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Fundamentos Metodológicos do Ensino de Matemática Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª Me. Priscila Bernardo Martins Prof.ª Dr.ª Edda Curi Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro O Ensino dos Números Naturais e do Sistema de Numeração Decimal • O Ensino dos Números Naturais; • O Sistema de Numeração Decimal; • Anexo I. • Discutir as mudanças no ensino de Matemática em relação aos números naturais; • Refl etir, ainda, sobre concepções de ensino e aprendizagem dos números naturais e a contribuição de diferentes teorias e pesquisas sobre o tema, fazendo um paralelo de como se ensina esse tema e o que as teorias e as pesquisas atuais trazem de contribuições para avanços nas aprendizagens das crianças. OBJETIVOS DE APRENDIZADO O Ensino dos Números Naturais e do Sistema de Numeração Decimal Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam- bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE O Ensino dos Números Naturais e do Sistema de Numeração Decimal Contextualização Os avanços da Pedagogia e da Psicologia provocaram mudanças no foco do ensino dos Números Naturais. As investigações sobre a construção do conceito de número foram impulsionadas pela teoria de Piaget e também de sua colaboradora Kamii. No entanto, ao longo da década de 1990, as investigações sobre a constru- ção do conceito de número receberam novos olhares e novas contribuições. Uma delas é a de Michel Fayol. Outra importante contribuição é a das pesquisadoras argentinas Delia Lerner e Patrícia Sadovsky. A análise dos trabalhos dos diferentes autores revela pontos comuns, mas tam- bém evidencia que a ênfase dada por eles a um determinado aspecto do processo de construção do número é bastante peculiar. Nesta Unidade, apresentamos as posições de destaque que esses autores confe- rem ao processo de construção do conceito de número pelas crianças. 8 9 O Ensino dos Números Naturais Na década de 1980, educadores brasileiros entraram em contato com as ideias de Piaget sobre a construção do número. Esse autor defendia a importância de se trabalhar com atividades pré-numéricas (classificação, seriação e sequenciação) que, no seu entender, possibilitavam à criança construir o conceito de número. Des- sa forma, nas orientações curriculares da época, havia recomendações para que, em sala de aula, fossem desenvolvidas atividades de seriação, classificação e cor- respondência termo a termo. Essas orientações curriculares destacavam também o uso de materiais concretos nas aulas e apontavam a importância do trabalho com os denominados Blocos Lógicos em atividades que visavam ao desenvolvimento do raciocínio lógico. Piaget defendia a ideia de que a interação entre as estruturas mentais, já existen- tes na criança e o ambiente, por meio de uma ação, era responsável pela construção de conhecimentos. Ele afirmava que as seis etapas do desenvolvimento da criança ocorrem em uma sequência em que cada aquisição se apoia em conhecimentos anteriores e serve de apoio às aquisições posteriores. Segundo o autor, é por aná- lise e síntese que a criança constrói o novo, o que ele denomina de assimilação. Essas informações conflitam com as já existentes e aumentam quantitativamente, provocando um desequilíbrio. Após essa etapa, ocorrem realinhamentos e compre- ensões, denominadas pelo autor de acomodações que possibilitam mudanças na qualidade das aplicações, ou de novos esquemas. O autor afirma que, entre a assimilação e a acomodação, ocorre uma espiral crescente de negações de negação, em que assimilações provocam acomodações e comodações provocam assimilações. Piaget considera o número como uma síntese de dois tipos de relações (uma de ordem e outra hierárquica) que a criança elabora entre os objetos, por meio de abstração reflexiva. Kamii, seguidora de Piaget, também teve muita influência para educadores bra- sileiros. Ela considera que o uso de desenhos e a manipulação de objetos não facili- tam a aprendizagem de conceitos numéricos pela criança. Ela defende também que a construção do número se dá pela abstração reflexiva. Destaca a importância do papel do professor que deve proporcionar um ambiente de aprendizagem em que as crianças entrem em contato com números falados e escritos e façam relações entre objetos, em vez de focalizar apenas a quantificação. Para a autora, a estrutura lógico-matemática do número é construída pela criança e emerge a partir de ativi- dades que permitam o estabelecimento de relações. Ela conclui que o conceito de número é criado mentalmente pela criança e posiciona-se contra as cópias excessi- vas de listas de números, geralmente propostas para a criança. Que mudanças significativas com relação ao ensino você observa a partir da década de 1990? Que mudanças você observa em relação ao papel do professor e das crianças?Ex pl or 9 UNIDADE O Ensino dos Números Naturais e do Sistema de Numeração Decimal Pires (2012) afirma que os avanços em relação à construção do conhecimento pelas crianças, a partir da década de 1990, permitiram um novo foco para o ensino em que o papel do professor não é mais o de transmitir conhecimentos, mas sim de criar situações que possibilitem às crianças colocar em ação seus conhecimentos prévios, suas hipóteses, permitindo a construção de aprendizagens significativas so- bre conceitos e procedimentos matemáticos. Em função desse avanço, pesquisado- res, como Fayol (1996) e Lerner e Sadovsky (1996), discorrem sobre o ensino dos números e apresentam suas investigações sobre conhecimentos prévios e hipóteses das crianças a esse respeito. Fayol (1996) defende que a aquisição da sequência verbal depende dos diferen- tes estímulos do ambiente social e que é o componente linguístico que permite a denominação de número. Ele destaca que, mesmo sem compreender as funções do número, as crianças percebem, desde pequenas, a diversidade de situações em que o número é usado. Fayol afirma que a utilização da notação posicional causa dificuldades para a compreensão das crianças e cita como exemplo a passagem da enumeração e contagem para codificação e decodificação. Duas pesquisadoras argentinas, Lerner e Sadovsky (1996), fizeram uma grande pesquisa na década de 1990 sobre os númerose o Sistema de Numeração Deci- mal. As autoras revelam que as crianças constroem o conceito de número com base no desenvolvimento cognitivo, e também na interação com o ambiente social em que convivem. Elas afirmam que as crianças, a partir de experiências significa- tivas, constroem hipóteses em relação à escrita numérica antes mesmo de iniciar a escolaridade básica. Entre as hipóteses, destacam: a quantidade de algarismos de um número e a posição dos algarismos como critérios de comparação e a escrita baseada na fala. A quantidade de algarismos no número e a posição dos algarismos como critério de comparação Segundo Lerner e Sadovsky (1996), um dos argumentos usados pelas crianças é que, ao comparar números com a mesma quantidade de algarismos, a posição do algarismo revela o maior, ou seja, 31 é maior que 13 porque o 3 vem primeiro no 31. As crianças do primeiro ano que ainda não conhecem as dezenas, conseguem ver a magnitude do número, dizem que o 31 é maior do que o 25, porque o 3 de 31 é maior que o 2 do 25, justificando que “o primeiro é quem manda”. Em relação a números com magnitudes diferentes, a criança diz que entre 12345 e 98, o número 12345 é maior porque “é mais comprido” ou “tem mais números”. Assim, os dados sugerem que as crianças reconhecem a magnitude de um número pela quantidade de algarismos e, se eles têm a mesma quantidade de algarismos, comparam o primeiro algarismo de cada número. 10 11 Figura 1 Fonte: Getty Images A escrita baseada na fala Para Lerner e Sadovsky (1996), os conceitos elaborados pelas crianças a res- peito dos números são baseados na numeração falada e em seu conhecimento de escrita convencional dos “nós”. Para produzir os números cuja escrita convencional ainda não haviam ad- quirido, as crianças misturavam os símbolos que conheciam colocando- -os de maneira tal, que se correspondiam com a ordenação dos termos na numeração falada . (LERNER e SADOVSKY, 1996, p.92) Sendo assim, ao fazerem comparações de sua escrita, o fazem como resultado de uma correspondência com a numeração falada, e por ser esta não posicional. As autoras destacam que, na numeração falada, a justaposição de palavras supõe sempre uma operação aritmética de adição ou de multiplicação, como no exemplo que dão sobre a ideia de adição: escrevem duzentos e cinquenta e quatro como 200504, ou, no exemplo que dão sobre a ideia de multiplicação: escrevem quatro mil como 41000. As autoras afirmam que as crianças que realizam a escrita não convencional o fazem à semelhança da numeração falada, pois demonstraram em suas escritas numéricas que as diferentes modalidades de produção coexistem para os núme- ros posicionados em diferentes intervalos da sequência ao escreverem qualquer número convencionalmente com dois ou três algarismos em correspondência com a forma oral. Elas concluem que, mesmo aquelas crianças que escrevem convencionalmente os números entre cem e duzentos, podem não generalizar essa modalidade a outras centenas. 11 UNIDADE O Ensino dos Números Naturais e do Sistema de Numeração Decimal Esses estudos foram incorporados em orientações curriculares que surgiram no final da década de 1990 e nos anos 2000. Os Parâmetros Curriculares Nacionais se apoiaram nas pesquisas de Lerner e Sadovsky (1996) para o ensino dos núme- ros. Em suas Orientações Didáticas, o documento destaca as diferentes funções sociais dos números: cardinal, ordinal, codificação, medida. O documento sugere que as sequências didáticas para a construção das aprendizagens das crianças sobre os números devem ter como questão norteadora “Para que servem os nú- meros” e a exploração das funções sociais dos números. O documento explicita quais são essas funções: • Em sua função cardinal, o número natural é um indicador de quantidade, ou seja, permite evocar mentalmente uma quantidade, mesmo que ela não esteja fisicamente presente. Situações que permitam à criança responder quantos são os dias do mês, quantas pessoas moram em casa etc. são exemplos que consideram o aspecto cardinal do número; • O aspecto ordinal do número natural é ressaltado quando ele é um indicador de posição, ou seja, ele permite guardar o lugar ocupado por um objeto, pes- soa ou acontecimentos. Situações que permitam discutir com a criança quem foi o quinto colocado no campeonato de futebol da escola, ou quem senta na segunda carteira da fila que fica em frente à mesa da professora etc. são exem- plos que focalizam o aspecto ordinal do número; • Há algumas situações em que o número não tem ligação nem com o aspecto cardinal, nem com o aspecto ordinal, mas permite identificar uma pessoa ou um objeto. Nesse caso, os números naturais são usados como código. São exemplos de situações em que o número aparece como código: o número de telefone, da carteira de identidade, da senha bancária, do ônibus etc; • Com relação ao aspecto de medida, os números expressam medida de compri- mento, de tempo, de temperatura etc., como nos exemplos: situações em que os alunos expressem o comprimento de uma régua, ou medidas que aparecem em folhetos de supermercado etc. Em tempos atuais, a Base Nacional Comum Curricular (2017) propõe para os anos iniciais do Ensino Fundamental que escrita e ordenação de números naturais seja por meio da identificação e compreensão de características do Sistema de Nu- meração Decimal, especialmente o valor posicional dos algarismos. As atividades numéricas desenvolvidas nos anos iniciais da escolaridade básica devem dar continuidade às experiências vividas pela criança fora da escola. Conhecer o que as crianças pensam a respeito do uso dos números é o ponto de partida para a formulação de uma nova didática para o ensino de números. 12 13 O Sistema de Numeração Decimal O nosso sistema numérico, denominado de Sistema de Numeração Decimal, foi criado por hindus e divulgado pelos árabes, por isso é considerado de indo-arábico. A organização do Sistema de Numeração Decimal é bastante óbvia para nós adultos, mas, para as crianças, é muito complicado porque algumas de suas ca- racterísticas e propriedades não são visíveis na escrita do número. O Sistema de Numeração Decimal apresenta algumas características importantes: 1. Possui apenas 10 algarismos e com eles é possível escrever qualquer número; 2. É posicional, ou seja, cada algarismo dentro de um número tem um valor diferente, mesmo que sejam algarismos iguais. A cada posição à esquerda que um algarismo ocupe, seu valor fi ca aumentado dez vezes, ou seja, no número 345, o algarismo 4 está na posição da ordem das dezenas e vale 40 unidades e, no número 435, o algarismo 4 está na posição da ordem das centenas e vale 400 unidades, dez vezes maior do que quando ele está na posição das dezenas; 3. É de base 10, ou seja, cada agrupamento de 10 unidades pode ser trocado por uma unidade de ordem superior; 4. A escrita numérica tem base aditiva e multiplicativa, mesmo essas opera- ções não estejam visíveis na escrita numérica, ou seja, as operações não são explicitadas numa escrita que é econômica e decorrente do processo de desenvolvimento histórico da humanidade. Essa escrita resumida é de difícil compreensão pelas crianças. A decomposição de um número em suas diversas ordens e classes permite a visualização das operações de adição e multiplicação no número, mostrando a complexidade da escrita numérica, como no exemplo: 5432= 5000 + 400 + 30 + 2 5432 = 5 x 1000 + 4 x 100 + 3 x 10 + 2 x 1 5432 = 5 x 103 + 4 x 102 + 3 x 101 + 2 x 100 A expressão 5 x 103 + 4 x 102 + 3 x 101 + 2 x 100 é denominada escrita po- linomial do número 5432. 13 UNIDADE O Ensino dos Números Naturais e do Sistema de Numeração Decimal Como as crianças não veem as características do Sistema de Numeração Deci- mal, o valor posicional de um algarismo é pouco percebido pelas crianças. Para que elas evoluam na compreensão do nosso sistema numérico, é preciso que a escola desenvolva um trabalho de observação de regularidades,de problematizações de registros e de reflexões sobre o Sistema de Numeração Decimal. Estudos atuais mostram que é importante que se apresentem às crianças, desde o início da esco- laridade básica, atividades em que elas tenham oportunidade de refletir e utilizar números de diferentes ordens de grandeza, para que identifiquem em que situações são usadas, façam sua leitura e escrita, percebam arredondamentos etc. As características do Sistema de Numeração Decimal não devem ser colocadas como regras para as crianças. A reflexão sobre a leitura, a escrita numérica, a composição e decomposi- ção de números, além de outras atividades, permite que as crianças compreendam nosso sistema numérico. Ex pl or Algumas pesquisas recentes sobre o ensino do Sistema de Numeração Decimal Vergnaud (1994) destaca que a noção de número não é elementar e se apoia sobre as noções de correspondência biunívoca, de relação de equivalência e de rela- ção de ordem. Mas ele afirma que não são essas noções que caracterizam verdadei- ramente os números. O autor considera que é a possibilidade de adicionar números e de dar um sentido a essa adição que dá aos números sua característica essencial. Segundo Lerner e Sadovsky (1996), a escrita de um número apresenta regula- ridades, porque a adição e a multiplicação são utilizadas sempre da mesma ma- neira na composição do número, mas também precisa de compreensão do que está “escondido”, porque as potências de base 10 não são apresentadas na escrita numérica e são deduzidas a partir da compreensão da posição que um algarismo ocupa no número. Uma pesquisa realizada em 2011 por um grupo de pesquisa da Universidade Cruzeiro do Sul, no âmbito do programa Observatório da Educação, com financia- mento da CAPES e sob a coordenação de Edda Curi, envolvendo alunos de 5º ano de seis escolas públicas do estado de São Paulo, apresenta revelações interessantes sobre a compreensão das crianças em relação ao Sistema de Numeração Decimal. A pesquisa envolveu 385 alunos de escolas diferentes, com abordagens didáticas e metodológicas diferentes, mas apresentou resultados muito parecidos que pude- ram ser categorizados como: a incompreensão do valor posicional, a presença do zero no úmero, o conhecimento até a ordem de grandeza da unidade de milhar, a influência sonora na escrita numérica. Essas categorias são explicitadas a seguir: • A incompreensão do valor posicional estende-se para as diferentes ordens e classes do número, aumentando o índice de erros a partir da decompo- sição dos números da ordem de dezena de milhar. Nos procedimentos de 14 15 decomposição de um número, os alunos desconsideram o valor posicional do algarismo no número ; • Nos números com zero intercalado, os alunos apresentam um procedimento comum na decomposição numérica para suprir a ausência de quantidade, a criança sente a necessidade de colocar o zero para ocupar a “casa vazia” do número, como nos exemplos: • 1908 = 1000 + 900 + 0 + 8 ou 108 = 100 + 00 + 8 • Nos casos de escritas numéricas com o zero intercalado, os registros revelaram mais uma vez inconsistências na compreensão do valor posicional que o alga- rismo ocupa no número, como, por exemplo: 3000 + 60 + 8 = 3608 ; • No procedimento de composição de números, os alunos apresentaram melhor com- preensão e domínio, ainda que muitos concebam esse procedimento como uma operação aritmética apoiando-se na propriedade aditiva do sistema de numeração e na apresentação das multiplicações organizadas separada pelo sinal da adição ; • Os alunos mostraram seus conhecimentos com números até a ordem das uni- dades de milhar. Com números dessa ordem de grandeza, percebem a rela- ção entre a posição do algarismo e o valor dele no número, decompõem e compõem números com base na escrita numérica apresentada e procuram representar a escrita numérica baseando-se em informações extraídas da fala e do conhecimento prévio a respeito da escrita de números de ordem menor ; • No que se refere à influência sonora na escrita numérica, em situações de decomposição do número, o apoio na leitura do número pode levar a alguns procedimentos desnecessários, como a representação do zero para suprir a ausência de quantidade na classe, por exemplo: 8 001= 8000 + 00 + 01. A pesquisa realizada permitiu algumas ponderações a respeito do tema. A com- preensão das crianças das noções de agrupamentos e de contagem de agrupamen- tos é gradativa e parece desenvolver-se, primeiramente, com números da ordem das dezenas. Consideramos que essa compreensão se amplia à medida que se faz um trabalho com números de diferentes ordens de grandeza, possibilitando que os alunos percebam que as características do Sistema de Numeração Decimal podem ser generalizadas para números de qualquer ordem de grandeza. No que se refere à resolução de problema envolvendo agrupamentos e trocas, observou-se que o índice de erro foi superior ainda, o que parece ser decorrente de práticas de ensino baseadas em tarefas por repetição e memorização em que a leitura e escrita numérica são aplicadas com a intenção de sistematizar regras sin- táticas do sistema, contradizendo as propostas atuais, presentes nos documentos e matrizes curriculares. Os dados contrastam um pensamento persistente e comum acerca do ensino do sistema de numeração. Em geral, pensa-se que, como a criança de cerca de 10 anos já sabe os números até a unidade de milhar, a mesma será capaz de gene- ralizar e ler um número de qualquer ordem de grandeza, mas isso não aconteceu nessa pesquisa. 15 UNIDADE O Ensino dos Números Naturais e do Sistema de Numeração Decimal Os resultados apontam que, independentemente do conhecimento consolidado nas unidades simples, o processo de generalização é construído em espiral, com avanços e retomadas conceituais, sendo este de inteira responsabilidade do profes- sor. A pesquisa mostrou resultados em particular no que se refere aos agrupamen- tos de dez em dez e à troca das ordens e classes no número. Consideramos que o processo para desenvolver a capacidade de generalização se constrói em diferentes âmbitos que vão formando uma malha a partir da qual as crianças organizam, refle- tem, reorganizam e ampliam seus conhecimentos a respeito do sistema numérico. Sem compreensão do sistema numérico, as crianças não fazem generalizações e utilizam o conhecimento mecanicamente. Os alunos de cerca de dez anos não possuem a capacidade de generalizar as características do SND, em particular no que se refere aos agrupamentos de dez em dez e à troca das ordens e classes no número. Consideramos que o processo para desenvolver a capacidade de genera- lização se constrói em diferentes âmbitos que vão formando uma malha a partir da qual as crianças organizam, refletem, reorganizam e ampliam seus conhecimentos a respeito do sistema numérico. Sem compreensão do sistema numérico, as crianças não fazem generalizações e utilizam o conhecimento mecanicamente. Estudos sobre contagens Você já teve oportunidade de ver crianças pequenas contando? Elas precisam de apoio em objetos, recitam a sequência oralmente, contam mentalmente? Leia o trecho a seguir e amplie seus conhecimentos sobre o assunto. Vários autores discutem sobre procedimentos de contagem das crianças. Vamos conhecer alguns deles. Do ponto de vista cognitivo, Vergnaud (1994) afirma que, ao enunciar a sequência numérica, a criança pode situar-se em dois níveis diferen- tes: o nível da recitação e o da contagem propriamente dita. Ele descreve cada um desses níveis: 1. Denomina de nível da recitação àquele em que a criança diz as palavras que sabe que devem se suceder e, mesmo sem enganos, não significa que ela saiba contar objetos até um número qualquer. Mas ele afirma que, fre- quentemente, a criança se engana nessa recitação; 2. No nível da contagem, ele afirma que a criança acompanha a sequência numérica ou com de gestos da mão ou de movimentos dos olhos, o que mostra que a criança estabelece uma correspondênciaentre o conjunto contado e a sequência numérica oral. Gray e Tall (1994) apresentam estratégias de contagem das crianças e as catego- rizam em seis níveis. Partindo de um exemplo de uma adição, como, por exemplo, 4 + 5, eles descrevem esses níveis: 1. No primeiro nível – “conta-todos” –, a criança usa 3 procedimentos de con- tagem de objetos físicos. No exemplo acima, conta primeiro os 4 objetos 16 17 falando 1, 2, 3, 4 e depois conta os 5 objetos falando 1, 2, 3, 4, 5 e, em seguida, conta novamente todos os objetos, falando 1, 2, 3, ...9); 2. No segundo nível – “conta-ambos” –, a criança usa dois procedimentos de contagem: conta inicialmente os 4 objetos, falando 1, 2, 3, 4 e faz uma contagem para os objetos seguintes, falando 5, 6, 7, 8, 9; 3. No terceiro nível – sobrecontagem –, a criança usa apenas um procedi- mento de contagem: conta diretamente 5 objetos, falando 5, 6, 7, 8, 9 sem precisar contar os quatro primeiros objetos, usando o total da contagem; 4. No quarto nível – sobrecontagem a partir do maior –, a criança inicia a contagem de 5 objetos, falando 6, 7, 8, 9 sem proceder à contagem dos outros 4 objetos; 5. No quinto nível – fato derivado –, o resultado deriva de outros conhecidos. Por exemplo, 5 + 5 = 10, então 4 + 5 = 9, um a menos porque 4 é “um a menos que 5”; 6. No sexto nível – fato conhecido –, a criança busca um resultado já memo- rizado (4 + 5 =9). Outros autores que discutem estratégias de contagem são Chapin e Johnson (2006). Eles consideram estratégias de modelagem em que os alunos usam objetos físicos, tais como blocos, calculadoras e os dedos para modelar as ações e/ou rela- ções em um problema. Eles contam alguns ou todos esses objetos para obter uma resposta, no geral, quando começam a resolver problemas de adição e subtração. Chapin e Johnson (2006) comentam que as crianças usam estratégias de conta- gem e que, para tal, precisam comprender a relação entre contagem e número de elementos em um determinado conjunto matemático (cardinalmente), bem como serem capazes de começar a contar em qualquer número ou contar para trás. Em algumas situações, os alunos devem também ser capazes de manter o controle de quantos números eles contaram e, ao mesmo tempo, reconhecerem quando atingi- ram o número apropriado. Eles apontam seis estratégias comuns de contagem: contar tudo, contando a partir do primeiro, contando a partir do maior, contagem regressiva de, contagem regressiva para, e contando a partir de um número dado. Eles consideram que as estratégias de contagem não são técnicas mecânicas que os alunos podem simples- mente memorizar, mas que são baseadas conceitualmente e construídas diretamen- te sobre as estratégias de modelagem. Passamos a apresentar cada uma dessas estratégias segundo esses autores: 1. Contando tudo: os alunos começam a sequência de contagem com um e continuam até que a resposta seja alcançada. Essa estratégia exige que os alunos tenham um método de manter o controle do número de passos da contagem, a fi m de saber quando parar. Às vezes, usam os dedos para acompanhar o número de contagens ; 17 UNIDADE O Ensino dos Números Naturais e do Sistema de Numeração Decimal 2. Contando a partir do primeiro termo do problema (sobrecontagem): com essa estratégia, o estudante reconhece que não é necessário recons- truir toda a sequência de contagem e começar a “contar” a partir do pri- meiro termo no problema; 3. Contando a partir do maior: essa estratégia é idêntica à estratégia de contar a partir do primeiro termo do problema, exceto que a contagem co- meça a partir do maior dos dois termos. Essa é uma estratégia mais sofis- ticada de contagem, já que a sua aplicação deixa implícito que o estudante entende que a ordem dos termos não importa em problemas de adição, ou seja, compreende implicitamente a propriedade comutativa da adição; 4. Contagem regressiva de: nesta estratégia, estudantes iniciam uma sequên- cia de contagem para trás começando pelo maior número dado. A sequência de contagem contém tantos números quanto o menor número dado; 5. Contagem regressiva para: os alunos usam uma sequência de contagem para trás até que o número menor seja atingido. Quantos números há na sequência de contagem é a solução. Às vezes, os estudantes costumam usar seus dedos para acompanhar a contagem; 6. Contando a partir de um número dado: o aluno inicia uma estratégia a contar para frente a partir do menor número dado até o maior número dado. O estudante acompanha (muitas vezes usando seus dedos) quantos números há na sequência. Chapin e Johnson (2006) comentam que, em todas essas estratégias de conta- gem, os alunos podem contar de um em um, ou em pequenos grupos, como de dois em dois, de cinco em cinco etc. Afirmam que algumas estratégias são me- nos usadas do que outras e citam como exemplo a contagem regressiva. Afirmam também que alguns alunos nunca usam algumas das estratégias ou mesmo nem sequer as diferenciam. Há outros grupos de alunos que frequentemente mudam as estratégias que usam. Eles concluem que não é necessário para os alunos que o professor denomine as estratégias de contagem, mas é importante que o professor as reconheça a fim de escolher atividades que deem suporte ao desenvolvimento dos alunos. 18 19 Anexo I Atividades Algumas atividades envolvendo o ensino dos números naturais e o Sistema de Numeração Decimal baseadas nas habilidades previstas nos documentos curricula- res mais recentes 4º ano • Habilidade: ler, escrever comparar e ordenar números naturais, observando algumas regularidades do Sistema de Numeração Decimal, e localizá-los na reta numerada. Figura 2 Fonte: Caderno da Cidade Saberes e Aprendizagens, 2017, p.10 19 UNIDADE O Ensino dos Números Naturais e do Sistema de Numeração Decimal 5º ano • Habilidade: ler, escrever, comparar, arredondar, ordenar, compor e decompor números naturais de qualquer ordem de grandeza pela compreensão e uso das regras do Sistema de Numeração Decimal, incluindo o uso da reta numerada. Figura 3 Fonte: Caderno da Cidade Saberes e Aprendizagens, 2017, p.8. Proposta: Analise a BNCC (2017) e verifique quais são as habilidades sobre o ensino dos números naturais e o Sistema de Numeração Decimal para cada ano de escolarida- de. Verifique a progressão e especificidades de cada ano. Vamos lá! 20 21 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Descobertas de professoras sobre o universo numérico das crianças: a construção de saberes por meio de pesquisas realizadas com seus alunos PIRES, C. M. P. Descobertas de professoras sobre o universo numérico das crianças: a construção de saberes por meio de pesquisas realizadas com seus alunos. In: Anais do Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE), 2008, Porto Alegre. Vídeos A criança, a matemática e a realidade https://youtu.be/rStgAvkozxI Leitura Construção dos Números Naturais e do Sistema de Numeração Decimal https://bit.ly/2tVnm2U Números naturais https://bit.ly/2OO0CZE 21 UNIDADE O Ensino dos Números Naturais e do Sistema de Numeração Decimal Referências BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Curriculares Nacionais. Matemática,1º e 2º ciclos. Brasília: MEC / SEB, 1997. BRASIL. Base nacional comum curricular. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria. CHAPIN, S.H.; JOHNSON, A. Math matters: understanding the math you teach, grades K8, 2. ed. Sausalito, CA, USA: Math Solutions, 2006. FAYOL, M. A Criança e o Número: Da contagem à resolução de problemas. 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