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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA DISCIPLINA DE FUNDAMENTOS DE PSICANÁLISE III CURSO DE PSICOLOGIA – 3ª SÉRIE REFERENCIA: FREUD, Sigmund. Introdução ao Narcisismo, 1914/2010. In: Introdução ao Narcisismo, Ensaios de Metapsicologia e Outros Textos. São Paulo: Companhia das Letras. Freud, inicialmente, define o narcisismo como sendo um complemento libidinal, que soma-se ao instinto de autopreservação. Dessa forma, o narcisismo está além do instinto e, portanto possui leis que fogem do campo estritamente biológico, apesar de ter certa base neste. Para ajudar na conceituação, ele usa o caso dos parafrênicos, que serviria como um exemplo exacerbado do que está em jogo no narcisismo. Segundo ele, há duas características fundamentais: a megalomania e o desinvestimento libidinal em objetos (falta de interesse no mundo externo: pessoas e coisas). Logo, uma pessoa da qual o narcisismo “tomou conta” não conseguiria mais fazer esses investimentos no mundo externo, voltando sua libido toda para si, assim, se furtando da realidade. Nesse sentido, Freud aponta que os neuróticos podem estar descolados da realidade também, porém continuam sempre em relações objetais, investindo sua libido nelas, mesmo que distorçam fatos. Freud separa o narcisismo em dois: narcisismo primário e secundário. O primário seria uma instancia natural do ser, o bebê, ao nascer, se encontra em um estado megalomaníaco, onde ele mesmo é o mundo inteiro e tudo ocorre em torno de si. Nessa fase, não se há ainda o entendimento dos limites entre o Eu e o ambiente. O narcisismo secundário, por sua vez, seria instaurado quando já se entende as separações entre o Eu e o ambiente, levando a pessoa a começar investir libido também no ambiente, nos objetos, e não mais só em si. Assim, pontua-se como é necessário que o bebê seja investido de libido por um outro, para que, através de um corpo carregado de libido, o sujeito possa ceder essa energia aos objetos, ligando-se a eles, mas sempre permanecendo com uma quantia de libido voltada para si, que seria então o narcisismo secundário. Logo, a libido corre como um fluxo, ela se liga a objetos, depois volta-se para o Eu, e assim sucessivamente. Por essa natureza da libido, Freud coloca uma diferença entre a libido objetal e a libido do Eu, sendo essas duas inversamente proporcionais, ou seja, “quanto mais se emprega uma, mais empobrece a outra” (pag. 12). Nesse sentido, ele coloca como o apaixonamento é o mais alto desenvolvimento da libido objetal, pois abandona-se todo o investimento em si em prol do investimento em uma outra pessoa (ou coisa). Ao contrário, a fantasia seria o maior desenvolvimento da libido do Eu, pois deixa-se de investir-se em objetos externos e passam a investir libido apenas em seu mundo interno. Freud diferencia o narcisismo de autoerotismo. O autoerotismo é primordial, da ordem instintual, enquanto o narcisismo, para ser formado, precisa de uma nova ação psíquica, acrescentando-se ao autoerotismo. Assim, essas novas ações são as que desenvolvem o Eu, que não se encontra já estruturado ao nascer. Separa-se aqui os instintos sexuais das pulsões do Eu. Depois, em uma resposta a Jung, Freud pontua que a libido sexual não tem a ver apenas com o ato de fazer sexo, como o primeiro deu a entender. Ao contrário, uma pessoa pode não ter vontade alguma de transar mas mesmo assim ter uma profunda ligação libidinal a objetos, seja a espiritualidade, a arte, aos animais, etc. A esses destinos outros da libido, Freud denomina como sublimação. Coloca-se no texto a observação de três casos que ajudam na visualização do narcisismo: a doença orgânica, a hipocondria e a vida amorosa. Na doença orgânica é observável que a libido se volta para o Eu, de modo que a pessoa não se importa muito como outras coisas a não ser o seu próprio mal estar. Nota-se também nesse estado que a pessoa retira libido de seus objetos amorosos, indicando que se trata de uma energia mesma que ora avança sobre objetos, ora retrai para si. Freud coloca, ainda, que essa dinâmica da doença é semelhante no estado de sono, onde a pessoa retrai toda sua libido para si mesmo, no desejo de dormir. Por isso então os sonhos são egocentrados. Na hipocondria, o sujeito também retira interesse libidinal dos objetos do mundo exterior localizando essa libido em um órgão especifico, a diferença para doença orgânica é justamente que não há causas orgânicas para o adoecimento nesse caso. Assim, trata-se apenas de energias psíquicas que encontram vasão no corpo. Freud portanto conclui disso que se a energia sexual pode se direcionar para as mais diversas partes do corpo, a erogenidade é “uma característica geral de todos os órgãos” (pag. 19). Ele coloca então aqui que se a libido pode ir para fora e voltar para si, se constituindo enquanto um fluxo, ela pode também sofrer represamento, que é quando não há mais esse movimento, segurando-a dentro de si. Dessa maneira, esse represamento sempre será sentido com muito desprazer, pois essa energia contida gera tensão e essa tensão gera mal estar. Portanto, daí vem a necessidade de amar, pois é necessário que haja esse movimento de ligação da libido a objetos, pois senão acontece o represamento da libido e, assim, o adoecimento. Logo, “é preciso começar a amar, para não adoecer, e é inevitável adoecer quando, devido à frustação, não se pode amar”. (pág. 20). A vida amorosa, segundo Freud, também serve para pensar a constituição do narcisismo. Ele coloca que “as primeiras satisfações sexuais autoeróticas são experimentadas em conexão com funções vitais de autoconservação” (pág. 22). Assim, a pulsão sexual vai se apoiar nesse instinto de autoconservação, sendo por isso o primeiro objeto sexual da criança aquela pessoa que fornece a ela cuidado, alimento e proteção. A isso Freud da o nome de escolha de objeto do “tipo de apoio”(pág. 22). Nesse ponto, ele coloca que pessoas que sofrem perturbação no desenvolvimento podem escolher não o modelo da mãe como objeto de amor, mas sim a si mesmo. Isso daria origem a uma perversão onde a escolha do objeto seria do tipo “narcísico”(pág. 22). Porém, apesar de propor isso, Freud não propõe que haja dois grupos de pessoas bem definidos conforme sua escolha de objeto, ao contrário, os dois caminhos são abertos para serem seguidos, mas a preferência vai para um ou outro. Não são excludentes. No texto, é posto que o tipo “de apoio” é característico do homem, que quando se apaixona sofre de um forte “empobrecimento libidinal do Eu em favor do objeto” (pág 23). Enquanto isso, a mulher “recebe” esse amor, e dessa forma amam a si mesmo na medida em que são amadas pelo homem. Assim, “Sua necessidade não reside tanto em amar quanto em serem amadas, e o homem que lhes agrada é o que preenche tal condição” (pág. 23). Freud também coloca como essa certa indiferença parece causar bastante fascínio nos seres humanos, pois o narcisismo dessas é aquilo que todos tentamos de alguma forma remontar, um tempo onde o amor era pleno e completo. Apesar de algumas mulheres apresentarem essa total indiferença quanto ao parceiro romantico, há para Freud uma queda ao total amor objetal: em seu filho. Isso porque “uma parte do seu próprio corpo lhes surge à frente como um outro objeto, ao qual podem então dar, a partir do narcisismo, o pleno amor objetal.” (pág. 24) Freud então faz um breve resumo das escolhas de objeto: (págs. 24-25) “Um breve sumário dos caminhos para a escolha de objeto pode concluir estas observações incipientes. Uma pessoa ama: 1) Conforme o tipo narcísico: a) o que ela mesma é (a si mesma), b) o que ela mesma foi, c) o que ela mesma gostaria de ser, d) a pessoa que foi parte dela mesma. 2) Conforme o tipo “de apoio”: a) a mulher nutriz, b)o homem protetor e a série de substitutos que deles derivaram.” Freud também vai citar no texto como o narcisismo primário afeta na forma comoos pais vêem seus filhos. Ele diz que há uma superestimação do filho por parte dos pais e que isso é plenamente natural, pois se trata da “revivescência e reprodução do seu próprio narcisismo há muito abandonado” (pag. 25), logo, os pais, através dos filhos, vão reviver sua criança interior, aquele tempo onde tudo parecia completo, onde o amor não faltava; revivem também, e projetam na criança aquilo que gostariam de ter sido, mas que pela imposição da realidade não foram. Assim, “os pais são levados a atribuir à criança todas as perfeições (…) e a ocultar todos os defeitos” (pág. 25). Por isso até que os pais tendem a negar a sexualidade das crianças, pois elas seriam “puras”. Os pais criam, dessa forma, a ideia do “His majesty the baby” (pág. 25), que é importante também para que a criança forme seu próprio narcisismo, pois apenas quando se é desejado pelo outro, se é falado pelo outro, se é amado pelo outro, que é possível amar a si próprio e também ter amor para direcionar a outro. Mais adiante, ele vai falar sobre o ideal do Eu, que é uma instância que cria-se através de todas as projeções e nomeações da cultura externa e que é internalizada no sujeito, fazendo com que essa instância torne-se um norte a ser seguido, um ideal a ser alcançado. Assim, mede-se o Eu pelo ideal do Eu, levando a conclusão que quanto mais longe se fica do ideal, menor será o amor próprio; inversamente, quanto mais próximo desse ideal, maior o amor próprio. Logo, o narcisismo se desloca do Eu para o Eu ideal, onde guarda ainda aquela satisfação completa que um dia foi desfrutada. Esse Eu ideal, segundo Freud, é a condição para a repressão, pois apenas existindo algo que deve-se ser que é possível existir o negativo disso, aquilo que não se deve ser, aquilo que não se deve fazer. Falando da repressão, ele vai dizer que a saída é a sublimação, sendo esta uma forma de cumprir as exigências do Eu sem que haja repressão. Ou seja, a sublimação é uma forma de satisfação da libido que passa desapercebida da natureza vigilante do supereu. Ainda nesse tema, coloca-se que a consciência moral é inicialmente uma “corporificação da critica dos pais, depois da crítica da sociedade”. O Eu então introjeta essa consciência moral, criando uma instância de auto-observação, um sistema especulativo, que se encontra exacerbado na paranoia, mas que está presente em todos nós: o supereu. Depois, entra-se na discussão do amor-próprio, onde o autor diz que é uma expressão da grandeza do Eu. Assim sendo, “Tudo o que se tem ou que se alcançou, todo resíduo do primitivo sentimento de onipotência que a experiência confirmou, ajuda a aumentar o amor-próprio.” (pág. 31). O amor-próprio está intimamente ligado à libido narcísica, para afirmar isso, Freud se apoia em dois fatos: nas psicoses o amor-próprio ser aumentado e nas neuroses ser rebaixado; e também o fato de que ser amado aumenta o amor-próprio, enquanto não ser o diminui. Dessa forma chega- se a uma conclusão: precisamos ser amados. Nesse sentido, ainda, se faz a colocação: “O amar em si, enquanto ansiar, carecer, rebaixa o amor-próprio, e ser amado, achar amor em troca, possuir o objeto amado, eleva-o novamente. Sendo a libido reprimida, o investimento amoroso é sentido como grave diminuição do Eu, a satisfação amorosa é impossível, o reenriquecimento do Eu torna-se possível apenas retirando a libido dos objetos. ” (págs. 32 e 33). Finalmente, nesse tema, Freud coloca três fontes de amor próprio: “Uma parte do amor-próprio é primária, resto do narcisismo infantil; outra parte se origina da onipotência confirmada pela experiência (do cumprimento do ideal do Eu); uma terceira, da satisfação da libido objetal.” (pág. 33). Logo, as duas ultimas são a de mais interesse para a prática psicanalítica, uma vez que são aspectos que podem ser trabalhados na vida do sujeito, diferentemente dos restos de narcisismo infantil, que já estão dados, se referido a vida adulta. Posto isso, o autor coloca como é importante pensar no Ideal do Eu quando pensamos em fenômenos sociais amplos, massificados. Ele diz que o Ideal do Eu nada mais é que uma construção social, além de individual, pois esse é compartilhado pela família, ou pela classe, ou por uma nação, etc. Dessa forma, ve-se o Ideal do Eu como aquilo que é preciso fazer para ser amado por seus semelhantes, portanto, esse ideal na verdade é um ideal compartilhado e sempre referencial, não se há Ideal do Eu se não houver um outro. Assim se tira uma grande contribuição, pois o narcisismo, apesar de se tratar desse amor voltado a si, é sempre construido pelo outro, sempre dependente de uma figura terceira que permita a sua formação e permite-nos a nos localizar na grupo social enquanto sujeitos.
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