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Direito Sucessório do Filho Concebido por Inseminação Artificial Homóloga Post Mortem Inheritance Rights of the Child Conceived by Artificial Insemination Homóloga Post Mortem Elis Regina Lopes de Souza 12 Resumo O presente artigo tem como objetivo analisar se o filho concebido por inseminação artificial após a morte do pai tem direito sucessório. Na atualidade, não há legislação vigente que legalize o procedimento post mortem, como também não há decisão pacificada acerca dos direitos sucessórios do menor. Atualmente, há posições doutrinárias e entendimentos jurisprudenciais variados a respeito do tema, para resolver a problemática é necessário analisar o Código Civil, correntes doutrinárias e jurisprudência. Palavras-Chave: Inseminação artificial, sucessão, homóloga. Abstract This article aims to analyze whether the child conceived by artificial insemination after the father's death has inheritance rights. Currently, there is no legislation in force that legalizes the post mortem procedure, as well as there is no peaceful decision regarding the succession rights of the minor. We currently have varied doctrinal positions and jurisprudence 2 Trabalho realizado para conclusão de bacharel em Direito pela Universidade Unisociesc sob orientação do Professor João De Mattia Neto. 1 Graduanda em Direito pela Unisociesc. E-mail: elisreginalopes16@gmail.com 1 mailto:elisreginalopes16@gmail.com understanding on the subject to solve the problem, it is necessary to analyze the Civil Code, doctrinal currents and jurisprudence. Key words: Artificial insemination, succession, homologous. 1. Introdução Com o avanço da tecnologia é possível a técnica de inseminação artificial, uma técnica de reprodução assistida no qual é implementado o sêmen criopreservado do falecido marido na mulher e, com isso, surgem inúmeras dúvidas acerca dos direitos sucessórios da criança gerada. Atualmente, não há legislação a respeito do tema e a Lei de biossegurança Federal nº 11.105, de 24 de março de 2005 (Brasil, 2005) não trouxe norma específica para3 o caso de reprodução assistida post mortem. Assim, na prática ocorre interpretação pelo teor do Código Civil, doutrinas e entendimentos jurisprudenciais para decidirem quanto ao tema. Na atualidade, há o entendimento dominante de que é necessário o de cujus expor a sua manifestação de vontade de forma prévia ou autorizar expressamente de forma escrita que a esposa possa realizar por meio de inseminação artificial a implantação do sêmen crioperservado. Será mencionado no decorrer do trabalho entendimentos doutrinários, como também a Resolução 2.294/21 do Conselho Federal de Medicina , Provimento nº 63 de4 14/11/2017 do Conselho Nacional de Justiça e o Enunciado 106 da I Jornada de Direito Civil quanto a manifestação do de cujus. Após autorizar a inseminação artificial e realizada a fecundação, é necessário averiguar se a criança terá direitos sucessórios. Surge então a discussão no que diz respeito ao tema. 4 BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.294, de 27 de maio de 2021. Diário Oficial da União, Brasília, DF, maio de 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-cfm-n-2.294-de-27-de-maio-de-2021-325671317. Acesso em: 07 de nov. de 2021. 3 BRASIL. LEI Nº 11.105, de 24 de março de 2005. Lei de Biossegurança. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança [...]. Brasília, DF, mar. 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11105.htm. Acesso em: 07 nov. 2021. 2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11105.htm Será mencionado em relação aos entendimentos doutrinários conforme a Sucessão Legítima e Sucessão Testamentária. Um dos entendimentos é dos juristas Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho , onde deve ser realizada a implantação no útero5 materno dentro do prazo de dois anos da abertura da sucessão. Decorrido esse prazo, não deixará de ser considerado filho do de cujus, mas não terá direito sucessório. Há outros doutrinadores que rejeitam a vocação hereditária decorrente da inseminação post mortem, o qual será mencionado no decorrer do trabalho. Por último, a fim de corroborar com a hipótese de autorização prévia do falecido, realizou-se análise do recém julgado do Superior Tribunal de Justiça sendo o Resp nº 1918421/SP (2021/0024251-6) acerca da autorização do procedimento post mortem diante6 da falta de manifestação prévia do de cujus. A discussão realizada no julgado é em torno da ausência de manifestação prévia e especifíca do falecido em permitir o procedimento após a sua morte, o julgado no STJ é o único até o momento acerca do tema post mortem. É necessário analisar a presente decisão e verificar se seguem os entendimentos doutrinários dominante, como também se consentem com a norma ética da Resolução nº 2.294/21 do Conselho Federal de Medicina. É fundamental discutir o tema, pois o direito deve acompanhar os fatos sociais, vez que envolve o planejamento familiar o qual é direito fundamental assegurado a todo cidadão, conforme art. 226, §7 e a igualdade entre os filhos no art. 227, §6° ambos da CF/88, sendo assim necessário garantir a segurança da organização social para que a sociedade não venha enfrentar problemas de difícil solução ética, fatores sociológicos, religiosos e jurídicos envolvidos. 6 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Quarta Turma). Recurso Especial 1918421/SP (2021/0024251-6). Recurso Especial.(...) Reprodução Humana Assistida. Regulamentação. Atos normativos e administrativos. Prevalência da transparência e consentimento expresso acerca dos procedimentos. Embriões excedentários. Possibilidade de implantação, doação, descarte e pesquisa. Lei de Biossegurança. Reprodução assistida post mortem. Possibilidade. Autorização expressa e formal. Testamento ou documento análogo. Planejamento familiar. Autonomia e liberdade pessoal. Relator Ministro Marco Buzzi. Brasília, 8 jun. 2021. Diário de Justiça Eletrônico. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=133249320& num_registro=202100242516&data=20210826&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 07 nov. 2021. 5 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil - Direito das Sucessões. Vol. 7- 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. 3 2. Inseminação Artificial Homóloga A biomedicina evoluiu e, com o avanço, trouxe várias técnicas de reprodução medicamente assistida, vindo a produzir reflexos nas estruturas familiares e permitindo a possibilidade de mulheres que antes não conseguiam engravidar pelos métodos naturais, agora sendo possível por meio de concepção artificial. A técnica de reprodução assistida pode aparecer com várias expressões como “fecundação artificial”, “concepção artificial” e “inseminação artificial”. Essa técnica é utilizada como forma de auxiliar a reprodução humana, vindo a substituir a concepção natural do embrião, onde acontece quando há dificuldade ou a impossibilidade do casal em conseguir gerar um filho. A inseminação artificial pode dividir-se em dois tipos, onde Venosa aponta a7 diferença entre ambos. O primeiro tipo sendo homóloga, o qual é objeto do presente artigo, onde a inseminação na mulher é realizada com o material do próprio casal. O segundo tipo é heteróloga, em que o espermatozóide é proveniente de um estranho, de um terceiro fora da relação, que oferece o seu material para que possa realizar a inseminação, não limitando-se ao vínculo do parentesco. Essas técnicas de reprodução assistida tem o papel de auxiliar na resolução dos problemas de infertilidade humana, facilitando o processo de procriação quando outros procedimentos terapêuticos tenham sido ineficazes para a solução da situaçãoatual de infertilidade, elas devolvem ao casal o direito à descendência.8 Conforme Venosa, na inseminação homóloga é necessário ter um cônjuge: A inseminação homóloga pressupõe que a mulher seja casada ou mantenha união estável e que o sêmen provenha do marido ou companheiro. É utilizada em situações nas quais, apesar de ambos os cônjuges serem férteis, a fecundação não é possível por meio do ato sexual por várias etiologias (problemas endócrinos, impotência, vaginismo etc.)9 9VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil- Família e Sucessões- Vol. 5. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2021, p.240. 8 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.521. 7 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil- Família e Sucessões- Vol. 5. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2021. 4 Portanto, é quando o casal possui fertilidade, mas não conseguem realizar a fecundação por meio do ato sexual, sendo necessário realizar a inseminação artificial buscando a fecundação, que surge da união do espermatozóide e do óvulo.10 De acordo com Maria Helena Diniz , a inseminação artificial não fere princípios11 jurídicos, apesar de que possa provocar alguns problemas éticos-jurídicos, ainda que possua o filho os componentes genéticos do marido e da mulher. Verificou-se, portanto, que a inseminação artificial homóloga é o material genético do próprio casal. Agora, é necessário adentrar-se sobre os entendimentos doutrinários, diante do caso quando o de cujus não deixa manifestado sua vontade para a viúva em realizar o procedimento após a sua morte e não dispõe dos direitos do embrião. 3. Manifestação prévia do de cujus Na atualidade, há o entendimento pacífico de que é necessário o de cujus expor a sua manifestação de vontade de forma prévia, ou autorizar expressamente de forma escrita de que a esposa possa realizar por meio de inseminação artificial a implantação do sêmen criopreservado. Na legislação há somente duas normas no que concerne ao tema, sendo a primeira a Resolução 2.294/2021 do Conselho Federal de Medicina no capítulo VIII o qual dispõe que12 “É permitida a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.” 12 BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.294, de 27 de maio de 2021. Diário Oficial da União, Brasília, DF, maio de 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-cfm-n-2.294-de-27-de-maio-de-2021-325671317. Acesso em: 07 de nov. de 2021. 11 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.525. 10MADALENO, Rolf. Direito de Família – 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.947. 5 A segunda norma é o Provimento Nº 63 de 14/11/2017 do Conselho Nacional de Justiça no art. 17,§2º que expõe:13 Art. 17. Será indispensável, para fins de registro e de emissão da certidão de nascimento, a apresentação dos seguintes documentos: (...) § 2º Nas hipóteses de reprodução assistida post mortem, além dos documentos elencados nos incisos do caput deste artigo, conforme o caso, deverá ser apresentado termo de autorização prévia específica do falecido ou falecida para uso do material biológico preservado, lavrado por instrumento público ou particular com firma reconhecida. (Grifo nosso) Também há o enunciado 106 da I Jornada de Direito Civil :14 Para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatória, ainda, a autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte. (Grifo nosso) Ambas as normas e o enunciado acima, possuem o mesmo entendimento no que concerne a permissão da reprodução assistida post mortem pelo de cujus, no qual o mesmo tem que deixar uma autorização prévia específica para o uso do material biológico após a sua morte. Entende-se, assim, que há essa exigência de manifestação do falecido para o procedimento de inseminação artificial post mortem. Apenas a manifestação da viúva não é suficiente para requerer que a clínica realize o procedimento. Assim, diante da ausência de manifestação específica do falecido, é negado o direito de realizar a implantação do sêmen criopreservado. Verifica-se que é claramente respeitado o princípio da autonomia da vontade do falecido em permitir, ou não, a utilização do material. Frisa-se que não é levado em consideração somente a vontade da viúva, é considerado a autonomia de vontade de cada um, eis que o filho é do casal. 14 JORNADAS DE DIREITO CIVIL I, III, IV e V: enunciados aprovados / coordenador científico Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior. – Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/jornad as-cej/EnunciadosAprovados-Jornadas-1345.pdf. Acesso em: 07 nov. 2021. 13 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Provimento nº 63, de 14 de novembro de 2017. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2525. Acesso em: 07 nov. 2021. 6 https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2525 Há entendimentos doutrinários pacificados quanto ao tema. O professor Sílvio de Salvo Venosa entende ser essencial que o falecido expresse a sua vontade por meio de um15 documento autêntico, podendo ser por testamento ou outro meio, autorizando a mulher a utilizar material conservado para depois de sua morte. Ainda para o mesmo, com amparo no art. 1.597, inciso III do CC, além de apresentar a autorização do de cujus para utilizar o material, seria necessário a genitora estar na condição de viúva. Observa-se que Venosa consente com o enunciado 106 da I Jornada de Direito Civil mencionado anteriormente. Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona entendem que deve haver o desejo de ambos os16 cônjuges, sendo necessário a manifestação prévia do de cujus, pois na falta de manifestação de um deles se caracteriza desejo unilateral do casal, o qual foge a bilateralidade que caracteriza o autêntico projeto parental, não podendo provocar efeitos em relação a quem não se manifestou, ao tempo da inseminação artificial. Percebe-se que, para Stolze e Pamplona, a autonomia de vontade de ambos é primordial para permitir o procedimento. À realização da inseminação precede a regular emissão de vontade de ambos os cônjuges e companheiros. Formam eles, entretanto, uma única parte, em relação à qual cada uma das declarações singulares de vontade não tem autonomia para gerar a filiação relativamente ao outro e, somente assume relevância jurídica, quando unidas as duas em uma manifestação única. 17 Para Maria Helena Diniz a coleta do material e a sua utilização dependerá da18 anuência expressa do casal, ligados pelo matrimônio ou a união estável, uma vez que têm o sêmen e o óvulo retirados de seu corpo, logo, deverão estar vivos por ocasião da inseminação, manifestando a sua vontade, após prévio esclarecimento do processo a que se submeterão, conscientes da responsabilidade assumida pela criação e educação do filho. 18 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008 17 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil - Direito das Sucessões. Vol. 7- 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p.49. 16 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil - Direito das Sucessões. Vol. 7- 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p.49. 15 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil- Família e Sucessões- Vol. 5. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2021, p.239. 7 Observa-se, nesse ponto, que Diniz coaduna com a Constituição Federal em seu art. 229 , que expressa a responsabilidade legal de ambos na criação e educação do filho, sendo19 essencial para a preparação do filho na convivência em sociedade. Maria Berenice Dias, acredita que, na fecundação artificialhomóloga, não há necessidade de autorização do marido ou do companheiro, pois o filho gerado é dele, e assim assume todos os encargos decorrentes do poder familiar, vindo a presumir a filiação. A exigência do Conselho Federal de Medicina da autorização prévia e específica do marido autorizando a reprodução após sua morte não tem mais força do que a lei civil. Trata-se de norma de natureza ética que rege a atividade de uma determinada classe profissional. Não pode se sobrepor ao princípio da autonomia da vontade.20 Há entendimento divergente conforme o da Maria Berenice explanado sendo presumido a filiação sem necessidade de o companheiro permitir o procedimento, eis que o filho é dele, e não pode sobrepor portanto a autonomia da vontade da viúva. Como há também os entendimentos de Maria Helena Diniz, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona e Venosa que seguem a norma ética do Conselho Federal de Medicina (Resolução 2.294/21) em que21 é necessária a manifestação prévia do de cujus em permitir o procedimento após a sua morte. Conclui-se, portanto, que atualmente esse é o entendimento dominante, como também entende-se ser o mais adequado conforme a autonomia das partes, e o mais adotado pelos juristas. Após a autorização para a utilização do sêmen e realizada a concepção, surgem dúvidas sobre a capacidade sucessória do embrião na concepção post mortem, sendo assim necessário analisar o Código Civil e correntes doutrinárias, o que será analisado no próximo tópico. 21 BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.294, de 27 de maio de 2021. Diário Oficial da União, Brasília, DF, maio de 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-cfm-n-2.294-de-27-de-maio-de-2021-325671317. Acesso em: 07 de nov. de 2021. 20 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14. ed. Salvador: JusPodivm, 2021, p.223. 19 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 07 nov. 2021. 8 4. Espécies de sucessão Para analisar se o embrião terá direitos sucessórios, é necessário analisar o Código Civil, o qual traz o art. 1.829 que determina a ordem pela qual os herdeiros legítimos são chamados a suceder, onde expressa a ordem de Vocação Hereditária. A Sucessão Legítima traz no art. 1.798 do CC quem são os legitimados a suceder, sendo as pessoas nascidas ou22 já concebidas no momento da abertura da sucessão. O referido dispositivo reconhece legitimidade sucessória para o nascituro (art. 2, CC) e aos já nascidos, segundo Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona: Em síntese, o art. 1.798 do Código Civil contém uma regra material para a sucessão hereditária em geral, que legitima as pessoas nascidas ou os nascituros (aqueles seres humanos já concebidos, embora não nascidos), ao tempo da morte do autor da herança, para receber parte ou todo o patrimônio deixado pelo falecido.23 Surge então a dúvida no tocante a legitimidade sucessória da criança, vez que nasce após a morte do de cujus, em regra conforme o referido artigo e conforme o entendimento de Venosa não terá direitos sucessórios, “Nas inseminações após a morte, o Código não tocou diretamente no direito hereditário dos seres assim gerados, pois para a sucessão continuam sendo herdeiros apenas aqueles vivos ou concebidos quando da morte” .24 Há o Enunciado nº 267 do CJF/STJ, da III Jornada de Direito Civil , que compreende25 que o artigo ora mencionado do Código Civil, devem estender aos embriões havidos de técnica de reprodução assistida: 267 – Art. 1.798: A regra do art. 1.798 do Código Civil deve ser estendida aos embriões formados mediante o uso de técnicas de reprodução assistida, abrangendo, assim, a vocação hereditária da pessoa humana a nascer cujos efeitos patrimoniais se submetem às regras previstas para a petição da herança. 25 JORNADAS DE DIREITO CIVIL I, III, IV e V: enunciados aprovados / coordenador científico Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior. – Brasília: Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, 2012. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/jornad as-cej/EnunciadosAprovados-Jornadas-1345.pdf. Acesso em: 07 nov. 2021. 24 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil- Família e Sucessões- Vol. 5. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2021, p.239. 23 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil - Direito das Sucessões. Vol. 7- 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p.46. 22 BRASIL. LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Institui o Código Civil, Brasília, DF, jan 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm#indice. Acesso em: 07 nov. 2021. 9 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm#indice No art. 1.597 do Código Civil disciplina no que concerne a presunção da filiação dos filhos concebidos na constância do casamento, também conhecido como fecundação póstuma, o qual assegura aos filhos havidos por fecundação artificial homóloga a presunção de paternidade e de maternidade. Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: (...) III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. (Grifo nosso) A gravidez de mulher casada decorrente de inseminação artificial leva à suposição de que o marido é o cedente do espermatozóide, pois gera a presunção de paternidade (CC 1.597). Mesmo depois do falecimento do cônjuge, persiste a presunção de paternidade, quando são usados embriões excedentários (CC 1.597 IV).26 Portanto, através da fecundação artificial homóloga e de embriões excedentários, é possível garantir os direitos da criança, pois há presunção de paternidade, aplicável o direito de absoluta igualdade entre os filhos, proibindo qualquer distinção ou discriminação, como também o planejamento familiar art. 226, § 7º e o art. 227, § 6° ambos da CF/88. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. (Grifo nosso) Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (...) § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (Grifo nosso.) 26 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14. ed. Salvador: JusPodivm, 2021, p.669. 10 Rolf tem o mesmo entendimento que “persiste a presunção de paternidade na fecundação artificial homóloga de esposo já falecido, conquanto fique provado pela entidade encarregada do armazenamento de haver sido utilizado o gameta do marido já morto.”27 Na sucessão legítima, são iguais os direitos sucessórios dos filhos, e o Código Civil de tratar os filhos resultantes de fecundação artificial homóloga, posterior ao falecimento do pai, como tendo sido “concebidos na constância do casamento”, não se justifica a exclusão de seus direitos sucessórios. Entendimento contrário conduziria à aceitação da existência,em nosso direito, de filho que não tem direitos sucessórios, em situação incompatível com o proclamado no mencionado art. 227, § 6o, da CF.28 Cabe lembrar que a legislação não proíbe a inseminação post mortem e a Constituição consagra a igualdade entre os filhos. Não se pode, portanto, admitir que a legislação infraconstitucional restrinja o direito do filho assim concebido.29 Os embriões excedentários, ou conhecidos como fecundação póstuma havidos por técnica de reprodução assistida, podem também ser beneficiados por meio de sucessão testamentária, desde que o falecido tenha deixado expresso sua última disposição de vontade acerca do direito sucessório do embrião. É notório que o art. 1.799, inciso I do CC dispõe acerca de herança ou legado deixado para filhos de terceiro no testamento, no entanto, é realizado analogia no referido artigo para beneficiar o filho legítimo. Segundo o inciso I mencionado, o indicado pelo testador, o que no presente caso será o próprio filho, somente terá direito sucessório se estiver vivo até o momento da abertura da sucessão e, em concordância com o art. 1.800, §4º do CC, deverá nascer dentro do prazo de dois anos da abertura da sucessão. Caso não nasça no prazo previsto, o nascido não tem direito de receber a herança deixada pelo de cujus e caberá os bens aos herdeiros legítimos. 29 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14. ed. Salvador: JusPodivm, 2021, p.225. 28 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil - Direito das Sucessões: Coleção sinopses jurídicas- Vol. 4. 21. ed. São Paulo : Saraiva Educação, 2020, p.22. 27 MADALENO, Rolf. Direito de Família – 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.951. 11 Vejamos o entendimento de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona :30 Se a concepção e a implantação se derem dentro do prazo de dois anos, o ente assim formado será considerado filho e herdeiro do autor da herança. Por outro lado, se a concepção ocorrer após o prazo de dois anos, indiscutivelmente a criança será considerada “filha do falecido” (que autorizou previamente a fecundação), mas não poderá ser considerada “herdeira”, pois a concepção se deu fora do biênio. Diverge do assunto o doutrinador Silvio de Salvo Venosa (2021), o qual acredita com amparo no art. 1.798 do Código Civil que os filhos concebidos, post mortem, sob qualquer técnica, não serão herdeiros. Tartuce (2021) tem o mesmo entendimento de que filhos concebidos após a abertura da sucessão inexistem direitos sucessórios. O doutrinador Rolf Madaleno acredita que na sucessão legítima não é possível garantir os direitos da criança: (...) na sucessão legítima a criança nascida da inseminação artificial post mortem não tem capacidade sucessória passiva, porque teria de estar viva ou ter sido concebida na data da abertura da sucessão, pela exigência legal da coexistência temporal da morte do sucedido com a concepção ou nascimento com vida do herdeiro.31 Por meio da sucessão legítima a criança não possui legitimidade para adquirir os direitos sucessórios, no entanto, na disposição testamentária há possibilidade de adquirir se o de cujus assim dispor do direito do embrião. Ao contrário, na sucessão testamentária não há exigência dessa coincidência entre a morte e a concepção ou o nascimento com vida, porque o de cujus pode indicar, por testamento, herdeiro ou legatário, filhos ainda não concebidos ao tempo de sua morte (CC, art. 1.800, § 4°).32 A professora Maria Helena Diniz segue o mesmo entendimento de que o filho póstumo não possui capacidade sucessória: “Filho” póstumo não possui legitimação para suceder, visto que foi concebido após o óbito de seu “pai” genético, e por isso é afastado da sucessão legítima ou ab intestato. Poderia ser herdeiro por via testamentária, se inequívoca a vontade do doador do sêmen de transmitir herança ao filho ainda não concebido, manifestada em testamento. 32 MADALENO, Rolf. Direito de Família – 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.954. 31 MADALENO, Rolf. Direito de Família – 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.954. 30GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil - Direito das Sucessões. Vol. 7- 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p.49. 12 Abrir-se-ia a sucessão à prole eventual do próprio testador, advinda de inseminação artificial homóloga post mortem (LICC, arts. 4.º e 5.º).33 Acredita-se que o filho póstumo é afastado da sucessão legítima, portanto, terá direitos sucessórios exclusivamente por via testamentária, assim como o entendimento de Venosa. O atual código abre uma válvula restrita para essa hipótese, permitindo que unicamente na sucessão testamentária possam ser chamados a suceder o filho esperado de pessoa indicada, mas não concebido, aguardando-se até dois anos sua concepção e nascimento após a abertura da sucessão, com a reserva de bens da herança (arts. 1.799, I, e 1.800).34 Conforme o art. 1.800, §4º do Código Civil, Tartuce discorre a respeito do filho póstumo: A norma estabelece uma condição para que a prole eventual suceda, limitando no tempo o seu direito sucessório, por meio de prazo decadencial. Para a prole eventual, concordo com a plena incidência do preceito, que dá mais estabilidade ao Direito Sucessório.”35 O referido dispositivo do código civil para Rolf Madaleno é considerado36 inconstitucional, pois fere o princípio da igualdade dos filhos, preconizado pela Constituição Federal, porque diferencia visivelmente os filhos da reprodução humana natural daqueles da reprodução humana artificial post mortem. A Resolução CFM n. 2.294/21 no item VIII37 admite e não considera ilícita a reprodução assistida post mortem, desde que haja autorização prévia específica do falecido para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente. Maria Berenice Dias ressalta que os filhos não reconhecidos pela sucessão legítima poderão ter assegurado o direito na sucessão testamentária, ressaltando o prazo decadencial de dois anos. De qualquer sorte, há a possibilidade de o filho fruto de reprodução assistida, quer homóloga, quer heteróloga, mesmo não concebido, ser contemplado mediante 37 BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.294, de 27 de maio de 2021. Diário Oficial da União, Brasília, DF, maio de 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-cfm-n-2.294-de-27-de-maio-de-2021-325671317. Acesso em: 07 de nov. de 2021. 36 MADALENO, Rolf. Direito de Família – 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.954. 35 TARTUCE, Flávio. Direito Civil- Direito das Sucessões – Vol. 6. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p.98. 34 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil- Família e Sucessões- Vol. 5. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2021, p.242. 33 DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.527. 13 testamento (CC 1.799 1). Basta que nasça até dois anos após a abertura da sucessão (CC 1.800 $ 4.º).38 Enquanto não há legislação específica, Pablo e Rodolfo entendem que somente nos limites da sucessão testamentária o embrião terá direitos sucessórios, desde que nasça dentro do prazo de dois anos após a abertura da sucessão. Em nosso sentir, ao menos enquanto não houver uma regulamentação legal específica, que leve em conta os avanços da tecnologia, a segurança jurídica recomenda que, nos limites da Sucessão Testamentária, o embrião somente poderá figurar como beneficiário se a implantação no útero materno ocorrer dentro do prazo de dois anos, na linha do § 4.º do art. 1.800 do Código Civil. Após esse prazo, não deixará de ser considerado filho do falecido, mas não terá Direito Sucessório.39 A propósito desse entendimento, vejamos as palavras de Flávio Tartuce: Entendo que é perfeitamente possível beneficiar o embrião por testamento. Todavia, o embrião não está na mesma situação da prole eventual, pois deve ser tido como pessoa humana desde a concepção. Diante dessa realidade, seus direitos devem ser reconhecidos a partir desse momento, havendo a possibilidadede sua inclusão na sucessão por meio da petição de herança, conforme antes desenvolvido.40 Desse modo, observa-se que, para Tartuce, a criança pode ser beneficiada por meio do testamento, e caso não tenha disposição testamentária, poderá garantir os direitos por meio da petição de herança. Verifica-se que há entendimentos doutrinários variados que depende do momento que será analisado no caso concreto. Analisando antes da abertura da sucessão, o embrião terá direitos sucessórios, pois ainda não foi aberta a sucessão e não começou a correr o prazo decadencial de dois anos e, portanto, possui capacidade sucessória, concorrendo assim à sucessão legítima. Há também a possibilidade de a criança ser beneficiada pelo testamento e exclui a possibilidade de analisar o direito à legítima, vez que será beneficiado pela via testamentária, deste modo será análisado o direito após a abertura da sucessão, o qual nascido dentro do prazo de dois anos conforme o entendimento de alguns doutrinadores, a criança terá direitos sucessórios. 40 TARTUCE, Flávio. Direito Civil- Direito das Sucessões – Vol. 6. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p.99. 39 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil - Direito das Sucessões. Vol. 7- 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p.50. 38 DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 14. ed. Salvador: JusPodivm, 2021, p.225. 14 Assim, compreende-se que a criança gerada por inseminação artificial homóloga post mortem possui direito sucessório, respeitado o prazo decadencial de dois anos da abertura da sucessão. O tema é pouco discutido, o qual não se tem muitas jurisprudências. No Brasil, ainda não há decisão sobre a etapa em que a criança gerada post mortem vem requerer seus direitos sucessórios. Atualmente as discussões a respeito do assunto ainda estão na fase inicial, é movido o judiciário nos casos de ausência da manifestação prévia escrita pelo de cujus em permitir que a viúva realize o procedimento após a sua morte. O assunto ainda é novo e não tem, portanto, jurisprudências em relação ao tema principal sendo o direito sucessório da criança gerada após a morte do pai. 5. Análise jurisprudencial no que concerne a manifestação prévia do de cujus A fim de corroborar com o presente trabalho, realizou-se análise do recém julgado do Superior Tribunal de Justiça sendo o Resp nº 1918421/SP (2021/0024251-6) o qual somente41 possui um julgamento sobre a autorização de realizar o procedimento post mortem diante da falta de manifestação prévia do de cujus. Ressalta-se que, até o momento, não há outras jurisprudências no STJ no que se refere ao direito sucessório da criança gerada post mortem. Realizou-se pesquisa no site do STJ, utilizando as palavras-chave “Inseminação Artificial Homóloga Post Mortem”, “Inseminação artificial”, “embriões”, “reprodução assistida” e, não encontrou-se nenhum outro julgado acerca do tema post mortem. A pesquisa realizada resultou somente em um julgado acerca do tema, sendo o utilizado no presente trabalho o Resp nº 1918421/SP. Todos 41BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Quarta Turma). Recurso Especial 1918421/SP (2021/0024251-6). Recurso Especial. Inexistência de negativa de prestação jurisdicional. impossibilidade de análise de ofensa a atos normativos interna corporis. Reprodução Humana Assistida. Regulamentação. Atos normativos e administrativos. Prevalência da transparência e consentimento expresso acerca dos procedimentos. Embriões excedentários. Possibilidade de implantação, doação, descarte e pesquisa. Lei de Biossegurança. Reprodução assistida post mortem. Possibilidade. Autorização expressa e formal. Testamento ou documento análogo. Planejamento familiar. Autonomia e liberdade pessoal. Relator Ministro Marco Buzzi. Brasília, 8 jun. 2021. Diário de Justiça Eletrônico. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=133249320& num_registro=202100242516&data=20210826&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 07 nov. 2021. 15 os demais julgados versam sobre a exclusão de cobertura do plano de saúde em realizar o procedimento de inseminação artificial e, também, julgados acerca do procedimento de inseminação artificial por meio da fertilização in vitro ainda em vida, não sendo o objeto do presente trabalho. Portanto, resta justificado que no momento não há outro julgado acerca do tema. Abaixo, segue ementa do recurso especial e os principais pontos da decisão: RECURSO ESPECIAL. INEXISTÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE OFENSA A ATOS NORMATIVOS INTERNA CORPORIS. REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA. REGULAMENTAÇÃO. ATOS NORMATIVOS E ADMINISTRATIVOS. PREVALÊNCIA DA TRANSPARÊNCIA E CONSENTIMENTO EXPRESSO ACERCA DOS PROCEDIMENTOS. EMBRIÕES EXCEDENTÁRIOS. POSSIBILIDADE DE IMPLANTAÇÃO, DOAÇÃO, DESCARTE E PESQUISA. LEI DE BIOSSEGURANÇA. REPRODUÇÃO ASSISTIDA POST MORTEM. POSSIBILIDADE. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA E FORMAL. TESTAMENTO OU DOCUMENTO ANÁLOGO. PLANEJAMENTO FAMILIAR. AUTONOMIA E LIBERDADE PESSOAL. (...) 3. No que diz respeito à regulamentação de procedimentos e técnicas de reprodução assistida, o Brasil adota um sistema permissivo composto por atos normativos e administrativos que condicionam seu uso ao respeito a princípios éticos e constitucionais. Do acervo regulatório destaca-se a Resolução n. 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina, que impõe a prevalência da transparência, do conhecimento e do consentimento da equipe médica, doadores e receptores do material genético em todas as ações necessárias à concretização da reprodução assistida, desde a formação e coleta dos gametas e embriões, à sua criopreservação e seu destino. (...) 5. Especificamente quanto à reprodução assistida post mortem, a Resolução CFM n. 2.168/2017, prevê sua possibilidade, mas sob a condição inafastável da existência de autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, nos termos da legislação vigente. 6. Da mesma forma, o Provimento CNJ n. 63 (art. 17, § 2º) estabelece que, na reprodução assistida post mortem, além de outros documentos que especifica, deverá ser apresentado termo de autorização prévia específica do falecido ou falecida para uso do material biológico preservado, lavrado por instrumento público ou particular com firma reconhecida. (...) 11. O CC/2002 (art. 1.597) define como relativa a paternidade dos filhos de pessoas casadas entre si, e, nessa extensão, atribui tal condição à situação em que os filhos são gerados com a utilização de embriões excedentários, decorrentes de concepção homóloga, omitindo-se, contudo, quanto à 16 forma legalmente prevista para utilização do material genético post mortem. 12. A decisão de autorizar a utilização de embriões consiste em disposição post mortem, que, para além dos efeitos patrimoniais, sucessórios, relaciona-se intrinsecamente à personalidade e dignidade dos seres humanos envolvidos, genitor e os que seriam concebidos, atraindo, portanto, a imperativa obediência à forma expressa e incontestável, alcançada por meio do testamento ou instrumento que o valha em formalidade e garantia. 13. A declaração posta em contrato padrão de prestação de serviços de reprodução humana é instrumento absolutamente inadequado para legitimar a implantação post mortem de embriões excedentários, cuja autorização, expressa e específica, haverá de ser efetivada por testamento ou por documento análogo. 14. Recursos especiais providos. (STJ - REsp: 1918421 SP 2021/0024251-6, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 08/06/2021, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/08/2021). (Grifo nosso) Trata-se do Recurso Especial de n° 1918421 de São Paulo, tendo como relator o ministro Marco Buzzi, da Quarta Turma, como recorrente a L.Z.N. e F.Z (Filhos), e como recorridos S.B. DE S. - Hospital Sírio Libanês (H.S.L) e T.DA.C.R.Z (viúva), abordando sobre o pedido de tutela provisória objetivando revogar o efeito suspensivodo tribunal de origem, a fim de possibilitar a imediata implantação dos embriões no útero da recorrida, acórdão publicado em 26 de agosto de 2021, dando provimento ao referido recurso especial para restabelecer a sentença de piso e não autorizar a realizar o procedimento de implantação do material biológico do falecido (J.L.Z). No processo de origem, os filhos do falecido promoveram em caráter antecedente, tutela provisória de urgência de natureza antecipada convolada em procedimento ordinário em face da viúva e do hospital, alegando serem filhos adotivos de J.L.Z., falecido em 03/02/2017. O mesmo mantinha matrimônio sob o regime da separação absoluta e obrigatória de bens com a requerida T.DA.C.R.Z desde o ano de 23/09/2013. Após a abertura da sucessão, os filhos tomaram conhecimento da existência de testamento particular deixado pelo de cujus, onde dispôs da sua parte disponível para a esposa o importe de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), bem como deixado uma quantia em dinheiro para realizar a compra de um imóvel e o seu custeio de reforma e mobília. Os filhos afirmam que a viúva não apresentou interesse em receber a herança ou dar andamento no inventário, a mesma teria apresentado interesse financeiro desproporcional que superava a quantia que 17 lhe era atribuída. Informaram, ainda, que no ano de 2015 foram comunicados acerca da existência dos embriões sob a guarda do hospital, o qual advinha da fertilização in vitro realizada pelo casal. Por este fato, os autores (filhos), ajuizaram ação de exibição de documentos em face do hospital a fim de verificar a veracidade das informações, o qual restou comunicado que estariam concluindo os procedimentos necessários para realizar a implantação de dois embriões no útero da recorrida, tendo a mesma autorizado o procedimento. Os autores aduziram ilegalidade e a abusividade da ré (viúva) em utilizar o material genético, pois ausente documento que comprovasse a manifestação do de cujus de forma expressa e específica na realização do procedimento post mortem, requereram assim a concessão de tutela de urgência a fim de impedir a implantação do material biológico, o que restou concedido para os autores. Verifica-se aqui que os filhos seguem o entendimento de alguns doutrinadores, como também a Resolução do CFM, de haver uma manifestação prévia e específica do de cujus de permitir o procedimento após a sua morte. Portanto, a decisão de tutela de urgência concedida, coaduna com o entendimento dominante. Após a concessão da tutela para os filhos, a viúva contestou o feito, bem como requereu a revogação da tutela de urgência concedida. Na questão do mérito do recurso, sustentou haver expressa autorização do falecido para implantação dos embriões e a inexistência de norma legal que exigisse a autorização para a criopreservação dos embriões e a posterior implantação que fosse formalizada por instrumento público ou particular, a mesma não considera o entendimento acerca da norma ética do CFM. Ainda pontuou que o de cujus exerceu de forma livre e consciente o direito fundamental ao planejamento familiar disposto no art. 226, §7º da Constituição Federal, e acredita que os embriões concebidos quando ainda vivo o pai, ora de cujus, já são dotados de personalidade e capacidade sucessória, ou seja, os embriões teriam direitos sucessórios. Por fim, requereu a improcedência da ação para autorizar o procedimento. Sobreveio sentença de procedência e confirmou a tutela de urgência antecedente, proibindo, portanto, os requeridos (viúva e hospital) de realizar o procedimento. A viúva não 18 satisfeita apelou, o qual foi provido pelo juízo a quo. A viúva fundamentou os pedidos acerca da suficiência da manifestação de vontade pelo de cujus, além de que não há legislação que determine forma específica para a manifestação de vontade, menciona ainda o Provimento 63/2017 do CNJ e aduz que é um dispositivo infralegal e ajustável quanto a forma da manifestação de vontade, como no presente caso foi realizado por instrumento privado. Os filhos do falecido, inconformados com o provimento do recurso de apelação da viúva, interpuseram o Resp 1918421/SP no STJ. No acórdão, os ministros votaram em não concordar com os pontos alegados anteriormente, primeiramente que o reclamo em relação ao livre planejamento familiar não merece prosperar, pois não é o ponto debatido em questão, mas sim obstar o cumprimento de um específico contrato do casal com o hospital para realizar a implantação de dois embriões do falecido e que a decisão produzirá caso positiva, induvidosa consequência nas esferas de direitos, especialmente nos direitos sucessórios e patrimoniais. Mencionam que restou comprovado que o de cujus J. L. Z. possuía vontade de procriação, nutria o desejo, em vida, de ter filhos com T. da C. R. Z, e que o ponto da discussão é gerada em torno do consentimento do falecido em realizar o procedimento de inseminação artificial post mortem. No ponto três da ementa do referido acórdão , é mencionado que:42 No que diz respeito à regulamentação de procedimentos e técnicas de reprodução assistida, o Brasil adota um sistema permissivo composto por atos normativos e administrativos que condicionam seu uso ao respeito a princípios éticos e constitucionais. Do acervo regulatório destaca-se a Resolução n. 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina, que impõe a prevalência da transparência, do conhecimento e do consentimento da equipe médica, doadores e receptores do material genético em todas as ações necessárias à concretização da reprodução assistida, desde a 42 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Quarta Turma). Recurso Especial 1918421/SP (2021/0024251-6). Recurso Especial. Inexistência de negativa de prestação jurisdicional. impossibilidade de análise de ofensa a atos normativos interna corporis. Reprodução Humana Assistida. Regulamentação. Atos normativos e administrativos. Prevalência da transparência e consentimento expresso acerca dos procedimentos. Embriões excedentários. Possibilidade de implantação, doação, descarte e pesquisa. Lei de Biossegurança. Reprodução assistida post mortem. Possibilidade. Autorização expressa e formal. Testamento ou documento análogo. Planejamento familiar. Autonomia e liberdade pessoal. Relator Ministro Marco Buzzi. Brasília, 8 jun. 2021. Diário de Justiça Eletrônico. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=133249320& num_registro=202100242516&data=20210826&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 07 nov. 2021. 19 formação e coleta dos gametas e embriões, à sua criopreservação e seu destino. A Resolução nº 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina (CFM) mencionada na43 decisão foi revogada pela Resolução nº 2.294/2021 , o qual foi publicado pelo Conselho44 Federal de Medicina em 17 de junho de 2021 que disciplina novas normas éticas a serem adotadas nas técnicas de reprodução assistida em âmbito nacional. As principais alterações na resolução do CFM são acerca da limitação do número de embriões que podem ser gerados em laboratório e, também, a necessidade de aval judicial para descarte de embriões congelados, ainda que tenha a manifestação expressa dos pacientes. Acerca do assunto em questão de procedimento post mortem, a resolução não retirou e não incluiu novas disposições. É também mencionado pelos ministros acerca dos embriões excedentários, a Lei n. 11.105/2005 da Biossegurança , o qual dispõe algumas normas quanto ao procedimento de45 implantação no útero da gestante, que podem ser doados ou descartados, além de que podem utilizar para fins de pesquisa o material coletado desde que os genitores autorizem o uso para que sejam colhidas as células-tronco embrionárias por meio da fertilização in vitro. Quanto ao tema post mortem, é aludido na referida decisão que a Resolução do Conselho Federal de Medicina autoriza a reprodução assistida, desde que com a condição de o de cujus, o genitor, autorizar de forma escritapreviamente o uso do material biológico criopreservado. Dispõe e segue o mesmo entendimento do CFM o Provimento do Conselho Nacional de Justiça n. 63 art. 17, §2º , o qual deve ser apresentado termo de autorização46 46 Art. 17. Será indispensável, para fins de registro e de emissão da certidão de nascimento, a apresentação dos seguintes documentos: (...) § 2º Nas hipóteses de reprodução assistida post mortem, além dos documentos elencados nos incisos do caput deste artigo, conforme o caso, deverá ser apresentado termo de autorização 45 BRASIL. LEI Nº 11.105, de 24 de março de 2005. Lei de Biossegurança. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança [...]. Brasília, DF, mar. 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11105.htm. Acesso em: 07 de nov. de 2021. 44 BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.294, de 27 de maio de 2021. Diário Oficial da União, Brasília, DF, maio de 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-cfm-n-2.294-de-27-de-maio-de-2021-325671317. Acesso em: 07 de nov. de 2021. 43 BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.168, de 21 de setembro de 2017. Diário Oficial da União, Brasília, DF, setembro de 2017. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/19405123/do1-2017-11-10-resolu cao-n-2-168-de-21-de-setembro-de-2017-19405026. Acesso em: 07 de nov. de 2021. 20 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11105.htm prévia específica do falecido para que possa usar o material biológico preservado, devendo ser lavrado por instrumento público ou particular com firma reconhecida. É mencionado, também, o Enunciado n. 633 do CJF da VIII Jornada de Direito Civil47 que dispõe sobre a utilização da técnica de reprodução assistida post mortem e condicionada ao expresso consentimento pelo companheiro. ENUNCIADO 633 – Art. 1.597: É possível ao viúvo ou ao companheiro sobrevivente, o acesso à técnica de reprodução assistida póstuma – por meio da maternidade de substituição, desde que haja expresso consentimento manifestado em vida pela sua esposa ou companheira. (Grifo nosso) Citam o art. 1.597 do CC/2002 no ponto 11 da ementa, acerca da presunção relativa de paternidade dos filhos de casais condicionado ao uso de embriões excedentários, provenientes de concepção homóloga, o qual omite quanto à forma legal prevista para utilização do material genético após a morte. 11. O CC/2002 (art. 1.597) define como relativa a paternidade dos filhos de pessoas casadas entre si, e, nessa extensão, atribui tal condição à situação em que os filhos são gerados com a utilização de embriões excedentários, decorrentes de concepção homóloga, omitindo-se, contudo, quanto à forma legalmente prevista para utilização do material genético post mortem. Informam, ainda, no ponto 12 e 13 da ementa, que a respeito da decisão de conceder a utilização dos embriões consiste em disposição post mortem, o qual relaciona intrinsecamente a personalidade e dignidade das pessoas envolvidas, sendo o genitor e a criança a ser concebida, indo além dos efeitos patrimoniais e sucessórios, não restringindo somente a este. É imprescindível que o de cujus expresse de forma incontestável a vontade, sendo alcançada por meio do testamento ou instrumento que tenha validade formal e garantia. 12. A decisão de autorizar a utilização de embriões consiste em disposição post mortem, que, para além dos efeitos patrimoniais, sucessórios, relaciona-se intrinsecamente à personalidade e dignidade dos seres humanos envolvidos, genitor e os que seriam concebidos, atraindo, portanto, a imperativa obediência à forma expressa e incontestável, alcançada por meio do testamento ou instrumento que o valha em formalidade e garantia. 47Enunciado nº 633. VI Jornada de Direito Civil. Brasília, 2013. Disponível em: https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/1170 . Acesso em: 08 nov. 2021. prévia específica do falecido ou falecida para uso do material biológico preservado, lavrado por instrumento público ou particular com firma reconhecida. 21 https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/1170 13. A declaração posta em contrato padrão de prestação de serviços de reprodução humana é instrumento absolutamente inadequado para legitimar a implantação post mortem de embriões excedentários, cuja autorização, expressa e específica, haverá de ser efetivada por testamento ou por documento análogo. A mera disposição de vontade, sendo somente a declaração no contrato padrão de prestação de serviço do hospital, não é suficiente para comprovar a vontade do falecido em permitir o procedimento após a sua morte, vez que o contrato é um instrumento absolutamente inapropriado para validar a implantação post mortem dos embriões póstumos e, condicionada, portanto, a uma autorização expressa e específica no que concerne da destinação de utilização do material criopreservado, que deverá ser efetivada por testamento ou por documento similar. Por fim, acordaram em dar provimento ao Recurso Especial dos filhos do falecido e restabelecer, portanto, a sentença de piso e não autorizar a implantação do material biológico do falecido na viúva, vez que restou ausente manifestação específica do falecido em autorizar o procedimento após a sua morte e, a mera disposição de vontade por meio do contrato do hospital não tem validade formal para tanto. Acerca dos direitos sucessórios do embrião, não chegou a ser discutido, eis que os ministros negaram a implantação dos embriões para a concepção, e portanto, não chegou ao ponto da discussão acerca da capacidade sucessória. Verifica-se que a decisão analisou a forma de manifestação do falecido, o qual foi realizada por meio de um contrato padrão do hospital de permitir realizar o procedimento, sendo aquele documento genérico objetivo para fins de questionamento quanto ao destino dos embriões. É ressaltado que a vontade do de cujus em formar uma família não é discutida, mas sim, a disposição do mesmo em permitir o procedimento após a sua morte, o qual restou ausente no contrato. A despeito da discussão atinente à forma da autorização, é absolutamente incontroverso, pois constante da lei de regência, que a manifestação de vontade do cônjuge ou companheiro deve ser livre, prévia e expressa, ou seja, a declaração volitiva tem, necessariamente, de ser conclusiva, contundente, categórica e explícita, a fim de que seja conhecida de maneira imediata e sem titubeio a verdadeira intenção do indivíduo.48 48 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Quarta Turma). Recurso Especial 1918421/SP (2021/0024251-6). Recurso Especial. Inexistência de negativa de prestação jurisdicional. impossibilidade de análise de ofensa a atos normativos interna corporis. Reprodução Humana Assistida. Regulamentação. Atos normativos e 22 Desse modo, conforme os entendimentos doutrinários no que diz respeito a manifestação prévia apresentados aqui, verifica-se que atualmente os magistrados seguem o entendimento de Sílvio de Salvo Venosa, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona e Maria Helena Diniz, em conformismo com a norma ética do Conselho Federal de Medicina, o qual não é apenas autorizar o procedimento de utilização do material criopreservado, mas sim autorizar a realização do procedimento após a morte de um dos companheiros por meio de um documento específico, e ainda assim deve ser lavrado em cartório por meio de instrumento público ou outro documento autêntico. Em suma, é necessário analisar os entendimentos doutrinários atualmente que seja conforme as legislações vigentes para que não gere problemas de difícil solução. Observa-se que, a manifestação prévia do falecido à sua forma, é por meio de um documento válido, o qual é imprescindível para comprovação e, não apresentandoa sua manifestação de vontade, não será possível permitir o procedimento. 6. Considerações Finais Analisou-se no decorrer do trabalho os entendimentos doutrinários acerca do direito sucessório da criança gerada após a morte de seu pai, como também, constatou-se o julgado do STJ sobre a exigência da manifestação prévia do de cujus em permitir o procedimento post mortem. Verificou-se que a inseminação artificial homóloga é realizada com o material do próprio casal e utilizado nos casos em que os cônjuges não conseguem gerar uma família pelos métodos naturais, devido a várias etiologias. Considerou-se, também, os entendimentos doutrinários acerca da manifestação prévia do falecido em autorizar o procedimento. Os doutrinadores Sílvio de Salvo Venosa, Pablo Stolze, Rodolfo Pamplona e Maria Helena Diniz acreditam que o de cujus deve administrativos. Prevalência da transparência e consentimento expresso acerca dos procedimentos. Embriões excedentários. Possibilidade de implantação, doação, descarte e pesquisa. Lei de Biossegurança. Reprodução assistida post mortem. Possibilidade. Autorização expressa e formal. Testamento ou documento análogo. Planejamento familiar. Autonomia e liberdade pessoal. Relator Ministro Marco Buzzi. Brasília, 8 jun. 2021. Diário de Justiça Eletrônico. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=133249320& num_registro=202100242516&data=20210826&tipo=5&formato=PDF. Acesso em: 07 nov. 2021. 23 manifestar previamente a sua vontade por meio de documento autêntico autorizando o procedimento após a sua morte. Estes mesmos doutrinadores seguem o entendimento do CFM na resolução 2.294/21 e o Provimento nº 63 do CNJ, como também o Enunciado 10649 da I Jornada de Direito Civil. Já Maria Berenice Dias não segue o mesmo entendimento. Para ela, na fecundação homóloga, é presumida a filiação e, portanto, não há necessidade de autorização do cônjuge, eis que é seu filho e assim assume todos os encargos familiares. Conclui-se que, o entendimento predominante, assim como a única jurisprudência do STJ, é, portanto, imprescindível a prévia manifestação do falecido em autorizar a inseminação artificial após o seu falecimento. Já no tocante à discussão dos direitos da criança, é necessário frisar que ainda não há jurisprudência acerca do tema e não tem como confirmar se de fato a criança terá direito sucessório. O tema ainda é novo e demanda mais pesquisas no futuro, pois os entendimentos que temos atualmente ainda são divididos, e os que entendem que há direito, dependem também de outros requisitos, como por exemplo o prazo decadencial e a exigência prévia do falecido em permitir o procedimento. Analisou-se alguns dos entendimentos atuais que acreditam que a criança tem direito, como também há outros que acreditam que a criança não tem capacidade sucessória. Entende-se que cabe ao magistrado embasar a sua decisão conforme o seu convencimento de acordo com a legislação vigente e entendimento doutrinário se a criança terá ou não direito sucessório. Há entendimentos diversos sobre o tema, o qual deve ser analisado no caso concreto, primeiramente analisando se o embrião possui capacidade sucessória em fazer parte da legítima, e na negativa, verificar se há testamento deixado pelo falecido dispondo de direitos à criança. Entende-se que, a partir dos entendimentos doutrinários elencados no presente artigo, o direito sucessório da criança deve ser analisado no momento em que o mesmo é concebido ou nasce para assim adquirir direito. Portanto, se a criança é concebida ou nasce após o prazo decadencial de dois anos da abertura da sucessão, o mesmo não terá direito a 49 BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.294, de 27 de maio de 2021. Diário Oficial da União, Brasília, DF, maio de 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-cfm-n-2.294-de-27-de-maio-de-2021-325671317. Acesso em: 07 de nov. de 2021. 24 sucessão legítima. Assim, não terá direitos sucessórios conforme o art. 1.798 do CC acerca dos filhos póstumos. Se a concepção ou o nascimento se der dentro do biênio da abertura da sucessão com base no art. 1.800, §4º do CC, a criança será considerada herdeira do falecido. Caso a criança não tenha direito à sucessão legítima, ainda pode se beneficiar do testamento caso o falecido tenha deixado disposições a respeito do seu direito. Na falta deste, não terá direitos e pode ainda garantir os direitos por meio de petição de herança. Conclui-se, portanto, em toda a análise realizada, que pode sim garantir à criança o direito sucessório, podendo se valer pela sucessão legítima ou testamentária, o qual deve ser analisado ao caso concreto com base nesses entendimentos doutrinários, vez que até o momento, há lacuna na legislação quanto ao direito do embrião. Diante da falta de disposição legal, não é garantido de forma efetiva os direitos sucessórios do filho concebido por inseminação artificial homóloga post mortem, com isso, deixando inúmeros conflitos diante da ausência de norma expressa, sendo assim necessário discutir a temática. 25 7. Referências BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.168, de 21 de setembro de 2017. Diário Oficial da União, Brasília, DF, setembro de 2017. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/19405123/do1 -2017-11-10-resolucao-n-2-168-de-21-de-setembro-de-2017-19405026. Acesso em: 07 de nov. de 2021. BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 2.294, de 27 de maio de 2021. Diário Oficial da União, Brasília, DF, maio de 2021. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-cfm-n-2.294-de-27-de-maio-de-2021-32567 1317. Acesso em: 07 de nov. de 2021. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República.. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 07 nov. 2021. BRASIL. LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Institui o Código Civil, Brasília, DF, jan 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm#indice.Acesso em: 07 de nov. de 2021. BRASIL. 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