trabalhador(a) deve cogitar a organização das redes de atenção e monitoramento nas relações entre espaço e poder desenvolvidas pelos Estados, os processos de divisão dos espaços identifi cados em localidades e de fi rmar acordo entre intergestores, na localidade e no estado. Outro enfoque essencial do cuidado à saúde dos(as) trabalhadores(as) relaciona-se à participação integral dele(as) em todas as fases, colaborando e) A articulação intra e intersetorial das políticas e práticas de saúde na perspectiva da transversalidadede é fundamental para garantir cuidado resolutivo e de qualidade. As atividades de saúde do(a) trabalhador(a), na sua relação com o trabalho, concebem o fenômeno saúde-doença, em seus aspectos individuais e coletivos, biológicos e sociopolíticos. De maneira representativa, os aspectos individuais e coletivos podem ser dispostos em três eixos apresentados no quadro a seguir. 29 SAÚDE DO TRABALHO Capítulo 1 com conhecimento específi co e saberes, práticas e subjetividade com os padrões institucionais, sobretudo no reconhecimento dos riscos para a saúde presentes no trabalho e as consequências dessa exposição sobre a enfermidade e ou agravamento dela, da mesma maneira que na constatação das mudanças indispensáveis nos processos de trabalho para torná-los mais seguros e saudáveis (VELLO, 2015). Considerando-se que a atenção básica à saúde do(a) trabalhador(a) é um acesso primordial à rede de serviços de saúde, recebendo diversos trabalhadores(as) com relações de trabalho diferenciados e que podem demonstrar formas de enfermidade e necessidades pertinentes ao trabalho, torna- se imprescindível que as equipes de atenção básica e saúde da família estejam aptas a reconhecer esses problemas e enfrentá-los na concepção da atenção integral, da mesma forma que instruir e direcionar corretamente o acesso do(a) trabalhador(a) ao seguro social. O órgão responsável pelo Seguro Social do governo federal é o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pertencente ao órgão do Ministério da Previdência Social, ligado diretamente ao Governo, que recebe as contribuições para a manutenção do Regime Geral da Previdência Social, sendo responsável pelo pagamento de aposentadorias, salário-maternidade, pensão por morte, auxílio-doença, auxílio-acidente, auxílio-reclusão e outros benefícios para aqueles que adquirirem o direito a esses benefícios segundo o previsto pela lei. O INSS foi criado em 27 de junho de 1990, por meio do Decreto n° 99.350, a partir da fusão do Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social – IAPAS com o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, como autarquia vinculada ao Ministério da Previdência e Assistência Social – MPAS (BRASIL, 2017). Agora que compreendemos melhor a saúde do(a) trabalhador(a), vamos complementar nossos estudos e nos aprofundar nessa temática? Você sabe o que signifi ca Seguro Social do governo federal? De acordo com Constituição da República Federativa do Brasil, em seu Art. 194., a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (BRASIL, 2020) 30 LEGiSLAÇÃo, rEGuLAmENToS E NormAS Em SAÚDE Do TrABALHADor Livro: Avaliação da Atenção Básica em Saúde. Autor: Patrícia Abrahão Curvo, Maria José B. Pereira, Silvana M. Mishima. Sinopse: Esta investigação de caráter avaliativo da Atenção Básica à Saúde – ABS pretende produzir subsídios para decisões que fortaleçam a ABS, pautados na integralidade da atenção. Pesquisas de avaliação permitem verifi car o modo como os direitos individuais e de cidadania são observados no acesso e utilização do sistema de saúde, considerando a assertiva das percepções dos usuários em relação as suas expectativas, valores e desejos. Na literatura, identifi camos que a avaliação para decisão deve considerar metodologias de apreensão da realidade que possam ressignifi car as práticas, envolvendo a participação de todos os atores responsáveis pela produção da saúde e impactando na qualidade dos serviços. Indagamos: sob o ponto de vista do usuário, o processo de implantação da ABS tem favorecido a produção de ações na perspectiva da integralidade? Partimos do pressuposto de que a integralidade agrega e articula diversos princípios da ABS, tendo maior potencialidade de revelar a expectativa do usuário e assim assinalar aspectos da satisfação e da insatisfação. 2.3 OS RISCOS E AS ENFERMIDADES RELACIONADOS AO TRABALHO Conjuntamente com a população, os(as) trabalhadores(as), compartilham maneiras de adoecer e morrer em um determinado tempo e lugar, estabelecidas pela sua classe social, pelos modos de vida e consumo, sexo, ciclo de vida, perfi l genético e condições de exposição a fatores de riscos, retratados nas situações de instabilidade social e ambiental. Esses distúrbios de saúde podem ser ocasionados ou serem alterados em sua frequência, gravidade ou latência, de acordo com a atividade que a pessoa desempenha ou desempenhou no decorrer da vida (TAKEDA; ROBAZZI; LAVRADOR, 2001). A saúde do(a) trabalhador(a) decorre de um perfeito equilíbrio entre a capacidade dele(a) e o conjunto de restrições e limitações, sejam essas provenientes da vida, de ambientes e da profi ssão, ao qual encontra-se submetido. 31 SAÚDE DO TRABALHO Capítulo 1 A capacidade do(a) trabalhador(a) é infl uenciada por distintos fatores, tais como: a idade, a formação, a vida privada, estado de saúde anterior e atual, a motivação e o modo de vida. O conjunto de restrições e limitações pode ser materiais ou psíquicos e atuar sobre a pessoa nos níveis interior e exterior, expressando a sua origem nas condições importas ou nos fatores ambientais e psicossociais (FREITAS, 2016). No dia a dia laboral, as pessoas estão expostas a inúmeros ocorridos e fatores de risco para a saúde, que são capazes de atuar em conjunto ou intensifi car seus efeitos. Além das exposições nos ambientes de trabalho, com frequência, os(as) trabalhadores(as) e suas famílias estão vulneráveis a riscos resultantes da contaminação e da degradação ambiental nos arredores e nas áreas de moradia, originados pelos processos produtivos desenvolvidos na região (PIRES, 2013). Os malefícios do trabalho podem estar associados a insumos e às matérias- primas, a objetos, máquinas e às ferramentas manuseadas, capazes de originar lesões e situações de risco à saúde, como a existência de poeiras, substâncias químicas e agentes físicos perigosos ou nocivos. A organização das atividades relacionadas ao trabalho, manifestam-se na duração, intensidade, exigência de produtividade, jornada de trabalho diuturno, relações de confl ito entre os gestores e os colegas, que podem ocasionar sofrimento e distúrbio de saúde. Do mesmo modo, os malefícios do trabalho podem se expandir para além do trabalho, causando abalo e ou comoção no ambiente domiciliar, nos familiares, na vizinhança e no ambiente em geral (SANTOS; ALMEIDA, 2016). Analisado a partir de diversas disciplinas, o fator de risco é considerado um conceito descritivo e normativo, visto que aponta o real sentido de uma situação e constitui, integralmente, as normas, direcionando-asno propósito desejado. O conceito de risco surge a partir da conjunção da probabilidade de materialização de uma condição perigosa e da gravidade das anomalias decorrentes de irregularidades e ou anormalidades evidenciadas (FREITAS, 2009). Segundo Grizenko e Fisher (1992) e Halpern e Figueiras (2004), pode-se considerar fator de risco como um elemento que, quando manifesto, eleva a probabilidade da manifestação de distúrbios ou aumenta a fragilidade de uma pessoa ou grupo a propagar uma doença ou agravo à saúde. No quadro a seguir foram apresentados exemplos de riscos mais frequentes nos ambientes de trabalho e seus efeitos sobre a saúde. 32 LEGiSLAÇÃo, rEGuLAmENToS E NormAS Em SAÚDE Do TrABALHADor QUADRO 6 – EXEMPLOS DE RISCOS EXISTENTES NO AMBIENTE DE TRABALHO E SEUS EFEITOS SOBRE A SAÚDE Categoria Exemplos de riscos Possíveis efeitos sobre a saúde Atividades onde podem estar presentes Fí si co s Ruído Efeitos auditivos: surdez, zumbidos. Efeitos extra auditivos: gastrite, insônia e outras manifestações de estresse. Trabalhos com máquinas barulhentas, motores, britadeiras; motoristas de ônibus. Temperaturas extremas Desidratação, câimbras pelo calor, fadiga, alergia respiratória, sinusite, resfriados frequentes. Trabalho na rua e a céu aberto; frigorífi cos; cozinhas industriais; ambientes com ar-condicionado. Iluminação Problemas de visão, dor de cabeça, acidentes. Várias atividades na indústria e no setor de serviços, costureiras e manicures podem ter pouca iluminação ou iluminação em excesso, prejudicando a visão do(a) trabalhador(a). Radiações ionizantes e não ionizantes – Ultravioleta, infravermelho, raios X etc. Câncer de pele, anemia aplástica; leucemia; catarata. Agricultores(as) e trabalhadores(as) na rua: trabalhadores(as) em hospitais e consultório dentários que operam raios X, soldadores(as) etc. Q uí m ic os Substâncias químicas que podem estar presentes nos ambientes de trabalho na forma de poeiras, fumos, névoas, neblinas, gases ou vapores. Ex.: agrotóxicos. Queimaduras, náusea, vômito, cefaleia, alergia, asma brônquica, câncer, doenças gástricas e intestinais, neurológicas, hepáticas, renais, entre outras. Também podem provocar acidentes decorrentes de explosões e incêndio. Elas penetram no organismo pela via respiratória, pela pele ou pelo trato digestivo provocando intoxicação aguda ou crônica. Inúmeras atividades na indústria e no setor de serviços, no setor agropecuário, silvicultura, madeireiro; empresas desinsetizadoras e da saúde pública que atuam no controle de endemias e de zoonoses etc. M ec ân ic os Máquinas com partes móveis não protegidas; calandras e cilindros; guilhotinas; prensas e o uso de instrumentos cortantes ou perfurantes etc. Acidentes diversos (quedas, fraturas, esmagamento, amputação; traumatismos). Trabalhadores(as) da construção civil; motoristas de transportes coletivos; padeiros, metalúrgicos, trabalhadores(as) em vias públicas, profi ssionais de saúde etc. 33 SAÚDE DO TRABALHO Capítulo 1 Bi ol óg ic os Micro-organismos (bactérias, fungos, protozoários, vírus, entre outros). Animais peçonhentos (cobras, escor- piões, aranhas). Doenças contagiosas: hepatite, tuberculose, tétano, pneumonia, aids etc. Envenenamento por picada de cobra ou escorpião. Profi ssionais de saúde; manicure, trabalhadores(as) rurais; carteiros etc. Ps ic os so ci ai s Jornadas de trabalho longas, esforços físicos exagerados com posturas forçadas e carregamento de peso. Ritmo acelerado, trabalho repetitivo e monótono; trabalho em turnos e noturno. Desemprego, vínculos precários ou ausência de vínculo trabalhista. Doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho (Dort); problemas na coluna, dores musculares e articulares. Sofrimento mental, com manifestações de insegurança; desmotivação; depressão; distúrbios do sono; estresse, entre outros. Trabalhadores(as) de linha de montagem; carregadores; bancários; trabalhadores(as) em teleatendimento. Trabalhadores(as) informais e com vínculos precários, terceirizados e temporários. FONTE: Brasil (2001, s.p.) A possibilidade de um agravo vir a acontecer em um determinado momento, seja ele imediato ou remoto, pode ser aferido para um fator de risco único ou para inúmeros ao mesmo tempo. Classes específi cas de pessoas expostas a riscos semelhantes podem ser caracterizadas na população, medidas e retratadas por intermédio dos indicadores de riscos utilizados na área da saúde, expressos como: risco absoluto (incidência), risco relativo e risco atribuível (quadro a seguir) (PEREIRA, 2001). QUADRO 7 – INDICADORES DE RISCO UTILIZADOS NA ÁREA DA SAÚDE Indicador de Risco Descrição Absoluto (incidência) O risco absoluto de uma doença é a incidência da doença (GORDIS, 1988). De acordo com Rouquayrol (1988), a incidência traduz a ideia de intensidade com que acontece determinado fenômeno nocivo em uma população, sendo a intensidade relacionada à unidade de intervalo de tempo (dia, semana, mês ou ano). Essa forma de medida alcança maior signifi cado quando comparada com os resultados obtidos de maneira semelhante em um outro grupo de indivíduos. Relativo O risco relativo é uma medida de associação. Essa medida se refere à intensidade com que uma determinada exposição se relaciona com a doença em estudo. Informa quantas vezes o risco é maior em um grupo, quando comparado a outro. Atribuível O risco atribuível indica a diferença de incidências entre os dois grupos, diferença que é atribuída à exposição ao fator de risco. Suponhamos duas populações, uma exposta e outra não exposta, e que o risco de uma doença seja maior entre os expostos. O nível de risco não exposto pode ser visto como risco de fundo, um risco que é compartilhado por ambos os grupos. Se quisermos saber quanto do risco total nos expostos pode ser realmente atribuível à exposição propriamente dita (e não ao risco de fundo), devemos tomar o risco total nos expostos e subtrair o risco não exposto. FONTE: Adaptado de Seta, Pepe, Oliveira (2006) e Pereira (2001) 34 LEGiSLAÇÃo, rEGuLAmENToS E NormAS Em SAÚDE Do TrABALHADor Segundo Pires (2013), uma análise de risco requer melhor entendimento sobre: a frequência (possibilidade com que se pode produzir); a gravidade das consequências; a interação dos diversos fatores presentes; e o tempo de exposição. Nessa perspectiva, a proteção da saúde do(a) trabalhador(a) destina- se a inibir a manifestação de perdas decorrentes das condições laborativas. A partir da compreensão dos exemplos de riscos existentes no ambiente de trabalho e seus efeitos sobre a saúde (Quadro 6), Costa (2017) apresenta que no cotidiano do trabalho, difi cilmente, observa-se a exposição de um fator de risco em particular, sendo frequente a exposição concomitante a inúmeros fatores de risco, o que intensifi ca os efeitos deles na saúde do(a) trabalhador(a). Os efeitos de adoecimento dos(as) trabalhadores(as) por conta do trabalho podem ser melhor compreendidos por intermédio da classifi cação das doenças relacionadas ao trabalho proposta por Richard Schilling (um professor de medicina) em Londres no ano de 1984. Ela foi denominada “classifi cação de Schilling”, combina a abordagem clínico-individual com a coletivo-epidemiológica e agrupa as doenças segundo a contribuição ou o “papel causal” desempenhado pelo trabalho no adoecimento (SANTOS et al., 2018). Nessa classifi cação, as doenças relacionadas ao trabalho estão divididas em três categorias apresentadas no quadro a seguir. QUADRO 8 – RELAÇÃO DO TRABALHO COM O ADOECIMENTO DE TRABALHADORES(AS) SEGUNDO A CLASSIFICAÇÃO DE SCHILLING Categoria Exemplos I – Trabalho como causa necessária Intoxicação por chumbo Silicose Asbestose II – Trabalho como fator contributivo, mas não necessário Doença coronariana Doenças do aparelho locomotor Câncer Varizes dos membros inferioresIII – Trabalho como provocador de distúrbio latente ou agravador de doença já estabelecida Bronquite crônica Dermatite de contato alérgica Asma Doenças mentais FONTE: Schilling (1984, p. 73) A classifi cação de Schilling foi utilizada pelo Ministério da Saúde, no Brasil, para a elaboração da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho, disposta do Anexo LXXX da Portaria de Consolidação n.º 5, de 28 de setembro de 2017, com a fi nalidade de orientar os profi ssionais de saúde sobre a possível relação do adoecimento com a exposição a riscos para a saúde presentes no trabalho (BRASIL, 2017a). 35 SAÚDE DO TRABALHO Capítulo 1 QUADRO 9 – DOENÇAS QUE PODEM SER GERADAS NO AMBIENTE DE TRABALHO Doença Signifi cado 1. LER A sigla LER signifi ca Lesão por Esforço Repetitivo. O nome da sigla já é explicativo, pois as pessoas que adquirem a LER são aquelas que fazem a mesma ação repetidamente por dia. Como, por exemplo, os colaboradores que trabalham em frente ao computador, por conta do esforço repetitivo de digitar, podem adquirir a tendinite (infl amação nos tendões). 2. DORT As DORTs são os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho. Os que adquirem essa doença são aqueles que trabalham em posturas inadequadas, chamadas de posturas anti-ergonômicas. Caso não sejam tratadas a tempo, as DORTs podem se agravar causando até mesmo a invalidez do trabalhador. Por isso a importância da postura para manter a coluna saudável. 3. Surdez defi nitiva ou temporária Em alguns tipos de trabalhos, há constantemente ruídos que podem ocasionar a perda da sensibilidade auditiva. Essa perda pode ser temporária ou defi nitiva e pode acontecer de forma silenciosa e lenta, ou seja, não se trata de uma doença relacionada ao trabalho que pode ser evitada por conta da dor, pois o trabalhador não percebe que está perdendo a audição e, por isso, é importante ter atenção com ela. 4. Sofrimentos psíquicos relacionados ao trabalho Sofrimentos psíquicos, tais como a ansiedade e o estresse, estão diretamente ligados às pressões que podem ocorrer no ambiente de trabalho (desentendimentos, a carga horária excessiva, dentre outros). 5. Dermatite Alérgica de Contato Trata-se de uma doença relacionada ao trabalho que se caracteriza por alterações na mucosa e pele do colaborador, devido a sua exposição a agentes nocivos no momento em que ele está executando suas atribuições. Ulcerações, dermatite de contato, infecções e cânceres são alguns males que o termo dermatite alérgico de contato engloba. Conheça as cinco principais doenças relacionadas ao trabalho!!! FONTE: <https://cutt.ly/ZgzxzZh>. Acesso em: 21 fev. 2020. 36 LEGiSLAÇÃo, rEGuLAmENToS E NormAS Em SAÚDE Do TrABALHADor A listagem de doenças relacionadas ao trabalho organizada pelo Ministério da Saúde possui dupla entrada: a Lista A, que considera o agente ou grupos de agentes patogênicos responsáveis pelo adoecimento ou que guardam evidências sólidas de nexo causal entre a exposição e a doença; e a Lista B, que tem como referência os códigos dos grupos de patologias defi nidos na Classifi cação Estatística Internacional de Doenças (CID-10), com elenco de aproximadamente 400 agravos relacionados ao trabalho (BRASIL, 2008). QUADRO 10 – EXEMPLOS DA “LISTA A” DAS DOENÇAS RELACIONADAS AO TRABALHO Agentes etiológicos ou fatores de risco de natureza ocupacional Doenças causalmente relacionadas com os respectivos agentes ou fatores de risco (denominadas e codifi cadas segundo a CID-10) Sílica Livre Neoplasia maligna dos brônquios e do pulmão (C34) Cor Pulmonale (I27.9) Outras Doenças Pulmonares Obstrutivas Crônicas (Inclui "Asma Obstrutiva", "Bronquite Crônica", "Bronquite Obstrutiva Crônica") (J44) Silicose (J62.8) Pneumoconiose associada com Tuberculose ("Sílico- Tuberculose") (J63.8) Síndrome de Caplan (J99.1; M05.3) Ruído e afecção auditiva Perda da Audição Provocada pelo Ruído (H83.3) Outras percepções auditivas anormais: Alteração Temporária do Limiar Auditivo, Comprometimento da Discriminação Auditiva e Hiperacusia (H93.2) Hipertensão Arterial (I10) Ruptura Traumática do Tímpano (pelo ruído) (S09.2) A seguir estão elencados exemplos de situações frequentes na rotina diária das equipes de atendimento básico e saúde da família, com base nas listagens A e B, organizadas pelo Ministério da Saúde (quadros a seguir). A CID-10 signifi ca classifi cação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (também conhecida como Classifi cação Internacional de Doenças – CID 10). Ela foi publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e fornece códigos relativos à classifi cação de doenças e de uma grande variedade de sinais, sintomas, aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas para ferimentos ou doenças. 37 SAÚDE DO TRABALHO Capítulo 1 FONTE: Adaptado de Brasil (2008; 2001) Micro-organismos e parasitas infecciosos vivos e seus produtos tóxicos (Exposição ocupacional ao agente e/ou transmissor da doença, em profi ssões e/ ou condições de trabalho especifi cadas) Tuberculose (A15-A19) Carbúnculo (A22) Brucelose (A23) Leptospirose (A27) Tétano (A35) Psitacose, Ornitose, Doença dos Tratadores de Aves (A70) Dengue (A90) Febre Amarela (A95) Micro-organismos e parasitas infecciosos vivos e seus produtos tóxicos (Exposição ocupacional ao agente e/ou transmissor da doença, em profi ssões e/ ou condições de trabalho especifi cadas) Hepatites Virais (B15-B19) Doença pelo Vírus da Imunodefi ciência Humana (HIV) (B20-B24) Dermatofi tose (B35) e Outras Micoses Superfi ciais (B36) Paracoccidiomicose (Blastomicose Sul Americana, Blastomicose Brasileira, Doença de Lutz) (B41) Malária (B50-B54) Leishmaniose Cutânea (B55.1) ou Leishmaniose Cutâneo- Mucosa (B55.2) Pneumonite por Hipersensibilidade a Poeira Orgânica (J67): Pulmão do Granjeiro (ou Pulmão do Fazendeiro) (J67.0); Bagaçose (J67.1); Pulmão dos Criadores de Pássaros (J67.2); Suberose (J67.3); Pulmão dos Trabalhadores de Malte (J67.4); Pulmão dos que Trabalham com Cogumelos (J67.5); Doença Pulmonar Devida a Sistemas de Ar- Condicionado e de Umidifi cação do Ar (J67.7); Pneumonites de Hipersensibilidade Devidas a Outras Poeiras Orgânicas (J67.8); Pneumonite de Hipersensibilidade Devida à Poeira Orgânica não especifi cada (Alveolite Alérgica Extrínseca SOE; Pneumonite de Hipersensibilidade SOE (J67.0) “Dermatoses Pápulo-Pustulosas e suas complicações infecciosas" (L08.9) QUADRO 11– EXEMPLOS DA “LISTA B” DAS DOENÇAS RELACIONADAS AO TRABALHO Doenças Agentes etiológicos ou fatores de risco de natureza ocupacional Leucemias (C91-C95) Benzeno (X46; Z57.5) Radiações ionizantes (W88; Z57.1) Óxido de etileno (X49; Z57.5) Agentes antineoplásicos (X49; Z57.5) Campos eletromagnéticos (W90; Z57.5) Agrotóxicos clorados (Clordane e Heptaclor) (X48; Z57.4) Pneumoconiose devida à poeira de Sílica (Silicose) (J62.8) Exposição ocupacional a poeiras de sílica-livre (Z57.2) 38 LEGiSLAÇÃo, rEGuLAmENToS E NormAS Em SAÚDE Do TrABALHADor FONTE: Adaptado de Brasil (2008; 2001) Asma (J45) Carbonetos metálicos de tungstênio sinterizados (X49; Z57.2 e Z57.5) Cromo e seus compostos tóxicos (X49; Z57.5) Poeiras de algodão, linho, cânhamo ou sisal (Z57.2) Acrilatos (X49; Z57.5) Aldeído fórmico e seus polímeros (X49; Z57.5) Aminas aromáticas e seus derivados (X49; Z57.5) Anidrido ftálico (X49; Z57.5) Azodicarbonamida (X49; Z57.5) Carbetos de metais duros: cobalto e titânio (Z57.2) Enzimas de origem animal, vegetal ou bacteriano (X44; Z57.3) Furfural e Álcool Furfurílico (X45; Z57.5) Isocianatos orgânicos (X49; Z57.5) Níquel e seus compostos (X49; Z57.5) Pentóxido de vanádio (X49; Z57.5) Produtos da pirólise de plásticos, cloreto de vinila, tefl on (X49; Z57.5) Sulfi tos, bissulfi tos e persulfatos (X49; Z57.5) Sulfi tos, bissulfi tos e persulfatos (X49; Z57.5) Medicamentos: macrólidos; ranetidina; penicilina e seus sais; cefalosporinas (X44; Z57.3) Proteínas animaisem aerossóis (Z57.3) Outras substâncias de origem vegetal (cereais, farinhas, serragem etc.) (Z57.2) Outras substâncias químicas sensibilizantes da pele e das vias respiratórias (X49; Z57.2) Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso do álcool: Alcoolismo Crônico (Relacionado com o Trabalho) (F10.2) Problemas relacionados com o emprego e com o desemprego: condições difíceis de trabalho (Z56.5) Circunstância relativa às condições de trabalho (Y96) Reações ao Stress Grave e Transtornos de Adaptação (F43): Estado de Stress Pós-Traumático (F43.1) Outras difi culdades físicas e mentais relacionadas com o trabalho: reação após acidente do trabalho grave ou catastrófi co ou após assalto no trabalho (Z56.6) Circunstância relativa às condições de trabalho (Y96) Mononeuropatias dos Membros Superiores (G56): Síndrome do Túnel do Car- po (G56.0); Outras Lesões do Nervo Mediano: Sín- drome do Pronador Redondo (G56.1); Síndrome do Canal de Guy- on (G56.2); Lesão do Nervo Cubital (ulnar): Síndrome do Túnel Cubital (G56.2); Lesão do Nervo Radial (G56.3); Outras Mononeu- ropatias dos Membros Superiores: Compressão do Nervo Supraescapular (G56.8) Posições forçadas e gestos repetitivos (Z57.8) 39 SAÚDE DO TRABALHO Capítulo 1 Esse formato de organização propicia ao profi ssional consultar a lista com base no reconhecimento da exposição a um agente, fatores de risco ou situação desfavorável de trabalho referenciados ou detectados na interlocução com o(a) trabalhador(a) (anamnese ocupacional2) ou com início nos distúrbios de saúde que o(a) trabalhador(a) relata ao ser atendido no serviço de saúde (BRASIL, 2001). 2 Anamnese ocupacional: (do grego ana, trazer de novo e mnesis, memória) é uma entrevista realizada pelo profi ssional de saúde ao seu doente, que tem a intenção de ser um ponto inicial no diagnóstico de uma doença. Utilizada também como uma fi cha de coleta de informações sobre o paciente para ser um instrumento epidemiológico que contribuísse para conhecer, sistematizar, agilizar, homogeneizar e intercambiar dados e informações úteis ao planejamento, à formação de recursos humanos, ao atendimento, à vigilância, à avaliação de serviços de saúde do(a) trabalhador(a) e à divulgação pública (SILVA et al., 2019). Acolhidas pela Previdência Social, no ano de 1999, as listas A e B estabelecidas pelo Ministério da Saúde foram adotadas para nortear as avaliações médico periciais e a cedência de benefícios previdenciários e acidentários a seus segurados. Cabe destacar que, no ano de 2007, a Previdência Social acrescentou às listas A e B, a Lista C (Anexo II do Decreto Federal n.º 3.048/1999, alterado pelo Decreto Federal n.º 6.042/2007) elaborada com base na signifi cância estatística da associação entre a doença identifi cada como responsável pela incapacidade do(a) trabalhador(a) e a atividade econômica da empresa a qual o segurado é vinculado – Nexo Técnico Epidemiológico3 (NTEP), que passou a ser utilizado nas avaliações médico-periciais (SILVA-JUNIOR et al., 2014; BRASIL, 2007; BRASIL, 1999). 3 Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP) é uma metodologia que tem o objetivo de identifi car quais doenças e acidentes estão relacionados com a prática de uma determinada atividade profi ssional pelo INSS no Brasil. Com o NTEP, quando o trabalhador adquirir uma enfermidade inteiramente relacionada à atividade profi ssional, fi ca qualifi cado o acidente de trabalho. Nos casos em que houver relação estatística entre a doença ou lesão e o setor de atividade econômica do trabalhador, o nexo epidemiológico determinará automaticamente que se trata de benefício acidentário e não de benefício previdenciário normal (MUSSI, 2018). Dentre os principais exemplos de doenças comuns, com estreita relação com o trabalho, destacados nos Quadro 6 e 7, segundo Viegas e Almeida (2016) e Brasil (2001), devemos nos preocupar, essencialmente, com as doenças relacionadas ao trabalho que destacam-se com uma proporção elevada de casos existentes em uma determinada população e determinado momento temporal, ocasionando distúrbios na s aúde dos(as) trabalhadores(as), que necessitam de 40 LEGiSLAÇÃo, rEGuLAmENToS E NormAS Em SAÚDE Do TrABALHADor cuidados específi cos, uma vez que essa exposição ao risco por um longo período de tempo aumenta a susceptibilidade às respectivas doenças. Em se tratando de saúde do(a) trabalhador(a), mesmo com condicionantes sobre a utilização de recursos diversos, como recursos de análise, tecnológicos e estatísticas de grande extensão, seja qual for a forma de coleta de dados e estudos sobre essa temática, existe a necessidade de direcionar esforços para uma melhor compreensão da complexidade dos fenômenos existentes e sua relação com a saúde do(a) trabalhador(a), pois o “desconhecimento do fenômeno, de seus determinantes e da distribuição de sua ocorrência em determinado território impede ou difi culta uma análise adequada dos fatores potenciais que estão em sua origem” (CAVALCANTE et al., 2015, p.101). Isso posto, os dados e informações sobre a saúde do(a) trabalhador(a), a relação dele com o trabalho e seu adoecimento podem auxiliar na compreensão dos efeitos da estrutura moderna do trabalho, assim como identifi car a existência de possíveis originadores subjacentes (que não estão manifestos, mas implícitos) de riscos ao seu adoecimento (MANOEL, 2018). Uma explicação ou a resolução favorável para os problemas mais proeminentes de saúde da classe trabalhadora compreende necessariamente o reconhecimento dos(as) trabalhadores(as) que vivem e laboram no território brasileiro, tendo em vista as atividades laborais recentes e anteriores e as condições de trabalho nos processos produtivos originários desses locais, que podem refl etir na saúde da comunidade e dos(as) trabalhadores(as). Consequentemente, consiste em integrar as relações trabalho-saúde-doença e ambiente nas ações de saúde desenvolvidas pelas equipes de atenção básica e saúde familiar. Desenvolvidas na rede de serviços de saúde do SUS, as ações de saúde do(a) trabalhador(a) recomendadas pela Lei Orgânica da Saúde (BRASIL, 1990) são descritas da seguinte maneira: a) A assistência ao sujeito vítima de acidente de trabalho ou portador de doença profi ssional e do trabalho. b) A participação em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde existentes no processo de trabalho. c) A participação na normatização, fi scalização e controle das condições de produção, extração, armazenamento, transporte, distribuição e manuseio de substâncias, de produtos, de máquinas e de equipamentos que apresentam riscos à saúde do(a) trabalhador(a). d) A avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde. e) A informação ao(à) trabalhador(a), a sua respectiva entidade sindical e às 41 SAÚDE DO TRABALHO Capítulo 1 empresas sobre os riscos de acidente de trabalho, doença profi ssional e do trabalho, assim como dos resultados de fi scalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão, respeitando os preceitos da ética profi ssional. f) A participação na normatização, fi scalização e controle dos serviços de ST nas instituições e empresas públicas e privadas. g) A revisão periódica da listagem ofi cial de doenças originadas no processo de trabalho. h) A garantia ao sindicato de trabalhadores(as) de requerer ao órgão competente a interdição de máquina, do setor, do serviço ou de todo o ambiente de trabalho, quando houver exposição a risco iminente para a vida ou saúde do(a) trabalhador(a). Esse conjunto de ações está detalhado e organizado no Anexo XV da Portaria de Consolidação n.º 2, de 28 de setembro de 2017, que dispõe sobre a Política Nacional de Saúde do(a) Trabalhador(a) (PNST) (BRASIL, 2017b). Dentro de uma prática habitual de trabalho das equipes de atenção básica e saúde da família, diversos procedimentos podem e
Compartilhar