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As diversas abordagens do real Márcio Tadeu Girotti Introdução Como podemos observar a realidade que nos cerca? A realidade é uma diversidade de fatos e fatores que dependem da interpretação e representação que o ser humano dela faz. O homem e a mulher que vivem em uma cultura onde a fé é marcante, inevitavelmente bus- carão em sua crença a justificativa de sua existência; mas não poderão buscar outras provas para o mesmo objetivo? Objetivos de aprendizagem Ao final desta aula, você será capaz de: • identificar as várias formas de abordar a realidade; • saber diferenciar a forma como se interpreta - a diferença de perspectiva na linguagem. Exemplo: o pôr do sol, o luar, um corpo que cai, descritos na linguagem de um físico e na linguagem do senso comum de um cidadão. 1 Como podemos observar a realidade A realidade que se coloca de diversas formas nos leva a crer que ela pode ser abordada e interpretada de diversas maneiras, conforme diz Aranha (1996, p. 104). São diversas as maneiras pelas quais o homem (sic) entra em contato com o mundo que o cerca, dependendo das circunstâncias e necessidades, bem como do tipo de cultura em que ele está inserido. Em geral, destacam-se as abordagens mítica, religiosa, artística, cien- tífica, filosófica e do senso comum. Para Aranha (1996), são seis modos de observar a realidade, sendo o mais simples o senso comum, nosso cotidiano privado, no qual observamos os fatos e os interpretamos da nossa maneira, sem nenhum critério de análise. Pela ciência vemos o mundo com dados técnicos, que nos fornecem provas dos fatos que envolvem toda a esfera da natureza e científica. Figura 1 – Observando o mundo Fonte: Ditty_about_summer/Shutterstock.com Há várias formas de interpretar o mundo. Dependendo da crença de cada um, a representa- ção do mundo se modifica. Conforme a orientação do ser humano, sua forma de ver o mundo se altera também, ou seja, o modo de ver o mundo pode ser adaptado para servir de horizonte para a interpretação. 2 Mito e religião A crença e a fé são elementos constitutivos do ser humano que podem se complementar ou se repelir a depender da maneira como este interpreta o mundo ou busca conhecer a si mesmo. A primeira questão é: mito e religião são a mesma coisa? A primeira diferença entre mito e religião está na multiplicidade ou individualidade dos deu- ses. Na mitologia existiam vários deuses. Em geral, existiam para apaziguar a aflição dos homens, que viviam em um mundo assustador (ARANHA, 1996). Já na religião há um único Deus que se mostra de diversas formas. Tanto no mito quanto na religião, o elemento base é a crença, acreditar nos deuses ou no Deus e confiar na forma de sua intervenção no mundo, com o poder da criação e manutenção da vida. Enquanto a crença é o elemento base para garantir a aceitação e a confiança no sobrenatural, é a Fé que distingue a religião do mito. Com ela acreditamos piamente no desconhecido e temos a esperança de continuar no caminho reto da religião, na confiança e segurança do Deus criador. Figura 2 – Religião em diversas crenças Fonte: Rashad Ashurov/Shutterstock.com O mito é figurativo em povos tribais, que utilizam a crença em deuses para cultivar sua vida. O deus sol, o deus terra, o deus da agricultura, entre outros, possibilitam a passagem de uma gera- ção a outra dos costumes e da crença no sobrenatural, na magia, alimentando a vida. A religião foi desvencilhando-se do mito, deixando de lado deuses momentâneos para se fiar em um Deus individualizado, pessoal, que, com vários nomes, é um único ser, humanizado pelos homens, como sua imagem e semelhança. O ser humano que interpreta o mundo de forma mítica ou religiosa buscará no sobrenatural a justificativa de sua existência, se aproximará de Deus pela fé, mas poderá procurar na filosofia uma prova racional da existência de Deus! FIQUE ATENTO! A principal diferença entre mito e a religião é a diversidade de deuses. Enquanto a mitologia apresenta deuses momentâneos, a religião acredita em um único Deus. SAIBA MAIS! Leia o artigo “Mitos e verdades em ciência e religião: uma perspectiva histórica” e procure relacionar as afirmações acerca do mito com as verdades da ciência e as contraprovas da religião, no eterno embate entre o místico e o real. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rpc/v36n6/v36n6a07.pdf>. 3 Senso comum, ciência e linguagens O ser humano já nasce em uma sociedade. Seus primeiros conhecimentos são herdados, transmitidos por alguém, pois somente quando amadurece pode julgar aquilo que observa e aquilo que lhe é transmitido como verdade. Estamos aqui falando do senso comum. O saber do senso comum não é comprovado, é fragmentário, é hereditário, assistemático. Acre- ditamos nele por confiar na fonte que nos transmitiu conhecimento, que varia de cultura para cultura. É um saber empírico derivado da experiência cotidiana, ingênuo, sem rigor. Vemos os fatos como eles ocorrem, acreditamos nessa verdade sem buscar as provas concretas para sua ocorrência. EXEMPLO Comer manga e tomar leite ao mesmo tempo não faz bem. Quem nunca ouviu falar disso? É um saber do senso comum, mostra uma crença não comprovada. Isso é uma anedota antiga: para que o escravo não bebesse o leite produzido pelo gado, era permitido a eles comer manga do pomar. Isso foi passado de geração em gera- ção até a prova concreta dada cientificamente. Enquanto o saber do senso comum não é comprovado, a ciência busca provas concretas para explicar a realidade, distinguindo-se do saber popular. A ciência possui saber sistemático e rigoroso, com teste e experimentos que levam à comprovação dos fatos e de tudo que ocorre na natureza, ela se preocupa com as regularidades existentes nos fatos, o que leva à generalização deles para atingir uma regularidade perante uma lei, que garante o conhecimento comprovado. EXEMPLO Ao atirar uma pedra no vidro, presumimos que ele irá quebrar. E se não quebrar? Arremessamos a pedra com mais força. A ciência explica esse fato considerando a força do arremesso, a distância do atirador, a composição do vidro e o peso da pedra. O que muda aqui é a forma como se observa a realidade. A forma de ver o mundo está relacionada às várias linguagens que se apresentam ao ser humano, pela história, pela física, química, ou, em especial, pela cultura onde ele está inserido. A depender da forma que o indivíduo representa o mundo, haverá uma linguagem. Se ele acredita na história, sua percepção de mundo sempre irá considerar um passado e irá projetar um futuro; se ele acredita na transformação das coisas da natureza, que cria uma história de evolução, ele acredita nas provas do universo físico. Assim, o senso comum e a ciência se entrelaçam em vias de linguagem, a forma como o ser humano irá interpretar o mundo. 4 Arte e cultura. Cultura (senso comum), ciências Físicas, História Natural e tecnologia (linguagem científica) Culturalmente, o ser humano é inserido em uma sociedade e irá herdar dela os primeiros conhecimentos e formas de observar a realidade, analisando o comportamento do outro e apro- veitando-se da sua experiência para interpretar o mundo. O artista, por exemplo, enxerga o mundo por sua expressão e emoção, com um olhar abs- trato, que pode influenciar o outro a analisar o mundo com os olhos do artista. Isso pode variar culturalmente, pois a visão de mundo em uma metrópole é diferente da visão de mundo do campo, mas pode um artista da cidade pintar o campo e vice-versa. Muitas vezes sem nunca ter pisado nesse ambiente, sendo algo desconhecido para ele. Tomando a cultura como instrumento, obtendo conhecimentos transmitidos, porém, o artista representa o mundo da sua forma e ela pode influen- ciar outros pensamentos. Figura 3 – Arte como expressão do mundo Fonte: Anton Evmeshkin/Shutterstock.com A física nos transmite um saber concreto e comprovado que permite entender a causa e o efeito dos acontecimentos, nos levando a saberes mais complexos que permitemo desenvolvi- mento de novos estudos e a construção de conhecimentos e ferramentas para interpretar o mundo. Atualmente, a ciência e a tecnologia evoluem em largos passos mostrando ao ser humano que tudo é possível, desde que se acredite no impossível. A invenção da máquina e a evolução da comunicação caminham com o próprio desenvolvimento da humanidade. As distâncias encurta- das pela tecnologia permitem enxergar um mundo sem barreiras, proporcionando ao ser humano novas maneiras de observar a realidade, usando a tecnologia como instrumento. FIQUE ATENTO! A arte como expressão do artista representa a visão de mundo que ele possui. Bas- ta que você interprete essa arte por seu próprio ponto de vista e a utilize para ver o mundo com seus próprios olhos. 5 Ciência e filosofia A filosofia e a ciência caminharam juntas até o século XVII, quando se separaram, abrindo espaço para as ciências particulares, como física, astronomia, biologia, psicologia etc. Mesmo com essa separação, o objeto de estudo de ambas permaneceu, mas a forma de investigação tor- nou-se diferenciada. Por um lado, um saber especializado, a ciência. Por outro, um saber rigoroso que busca a totalidade e a causa última de todas as coisas, a filosofia. A ciência é um saber comprovado, rigoroso e sistemático, mas é fragmentário em sua espe- cialização: a biologia estuda a vida, a antropologia estuda o ser humano, a física estuda a natureza. A filosofia estuda tudo isso e vai até a última consequência, sendo também um saber rigoroso e sistemático, como a ciência, mas nem sempre comprovado. A visão de mundo do cientista é a experimentação como prova da realidade, ao passo que a visão do filósofo sobre a mesma realidade é entender como essa realidade é real, qual o funda- mento dessa realidade. Figura 4 – O ser humano, a ciência e a filosofia Fonte: life_in_a_pixel/Shutterstock.com Essas duas maneiras de abordar a realidade consideram o mundo como um todo, com infi- nitas possibilidades. Quem se aproxima dessa forma de observar o mundo estará sempre sobre um alicerce bem fundamentado, podendo especializar o seu saber ou procurar a causa última de todas as coisas. FIQUE ATENTO! A filosofia se diferencia da ciência por ser um conhecimento que visa a totalidade, enquanto a ciência se especializa em um objeto de estudo. SAIBA MAIS! No artigo “Observações sobre as relações entre a ciência e a filosofia”, o autor procura mostrar as aproximações e distanciamentos acerca dos objetos de estudo da ciência e filosofia. Veja o link: <http://www.unicamp.br/~chibeni/textosdidaticos/ cienciaefilosofia.pdf>. Fechamento Nesta aula, você teve a oportunidade de: • conhecer as diversas abordagens do real; • diferenciar as várias formas de enxergar o mundo; • conhecer as linguagens de interpretação de mundo. Referências ARANHA, M. L. de A. Filosofia da educação. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1996. _______; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2003. CHIBENI, Silvio Seno. Observações sobre as relações entre a ciência e a filosofia. In: SEMANA DA FÍSICA, I., Instituto de Física Gleb Wataghin, Campinas, 2001. Disponível em: <http://www.unicamp. br/~chibeni/textosdidaticos/cienciaefilosofia.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2017. NUMBERS, Ronald L. Mitos e verdades em ciência e religião: uma perspectiva histórica. Rev Psiq Clín, v. 36, n. 6, p. 246-251, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rpc/v36n6/v36n6a07. pdf>. Acesso em: 13 jan. 2017.
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