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Editora CRV
Curitiba – Brasil
2022
Mariangela Rios de Oliveira
Victoria Wilson
(Organizadoras)
DISCURSO E GRAMÁTICA: 
entrelaces e perspectivas
Coleção PPLIN PRESENTE – Volume 1
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Copyright © da Editora CRV Ltda.
Editor-chefe: Railson Moura
Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV
Ilustração da Capa: Lesyaskripak/Freepik
Revisão: Os Autores
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
CATALOGAÇÃO NA FONTE
Bibliotecária responsável: Luzenira Alves dos Santos CRB9/1506
D611
Discurso e gramática: entrelaces e perspectivas / Mariangela Rios de Oliveira, Victoria 
Wilson (organizadoras) – Curitiba : CRV, 2022.
278 p. (Coleção PPLIN PRESENTE – Volume 1).
Bibliografi a
ISBN Coleção Digital 978-65-251-2350-9
ISBN Volume Digital 978-65-251-2353-0
DOI 10.24824/978652512352.3
1. Linguística 2. Discurso 3. Gramática 4. Língua portuguesa 5. Ensino de línguas I. Oliveira, 
Mariangela Rios de. org. II. Wilson, Victoria. org. III. Título IV. Série.
CDU 81 CDD 415
Índice para catálogo sistemático
1. Linguística – 410
2022
Foi feito o depósito legal conf. Lei 10.994 de 14/12/2004
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV
Todos os direitos desta edição reservados pela: Editora CRV
Tel.: (41) 3039-6418 – E-mail: sac@editoracrv.com.br
Conheça os nossos lançamentos: www.editoracrv.com.br
ESTA OBRA TAMBÉM SE ENCONTRA DISPONÍVEL EM FORMATO DIGITAL.
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Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc.
Comitê Científico:
Afonso Cláudio Figueiredo (UFRJ)
Andre Acastro Egg (UNESPAR)
Andrea Aparecida Cavinato (USP)
Atilio Butturi (UFSC)
Carlos Antônio Magalhães Guedelha (UFAM)
Daniel de Mello Ferraz (UFES)
Deneval Siqueira de Azevedo Filho (Fairfield 
University, FU, Estados Unidos)
Jane Borges (UFSCAR)
Janina Moquillaza Sanchez (UNICHRISTUS)
João Carlos de Souza Ribeiro (UFAC)
Joezer de Souza Mendonça (PUC-PR)
José Davison (IFPE)
José Nunes Fernandes (UNIRIO)
Luís Rodolfo Cabral (IFMA)
Patrícia Araújo Vieira (UFC)
Rafael Mario Iorio Filho (ESTÁCIO/RJ)
Renata Fonseca Lima da Fonte (UNICAP)
Sebastião Marques Cardoso (UERN)
Simone Tiemi Hashiguti (UFU)
Valdecy de Oliveira Pontes (UFC)
Vanise Gomes de Medeiros (UFF)
Zenaide Dias Teixeira (UEG)
Conselho Editorial:
Aldira Guimarães Duarte Domínguez (UNB)
Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN)
Anselmo Alencar Colares (UFOPA)
Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ)
Carlos Alberto Vilar Estêvão (UMINHO – PT)
Carlos Federico Dominguez Avila (Unieuro)
Carmen Tereza Velanga (UNIR)
Celso Conti (UFSCar)
Cesar Gerónimo Tello (Univer .Nacional 
Três de Febrero – Argentina)
Eduardo Fernandes Barbosa (UFMG)
Elione Maria Nogueira Diogenes (UFAL)
Elizeu Clementino de Souza (UNEB)
Élsio José Corá (UFFS)
Fernando Antônio Gonçalves Alcoforado (IPB)
Francisco Carlos Duarte (PUC-PR)
Gloria Fariñas León (Universidade 
de La Havana – Cuba)
Guillermo Arias Beatón (Universidade 
de La Havana – Cuba)
Helmuth Krüger (UCP)
Jailson Alves dos Santos (UFRJ)
João Adalberto Campato Junior (UNESP)
Josania Portela (UFPI)
Leonel Severo Rocha (UNISINOS)
Lídia de Oliveira Xavier (UNIEURO)
Lourdes Helena da Silva (UFV)
Marcelo Paixão (UFRJ e UTexas – US)
Maria Cristina dos Santos Bezerra (UFSCar)
Maria de Lourdes Pinto de Almeida (UNOESC)
Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UFOPA)
Paulo Romualdo Hernandes (UNIFAL-MG)
Renato Francisco dos Santos Paula (UFG)
Rodrigo Pratte-Santos (UFES)
Sérgio Nunes de Jesus (IFRO)
Simone Rodrigues Pinto (UNB)
Solange Helena Ximenes-Rocha (UFOPA)
Sydione Santos (UEPG)
Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA)
Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA)
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Lista de pareceristas do comitê 
científico/editorial da obra:
Alexandre José Pinto Cadilhe de Assis Jácome
Ana Larissa Adorno Marciotto Oliveira
Cristina dos Santos Carvalho
Gilson Costa Freire
Gysele da Silva Colombo Gomes
Maria Teresa Tedesco Vilardo Abreu
Manoel Luiz Correa
Patrícia Fabiane Amaral da Cunha Lacerda
Regina Souza Gomes
Rosane Santos Mauro Monnerat
Taísa Peres de Oliveira
Valéria Campos Muniz
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Coleção PPLIN PRESENTE
Tempos passados à distância, planeta em transe, corpos e mentes em 
choque, sensibilidades atordoadas. Entre telas e janelas, como tocar, abra-
çar, chegar ao outro? Qual é o papel da Universidade e das Letras no meio 
dessa balbúrdia?
Estendemos o olhar para além dos muros acadêmicos, no intuito de com-
partilhar saberes, pesquisas, experiências, acolher novos olhares, perguntas, 
corpora, silêncios, dizeres e reflexões, em espaços e temporalidades múltiplas.
Nesse espírito, apresentamos a Coleção de livros eletrônicos produzida 
Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, da Faculdade de Forma-
ção de Professores da UERJ, campus de São Gonçalo, com a participação de 
docentes e discentes, em parceria com pesquisadores nacionais e internacio-
nais. Pesquisa de ponta produzida por um jovem Programa de Pós-graduação 
situado no Leste fluminense.
Chamamos a Coleção PPLIN PRESENTE, para marcar a presença do 
Programa como polo produtor de inovação e conhecimento nas áreas de 
Estudos Linguísticos e Estudos Literários, e, ao mesmo tempo, assinalar 
o engajamento das pesquisas aqui compartilhadas com as demandas e os 
desafios do tempo presente.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
DISCURSO E GRAMÁTICA: entrelaces e perspectivas ������������������������������� 13
As organizadoras
NOSSA ENTREVISTADA ������������������������������������������������������������������������������21
CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA DE ALUNOS EM LETRAS: desafios 
para a formação docente���������������������������������������������������������������������������������35
Natália Sathler Sigiliano
Tânia Guedes Magalhães
LÍNGUA PORTUGUESA NA BNCC: interseções em um debate 
sobre educação �����������������������������������������������������������������������������������������������61
Denise Brasil Alvarenga Aguiar
POR UMA GRAMÁTICA DISCURSIVA: contribuições da Semiótica 
ao ensino ���������������������������������������������������������������������������������������������������������89
Lucia Teixeira de Siqueira e Oliveira
Silvia Maria de Sousa
GRAMÁTICA EMERGENTE E ENSINO: algumas contribuições da 
Linguística Funcional Centrada no Uso����������������������������������������������������������111
Ivo da Costa do Rosário
Monclar Guimarães Lopes
“NÃO TOMAR PARTIDO É TOMAR PARTIDO”: chunks e ensino de 
língua portuguesa ������������������������������������������������������������������������������������������137
Edvaldo Balduino Bispo
Maria Angélica Furtado da Cunha
RELAÇÃO DE COMPARAÇÃO: descrição e proposta de ensino �������������� 159
Violeta Virgínia Rodrigues-
PRÁTICAS LINGUÍSTICAS E GRAMÁTICAS EMERGENTES ��������������� 187
Cristine Görski Severo
Edair Maria Görski
GÊNERO TEXTUAL ENTREVISTA E ANÁFORAS ENCAPSULADORAS: 
abordagem didática na educação básica ������������������������������������������������������ 201
Leonor Werneck dos Santos
Dennis da Silva Castanheira
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COMO AS CRIANÇAS APRENDEM A ESCREVER: a heterogeneidade 
da escrita nos textos infantis �������������������������������������������������������������������������225
Natalia Pinagé Ribeiro
Cecilia Maria Aldigueri Goulart
“CHEGOU OS INGRESES”: quando a norma (dita) não-culta 💝 tradicional 
gramática portuguesa ������������������������������������������������������������������������������������249
Ricardo Joseh Lima
ÍNDICE REMISSIVO �����������������������������������������������������������������������������������273
SOBRE AS ORGANIZADORAS ���������������������������������������������������������������277Z
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APRESENTAÇÃO
DISCURSO E GRAMÁTICA: 
entrelaces e perspectivas
A entrevista inicial e os capítulos que reunimos nesta coletânea, sob o 
título Discurso e gramática: entrelaces e perspectivas, consubstanciam-se 
como a primeira publicação da série de e-books intitulada PPLIN PRESENTE, 
coordenada pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da 
Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de 
Janeiro. A obra aqui apresentada contempla a área de concentração Estudos 
Linguísticos do referido programa, reunindo, em dez capítulos, resultados 
recentes de pesquisas atinentes a distintas perspectivas teóricas, contemplando 
aspectos discursivos, textuais e gramaticais organizadores das línguas.
Nosso intuito é o de apresentar e ensejar reflexões, discussões e propostas 
a partir de olhares plurais. Por que ainda discutir temas tão debatidos no meio 
acadêmico? Primeiro, porque se trata de temas importantes no âmbito dos 
estudos linguísticos; segundo, porque, como consideramos, ainda estão sujei-
tos a novas discussões, seja para sedimentar as antigas, seja para incorporar 
avanços científicos na área com contribuições que possam gerar a abertura 
de novos horizontes em diálogo com os campos aplicados; terceiro, para ser 
mais uma referência para profissionais da área e para professores de língua 
portuguesa ou áreas afins do Ensino Fundamental e Médio. Discutir temas tão 
centrais em diferentes perspectivas é um viés para que os estudos científicos 
possam ser compreendidos como processos em permanente construção, com 
verdades que só se tornam definitivas temporariamente e que, por sua vez, 
dependem do olhar do pesquisador. “O ponto de vista cria o objeto”, já dizia 
Saussure em o Curso de Linguística Geral.
Temos como meta, com esta publicação, atingir alunos de graduação e 
pós-graduação, bem como professores de distintos níveis de ensino. Espera-
mos que a leitura dos textos aqui reunidos possa demonstrar como os avanços 
teóricos em diferentes perspectivas linguísticas no mundo contemporâneo: 
a) enriquecem a nossa compreensão sobre o fenômeno linguístico; b) desfa-
zem estereótipos sobre a polarização língua, discurso e gramática; c) unem a 
pesquisa ao ensino, na conciliação das duas esferas.
Destacamos, de outra parte, o caráter analítico, reflexivo e empírico 
dos capítulos aqui apresentados, que se distribuem entre aqueles mais vol-
tados para discussões de ordem teórica e aqueles que articulam teoria e prá-
tica, lidando com a empiria e a produção linguística em diferentes situações 
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comunicativas – nas salas de aula, nas redes sociais, entre outros contextos 
de uso. Assim, a relação entre discurso e gramática, tema central desta cole-
tânea, pode ser tomada em sua diversidade de perspectivas, tanto em termos 
teóricos quanto metodológicos.
Uma das questões comuns a todos os capítulos é a consideração do ensino 
de língua, seja em termos da Educação Básica, em sua maioria, seja do ensino 
superior. Nesse sentido, ainda que os textos partam de vertentes teóricas mais 
ou menos distintas e se voltem para objetos de pesquisa diversos, está em pauta 
a consideração do contexto da sala de aula, de como e por que lidar com esse 
conhecimento e de que forma os resultados apresentados podem subsidiar a 
tarefa de ensino nos níveis Fundamental, Médio e mesmo superior.
Introduz-se este volume da coletânea com nossa entrevista à profa. 
Rosalice Botelho Wakim Souza Pinto, cujas pesquisas em áreas multidisci-
plinares/interdisciplinares, seja no Brasil, seja em Portugal, convergem para 
a compreensão da língua na acepção discursiva, sob forma contextualizada, 
contemplando diversas situações comunicativas, “comprometidas com uma 
intervenção social”. A professora tece relevantes considerações sobre as pro-
postas de ensino no Brasil e em Portugal, discorrendo acerca de aspectos 
gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018). A entrevistada 
comenta sobre a importância do trabalho com os gêneros textuais na sala de 
aula como forma de aprendizagem por meio de “modelos que constituirão o 
acervo mental dos alunos”. Ela trata ainda da importância da cultura digital no 
processo de ensino e aprendizagem, trançando um paralelo entre as propostas 
contempladas no Brasil, de acordo com a BNCC (2018), e aquelas vigentes 
em Portugal. A profa. Rosalice Pinto conclui a entrevista destacando como a 
visão humanista caracteriza seu trabalho, sem a qual “a Linguística, ou melhor, 
as Ciências da Linguagem não faria(m) sentido”.
Na sequência, inicia-se o capítulo Concepções de gramática de alunos em 
Letras: desafios para a formação docente, em que as autoras Natália Sathler 
Sigiliano e Tânia Guedes Magalhães sugerem um redimensionamento da 
abordagem de gramática nos cursos de graduação em Letras. Sob a perspectiva 
sociointeracionista, propõem uma metodologia reflexiva pautada na análise 
linguística na articulação dos eixos leitura, escrita, oralidade e reflexão sobre 
a língua, discutindo ao longo do texto as concepções de gramática e suas 
implicações pedagógicas. A análise concentra-se na resposta a uma das 11 
questões discursivas elaboradas (a 3ª questão: “O que significa gramática?”) 
como uma avaliação diagnóstica cujo intuito é sondar os conhecimentos pré-
vios dos alunos de Letras com relação às concepções de gramática. A partir 
das respostas obtidas, as autoras desenvolvem reflexões relevantes sobre o 
ensino da gramática, com base em Travaglia (2003) e Antunes (2007) e seus 
efeitos na aprendizagem dos alunos de Letras, considerando as repercussões 
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DISCURSO E GRAMÁTICA: entrelaces e perspectivas 15
no ensino da disciplina nos níveis Fundamental e Médio. O interesse central de 
Sigiliano e Magalhães é o de “despertar a construção de estratégias, no âmbito 
da formação de professores, que atendam às necessidades de uma formação 
docente do profissional de língua que, de fato, atenda as já antigas e urgentes 
demandas de ensino de prática de análise linguística na escola”. Desse modo, 
o capítulo oferece não só vasta discussão no campo da Linguística Aplicada 
relativa a distintas concepções de gramática que podem interferir na condução 
pedagógica dos docentes em formação, como também propõe um reencami-
nhamento no sentido da reflexão e da ação da própria práxis docente.
Em Língua portuguesa na BNCC: interseções em um debate sobre edu-
cação, Denise Brasil Aguiar apresenta uma ampla visão da Base Nacional 
Comum Curricular (BNCC, 2018), por meio de um olhar crítico e acurado, 
trazendo contribuições importantes de pesquisadores da área de Educação, 
a partir da perspectiva de uma educação emancipatória com base em Paulo 
Freire. Retoma a polêmica em torno da compreensão da BNCC (2018) como 
currículo, ressalta seu caráter normativo, para depois situá-la, sublinhando os 
movimentos a que a ela se associam além de apontar as implicações políticas 
e pedagógicas. Após a exposição do cenário das políticas públicas da BNCC 
(2018) e de seus efeitos na educação, a autora passa à discussão das particu-
laridades dasconcepções de língua, da perspectiva enunciativo-discursiva e 
de seu ensino presentes no referido documento. Nesta parte, a autora enumera 
algumas das contradições encontradas nas formulações das habilidades que 
podem gerar retrocessos relativos ao ensino de língua, pois ainda ancorados, 
especialmente, na análise das categorias gramaticais, descoladas dos usos da 
língua, para alunos do Ensino Fundamental. Aguiar destaca também como os 
termos norma culta e norma padrão são apresentados de forma descontextuali-
zada, o que vai repercutir no tratamento dado às variantes linguísticas. A autora 
discute sobre as “práticas contemporâneas de linguagem”, muito alinhadas 
na BNCC (2018) a gêneros discursivos, especialmente os digitais, e sobre 
o modo como parecem servir de instrumento a projetos não comprometidos 
com a educação, ou melhor, comprometidos com uma educação a serviço de 
plataformas, Ongs e empresas. Enfim, o capítulo é um alerta para a natureza 
da educação, em geral, e da educação linguística, em especial, elaborada e 
normatizada pela BNCC (2018).
No texto Por uma gramática discursiva: contribuições da Semiótica ao 
ensino, Lucia Teixeira e Silvia Maria de Sousa se voltam para a apresentação 
e a discussão de como os fundamentos semióticos são referidos e tratados 
pela BNCC (2018), a partir do que já consta sobre tal temática desde os PCN 
(1998), nos quais se destacam tanto a centralidade do texto quanto os contex-
tos de uso linguístico e seu impacto na convencionalização gramatical. Para 
tanto, as autoras iniciam suas considerações com o destaque que a BNCC 
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(2018) confere ao eixo de análise linguístico-semiótica, referido inúmeras 
vezes neste documento, proposto como marco inicial de uma nova e etapa da 
educação nacional. Na sequência, Lúcia Teixeira e Silvia de Sousa assumem 
que esse destaque, de fato, se apresenta mal compreendido e empregado com 
pouca consistência, na medida em que a BNCC (2018) restringe o tratamento 
semiótico a textos não-verbais ou performáticos, além de não levar em conta 
a Semiótica como forma discursiva e campo teórico específico, pautada numa 
gramática que vincula sintaxe e semântica. Assim, a partir da apresentação 
de uma série de análises semióticas de textos verbais, as autoras demonstram 
como essa atividade poderia, de fato, contribuir para as tarefas de recepção e 
de produção de textos na Educação Básica.
No capítulo Gramática emergente e ensino: algumas contribuições da 
Linguística Funcional Centrada no Uso, Ivo da Costa do Rosário e Monclar 
Guimarães Lopes demonstram como os pressupostos desta vertente teórica, 
na linha de Traugott e Trousdale (2013) e Oliveira e Rosário (2016), entre 
outros, podem concorrer para a formação do magistério na Educação Básica. 
Como preconizado pelos fundamentos teóricos assumidos no texto, os autores 
defendem que as categorias da gramática emergem do léxico, via mecanismos 
metafóricos e metonímicos, pelos quais ocorrem recategorizações a partir das 
quais vão sendo convencionalizados novos itens gramaticais. Para defender 
e ilustrar tal assunção, Rosário e Lopes analisam uma classe específica da 
gramática do português, a dos conectores complexos, como diz que, acontece 
que e como se não bastasse, com foco em sua polissemia, polifuncionalidade 
e prototipicidade, a partir de usos linguísticos contemporâneos. Por fim, os 
autores ratificam que os fundamentos da Linguística Funcional Centrada no 
Uso, tal como utilizados para a análise realizada ao longo do capítulo, se 
coadunam com a perspectiva defendida em documentos pedagógicos oficiais 
do país, como PCN (1998) e BNCC (2018). Destacam-se nessa defesa: a) a 
visão de língua como um sistema adaptativo complexo, que exibe regula-
ridade, variabilidade e gradiência, nos termos de Bybee (2010; 2015); b) a 
primazia dos contextos de uso como lócus de descrição e análise linguística; 
c) o papel da frequência e da convencionalização para a fixação de padrões 
gramaticais, entre outros.
Em “Não tomar partido é tomar partido”: chunks e ensino de língua 
portuguesa, Edvaldo Balduino Bispo e Maria Angélica Furtado da Cunha, tal 
como o capítulo anterior, partem dos fundamentos da Linguística Funcional 
Centrada no Uso para também assumirem que este aparato teórico pode dar 
suporte à atividade de análise e reflexão sobre a língua na sala de aula da 
Educação Básica. Com base em fontes como Furtado da Cunha, Bispo e Silva 
(2013) e Furtado da Cunha, Silva e Bispo (2016), os autores se dedicam à 
investigação de padrões de uso integrados pelos chamados verbos leves ou 
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DISCURSO E GRAMÁTICA: entrelaces e perspectivas 17
suporte, como toma e dar, em expressões do tipo tomar juízo e dar cabimento. 
Conforme Bybee (2016 [2010]), Bispo e Furtado da Cunha consideram tais 
expressões como chunks, ou seja, como pareamentos altamente convencio-
nalizados de forma e sentido, o que enseja seu tratamento holístico na sala 
de aula de língua portuguesa, como um todo semântico-sintático. Com base 
nos quatro eixos referidos pela BNCC (2018) em que se devem desenvolver 
as práticas de linguagem na Educação Básica, os autores apontam a análise 
linguística-semiótica como o mais propício para a proposta apresentada no 
capítulo. Por fim, Bispo e Furtado da Cunha destacam que o chunk, como 
processo cognitivo geral que impacta a configuração e a funcionalidade dos 
constituintes da língua, deve ser levado em conta na análise e na reflexão não 
só do uso de verbos leves, mas também das demais categorias da gramática 
do português.
Na sequência, Violeta Virgínia Rodrigues aborda as estruturas comparati-
vas do português em perspectiva funcional, apresentando sugestão de exercí-
cios para estudantes dos cursos de Letras, no capítulo Relação de comparação: 
uma proposta de ensino. A autora enfatiza que a articulação comparativa vai 
muito além do que preconiza a tradição gramatical e mesmo do que consta em 
muitos materiais didáticos, na demonstração de que comparar é uma atividade 
inerente à condição humana, motivo pelo qual é manifestada linguisticamente 
nas línguas em geral. Assim orientada, Rodrigues faz uma ampla análise das 
relações comparativas do português, fundamentada teoricamente pela Teoria 
da Estrutura Retórica e por outras vertentes funcionalistas, como se encon-
tram no Brasil em Rodrigues (2001, 2007, 2015), Rosário (2007) e Módolo 
(2008), entre outros. Por fim, a autora apresenta sua proposta de atividade 
didática sobre o tema, destinada a que graduandos dos cursos de Letras pos-
sam levantar, descrever e analisar as diversas estruturas pelas quais pode se 
articular a expressão da comparação em textos do português contemporâneo.
No texto Práticas linguística e gramáticas emergentes, Cristine Görski 
Severo e Edair Maria Görski propõem a aproximação de dois paradigmas 
teóricos para dar conta dos usos linguísticos de modo integrador e comple-
mentar. O primeiro deles diz respeito à concepção de língua como prática 
social e local, com foco na maneira pela qual os sujeitos se engajam em suas 
ações com a linguagem, na linha de Pennycook (2010) e Harris (1998), entre 
outros. O segundo paradigma é o funcionalista, a partir de fontes como Givón 
(2001; 2018) e Bybee (2010), na consideração da gramática como estrutura 
emergente, adaptativa e maleável, sujeita às diversas condições de produção e 
recepção de textos. Com base na articulação das duas vertentes teóricas refe-
ridas, as autoras advogam em prol de uma concepção de língua e gramática 
absolutamente contextualizada, em que condições pragmático-discursivas 
são levadas em conta efetivamente na tarefa de análise e reflexão gramatical.
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O capítulo Gênero textual entrevista e anáforas encapsuladoras: abor-
dagemdidática na educação básica, de Leonor Werneck dos Santos e Dennis 
Castanheira, aborda o processo de referenciação com destaque para as anáforas 
encapsuladoras no gênero entrevista, com sugestão de atividades pré-textuais, 
textuais e pós-textuais, considerando o Ensino Médio. O enfoque teórico anco-
ra-se na Linguística do Texto em interface com os estudos sobre referenciação 
e ensino, por meio da perspectiva sociocognitiva e interacional, tendo em vista 
as “especificidades funcionais” da língua. Após situarem a referenciação no 
campo teórico, com apresentação de pesquisas sobre o tema, os autores dis-
cutem a referenciação no âmbito do ensino para, em seguida, caracterizarem 
as anáforas encapsuladoras de acordo com Conte (2003 [1976]): “sintagmas 
nominais com papel resumitivo e coesivo na construção dos textos” com 
função de marcar posicionamento enunciativo. Decorrida a contextualiza-
ção teórica, a segunda parte do texto é dedicada ao tratamento didático do 
gênero entrevista, escolhido para o trabalho em sala de aula. Nessa atividade é 
demonstrada a funcionalidade do encapsulamento em termos da organização 
textual, o que se mostra relevante no ensino de língua(gem) para alunos do 
Ensino Médio, em fase de amadurecimento de suas práticas com a escrita.
No capítulo Como as crianças aprendem a escrever: a heterogeneidade 
da escrita nos textos infantis, Natalia Pinagé Ribeiro e Cecilia Maria Aldigueri 
Goulart abordam aspectos do processo de aprendizagem da escrita de crianças, 
a partir de pesquisa com uma turma de 2º ano do Ensino Fundamental de uma 
escola pública federal do Rio de Janeiro (RIBEIRO, 2020). Ribeiro e Gou-
lart assumem a perspectiva da heterogeneidade constitutiva da escrita, com 
base em Corrêa (2004), e a perspectiva discursiva bakhtiniana; a linguagem 
como atividade realizada pelos sujeitos norteia a concepção de alfabetização, 
compreendida como um processo que se constrói nas interações discursivas. 
Partindo da pergunta “Como se apresenta a escrita das crianças?”, as autoras 
buscam conhecer as reflexões que crianças fazem sobre a escrita, partindo 
da premissa de que, no processo de aprendizagem inicial, elas constroem 
hipóteses sobre a escrita, desfazendo a crença de que as crianças escrevem 
como falam. O interesse principal das autoras é o de compreender como as 
crianças “destrincham a escrita como sistema em si para escrever o texto,” 
analisando um episódio de sala de aula, a partir de indícios na escrita. A aná-
lise integra a dimensão discursiva ao paradigma indiciário. O texto oferece 
uma grande contribuição para os estudos linguísticos em contexto aplicado 
e uma conclusão relevante aponta para a relação única e singular que cada 
criança desenvolve em sua aprendizagem com a escrita “a partir das análises 
que realiza e das experiências que vive.”
Encerramos a apresentação dos capítulos que compõem o dossiê com o 
texto “Chegou os ingreses”: quando a norma (dita) não-culta 💝 tradicional 
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gramática portuguesa, de Ricardo Joseh Lima. O autor, em estilo bem pecu-
liar, opta pela narrativa ficcional para tratar, cientificamente, da variação 
linguística em sala de aula. “Mas precisa justificar” a escolha da narrativa 
como tipo e/ou estilo do gênero para se escrever um texto acadêmico? Talvez 
(ainda) sim, é preciso justificar, tal a surpresa ou o impacto que o estilo do 
texto possa causar a leitores desavisados ou àqueles mais acostumados com 
textos prototipicamente caracterizados no âmbito dos gêneros acadêmicos ou 
científicos. Após justificar a escolha, definir os objetivos e delinear o relevante 
aporte teórico, o autor, em exercício (sócio)metalinguístico, oferece-nos, ao 
longo das seções, uma autêntica aula de pedagogia da variação linguística. 
Sophia, narradora e professora de alunos de uma escola de classe média alta, 
em atividade remota em virtude da pandemia, enfrenta os desafios para tratar 
do (espinhoso) tema da variação linguística. Motivada por um caso de pre-
conceito linguístico que surgiu em uma das aulas, a professora redireciona 
seu planejamento e elabora atividades que envolvem casos de variação lin-
guística estigmatizada. Assim, o autor nos brinda com duas aulas, na voz de 
Sophia, em que são discutidos os conceitos de “certo” e “errado”; de norma e 
padronização linguística; de história da língua e variações linguísticas. Nesse 
capítulo, são abordados e discutidos, de forma criativa, temas caros à área 
de Sociolinguística (especialmente a pedagogia da variação linguística) e, 
ainda, bastante polêmicos, quando a variação é, de fato, abordada em aulas 
de língua portuguesa.
Esperamos que esta coletânea, composta pela entrevista de Rosalice Pinto 
e pelos dez capítulos subsequentes aqui sumarizados, concorra para ampliar e 
aprofundar a reflexão acerca da complexa e rica inter-relação entre a dimensão 
discursiva e a gramatical na pesquisa linguística, com foco ainda nas questões 
sobre ensino de língua. A diversidade dos fundamentos teórico-metodológicos 
bem como a eleição de objetos de pesquisa distintos, contempladas ao longo 
dos textos que integram a obra ora apresentada, ratificam a atualidade de dis-
cutirmos e investigarmos alternativas para os entrelaces e as perspectivas na 
área dos estudos linguísticos voltados para o binômio discurso & gramática.
Imbuídas dessa expectativa, convidamos à leitura deste primeiro volume 
da série de e-books PPLIN PRESENTE!
São Gonçalo, setembro de 2021.
As organizadoras
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NOSSA ENTREVISTADA
Rosalice Botelho Wakim Souza Pinto possui graduação em Línguas e 
Literaturas Modernas, variante Estudos Portugueses e Franceses, pela Uni-
versidade Nova de Lisboa (2002), graduação em Engenharia Química pela 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1981) e em Direito pela Uni-
versidade Autónoma de Lisboa (2020), Mestrado em Letras Neolatinas pela 
Universidade Federal do Rio de Janeiro (1996), Doutorado em Linguística 
pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/NOVA (2006), Pós-Doutorado 
em Ciências da Comunicação pela Universidade de Genebra e Universidade 
Nova de Lisboa (2013).
Atualmente, nossa entrevistada é pesquisadora do Laboratório de Argu-
mentação (ArgLab) do Instituto de Filosofia da Universidade Nova de Lisboa 
(IFILNOVA), do Centro de Investigação e Desenvolvimento sobre Direito e 
Sociedade da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (CEDIS) 
e do Grupo de Pesquisa em Linguística da Universidade Federal do Ceará 
(PROTEXTO). É, ainda, membro de dois projetos de pesquisas europeus: 
Metáforas baseadas em dados rigorosos para o tratamento da diabetes, 
financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia de Portugal (FCT) e 
A-PLACE: Interligando lugares através de práticas artísticas em rede, cofi-
nanciado pelo Programa Europeu Criativo da União Europeia.
Suas pesquisas centram-se principalmente nos seguintes temas: gêneros 
textuais/discursivos, argumentação, linguagem e argumentação jurídicas, 
comunicação empresarial e empreendedorismo, linguística textual e análise 
do discurso, retórica, multisemioses, discurso político e midiático, ensino de 
Francês Língua Estrangeira. É tradutora de francês-português, tendo partici-
pado da equipe de tradução de vários livros acadêmicos. É docente convidada 
de instituições nacionais e internacionais, sendo autora de diversas publicações 
sobre as temáticas referidas. Publicou, em 2010, pela editora Quid Juris, de 
Lisboa, o livro Como argumentar e persuadir: prática política, jurídica e 
jornalística, além de registrar dezenas de artigos em periódicos especializados 
e capítulos de livro sobre seus temas de pesquisa.
Agradecemos à Prof.ª Dr.ª Rosalice Pinto por sua disponibilidade emnos 
conceder essa entrevista, que abre a coletânea Discurso e gramática: entrela-
ces e perspectivas. Esperamos que as respostas às perguntas aqui formuladas 
propiciem não só o maior conhecimento acerca do estado da arte na temática 
da coletânea, bem como ensejem reflexões e discussões, no convite a que 
continuemos investindo na pesquisa em área tão relevante para os estudos 
linguísticos e para o ensino de língua.
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Entrevista
1. Levando em conta o tema central desta coletânea, voltado para as 
relações entre a dimensão discursiva e a gramatical na investigação 
linguística e no ensino, gostaríamos que comentasse acerca desse 
binômio com base em seu perfil acadêmico.
O meu percurso acadêmico iniciou-se, no início da década de 90, mas foi 
fortemente influenciado por minha experiência anterior, como professora de 
Francês Língua Estrangeira (FLE) na Associação de Cultura Franco Brasileira, 
iniciada na década de 80, no Rio de Janeiro, em diversos níveis. Digo isso, 
porque no ensino de FLE já era preconizado, na altura, o viés comunicacional 
da aprendizagem das línguas e questões gramaticais deveriam estar sempre 
ancoradas ao contexto comunicacional.
Consequentemente, essa dicotomia entre gramática e dimensão discursiva 
jamais existiu no meu percurso acadêmico, propriamente dito.
Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, durante o Mestrado em 
Letras Neolatinas, no início da década de 90, com os Professores Angela 
Correia e Helênio Fonseca de Oliveira, comecei a delinear uma trajetória 
voltada para os estudos textuais e discursivos.
No Programa de Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) 
– PUC-SP, no final dos anos 90, época do início do Doutorado, tive a chance 
de ser aluna das Professoras Anna Rachel Machado, de Beth Brait e de Maria 
Cecília Peres de Souza e Silva. Na época, consegui realmente dar um dire-
cionamento teórico àquilo que já vinha trabalhando em sala de aula. Nesse 
percurso, os trabalhos do Interacionismo Sociodiscursivo, do círculo bakhti-
niano e da Análise do Discurso de linha francesa foram fundamentais para 
traçar essa trajetória. Na verdade, ao se pensar que temos de trabalhar com 
textos presentes em diversas esferas de comunicação/formações sociodis-
cursivas/atividades de linguagem, devemos analisá-los em situação e não 
de forma isolada. Com isso, a sua própria materialidade está atrelada a essas 
questões contextuais/discursivas.
Vindo para Portugal, em 2000, continuei o doutorado (com um novo 
projeto e nova orientação), da Professora Antónia Coutinho, em que pude 
ver a relevância do estudo dos gêneros textuais/discursivos nas diversas ati-
vidades de linguagem. O trabalho com gêneros foi uma forma (mais con-
sensual) de unir as duas vertentes, já que na Universidade Nova de Lisboa, 
onde estou até hoje, já havia uma direção mais voltada para a Linguística 
Textual. Com o trabalho perpetrado, centrado fundamentalmente em gêneros 
nas práticas jurídica, jornalística e política, consegui, a partir da análise de 
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textos empíricos, realmente ver de que forma as noções ´tradicionalmente 
gramaticais´ deveriam ser revistas, numa acepção discursiva. Posso citar um 
exemplo: como trabalho com textos jurídicos em contexto português, vemos 
alguns organizadores textuais numéricos que organizam unidades textuais 
e também marcam certa hierarquização do conteúdo apresentado. Como a 
gramática tradicional poderia analisar esta questão? Seria um mero numeral 
ordinal? Na realidade, ele se torna um organizador textual neste texto em 
especial, dentro da prática jurídica e do gênero em que se situa: a petição 
inicial. Estou dando esse exemplo, mas muitos outros poderiam ser evidencia-
dos. Como, em um outdoor político, em que a imagem, questões tipográficas 
e cromáticas são fundamentais, podemos analisar questões imagéticas? Os 
estudos gramaticais devem ser, a meu ver, (re)atualizados para que se possa 
descrever textos empíricos, discursivamente situados.
2. No Brasil, há inúmeras pesquisas no âmbito dos gêneros textuais ou 
discursivos. Os documentos oficiais como os Parâmetros Curricula-
res Nacionais (1996) e a Base Nacional Comum Curricular (2018) 
enfatizam o trabalho com gêneros na escola, e os materiais didáticos 
nacionais têm se dedicado a explorar os gêneros em atividades de 
língua portuguesa. Assim sendo, perguntamos:
a) Como avalia essa ênfase no Brasil, comparando-a com o que ocorre 
em Portugal?
Em Portugal, vou pontuar alguns programas que merecem ser destacados 
para mostrar certa evolução de tendências: o de 1991 (voltado para o 3º ciclo 
do ensino básico – 7ª, 8ª e 9º séries); o de 2001, centrado no ensino secundá-
rio – 10º, 11º e 12º); o de 2009, focado no ensino básico (1º, 2º e 3º ciclos) e 
o de 2015 (direcionado aos 1º, 2º e 3º ciclos).
Este era centrado em três domínios (ouvir/falar, ler e escrever), atrelados 
às várias competências interligadas de forma integrada e não estanque. O que 
chamava a atenção no programa era exatamente o fato de considerar que tanto 
a escrita quanto a comunicação oral deveriam ser reguladas por técnicas e 
modelos específicos. Ainda, eram solicitados aos alunos diferentes tipos de 
escrita com finalidades ou destinatários diversos: carta, resumo, guião de 
entrevista. O termo “gênero” não estava ainda explicitado.
Programa de Português 10º, 11º e 12º anos – Cursos Científico, Humanís-
ticos e Cursos Tecnológicos – 2001.
O que se observa, de forma geral, é que os Programas de Português – 
Cursos científicos, humanísticos e tecnológicos (1991) estavam ainda muito 
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relacionados aos manuais escolares, ou seja, ao próprio Livro de Português 
utilizado na época.
Na realidade, os programas em consonância com os manuais escola-
res propiciavam uma espécie de transformação das relações que podiam ser 
estabelecidas nesse discurso pedagógico. De certa forma, existia um percurso 
comum orientado pelos Programas em todas as áreas do secundário, contudo à 
escola era atribuído um papel relevante: o de fazer com que os alunos se comu-
nicassem bem. Uma questão merecia ser ressaltada, a importância atribuída em 
contexto português às competências de leitura, destacando prioritariamente a 
formação do leitor literário. Essa mesma literatura era olhada no quadro das 
tipologias textuais (textos expositivo, argumentativo, narrativo, descritivo), 
sendo a importância do texto relevada como uma unidade fundamental nas 
diversas situações comunicativas. Essa postura em relação ao texto literário 
veio a sofrer críticas, uma vez que para alguns o seu caráter estético ficaria 
diluído. Os autores reconheciam, assim, na época, a existência de textos nas 
diversas tipologias, mas nunca era utilizado o conceito de gênero (focado 
apenas até então no literário).
Programa de Português do Ensino Básico – 1º, 2º e 3º ciclos – 2009
Antes de se entender esse programa, o de 2009, um histórico merece ser 
ressaltado para perceber o estado da arte do seu surgimento.
Em 2001, foi publicado pelo Ministério da Educação, o Currículo Nacio-
nal do Ensino Básico – Competências Essenciais, que tratava de definir as 
Competências gerais e as específicas estabelecidas para aquele determinado 
nível de ensino e também para o Português.
Desde 2007, com responsabilidade do Ministério da Educação em Portu-
gal, desenvolveu-se o Plano Nacional de Leitura (http://www.planonacional-
deleitura.gov.pt), incidindo, especialmente, no 1º e 2º ciclos de escolaridade.
Em maio de 2007, houve em Lisboa uma Conferência Internacional sobre 
o Ensino de Português a partir da qual surgiram intervenções qualificadas que 
vieram a fornecer recomendações importantes que influenciaram a elaboração 
do programa maisatual, promulgado em 20091.
Em 2008, com a publicação do Dicionário Terminológico http://dt.dgide.
min-edu.pt, houve a fixação dos termos que seriam utilizados na descrição e 
análise dos vários aspectos da língua a serem estudados.
Tais coordenadas se conjugaram exatamente com vários outros aspec-
tos para culminar com as atualizações perpetradas pelo documento de 
2009. São elas:
1 Este foi homologado em março de 2009 pelo Ministério da Educação de Portugal e pela Direcção-Geral de 
Inovação e Desenvolvimento Curricular, com a participação de consultores externos e de uma equipe de 
professores de língua portuguesa coordenada pelo Prof. Carlos Reis.
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• disseminação da internet e das comunicações em rede com atuais 
procedimentos de escrita e leitura de textos eletrônicos;
• não limitação do estudo dos textos literários a um mero estudo 
tipológico classificatório;
• relevância do teor estético dos textos literários;
• necessidade de reflexão sobre o funcionamento da língua.
Todos os quadros desenvolvidos neste programa respeitavam o conjunto 
de competências específicas do Currículo Nacional do Ensino Básico para a 
disciplina do Português. Estas envolviam: compreensão do oral, expressão 
oral, leitura, escrita e conhecimento explícito da língua (a partir desta os 
alunos podem exteriorizar o reconhecimento de alguns fenômenos linguís-
ticos, reconstruir estruturas sintáticas). Todas essas competências foram 
criteriosamente delineadas, para todas as séries a partir de descritores de 
desempenho (objetivos a serem atingidos); conteúdos (possíveis de traba-
lho) e algumas notas (exemplos a serem utilizados). Evidentemente, embora 
existissem esses programas nacionais, as escolas e os professores tinham 
autonomia para adaptá-los.
Nos primeiros dois ciclos (1º ciclo até a 4ª série e o 2º ciclo correspon-
dente à 5ª e 6ª série), continuava a existir no âmbito da leitura e da escrita 
a preocupação na identificação e produção de tipos de texto, planificação e 
produção dos mesmos em relação ao objetivo, destinatário e suporte. Era pre-
conizada a diversidade literária em contexto lusófono (não apenas escritores 
portugueses já estudados em sala de aula), mas também textos do cotidiano 
como embalagens de produtos. Novas linguagens e suportes mostravam-se 
fundamentais também no âmbito da atualização do contexto escolar. No 2º 
ciclo em especial, a produção escrita era dividida em: expressar para construir 
e expressar conhecimento (produção de notícia, relato, exposição, descrição, 
comentário, texto de opinião, dentre outros), escrever em termos pessoais 
e criativos (texto poético, narrativo, dramático). Vale ressaltar a existência 
no descritivo do programa para o ensino básico de um referencial de textos 
literários, paraliterários e não literários, preconizando nestes a multiliteracia, 
combinando o verbal, o visual, o musical, com associação a som e movimento.
No 3º ciclo (7ª, 8ª e 9º séries), época em que os alunos têm de 12 a 15 
anos, existia uma preocupação de inserção da produção e leitura de textos em 
práticas sociais da linguagem, proporcionando situações didáticas que visavam 
a formação do indivíduo. Dessa forma, textos de diferentes tipos (pessoais, 
escolares, dos media, literários) eram trabalhados, seguindo funções sociais 
próprias de cada um deles. Na verdade, todos os descritores seguiam uma 
progressão em relação aos apresentados nos ciclos anteriores.
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O que deve aqui ser ressaltada é a ênfase dada ao uso das tecnologias 
de informação e comunicação nos planos de produção, revisão e edição 
de textos. O Programa também disponibilizava uma lista de autores e de 
textos que constituia a base sobre a qual o professor podia vir a organizar 
e selecionar o corpus textual adequado a cada contexto de trabalho. Neste 
corpus, eram incluídos textos de autores de país de língua oficial portuguesa 
e também estrangeira.
O texto argumentativo (debates, entrevistas, publicidade, dentre outros) 
era aprofundado a partir da 8ª série. Ainda, eram estimuladas a compreensão 
e expressão orais, privilegiando dentre os gêneros discursivos orais aqueles 
mais formais.
Em jeito de síntese, já se observa, no programa de 2009, nomes de vários 
gêneros para exemplificar as atividades. Contudo, a palavra “gênero” não é 
quase ainda utilizada e, quando o é, não é explicitada. Para essa mudança 
lenta de paradigma, vale ressaltar o esforço realizado por diversos acadêmi-
cos, estudiosos do Interacionismo Sociodiscursivo em Portugal, que vieram 
a influenciar, lentamente, a atualização desses programas. Refiro-me aqui 
aos trabalhos perpetrados por grupos de pesquisa liderados pelas professoras 
Luísa Alvares Pereira da Universidade de Aveiro e Maria Antónia Coutinho, 
da Universidade Nova de Lisboa.
Programa e Metas Curriculares de Português do Ensino Básico – 2015
No documento, de 2015, direcionado aos 1º, 2º e 3º ciclos, já se encontra 
claramente presente como um dos objetivos a produção de textos escritos 
de diferentes categorias e gêneros. Contudo, o que se observa, ainda, é uma 
influência de tipologias textuais já anteriormente vistas, atreladas, indire-
tamente, a uma visão da Linguística Textual em sua segunda fase2. Assim, 
ainda são observados, nos programas, termos como “textos de características: 
narrativas; descritivas”. Ou, ainda, há uma ênfase ao que são denominados 
aqui gêneros escolares, relacionados a textos de características expositivas. 
Enfim, observa-se que existe uma flutuação terminológica e conceptual ainda 
assente o que dificulta muito o trabalho em sala de aula, necessitando de uma 
formação constante dos professores para que estes possam operacionalizar de 
forma adequada esses programas.
Embora aqui tenha pontuado apenas o Programa relativo ao Ensino 
Básico, essa variação de termos também é observada no ensino médio.
Em síntese, o que se observa, assim, é uma mescla de correntes teó-
ricas. Por um lado, o termo “gênero discursivo”, influenciado pelo círculo 
2 Para detalhes, ver: Pinto (2017).
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bakhtiniano e por teóricos do Interacionismo Sociodiscursivo (embora estes 
utilizem a denominação gênero textual), está presente. Por outro, o trabalho 
com tipologias textuais ainda vem à tona, influenciado pelas teorias mais tra-
dicionais da linguística textual, nomeadamente os estudos iniciais de Adam – 
(ADAM, 1990). Essa mesma constatação no documento de 2015, de Portugal, 
também é observado nos PCNs de LP em contexto brasileiro3, em contextos 
temporais bem distintos.
Traçando esse percurso em contexto português, o que se pode constatar 
é que no Brasil houve, talvez, uma menor resistência para a implementação 
da noção de gênero nos documentos oficiais, principalmente na atual BCCN, 
em que é clara a influência dos pressupostos teóricos do Interacionismo Socio-
discursivo. Para tal, deve-se ressaltar o trabalho precursor de Anna Rachel 
Machado que conseguiu, com a sua liderança, multiplicar essa teoria por 
vários estados brasileiros. Atualmente, são vários os grupos de pesquisa no 
Brasil, em diversas regiões, que trabalham com o modelo genebrino para a 
formação de professores, sob coordenadores diversas. Podemos citar: Ana 
Maria Guimarães, no Rio Grande do Sul; Vera Cristóvão, no Paraná; Eliane 
Lousada, em São Paulo; Eulália Leurquin, em Fortaleza, dentre outros colegas.
b) O que pensa a respeito do tratamento dado aos gêneros textuais no 
ensino de língua?
Tenho uma visão sociointeracionista a respeito e penso que o trabalho 
com os gêneros textuais é fundamental no ensino e aprendizagem das línguas. 
Considero, como Dolz, Gagnon e Toulou (2008), que os gêneros textuais/discursivos são facilitadores dessa tarefa. A possibilidade de resgatarmos 
modelos de textos já de certa forma estabilizados e podermos operacionalizá-
-los na produção textual é uma mais valia. Os alunos podem sempre recorrer 
ao “acervo mental” de que dispõem e terão a chance de desenvolver o texto 
através das várias ações formativas e também de pesquisas colaborativas 
temáticas para o enriquecimento dessas produções. Assim, ao reagruparmos 
os textos em determinados modelos (gêneros), podemos facilitar o trabalho 
com os alunos. Os aspectos tipológicos como a narração, relato, argumentação, 
exposição e descrição estariam, assim, a serviço de diversos gêneros que os 
abarcariam. Na verdade, o conceito de gênero desenvolvido pelos autores 
apontados vai muito ao encontro do que Marcuschi (2008) também já vinha 
desenvolvendo na UFPE.
3. Em relação à cultura digital, em que aspectos os estudos linguísti-
cos têm considerado fatores como acessibilidade, inclusão social e 
3 Tal observação havia sido feita sobre os PCNs por Brait (2000, p. 26).
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liberdade de expressão? Como avalia a inclusão da cultura digital 
como componente curricular dos cursos de formação de professores 
de língua? Qual o papel da cultura digital no ensino?
No mundo em que vivemos, a cultura digital é fundamental. A BNCC 
inclusive aponta a noção afirmando que esta corresponde a:
aprendizagens voltadas a uma participação mais consciente e democrática 
por meio das tecnologias digitais, o que supõe a compreensão dos impactos 
da revolução digital e dos avanços do mundo digital na sociedade con-
temporânea, a construção de uma atitude crítica, ética e responsável em 
relação à multiplicidade de ofertas midiáticas e digitais, aos usos possíveis 
de diferentes tecnologias e aos conteúdos por elas veiculados e, tam-
bém à fluência no uso da tecnologia digital para a expressão de soluções 
e manifestações culturais de forma contextualizada e crítica (BRASIL, 
2017, p. 174).
Inclusive, nos parâmetros sugeridos de progressão/organização curricu-
lar e nas habilidades de ensino de Língua Portuguesa, são sugeridos alguns 
gêneros das culturas juvenis, no campo artístico-literário, como: slams, vídeos, 
raps, vlog (vídeo + blog) ou, ainda, do Podcast literário. Existe assim, na 
BNCC, a preocupação de integrar gêneros nativos digitais (os originários no 
ambiente digital), além dos tradicionalmente trabalhados. No caso específico 
do vlog, por exemplo, o estudante participa ativamente no processo, uma vez 
que ele é o produtor do conteúdo (vlogger), fará a escolha dos temas e reali-
zará, ele mesmo, produções audiovisuais, sendo estas publicadas na web ou 
em plataformas como o YouTube.
Estimular os alunos a ter uma visão crítica sobre os temas tratados, dar 
a eles a liberdade de fazer as escolhas, é uma atribuição também de nós, pro-
fessores, para a formação de pessoas ´conectadas digitalmente´, mas também 
com uma atitude crítica em relação à realidade em que vivem.
Apesar da intenção da BNCC ser muito positiva e atualizada em relação 
ao mundo em que vivemos, não podemos nos esquecer de que o Brasil é um 
país continental com várias desigualdades sociais e com inúmeras dificuldades 
de adequação dessas diretrizes a contextos municipais/estaduais/regionais. 
São realidades distintas e sem uma real gestão federal, como se esperaria. De 
forma genérica, são várias as dificuldades de acessibilidade: falta de recursos 
econômicos para compra de equipamentos que possibilitem o acesso aos 
benefícios dessa cultura digital, inoperância de políticas públicas que contri-
buam para a minimização dessas desigualdades, além de muitas outras. Vale 
enfatizar que cada estado tem a sua autonomia para gerir esses documentos 
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normativos, em função dos recursos disponibilizados para tal e terá as suas 
prioridades em termos educacionais. Agora com a pandemia, em que houve 
uma necessidade de se passar para o ensino remoto de forma abrupta, essas 
desigualdades se tornaram ainda mais violentas.
A formação dos professores deve contemplar o desenvolvimento de com-
petências necessárias para uma literacia digital, baseada não apenas na parte 
tecnológica envolvida, mas também relevando a importância de questões 
éticas, sociais, políticas a ela atreladas. Ainda, o ensino de gêneros inserido 
nessas novas tecnologias, coibido por questões sociopolíticas várias, não deve 
deixar de lado também que as questões linguísticas devem vir ao encontro 
também dos aspectos apontados.
Se no Brasil encontramos já definida essa cultura digital nos documentos 
oficiais, em Portugal não se verifica o mesmo. Aqui, a relevância do estudo/
produção de texto em contextos digitais é salientada, mas não são evidenciados 
claramente os gêneros a serem trabalhados. Caberá ao professor, de acordo 
com a sua formação e a orientação da própria escola, escolher qual gênero 
trabalhar, exigindo uma formação continuada deste mesmo profissional para 
que enfrente o seu desafio diário. Lembremos que muitos de nós tiveram a sua 
escolaridade em outra época e existem muitos recursos digitais que viemos a 
ter acesso de forma tardia. Ao trabalharmos com as novas tecnologias em sala 
de aula, além da operacionalização destas, devemos também ter conhecimento 
dos seus riscos, na maioria das vezes dificilmente detectáveis. Este é um novo 
desafio para nós, professores, que preparamos jovens para atuarem no mer-
cado de trabalho em profissões, inclusive, ainda não etiquetadas socialmente.
Independentemente dos países, o que importa é evidenciar que o mundo 
está a mudar permanentemente e compete a nós e à escola fornecer aos alunos 
um conjunto de capacidades/competências que os preparem para a diversidade 
e complexidade que vão ter de enfrentar no seu dia a dia.
4. Em sua trajetória acadêmica, destacam-se também pesquisas sobre 
linguística textual, argumentação, multimodalidade, entre outras. 
Que contribuições essas investigações têm trazido para o tratamento 
da relação entre discurso e gramática, tanto em termos da pesquisa 
linguística quanto em termos do ensino de língua?
Em todas as minhas pesquisas (e na minha atuação docente) sempre 
procurei respeitar o princípio do círculo bakhtiniano de uma abordagem des-
cendente de análise/produção dos textos, como preconizado também pelo 
Interacionismo Sociodiscursivo. Não se pode pensar na materialidade dos 
textos (enquanto objetos concretos e empíricos), sem pensarmos no contexto 
em que foram produzidos (papel dos interactantes, lugar, tempo, finalidade, 
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suporte); nos textos com os quais dialoga (intertextualidade); nas coerções 
impostas por documentos ´reguladores`. Assim, questões tradicionalmente 
consideradas como discursivas estão intrinsicamente atreladas à materialidade 
multissemiótica dos textos. A linguística textual, hoje em dia, deve respeitar 
uma acepção de texto muito mais ampla: nesta, aspectos discursivos lhe são 
constitutivos. Com isso, questões gramaticais devem ser estudadas/ensina-
das em textos concretos e não a partir de exemplos descontextualizados, que 
procuram mostrar, “de modo perfeito”, os fenômenos linguísticos. Contudo, 
é interessante observar que, mais explicitamente em 2009, em contexto por-
tuguês, existe nos programas de ensino do 1º, 2º e 3º ciclos do ensino básico, 
além dos componentes tradicionais relacionados à compreensão e produção 
oral e escrita tradicionalmente descritas, um outro: o do conhecimento explícito 
da língua (CEL). A partir deste os alunos são orientados a pensar e refletir 
sobre fenômenos da língua contextualmente situada. Parece-me ser uma via 
interessante para o estudo de questões gramaticais e uma forma de estabili-
zar conceitose tipologias relevantes também para a realização de testes de 
aferição de conhecimento.
5. Por fim, gostaríamos que discorresse acerca de sua contribuição 
específica, como pesquisadora e membro de comunidades acadê-
micas do Brasil e de Portugal, nessa área de investigação.
Pertenço a grupos de pesquisa diversos em Portugal e no Brasil. Durante 
cerca de vinte anos fui filiada ao Centro de Linguística da Universidade Nova 
de Lisboa (CLUNL). Na atualidade, devido à necessidade de trabalhar aspec-
tos inferenciais relativos à argumentação, migrei para o Instituto de Filosofia 
da mesma universidade, integrando o Arg-Lab (IFILNOVA-ArgLab). No 
momento, desenvolvo pesquisas sobre a argumentação verbo-visual, relacio-
nando aspectos teóricos da teoria da argumentação, linguística textual, análise 
do discurso, pragmática e multimodalidade. A complexidade dos objetos de 
estudos com os quais lidamos nos exige a interconexão de várias abordagens. 
Ainda, sou pesquisadora do Centro de Investigação e Desenvolvimento sobre 
Direito e Sociedade da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa 
(CEDIS/UNL). Lá procuro trabalhar de que forma os estudos da linguística 
podem contribuir para as inovações sociais, principalmente no campo jurídico 
(também tenho formação em Direito). Em contexto ainda europeu, faço parte 
do projeto A-Place “Linking places through networked artistic practices” – 
“Unindo lugares através de práticas artísticas em rede”, cofinanciado pelo 
Programa Europeu Criativo – 2019-23. Neste, profissionais de diversas áreas 
do conhecimento, trabalham com suas diversas expertises para encontrar 
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soluções para a integração de comunidades desfavorecidas em bairros mais 
´marginalizados´, próximos aos centros urbanos.
No Brasil, faço parte do grupo PROTEXTO, da Universidade Federal 
do Ceará, sob coordenação da Professora Mônica Magalhães Cavalcante em 
que desenvolvo, na atualidade, trabalhos sobre argumentação, polêmica, este-
reotipia, em contextos digitais. A minha integração a essa equipe foi crucial 
pela existência, já, no Brasil, de certa consolidação de estudos linguísticos 
voltados para as novas tecnologias (em Portugal, o mundo acadêmico tem 
ainda pouca tradição nessa vertente). Trabalho, ainda, frequentemente, com 
o grupo da ATD da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, liderado 
pela Professora Maria das Graças Soares Rodrigues, estabelecendo a interface 
entre Direito e estudos discursivos.
Evidentemente, sempre procurei, ao longo desses 21 anos em que aqui 
resido, manter os laços entre Brasil e Portugal, fomentando eventos e também 
estabelecendo parcerias com colegas brasileiros de diversas universidades, 
com comunicações e publicações diversificadas. Todo esse trabalho de pes-
quisa veio também acompanhado da docência, em Universidades Públicas 
e Privadas.
Enfim, em todo esse percurso, procurei buscar na academia conhecimen-
tos teóricos que me permitissem desenvolver estudos linguísticos, centrados 
em teorias textuais e discursivas, comprometidos com uma intervenção social. 
Sem essa visão humanista (em seu sentido amplo), a Linguística, ou melhor, 
as Ciências da Linguagem não faria(m) sentido.
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CONCEPÇÕES DE GRAMÁTICA 
DE ALUNOS EM LETRAS: 
desafios para a formação docente
Natália Sathler Sigiliano4
Tânia Guedes Magalhães5
Introdução
Os desafios da formação docente são muitos e perpassam diversifica-
dos aspectos no que tange à educação de alunos da escola básica, para que 
sejam proficientes, reflexivos e participativos. Com relação ao ensino de lín-
gua portuguesa (ELP), esse desafio envolve ainda os distintos eixos (leitura, 
escrita, oralidade e análise linguística) orientadores do trabalho pedagógico. 
Mais especificamente quanto ao ensino de gramática, considerado “um dos 
mais fortes pilares das aulas de português” (MENDONÇA, 2006, p. 199), 
a despeito dos avanços nas discussões feitas na área, as práticas ainda têm 
revelado a necessidade de intervenções mais efetivas e pontuais no que diz 
respeito à formação de professores para que haja uma transposição didática 
mais reflexiva na escola básica.
Nos últimos quarenta anos, discussões acadêmicas e documentos oficiais 
da educação advogam em favor de uma abordagem centralizada no efetivo uso 
da língua no processo de ensino e aprendizagem. Junto a isso, a abordagem da 
gramática em aulas de língua portuguesa (LP) tem passado por transformações, 
destacando-se o fato de que a prática de análise linguística (AL) surge como 
proposta renovada de ensino de gramática, pautada em uma metodologia 
reflexiva por meio da qual se promove integração entre os eixos de ensino.
Nesse cenário, se tomado o tempo relativo a tal proposição, seria 
possível supor que o ensino de gramática, em uma concepção tradicio-
nal, não seria ainda frequente nas escolas. Entretanto, pesquisas rea-
lizadas com professores, docentes em formação e materiais didáticos 
revelam que “velhas” e “novas” práticas no que diz respeito ao ensino de 
4 Doutorado em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora Adjunta da Universidade 
Federal de Juiz de Fora.
5 Doutorado em Letras pela Universidade Federal Fluminense. Professora Associada da Universidade Federal 
de Juiz de Fora.
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gramática ainda coexistem, fato que aponta para a necessidade de revisão 
das formas de abordagem dessa temática nos cursos de formação de pro-
fessores (MAGALHÃES; SILVA, 2021; BATISTA-SANTOS; SANTOS, 
2019; LIMA; SOUZA; MOURA, 2019; GUIMARÃES; BARTIKOSKI, 
2019; SIGILIANO; SILVA, 2017; SIGILIANO; FRASCAROLI, 2017; 
NEVES, 2002).
Embora haja pesquisas acerca das concepções subjacentes aos materiais 
didáticos ou de docentes com relação à abordagem da gramática, não tão fre-
quentes são as investigações relativas à forma como os graduandos em Letras 
concebem essa abordagem ou mesmo o que trazem de concepções atreladas 
à sua própria formação do ensino básico. Nesse contexto, assumimos que, 
para alcançar possíveis transformações na formação docente, no contexto do 
ensino universitário, precisamos lidar com reais concepções e crenças dos 
alunos, o que reforça a necessidade de se empreender análises dessa natureza.
Além disso, há poucas pesquisas focadas em concepções de gramática de 
estudantes de Letras. Temos visto que, apesar de haver certos deslocamentos 
no ponto de vista de docentes, cujo discurso acerca da AL já está de certa 
forma incorporado, restam dificuldades na transposição didática, mesmo com 
materiais acessíveis e adequados, o que nos leva a crer que tanto a formação 
inicial quanto a continuada são necessárias para fortalecer as práticas reflexivas 
em prol de um ensino revigorado, com ações mais focadas não em questões 
conceituais de linguagem apenas, mas em questões pedagógicas da análise 
linguística. Isso porque, conforme várias pesquisas já atestaram (GATTI, 
2010; GATTI et al., 2019), a carga horária destinada ao conhecimento peda-
gógico e profissional nas licenciaturas é bastante inferior àquela destinada 
ao conhecimento disciplinar (voltado para áreas específicas, como Língua e 
Literatura, no caso da Licenciatura em Letras).
Com vistas a contribuir com essa discussão, este capítulo apresenta dados 
advindos de análise de cunho quantitativo e qualitativo, que envolveu graduan-
dos do primeiro período do curso de Letras de uma universidade federal. Nosso 
objetivo é, a partir das respostas obtidas por meio de questionário, a) analisar 
a concepção de gramática de graduandos em Letras; b) compreender a relação 
entre gramática e outros eixos de ensino de língua portuguesa (leitura, escrita 
e oralidade); e c) verificar a abordagem da temática da variação linguística 
nas respostas dos alunos.
O recorte dos dados, propositalmente pequeno e mais detalhado, não é 
generalizável, o que pode ajudar a lidar com concepções locais e realizar novas 
ações na escola básica. Ademais, esse tipo de pesquisa, realizada por docentes 
cujas disciplinas articulam questões de linguagem, ensino e formação, gera a 
oportunidade de provocar não apenas reflexões, mas também ações efetivas 
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em contexto formativo que visem a alterar concepções de ensino de gramática 
não condizentes com a educação contemporânea, por meio da implementação 
de novas metodologias na formação docente, buscando romper com práticas 
tradicionais de transmissão de conteúdos.
Aspectos teórico-conceituais: a perspectiva da análise linguística
Desde a década de 1980, atrelada a um movimento de ensino que enfatiza 
a importância do texto nas aulas de português e da reflexão como estratégia 
norteadora das práticas de ensino e aprendizagem, a perspectiva da análise 
linguística vem sendo apresentada como alternativa em substituição ao ensino 
tradicional de gramática. Inicialmente proposta como uma perspectiva de 
abordagem de itens linguísticos a partir da produção escrita dos alunos, cuja 
seleção se daria com base nos aspectos advindos de dificuldades de escrita dos 
estudantes – as quais norteariam as aulas de reescrita do texto, usando como 
instrumentos compêndios como gramática e dicionário (cf. GERALDI, 1997 
[1984]) – foi ganhando novos vieses e perspectivas de abordagem com o pas-
sar do tempo. Com isso, a visão de AL se descortinou como “uma alternativa 
complementar às práticas de leitura e produção de texto, dado que possibilita-
ria a reflexão consciente sobre os fenômenos gramaticais e textual-discursivos 
que perpassam os usos linguísticos [...]” (MENDONÇA, 2007, p. 204).
Conforme Geraldi (2013, p. 189-190), a expressão “análise linguística” 
refere-se a toda uma gama “de atividades que tomam uma das características 
da linguagem como seu objeto: o fato de ela poder remeter a si própria, ou 
seja, com a linguagem não só falamos sobre o mundo ou sobre a nossa rela-
ção com as coisas, mas também falamos sobre como falamos” e, segundo 
ele, distingue-se em atividades epilinguísticas e metalinguísticas. O autor 
ressalta que as atividades epilinguísticas devem anteceder às metalinguísticas, 
em prol da inversão da “flecha do ensino”, ou seja, de uma nova proposta 
de abordagem do ensino de gramática, na qual a ênfase deixe de ser dada à 
transmissão e à memorização de noções prontas. Tal alteração de procedi-
mento envolve toda a complexidade do processo pedagógico, em que se pesa 
a concepção de língua e linguagem envolvida e os objetivos de ensino em 
prol da ampliação das “competências comunicativo-interacionais dos alunos” 
(ANTUNES, 2003, p. 34).
A proposta da AL, embora tenha como foco a reflexão sobre os elemen-
tos, fenômenos linguísticos e estratégias discursivas, não exclui o trabalho com 
as questões tradicionais de gramática, mas redimensiona a forma de fazê-lo. 
Assumindo como base uma perspectiva sociointeracionista de língua, a aná-
lise linguística é, então, posta em oposição a um movimento tradicional de 
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ensino de gramática, cujas concepções, metodologias e unidades privilegiadas 
de análise se distinguem daquelas relativas à prática de análise linguística.
Com intuito de elucidar essa mudança de perspectiva quanto ao ensino e 
à abordagem da gramática em sala de aula, retomaremos esta tabela bastante 
ilustrativa de Mendonça (2006):
Tabela 1 – Diferenças entre ensino de gramática e análise linguística
Ensino de gramática Prática de análise linguística (AL)
Concepção de língua como sistema, estrutura inflexível e 
invariável.
Concepção de língua como ação interlocutiva situada, 
sujeita às interferências dos falantes.
Fragmentação entre os eixos de ensino: as aulas de 
gramática não se relacionam necessariamente com as de 
leitura e de produção textual.
Integração entre os eixos de ensino: a AL é ferramenta para 
a leitura e a produção de textos.
Metodologia transmissiva, baseada na exposição dedutiva 
(do geral para o particular, isto é, das regras para o exemplo) 
+ treinamento.
Metodologia reflexiva, baseada na indução (observação 
dos casos particulares para a conclusão das regularidades/
regras).
Privilégio das habilidades metalinguísticas.
Trabalho paralelo com habilidades metalinguísticas e 
epilinguísticas.
Ênfase nos conteúdos gramaticais como objetos de 
ensino, abordando isoladamente e em sequência mais 
ou menos fixa.
Ênfase nos usos como objetos de ensino (habilidades de 
leitura e escrita), que remetem a vários outros objetos 
de ensino (estruturais, textuais, discursivos, normativos), 
apresentados e retomados sempre que necessário.
Centralidade na norma padrão. Centralidade dos efeitos de sentido.
Ausência de relação com as especificidades dos gêneros, 
uma vez que a análise é mais de cunho estrutural e, quando 
normativa, desconsidera o funcionamento desses gêneros 
nos contextos de interação verbal.
Fusão com o trabalho com os gêneros, na medida em que 
contempla justamente a intersecção das condições de 
produção dos textos e as escolhas linguísticas.
Unidades privilegiadas: a palavra, a frase e o período. Unidade privilegiada: o texto.
Preferência pelos exercícios estruturais,de identificação 
e classificação de unidades/funções morfossintáticas e 
correção.
Preferência por questões abertas e atividades de pesquisa, 
que exigem comparação e reflexão sobre adequação e 
efeitos de sentido.
Fonte: Mendonça (2006, p. 207).
Assim como indicado pela visão apresentada da prática de análise linguís-
tica de Mendonça (2006), compreendemos que, ao se assumir uma concepção 
sociointeracionista, a AL apenas faz sentido como um eixo que perpassa aquele 
de leitura, escrita e oralidade, cuja abordagem se paute na reflexão. Tal qual 
disposto já desde os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998),
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Os princípios organizadores dos conteúdos de Língua Portuguesa (USO 
=> REFLEXÃO => USO), além de orientarem a seleção dos aspectos a 
serem abordados, definem, também, a linha geral de tratamento que tais 
conteúdos receberão, pois caracterizam um movimento metodológico de 
AÇÃO => REFLEXÃO => AÇÃO que incorpora a reflexão às atividades 
linguísticas do aluno, de tal forma que ele venha a ampliar sua compe-
tência discursiva para as práticas de escuta, leitura e produção de textos 
(BRASIL, 1998, p. 65).
Em uma ampliação à concepção original da AL, em que se passam a con-
siderar as múltiplas semioses como elemento integrado a ela, a Base Nacional 
Comum Curricular preconiza:
O Eixo da Análise Linguística/Semiótica envolve os procedimentos e 
estratégias (meta)cognitivas de análise e avaliação consciente, durante os 
processos de leitura e de produção de textos (orais, escritos e multisse-
mióticos), das materialidades dos textos, responsáveis por seus efeitos de 
sentido, seja no que se refere às formas de composição dos textos, deter-
minadas pelos gêneros (orais, escritos e multissemióticos) e pela situação 
de produção, seja no que se refere aos estilos adotados nos textos, com 
forte impacto nos efeitos de sentido (BRASIL, 2017, p. 80-81).
Considerando que a AL perpassa os demais eixos de ensino, de forma 
a abordar aspectos das materialidades e da forma de composição dos textos, 
levando em consideração questões do contexto de toda produção de lingua-
gem, tomando-os, para tanto, como objetos cruciais a partir do qual se pro-
movem ações de linguagem e se provocam reflexões sobre o uso da língua, 
concebe-se que o ensino de LP deva implementar ações que, de fato, revelem 
uma perspectiva em que se assuma: a) a concepção de gramática centrada 
em uma abordagem de regras de usos da língua que envolvem línguas hete-
rogêneas e situações variáveis de produção; b) a clara articulação entre AL e 
os eixos de leitura, escrita e oralidade, atrelada ao agir social transformador.
Como sabemos, o ensino de Língua Portuguesa, na perspectiva socioin-
teracionista aqui assumida, aponta para os gêneros textuais como objeto de 
ensino e instrumentos de interação. Os gêneros, compreendidos como ins-
trumento mediador da interação social, meio pelo qual a comunicação acon-
tece entre sujeitos sociais, são capazes de propiciar aos alunos vivências 
diversificadas pela linguagem, considerando situações da vida cotidiana intra 
e extraescolar. Desse modo, é por meio deles que podemos relacionar as ati-
vidades pedagógicas envolvendo os eixos de leitura, escrita, oralidade e AL, 
com vistas à participação social e cidadã. Esse constructo propicia que os 
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docentes alcancem objetivos para o ensino de LP que, segundo Rangel (2010), 
deve privilegiar a reflexão sobre a língua, envolvendo o desenvolvimento 
a) da proficiência oral dos alunos; b) da leitura e escrita, para atuação social 
e cidadã; c) da reflexão linguística para monitoramento da própria produção 
(na oralidade e na escrita); d) de conhecimentos sobre a língua que reverbere 
em atitudes e valores éticos. É por intermédio dos gêneros que “aprendemos 
quais fins podemos alcançar: aprendemos que podemos elogiar, apresentar 
desculpas” (MILLER, 2009, p. 44). A autora esclarece que, quando apren-
demos um gênero, aprendemos muito mais que formas ou padrões. Assim, 
nessa perspectiva, eles são ações calcadas em práticas sociais por meio das 
quais atingimos determinados objetivos.
O trabalho reflexivo que integra os eixos, sendo o gênero um possível 
instrumento integrador, põe em foco a dimensão contextual absolutamente 
necessária em uma perspectiva sociointeracionista de ensino, visto que “os 
textos se realizam em gêneros, que, por sua vez, determinam marcas interacio-
nais na materialidade textual” (SILVA, 2011, p. 31). Assim, é desejável que as 
atividades escolares de LP partam de propostas em que os alunos efetivamente 
sejam colocados em situações de interação reais, pelas quais vão lançar mão 
de conhecimentos normativos, textuais e discursivos para agir socialmente. 
Nessas situações, vemos um lugar propício para a articulação entre eixos, 
em uma metodologia reflexiva de AL, uma vez que ela indica uma “Fusão 
com o trabalho com os gêneros, na medida em que contempla justamente a 
intersecção das condições de produção dos textos e as escolhas linguísticas” 
(MENDONÇA, 2006, p. 207).
Uma “metodologia reflexiva”, que dá “preferência por questões abertas 
e atividades de pesquisa, que exigem comparação e reflexão sobre adequação 
e efeitos de sentido” (MENDONÇA, 2006, p. 207), pressupõe um trabalho 
bastante desafiador para os docentes da educação superior, pois é necessário 
construir novas práticas de ensino na universidade para que elas impactem 
a escola positivamente. Nesse viés, é necessário que o desenvolvimento das 
capacidades de linguagem dos licenciandos aconteça a partir de vivências 
de produção e análise da língua, privilegiando experiências com a lingua-
gem na graduação, como atividades de leitura, escrita, oralidade perpassadas 
pela reflexão sobre a língua (RINK; BOCH; ASSIS, 2015; GARCIA-REIS; 
MAGALHÃES, 2016). Redimensionar a abordagem da gramática, então, 
também é um desafio para a formação docente, na qual temos investido para 
construir novas formas de fazê-lo, partindo das concepções que os graduandos 
trazem da escola básica.
Não obstante o fato de a AL vir se apresentando, em documentos nacio-
nais de ensino, como um dos eixos básicos cruciais para o desenvolvimento 
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discursivo do sujeito por meio de atividades reflexivas pautadas no uso (cf. 
BRASIL, 1998), diversas pesquisas vêm apontando que:
a) os graduandos e os professores da escola básica parecem ter se 
apropriado, em seus discursos, da visão atinente à prática da AL, 
mas, por vezes, ainda adotam procedimentos fortemente arraigados 
em uma perspectiva tradicional de ensino de gramática (MAGA-
LHÃES; SILVA, 2021; BATISTA-SANTOS; SANTOS; 2019; 
LIMA; SOUZA; MOURA, 2019; GUIMARÃES; BARTIKOSKI, 
2019; SIGILIANO; FRASCAROLI, 2017; NEVES, 2002), o que 
fica evidente pela forma como relatam suas experiências de sala de 
aula ou mesmo quando se analisam suas práticas docentes;
b) os livros didáticos, apoiados nos documentos oficiais e nos editais do 
Programa Nacional do Livro Didático, concebem, nos cadernos para 
o professor, perspectivas de ensino cuja base é pautada no texto e 
proposta metodológica que se embasa na prática de AL, porém, com 
frequência, sua forma de organização da abordagem da gramática e 
das atividades dos mais diversos eixos não condiz, em muitos casos, 
com o que é previsto pela AL (ALMEIDA, 2019; SIGILIANO; 
FERRAZ, 2019; SIGILIANO; SILVA, 2017). Isso se justifica visto 
que muitas das atividades se pautam em uma abordagem descontex-
tualizada de gramática, em que o texto é tomado como pretexto para 
o ensino gramatical, ou, ainda, em que se parte de noções prontas, 
de conceitos fechados, priorizando-se a metalinguagem.
Em um cenário dequatro décadas de propostas de renovação da visão e 
de flutuação entre “velhas” e “novas” práticas de abordagem da gramática em 
sala de aula, pouco é pesquisado, observado e analisado quanto aos impac-
tos desse descolamento de perspectivas e abordagens da AL na concepção 
dos estudantes atuais e, de forma mais específica, quanto aos estudantes de 
graduação em Letras. Como já mencionado na introdução, é desta tarefa que 
se ocupa este capítulo, cujos aspectos metodológicos passamos a descrever.
Aspectos metodológicos
Para realização desta pesquisa, valemo-nos de uma avaliação diagnóstica, 
realizada no primeiro dia de aulas do curso de Letras de uma universidade 
federal, aplicada em março de 2020, especificamente na disciplina “Gramá-
tica: estudos tradicionais e normativos”. Nosso intuito, com esta atividade, 
era sondar os conhecimentos prévios dos estudantes com relação a aspectos 
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a serem explorados em tal disciplina. Como ela é ofertada para o primeiro 
período do curso, acredita-se ser possível, por meio das respostas dadas nesse 
instrumento, observar indícios das concepções que os alunos trazem com 
relação ao ensino de gramática na escola básica, entendendo que, partindo 
de tais indícios, seja possível promover práticas reflexivas na graduação que 
dialoguem com as visões relacionadas à história escolar dos graduandos.
Essa avaliação foi feita com 41 alunos do curso integral, sendo dois 
deles repetentes na disciplina e os demais jovens calouros da universidade. A 
avaliação diagnóstica foi composta por 11 questões discursivas (em anexo). 
Neste capítulo, analisamos várias respostas dos estudantes, cujos resultados 
estão organizados em três conjuntos, pela recorrência de respostas e pela 
relevância no que se refere a três aspectos centrais do ensino de LP: a) con-
cepção de gramática; b) articulação entre eixos: a centralidade da escrita; e 
c) variação linguística.
Para discutir os dados advindos das respostas dos estudantes, julga-
mos a relevância de reconhecermos as diferentes concepções de gramática. 
Assumindo que o termo “gramática” pode fazer referência a um conjunto 
de acepções, Travaglia (2003) e Antunes (2007) se dispõem a apresentar os 
distintos tipos.
Travaglia (2003) explicita haver, no ensino de língua materna, diversos tipos 
de gramática, cujos trabalhos podem se dar de forma completamente diferente e 
atender a objetivos bastante diversificados. Segundo ele, a gramática pode ser: 
a) normativa; b) descritiva; c) internalizada; d) implícita; e) explícita ou teórica; 
f) reflexiva; g) contrastiva ou inferencial; h) universal; i) histórica; j) comparada.
Adotando uma visão que reúne alguns desses tipos, Antunes (2007) define 
que as gramáticas existentes, no contexto de ensino, pertencem a cinco catego-
rias: a) gramática como “conjunto de regras que definem o funcionamento de 
uma língua” (ANTUNES, 2007, p. 26), dizendo respeito a todas as regras que 
envolvem o uso da língua, das quais o falante se vale, por vezes, inconscien-
temente ao empregá-la; b) gramática como “conjunto de normas que regulam 
o uso da norma culta” (ANTUNES, 2007, p. 30), ou seja, atrelada a um uso 
particular da língua, qual seja o da língua prestigiada; c) gramática como 
“perspectiva de estudo dos fatos da linguagem” (ANTUNES, 2007, p. 31), 
voltada para a perspectiva científica de investigação das línguas; d) gramática 
como “disciplina de estudo” (ANTUNES, 2007, p. 32), associada a lições e 
a programas de estudo; e) gramática como “compêndio descritivo-normativo 
sobre a língua” (ANTUNES, 2007, p. 33), referente a um compêndio, a um 
livro em que são descritos elementos da estrutura da língua ou hipóteses de 
um uso considerado padrão.
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DISCURSO E GRAMÁTICA: entrelaces e perspectivas 43
Discussão dos dados e resultados
Com o intuito de organizar as discussões, dividimos esta seção em três 
partes, tendo em vista a análise empreendida da concepção de gramática, da 
possível relação estabelecida entre AL e os demais eixos do ensino de LP e 
da compreensão da variação linguística como conhecimento na escola.
1) A concepção de gramática pelos estudantes calouros
Considerando que os jovens universitários, dos anos 2020, foram for-
mados na escola básica em um período renovado de discussões e práticas 
associadas ao ensino e à aprendizagem da gramática, cabe reconhecer em que 
medida os estudantes também revelam concepções mais ou menos inovadoras 
quanto a esse ensino.
Para traçar este diagnóstico, analisamos, inicialmente, as respostas dis-
cursivas dos graduandos em Letras quanto à terceira questão, qual seja “O 
que significa gramática?”. Para análise delas, por vezes, foi necessário nos 
valermos de respostas a outras questões (7 e 8), com intuito de entender melhor 
a perspectiva assumida pelo estudante. Para a primeira análise, tomamos 
como base para categorização as definições de gramática apresentadas por 
Antunes (2007).
Em uma primeira análise, notamos que 11 (onze) alunos apresentaram 
visões muito semelhantes, nas quais julgaram ser a gramática “um conjunto 
de regras”, “um conjunto de regras da língua” ou “regras de uma língua”. 
Entretanto, esse tipo de definição concisa e, ainda, analisada por si só, deixava 
margem a distintas leituras com relação à concepção do aluno quanto a “o que 
seria gramática”. Isso porque o termo “regras” poderia ser usado para definir
1. aquilo que regula, dirige, rege; 2. norma, fórmula que indica o modo 
apropriado de falar, pensar e agir em determinados casos; 3. Aquilo que 
foi determinado ou se tem como obrigatório, pela força da lei dos costu-
mes etc.; lei princípio, norma [...] (HOUAISS; SALES, 2009, p. 1635).
Dessa forma, ao abordar a gramática como um conjunto de regras, o 
aluno poderia estar se referindo, tendo em vista as categorias definidas para a 
análise, às regularidades de uso da língua, ou seja, àquilo que regula os usos 
da língua (visão da Gramática 1, de Antunes) ou ao conjunto de normas a 
serem usadas, pressupondo a noção de certo e errado (associado ao conceito 
de Gramática 2, de Antunes).
Por essa razão, foi feito um segundo corte de análise em que se obser-
varam as respostas dos estudantes referentes a outras questões da avaliação 
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desses 11 (onze) questionários, com a intenção de verificar a noção pressu-
posta de gramática. Dentre as demais questões analisadas com a finalidade 
de dirimir essa dúvida quanto à concepção, foram observadas as respostas 
dadas a outras duas questões, 7 e 8.
Após análise mais acurada dessas respostas dos 11 (onze) questionários, 
podemos afirmar que 6 (seis) encararam “regras gramaticais” como “normas 
de certo e errado” e/ou como categorias descoladas de seu contexto de uso 
e dos efeitos de sentido. Desses mesmos 11 (onze) questionários, apenas 2 
(dois) explicitamente revelaram dominar a noção de gramática como sistema 
de regras advindas do uso, assumindo uma noção de gramática internalizada.
Outras 3 (três) respostas, mesmo se considerada a análise das demais 
questões explicitadas anteriormente, não deram clareza quanto àquilo que 
concebem como “regras” ou por não terem respondido por completo o ques-
tionário, ou por darem resposta às outras questões que não permitiram esse 
tipo de análise, o que nos levou a mantê-las em “Gramática 1: conjunto de 
regras que definem o funcionamento de uma língua”. Posto isso, expomos os 
dados dessa primeira análise:
Gráfico 1 – Concepções de gramática dos graduandos
Não responderam
Concepções de gramática dos graduandos
Gramática 1: conjunto de regras que de�nem o
funcionamento de uma língua
Gramática 2: conjunto de normas que regulam o
uso da norma culta
Gramática 4: disciplina de estudo
Gramática 5: compêndio descritivo-normativo
sobrea língua
Diversidade de tipos de gramática
0 2 4 6 8 10 12 14
Fonte: Autoria própria.
A análise quantitativa revelou a predominância da visão de gramática 
como a) regras de uma língua de prestígio, ancorada em uma visão normativa 
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de usos linguísticos certos ou errados, com 13 (treze) respostas; e b) de gra-
mática como disciplina de estudos, correspondente a 12 (doze) respostas.
Dos 41 (quarenta e um alunos), 8 (oito) revelaram não saber como pode-
riam definir a gramática, deixando a questão em branco. Em uma perspectiva 
de gramática como regras de uso da língua, 5 (cinco) respostas se encaixaram 
no perfil da Gramática 1, de Antunes. Dois estudantes sinalizaram existir uma 
diversidade de tipos de gramática, e um sinalizou compreender a gramática 
como um compêndio de regras.
Assim, tendo em vista a análise do número de respostas atreladas à Gra-
mática 2 e à Gramática 5, pode-se afirmar que a maior parte dos estudantes 
definiu o termo “gramática” em uma perspectiva bastante tradicional de ensino 
de língua. Isso porque, ao conceber a língua como um conjunto de normas 
que regulam o uso da norma culta, a visão de gramática como um sistema que 
dita regras supostamente mais valiosas para o ensino de língua se sobressai.
Além disso, ao eleger gramática como disciplina de estudo, pode-se 
prever uma ideia de isolamento entre os eixos de ensino, ou seja, de que a 
aula de gramática seria independente das atividades de leitura, escrita e ora-
lidade, o que representa uma visão segmentada de ensino de LP. Essa visão 
é reiterada pelo fato de que, em muitas escolas de ensino básico, ainda se 
diferenciam “aulas de redação”, “aulas de leitura” e “aulas de português” (em 
outras palavras, aulas de gramática). Discutiremos mais sobre essa questão 
na próxima seção.
2) Articulação entre eixos: a centralidade da escrita
Como vimos na seção anterior, a concepção predominante entre as res-
postas transparece uma perspectiva mais tradicional: regras de uso e disciplina 
de estudo. Nessa mesma direção, a relação com os eixos de ensino também 
revela uma perspectiva mais habitual, em que o trabalho com fenômenos 
gramaticais está mais relacionado às práticas de escrita do que às de leitura 
e de oralidade.
No que se refere à articulação entre esses eixos, nossa análise recaiu sobre 
a relação que os alunos faziam entre gramática (questão 3) e os demais eixos 
de ensino (leitura, escrita e oralidade, nas questões 2, 5, 6 e 7). Buscamos esta 
relação porque, como vimos na tabela 1, Mendonça (2006, p. 207) esclarece 
que a perspectiva da análise linguística prioriza o trabalho reflexivo a partir 
de situações de uso da língua, proporcionada pela integração entre eixos de 
ensino: “a AL é ferramenta para a leitura e a produção de textos” sejam orais, 
sejam escritos.
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As respostas aos 41 (quarenta e um) questionários revelaram que apenas 
3 (três) alunos relacionaram gramática à oralidade e somente 3 (três) à leitura, 
como podemos ver abaixo, na tabela 2, em que se apresentam trechos do total 
de respostas dadas relativas a essa relação, separadas por ponto e vírgula:
Tabela 2 – Conjunto de respostas dadas às questões 2, 3 e 6
“[...] é a base para redigir um texto, iniciar uma conversa formal”; “a gramática colabora com diversos campos, como 
na escrita, na compreensão de textos, comunicação, entre outros”; “[...] abre caminhos para novas ideias sobre a 
língua falada e escrita”.
“A gramática colabora com diversos campos, como na escrita, na compreensão de textos, comunicação, entre outros”; 
“[...] de extrema importância para a escrita e principalmente para entender e compreender o conteúdo”; “[...] conjunto de 
regras que auxiliam na escrita e na melhor compreensão”.
Fonte: Autoria própria; grifos das autoras.
Como podemos perceber, há pouquíssimos indícios de que o estudo da 
gramática foi claramente relacionado ao eixo da leitura (compreensão, segundo 
os discentes) e ao da oralidade (conversa formal, comunicação e língua falada); 
além disso, os poucos indícios quanto à relação com a oralidade apontam para 
uma “fala formal”. Desse modo, o que se pode perceber é ainda uma cultura 
grafocêntrica na escola, pois a relação entre análise linguística e oralidade é 
quase inexistente, considerando nosso conjunto de dados.
Essa concepção centrada na escrita pode ser percebida também nos 
numerosos exemplos a seguir. A maior parte das respostas que relacionaram 
gramática com escrita são relativas às perguntas 3 e 6, em que questionamos 
o que é gramática e se ela deve ser ensinada na escola. No total de respostas 
a essas questões, 15 (quinze) alunos relacionam gramática à escrita:
Tabela 3 – Conjunto de respostas dadas à questão 3 e à questão 6 respectivamente
“[...] é uma das áreas do português que estuda a grafia das palavras, textos e as regras de determinada gramática”; “[...] 
estudo da escrita e aprofundamento desta escrita”; “[...] estudo da estrutura sintática escrita da língua”; “[...] estudo 
aprofundado de uma língua na sua forma escrita”; “[...] estudo da composição da escrita”; “[...]conjunto de regras 
colocadas para uma escrita mais formal”; “[...] conjunto de regras que auxiliam na escrita e na melhor compreensão”.
“[...] é a base para redigir um texto, iniciar uma conversa formal”; “acho que é o primeiro passo para uma boa escrita”; “a 
gramática colabora com diversos campos, como na escrita, na compreensão de textos, comunicação, entre outros”; “[...] é 
necessário escrever bem no mercado de trabalho”; “a gramática auxilia o aluno na aprendizagem do processo de escrita”; 
“[...] se comunicar de forma mais compreensível tanto na fala como na escrita”; “[...] de extrema importância para a escrita 
e principalmente para entender e compreender o conteúdo”; “ela contribui para proporcionar uma melhor escrita”.
Fonte: Autoria própria; grifos das autoras.
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Vemos, pelas palavras em destaque, uma relação que indica que a apren-
dizagem da gramática está “a serviço” da escrita: se somarmos as respostas 
desses 15 alunos às respostas das questões 2, 5 e 7, em que 9 (nove) alunos 
também relacionam gramática à escrita, teremos um total de 24 (vinte e quatro) 
discentes que atrelam esses dois eixos diretamente em suas respostas, o que 
envolve a maior parte da turma (58,5%).
Essa relação clara que percebemos entre esses dois eixos vai ao encon-
tro dos dados da questão anterior: os alunos concebem a gramática como 
regras na perspectiva do “certo x errado”, bem como “disciplina de estudo”, 
convergente com a concepção de gramática para “escrita formal”, “para 
escrever bem para o mercado de trabalho”, para “escrever melhor”. Além 
disso, vemos aqui um reflexo da organização escolar tradicional: as aulas 
de gramática, redação e literatura podem ocorrer separadamente, o que 
fragmenta ainda mais o conhecimento sobre a língua; essa divisão dificulta 
um trabalho articulado entre eixos, em que as práticas de leitura, escrita e 
oralidade são calcadas em reflexões linguísticas, nos aspectos normativos, 
textuais e discursivos.
Esses dados também deixam transparecer uma visão de escrita como 
“língua certa e formal” e, consequentemente, fala como “língua errada e 
informal”. Essa concepção vincula-se à supremacia da escrita (MARCUSCHI, 
2001), o que parece ser ainda bastante presente na escola, confirmando o 
resultado de variadas pesquisas na área de Linguística Aplicada, cujos dados 
revelam que as práticas de oralidade estão ainda pouco presentes no ensino 
básico. (MAGALHÃES; CRISTOVÃO, 2018; BUENO; COSTA-HÜBES, 
2015; LEAL; GOIS, 2012).
3) Variação linguística
Apesar de, nas respostas anteriores, vermos umaconcepção de gramática 
mais tradicional e fortemente relacionada à escrita, as respostas dos estudantes 
surpreendem por revelarem, também, uma consciência sobre a variação lin-
guística como fenômeno linguístico. Um total de 28 (vinte e oito) alunos, que 
representam 68,3% da turma, reconhece que a variação é um fato inerente à 
língua, que é heterogênea e flexível, como podemos ver nesta resposta de um 
deles que, metaforicamente, afirmou: “a língua é um rio em constante mudança 
e evolução de acordo com contextos temporais” (questionário 19). Algumas 
das respostas estão reunidas no quadro abaixo, coletadas predominantemente 
na questão 7 e organizadas por abordagens realizadas:
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Tabela 4 – Exemplares de respostas dadas à questão 7
LÍNGUA – “a língua é ampla, dinâmica, flexível, diversa, vasta, está em constante mudança, tem alterações, tem dialetos, 
gírias e informalidades, é um fenômeno natural a partir das relações dos indivíduos”; “ [...] é algo abstrato, ela passa por 
muitas mudanças ao longo dos anos”; “[...] é flexível de acordo com seu contexto”; “[...] abrange mudanças linguísticas e 
culturais”; “[...] é um organismo vivo”; “[...] é um rio em constante mudança e evolução de acordo com contextos temporais”; 
“[...] está em constante”; “[...] transformação e possui variações de acordo com o público alvo”; “[...] um acordo acerca 
das regras fixas e mutáveis da língua que está em constante transformação”.
VARIAÇÃO – “a fala vive em constante variação e a escrita também”; “não existe forma ‘certa’ ou ‘errada’ de se escrever 
ou dizer algo, o que é levado em consideração é o ambiente em que o falante está inserido”; “é necessário considerar as 
inúmeras variações e adaptações linguísticas presentes na fala e na escrita”; “as variações são tantas que ultrapassam 
o conhecimento gramatical”; “[...] hoje existem novas variações na língua portuguesa falada diariamente”.
LINGUAGEM – “a linguagem não é única”; “a linguagem abrange regionalismos, coloquialidades”; “a comunicação é 
feita de diferentes maneiras que vão além das regras preestabelecidas”.
Fonte: As autoras.
É interessante notar nessas respostas que, para além da consciência da 
heterogeneidade da língua, os alunos admitem que não apenas a oralidade 
varia, mas a escrita também, apesar de essa visão estar presente em menos 
ocorrências nas respostas, o que aponta para um aspecto positivo: a presença 
do tema da variação na escola básica.
Como já defenderam diferentes autores (FARACO, 2008; BORTONI-
-RICARDO, 2004, dentre outros), a abordagem da variação linguística na 
escola básica é necessária porque, considerando que a linguagem é produto da 
atividade coletiva humana, ela está relacionada aos diferentes grupos sociais 
que a utilizam, em suas dimensões históricas, sociais e identitárias. Assim, 
devemos proporcionar aos estudantes uma formação que envolva um “con-
junto de fatores socioculturais que, durante a existência de um indivíduo, lhe 
possibilitam adquirir, desenvolver e ampliar o conhecimento de/sobre sua 
língua materna, de/sobre outras línguas, sobre a linguagem de um modo geral 
e sobre todos os demais sistemas semióticos” (BAGNO; RANGEL, 2005, 
p. 63). A variação, portanto, é fenômeno que deve ser abordado em sala, em 
atividades que revelem, efetivamente, sua natureza heterogênea.
Ao analisar esse questionário, especificamente quanto a esta abordagem 
da variação linguística, chegamos a uma observação importante para o campo 
de formação de professores e para o ensino de LP na escola básica: o ENEM 
pode ter forte impacto nessas respostas, porque esses estudantes, recém-saídos 
do EM e cursando o 1º período de Letras, parecem relacionar suas respostas 
às competências da matriz de avaliação do exame. A Matriz de referência, no 
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DISCURSO E GRAMÁTICA: entrelaces e perspectivas 49
item “Linguagens, Códigos e suas Tecnologias” traz em sua competência de 
área 8 os seguintes aspectos:
Competência de área 8 – Compreender e usar a língua portuguesa como 
língua materna, geradora de significação e integradora da organização do 
mundo e da própria identidade. H25 – Identificar, em textos de diferentes 
gêneros, as marcas linguísticas que singularizam as variedades linguís-
ticas sociais, regionais e de registro. H26 – Relacionar as variedades 
linguísticas a situações específicas de uso social. H27 – Reconhecer os 
usos da norma padrão da língua portuguesa nas diferentes situações de 
comunicação (BRASIL, 2009, s/p; grifos nossos).
A partir da análise das respostas dos estudantes de Letras, compreende-
mos que há uma clara relação delas com a competência 8 do ENEM.
Outro dado relevante atrelado à abordagem da variação linguística na 
escola deve-se à forte presença dessa temática em seções de gramática dos 
livros aprovados no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Conforme 
Sigiliano e Silva (2017), em pesquisa quanto à abordagem da análise linguís-
tica nos livros didáticos (LD), os conteúdos dos materiais de 6º ano (aprovados 
pelo PNLD 2017) mostram claro privilégio no trabalho pedagógico com a 
variação linguística. No entanto, essa pesquisa revelou que a variação linguís-
tica se revela bem abordada como um conteúdo, mas não se mostra articulada 
aos conteúdos gramaticais explorados na aula de LP. Talvez também por esse 
motivo, a variação linguística seja bem percebida pelos estudantes em uma 
questão em que se destaca essa temática de forma direta, e não seja explorada 
nas respostas dos estudantes nas demais questões do diagnóstico, ou seja, os 
graduandos, apesar de conceberem o fenômeno da variação, exploram-no de 
forma isolada, afastado das abordagens dos demais conteúdos gramaticais.
Dessa forma, considerando as respostas desses alunos e as questões 
apontadas nesta seção, é fundamental que, como formadores de professores 
e pesquisadores do campo do Ensino de Língua Portuguesa, estejamos cada 
vez mais investindo em estudos, pesquisas e projetos que incidam diretamente 
na elaboração de currículos (seja em rede federal, estadual ou municipal), nas 
avaliações e, obviamente, nas pesquisas com docentes, com licenciandos, em 
LD e materiais escolares, cursos de atualização, dentre outros, porque todas 
essas instâncias têm impactos fortes na formação intelectual dos estudantes 
da escola básica.
Dessa forma, compreendemos que não seja o professor o principal res-
ponsável pelas concepções aqui relevadas: todo o sistema da educação, que 
envolve a formação inicial e continuada, os currículos das escolas básicas, os 
materiais, os sistemas nacionais de avaliação, a estrutura escolar, o acesso aos 
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dispositivos didáticos (materiais, livros, equipamentos acessíveis a docentes e 
alunos) devem ser questionados constantemente, com vistas a uma educação 
linguística efetiva.
Impactos na prática dos formadores de professores
A análise da concepção inicial dos estudantes de Letras quanto à visão 
de gramática, sua articulação com os demais eixos e a variação linguística 
não deve se restringir ao escopo crítico, mas a ações efetivas de ensino que 
auxiliem na alteração de concepções e futuras ações de docência. Assumindo 
o processo de ensino aprendizagem como uma experiência de construção 
do conhecimento (SEVERINO, 2008), destacamos a necessidade de, já no 
momento de apresentação das disciplinas que ministramos na graduação em 
Letras, levar o aluno a conceber a relevância daquela disciplina e do conteúdo 
dela para a formação do futuro docente, deixando claras as necessidades 
dos estudantes da escola básica e da sociedade atual quanto aos temas por 
ela abordados e à forma como serão encaminhados no processo de ensino e 
aprendizagem dos conteúdos previstos.
Nesse contexto, também, Severino (2008) trata da relevânciade serem 
incluídos subsídios de estratégia didático-metodológica nas disciplinas que 
ministramos, dando aos alunos as ferramentas que lhes permitam agir téc-
nica e cientificamente sobre a área na qual eles estão se inserindo e destaca a 
relevância de a aprendizagem envolver necessariamente a prática. Tal visão, 
diante de análises como a aqui empreendida, leva-nos, como professoras que 
ministram disciplinas de caráter prático (no formato de oficinas) na faculdade 
de Educação e de Letras, a refletir e a tomar iniciativas sobre nossa própria 
prática profissional, as quais contribuam para que os estudantes ajam como 
sujeitos construtores de conhecimentos, vivenciando experiências de prática.
Como concebe Pimenta (1999, p. 26), “o futuro profissional não pode 
constituir o seu saber-fazer senão a partir de seu próprio fazer”. Dessa forma, 
temos realizado algumas ações com graduandos em Letras, inserindo produção 
oral e escrita de gêneros do contexto acadêmico e do profissional docente, em 
diferentes disciplinas, como forma de substituir as atividades mais tradicionais 
(como provas e seminários). Trata-se de uma mudança metodológica que 
requer rever nossas próprias práticas e formas de avaliação, buscando mediar 
a produção de linguagem (oral e escrita) ao longo do semestre, envolvendo 
análise das configurações dos gêneros (artigo científico, roteiro de pesquisa, 
diário de campo, apresentação oral, apresentação de banner, relato de expe-
riência, material didático), produção de várias versões dos textos, atendimentos 
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individuais ou em pequenos grupos, dentre outras ações, concebendo o ensino 
como processo de construção de saberes.
Além disso, temos encaminhado os alunos para publicação desses tex-
tos, em eventos acadêmicos da graduação, em revistas de alunos, veicula-
ção dos materiais em plataformas e repositórios para docentes, ações que 
incentivam os alunos a situações concretas de circulação de suas produções. 
Esses encaminhamentos têm permitido que os graduandos vivenciem ativi-
dades semelhantes ao que é indicado para a escola básica: partir de situações 
reais de produção de linguagem, propor atividades que articulem os eixos 
da leitura, escrita, oralidade e análise linguística e circulação das produções. 
Experiências como essas (cf. GARCIA-REIS; MAGALHÃES, 2016; MAGA-
LHÃES; GARCIA-REIS, 2017; GARCIA-REIS; SILVA; GODOY, 2019; 
MAGALHÃES; GARCIA-REIS, no prelo; VIEIRA; MAGALHÃES, no 
prelo) certamente repercutirão positivamente nas atividades da escola básica, 
visto que os licenciandos passam a vivenciar novas formas do fazer docente.
Ademais, como enfatiza Pimenta (1999),
O retorno autêntico à pedagogia ocorrerá se as ciências da educação dei-
xarem de partir de diferentes saberes constituídos e começarem a tomar 
a prática dos formados como ponto de partida (e de chegada). Trata-se, 
portanto, de reinventar os saberes pedagógicos a partir da prática social 
da educação (PIMENTA, 1999, p. 25).
Nesse cenário, as disciplinas das licenciaturas em Letras têm sido alte-
radas com a finalidade de ganharem maior ênfase no ELP. No entanto, tal 
qual Pimenta (1999) e Severino (2008), defendemos que essa alteração não 
pode se restringir a discussões teóricas, mas deve encampar ações práticas 
que perpassem todo o processo de formação dos licenciandos. Por isso, nas 
disciplinas que temos ministrado, não somente a análise de práticas e materiais 
de ensino de gramática tem sido empreendida, mas também a elaboração de 
novos materiais com base nela tem sido realizada. Essa prática de elaboração, 
no entanto, não pode ser tratada como pontual: pelo contrário, deve incenti-
vada por toda a formação dos licenciandos, em diferentes disciplinas.
Como forma de se valer, também, dos saberes da experiência para a for-
mação dos licenciandos (NÓVOA, 1992; TARDIF, 2014), temos incorporado, 
em nossas disciplinas, momentos de conversa e trocas de conhecimento entre 
professores da escola básica e estudantes da faculdade. Isso tem sido feito 
por meio da elaboração de materiais didáticos pelos estudantes sob supervi-
são dos professores da disciplina e dos docentes da rede básica (de onde a 
demanda de produção do material parte, advinda de situações concretas de 
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ensino). São criados espaços de trocas de conhecimentos em que professores 
da escola básica relatam necessidades de elaboração de materiais didáticos 
com conteúdos, temas ou gêneros específicos, surgidos da vivência deles 
em sala de aula, e se dispõem a auxiliar em tal elaboração, juntamente com 
os professores da disciplina, e a aplicar tais materiais em suas aulas. Após a 
aplicação, são feitas rodas de conversa em que os professores da rede básica 
relatam as abordagens e atividades que foram ou não exitosas, os tipos de 
alterações que foram empreendidas e a motivação delas. Assim, os materiais 
são reavaliados e alterados conforme os comentários e discussões travadas.
São promovidos, ainda, espaços de conversas sobre as práticas dos pro-
fessores da escola básica quanto ao ensino: na disciplina de Estudos Tradicio-
nais e Normativos da Gramática, por exemplo, professores da escola básica 
que desenvolveram projetos interessantes quanto ao ensino de gramática no 
mestrado profissional em Letras são convidados, com frequência, a conver-
sarem com os licenciandos sobre tais projetos, suas vivências e experiências 
de ensino, o que tem sido desenvolvido de forma a permitir que docentes e 
discentes reflitam sobre a forma de abordagem da análise linguística na escola. 
Tais interações têm promovido uma riquíssima troca de experiências entre 
docentes universitários, docentes da escola básica e docentes em formação 
e são ações que podem e devem ser instigadas nas mais diversas disciplinas 
durante a formação inicial, entendendo que “a experiência mostra que de 
pouco adianta concentrar essa intervenção num único momento desse processo 
formativo e num único componente curricular. Isso tem a ver com o fato de 
que a formação humana é também um processo histórico” (SEVERINO, 
2008, p. 24-25).
Considerações finais
Considerando nossos objetivos neste capítulo, que se relaciona a uma 
concepção de gramática, sua relação com os eixos de ELP e a compreensão 
do fenômeno da variação linguística por parte dos graduandos em Letras, 
vemos que, por um lado, os estudantes da graduação ainda carregam uma 
visão de gramática bastante tradicional e muito vinculada às práticas de “boa 
escrita”. Por outro lado, as respostas também revelam uma sensibilização para 
o fenômeno da variação linguística. Porém, tendo em vista o fato de que a 
abordagem dessa temática ocorreu focalmente em apenas uma das respostas 
ao questionário – àquela em que isso era diretamente explorado –, pode-se 
afirmar que a variação linguística, talvez como reflexo da forma como ainda 
é abordada nos LD de Ensino Fundamental, ainda é concebida como um 
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conteúdo isolado com relação àqueles de gramática, sendo este um resultado 
importante para se repensarem práticas de formação de professores.
Nosso intuito, a partir dessas análises, foi de buscar reconhecer concep-
ções de gramática de forma a despertar a construção de estratégias, no âmbito 
da formação de professores, que atendam às necessidades de uma formação 
docente do profissional de língua que, de fato, atenda as já antigas e urgentes 
demandas de ensino de prática de análise linguística na escola.
Nesse contexto, não apenas guiar o aluno ao conhecimento de novas 
concepções, mas instigá-lo a agir socialmente, é crucial, construindo pro-
postas didáticas em que sejam mobilizadas a reflexão sobre os distintos tipos 
de gramática,sobre o uso real da língua, sobre a integração da variação lin-
guística como fenômeno que atravessa esses usos e os diferentes níveis de 
análise linguística e, ainda, a ação da gramática como prática que perpassa 
as distintas práticas de linguagem.
Para que isso seja possível, as práticas docentes no ensino superior tam-
bém precisam ser constantemente repensadas e redimensionadas. Nesse viés, 
defendemos que o fazer docente esteja, a cada dia mais, incorporado às licen-
ciaturas, nas mais diversas disciplinas, permitindo aos estudantes em Letras a 
reflexão teórica e a ação sobre a docência de forma mediada por professores 
mais experientes, seja por meio da elaboração de materiais, seja por meio de 
discussões com outros professores que atuam no ensino básico. Sugerimos, 
ainda, a incorporação, no ensino superior, do ensino e da aprendizagem de 
práticas de linguagem semelhantes ao que se espera que seja realizado na 
escola básica, como forma de incentivo ao desenvolvimento da linguagem 
dos licenciandos e como exemplos práticos de formas de ação em contextos 
de ensino.
Dessa forma, esperamos que nossa análise neste trabalho possa colaborar 
para que se repensem as formas de abordagem da prática de AL nos cursos 
de formação de professores, levando-nos a refletir e agir de forma mediada 
sobre a própria práxis.
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ANEXO 1
QUESTIONÁRIO DIAGNÓSTICO 
DA DISCIPLINA GRAMÁTICA: 
estudos tradicionais e normativos
1. Por que você escolheu estudar Letras?
2. Cursar uma disciplina de Gramática Tradicional o motiva ou o 
assusta? Explique a sua resposta.
3. O que significa GRAMÁTICA?
4. Onde você estudou a maior parte do Ensino Médio e/ou Fundamental?
5. Você estudou Gramática Tradicional em sua escola? Se sim, você 
julga que aprendeu? Por quê?
6. Você acha que a Gramática, em seu viés tradicional, deva ser ensi-
nada na escola?
7. Leia este trecho:
O professor de línguas não deve fazer “do conhecimento gramatical o 
único fundamento de sua autoridade”, até porque “a língua excede a gramá-
tica” (ILARI; BASSO, 2006, p. 234).
Você concorda com ele? Justifique.
8. Elabore uma atividade de gramática, sobre qualquer conteúdo tipi-
camente gramatical, a partir do texto abaixo, considerando um aluno 
hipotético de 8º ano do ensino fundamental.
Será que esse
garotinho gentil
me ajudaria
a atravessar
a rua?
claro.
Primeiro
a senhora
olha pros
dois lados
e depois
corre.
Não sei se
você percebeu
mas eu sou
uma velhinha
PRIMEIRO
A SENHORA
OLHA PROS
DOIS LADOS...
Tirinha disponível em: https://acessaber.com.br/. Acesso em: jan. 2020.
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9. Leia a placa abaixo:
Disponível em: https://placaserradas.com.br/. 
Acesso em: jan. 2020.
Com base no conhecimento da língua padrão e no texto da placa, res-
ponda: Há problemas com relação ao uso da língua, considerando o que é 
prescrito pela gramática tradicional? Justifique.
10. Você se lembra de quais são as classes de palavras do português 
previstas pela Gramática Tradicional? Liste-as.
11. Classifique os termos sublinhados morfologicamente, e os trechos 
e as orações em negrito, sintaticamente.
Se1 você é uma daquelas pessoas que odeia estudar gramática2, talvez se 
sinta mais confortável em saber que você já “nasceu sabendo”. É o que sugere um 
estudo de Marie Coppola e Elissa Newport, especialistas em ciências cognitivas 
da Universidade de Rochester3, em Nova York. Um experimento4 com um 
grupo de surdos da Nicarágua indica que a língua de sinais que utilizam – apren-
dida em casa5, sem uma educação formal – incorpora o conceito gramatical de 
sujeito da oração6, presente em todas as línguas humanas conhecidas. Tal fato 
parece confirmar uma tese que7 o linguista americano Noam Chomsky defende8 
desde os anos 50: a de9 que a gramática é inata ao homem, em vez de adquirida 
pelo aprendizado. Para Chomsky, a rapidez com que uma10 criança aprende uma 
língua se deve a uma disposição inata11 para o domínio da gramática.
Disponível em: http://super.abril.com.br/cotidiano/linguagem-i-
nata-446299.shtml_. Acesso em: jan. 2020.
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LÍNGUA PORTUGUESA NA BNCC: 
interseções em um debate sobre educação
Denise Brasil Alvarenga Aguiar6
Discutir as especificidades das propostas para o ensino de língua portu-
guesa na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é tarefa inseparável da 
compreensão de aspectos do contexto geral em que elas se inserem, das inter-
seções que apresentam e das políticas educacionais com que se articulam. Não 
se trata de evocar linearidades, mas de buscar compreender as possibilidades e 
limites postos para as ações pedagógicas, para as dinâmicas de ensinar e apren-
der na escola, no curso de uma experiência histórica no âmbito da educação, 
que constitui um domínio em permanente disputa nas sociedades. O trajeto 
que se fará procura discutir aspectos gerais da Base, suas implicações políticas 
e pedagógicas mais gerais, para depois avançar, mesmo que brevemente, na 
discussão de alguns dos temas e problemas específicos da área de linguagem, 
sobretudo do componente curricular Língua Portuguesa, sobre os quais a refle-
xão acadêmica, especialmente na formação de professores, precisa se debruçar.
A Base é currículo?
De antemão, entendemos como insuficiente a repetida fórmula de ame-
nizar o caráter da Base, dizendo que não se trata de currículo. No contexto 
político e social em que vivemos, dizer que a BNCC não é currículo, como 
repetem entidades ligadas a grupos empresariais e o próprio Movimento pela 
Base, não é suficiente nem tranquilizador. Negar sumariamente a natureza da 
BNCC, sublinhando a margem que as redes de ensino teriam para reorganizar 
tudo, parece uma tentativa, mal disfarçada, de criar um lugar confortável para 
a consolidação dessa política pública de educação. Decerto que todo texto 
normativo tem suas porosidades, mas não é fruto do acaso o questionamento 
que esse componente da divulgação da Base sofreu, e vem sofrendo, por parte 
de pesquisadores da área da educação:
O caráter normativo da BNCC prescreve os conhecimentos, habilidades 
e competências que os estudantes da Educação Básica brasileira devem 
mobilizar e estudar. É um currículo formal, não há dúvida. E como todo 
currículo, deseja prescrever e direcionar o que será ensinado. Mas não 
6 Doutorado em Letras pela Universidade Federal Fluminense. Professora Adjunta da Universidade Fede-
ral Fluminense.
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consegue aprisionar tudo o que se ensina e se aprende na escola, obvia-
mente (CURY, REIS, ZANARDI, 2018, p. 70).
A síntese feita pelos autores não constitui um olhar isolado. É uma posi-
ção frequente em círculos de pesquisa sobre educação e suas entidades repre-
sentativas, dentre tais aqueles que estudam currículos, conforme atesta nota 
divulgada pela Associação Brasileira de Currículo (ABdC), em 2017, por 
ocasião das audiências públicas realizadas antes da homologação da versão 
final da BNCC. É indispensável considerar este acúmulo:
Chama atenção nessa terceira versão do documento a insistência em 
demarcar que a Base não é currículo, como numa resposta às críticas que 
vem recebendo ao longo de seu processo de construção, já apresentadas 
pela ABdC anteriormente, na produção de um texto em co-autoria com a 
Anped, publicizado e entregue ao CNE. Paradoxalmente, a Base se intitula 
Comum e Curricular. Ao negar sua condição de currículo o faz reduzindo-o 
a uma questão de ordenamento e sequenciação de conteúdos, o que traz ao 
conceito de currículo feições de arranjos materiais/procedimentais que se 
coadunam com uma lógica tecnicista. Se não é currículo,é o quê? Somente 
listagem de conteúdos definidos como essenciais? [...] Essa linha reduz 
também a própria discussão em torno do conhecimento, coisificando-o, tal 
como faz ao indicar e defender certa concepção de currículo, que enfatiza 
a centralidade da dimensão instrucional, onde a definição do conhecimento 
a ser ensinado se sobrepõe a outras dimensões do processo pedagógico, 
ignorando a vasta produção do campo de pesquisas em currículo. Não é 
currículo, mas será obrigatória. Afirma-se que a intenção é estabelecer uma 
pactuação interfederativa, mas a BNCC, como norma, tem uma incidência 
muito mais regulativa que colaborativa (ABdC, 2017).
Partindo dessa compreensão e reconhecendo, por conseguinte, o estatuto 
de currículo da Base, é preciso discutir alguns dos aspectos centrais de um 
documento dessa natureza. Já se sabe que currículos expressam sempre opções 
e há muito o debate teórico retirou espaço para uma compreensão meramente 
instrumental das escolhas neles concretizadas7. Nada nesse terreno é neutro: 
políticas públicas de educação e cultura, concepções de escolarização e de 
7 Tomaz Tadeu da Silva, fazendo um histórico das teorias de currículo no século XX, identifica na obra de 
Bobbitt, de 1918, o marco no estabelecimento deste campo especializado de estudos e aponta seu limite 
tecnicista: “Na perspectiva de Bobbitt, a questão do currículo se transforma em uma questão de organiza-
ção. O currículo é simplesmente uma mecânica. A atividade supostamente científica do especialista em 
currículo não passa de uma visão burocrática. [...] Numa perspectiva que considera que as finalidades da 
educação estão dadas pelas exigências profissionais da vida adulta, o currículo se resume a uma questão 
de desenvolvimento, a uma questão técnica” (SILVA, 2019, p. 24).
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indivíduo a ser formado por ela, sistemas de mensuração de aprendizagem, 
perspectivas gerenciais de ensino, indústria de produtos educacionais e polí-
ticas sociais. Afinal, como há muito alertam estudiosos de currículo,
A educação está intimamente ligada à política da cultura. O currículo 
nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que, de algum modo 
aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação. Ele é sempre parte de 
uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum 
grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto das tensões, 
conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e 
desorganizam um povo (APPLE apud MOREIRA; TADEU, 2013, p. 71).
Antes, portanto, de discutir particularidades das concepções de língua e 
de seu ensino presentes na BNCC, é importante situar, ainda que pontualmente, 
os movimentos a que ela se associa. Por isso, considerando caracterizações 
como a feita por Apple, não nos é possível dizer que a existência de um cur-
rículo nacional é positiva por si só, apenas porque sua materialidade servirá 
como orientação para professores, antes aprisionados por determinações locais 
ou pelos imperativos das editoras de livros didáticos, ou ainda imersos em 
algum vazio. Esse tipo de linearidade, de naturalização de escolhas, não dá 
conta da necessária avaliação que é preciso fazer sobre uma política de edu-
cação, em um país tão extenso e diverso como o nosso.
É forçoso reconhecer o fato de que essa materialidade é um produto de 
dada visão de escola e cultura, dueto inseparável da construção dos currículos, 
como nos apontam Moreira e Candau (2003), para quem
No entanto, numerosos estudos e pesquisas têm evidenciado como essa 
perspectiva termina por veicular uma visão homogênea e padronizada dos 
conteúdos e dos sujeitos presentes no processo educacional, assumindo 
uma visão monocultural da educação e, particularmente, da cultura escolar. 
Essa nos parece ser uma problemática cada vez mais evidente. O que está 
em questão, portanto, é a visão monocultural da educação (MOREIRA; 
CANDAU, 2003, p. 160).
Não discernir o terreno diverso e tenso em que se assentam propostas 
curriculares é reforçar instrumentos de dominação que frequentemente no 
processo de escolarização se mostram, além de tudo, insuficientes até mesmo 
para os objetivos a que se propõem. Isso não significa, é claro, concluir a 
inviabilidade de toda e qualquer indicação curricular – uma vez que sempre 
haverá componentes históricos e mediações a serem feitas frente à diversidade 
cultural das comunidades escolares –, mas aponta a necessidade de incorporar 
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essa perspectiva como estruturante de nossas análises e indica a importância da 
democratização efetiva do debate, muito para além de consultas burocráticas 
pela Internet, como caminho para construir propostas curriculares, inclusive 
as que não se alinham com uma ampla unificação.
De todo modo, sabemos que não existe espaço vazio na sociedade e é 
legítima a queixa de professoras e professores acerca do preenchimento de 
demandas concretas por meio de conteúdos e metodologias selecionados e 
dirigidos por livros ou materiais didáticos – os quais, não raro, terminam por 
parametrizar consideravelmente o trabalho docente. No entanto, se é verdade 
que a hegemonia do mercado editorial, na definição do que haveria de ser 
ensinado nas escolas, se estabeleceu como realidade há algumas décadas e por 
motivos diversos, não se pode entender a Base apenas sob essa perspectiva, 
algo redentora até, de superação de tais condicionamentos ou interferências. 
Esse fenômeno do impacto dos materiais didáticos no fazer docente é mais 
complexo, com raízes históricas e culturais que se relacionam com perfis de 
professor e escola, com a fetichização do trabalho do professor – como nos 
aponta Geraldi8 (1997) – e com outros aspectos que ultrapassam a questão 
curricular, embora com ela se entrelacem.
Além disso, não se pode esquecer que os Parâmetros Curriculares Nacio-
nais (PCN) já haviam, antes da BNCC e sem o caráter tão normativo desta, 
oferecido um acúmulo de reflexão pedagógica voltado para a questão curri-
cular. Na área das Linguagens, inclusive, isso impactou de forma substancial 
a produção e seleção de livros didáticos, especialmente pela ação do PNLD 
(Programa Nacional do Livro e do Material Didático), o que não nos permite 
considerar que a BNCC veio exatamente preencher algum vazio historica-
mente verificado.
E sobretudo não se pode ignorar que, ao invés de oferecer uma alternativa 
aos limites pedagógicos da indústria de materiais didáticos, a BNCC se arti-
cula justamente com o avanço desse olhar mercantil, que ameaça pautar ainda 
mais a educação brasileira, formatando saberes e aprendizagens passíveis de 
conversão em produtos, sejam estes diretamente ligados às tarefas de ensi-
no-aprendizagem, sejam oferecidos como testagens em larga escala9. Mesmo 
Dermeval Saviani (2016), educador cujas elaborações admitem a possibilidade 
de uma proposta curricular composta por saberes nucleares comuns e básicos 
para o trabalho educativo, adverte para os limites desse claro alinhamento da 
8 No curso de uma experiência histórica de construção da identidade do professor na modernidade, Geraldi 
(1997) aponta o processo de separação entre produção e reprodução do conhecimento.
9 Nesse contexto, podem-se compreender certos movimentos comerciais, amplamente noticiados pela 
imprensa, como o da expansão da Kroton, agora com uma holding denominada Cogna Educação, que 
comprou editoras como Ática, Scipione e Saraiva, prevendo sua inserção em um mercado declaradamente 
bilionário, a partir da diversificação de serviços e produtos, da educação básica à superior.
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proposta da BNCC brasileira com um movimento internacional, com interesses 
pouco ligadosverdadeiramente aos problemas educacionais:
Considerando a centralidade que assumiu a questão da avaliação afe-
rida por meio de testes globais padronizados na organização da educação 
nacional e tendo em vista a menção a outros países, com destaque para os 
Estados Unidos tomados como referência para essa iniciativa de elaborar 
a “base comum nacional curricular” no Brasil, tudo indica que a função 
dessa nova norma é ajustar o funcionamento da educação brasileira aos 
parâmetros das avaliações gerais padronizadas. Essa circunstância coloca 
em evidência as limitações dessa tentativa, pois, como já advertimos, essa 
subordinação de toda a organização e funcionamento da educação nacio-
nal à referida concepção de avaliação implica numa grande distorção do 
ponto de vista pedagógico (SAVIANI, 2012, p. 316-317), entendimento 
que veio a ser reforçado pela ampla e contundente crítica efetuada por 
Diane Ravitch (2011) sobre o sistema americano, que está sendo tomado 
como modelo pelo Brasil (SAVIANI, 2016, p. 75).
É um debate de fundo, que há de integrar qualquer exame dos sentidos da 
BNCC, em sua natureza de política pública de educação. A discussão de matri-
zes curriculares não pode se dar de maneira descontextualizada, mesmo que, 
na nossa esfera especializada, as propostas formalizadas tragam concepções e 
categorias de análise afeitas a este ou aquele campo de estudos da linguagem, 
que se possa considerar mais adequado ou inovador. A Base Nacional Comum 
Curricular, portanto, não pode ser vista apenas em um recorte conceitual ou 
operacional de cada área, abstraído do contexto social e político em que se 
engendrou, ainda que, no trabalho docente, ensaiemos maneiras produtivas 
de lidar com suas definições.
Caminhos da educação, terrenos do mercado
Em conferência proferida no fim de 2020, Antonio Nóvoa expõe ten-
dências no campo da educação que, exponenciadas pela pandemia, integram, 
na verdade, uma disputa de projetos na sociedade global. Na defesa de uma 
educação transformadora, entendida como um bem necessariamente público, 
“comum”, o professor português identifica, na condição de obstáculo, um polo 
de mercantilização do ensino, em que dadas tendências estão especialmente 
orientadas para imprimir um selo de consumo a tudo o que se relaciona à edu-
cação. São produtos voltados para aprendizagens, insistentemente ofertados 
por plataformas e empresas digitais – massificadoras por definição, mesmo 
que se apresentem personalizáveis, ao gosto do consumidor –, a assumir 
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uma face abertamente privatista da educação, com decorrências diversas. É 
nesse campo que Nóvoa situa a frequente substituição do termo “educação” 
por “aprendizagem”, algo a ser conquistado individualmente e passível de 
ser mensurado. Por isso, saem de cena tanto a figura do professor, quanto as 
práticas pedagógicas, posto que, mesmo constituindo elementos cruciais do 
processo ensino-aprendizagem, não encontram lugar em propostas gestadas 
fora dos espaços educativos, assentadas em lógicas de mercado e controle.
No mesmo sentido, consideramos o que nos apontam Dourado e Siqueira 
(2019), em artigo significativamente intitulado “A arte do disfarce: BNCC 
como gestão e regulação do currículo”:
Outro risco, em relação à padronização de uma base, é orientar-se por 
uma lógica restrita do ‘direito à aprendizagem’. Não se trata a ter direito 
a aprender, mas sim, ‘direito à educação’, uma vez que aprender é uma 
condição inerente ao ato educativo. Portanto, falar em direito à educação 
é mais amplo do que direito à aprendizagem, já que o direito à educação 
implica uma instituição educativa de qualidade, com professores valo-
rizados, com currículos construídos coletivamente, com infraestrutura 
adequada que permita a materialização de um projeto político-pedagó-
gico democrático e não apenas restrito às necessidades de aprendizagem 
(DOURADO; SIQUEIRA, 2019, p. 291).
Especificamente em relação à BNCC, deslocamento semelhante é descrito 
em um dos pareceres elaborados a partir da sua terceira versão e disponibili-
zado no sítio do MEC. Nele, Egon Rangel, analisando a área de Linguagens/
Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental, alerta para o declarado privilé-
gio de gestores como interlocutores a quem se dirige a Base, para a escolha do 
desenvolvimento de competências como objeto primordial e da aprendizagem 
como foco. Nesse desenho curricular, ocorre, então, o que Rangel identifica 
como “elisão do ensino”, não obstante ser a elevação da qualidade do ensino 
um ponto de chegada propagandeado pela Base (RANGEL, 2016, p. 4). A 
ênfase em resultados, definidos a partir de critérios por vezes, como se verá 
mais adiante, em franca desarmonia com as escolhas curriculares, caminha 
na direção do que nos aponta Nóvoa. Trata-se do mesmo fenômeno: uma 
política de resultados, operada por avaliações em larga escala, mais voltadas 
para indicadores quantitativos do que propriamente para a valorização dos 
espaços educativos, tão flagrantemente secundarizados nessa perspectiva 
individual de proficiência.
Somando-se às muitas críticas que já foram formuladas à Base, também 
a ANPEd (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação) 
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alerta para essa inegável face da BNCC, em sua nota intitulada “A proposta 
de BNCC do ensino médio: alguns pontos para o debate”:
Reiterar que cabe à escola desenvolver competências em relação ao “saber 
fazer” esvaziando seu conteúdo é uma forma de negar o que há de mais 
avançado no campo da ciência, da cultura e da arte para a maioria da 
população brasileira. É negar a escola como lugar de democratização 
do saber, do conhecimento. A ênfase na aprendizagem para desenvolver 
competências, sabemos, está articulada com as políticas que o Banco Mun-
dial e outros organismos internacionais vêm desenvolvendo nos últimos 
tempos, e tem a ver com pensar a escola como se fosse uma empresa. 
Se o produto da empresa escolar são estas aprendizagens, ela tem que 
ser medida e avaliada principalmente pelos seus resultados. Não há uma 
preocupação com a formação integral do estudante, com um desenvolvi-
mento omnilateral dessas novas gerações. Pelo contrário: se trata de um 
desenvolvimento estreitamente ligado à inserção produtiva das novas 
gerações (ANPEd, 2018).
Não por acaso, o texto da BNCC do ensino médio dá ênfase à “flexibiliza-
ção” do currículo e aos “itinerários formativos”, que, na realidade, autorizam 
uma redução dos componentes curriculares dessa etapa de ensino, em nome 
de uma ilusória possibilidade de escolha por parte do estudante – algo impen-
sável para os limites estruturais que temos hoje, no conjunto do país. Não é 
difícil prever que as áreas de conhecimento com maior carência de professo-
res ou de manutenção mais cara simplesmente não serão “oferecidas” a uma 
parcela significativa de estudantes do ensino médio. Essa clara perspectiva 
de enxugamento configura um dos pilares dos “reformadores empresariais 
da educação”, articulados com dado projeto de sociedade, como tão bem 
nos aponta Luiz Carlos de Freitas (2014), que discute o próprio modelo de 
base curricular unificada, declaradamente advindo de experiências nos EUA, 
Austrália, entre outros, sempre citados como modelos externos nesse debate. 
Tais modelos, é bom frisar, já mostraram suas muitas fissuras, como afirmam 
pesquisadores que avaliam os rumos das políticas educacionais, no contexto 
posterior aos acontecimentos de 2016 no Brasil10.
10 O aparato empresarial avança para a área da educação pública (e privada, com os sistemas e franquias 
devorando as pequenas escolas de bairro e seus currículos) e segue a “base da proposta política neoliberal: 
igualdade de oportunidades e não de resultados. Para ela, dadas as oportunidades, o que faz diferença entre 
as pessoasé o esforço pessoal, o mérito de cada um (FREITAS, 2012, p. 383) exatamente como advogam 
os radicais do Tea Party (PRICE, 2014; SÜSSEKIND, 2014). Com base nesta política, houve um desmonte 
do sistema educacional público americano com demissões em massa, perda de credibilidade das escolas e 
privatização de setores do sistema como resultados da unificação curricular, das testagens em larga escala 
e da responsabilização de professorxs e diretores” (PRESTES; SUSSEKIND, 2017, p. 499).
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Barateiam-se, assim, os custos com um nível de escolarização já sele-
tivo, nos marcos de um Estado cada vez mais mínimo, ao mesmo tempo em 
que se produzem grandes contingentes de mão de obra pouco formada e, por 
conseguinte, condenada à inserção subalterna e precarizada no mercado de 
trabalho. Aos que insistem em propalar que a exigência de patamares cada 
vez maiores de formação, para acompanhar as rápidas mudanças da produção 
na era das tecnologias, constituiria uma salvaguarda da qualidade de ensino 
garantida para todos, é preciso lembrar que a formação de indivíduos alta-
mente escolarizados não é incompatível com a presença massiva daqueles que 
vão “sobrar”. Estes, submetidos a condições rebaixadas de trabalho e vida, 
no fundo continuarão fazendo girar a roda da concentração de renda, em um 
sistema no qual a exclusão social é, em última instância, parte do negócio.
Note-se ainda que, em meio à intensa propaganda de novos formatos de 
educação, ostenta-se uma capacidade de levar oportunidades para todos, por 
sobre as desigualdades sociais. Nesse contexto, repetem-se propostas de aparên-
cia democratizante, que naturalizam objetivos elencados como imprescindíveis 
para a escolarização na contemporaneidade, com vistas à participação cidadã, 
ao mesmo tempo em que convenientemente se ocultam interesses, buscando 
apresentar como necessidade de todos o que é, na verdade, projeto de alguns11.
Na área de Linguagens, por exemplo, a reiterada construção dessa figu-
ração – embora se afirme reconhecer o cenário das desigualdades e os limites 
que elas impõem à democratização das oportunidades – coloca acento nos 
gêneros de circulação no espaço virtual, na teórica equivalência entre diferen-
tes atores sociais, todos igualmente produtores de produções culturais. Deli-
neia-se assim, uma miragem de nova era, que parece por vezes desconsiderar 
os circuitos de poder econômico e prestígio social que presidem também os 
meios digitais, dificultando a pressuposição do acessível “a qualquer um”, tal 
como reiteradamente exposto pela BNCC:
As práticas de linguagem contemporâneas não só envolvem novos gêneros 
e textos cada vez mais multissemióticos e multimidiáticos, como também 
11 Nesse aspecto, é preciso ter atenção aos cenários previstos por estudiosos da área: “Esta tendência tecni-
cista está hoje embalada e ampliada no interior da reforma empresarial da educação. Portanto, que tenha 
eclodido agora a questão da EAD, não significa que suas bases sejam, de fato, uma surpresa. Este modelo 
educacional vem sendo desenhado desde as discussões sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) 
e antes delas no delineamento do Sistema de Avaliação do Educação Básica – SAEB. O que se pretende e 
dar ênfase ao ‘alinhamento’ entre BNCC – Materiais de ensino – Avaliação Nacional. A BNCC está pronta, 
o SAEB também, falta a ‘modernização’ dos materiais didáticos que, até agora, são apenas impressos. Toda 
esta ‘onda’ visa construir este tripé: BNCC – EAD e similares – Avaliação, seja ou não para a educação a 
distância. A terceirização da educação para ONGs e empresas vai acelerar a introdução das plataformas, 
para gerar rentabilidade na operação. As empresas e ONGs operarão tanto a modalidade presencial como 
a virtual” (FREITAS, 2020).
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novas formas de produzir, de configurar, de disponibilizar, de replicar e de 
interagir. As novas ferramentas de edição de textos, áudios, fotos, vídeos 
tornam acessíveis a qualquer um a produção e disponibilização de textos 
multissemióticos nas redes sociais e outros ambientes da Web. Não só é 
possível acessar conteúdos variados em diferentes mídias, como também 
produzir e publicar fotos, vídeos diversos, podcasts, infográficos, enciclo-
pédias colaborativas, revistas e livros digitais etc. (BRASIL, 2018, p. 68).
De saída, seria preciso considerar, para além das meras menções de vitrine, 
os obstáculos reais ao alcance dos inúmeros saberes que, expostos pela Base, são 
ligados à produção de textos multimidáticos. Trata-se, afinal, de um país que, 
de acordo com dados do censo escolar de 2020, realizado pelo INEP, apresenta 
enormes desigualdades nas condições de acesso à rede entre as escolas distri-
buídas pelo território nacional12. Sem nenhuma política efetivamente voltada 
para superar tais condições – aliás, ao contrário, justamente em um contexto 
de congelamento de investimentos em educação13 -, torna-se quase inviável 
contemplar habilidades de produzir “reportagens multimidiáticas”, “podcasts 
noticiosos”, “vlogs”, “gameplay”, “detonado”, “infográfico animado” e outros. 
Identificadas pela BNCC como próprios da cultura juvenil, essas práticas de 
linguagem se encontram em longas listas de indicações, distribuídas por habili-
dades, inclusive de produção textual, a serem incluídas no cotidiano do ensino 
de língua portuguesa nas escolas. As vivências obtidas pelo trabalho com os 
numerosos gêneros formalizados nas habilidades da Base são tratadas
como forma de compreender as condições de produção que envolvem a cir-
culação desses textos e poder participar e vislumbrar possibilidades de partici-
pação nas práticas de linguagem do campo jornalístico e do campo midiático 
de forma ética e responsável, levando-se em consideração o contexto da Web 
2.0, que amplia a possibilidade de circulação desses textos e “funde” os papéis 
de leitor e autor, de consumidor e produtor (BRASIL, 2018, p. 143).
Além do flagrante desencontro entre o apregoado e o factível, também há 
questões a serem levantadas, do ponto de vista teórico, quanto à construção de 
12 Veja-se, como exemplo, um dos diagnósticos a partir de dados coletados em escolas do nível fundamental de 
ensino, até o 9º ano: “Quando observados os recursos tecnológicos por região, fica evidente a disparidade 
entre o Norte e o restante do País. Em todos os dez quesitos analisados, a região apresentou percentuais 
abaixo de 50%. Destaca-se que apenas 31,4% das escolas de ensino fundamental da região Norte possuem 
acesso à internet banda larga. No Nordeste, os percentuais de internet (66,6%) e de internet banda larga 
(54,7%) também são menores que no Sul, Sudeste e CentroOeste. A região Sul é a que apresenta maior 
percentual (48,8%) de computador portátil para os alunos (Gráfico 52)”. Disponível em https://www.gov.br/
inep/pt-br/areas-de-atuacao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/censo-escolar/resultados.
13 Ver aprovação, pelo Senado Federal, da PEC55/2016.
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uma equivalência entre agentes dos domínios culturais e comerciais (leitor é 
consumidor e autor, produtor). Tal paralelo remete a um debate feito por pensa-
dores como Néstor García Canclini14, que tematiza significativas alterações no 
mundo das tecnologias digitais de comunicação, com a emergência de canais 
de comunicação que abrangem, com suas especificidades, leitores, especta-
dores e internautas, tornando menos familiares algumas antigas relações no 
trânsito de textos e outras produções culturais. Os problemas decorrentes de 
fenômenos como a pós-verdade ou a manipulação mais palpável de informa-
ções, que são mencionados de forma até repetitiva na Base, também estão nas 
reflexões de García Canclini. Explorando diálogos possíveis,a tarefa de “pas-
sar da conectividade indistinta ao pensamento crítico” (GARCÍA CANCLINI, 
2008, p. 24), enfatizada pelo autor, pode ser vista, de fato, como um desafio 
para a educação em nosso tempo. Mas, em seus estudos, ele mesmo sinaliza 
que, imbricada aos novos produtos e às antes impensáveis versatilidades da 
tecnologia – inclusive na área da educação –, está uma engrenagem de poder 
socioeconômico, sempre hierarquizado, capaz de tragar individualidades, 
soberanias e ilusões de protagonismo:
[...] Enquanto os pós-modernos celebram a mobilidade e o nomadismo, a 
desterritorialização e a facilidade com que nos comunicamos, na verdade 
nem todos podem fugir à exigência de estar sempre disponíveis, à vigi-
lância daqueles que lhe recordam que você pertence a uma empresa e a 
um lugar mesmo estando em outra cidade ou outro país.
As ligações múltiplas e rápidas são um capital social, porém – como 
acontece com o dinheiro — nem todos as obtêm de maneira igual. Outras 
formas de acumulação não digital da riqueza distribuem a possibilidade 
de dar ordens ou a obrigação de cumpri-las. Não importa a hora mostrada 
pelo seu celular ou computador, você pode ser convocado ou receber uma 
mensagem para que faça algo imediatamente. Onde está o poder: em 
conectar-se velozmente e com muitos ou na possibilidade de desconectar-
-se? Você não ganha de presente o celular. Você é o presente, você é que é 
ofertado para o aniversário do celular (GARCÍA CANCLINI, 2008, p. 41).
A citação expõe uma das faces perversas do controle na sociedade con-
temporânea. Obviamente não é a única. Sua menção aqui cumpre o papel de 
não deixar esquecer que o exercício de poder, particularmente o econômico, é 
um componente não superado de nossa experiência social, mesmo em locais 
ou em situações nas quais o acesso à rede esteja mais disseminado. O ideal de 
um mundo em que todos estejam conectados não constitui, por si só, um passe 
para experiências igualitárias. Nessa realidade também devem ser entendidos 
14 Antropólogo argentino bastante evocado para a reflexão sobre esse tema.
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os limites postos para os acenos de modernização, de feição atualizadora, 
evocados pela BNCC.
As interações pessoais e sociais pela via das chamadas novas tecnologias 
integram um fenômeno complexo, sobretudo quando implicado em uma polí-
tica pública de educação. Não se trata, é claro, de adotar algum tipo de negação 
ou paralisia diante dessa complexidade; este, há tempos, é um debate superado. 
Mas, diante da incorporação ao trabalho escolar de práticas de linguagem 
identificadas como contemporâneas, agora massivamente impulsionada por 
um currículo nacional, é importante pensar todo esse movimento em uma 
dimensão contextual mais ampla. Seguindo a trilha da reflexão, na análise de 
uma proposta curricular tão detalhada, com o envolvimento de habilidades tão 
numerosas quanto excessivas em cada uma de suas descrições, não é difícil 
projetar a abertura de um amplo mercado de produtos “facilitadores”, entre 
materiais didáticos tradicionais e outros em formato digital15. Então se abre, 
concretamente, um terreno de controle, de exercício do poder real, a exercer 
suas pressões homogeneizadoras e nada ingênuas. Talvez uma ponta mais 
visível dessa tendência esteja na ênfase dada a gêneros e práticas ancoradas 
em produtos do mercado digital – disseminados e amplamente consumidos 
nos centros metropolitanos – em um currículo que se quer nacional, neste país 
de dimensões continentais e enorme diversidade cultural.
É importante reafirmar que, dessa feição modernizante da BNCC, tam-
bém participam políticas educacionais apontadas como modelos de sucesso, 
experiências internacionais com as quais teríamos de aprender, por mais que 
se reconheçam as grandes diferenças entre os países em questão e deles com 
o Brasil. Em relação a tais paralelos, e para fazer um exercício consequente 
de compreensão do sentido geral da Base, é preciso ouvir pesquisadores da 
área16, cujas críticas não são contornáveis, inclusive aquelas dirigidas a políti-
cas de outros países que fizeram semelhante unificação curricular, conforme já 
mencionado. A pretensa atualização ajudaria, assim, a mascarar um retrocesso.
Muito mais haveria a dizer acerca dos interesses e sentidos que se articu-
lam na trilha da BNCC, haja vista, por exemplo, a própria composição do seu 
15 Qualquer breve consulta na Internet que busque termos relativos a objetos de conhecimento próprios dos 
gêneros textuais do universo digital, vai retornar, em primeiro lugar, muitas páginas de empresas e institutos 
de produtos educacionais, com um sem-número de propostas de “como fazer” essa educação, que celebra 
a si mesma como aquela voltada para o presente e para o futuro.
16 É claro que não se toma aqui o terreno da investigação na área de currículos com algo homogêneo, acima 
de disputas de concepções e redes de trocas e múltiplas influências. Mesmo no âmbito das entidades, é 
natural que existam divergências. Mas é fundamental reforçar o entendimento de que esse debate pertence 
primordialmente do campo da educação e é com essa perspectiva que se devem sopesar inclusive elementos 
das teorias de cada área do conhecimento, quando o que está em discussão é uma proposta curricular de 
abrangência nacional.
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maior articulador, o Movimento Todos pela Base, grupo que teve sua menção 
ocultada na versão final. Uma breve visita à página desse movimento revela 
alguns dos principais agentes e interesses empresariais que se mobilizaram 
na trajetória do texto da Base, o que, definitivamente, não é um dado que 
se possa ignorar. De todo modo, os elementos aqui levantados já permitem 
sinalizar o contexto geral em que a Base se insere e poderão ser postos em 
diálogo na compreensão algumas das questões que perpassam as propostas 
específicas para Língua Portuguesa como componente curricular, conforme 
se buscará analisar a seguir.
“Um museu de grandes novidades”
Logo na abertura do item relativo à Língua Portuguesa, no capítulo 
destinado à etapa dos anos finais do ensino fundamental, afirma-se o espectro 
teórico em que a BNCC busca se situar. Reivindica-se um lugar de desdobra-
mento no tempo, ao apresentar a Base como forma de atualização, em uma 
esteira de documentos oficiais que lhe foram anteriores:
O componente Língua Portuguesa da BNCC dialoga com documentos e 
orientações curriculares produzidos nas últimas décadas, buscando atua-
lizá-los em relação às pesquisas recentes da área e às transformações das 
práticas de linguagem ocorridas neste século, devidas em grande parte ao 
desenvolvimento das tecnologias digitais da informação e comunicação 
(TDIC). Assume-se aqui a perspectiva enunciativo-discursiva de lingua-
gem, já assumida em outros documentos, como os Parâmetros Curricu-
lares Nacionais (PCN), para os quais a linguagem é “uma forma de ação 
interindividual orientada para uma finalidade específica; um processo de 
interlocução que se realiza nas práticas sociais existentes numa sociedade, 
nos distintos momentos de sua história” (BRASIL, 2018, p. 69).
Começando, então, pelo que aponta como anterior no que diz respeito 
ao trabalho com a Língua Portuguesa, o texto da Base não só busca afirmar 
seu espaço em uma tradição de políticas educacionais brasileiras no período 
pós-ditadura, como também explicita alinhamento com um campo teórico ao 
qual deve dar consequência pedagógica. Mesmo que não se faça aqui uma 
análise exaustiva dos encontros e desencontros dessa perspectiva com as 
proposições concretas da Base, algumas questões devem ser levantadas em 
um ensaio de leitura crítica.
Ao assumir a perspectiva enunciativo-discursiva da linguagem como 
fundamento de suas propostas, a BNCC estabelece uma definição que, identi-
ficada com os ParâmetrosCurriculares Nacionais, caminha em uma direção já 
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conhecida de educação linguística, seja no âmbito acadêmico seja em diversas 
políticas públicas – centralizadas ou descentralizadas, por iniciativa de diver-
sos entes da federação – que germinaram a partir das duas últimas décadas do 
século XX. É o que se encontra, de fato, expressamente assinalado na Base:
Tal proposta assume a centralidade do texto como unidade de trabalho e 
as perspectivas enunciativo-discursivas na abordagem, de forma a sempre 
relacionar os textos a seus contextos de produção e o desenvolvimento de 
habilidades ao uso significativo da linguagem em atividades de leitura, 
escuta e produção de textos em várias mídias e semioses.
[...] Na esteira do que foi proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais, 
o texto ganha centralidade na definição dos conteúdos, habilidades e objeti-
vos, considerado a partir de seu pertencimento a um gênero discursivo que 
circula em diferentes esferas/campos sociais de atividade/comunicação/
uso da linguagem (BRASIL, 2018, p. 67).
Ainda que se conheça a diversidade envolvendo o próprio conceito de 
texto, sublinhar essa centralidade aponta uma direção pedagógica que é impor-
tante fortalecer. A perspectiva enunciativo-discursiva em que tal opção se 
inscreve é uma via importante para o trabalho na escola, porque, dentre outras 
razões, permite superar o artificialismo de dadas práticas pedagógicas, calcadas 
no esvaziamento do trabalho com textos e na primazia dos fragmentos de usos, 
sobretudo escritos e associados à variedade de prestígio da língua, tomados 
apenas como corpus de análises e classificações, muitas vezes imprecisas, 
como já amplamente apontado nos estudos de linguagem e ensino, há décadas.
Na composição de tais reafirmações da BNCC, sempre se declarando 
referenciada em documentos anteriores, é digna de nota a construção do sen-
tido de atualização que ela imprime à sua própria apresentação, buscando 
demarcar o que seria sua singularidade:
Ao mesmo tempo que se fundamenta em concepções e conceitos já dis-
seminados em outros documentos e orientações curriculares e em contex-
tos variados de formação de professores, já relativamente conhecidos no 
ambiente escolar – tais como práticas de linguagem, discurso e gêneros 
discursivos/gêneros textuais, esferas/campos de circulação dos discursos 
–, considera as práticas contemporâneas de linguagem, sem o que a par-
ticipação nas esferas da vida pública, do trabalho e pessoal pode se dar 
de forma desigual (BRASIL, 2018, p. 67).
As concepções e os conceitos identificados como heranças de certa 
tradição curricular anterior são tomados como o “já relativamente conhe-
cido” no ambiente escolar, algo a ser acrescido com a abordagem de práticas 
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contemporâneas de linguagem, cujo conhecimento se colocaria na contramão 
das desigualdades quanto à participação social, como já vimos. Mesmo que 
não se entre novamente no debate sobre a real natureza das desigualdades ou 
de sua abrangência (que atinge também o acesso ao conjunto dos recursos 
digitais), é preciso fazer um destaque em relação a essa linha de distinção 
subentendida, entre “as concepções e conceitos”, advindos de uma matriz 
teórica declaradamente enunciativo-discursiva, e as “práticas contemporâneas 
de linguagem”.
De um lado, parece que se sugere descontinuidade naquilo que é mate-
rialização, fenômeno incluído no próprio espectro teórico assumido, que tem 
na historicidade das práticas sociais e de linguagem justamente um de seus 
componentes fundamentais. De outro, mesmo se tomarmos o que está escrito 
apenas como ênfase, já seria forçoso examinar a pertinência de um desdobra-
mento desse destaque: a numerosa inclusão de gêneros que circulam pelas 
redes em constante e acelerada mutação, conforme se verá adiante. Aceitar tais 
limites não implica negar o necessário diálogo com o conjunto multifacetado 
das práticas de linguagem nos meios digitais, nem suas possibilidades de traba-
lho na escola, mas problematiza essa alardeada face da apresentação da BNCC.
Na necessária interseção entre os saberes teóricos e práticos que orientam 
as ações docentes, é relevante lembrar, de antemão, que mesmo o “já relati-
vamente conhecido” – como o arsenal de gêneros há muito inseridos nos cur-
rículos escolares – não desfruta de estabilidade e que, portanto, sua presença 
nas atividades de ensino trará sempre alguma forma de atualização. Para dar 
um exemplo corriqueiro, note-se que a didatização dos chamados gêneros 
jornalísticos, muito frequente no ensino de língua, há muito vem lançando 
mão de textos veiculados em suportes digitais, o que nos indica, sobretudo 
nas regiões com acesso privilegiado à Internet, que essa prática na seleção 
de textos não é em nada estranha ao trabalho docente que já acontecia antes 
da BNCC. Além disso, é preciso ressalvar que mesmo a inclusão “oficial” 
de gêneros e fenômenos advindos da cultura digital no ensino não constitui 
propriamente novidade, porque são elementos sinalizados pelos currículos há 
bastante tempo e já integravam diretrizes para materiais didáticos submetidos 
ao PNLD no Brasil17. Não há propriamente, portanto, em termos gerais, um 
17 Como exemplos, vejam-se: 1) o currículo da SEEDUC do Rio de Janeiro, que, em 2012, já incluía “gêneros 
e tipos textuais atuais, vinculados mais diretamente às novas tecnologias da comunicação”. Disponível 
em: https://seeduconline.educa.rj.gov.br/currículo-básico. Acesso em: 2 jun. 2021; 2) o edital do PNLD de 
2017, igualmente anterior à BNCC, em que se expõem claramente, como critérios para aprovação de obras 
didáticas: “1.1 Apresenta diversidade de esferas e gêneros discursivos? [...] 1.3 Inclui textos multimodais 
(quadrinhos, propagandas, vídeos, animações etc.?) 1.4 Contempla a produção cultural dirigida a adolescen-
tes e jovens (incluindo a produção escrita e imagética)?”. Disponível em: http://www.fnde.gov.br/component/
k2/item/8813-guia-pnld-2017. Acesso em: 2 jun. 2021.
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marco zero, a partir do qual passamos a identificar as práticas contemporâneas 
e fazer delas objetos do trabalho escolar.
Mas o investimento na ideia de avanço, mesmo que seja imprecisa, é 
recorrente no texto da BNCC, fortalecendo-se por meio dos muitos compo-
nentes que alimentam esse sentido geral. Isso inclui as escolhas de gêneros 
sugeridos e descrição de habilidades, para além das reafirmações presentes 
na introdução e na apresentação da área de Linguagens, dentro de cada nível, 
denominado etapa de ensino. Diante dessa ênfase, há de se reforçar o alerta 
quanto à compreensão da historicidade dos gêneros, que é capaz de abarcar 
sua mutabilidade nas práticas sociais que eles mesmos integram. Estamos 
diante, afinal, da própria constituição dos gêneros, que, na teoria de Bakhtin 
(1997) – pensador central para a linha assumida pela BNCC –, tem como um 
de seus fundamentos a permanente participação nas atividades humanas, em 
incessante movimento.
Sempre é bom ressaltar que não se trata de filigrana teórica, de exercí-
cio retórico apoiado em problemas pontuais de caracterização de fenômenos 
presentes no texto final da BNCC. Existem decorrências curriculares, que 
estarão no cotidiano das escolas, em desdobramentos que precisam ocupar o 
centro de nossas preocupações. Como já dissemos, essa face concreta, embora 
sempre permeável ao que pode ser feito e subvertido nas diversas redes de 
ensino, é menos livre do que se faz parecer. A reiterada alegação de que são 
apenas indicações desconsidera o caráter declaradamente normativo da Base 
e o fato de que ela produz pressões em sua condição de política educacional18, 
inclusiveno que diz respeito à formação de professores, como demonstram 
crescentes iniciativas do MEC19.
Uma dessas decorrências se verifica na própria ampliação das fronteiras 
pertinentes às “práticas contemporâneas de linguagem”, para além do que 
costumamos reconhecer mais imediatamente como gêneros discursivos no 
trabalho com a língua na educação básica. Na apresentação do eixo relativo 
à leitura na BNCC, especificamente no componente curricular Língua Por-
tuguesa (e não de Linguagens), se colocam para professoras e professores de 
18 Vejam-se, como exemplo, as análises de livros de Língua Portuguesa de 6º a 9º ano que estão consolidadas 
no Guia do PNLD 2020, disponível no sítio do MEC, e apontam a ausência de habilidades previstas na 
BNCC, mesmo que tenham sido contempladas todas as outras, como um problema das obras avaliadas. 
Assim, o Guia, com as resenhas críticas das coleções didáticas, traça um entendimento a ser assumido 
pelas obras que poderão ser compradas pelo governo, no âmbito do PNLD, com impacto presumido sobre 
práticas educativas na escola.
19 São exemplos claros desse alinhamento as definições presentes nos editais recentes do PNLD, na Residência 
Pedagógica da CAPES e principalmente na Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores 
da Educação Básica (BNC-Formação).
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português, no ensino fundamental do Brasil inteiro, tarefas com implicação 
de conhecimentos de outras artes e necessidade de recursos técnicos nas 
escolas, o que tende a aprofundar desigualdades, tendo em vista sua abran-
gência nacional20.
A presença de inúmeros elementos da experiência digital, inclusive 
alguns ligados claramente a plataformas específicas de empresas do setor, 
remete a outro problema de fundo, anterior às escolhas curriculares especí-
ficas das áreas, que é a própria concepção de formação, aquela que orienta 
ações em todos os níveis dos sistemas de educação, na definição de objetos 
de ensino. Percival Britto tem se debruçado insistentemente sobre essa ques-
tão, relacionando-a com projetos de sociedade e modelos de reprodução das 
desigualdades no curso da história. Em Ao revés do avesso (2015), Britto, 
pesquisador dedicado às questões da educação linguística no Brasil, investe 
na reflexão acerca dos limites de concepções de leitura orientadas para o indi-
vidualismo, para a competição estabelecida quando o horizonte é o domínio 
instrumental de saberes e o consequente alcance imediatista de dadas pers-
pectivas de ensino. Diz o autor:
[...] ao se reproduzirem pragmaticamente as determinações institucionais 
e insistir que estudar e aprender limitam-se à incorporação de informações 
e comportamentos supostamente úteis à vida prática, nada mais se faz do 
que fixar a educação a um senso comum em que todo tipo de crença está 
legitimado. A verdade, a história, o mundo se manifestam como algo fixo, 
acabado, absoluto e, por isso mesmo, anti-histórico (BRITTO, 2015, p. 34).
Não se pode deixar de associar a reflexão de Percival Britto à postura 
assumida pela BNCC do foco nas “competências”, porque ela, conforme 
exposto por vários estudiosos já citados, embute uma submissão de saberes à 
demanda do mundo produtivo, nos moldes exploratórios e competitivos que 
ele tem hoje. São saberes mensuráveis, individualizados, vinculados à ideia 
de usuário competente da língua, o que, segundo Britto, expressa concepções 
pragmáticas e utilitárias de educação, de um “saber fazer” que, concretamente, 
aparece indiciado pelo próprio texto da Base, já indissociável de um plano 
geral, presidido pelas competências, tal como as entende a BNCC21.
20 Referimo-nos especificamente a objetivos como “Identificar e analisar efeitos de sentido decorrentes de 
escolhas e formatação de imagens (enquadramento, ângulo/vetor, cor, brilho, contraste), de sua sequenciação 
(disposição e transição de movimentos de câmera, remix) e da performance – movimentos de corpo, gestos, 
ocupação do espaço cênico e elementos sonoros (entonação, trilha sonora, sampleamento etc.) que nela se 
relacionam” (BRASIL, 2018, p. 73). Ressaltamos que não são indicações pontuais. Aparecem várias vezes 
no documento relativo ao ensino fundamental, inclusive na descrição de habilidades a serem contempladas.
21 Ver em: BRASIL, 2018, p. 13.
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É interessante ainda retomar alguns problemas acerca da didatização dos 
gêneros textuais de circulação em meios digitais, componente desse “saber 
fazer” em nossa área, mesmo se ponderarmos o trabalho com textos mais 
acessíveis ao conjunto dos estudantes. Não raro, nesse tipo de inclusão cor-
respondente a objetos de conhecimento, se tenta dar duração (em currículos 
ou em materiais didáticos, cuja composição sempre prevê certa capacidade 
de permanência no tempo) àquilo que, até pelo contexto de sua circulação, 
está submetido a um significativo nível de efemeridade. No tecido social e 
nas condições objetivas em que se produzem, tais gêneros estão em acelerada 
mutação, fenômeno do qual temos inúmeros exemplos, desde aqueles ligados 
ao universo dos games até o clássico e-mail – cuja transformação, quanto 
a finalidades e traços composicionais hegemônicos, aconteceu no ritmo da 
ascensão das redes sociais, constituídas por outros formatos de comunicação 
mais instantâneos.
Isso, é claro, não invalida algumas ponderações que aparecem na Base 
acerca da necessidade de uma formação que amplie as possibilidades do 
estudante no enfrentamento dos desafios postos para a leitura e a produção 
dos textos, com novas configurações e recursos para a sua circulação, em 
sociedades inegavelmente impactadas pelas transformações trazidas pelas tec-
nologias digitais. No geral, são mudanças hoje até bastante descritas, embora 
sempre tenhamos de relativizar o acesso ilusório “a qualquer um”, mencionado 
na BNCC e já problematizado aqui, em virtude das restrições óbvias que a 
desigualdade econômica e social impõe.
Nesse terreno, há ainda outra dimensão política: são diversos os momen-
tos nos quais a BNCC reafirma a centralidade de uma formação escolar que 
permita ao indivíduo lidar com gêneros digitais, tendo em vista seus benefícios 
para o exercício da democracia. É uma intenção que aparece declarada com 
grande visibilidade no texto da Base. E a experiência social contemporânea 
realmente nos fornece numerosos elementos que comprovam os riscos, para 
um ambiente minimamente democrático, de práticas como a disseminação 
de notícias falsas ou como a manipulação de cenários políticos por meio de 
produtos massificadores, comprovadamente encomendados. Mas este é um 
campo de muitas armadilhas. Basta constatar as movimentações de grupos 
econômicos para a formulação da Base, quando sabemos serem estes bas-
tante interessados no tratamento da educação como uma pauta do comércio 
e pouquíssimo compromissados com a efetiva democratização da sociedade 
ou mesmo do cenário educacional. Pelo contrário, em virtude do controle 
que desejam obter sobre os sistemas educacionais, com sua lógica gerencial e 
associada a poderosos interesses econômicos, constituem, eles mesmos, uma 
ameaça à pluralidade e à democracia.
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Apontamentos sobre o trabalho com os gêneros
Como componente de uma política de educação, a assunção da perspec-
tiva teórica enunciativo-discursiva representa, desde sua inserção nos PCN, um 
caminho fundamental para a superação do que, àquela época, figurava como 
realidade dominante no ensino de língua materna no Brasil. Na combinação 
de crítica e proposição, acenava-se com uma direção de trabalho com os 
gêneros discursivos que buscava superar os problemas sintetizados, no texto 
dos Parâmetros Curriculares Nacionais, na “nova crítica ao ensino de língua 
portuguesano Brasil”: a desconsideração da realidade e dos interesses dos 
alunos; a excessiva escolarização das atividades de leitura e de produção de 
texto, vistas como expedientes para ensinar valores morais e como pretexto 
para tratar de aspectos gramaticais; a exagerada valorização da gramática 
normativa com o consequente preconceito contra as formas de oralidade e 
variedades; além do ensino descontextualizado da metalinguagem, efetivada 
por exercícios mecânicos de identificação de fragmentos linguísticos em frases 
soltas (BRASIL, 1998, p. 17).
Considerando a força de permanência de várias dessas práticas ainda 
hoje – uma realidade repetidamente testemunhada por depoimentos em espa-
ços de formação docente e mesmo em materiais didáticos vistos em sítios 
voltados para o estudo da língua, incluindo os escolares –, supõe-se que há 
um longo caminho a percorrer. Mais de vinte anos depois da publicação dos 
PCN, está evidenciado que as disposições curriculares não alteram de imediato 
essa realidade, mesmo quando incidem sobre políticas oficiais para materiais 
didáticos, hoje mais amplamente disseminados em nossas redes de ensino. 
Entretanto elas podem, sem dúvida, contribuir para fortalecer dadas opções 
pedagógicas e enfraquecer outras.
É claro que muitos fatores influenciam tais desdobramentos e, não raro, 
em nome dos melhores propósitos, pode haver escolhas na direção contrária 
ao escopo teórico que se reivindica. São desencontros já sinalizados na área 
há bastante tempo – mesmo quando se afirmava a necessidade de trabalho 
com gêneros discursivos ou textuais –, quer por questionamentos de ordem 
mais teórica, quer pelo exame de suas manifestações em variadas dimensões 
do trabalho escolar.
Beth Brait (2000), em publicação dedicada à discussão de práticas basea-
das nos PCN na área de Linguagens, advertia para o que caracterizava como 
confusão entre gêneros e tipologias textuais e para o problema da operacio-
nalização mecânica de conceitos, tendo em vista que Bakhtin “não acreditava 
ser a função das Ciências Humanas, aí incluídos os estudos da linguagem, 
oferecer modelos acabados de descrição, o que implicaria olhar um objeto 
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fixo, a partir de um olhar também fixo” (BRAIT apud ROJO, 2000, p. 22). É 
um alerta que ecoa nas necessárias críticas que se têm feito à tendência mode-
lizadora do trabalho com gêneros textuais na escola. E talvez a decorrência 
mais desafiadora resida mesmo, após todos esses anos, na transformação dos 
variados gêneros em conteúdos escolares e na construção de práticas pedagó-
gicas harmonizadas com as concepções implicadas nisso. Desde desencontros 
teóricos até a excessiva modelização, passando pelo uso do texto como pre-
texto para tratar de assuntos de descrição linguística, conforme se apontou em 
outro estudo (AGUIAR, 2013), são muitas as descontinuidades que se podem 
verificar, consubstanciadas em formulações curriculares e materiais didáticos 
problemáticos, sobretudo aqueles que exercitam o ímpeto classificatório, 
com mera identificação de características quase como atividade com fim em 
si mesma, tônica de algumas formas tradicionais de lidar com a língua e a 
literatura na educação básica22.
Problemas dessa natureza seriam um desafio real a ser enfrentado por 
uma nova proposta curricular, que se declara continuidade e avanço em rela-
ção à anterior. Mas a BNCC não trata disso. Em direção diversa, elenca uma 
infinidade de gêneros sugeridos para o atendimento às habilidades previstas e 
delineia o que virá a ser considerado como caminho para os chamados direitos 
de aprendizagem. Se é previsível que frequentemente faltarão, a professores 
e a redes de ensino por todo o país, condições objetivas para atender a tais 
demandas, é igualmente plausível a projeção de que estará aberto o campo 
para o consumo em escala ainda maior de produtos voltados para a apren-
dizagem, potencialmente atravessados por problemas semelhantes aos que 
expusemos. E, mais grave, estão dadas as condições para uma situação na qual 
o professor pode ser pressionado a desempenhar o reduzido papel de aplicador 
de materiais didáticos, produzidos para um mercado de massa, e se tornar 
propagandista involuntário de grandes plataformas e corporações digitais.
É com esse contexto em vista que podemos discutir, de maneira conse-
quente, aquilo que se encontra normatizado pela BNCC. Em se tratando de 
uma política pública nacional, variados fatores da educação escolar preci-
sam ser considerados. Assim, embora sempre se possa alegar, por exemplo, 
que a grande quantidade de gêneros textuais na Base constitui apenas de 
22 Recentemente, em 2019, em material destinado à Educação de Jovens e Adultos, distribuído pela SEEDUC-
-RJ, com base no hoje denominado Currículo Básico da rede estadual de ensino, apresentam-se textos 
em versão fragmentada, reduzida, apenas para se submeterem à classificação em gêneros previamente 
apresentados, chegando ao cúmulo de trazer uma receita de pudim que não conduziria à produção efetiva 
do doce (pela extrema redução do “modo de fazer”), tamanho seu descolamento da realidade. Cf. em CEJA: 
Centro de educação de jovens e adultos. Ensino fundamental II. Língua portuguesa. Rio de Janeiro: 
Fundação Cecierj, 2019. Fasc. 12, unid. 27–28. Disponível em: https://seeduconline.educa.rj.gov.br/materiais-
-ceja. Acesso em: 21 mar. 2021.
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exemplificação de possibilidades, o alcance de uma política educacional dessa 
natureza e amplitude inegavelmente concretiza demandas para o ensino, para 
atendimento das expectativas de aprendizagens23.
Na apresentação dos elementos relativos ao componente curricular Lín-
gua Portuguesa, há outros acenos que não podem ser desconsiderados. Veja-
-se, por exemplo, o que se encontra na descrição das estratégias do eixo da 
produção de textos, na etapa do ensino fundamental:
• Desenvolver estratégias de planejamento, revisão, edição, reescrita/rede-
sign e avaliação de textos, considerando-se sua adequação aos contextos 
em que foram produzidos, ao modo (escrito ou oral; imagem estática ou 
em movimento etc.), à variedade linguística e/ou semioses apropriadas a 
esse contexto, os enunciadores envolvidos, o gênero, o suporte, a esfera/ 
campo de circulação, adequação à norma-padrão etc.
• Utilizar softwares de edição de texto, de imagem e de áudio para editar 
textos produzidos em várias mídias, explorando os recursos multimídias 
disponíveis (BRASIL, 2018, p. 78).
Junto das operações de manejo de softwares, há lugar de destaque para a 
“norma-padrão”, recolocada em sua individualidade ilusória e autolegitimada, 
mesmo que se tenha mencionado anteriormente, na mesma frase, “variedade 
linguística e/ou semioses apropriadas a esse contexto”. E não se trata de uma 
referência qualquer, mesmo porque ela se repete em outros momentos da 
Base, com diferentes modulações, até retomando a complicada nomenclatura 
“norma culta”:
(EF69LP08) Revisar/editar o texto produzido – notícia, reportagem, rese-
nha, artigo de opinião, dentre outros –, tendo em vista sua adequação 
ao contexto de produção, a mídia em questão, características do gênero, 
aspectos relativos à textualidade, a relação entre as diferentes semioses, 
a formatação e uso adequado das ferramentas de edição (de texto, foto, 
23 O currículo da rede estadual de ensino do Espírito Santo (disponível em: https://sedu.es.gov.br/curriculo-base-
-da-rede-estadual; acesso em: 23 jun. 2021), por exemplo, indicado também para redes municipais do estado, 
inclui a habilidade EF05LP18, que prevê “roteirizar, produzir e editar vídeo para vlogs argumentativos sobre 
produtos de mídia para público infantil (filmes, desenhos animados, HQs, games etc.)”, em uma realidade na 
qual, de acordo com o já mencionado censo da educação básica de 2020, internetpara ensino-aprendizagem 
é disponibilizada para apenas 38,6% dos alunos do ensino fundamental na rede municipal e 73,8% na rede 
estadual (mais de um quarto dos estudantes de fora dessa condição de infraestrutura), e equipamentos 
para 41,1% e 73,2%, respectivamente, considerando apenas as unidades escolares, sem discriminação 
de quantidade por aluno. E é significativo o fato de ser um estado do Sudeste, tendo em vista as históricas 
desigualdades socioeconômicas que caracterizam nosso território nacional.
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áudio e vídeo, dependendo do caso) e adequação à norma culta (BRASIL, 
2018, p. 143).
A julgar pela atual tendência, no universo jornalístico-midiático, de 
incorporação de variedades culturais e sujeitos sociais com diferentes feições 
(embora tímida em relação aos silenciamentos vividos estruturalmente), a ten-
tativa de associar os gêneros mencionados à norma padrão não atende sequer 
ao requisito mínimo da contextualização. Colocar a variedade de prestígio da 
língua como ponto de chegada de um exercício de adequação é, no mínimo, 
um contrassenso e um carimbo retrógrado, sobretudo em uma normatização 
curricular que apregoa, como sua própria grande virtude, estar atenta às prá-
ticas contemporâneas de linguagem.
Além dessas contradições relacionadas ao tratamento da variação linguís-
tica, que pontilham o texto da BNCC, também outros de seus componentes 
trazem grande preocupação, por representarem inequivocamente um retrocesso 
nas orientações oficiais dirigidas ao ensino de português no Brasil. De fato, 
parece-nos espantoso que uma base curricular em nosso país, após tudo o 
que já se disse, inclusive nos PCN, traga, dentre aquelas indicadas para o 7º 
ano do ensino fundamental, a seguinte habilidade: “(EF07LP07) Identificar, 
em textos lidos ou de produção própria, a estrutura básica da oração: sujeito, 
predicado, complemento (objetos direto e indireto)”. Ou ainda, para o 6º ano 
do ensino fundamental, habilidades como “(EF06LP07) Identificar, em tex-
tos, períodos compostos por orações separadas por vírgula sem a utilização 
de conectivos, nomeando-os como períodos compostos por coordenação”. 
Mesmo que não nos atenhamos aos sinais de inconsistência descritiva pre-
sentes em tais formulações, não há dúvida de que, para a reflexão no âmbito 
da educação linguística, elas recolocam um debate que parecia estar razoa-
velmente assentado, nos idos da década de 80 do século passado, a partir de 
estudos que apontavam o equívoco de se tentar ensinar, especialmente para 
alunos do nível fundamental, categorias de análise gramatical sobre uma 
variedade de prestígio que eles ainda sequer dominam24.
E não se trata de um retorno qualquer. Não se está aqui, sempre é bom 
lembrar, tentando diminuir o lugar que a descrição linguística ocupa na com-
preensão de aspectos dos usos da língua, da construção de sentidos dos textos, 
mas é preciso reafirmar que este é primordialmente um debate sobre educação 
básica. Quando se avalia o peso desse tipo de indicação, em um cenário no 
qual a predominância da fragmentária análise linguística nunca abandonou 
24 A coletânea O texto na sala de aula, livro organizado por João Wanderley Geraldi, publicado originalmente 
em 1984, trazia um conjunto de artigos que disseminaram importantes reflexões acerca desse e de outros 
desacertos no ensino-aprendizagem de língua e literatura na educação básica. Não por acaso, tornou-se 
uma obra de referência nas licenciaturas em Letras.
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de fato o cotidiano escolar, em que o trabalho com gêneros ainda tem um 
longo caminho pela frente, até para superar as pressões modelizadoras que o 
acompanham, é indisfarçável o sentido de retrocesso, sobretudo nos anos de 
escolaridade envolvidos nos exemplos que trouxemos (6º e 7º anos).
Em nosso movimento de reflexão sobre variados aspectos da Base na área 
de Linguagens, vale destacar também que existem momentos nos quais são 
enunciadas algumas atitudes, vistas como integrantes de competências gerais 
previstas pela BNCC25. Apenas nessa perspectiva podem ser compreendidas 
dadas indicações inseridas na versão final do texto, homologada em 2018. 
Observe-se que, na descrição das práticas leitoras, no eixo especificamente 
dedicado à leitura, ao lado de “reconhecer”, “analisar”, “inferir”, “localizar”, 
“articular”, aparece:
• Mostrar-se interessado e envolvido pela leitura de livros de literatura, 
textos de divulgação científica e/ou textos jornalísticos que circulam em 
várias mídias.
• Mostrar-se ou tornar-se receptivo a textos que rompam com seu universo 
de expectativa, que representem um desafio em relação às suas possibi-
lidades atuais e suas experiências anteriores de leitura, apoiando-se nas 
marcas linguísticas, em seu conhecimento sobre os gêneros e a temática 
e nas orientações dadas pelo professor (BRASIL, 2018, p. 74).
Não é difícil supor que todo professor consegue, no miúdo das relações 
em sala de aula, reconhecer níveis de envolvimento dos estudantes. Contudo, 
em um processo tão complexo como o de ensino-aprendizagem, que envolve 
diferentes sujeitos, indicar em um currículo a necessidade de “mostrar-se” é 
compreender muito pouco do cotidiano escolar. Na esteira das generalidades, 
a necessidade de “mostrar-se receptivo a textos que rompam sua expectativa” 
parece desconsiderar que todos os textos participam das práticas sociais e, 
desse modo, não estão imunes, em sua totalidade, às manifestações de ódio, de 
preconceito e de negacionismo que hoje circulam em diferentes meios – casos 
nos quais o “receptivo” é insuficiente e a dimensão crítica é indispensável.
Para encerrar esta parte, no certo hibridismo da composição do texto da 
Base relativo à Língua Portuguesa como componente curricular, encontramos 
alguns momentos que parecem dirigidos aos professores, mas, ao mesmo 
tempo, expressam uma subestimação profissional, com exemplificações 
25 “Na BNCC, competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), 
habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas 
da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (BRASIL, 2018, p. 10).
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primárias, discutíveis e descontextualizadas26, inclusive na contramão do 
trabalho que teria no texto sua declarada centralidade:
(EF69LP28) Observar os mecanismos de modalização adequados aos tex-
tos jurídicos, as modalidades deônticas, que se referem ao eixo da conduta 
(obrigatoriedade/permissibilidade) como, por exemplo: Proibição: “Não se 
deve fumar em recintos fechados”; Obrigatoriedade: “A vida tem que valer 
a pena”; Possibilidade: “É permitido a entrada de menores acompanhados 
de adultos responsáveis”, e os mecanismos de modalização adequados 
aos textos políticos e propositivos, as modalidades apreciativas, em que 
o locutor exprime um juízo de valor (positivo ou negativo) acerca do que 
enuncia. Por exemplo: “Que belo discurso!”, “Discordo das escolhas de 
Antônio.” “Felizmente, o buraco ainda não causou acidentes mais graves” 
(BRASIL, 2018, p. 149).
Essa breve amostragem trazida não tem o intuito de se apresentar como 
um balanço de conjunto, pormenorizado e sistemático, no que diz respeito às 
concepções de língua e ensino manifestas nas disposições curriculares. Mas 
sinaliza alguns dos temas e problemas da Base sobre os quais, em uma pers-
pectiva crítica e sobretudo compromissada com uma educação emancipatória, 
não se pode deixar de falar.
Palavras finais em um debate inconcluso...
A discussão que aqui nos propusemos a fazer não se opõe, de modo sim-
plificador, aos muitos trabalhos que buscam ensaiar alternativaspedagógicas, a 
partir da realidade de imposição da BNCC, com a qual, ao que parece, teremos 
de conviver por algum tempo. Nem se invalidam, é claro, vários dos objetos 
de conhecimento para a área de Linguagens, fruto de acúmulos anteriores, 
que poderemos manejar de maneira mais reflexiva e crítica em sala de aula. 
Mas inscreve a Base, como política de educação, em um contexto que não 
se pode perder de vista.
De fato, se a BNCC possui esse inequívoco caráter de política educacio-
nal, uma análise consequente acerca dela não pode se ater, em nosso caso, a 
este ou aquele escopo teórico dos estudos da linguagem, embora, conforme 
se exemplificou, também nesse terreno a Base encontre suas dificuldades, 
seja nos sinais contraditórios que emite em relação à variação linguística, 
seja em algumas incongruências conceituais e descritivas na formulação das 
habilidades, seja na efetivação da abordagem enunciativo-discursiva assumida 
26 Há vários momentos que repetem essa prática (ver, por exemplo, no texto da BNCC disponível no sítio do 
MEC, p. 155, 181,185 e 189).
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para o ensino. A condição de um currículo com abrangência nacional impõe a 
reflexão acerca de seus sentidos, na disputa política de projetos que se coloca 
hoje para a educação e para a sociedade brasileira.
A propaganda modernizadora em torno da Base não pode ser tomada 
apenas por seus sinais de superfície. Trata-se de uma retórica de autolegiti-
mação, naturalizadora de opções curriculares, e, ainda que se concorde com a 
inclusão de dadas habilidades e objetos de conhecimento no trabalho escolar, 
não é essa a questão central. Um direcionamento de tamanha magnitude, que 
acontece no amplo, estratégico e cobiçado terreno da educação, requer outras 
articulações, outros diálogos. Também é preciso ver com reserva a tomada 
de modelos internacionais como régua para mensurar a educação brasileira – 
sempre apontados como avançados exemplos de sucesso, por cima de todas 
as desigualdades planetárias, e ocultando seus insucessos locais.
O itinerário que se buscou traçar, um dentre muitos possíveis nesse debate 
necessariamente amplo e múltiplo, expressa preocupações que estão no hori-
zonte de uma perspectiva emancipatória de formação e educação. Em um país 
que tem Paulo Freire como patrono de sua Educação, não se pode, afinal, 
fazer uma leitura ingênua de políticas curriculares e práticas pedagógicas. É 
fundamental encontrar, na combinação entre reflexão e resistência, dimensões 
mais transformadoras das atividades de/com linguagem na escola, como o 
próprio Freire nos lembra, em A importância do ato de ler:
Mas é nesse sentido também que, tanto no caso do processo educativo 
quanto no do ato político, uma das questões fundamentais seja a clareza 
em torno de a favor de quem e do quê, portanto contra quem e contra o 
quê fazemos a educação e de a favor de quem e do quê, portanto contra 
quem e contra o quê desenvolvemos a atividade política. Quanto mais 
ganhamos esta clareza através da prática, tanto mais percebemos a impos-
sibilidade de separar o inseparável, a educação da política. Entendemos, 
então, facilmente, não ser possível pensar, sequer, a educação, sem que se 
esteja atento à questão do poder (FREIRE, 1998, p. 23-24).
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POR UMA GRAMÁTICA DISCURSIVA: 
contribuições da Semiótica ao ensino
Lucia Teixeira de Siqueira e Oliveira27
Silvia Maria de Sousa28
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em vigor no Brasil desde 
sua homologação pelo Conselho Federal de Educação, em dezembro de 2018, 
põe em evidência o campo da semiótica, seja por instituir como prática de 
linguagem a análise linguística/semiótica, seja por citar 73 vezes a palavra 
semiótica (e afins)29 ao longo do documento.
Tal destaque obriga todos aqueles que seocupam dos estudos semióti-
cos a refletir sobre a oportunidade, precisão e alcance do emprego do termo 
numa base curricular que pretende dar início a “uma nova era na educação 
brasileira” (BRASIL, 2018, p. 5).
Um currículo, ou uma orientação curricular, é um ato de discurso e, por-
tanto, está filiado a condições sócio-históricas de produção. Todo documento 
regulador serve a um projeto de Estado, a uma concepção de país, a uma 
compreensão da função da escola e dos papéis sociais de professor e aluno. 
Se compararmos dois documentos reguladores do ensino, os Parâmetros Cur-
riculares Nacionais (PCNs) e a BNCC, veremos que o primeiro é marcado 
explicitamente por uma “perspectiva construtivista” (BRASIL, 1996, p. 36), 
influenciada pelas ideias “da psicologia genética, da teoria sociointeracionista 
e das explicações da atividade significativa” (BRASIL, 1996, p. 36), além 
de indicar suas fontes bibliográficas em longa lista de referências (BRASIL, 
1996, p. 73-79) e apresentar explicações introdutórias que o filiam a marcos 
teóricos determinados. Distinguem-se ainda os PCNs pela sua autoqualificação 
como “uma proposta flexível”, que não configuraria um “modelo curricular 
homogêneo e impositivo, que se sobreporia à competência político-executiva 
dos Estados e Municípios, à diversidade sociocultural das diferentes regiões do 
País ou à autonomia de professores e equipes pedagógicas” (BRASIL, 1998, 
p. 13). Já a BNCC apresenta-se como
27 Doutorado em Linguística pela Universidade de São Paulo. Professora Titular da Universidade Federal 
Fluminense. Professora convidada do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da UERJ/FFP.
28 Doutorado em Letras pela Universidade Federal Fluminense. Professora Associada II da Universidade 
Federal Fluminense.
29 Total considerado na busca das palavras-chave semiótica (40 vezes), multissemiótica(s) (7 vezes), multis-
semióticos (18 vezes), multissemiose(s) (8 vezes).
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[...] um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico 
e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem 
desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de 
modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desen-
volvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de 
Educação (PNE). Este documento normativo aplica-se exclusivamente à 
educação escolar, tal como a define o §1o do Artigo 1o da Lei de Diretrizes 
e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei no 9.394/1996), e está orientado 
pelos princípios éticos, políticos e estéticos que visam à formação humana 
integral e à construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva, 
como fundamentado nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação 
Básica (DCN) (BRASIL, 2018, p. 7).
Voltada para o desenvolvimento de “competências”, a BNCC tem caráter 
pragmático, explicitado em “ações”, “habilidades”, “atitudes” e “valores” 
apresentados em quadros adequados aos diferentes níveis de aprendizagem. 
Em lugar de citações teóricas, refere-se a modelos de avaliação internacionais 
(BRASIL, 2018, p. 13), enumera documentos legais (p. 7-12) e declara-se um 
documento que “se constitui em uma política nacional” (p. 21).
Em relação ao ensino de língua portuguesa, a BNCC assume “a perspec-
tiva enunciativo-discursiva de linguagem, já assumida em outros documentos, 
como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)” (BRASIL, 2018, p. 65), 
considerando “a centralidade do texto como unidade de trabalho” (BRASIL, 
2018, p. 65). O documento reconhece, assim, o papel norteador dos PCNs, 
que tiveram efetivamente desempenho marcante na mudança de concepção 
do ensino de modo geral e do ensino de português particularmente. Nos PCNs 
fixou-se a relevância da noção de gênero, desenvolveu-se o conceito de letra-
mento e deslocou-se da gramática para o texto a ênfase do ensino de língua. 
A BNCC, em virtude de seu caráter pragmático, transforma essas reflexões e 
diretrizes em competências e habilidades, restringindo seu alcance pedagógico 
e sua potencialidade inovadora.
Assim a BNCC define a organização do currículo de Língua Portuguesa:
[...] os eixos de integração considerados na BNCC de Língua Portuguesa 
são aqueles já consagrados nos documentos curriculares da Área, corres-
pondentes às práticas de linguagem: oralidade, leitura/escuta, produção 
(escrita e multissemiótica) e análise linguística/semiótica (que envolve 
conhecimentos linguísticos – sobre o sistema de escrita, o sistema da língua 
e a norma-padrão –, textuais, discursivos e sobre os modos de organização 
e os elementos de outras semioses (BRASIL, 2018, p. 69).
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Mais adiante, o documento acrescenta que o eixo análise linguística/
semiótica envolve
o conhecimento sobre a língua, sobre a norma-padrão e sobre as outras 
semioses, que se desenvolve transversalmente aos dois eixos – leitura/es-
cuta e produção oral, escrita e multissemiótica – e que envolve análise 
textual, gramatical, lexical, fonológica e das materialidades das outras 
semioses. [...] envolve [ainda] os procedimentos e estratégias (meta)cogni-
tivas de análise e avaliação consciente, durante os processos de leitura e de 
produção de textos (orais, escritos e multissemióticos), das materialidades 
dos textos, responsáveis por seus efeitos de sentido, seja no que se refere 
às formas de composição dos textos, determinadas pelos gêneros (orais, 
escritos e multissemióticos) e pela situação de produção, seja no que se 
refere aos estilos adotados nos textos, com forte impacto nos efeitos de 
sentido (BRASIL, 2018, p. 80).
A respeito das especificidades dos textos multissemióticos e suas formas 
de abordagem, diz o documento:
Já no que diz respeito aos textos multissemióticos, a análise levará em 
conta as formas de composição e estilo de cada uma das linguagens que os 
integram, tais como plano/ângulo/lado, figura/fundo, profundidade e foco, 
cor e intensidade nas imagens visuais estáticas, acrescendo, nas imagens 
dinâmicas e performances, as características de montagem, ritmo, tipo de 
movimento, duração, distribuição no espaço, sincronização com outras 
linguagens, complementaridade e interferência etc. ou tais como ritmo, 
andamento, melodia, harmonia, timbres, instrumentos, sampleamento, na 
música (BRASIL, 2018, p. 78).
Desse conjunto de citações, que apresentam redação nem sempre obe-
diente a princípios de clareza e boa organização sintática, parecem emergir 
tanto uma visão do campo da semiótica como aquele que está voltado para 
textos que se constituem de “imagens visuais estáticas”, “imagens dinâmicas e 
performances” e “música” quanto uma atenção à materialidade das linguagens, 
considerando seu papel fundamental na obtenção dos efeitos de sentido dos 
textos. Do primeiro aspecto decorre a impressão de que a BNCC traria uma 
abordagem inovadora ao instituir esse eixo de análise linguística/semiótica, 
que estaria associado à abordagem, na escola, de textos multimodais, gêneros 
digitais e práticas que contemplam a diversidade e mistura de linguagens pró-
prias da comunicação contemporânea. Do segundo aspecto advém a percepção 
de que a BNCC reforçaria a relevância da análise do plano de expressão das 
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linguagens (sua materialidade) ao pensar nos efeitos de sentido obtidos nos 
textos. Ambas as conclusões devem ser examinadas com mais cuidado.
Nas seções seguintes deste artigo, pretendemos demonstrar que a semió-
tica está mal compreendida pela BNCC, seja como campo de estudos cuja 
abrangência vai além de textos não verbais ou performáticos, seja como forma 
discursiva (cada tipo de linguagem determinando uma semiótica diferente, 
manifestada em textos ou práticas sociais), seja ainda como disciplinaque 
tem uma metodologia de abordagem de textos baseada numa gramática que 
associa sintaxe e semântica. Da mesma forma, demonstraremos que o plano 
da expressão das linguagens articula-se ao plano de conteúdo e é dessa arti-
culação que decorrem os efeitos de sentido dos textos e práticas.
No próximo item, examinaremos a semiótica como uma teoria da signifi-
cação, que considera todas as linguagens e formas de manifestação discursiva, 
concebendo um modelo metodológico assentado na base de uma gramática das 
relações entre sujeitos e objetos. Veremos, assim, que uma sintaxe do discurso 
e não da frase, gerada já no nível mais fundamental e abstrato de um percurso 
de produção do sentido, é um dos construtos teóricos que pode representar 
importante contribuição da semiótica ao ensino. Em seguida, aprofundaremos 
a discussão teórica sobre a sintaxe discursiva, observando como as projeções 
de pessoa, tempo e espaço no enunciado instituem uma gramática discursiva 
que, recoberta por mecanismos semânticos, produz efeitos de sentido rela-
cionados a expectativas criadas por tipos e gêneros e às funções utilitária 
e estética dos textos. Por fim, apresentaremos um exemplo de análise para 
demonstrar a fertilidade da teoria em suas aplicações didáticas, observando, 
especialmente, como o tratamento semiótico da sintaxe discursiva e da aspec-
tualização enriquecem a leitura, a interpretação e a produção de textos.
Teoria semiótica, sintaxe e semântica
Ao publicar na França, em 1966, sua Semântica estrutural, Greimas já con-
siderava a precedência do texto para a definição do sentido das palavras. Ainda 
que buscando os traços constitutivos dos lexemas, o linguista lituano desenvolvia 
suas propostas em torno de uma análise dos discursos, considerando neles “as 
exigências contraditórias da liberdade e das imposições da comunicação pelas 
oposições das forças divergentes da inércia e da história” (GREIMAS, 1973, 
p. 61). Em suas análises, buscava redundâncias e oposições, isotopias, redes de 
articulações sêmicas, significações ideológicas e transformações, estas últimas 
decorrentes de um modelo de narrativa tomado a Vladimir Propp em sua morfo-
logia do conto maravilhoso (1983). Configura-se, na Semântica, a formalização 
de uma perspectiva semiótica que terá seu desenvolvimento nos anos seguintes, 
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em torno de Greimas e pesquisadores reunidos no grupo que ficou conhecido 
como Escola de Paris, fonte do desenvolvimento de uma disciplina que desloca 
“o esforço de pesquisa das estruturas superficiais, frásticas e interfrásticas que 
constituem o objeto da linguística propriamente dita para as estruturas transfrás-
ticas, que assegurariam, em um nível mais profundo, a coerência do discurso” 
(HENAULT, 2006, p. 77).
O conceito de percurso gerativo de sentido e o foco no texto como objeto 
de análise marcam a semiótica dos anos iniciais e retêm, ainda hoje, a força 
das ideias fundadoras que asseguram a coerência de um modelo gerativo e 
discursivo do funcionamento das linguagens materializadas em textos, objetos 
e práticas sociais. Se os caminhos da pesquisa se diversificaram, ganharam 
novo corpo conceitual e dedicaram-se a novos objetos, como as práticas, as 
interações, os afetos e as formas de vida, a concepção de uma gramática das 
relações discursivas e textuais organizada em patamares de concretização e 
complexidade se mantém como força coesiva da teoria.
O percurso gerativo de sentido considera três níveis de organização do 
conteúdo do texto, este tomado como unidade de sentido que, constituída de 
um plano do conteúdo e um plano da expressão, prevê a interação entre um 
enunciador e um enunciatário, representações discursivas de um autor e um 
leitor. O plano da expressão se refere à materialidade de uma linguagem, a 
suas qualidades sensíveis. O plano do conteúdo diz respeito às ideias, pensa-
mentos e valores que configuram uma cultura. Um texto é produzido numa 
situação sócio-histórica que não está fora dele, mas nele mesmo, articulada 
por relações sintáticas e semânticas. Esses princípios básicos aplicam-se a 
textos de qualquer materialidade e configuram a semiótica como uma teoria 
geral da significação.
A percepção de diferenças e oposições está na base dos mecanismos de 
atribuição de sentido e a semiótica busca recuperar nos textos o espetáculo do 
homem no mundo. Um enunciado simples como “O professor aprovou o aluno” 
tem a estrutura espetacular de uma transformação, gerada pela mudança de estado 
de um sujeito, cujo percurso no mundo se faz de acordo com suas interações com 
outros sujeitos e se desenrola em função de sua junção (conjunção ou disjunção) 
com objetos investidos de valores. Nessa perspectiva, sujeito e objeto ganham 
definição relacional, esvaziada de conteúdos ontológicos ou psicológicos. Na 
pequena encenação que se manifesta no enunciado acima exemplificado, estão 
contidos os elementos essenciais da oposição de base que dá início ao percurso 
de geração de todo texto (a continuidade da vida escolar versus sua descontinui-
dade), a transformação narrativa (não aprovado para aprovado) e a realização 
discursiva concreta por meio de mecanismos de textualização, que tanto podem 
configurar-se, como no caso em tela, numa frase em terceira pessoa formada de um 
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sintagma nominal e um verbal quanto num romance autobiográfico de formação. 
Tem-se nessa sequência gerativa os três níveis do percurso: o fundamental, com 
as abstrações que se referem ao mínimo de sentido com base no qual um texto 
se constrói como objeto de significação; o narrativo, em que um sujeito sofre 
transformação a partir de interações com outros sujeitos e de relações de junção 
com objetos; e o discursivo, que aciona os mecanismos de projeção de pessoa, 
tempo e espaço no enunciado, para inscrever concretamente os níveis anteriores 
abstratos em textos historicamente situados, manifestados em qualquer linguagem.
Para exemplificar essa organização gerativa, tomemos o seguinte exemplo:
Quando Ludovico escutou sua mãe dizendo que Cícero, o porteiro do 
prédio, tinha morrido de covid, ficou triste e surpreso.
Triste porque Cícero era muito legal e sempre o chamava de “Viquinho”.
Surpreso porque ele não sabia que a doença podia matar gente que 
ele conhecia.
Hoje Viquinho vai pedir para dormir bem no meio de seu pai e de sua mãe 
(TORERO, 2020, p. 15).
Publicado em livro digital, em que o autor recolheu pequenos contos 
escritos durante a pandemia da COVID-19 que se espalhou pelo mundo nos 
anos 2020-2021, o texto discute a relação entre a vida e a morte que a doença 
tornou concreta e ameaçadora para toda a humanidade. Essa oposição fun-
damental, /vida/ versus /morte/, manifesta-se numa sequência de operações 
de asserção e negação. O menino toma conhecimento da morte (afirmação 
da morte), associa esse evento à doença (negação da vida), sobrevive a essa 
descoberta (negação da morte) e refaz sua rotina (afirmação da vida). Os 
quatro termos que compõem a organização mínima do sentido referem-se 
aos modos de existência e dão forma ao componente taxionômico da sintaxe 
fundamental, que mapeia os termos contrários (vida e morte) e contraditó-
rios (não vida – a doença – e não morte – a sobrevivência), considerando-os 
pontos de intersecção de variáveis semânticas. Já o componente operatório 
se refere às operações que movimentam e conferem às relações fundamentais 
seu caráter dinâmico de “pequena dramaturgia”, como indicava Jean-Marie 
Floch (1990, p. 27). A sintaxe fundamental é, assim, “puramente relacional, 
simultaneamente conceitual e lógica: os termos-símbolos de sua taxionomia 
se definem como intersecções de relações, ao passo que as operações são 
apenas atos que estabelecem relações” (GREIMAS; COURTÉS, 2008, p. 475).
Numa reportagem sobre adestruição da Amazônia, numa pintura de 
Turner que representa uma tempestade no mar, num poema sobre a morte 
da amada, numa HQ sobre a vida no espaço sideral, em qualquer dessas 
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realizações concretas a oposição fundamental entre vida e morte aparecerá 
e constituirá um mínimo de sentido, um mínimo semântico. Em cada um 
desses textos, entretanto, a vida e a morte poderão estar submetidas a dife-
rentes axiologias, que investem essa oposição mínima semântica de uma 
relação de conformidade ou não conformidade com o mundo, impondo uma 
modulação tímica à semântica fundamental. Se, no conto de Torero, a morte 
recebe um investimento disfórico (causa medo e tristeza), num poema român-
tico ela pode estar associada ao encontro eufórico do eu lírico com a amada 
que desapareceu.
A gramática fundamental mapeia, põe em relação e investe timicamente 
os termos que, no modelo de previsibilidade que é o percurso gerativo de 
sentido, instituem as relações sintáticas e semânticas a serem convertidas, no 
nível seguinte, em estruturas narrativas.
No conto de Torero, o conflito se concentra no conhecimento da morte, 
na aquisição de um saber pelo menino Ludovico. A criança escuta a mãe dizer 
que o porteiro morreu de Covid. Esse enunciado simples, que resume o conto, 
mapeia as relações actanciais em jogo. Dois sujeitos, um menino em estado 
de não saber, e uma mãe que sabe, estabelecem relação. Não se discute, na 
análise semiótica, a intenção nem de um narrador nem de um personagem, 
mas a intencionalidade do texto, que surge da coerência entre as conversões 
de um nível em outro. A mãe é o agente transformador do estado de não saber 
do menino, afetado pela notícia da morte do porteiro. A operação fundamen-
tal inicial de asserção do termo morte converte-se, no nível narrativo, nesse 
impacto sobre o estado de não saber do menino. A partir daí, transformado 
já num sujeito que sabe da existência possível da morte entre os que lhe são 
próximos, movido pelas paixões da tristeza e do medo e modalizado por um 
querer proteger-se, o menino muda seus hábitos (“Hoje Viquinho vai pedir...”), 
pressupondo-se um estado anterior que sofreu também transformação (não 
dormia com os pais/quer dormir entre os pais).
A narrativa, assim, se define tanto pela relação de junção de um sujeito 
com um objeto quanto pela relação entre os sujeitos, que oscila entre um modo 
contratual e um polêmico, dizendo-se, por isso, uma relação polêmico-contra-
tual, responsável pela comunicação entre um destinador e um destinatário, que 
se caracteriza por seu “caráter fiduciário, inquieto, hesitante, mas, ao mesmo 
tempo, sagaz e dominador” (GREIMAS, 2014, p. 22). A mãe se configura, 
no conto, como o destinador involuntário da transformação do destinatário 
menino. Implicitamente existe aí um crer que sobremodaliza essa relação, 
uma vez que é a crença na fala da mãe que mobiliza a reação do menino. 
Concentrada, pelo próprio formato micro do texto, em torno de um conflito 
simples, a narrativa poderia, entretanto, ter sofrido desdobramentos e sobre-
posições. Um antissujeito poderia ter aparecido, para pôr em dúvida a crença 
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do menino na palavra da mãe; o porteiro poderia ser grosseiro e agressivo e 
sua morte teria causado na criança outras paixões diferentes da tristeza e do 
medo; uma concepção religiosa forte poderia ter substituído a ideia da morte 
como fim da vida pela de eternidade etc.
O que se quer demonstrar aqui é a operacionalidade do modelo gramatical 
da narrativa, que, articulando sintaxe (os actantes e suas relações) e semân-
tica (os investimentos de valores nos objetos; as modalidades, as paixões), 
aplica-se a qualquer tipo de texto e não somente aos do tipo narrativo. Um 
texto científico que explique a pandemia também opera com a mudança de 
um estado de não saber para um de saber; um editorial que critique a política 
nacional de enfrentamento da doença lida também com a transformação implí-
cita nessa sequência de modalizações. Na descrição de uma cidade durante a 
pandemia, conjunções e disjunções com objetos investidos de valores modais 
também ocorreriam. Se em todos esses tipos de textos (expositivos, argumen-
tativos, descritivos) há um esquema de transformações de estados em curso, 
são os textos do tipo narrativo que se prestam didaticamente com mais clareza 
à análise das relações que exemplificamos sinteticamente no conto de Torero.
O terceiro patamar de análise, o nível discursivo, considera, no nível 
sintático, as projeções de pessoa, tempo e espaço e, no nível semântico, as 
coberturas figurativas e temáticas dos conteúdos abstratos dos dois níveis ante-
riores, que identificam o componente semionarrativo do texto. No microconto 
em exame, as projeções da terceira pessoa, do tempo passado e de um espaço 
do lá instalam um narrador distante, que se coloca como observador da cena 
narrada. O conto se inicia com um marcador temporal (“Quando”) que parece 
interromper um curso de ação cotidiana para criar um fato novo. É também um 
marcador temporal (“Hoje”) que encerra o conto, indicando uma mudança de 
estado futura em relação ao acontecimento de ruptura e situando a ação numa 
faixa temporal curta, que comprime e torna mais intensa a emoção causada 
no personagem do menino. O conto tematiza a passagem da ingenuidade ao 
conhecimento, diante da qual o tempo curto de processamento das emoções 
da tristeza, de aspecto durativo e átono, e da surpresa, de aspecto pontual e 
tônico, tem sequência no medo que encontra alívio imediato na figurativização 
mais concreta do drama da impotência ou desproteção da infância, o sono 
protetor na cama dos pais.
O nível figurativo é o mais próximo da concretude sensorial do mundo 
e já dizia Greimas (2014, p. 23) que as figuras do mundo não são apenas 
“salientes” e “provocativas”, mas participam “ativamente da construção do 
próprio sujeito”. A morte comum de um homem simples transforma-se em 
acontecimento capaz de mudar a relação de Ludovico com o mundo, a vida e 
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a morte. Afinal, nos 40 contos da coletânea, é disso que se trata, dos impactos 
da pandemia de covid-19 na vida cotidiana, sobretudo na vida das crianças.
A articulação de um modelo de previsibilidade baseado em esquemas 
e categorias opositivas a uma proposta de sensibilização do percurso, por 
meio da percepção de instabilidades, gradações e intensidades, desestabiliza 
a aparente dureza estruturalista da concepção fundadora da semiótica para 
dar lugar às sinuosidades e ao ritmo variado dos textos e das práticas, feitos 
não só de previsibilidade mas de surpresa e devir.
Num texto há sempre um jogo de forças discursivas, que pode ser com-
preendido como um embate entre intensidades (o descontínuo, o novo, o 
inesperado) e extensidades (o contínuo, o já conhecido). Cabe à enunciação 
regular os aumentos e diminuições de impacto do novo ou de manutenção do 
já conhecido. Essa regulação pretende ser explicada pela chamada semiótica 
tensiva, que reconhece a subordinação do inteligível ao sensível.
Os anúncios publicitários regulam sua força persuasiva num equilíbrio 
bem dosado entre o novo e o esperado. As cenas clássicas de anúncios de 
carros repetem ambientes de liberdade, aventura e ação. A novidade estará na 
potência do motor de última geração, numa lanterna em formato exclusivo, 
numa cor inesperada. Poderá estar também numa música de fundo ou na 
aceleração de um gesto dos atores.
Nas produções estéticas, o impacto do novo pode ser mais forte e aí 
estará, certamente, o sentido na plenitude de sua emergência. Tal plenitude 
poderá estar não no achado poético espetacular de uma paisagem atormen-
tada deVan Gogh, mas nos pequenos movimentos do sujeito em seu contato 
cotidiano com o mundo. Um modo de narrar sintético e comprimido, como 
ocorre nos contos de Torero, joga com os pressupostos e subentendidos para 
acentuar sua força estética e põe o próprio corpo do leitor em jogo:
– Mãe, que cheiro é esse em você?
– Água sanitária, filha.
– Eu gostava mais do perfume antigo (TORERO, 2020, p. 38).
Exigir do leitor seu empenho na reconstrução de etapas narrativas e 
percursos suprimidos faz parte desse esforço de sensibilização da narrativa. 
Será preciso fazer operações de catálise para reconstituir etapas pressupostas 
(a necessidade, ditada pela pandemia, de desinfecção de superfícies e mer-
cadorias), no nível narrativo, mas será preciso também recuperar, nas figuras 
do discurso, os cheiros, as memórias e os afetos da infância. As sensações 
mobilizadas no discurso põem em relação um enunciador que as espalha no 
enunciado e um enunciatário-leitor que as identifica nos personagens e as 
rememora em seu próprio corpo e nas emoções que o afetaram.
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Também em textos com função utilitária, como a notícia de jornal, ocorre 
essa sensibilização que desestabiliza os elementos puramente inteligíveis 
da linearidade factual. No dia 11 de maio de 2020, quando o Brasil atingiu 
a marca de 10.627 mortes na pandemia, o jornal O Globo publicou, em sua 
primeira página, a manchete “10 mil histórias”, sobre fundo que toma toda a 
página, com lista de nomes de pessoas mortas pela doença. Em 8 de agosto, 
a manchete é “100 mil histórias”, sobre fotografias modelo 3X4 de mortos 
pela pandemia, também ocupando a página inteira e formando, em destaque, 
o rosto da primeira vítima fatal da covid no país. O impacto da programação 
visual, a concisão dos títulos e a força afetiva da personalização das vítimas 
revelam uma estratégia enunciativa que sobrepõe o sensível ao inteligível 
para afetar emocionalmente e sensorialmente o leitor.
O corpo e os afetos se incorporam ao aparato teórico da semiótica no 
mesmo momento em que as práticas sociais e as interações são também objeto 
de interesse da teoria. Jacques Fontanille (2008, 2014) vai propor uma semiótica 
das práticas que alarga os objetos de interesse da disciplina. Uma prática semió-
tica é a transformação de um curso de ação num encadeamento sintagmático de 
relações entre atos e actantes, fundado num sistema axiológico com uma ética 
e/ou uma estética e recoberto por configurações modais, estados passionais, 
conteúdos temáticos e figurativos. Assim, para além de analisar, por exemplo, 
as representações da leitura no texto enunciado numa pintura de Almeida Junior 
(A leitura, 1892), pode-se estudar a prática da leitura em canais booktube ou a 
prática da visita ao museu. Alarga-se a análise, que sai do texto para as práticas 
da vida social, ao propor a sintagmatização de sua existência simbólica.
Ao lado dessa semiótica das práticas, uma semiótica que descreve regi-
mes de interação, proposta por Eric Landowski (2014), convoca o semioti-
cista a observar as relações entre sujeitos num patamar mais abrangente do 
que aquele previsto numa gramática narrativa. Ao incorporar os riscos da 
sensibilização das relações ao caráter pragmático dos regimes já conhecidos 
da programação e da manipulação (aos quais vai incorporar definições mais 
finas), Landowski acrescenta os regimes do ajustamento e do acidente, que 
associam um grau maior de risco em relação à segurança de interações pre-
visíveis e esperadas à possibilidade de vivência mais plena do sentido e da 
presença do sujeito no mundo.
Preocupada sempre com a carga simbólica e afetiva que preenche de 
sentido os textos, as práticas, as interações e a vida vivida, a semiótica pensa 
na gramática como previsibilidade, como organização estruturante do sen-
tido, constituída de uma sintaxe abstraída de relações e uma semântica que 
as preenche de concretizações associadas aos componentes sensíveis e inte-
ligíveis dos mecanismos de produção da significação.
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Esse modelo de previsibilidade, no entanto, não é nem inesgotável nem 
fechado. Toda análise que estiver preocupada apenas em aplicar um modelo 
ou exemplificar um esquema estará fadada ao reducionismo e ao didatismo. 
As boas análises são aquelas que ultrapassam, pela reflexão crítica e as articu-
lações teóricas bem construídas, a mera submissão de um texto a um modelo, 
com seus termos, tabelas, nomenclaturas e esquemas, para chegar aos limites 
próprios à interpretação.
Para explicitar melhor esse modelo de previsibilidade, a seguir adensa-
remos a discussão sobre a sintaxe discursiva, observando exemplos didáticos 
de análise.
Da gramática ao discurso
Iniciemos a reflexão sobre uma análise do discurso de base semiótica 
retomando trecho em que Jean-Claude Coquet chama atenção para o que se 
deve considerar na análise do texto:
Não são as palavras, a frase, enfim, as formas, que devemos ter unicamente 
em vista; são as operações. Há qualquer coisa a mais além da simples 
adição de elementos manifestados; e esse mais vem da consideração da 
combinação de elementos manifestados (COQUET, 2013, p. 305).
Na sintaxe do nível discursivo, a semiótica investiga as operações que 
põem em relação enunciação e enunciado. Aquela é a instância de mediação 
entre as estruturas semionarrativas e as discursivas pressuposta pelo enun-
ciado. Este é o resultado, o produto, que pode realçar ou esmaecer as marcas 
da enunciação. No enunciado são instauradas as categorias de pessoa, tempo 
e espaço – eu/ele, aqui/lá, agora/então – por meio de operações denominadas 
de debreagem e embreagem. Mapear essas operações permite ultrapassar a 
ideia de texto como soma de “elementos manifestados” para observar o algo 
“a mais” a que se refere Coquet. Nas palavras de Greimas e Courtés:
O ato de linguagem aparece, assim, por um lado, como uma fenda criadora 
do sujeito, do lugar e do tempo da enunciação e, por outro, da representa-
ção actancial, espacial e temporal do enunciado (GREIMAS; COURTÉS, 
2008, p. 111).
A metáfora da fenda demonstra que todo ato de linguagem remete a 
um fora de si, por meio de uma fresta por onde sujeito, tempo e espaço 
escapam sempre. Nessa escapada, essas categorias se projetam no enunciado 
como expressões de um eu, um aqui e um agora, tornando tangível o inefável 
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momento da enunciação. Já textos manifestados em terceira pessoa, em que 
se projeta um tempo do então e um espaço do lá, associam-se ao enunciado, 
ainda que todo ato discursivo manifeste sempre uma subjetividade histori-
camente situada. Para recuperar as projeções da enunciação no enunciado 
deve-se observar como se constroem, discursivamente, nos textos, actantes, 
tempos e espaços.
A debreagem é a operação em que a enunciação “projeta fora de si [...] 
certos termos ligados à sua estrutura de base, para assim constituir os elemen-
tos que servem de fundação ao enunciado-discurso” (GREIMAS; COURTÉS, 
2008, p. 111). Há dois tipos de debreagem: a enunciativa e a enunciva. Na 
primeira, são projetados os actantes, o espaço e o tempo que remetem à enun-
ciação (eu, aqui, agora). Na debreagem enunciva projetam-se os actantes, o 
espaço e o tempo do enunciado (ele, lá, então).
Em Viagens de Gulliver, narrativa de aventuras, que mais adiante toma-
remos como exemplo de análise, antes do início do primeiro capítulo, há duas 
cartas. Na primeira, o capitão Gulliver dirige-se ao primo Sympson, editor de 
suas memórias de viagem, para queixar-se dos erros, omissões e acréscimos 
da edição. Na segunda carta, Richard Sympson dirige-se ao leitor:
O editor ao leitor
O autor destas Viagens, o sr Lemuel Gulliver, é velho e íntimo amigo 
meu; existe, outrossim,algum parentesco entre nós pelo lado materno. 
Há cerca de três anos, o sr. Gulliver, cansando-se do concurso de gente 
que ia procurá-lo em sua casa em Redriff, comprou uma propriedadezinha 
[...] (SWIFT, 2018, p. 103).
A debreagem enunciativa projeta no enunciado um narrador que toma a 
palavra em primeira pessoa. Por meio do possessivo “meu”, o demonstrativo 
“destas” e o pronome pessoal “nós”, o editor inscreve-se no discurso como um 
narrador em primeira pessoa, criando o efeito de subjetividade. A expressão 
“Há cerca de três anos” remete a um passado, assim considerado em relação 
ao tempo presente tomado como marco temporal da enunciação. Também em 
relação ao tempo, portanto, tem-se uma debreagem enunciativa. O demonstra-
tivo “destas”, por sua vez, aponta para o próprio enunciado escrito por esse eu, 
referindo-se a um aqui próprio também da debreagem enunciativa. Reforçam 
esse efeito de subjetividade os procedimentos da semântica discursiva, em 
que o encadeamento de figuras – “velho”, “íntimo”, “amigo”, “parentesco”, 
“lado materno” – concretiza os temas da intimidade e familiaridade entre 
editor e autor.
Na sequência do livro, no início do primeiro capítulo, o narrador das 
memórias tomará a palavra também por meio da debreagem enunciativa. Entre 
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as cartas que abrem o volume e a narrativa estabelece-se, assim, um jogo de 
vozes, cujo intuito é assegurar o efeito de verdade da narrativa, conforme 
atesta outro trecho da carta do editor: “Este volume seria pelo menos duas 
vezes maior se eu não me atrevesse a riscar inumeráveis passagens relativas 
a ventos e marés [...]” (SWIFT, 2018, p. 104). Os narradores projetados, das 
cartas e da narrativa, são delegados pelo enunciador da obra. Essas projeções 
são operações discursivas e, portanto, “nenhum eu, aqui ou agora inscritos no 
enunciado são realmente a pessoa, o espaço e o tempo da enunciação, uma 
vez que estes são sempre pressupostos” (FIORIN, 2001, p. 43). As categorias 
sintáticas do discurso ajudam a compreender o jogo discursivo em que objeti-
vidades e subjetividades são sempre compreendidas como efeitos de sentido.
Na debreagem enunciva, as marcas da enunciação são apagadas e pro-
duzidos efeitos de objetividade e referente, como ocorre em outra narrativa 
clássica, Alice no país das maravilhas:
Alice estava começando a se aborrecer de ficar sentada ao lado da sua irmã 
num recosto do jardim, sem nada para fazer. Dava uma ou outra olhadela 
no livro que a irmã lia, mas implicava:
– De que serve um livro sem figuras nem diálogos?
Cheia de preguiça, por causa do calor do dia, ela se perguntava se o prazer 
de fazer um colar de margaridas valeria o esforço de se levantar e colher as 
flores, quando de repente um Coelho Branco de olhos cor-de-rosa passou 
correndo junto dela (CARROLL, 2009, p. 11).
Nesse trecho o enunciador debreia no enunciado duas vozes: a de um 
narrador em terceira pessoa, que atua como observador, e a de uma persona-
gem que, em discurso direto, fala em primeira pessoa, conferindo vivacidade à 
história. Associado à narrativa em terceira pessoa, um tempo passado se cons-
titui na continuidade registrada no pretérito imperfeito e o corte brusco (“de 
repente”), com uso do verbo no pretérito perfeito, faz irromper um aconteci-
mento que promoverá desdobramentos narrativos. O espaço figurativizado no 
jardim é também enuncivo, referindo-se a um lá oposto ao aqui da enunciação.
Já a embreagem é produzida “pela neutralização das categorias de pes-
soa e/ou espaço e/ou tempo, assim como pela denegação da instância do 
enunciado” (FIORIN, 2001, p. 48), constituindo-se como uma espécie de 
retorno à enunciação. Toda embreagem pressupõe uma debreagem prévia 
e cria no enunciado o efeito de sobreposição de uma pessoa por outra, um 
espaço ou tempo por outro, que deixa exposta a simulação constituída por 
todo enunciado.
Quando se usa, por exemplo, em títulos de notícias, o presente para fazer 
referência a um fato passado, faz-se uma embreagem que aproxima o leitor do 
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acontecimento e apela para a atualidade da notícia: “Câmara aprova suspensão 
da prova de vida até o fim do ano”. Ao ler a notícia, o leitor se informa de 
que a reunião da Câmara ocorreu no dia anterior: “A Câmara dos Deputados 
aprovou ontem projeto de lei que suspende até o fim do ano a exigência de 
prova de vida...” (São Paulo Agora, 15 jul. 2021, p. 1). Na nova rotina criada 
pelas reuniões e aulas remotas, em virtude do isolamente social imposto pela 
pandemia de covid-19, é comum que uma criança diga aos pais, por exemplo: 
“Vou lá pra minha aula”, quando vai para seu quarto ficar diante de seu tablet, 
celular ou computador. O aqui ganhou a dimensão de um lá, em virtude da 
transposição do espaço da escola (um lá) para a casa (um aqui). A embreagem 
mais comum de pessoa é a do uso, em geral por figuras públicas, da terceira 
pessoa pela primeira. Em entrevista à revista Veja, o cantor Latino, falando de 
personagem que interpretará em filme, um cover seu chamado Chicão, diz: “O 
Chicão não é muito diferente do Latino, que também tem um lado galanteador 
e romântico”30. Esse tipo de procedimento nos mostra que:
[...] quando se utiliza uma pessoa no lugar de outra, um tempo com valor 
de outro, um marcador de espaço com o sentido de outro, nota-se cla-
ramente que pessoa, espaço e tempo são construções da linguagem: a 
primeira pessoa do plural pode indicar a primeira do singular; o espaço da 
primeira pessoa pode apontar para o da terceira; o presente pode tornar-se 
futuro e assim por diante (FIORIN; DISCINI, 2013, p. 191).
Bem mais do que saber identificar as pessoas do discurso, memorizar 
advérbios de tempo, estudar a flexão dos verbos ou fazer a correspondência 
entre pronomes possessivos e pessoais, a análise linguística/semiótica deve 
levar o aluno a entender como operações discursivas permitem a alternância 
de projeções por embreagem ou debreagem, distribuem as vozes projetadas no 
enunciado entre papéis actanciais como os de narrador e interlocutor e situam o 
discurso no tempo e no espaço, conferindo-lhe historicidade. Mais ainda, será 
preciso compreender os efeitos de sentido criados por tais procedimentos e, 
com isso, saber interpretar e criar textos que explorem em grau máximo suas 
funções utilitária ou estética. Ressalte-se, entretanto, que o aluno do ensino 
fundamental e médio não precisa aprender a nomenclatura das teorias do 
texto e do discurso, mas deve compreender, na prática da aula de português, a 
articulação entre a gramática como organização e previsibilidade das relações 
30 Latino vira ator de cinema e fala de si mesmo em terceira pessoa. Veja, 22 ago. 2017. Disponível em: https://
veja.abril.com.br/cultura/latino-vira-ator-de-cinema-e-fala-de-si-mesmo-em-terceira-pessoa/. Acesso em: 5 
jul. 2021.
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entre os elementos linguísticos e discursivos de um texto e sua constituição 
como uma unidade de sentido.
No item seguinte, oferecemos um exemplo didático de análise, cujo 
caráter de aplicação pedagógica pretende demonstrar a pertinência do que 
uma boa e adequada compreensão da semiótica pode oferecer ao ensino.
Análise linguística e semiótica do texto
Voltemos às Viagens de Gulliver, para analisar semioticamente um 
texto de tipo narrativo, do campo artístico-literário, conforme os campos de 
atuação delimitados na BNCC. O gênero textual narrativa de aventura traz 
enredos que costumam reproduzir as ações humanas. Em Robinson Crusoé, 
por exemplo, discute-se a capacidade humana de sobreviver e superar as 
adversidades. Em Gulliver faz-se uma crítica ao sistema político, ao exílio e 
à tirania. Situações extremas e ambientesinóspitos levam as personagens a 
enfrentar perigos e acontecimentos extraordinários, dos quais sempre saem 
vencedores. Observemos um trecho do capítulo Viagem a Lilipute, que narra 
o naufrágio de Gulliver e sua chegada à ilha:
No dia 5 de novembro, início do verão nessas regiões, divisaram os mari-
nheiros através de espessa névoa, um rochedo, a meio cabo de distância do 
navio; tão forte, contudo, era o vento, que nos arrojou diretamente contra 
ele, espatifando-se o barco. Seis tripulantes, entre os quais me achava eu, 
que havíamos lançado um escaler ao mar, forcejamos por afastar-nos do 
navio e do escolho. Remamos, consoante os meus cálculos, cerca de três 
léguas, até que nos foi impossível continuar, exaustos como estávamos do 
esforço despendido no navio. Entregamo-nos, dessarte, à mercê das ondas 
e, meia hora depois, mais ou menos, súbita rajada, vinda do norte, revirou 
o bote. O que foi feito dos meus companheiros do escaler, assim como dos 
que se salvaram no recife, ou dos que se quedaram no navio, não sei; mas 
acredito que morreram todos. Quanto a mim, nadei, guiado pela fortuna e 
empurrado pelo vento e pela maré. Deixei muitas vezes cair as pernas, sem 
tocar o fundo; mas quando já me sentia quase morto, e incapaz de lutar 
por mais tempo, encontrei pé; abrandara-se então, consideravelmente, a 
borrasca. Era tão pequeno o declive que andei quase uma milha antes de 
chegar à praia, o que consegui, segundo as minhas conjecturas, cerca de 
oito horas da noite. Caminhei, depois, quase meia milha, mas não logrei 
discernir indícios de casas nem habitantes; ou, pelo menos, era tão grande 
a minha fraqueza, que não reparei neles. Sentia-me sobremodo fatigado, 
e o cansaço, o calor e o meio quartilho de aguardente que eu tomara ao 
deixar o navio, inclinavam-me irresistivelmente para o sono. Deitei-me 
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na relva, muito curta e macia, e dormi como não me lembro ter alguma 
vez dormido em minha vida, durante umas nove horas, segundo calculei; 
pois quando acordei, amanhecia. Tentei levantar-me, porém não pude; 
pois, estando eu deitado de costas, percebi que os meus braços e pernas 
haviam sido fortemente amarrados ao solo, de ambos os lados; e que 
os meus cabelos, longos e bastos, se achavam presos da mesma forma 
(SWIFT, 2018, p. 109).
No trecho, a debreagem enunciativa de pessoa organiza todos os acon-
tecimentos segundo o ponto de vista do narrador, que, ao localizar os aconte-
cimentos no tempo e no espaço, constrói a progressão dos acontecimentos e 
o ambiente onde se desenrolam. A narração do naufrágio inicia-se no tempo 
passado, quando os marinheiros avistaram o rochedo. O tempo é localizado, 
semanticamente, pela expressão “No dia 05 de novembro”, que ancora os fatos 
narrados num determinado dia identificável. Essa figurativização do tempo 
revela a preocupação do narrador de conferir efeito de verdade ao texto. Efei-
tos bem distintos revelariam as expressões “um belo dia” ou “era uma vez”, 
por exemplo. As ações são narradas e o tempo se alterna entre anterioridades 
e posterioridades. É durante a ventania que “era” forte que o barco colide com 
a rocha. Antes disso, porém, Gulliver e mais seis tripulantes teriam lançado 
um bote ao mar. A alternância dos tempos e modos verbais dispõe as ações, 
identificando quando os eventos começam e terminam, se são duradouros ou 
pontuais. Como se trata de uma narrativa de aventura há muitos fatos que se 
desdobram no tempo e são indicados pelos verbos e marcadores temporais 
como “quando”, “depois”, “durante”, “por mais tempo”. Observemos que 
são utilizados diversos verbos, que, semanticamente, figurativizam deslo-
camentos espaciais, como “arrojou”, “lançado”, “afastar-nos”, “revirou”, 
“remamos”, “nadei”, “caminhei”, atribuindo movimento e dinamismo à cena. 
Ensinar a compreender o funcionamento desses arranjos temporais e espaciais 
é levar o aluno a compreender como categorias gramaticais atribuem aos tex-
tos dados efeitos de sentido. Assim, pode-se levar o aluno a perceber que em 
alguns textos há muito deslocamento no espaço e muitas marcas da passagem 
do tempo, já em outros, com poucas referências, haverá menor quantidade de 
deslocamentos e mudanças, com efeito mais próximo da estaticidade. De modo 
análogo, pode-se analisar a produção oral e escrita dos alunos, enfatizando 
as estratégias do falante para recontar uma aventura vivida. Deve-se ter em 
mente que é para isso, para falar e escrever considerando o desdobramento 
dos acontecimentos e suas transformações, que o estudo dos verbos, com seus 
tempos e modos, e a observação dos movimentos espaciais se aplica.
Para dar conta da organização discursiva do texto, além de observar 
como se projetam as categorias de pessoa, tempo e espaço, a semiótica 
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operacionaliza a noção de aspectualização. A categoria linguística de aspecto, 
tratada habitualmente pela gramática tradicional apenas em relação ao tempo, 
por meio de noções como incoatividade, duratividade, pontualidade etc., em 
semiótica é expandida também para as categorias discursivas de pessoa e 
espaço. Trata-se de verificar “as diversas maneiras de fazer existir o espaço, 
o tempo e a atitude dos atores” (HÉNAULT, 2006, p. 149).
No exemplo em análise, o tempo é acelerado, pois são encaixadas muitas 
ações, a fim de representar os infortúnios que se abatem sobre o narrador. 
No início do trecho, os atores se movimentam dinamicamente, para tentar 
se salvar do naufrágio, mas exaustos de tanto remar se entregam ao movi-
mento das ondas até que uma “súbita rajada” os surpreende. Note-se que, no 
trecho, não há tempo para descanso ou sossego, mas uma continuidade de 
infortúnios, quebrado por distensões pontuais, movimentos que conferem o 
ritmo do texto. Observemos, no trecho, as sucessivas surpresas: proximidade 
do rochedo; colisão do barco; bote virado; Gulliver encontra a terra; Gulliver 
acorda amarrado. Cada um desses eventos pontuais imprime descontinuidades 
à narrativa, em meio à dificuldade contínua dos acontecimentos. As surpresas 
constituem uma espécie de acentos na continuidade narrativa, que, nesse 
caso, é marcada por vários pontos de tonicidade. Essa maneira de narrar é a 
estratégia enunciativa por meio da qual o narratário é levado a acompanhar e 
vivenciar as peripécias da trama, surpreendendo-se e temendo pelo narrador.
O aspecto prevê a incidência do ponto de vista de um observador sobre 
a pessoa, o espaço ou o tempo, para avaliar o processo em andamento. Nos 
estágios mais iniciais da teoria, privilegiou-se o estudo da aspectualização 
do tempo, mas com os desdobramentos e o avanço das pesquisas, a noção de 
aspectualização passou a
[...] ser considerada como uma faceta da conversão em discurso das estru-
turas modais invariantes mais abstratas que explicam a lógica dos percur-
sos narrativos e passionais dos textos, sem se restringir à observação das 
marcas gramaticais e lexicais pontuais dos enunciados para sua apreensão 
(GOMES, 2012, p. 12).
A aspectualização é relacionada ao modo de enunciar, em que se pode 
escolher abrir ou fechar o espaço, acelerar ou retardar ao tempo, compactar 
ou prolongar sensações. No que se refere à temporalidade, o aspecto será 
acabado ou inacabado; durativo ou pontual; incoativo ou terminativo; em 
relação à espacialidade, poderá ser interior ou exterior; fechado ou aberto; 
fixo ou móvel; no que diz respeito ao ator, ele será perfectivo ou imperfectivo; 
exaltado ou abatido; excessivo ou contido (cf. DISCINI, 2006).
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O narrador de Gulliver usa figuras para articular o espaço e o tempo e, 
com isso, prolongar as sensações de sofrimento ou acelerar os perigos. O 
rochedo que está a “meio cabo de distância” encontra-seperto demais para 
que se mude a direção do barco. A exaustão de Gulliver e seus cinco compa-
nheiros advém do tempo que passam remando para percorrer “três léguas”. O 
descanso “à mercê das ondas” dura apenas “meia hora”. O narrador, quando 
está “quase morto”, finalmente, encontra a terra, mas como “Era tão pequeno o 
declive” precisou andar “quase uma milha”, antes de se entregar ao sono. Essa 
gestão da aspectualização de tempo e espaço faz do texto mais do que um 
encadeamento lógico e coerente de fatos, pois opera com as sensações.
Os cálculos de duração dos eventos, embora sejam abundantes, explici-
tam a subjetividade daquele que narra: “consoante os meus cálculos”, “meia 
hora depois, mais ou menos”, “segundo as minhas conjecturas, cerca de oito 
horas da noite”. Observemos que a subjetividade construída pela debreagem 
enunciativa faz com que o narratário só tenha acesso ao que o narrador sabe 
ou deduz: “O que foi feito dos meus companheiros do escaler, [...] não sei; 
mas acredito que morreram todos”, “não logrei discernir indícios de casas nem 
habitantes: era tão grande a minha fraqueza, que não reparei neles”. Assim, o 
narrador constrói a si mesmo como o único sobrevivente do naufrágio e, com 
isso, amplia sua capacidade de sobreviver e seu poder de narrar. Mesmo tendo 
conhecimento parcial dos acontecimentos, estando confuso e fatigado pelo 
cansaço, dividindo com o narratário dúvidas e impressões, ele inscreve seu 
ponto de vista na história que narra. O olhar do narrador mede as distâncias, 
calcula o tempo e os perigos, faz crer ou duvidar.
Nas aulas de Língua Portuguesa, textos como esse, aqui brevemente 
analisado, podem servir para observar as “astúcias da enunciação” (FIORIN, 
2001), que conferem credibilidade, corpo e voz a narradores que conduzem o 
leitor pela mão e a imaginação, mesmo se deles se pensar em duvidar.
Considerações finais
A ênfase que se deu aqui aos textos verbais na exemplificação das cate-
gorias de análise da teoria semiótica não foi aleatória. Como dissemos na 
introdução, o termo semiótica é empregado de maneira pouco consistente na 
BNCC, quase sempre associado a manifestações multimodais e processos 
de significação em que estão envolvidas linguagens visuais e performáticas. 
No Brasil, existe uma tradição de estudos semióticos, com filiação ao pensa-
mento desenvolvido em torno de Greimas na chamada Escola de Paris, que 
vem oferecendo, há pelo menos 5 décadas, contribuições importantes tanto 
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para a formação de profissionais do campo das Letras e da Linguística quanto 
para o ensino de língua portuguesa e línguas estrangeiras nos ensinos médio 
e fundamental.
Para esses estudiosos, a semiótica não pode estar atrelada a linguagens 
particulares, porque trata da significação, considerando todas as linguagens 
de manifestação; não deve ser associada a formatos midiáticos ou artísticos 
particulares, porque acrescentou à metodologia formulada para a análise dos 
textos das mais diferentes materialidades as bases para investigar também 
as práticas sociais, as formas de vida, os regimes de interação, os afetos e o 
corpo na produção de sentido. Tudo o que diz respeito ao sentido e à relação 
do homem com o mundo simbólico que o constitui e com o qual ele interage 
diz respeito à semiótica.
A construção de um aparato metodológico, minucioso e sempre aberto 
à incorporação de novos gêneros, suportes, formatos, práticas e linguagens, 
é devedora, como se demonstrou, de uma concepção gerativa do sentido, 
que opera com relações entre diferenças, repetições e gradações associadas 
a categorias de pessoa, espaço e tempo. Disso advém a consideração de uma 
gramática das relações entre sujeitos e entre sujeitos e objetos que estrutura 
o percurso do homem no mundo, em busca de valores e de filiações sócio-
-históricas, quaisquer que sejam as formas de manifestação dessa busca e 
desse curso de ação.
A escola deve acolher as novas linguagens, as mídias emergentes e tam-
bém os novos comportamentos sociais e as novas formas de vida. Para isso, 
ela precisa incorporar ao ensino teorias do discurso que possam explicar a 
relação do homem com as linguagens e com o mundo simbólico que o cons-
titui como ser social.
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GRAMÁTICA EMERGENTE E 
ENSINO: algumas contribuições da 
Linguística Funcional Centrada no Uso
Ivo da Costa do Rosário31
Monclar Guimarães Lopes32
Considerações iniciais
Nos estudos linguísticos, é comum a distinção das palavras em duas 
macrocategorias: de um lado, temos o léxico, uma classe aberta e produtiva, 
constituída de palavras de funçãoreferencial (como substantivos, adjetivos 
e verbos); de outro, temos a gramática, uma classe fechada, constituída de 
palavras de função procedural (como preposições e conjunções), aparen-
temente refratária à entrada de novos elementos (cf. CÂMARA JR., 1970; 
AZEREDO, 2000).
A produtividade do léxico é facilmente observável nas línguas naturais. 
Afinal, para conseguirmos fazer referência aos elementos do mundo biofísi-
co-social ou, até mesmo, do mundo discursivo, precisamos de um extensivo 
e crescente conjunto de palavras. À medida que a sociedade evolui, preci-
samos de novos rótulos para tecnologias, conceitos e processos que surgem 
no mundo. Por isso, o léxico conta com processos de formação altamente 
produtivos, que funcionam como regras analógicas para a criação de novos 
elementos. A derivação e a composição, assim como outros processos menos 
frequentes – como o empréstimo, a siglagem, a abreviação etc. –, permitem 
aos usuários da língua a criação contínua de novos vocábulos para atender a 
novas demandas linguísticas e sociais.
O mesmo fenômeno já não se repete quando tratamos das palavras de 
classe fechada. Sob uma perspectiva onomasiológica, enquanto os referentes 
do mundo biofísico-social ou discursivo estão em constante emergência e 
mudança, as relações procedurais são mais estáveis: o ser humano continua 
utilizando determinantes para expressar relações de definição e indefinição de 
referentes, conectores para expressar as mesmas relações lógico-semânticas 
31 Doutorado em Letras pela Universidade Federal Fluminense. Professor Associado da Universidade Fede-
ral Fluminense.
32 Doutorado em Letras pela Universidade Federal Fluminense. Professor Adjunto da Universidade Fede-
ral Fluminense.
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e discursivo-argumentativas entre segmentos de texto – como contraste, con-
sequência, conclusão etc. –, entre outras estratégias relacionais. É em virtude 
da estabilidade dessas relações que nós temos, nas línguas naturais, uma 
produtividade menor da gramática.
Não obstante, é importante frisar que produtividade menor não deve ser 
interpretada como improdutividade. Mesmo que em um ritmo mais lento e em 
uma proporção menor, as classes fechadas também expandem seus paradig-
mas. A principal diferença entre léxico e gramática, no que tange à entrada de 
novos elementos, está nos mecanismos cognitivos que atuam nesse processo: 
enquanto elementos do léxico podem ser criados instantaneamente na língua 
por meio do emprego de regras analógicas – podemos, por exemplo, criar um 
advérbio de modo no português empregando o esquema [XADJ-FEMININO MENTE-
SUFIXO] ←→ [ADVÉRBIO DE MODO], como tranquilamente, calmamente, 
serenamente etc. –, os elementos da gramática são, via de regra, o resultado 
de um longo processo diacrônico de mudança, em que elementos de função 
lexical sofrem uma série de alterações no plano da forma e do significado e, 
como consequência, passam a exercer uma função de natureza mais grama-
tical na língua33. Nesse último processo, comumente atua a neoanálise (cf. 
TRAUGOTT; TROUSDALE, 2013), um mecanismo de natureza cognitiva 
que promove, nas situações de interlocução, a reinterpretação das construções 
linguísticas em virtude de uma série de inferências pragmáticas sobre seus 
aspectos formais e/ou funcionais. Conectores altamente convencionalizados 
no português – como ou, enquanto, mesmo que, porque, se, entre outros – 
passaram por esse processo e vários outros elementos também estão passando 
por isso neste exato momento.
Levando-se em consideração esse aspecto emergente da gramática, este 
texto tem como objetivo mostrar, com base nos pressupostos e nas categorias 
analíticas da Linguística Funcional Centrada no Uso, como se dá a (re)cate-
gorização dos elementos gramaticais da língua. Por uma questão de escopo, 
trabalharemos especificamente com a classe dos conectores complexos34 do 
português. Veremos como a língua recruta elementos já existentes na língua 
para exercer funções de natureza (mais) gramatical e, ainda, como esses ele-
mentos são sujeitos a polissemia e a polifuncionalidade.
33 Além de palavras de função lexical, palavras de função menos gramatical também podem ser recrutadas 
para desempenhar funções de natureza mais gramatical. Sob esse ponto de vista, a gramática é vista como 
um contínuo, que parte de estruturas menos para outras mais dependentes, de paradigmas mais abertos 
para outros mais fechados. Como exemplo, podemos citar a classe das conjunções em comparação aos 
artigos, sendo esta última mais gramatical que aquela.
34 Em linhas gerais, definimos o conector complexo como uma construção preenchida, formada por dois ou 
mais elementos, com função de articular segmentos, orações ou porções textuais ainda mais complexas. 
Na próxima seção, desenvolvemos melhor esse conceito.
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Sustentamos que esse seja um conhecimento imprescindível à forma-
ção linguística de qualquer profissional de língua portuguesa. Além de os 
conectores empregados nos textos reais das modalidades oral e escrita não 
se restringirem àqueles já descritos nos manuais de gramática, o profissional 
de Letras deve ser capaz de flagrar e descrever estruturas emergentes na gra-
mática, com base em critérios formais e funcionais.
Visão teórica
Em linhas gerais, o Funcionalismo se caracteriza como uma abordagem 
de descrição linguística que: (i) tem como objetivo descrever a gramática da 
língua com base em dados empíricos do uso; (ii) concebe a gramática como 
uma estrutura emergente, suscetível a variação e a mudança por pressão do 
uso e, por isso, inclui o discurso e a pragmática em suas análises.
A Linguística Funcional Centrada no Uso, doravante LFCU (cf. CUNHA 
et al., 2013; TRAUGOTT; TROUSDALE, 2013; OLIVEIRA; ROSÁRIO, 
2016; DIESSEL, 2019; entre outros), compartilha esses mesmos aspectos, mas 
se diferencia dos demais modelos por conceber a gramática como um inventário 
de construções (pareamentos simbólicos de forma-significado) organizado, na 
mente humana, como uma rede multidimensional de nós interconectados, em 
diferentes níveis de abstração e com extensões variadas. Para este texto, des-
tacamos duas vantagens dessa abordagem: (i) um bom rigor metodológico na 
descrição das propriedades da forma (fonologia e morfossintaxe) e do significado 
(semântica, pragmática e discurso); (ii) um tratamento adequado para a análise 
de construções complexas35 de diferentes naturezas: no domínio da conexão, por 
exemplo, há construções formadas por elementos originalmente de natureza tanto 
lexical quanto gramatical, como a construção [acontece que]36, que pode atuar 
na veiculação do contraste (supra)oracional; há também unidades pré-fabrica-
das constituídas de formas preenchidas e não preenchidas (cf. DIESSEL, 2019) 
pouco composicionais na língua, como as construções correlativas aditivas, por 
exemplo. A seguir, apresentamos uma ocorrência para cada caso mencionado:
1. Adib Jatene: [...] O que nós gastamos com atendimento médico hos-
pitalar é menos da metade do orçamento, acontece que o que mais 
35 Consideramos a LFCU mais adequada para a descrição de elementos de natureza complexa porque eles 
estão previstos nas categorias analíticas da teoria, em comparação com a perspectiva clássica do Funcio-
nalismo Norte-Americano, mais centrada na descrição de itens.
36 Os colchetes empregados para identificação de construções é uma notação que empregamos na abordagem 
construcional da gramática que tem como objetivo representar um elemento ou um conjunto de elementos 
como uma unidade cognitiva, mais especificamente, como um nó pareado de forma e significado na repre-
sentação linguística na mente humana.
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tem visibilidade na imprensaé o atendimento médico hospitalar, por 
isso eu falo hospital (Entrevista com Adib Jatene, em 1998).
2. Sr. Presidente, hoje minha fala é bastante profunda. Falarei não só 
em nome da política e dos políticos do Estado do Rio de Janeiro mas 
também dos políticos de todo o Brasil. – 30/04/2009 (Discursos de 
deputados da ALERJ).
Segundo Dias, Araújo e Pacheco (2020), a construção [acontece que] é 
polissêmica e, em alguns contextos, tem sido usada para estabelecer contraste 
entre segmentos de texto, conforme podemos observar na ocorrência (01): 
“acontece que introduz a quebra de expectativa, negando a inferência de que 
outros itens do orçamento deveriam receber mais atenção, uma vez que é o 
atendimento médico hospitalar que ocupa a maior parte dos interesses da 
mídia” (DIAS; ARAUJO; PACHECO, 2020, p. 308).
Rosário (2018), por sua vez, descreve a construção correlata aditiva 
como um par constituído de duas partes interdependentes – uma prótase e uma 
apódose – que designa uma relação de adição entre sintagmas ou orações, em 
especial nas sequências argumentativas. Em (02), por exemplo, a prótase é 
constituída pelos elementos “não” e “só” e a apódose pelos elementos “mas” 
e “também”. As duas partes estabelecem uma relação aditiva entre os sintag-
mas preposicionais “em nome da política e dos políticos do Estado do Rio de 
Janeiro” e “dos políticos de todo o Brasil”. É interessante notar que se trata de 
uma construção complexa parcialmente esquemática [não só X mas também 
Y], constituída de partes preenchidas (especificadas) e outras não preenchi-
das (slots), no caso as valências X e Y. A construção pode ser interpretada 
como uma unidade pré-fabricada porque apresenta traços de idiomaticidade, 
em virtude de sua baixa composicionalidade semântica. Em síntese, o valor 
semântico aditivo da construção não é meramente o resultado da soma do 
sentido de suas partes componentes: não, só, mas e também.
Para a descrição de conectores complexos emergentes no português, 
selecionamos, para este texto, os seguintes aspectos: (i) mecanismos socio-
cognitivos, a saber: a) inferência pragmática; b) frequência de uso; c) fixação 
[entrenchment]; d) automatização e chunking; (ii) resultado da atuação des-
ses mecanismos, a saber: a) diminuição da composicionalidade semântica e/ou 
sintática; b) polissemia; c) polifuncionalidade; d) efeitos de prototipicidade.
Antes de tratarmos especificamente desses aspectos, cabe-nos apresentar 
uma definição de conector, bem como de conector complexo. De um lado, 
entendemos conector, nos termos de Souza (2008) e Rosário e Sambrana 
(2021), como um termo de acepção mais ampla do que conjunção ou conec-
tivo. Designa expressões linguísticas de natureza variada que ligam porções 
textuais de diferentes dimensões e, ao mesmo tempo, estabelecem relações 
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lógico-semânticas ou discursivo-argumentativas diversas. De outro, definimos 
conector complexo como uma categoria de conectores constituídos por dois 
ou mais elementos, como os apresentados anteriormente nas ocorrências (01), 
[acontece que], e (02), [não só X mas também Y].
Os mecanismos sociocognitivos estão relacionados aos processos de 
natureza (inter)subjetiva desencadeados nas situações interlocutivas, que 
envolvem falante/escritor e ouvinte/leitor em contextos em que cada um tem 
a capacidade de reconhecer em si e no outro a existência de uma mente, porta-
dora de estados mentais intencionais (cf. HALE; TAGER-FLUSBERG, 2003). 
Isso significa que, durante a interlocução, falante/escritor (F/E) e ouvinte/
leitor (O/L) não somente codificam e decodificam as mensagens com base 
na composicionalidade semântica de seus enunciados. Ao considerarem os 
estados mentais um do outro, o F/E adapta a mensagem ao seu O/L para que 
seus objetivos comunicativos sejam atingidos, bem como o O/L é capaz de 
captar a intencionalidade do F/E e, com base nisso, fazer inferências a par-
tir de todo o material disponível (tanto linguístico quanto extralinguístico). 
Tendo isso em vista, é preciso ressaltar que, em situações mais naturais de 
interação, como na conversação face a face, nem sempre precisamos dizer 
tudo. Percebemos, com base na linguagem corporal de nosso interlocutor, bem 
como com base no conhecimento que temos sobre aquilo que ele já sabe, a 
quantidade de material linguístico necessária para que uma mensagem seja 
compreendida. Nesse fluxo, é muito comum a presença de elementos des-
contínuos, como segmentos sonoros não realizados, omissão de palavras e 
frases truncadas, por exemplo, o que exige do ouvinte uma vasta capacidade 
de inferência do contexto.
Dito isso, precisamos entender como a inferência pragmática atua na 
(re)categorização gramatical, como um mecanismo disparador da neoanálise. 
Nem sempre a leitura composicional dos enunciados condiz com o sentido 
global da construção. O O/L, com base na linguagem gestual e nas pistas 
textuais dadas pelo F/E, é capaz de perceber se este fez um uso inovador de 
uma determinada estrutura linguística, que é encarada, inicialmente, como 
uma estrutura ambígua: os elementos componentes da estrutura X são empre-
gados para dizer Y, mas, nesse contexto, parecem dizer Z. Vejamos como esse 
processo pode ser percebido em um dado de uso:
3. Mesmo com um quantitativo de 1.800 vagas, o próximo concurso 
público da Polícia Civil-DF não vai preencher e suprir todo o déficit 
de policiais da corporação. Acontece que, conforme informações do 
portal da transparência, 3.568 cargos estão vagos (Editais de Escrivão 
da Polícia Civil – Corpus do Português – 19/06/19).
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O verbo “acontecer”, em seu uso mais básico, envolve um sujeito 
paciente de natureza abstrata, normalmente um evento ou processo – como 
em, por exemplo, aconteceu uma festa; aconteceu um acidente na rodovia. 
Na ocorrência (03), no entanto, o verbo é a oração matriz de uma subordi-
nada substantiva subjetiva. Esse emprego não deve ser visto somente como 
uma transformação sintática, na medida em que há a conceptualização de um 
novo tipo de conteúdo no argumento interno. Nesse contexto, o verbo está 
a serviço da evidencialidade – isto é, no fato de 3.568 cargos estarem vagos 
ser de conhecimento comum – e, além disso, o conteúdo apresentado no 
último período do trecho contrasta com o primeiro, em virtude da oposição 
das polaridades: as duas orações coordenadas do primeiro período estão na 
polaridade negativa – não vai preencher e suprir – e as orações do último 
período, na polaridade afirmativa – estão vagos. Sendo assim, o ouvinte está 
diante de um contexto ambíguo, na medida em que uma mesma estrutura 
pode atuar tanto como um operador de evidencialidade quanto como um 
conector de contraste – o próximo concurso público da Polícia Civil-DF não 
vai preencher e suprir todo o déficit de policiais da corporação. No entanto, 
conforme informações do portal da transparência, 3.568 cargos estão vagos.
Como sabemos, um uso inovador, por si só, não garante (re)categoriza-
ção gramatical. Afinal, (re)categorização implica convencionalização. Para 
esse fim, entram em cena outros mecanismos sociocognitivos importantes: a 
frequência de uso, a fixação, a automatização e o chunking.
A frequência de uso é um fator social, resultado da escolha que os falan-
tes fazem em empregar uma construção – isto é, uma determinada forma X 
associada a um determinado significado Y – nos contextos de interação. Sob 
esse ponto de vista, a alta frequência de uso tem impacto na representação 
linguística, mais especificamente, na consolidação dos pareamentos de forma-
-significado (construções) na memória de longo prazo. Quando Dias, Araújo e 
Pacheco (2021), por exemplo, argumentam que [acontece que] pode exercer 
a função de conector de contraste, as autoras fazem isso porque encontraramdiversas ocorrências nos dados de uso em contexto análogo ao apresentado 
em (03). A recorrência desses contextos promove a fixação [entrenchment] 
desse padrão construcional, em seus aspectos de forma e de significado, na 
memória dos falantes em uma comunidade linguística. Com isso, armazena-se 
a informação de que “acontece” seguido de “que” – uma construção complexa 
– atua como um conector contrastivo. Aliás, essa é uma particularidade da 
construção complexa, mas não do verbo isoladamente: acontecer, sem o que, 
não é empregado em contextos de contraste.
Não acreditamos, no entanto, que o uso de [acontece que] como conector 
complexo de contraste esteja totalmente fixado na memória, uma vez que 
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não está devidamente semantizado. Para fazermos uma leitura contrastiva 
de [acontece que], precisamos recorrer a contextos bastante específicos, isto 
é, ainda é um uso mais periférico da construção. Porém, entendemos que a 
semantização dessa construção como um conector contrastivo pode vir a ser 
um resultado futuro do aumento de frequência de uso e da sua consequente 
fixação [entrenchment] na memória dos falantes, de maneira análoga ao que 
ocorreu com outras construções na língua.
Outros mecanismos cognitivos resultantes da frequência de uso são a 
automatização e o chunking, que apontam para um processo de economia 
cognitiva. As informações processadas mais recorrentemente, por estarem 
mais fixadas, são mais facilmente ativadas na memória, e tendem a se tornar 
mais simples no plano da forma à medida que se tornam mais previsíveis para 
os falantes nas situações de interlocução. Casseb-Galvão (2005), por exem-
plo, observou que a expressão “diz que” tem sido empregada no português 
brasileiro como um operador de evidencialidade – de maneira análoga ao 
que ocorre com [acontece que]. Embora o verbo “dizer” preveja um sujeito 
humano, há ocorrências em que não se atribui uma proposição a um locutor, 
como podemos ver em (04):
4. E: Inda conhece pobre? Que beleza... Diz que tem dois meninos pro-
curando o pai ali na esquina... (GA-LD).
Ao descrever a construção “diz que” na função de operador de eviden-
cialidade, em oposição a um “diz que” de uso básico – isto é, como verbo 
dicendi que antecede uma oração subordinada substantiva objetiva direta –, 
Casseb-Galvão (2005) emprega alguns testes acústicos e observa que, no plano 
fonético, tais funções também se diferenciam. O falante realiza o operador 
de evidencialidade como uma unidade fonética [‘disk], e não como duas 
unidades, como ocorre no uso básico. Vale ressaltar que, embora a mudança 
ainda não tenha acarretado alterações no plano gráfico, a automatização e 
o chunking podem ter esses resultados na língua. Foi exatamente isso que 
ocorreu com formas como você (do pronome de tratamento vossa mercê) e 
embora (da locução adverbial em boa hora), por exemplo.
Como podemos observar, todos esses mecanismos juntos têm impacto 
na representação linguística. Mais especificamente, a inferência pragmática, 
somada à automatização e ao chunking, costumam acarretar a diminuição 
da composicionalidade semântica e/ou sintática de uma construção. Tal 
resultado é o reflexo tanto do aumento da opacidade construcional, cujos 
sentidos dos elementos componentes da construção colaboram menos para a 
interpretação do sentido do todo – como ocorre com [acontece que], em que 
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nem “acontece” nem “que” têm sentido contrastivo – quanto da diminuição 
ou perda da analisabilidade sintática – quando não conseguimos reconhecer, 
sem recorrer à etimologia, os elementos componentes da construção, como 
ocorre com você e embora, por exemplo.
Nas próximas seções, veremos mais detidamente como esses mecanis-
mos impactam a (re)categorização linguística, seja no plano do significado 
– uma mesma categoria pode passar a exercer um novo significado na língua 
(polissemia) – seja no plano do significado e da forma – além de passar a 
exercer um novo significado na língua, uma forma pode migrar de categoria 
gramatical para a outra, ou de uma subfunção para outra (polifuncionalidade). 
Paralelamente, também falaremos sobre como essas novas representações 
podem resultar em uma reconfiguração dos paradigmas construcionais, com 
diferentes graus de pertença dos elementos aos conjuntos a que estão asso-
ciados (prototipicidade). Por fim, trataremos da aplicação da LFCU ao ensino 
de língua portuguesa.
Polissemia
No plano do léxico, a polissemia costuma ser interpretada como acrés-
cimo. Afinal, se uma palavra é empregada em contextos distintos com signi-
ficados diferentes, isso significa que ela tem mais entradas no dicionário e, 
paralelamente, mais traços semânticos. Uma palavra como cachorro é polis-
sêmica porque, além de designar um animal específico, pode nomear toda 
uma classe de seres animados, e pode também ser usada metaforicamente 
para qualificar a má-postura de um homem, por exemplo.
No plano gramatical, no entanto, Bybee (2015) argumenta que a mudança 
semântica é promovida por um sistema de perdas e ganhos. A dessemantiza-
ção, isto é, a diminuição ou perda da composicionalidade semântica – fruto 
da atuação dos mecanismos sociocognitivos – acarreta perda de propriedades 
específicas de significado, o que propicia o emprego dessa nova construção 
em novos contextos de uso. Como ilustração, a autora mostra a trajetória de 
mudança do modal can no inglês. Inicialmente, can era empregado em orações 
com sujeitos sintáticos humanos antes de verbos de habilidade física, como, 
por exemplo, em mid handum con hearpan gretan (inglês antigo) → with his 
hands he knew how to play the harp37 (BYBEE, 2015, p. 127). Com o tempo, 
a restrição para verbos de habilidade física deixou de existir, o que permitiu 
o emprego de can em novos contextos, como antes de verbos dicendi, por 
exemplo: Weras pa me soolice secgan cunnon (inglês antigo) → The men 
37 Tradução nossa: Com suas mãos, ele sabia como tocar a harpa.
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can truly say to me38 (BYBEE, p. 128). Por fim, can passou a fazer referência 
a sujeitos não humanos, o que possibilitou a emergência de seu uso como 
modalizador epistêmico, como em: it can be true39. Em síntese, a perda de 
propriedades semânticas, fato que motivou a expansão dos usos de can, pode 
ser representada da seguinte maneira, de acordo com Bybee (2015):
Quadro 1 – Estágios de desenvolvimento de can
Habilidade mental Existem condições capacitadoras mentais no agente.
Habilidade Existem condições capacitadoras _________ no agente
Modalidade epistêmica Existem condições capacitadoras.
Fonte: Bybee (2015, p. 133).
Fenômeno análogo pode ser percebido no uso do verbo ir no português, 
por exemplo. Em seu sentido básico, “ir” pode ser interpretado como um 
“deslocamento no espaço”. A abstração da propriedade “espaço” possibilita 
que esse verbo possa ser empregado em outros contextos. Por isso, quando 
dizemos algo como “vai chover”, o sentido de deslocamento do verbo é empre-
gado em um novo contexto: há agora um deslocamento no tempo, e não mais 
no espaço, o que possibilita o emprego de “ir” como verbo auxiliar. Logo, 
dentre outras razões, dizemos que o verbo “ir” é polissêmico em nossa sincro-
nia porque ele é usado tanto com o sentido espacial quanto com o temporal.
Por conseguinte, percebemos que a diminuição das propriedades semân-
ticas das construções – bem como a de seus elementos – afeta a sua transpa-
rência. Sendo assim, quanto mais opaca for a relação entre a(s) forma(s) e o(s) 
significado(s) de uma construção, mais ela estará sujeita à mudança no plano 
do significado por meio de inferência pragmática. No domínio da conexão, 
observamos que a relaçãoentre os sentidos dos elementos e o significado 
global da construção correlata aditiva – [não só X, mas também Y] – não é 
transparente. Com exceção do “também”, as outras formas não são indiciais 
para a ideia de adição em nenhum outro contexto.
No intuito de ilustrar, com mais exemplos, como se dá o fenômeno da 
polissemia no plano gramatical, finalizamos esta seção com a análise de mais 
dois objetos: os conectores complexos [como se não bastasse] e [com isso], 
duas estruturas convencionais no português, mas ainda pouco descritas na 
literatura linguística.
5. Querido diário, a tarde hoje está bem chata, pouco mais de um ano 
passou, o Outono começou, o dia está novamente nublado, os minutos 
38 Tradução nossa: Então, os homens podem verdadeiramente me dizer.
39 Tradução nossa: Isso pode ser verdade.
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não passam, o dia está escuro demais, este blog está a tempo demais 
com o mesmo layout, este texto não sai da minha mente, enfim, e 
nada nem ninguém me agradam. Como se não bastasse, aquela velha 
música insiste em tocar, do nada, sem mais nem menos, como aquele 
colega de classe xereta que eu sempre fui, insistindo em me meter nos 
pensamentos alheios, sempre com um “que?!” (Corpus Now – Corpus 
do Português – 20/07/18).
6. Se a sua reclamação em relação a TVs 4K é a ausência de conteúdos 
compatíveis, as fabricantes desenvolvem há anos uma tecnologia cha-
mada upscalling. Ela faz uma melhoria automática da imagem, que 
a torna superior ao padrão FULL HD. Com isso, a experiência de 
ver até mesmo TV aberta em um modelo 4K é melhor do que em um 
Full HD e isso pode ser notado com facilidade pelos consumidores 
(Corpus Now – Corpus do Português – 10/10/20).
7. A primeira prova do fim de semana foi disputada no fim da tarde de 
sábado. Sérgio, após uma largada, pulou para o sexto lugar, mas, 
ainda, na primeira curva, voltou ao sétimo posto, ao evitar um toque 
no concorrente à sua frente. Em uma prova muito bem planejada, o 
piloto foi rápido nos primeiros giros e, com isso, não demorou a atacar 
seus adversários (Corpus Now – Corpus do Português – 10/10/20).
8. Há alguns anos que nos dedicamos a reabilitar imóveis históricos que 
estavam degradados, dando-lhes uma nova utilização e uma nova 
vida. Com isso, queremos contribuir para manter a nossa história e 
valorizar o nosso patrimônio, porque o futuro do turismo e do país 
dependem disso, do que nos diferencia. (Corpus Now – Corpus do 
Português – 10/10/20).
Lopes e Moura (2021) categorizam [como se não bastasse] e [com isso] 
como duas construções conectoras que atuam na articulação de orações, perío-
dos e parágrafos. [Como se não bastasse] é composta por quatro elementos 
relativamente composicionais, de modo que podemos perceber de que modo 
cada um deles contribui para o significado global da construção: a) há um valor 
comparativo em “como”; b) um valor condicional em “se”; c) o valor negativo 
em “não”; d) percebe-se um dos sentidos previstos pelo verbo “bastar” – de 
algo que é suficiente, seja de natureza concreta ou abstrata.
Apesar da alta composicionalidade dos elementos, não podemos afirmar 
que o sentido global seja totalmente transparente. Moura (2020), ao anali-
sar 469 dados do conector complexo [como se não bastasse] no Corpus do 
Português40, observou que ele tem sido empregado em contextos de adição 
em textos de orientação argumentativa, como podemos notar na ocorrência 
(05): a construção promove a continuidade da enumeração de ações citadas 
40 https://www.corpusdoportugues.org/.
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no primeiro período, podendo, em certa medida, ser substituída por “além 
disso”, um conector de valor aditivo. Ademais, a construção também apresenta 
uma propriedade pragmática não inferível de suas partes componentes. Com 
base em Fillmore (1990), Moura (2020) detectou que [como se não bastasse] 
revela a postura epistêmica do enunciador, na medida em que a construção é 
“capaz de indicar a opinião do falante sobre determinando assunto” (MOURA, 
p. 80). Conforme podemos inferir na ocorrência (05), [como se não bastasse] 
é empregado em um contexto de avaliação negativa, observável com base 
nos elementos linguísticos que revelam o estado de espírito do enunciador: 
chata, escuro demais, não agradam etc. Vale ressaltar que, no uso cotidiano, 
o verbo “bastar” é constantemente empregado em contextos avaliativos – por 
exemplo, esta quantidade basta; esses problemas já bastam etc.
O conector complexo [com isso], em comparação a [como se não bas-
tasse], é de natureza mais opaca, na medida em que é composto por elementos 
de natureza menos composicional. A preposição “com” é uma estrutura bas-
tante dessemantizada, tendo sua significação definida sempre no contexto de 
uso, isto é, a partir de inferências pragmáticas. É empregada para estabelecer 
relações semânticas variadas, como causa, companhia, instrumento, meio, 
entre outras. Por sua vez, o pronome demonstrativo “isso” é um elemento 
sintático esvaziado de sentido próprio, empregado em uma função dêitica 
textual, ou seja, é um encapsulador que atua na remissão a uma porção de 
texto precedente.
Entender o valor semântico exercido por [com isso] exige um exame 
contextual. Por meio da análise das ocorrências (06), (07) e (08), podemos 
notar que é um conector polissêmico, na medida em que estabelece relações 
semânticas distintas.
Em (06), com isso estabelece uma relação de conclusão, que, segundo 
Marques e Pezzatti (2015), é um tipo de implicação lógica (P portanto Q), 
na qual um interlocutor busca construir um ponto de vista a partir de uma 
premissa explícita e outra implícita, das quais se deriva uma conclusão. Na 
ocorrência em questão, a premissa explícita é “ela faz uma melhoria automá-
tica da imagem, que a torna superior ao padrão Full HD”; a premissa implí-
cita é inferível a partir da interação do contexto com o nosso conhecimento 
enciclopédico (o consumidor busca uma TV que tenha a melhor qualidade de 
imagem); e a conclusão é “os consumidores notam facilmente a superioridade 
das TVs 4K em relação ao modelo Full HD”. A relação conclusiva é mais 
recorrente em enunciados argumentativos e relaciona conteúdos de natureza 
menos factual.
Em (07), com isso assume função consecutiva. Depreende-se uma relação 
de causa e consequência entre os conteúdos encadeados pelo conector com-
plexo – causa: “o piloto foi rápido demais nos primeiros giros”; consequência: 
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“não demorou a atacar seus adversários”. Além disso, a consequência relaciona 
conteúdos de natureza mais factual e costuma estabelecer uma progressão no 
tempo, sendo a causa anterior à consequência.
Por fim, em (08), com isso pode ser interpretado como um conector 
paratático de expansão por elaboração – com base nos critérios de Halliday 
(2004). A expansão por elaboração se caracteriza pela elaboração de uma cláu-
sula prévia, por meio de estratégias que a especifique ou a descreva melhor, 
como ocorre no último dado. Com isso introduz uma espécie de justificativa 
para as ações expressas no primeiro período: dedicar-se a reabilitar imóveis 
históricos, dando-lhes uma nova utilização.
Polifuncionalidade
Como já indicado anteriormente, a polifuncionalidade é atestada nos 
dados de uma determinada língua quando ocorrem recategorizações linguísti-
cas que, por sua vez, dão origem a alterações tanto no plano da forma quanto 
no plano do significado. Quando isso ocorre, há migração de uma categoria 
para outra ou de uma subfunção para a outra dentro de uma mesma categoria.
A polifuncionalidade comprova o estatuto maleável, plástico e adaptativo 
das línguas humanas, visto que sempre ocorrem constantes acomodações 
no sistema, de modo a atender a novas necessidades comunicativasdo F/E. 
Assim, as recategorizações comprovam a dinamicidade do sistema. De fato, 
há amplas provas empíricas na literatura de que um pretenso estado de con-
servação total ou de imobilismo linguístico não se sustenta.
Em termos diacrônicos, podemos defender que a polifuncionalidade é 
produto de sucessivos estágios de mudança linguística ao longo do tempo, o 
que ocorre em micropassos. Esse fenômeno é conhecido como gradualidade. 
Por sua vez, a contraparte sincrônica da gradualidade se concretiza por meio 
de diferentes camadas que se sobrepõem no estado atual de uma língua, o que 
é conhecido como gradiência.
Aarts et al. (2004) e Aarts (2007) corroboram a ideia de que a gradiência 
sincrônica reflete a gradualidade diacrônica. Nesse sentido, as construções 
não podem ser consideradas entidades monolíticas. Ao contrário, a variação 
(decorrente da gradiência) está sempre presente. A gradiência pode se dar 
entre membros de uma mesma categoria, em que uns são mais prototípicos 
que outros (gradiência subsectiva) ou pode ser atestada ainda por meio de 
fronteiras difusas entre categorias distintas (gradiência intersectiva).
De acordo com Lopes (2018, p. 43), “as categorias gramaticais são flui-
das, havendo deslizamentos intercategoriais regulares quando se atenta no 
plano do uso das línguas naturais”. A consequência desses deslizamentos é 
justamente o fenômeno da polifuncionalidade. Como esses deslizamentos 
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ocorrem por meio de relações gradientes (não abruptas), é comum que haja 
áreas de sobreposição formal ou funcional entre uma construção A e uma 
construção B.
O estado natural das línguas humanas é, por natureza, bastante complexo, 
sem fronteiras rígidas. Ao contrário, o mais comum é que haja fluidez cate-
gorial em diferentes continua. Essa natureza fluida e plástica da gramática 
aponta para uma grande heterogeneidade de usos, que chocam frontalmente 
com perspectivas tradicionais que apresentam as categorias como entidades 
estanques e com limites bem definidos.
Feitas essas observações iniciais, vamos ilustrar o fenômeno da polifun-
cionalidade com o uso da microconstrução conectora [perto de], associan-
do-a a usos aparentados. Vejamos os dados a seguir, extraídos do Corpus 
do Português:
9. [Perto da cidade de Toledo], outro incêndio obrigou moradores a 
abandonar suas casas. # Na Catalunha (nordeste), um grande incên-
dio iniciado em a quarta-feira devastou milhares de hectares. Neste 
domingo, a situação era “ estável “, mas ainda serão necessários vários 
dias antes de extinguir totalmente as chamas, informou o governo 
local. # A meteorologia prevê o início de a queda de a temperatura a 
partir de este domingo em a Península Ibérica, mas os termômetros 
ainda marcavam 38 graus em Madri e Albacete. Fonte: https://www.
em.com.br/app/noticia/internacional/2019/06/30/interna_internacio-
nal,1065904/temperaturas-comecam-a-cair-na-europa.shtml. Acesso 
em 30 jul. 2020.
10. Joga pôquer? Você pode estar mais perto [de ser um bom empreende-
dor]. Jogo de cartas faz parte de a metodologia de ensino de a Escola 
Superior de Empreendedorismo (ESE) # O professor Fernando Ruiz, 
durante disciplina. Fonte: https://exame.com/pme/joga-poquer-voce-
-pode-estar-mais-perto-de-ser-um-bom-empreendedor/. Acesso em: 
30 jul. 2020.
11. [Perto de completar 15 anos], comecei a namorar uma menina da 
minha sala. Amava demais ela. No colégio, éramos o primeiro casal 
formado e estabelecido. Todos nos conheciam e meio que admiravam 
aquele casalzinho apaixonado. Nas férias do ano seguinte, passei 15 
dias em Fortaleza e foi quando o namoro desabou. Fonte: http://aju-
daemocional.tripod.com/id324.html. Acesso em: 30 jul. 2020.
12. [Perto de fechar com o Corinthians], Richard foi destaque em números 
defensivos em o Brasileirão # Richard fez bom campeonato, mesmo 
lutando contra a queda com o Fluminense # Mailson Santana/Flu-
minense FC # Aprovado em os exames médicos, o volante Richard, 
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que defendeu o Fluminense em 2018, tem tudo para ser reforço de o 
Corinthians para a próxima temporada. Fonte: https://seucreditodigi-
tal.com.br/mercado-livre-categoria-site-de-compras/. Acesso em: 30 
jul. 2020.
Os dados de (09) a (12) apresentam quatro usos distintos de perto de. Em 
(09), consideramos perto de um exemplar canônico de função prepositiva. 
Como se verifica, essa locução é utilizada para localização espacial de um 
referente em um contexto não oracional. Perto de localiza geograficamente 
“o incêndio” em um espaço físico concreto, no caso, a cidade de Toledo.
Segundo a hipótese localista, os usos concretos precedem derivações 
mais abstratas. No campo da gramaticalização, essa hipótese sempre teve 
forte ressonância, especialmente por meio dos estudos de Heine et al. (1991, 
p. 31). Assim falam os autores:
O domínio do espaço em termos de [...] objetos físicos, o domínio de 
tempo em termos de conceitos de espaço, o domínio de relações lógicas 
em termos de conceitos temporais, etc. O resultado linguístico desse ato 
criativo é que as estruturas lexicais são empregadas para expressar signifi-
cados gramaticais, e estruturas gramaticais servem expressar significados 
ainda mais gramaticais.
Pontes (1992, p. 7) corrobora as palavras de Heine et al. (1991) ao 
afirmar que “organizamos o espaço através da língua e [...] por um processo 
metafórico falamos do tempo com as mesmas categorias do espaço”. Nesse 
sentido, é plausível postular que esses usos concretos são mais primitivos, no 
sentido de atestar estágios mais antigos da língua41.
Em (10), observamos que perto de é ainda bastante composicional. De 
fato, há uma “fronteira” entre o advérbio (perto) e a preposição (de). Apesar 
de o uso metafórico do advérbio já não denotar localização física espacial, 
não se verifica o fenômeno de chunking, já que suas duas partes estão bas-
tante preservadas. Vale destacar que a preposição de, nesse dado, introduz 
uma oração completiva nominal. É por esse motivo que os colchetes estão 
destacando “de ser um bom empreendedor”.
Esse mesmo dado (10) também espelha, de certa forma, uma ambiguidade no 
domínio espaço-tempo. A expressão “perto de ser um bom empreendedor” pode 
denotar tanto uma noção espacial abstrata quanto temporal. Em termos espaciais, 
o jogador de pôquer pode ser conceptualizado como um indivíduo que ocupa um 
determinado lugar que ainda não é o locus dos “bons empreendedores”. Ele está 
41 Essa plausibilidade, contudo, a nosso ver, precisa ser evidenciada por meio de dados de pesquisa histórica.
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“perto” do alvo, mais ainda fora dele. Por outro lado, ao mesmo tempo, é possível 
postular que estar “perto de ser um bom empreendedor” é um momento temporal 
a que se chegará em um futuro próximo, caso o interessado se matricule e conheça 
a metodologia de ensino praticada na instituição citada. Ambas as interpretações 
são possíveis, e isso ocorre justamente por conta dos deslizamentos e da fluidez 
categorial que caracterizam as construções em geral nas línguas humanas.
Como o tempo tende a ser conceptualizado a partir da noção mais con-
creta de espaço, o F/E não costuma apresentar dificuldades cognitivas para 
processar esses usos no ato comunicativo. Ao contrário, o processamento é 
natural. A frequência de uso, por sua vez, faz com que esses novos sentidos 
alcancem progressivos graus de fixação [entrenchment] na memória, tornan-
do-os comuns e corriqueiros em toda comunidade linguística.
Em (11), o uso de perto de já indica um valor de conector. Podemos 
advogar que os dois elementos componentes sofrem diminuição de composi-
cionalidade (apesar de ainda ser possível recuperar o sentido das partes).Nesse 
dado, perto de comporta-se como um conector responsável por indicar uma 
hipotaxe temporal. Apesar de sua semântica básica de espaço, o elemento perto 
ganha um novo significado de tempo por meio de abstratização metafórica. O 
enquadre descritivo-narrativo colabora com essa interpretação.
Sabemos que [perto de] não costuma ser descrito pelas gramáticas norma-
tivas do português, justamente devido à sua não prototipicidade (que é o tema 
a ser desenvolvido na próxima seção deste capítulo). Contudo, é relevante 
descrevê-lo. Esse conector complexo especifica e refina a ideia de tempo, na 
acepção de futuro próximo, o que contrasta com o significado mais genérico 
da conjunção canônica quando. Logo, cumprem funções distintas na língua.
As derivações metafóricas atestadas em (09), (10) e (11) parecem muito 
claras. Partimos de um uso essencialmente espacial para um uso híbrido; em 
seguida, chegamos a um uso essencialmente temporal. Ao mesmo tempo em 
que houve mudanças no plano do significado, houve também mudanças no 
plano da forma, visto que os usos [+ prepositivos] de perto de deram origem 
a usos [+ conjuntivos]. Em (09), perto de introduz uma expressão adverbial 
espacial concreta (“perto da cidade de Toledo”), ao passo que em (11), há uma 
expressão conectora temporal (“perto de completar 15 anos”).
Por fim, o dado (12) também apresenta um exemplar do conector [perto 
de]. Trata-se, contudo, de um uso ainda mais abstrato, tendo em vista que não há 
contiguidade com elementos essencialmente temporais, como verificado em (11). 
Logo, [perto de] já não se baseia tão fortemente em dados contextuais para veicu-
lar interpretação temporal, o que denota um processo crescente de semantização.
Nos termos de Aarts et al. (2004) e Aarts (2007), aqui já citados, podemos 
postular que há gradiência subsectiva entre os usos (11) e (12), já que ambos são 
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usos conectores, contudo (12) é mais central na categoria, tendo em vista que 
prescinde de marcas contextuais de temporalidade. De outra perspectiva, os usos 
atestados em (09) e (10) de um lado e (11) e (12) de outro exibem gradiência 
intersectiva, já que os primeiros são [+ prepositivos] e os dois últimos são [+ con-
juntivos], o que denota categorias distintas, mas, ainda assim, marcadas por fron-
teiras difusas. A convivência desses usos na língua, atestados por meio de dados 
flagrados em corpora de uso real, comprovam o fenômeno da polifuncionalidade.
Os dados (09) a (12) permitem a observação de deslizamentos metafó-
ricos e de recategorizações. Ademais, é possível distinguir funções [+ pre-
positivas] de funções [+ conjuntivas], que se dispõem em um continuum que 
expressa gradiência construcional (cf. TRAUGOTT; TROUSDALE, 2013; 
HILPERT, 2014). De fato, não há propriamente oposição entre esses usos, 
visto que os mais concretos servem como base para os mais abstratos. Assim, 
a polifuncionalidade é definitivamente uma questão de gradiência, uma vez 
que diferentes usos não implicam a ideia de oposição ou de antagonismo.
Vale destacar que essa noção de gradiência também está presente na 
própria acepção de uso conector conferida a [perto de]. Como vimos em (11) 
e (12), esse conector complexo introduz somente orações não finitas de infi-
nitivo. É por esse motivo que esses elementos comumente não são arrolados 
entre os conectivos canônicos das gramáticas normativas, pois os elementos 
mais prototípicos são capazes de ligar orações finitas, à diferença de perto de.
Os dados apresentados nesta seção comprovam também a progressiva 
perda de composicionalidade sintática de perto de. De fato, o valor adverbial 
de perto somado à função prepositiva da partícula de cedem lugar, em um 
primeiro momento, à preposição complexa perto de (na ligação de sintagmas), 
como se viu em (09). Por sua vez, esses usos no plano sintagmático, em um 
estágio mais avançado, passam a ser recrutados no domínio da conexão inte-
roracional, na hipotaxe temporal, como verificado em (11) e (12), ainda que 
no campo das relações não finitas.
Na próxima seção deste capítulo, continuaremos discutindo os dados 
aqui apresentados, dando foco a outra faceta da questão aqui tratada, que é a 
noção de prototipicidade.
Prototipicidade
Os elementos linguísticos pertencentes a uma mesma categoria são mar-
cados por diferentes traços, o que se espelha em distintos graus de pertença. 
Em outras palavras, em todas as categorias gramaticais há elementos mais 
centrais e há elementos mais periféricos. Esses diferentes graus apontam para 
níveis distintos de prototipicidade.
Assim Taylor (1992, p. 38) explica a questão da prototipicidade:
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Ao contrário das expectativas da teoria clássica, a categoria não é estruturada 
em termos de características compartilhadas, mas ao contrário, através de 
uma rede de semelhanças entrecruzadas. Há, de fato, atributos tipicamente 
associados com a categoria. Alguns membros compartilham alguns destes 
atributos, outros membros compartilham outros atributos. Ainda há casos 
em que nenhum atributo é comum a todos os membros. Pode até mesmo ser 
que alguns membros não tenham praticamente nada em comum com outros.
Ao contrário do que parecem supor as gramáticas normativas e outras 
abordagens afins, as categorias são entidades bastante complexas. Desse modo, 
nem sempre todos os elementos de uma dada classe gramatical, por exemplo, 
compartilham os mesmos traços. Na verdade, é comum que alguns elementos 
exibam traços até mesmo de outras categorias.
Na seção anterior, por exemplo, destacamos que o [perto de] não é um 
elemento prototípico da categoria das conjunções, pois esse conector com-
plexo não é capaz, por exemplo, de ligar orações finitas. Além disso, ainda 
é possível observar traços semânticos de sua origem, já que persiste a noção 
de proximidade (mesmo que em estado metafórico no caso de perto). Além 
disso, a presença da preposição de (em vez do subordinador por excelência 
que) faz com que [perto de] recrute elementos de natureza não oracional plena, 
como é o caso das orações não finitas. De fato, as chamadas orações redu-
zidas (tal como conhecidas na Tradição) podem ser consideradas um “meio 
termo” entre as orações canônicas finitas (ou desenvolvidas) e os sintagmas 
nominais. Todos esses traços deslocam o [perto de] do centro prototípico das 
conjunções do português.
O fenômeno da prototipicidade não é exclusivo do plano da linguagem 
verbal. Ao contrário, no mundo biofísico também é possível comprovar a 
existência de elementos com diferentes traços e distintos graus de pertença. 
Por exemplo, na categoria dos mamíferos, certamente a baleia e o morcego são 
elementos mais marginais. Afinal, a baleia nada (o que é um traço marcante 
dos peixes) e o mamífero voa (o que comumente aponta para um comporta-
mento das aves). Logo, esses dois animais citados não exibem traços comuns 
(ou prototípicos) da categoria dos mamíferos.
No campo da morfologia, também é possível atestar que há elementos 
que exibem diferentes graus de pertença a uma mesma categoria. Por exem-
plo, quando falamos em cadeira, estamos diante de um elemento central da 
categoria dos substantivos, já que designa um objeto tangível e concreto. Já 
não podemos dizer o mesmo quando nos referimos a saci, que só existe na 
imaginação. Os substantivos abstratos (como amor, ódio, vingança), por sua 
vez, são ainda menos prototípicos, tendo em vista que não têm materialidade. 
Em um extremo, podemos pensar na palavra corrida, que designa uma ação, 
o que é típico dos verbos.
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A percepção de que os elementos de uma determinada categoria exibem 
diferentes graus de pertença é central para a exata compreensão da gramática. 
Tomando comoponto de partida a constatação de que as línguas são marcadas 
por fluidez e que as imbricações e as sobreposições são naturais, então não 
é possível reconhecer a gramática de uma língua natural a partir de critérios 
formais rígidos, como fazem, por exemplo, as gramáticas normativas.
Voltando ao exame dos dados apresentados na seção anterior, podemos 
afirmar que [perto de] é um exemplar não prototípico da categoria dos conec-
tivos. Como já afirmado e aqui reiterado, esse conector ainda exibe certa 
transparência semântica e restringe-se a ligar orações não finitas. Por outro 
lado, esse é um elemento produtivo na língua e cumpre um papel específico na 
gramática, como já demonstrado. Logo, pertence à categoria dos conectivos, 
ainda que de forma mais marginal.
As descrições tradicionais, via de regra, desconsideram esses usos menos 
canônicos, pois não se “encaixam” muito bem na perspectiva aristotélica de 
que todos os elementos de uma categoria devem exibir os mesmos traços. 
Entretanto, essa é uma visão idealizada das línguas, muito longe de suas 
realidades psicológicas e empíricas.
No âmbito dos conectores complexos, Rosário (2020) apresenta uma 
série de microconstruções comumente ignoradas pelas gramáticas normativas. 
Esses conectores são representados por meio do seguinte esquema:
Esquema 1 – Rede de conectores [X de] em língua portuguesa
em razão de
[X de]conect
[Adv de]conect [Prep [det] N de]conect
próximo de
... ...
além de
antes de
depois de
fora de
longe de
perto de
ao redor de
em vez de
em prol de
ao invés de
a respeito de
em face de
Fonte: Rosário (2020, p. 6).
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Essa representação esquemática aponta a existência de um padrão alta-
mente virtual que está em um nível mais alto de abstração: [X de]conect. Esse 
padrão, por sua vez, está associado taxonomicamente a dois padrões menos 
abstratos: [Adv de]conect e [Prep [det] N de]conect. Por fim, no nível mais 
baixo da rede, há os muitos conectores formados pela adjunção de partículas 
de diferentes naturezas à preposição de.
Esses conectores, de fato, são de difícil caracterização, tendo em vista 
suas fronteiras muito fluidas com outras categorias gramaticais, como a dos 
advérbios e das preposições (cf. LUCERO, 1999). Aliás, deve ser ressaltado 
que a delimitação entre essas categorias tem sido objeto de muitas discussões, 
haja vista especialmente a fluidez categorial entre preposições e conjunções 
subordinativas, já que ambas estabelecem relações hierárquicas entre um 
elemento A subordinante e um elemento B subordinado.
Essas ponderações indicam, em outras palavras, que os conectores aqui 
ilustrados (dentre eles o perto de) são menos prototípicos em relação às con-
junções canônicas. Isso ocorre porque perto de (e elementos aparentados) 
muito provavelmente ainda estão em rota de convencionalização na língua, 
já que são marcados por comportamento híbrido (entre preposição complexa 
e conector hipotático).
Antes de concluirmos esta seção do trabalho, precisamos frisar que esse 
caráter híbrido, diverso e maleável dos usos aqui apresentados expressa a 
real natureza das línguas humanas. Os diferentes graus de prototipicidade 
dos elementos linguísticos são reflexos das polissemias e das relações poli-
funcionais, já ilustradas neste capítulo. Uma visão de língua pautada nessa 
perspectiva de gradiência, sem dúvida, ajuda-nos a compreender melhor o 
caráter emergente da gramática.
LFCU e o ensino de Língua Portuguesa
É importante considerar que, embora a Linguística Funcional Centrada 
no Uso seja uma abordagem originalmente elaborada para a descrição teórica 
dos sistemas linguísticos, sua articulação com o ensino de língua materna é 
perfeitamente possível e, inclusive, desejável, uma vez que sua visão de língua 
se coaduna com a perspectiva defendida em documentos pedagógicos oficiais, 
como PCN (BRASIL, 1998) e BNCC (BRASIL, 2018).
Nesses documentos, o trabalho com a análise linguística se constrói 
sob uma perspectiva epilinguística, cujo objetivo é permitir aos alunos que 
operem sobre a própria linguagem e construam progressivamente paradigmas 
linguísticos com base na análise do uso em diferentes contextos:
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Deve-se ter em mente que tal ampliação (do repertório linguístico) não 
pode ficar reduzida apenas ao trabalho sistemático com a matéria gra-
matical. Aprender a pensar e a falar sobre a própria linguagem, realizar 
uma atividade de natureza reflexiva, uma atividade de análise linguística 
supõe o planejamento de situações didáticas que possibilitem a reflexão 
não apenas sobre os diferentes recursos expressivos utilizados pelo autor 
do texto, mas também sobre a forma pela qual a seleção de tais recursos 
reflete as condições de produção do discurso e as restrições impostas pelo 
gênero e pelo suporte (BRASIL, 1998, p. 27).
Apesar de os Parâmetros Curriculares Nacionais não assumirem uma 
perspectiva teórica de modo explícito, o exame de suas bases teóricas e epis-
temológicas permite uma aproximação bastante clara desse documento com 
os pressupostos teóricos funcionalistas. Afinal, a reflexão sobre a língua e 
sobre as condições de produção do discurso só são possíveis por meio dos 
usos, que constituem o cerne da Linguística Funcional.
Sob um ponto de vista análogo, Lopes (2020, p. 108) faz as seguin-
tes considerações:
Em uma perspectiva de ensino de gramática pautado no texto, prioriza-se 
um método indutivo de ensino, em que o aluno constrói seu conhecimento 
gramatical a partir da observação da língua em uso. Sendo assim, é por 
meio das ocorrências concretas do uso linguístico que o aluno (e toda a 
classe) chega às generalizações linguísticas, de natureza mais abstrata. 
Sob essa ótica, ele deve observar não só as propriedades semânticas e 
morfossintáticas das categorias em estudo, como também as pragmáticas 
(relacionadas à situação de produção do discurso, sobretudo no que diz 
respeito à intencionalidade e aos papéis sociais desempenhados pelos 
interlocutores) e as discursivo-funcionais (relacionadas às questões da 
sequência tipológica, gênero e modalidade), sendo estas duas últimas – 
as pragmáticas e discursivo-funcionais – analisáveis somente em textos 
concretos, e não em frases descontextualizadas.
Como podemos observar, as visões se aproximam por operarem sobre o 
eixo uso-reflexão-uso, em que se concebe uma relação direta entre gramática 
e texto. Sob esse ponto de vista, as estruturas gramaticais não são um conjunto 
de regras abstratas, replicadas pelos falantes independentemente do contexto 
de uso; ao contrário: a escolha das estruturas linguísticas é contextualmente 
dependente, já que a linguagem é vista, em todas as suas dimensões, como 
uma forma de interação. Por isso, da mesma maneira que não se concebe uma 
descrição desvinculada do uso real da língua, também não se deve conceber 
um tratamento didático da língua que desvincule a gramática do texto.
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Considerações finais
Neste capítulo, procuramos demonstrar a natureza da gramática, con-
cebida como um sistema adaptativo complexo (BYBEE, 2015). Apesar da 
visão mais ou menos hegemônica de que a gramática é estável e refratária 
à entrada de novos elementos, as pesquisas levadas a cabo na perspectiva 
da língua em uso demonstram o contrário. O sistema linguístico, de fato, é 
plástico e maleável, pois as necessidades comunicativas sempre influenciam 
a sua organização.
Procuramos demonstrar como esses impactos modificam a categoria dos 
conectores complexos do português. Por meio do exame de dados reais, foi 
possível perceber como novos elementos são recrutados para cumprir papéis 
específicos na gramática. Esses elementosinovadores, por sua vez, sempre 
vão ser atestados de modo gradiente, marcados por polissemias, em contextos 
de polifuncionalidade.
De uma forma geral, no processo de criação de novos conectores, Heine 
e Kuteva (2007, p. 210) destacam o papel das recategorizações, no sentido de 
que os falantes normalmente recrutam velhas formas para novas funções. Com 
isso, o estado sincrônico das línguas pode ser visto como “o produto conge-
lado de processos cognitivos e comunicativos ocorridos no passado”. Assim, 
os diferentes níveis de composicionalidade dos conectores destacados neste 
capítulo comprovam a ideia de que as recategorizações procedurais tendem 
a ser contextualmente dependentes, direcionais e graduais, e não automáticas 
ou abruptas.
A Linguística Funcional Centrada no Uso pode oferecer importantes 
instrumentos e ferramentas para a descrição da gramática na perspectiva de 
sua emergência, tanto no campo sincrônico como diacrônico. Ao partir da 
premissa da gradiência e da fluidez categorial, essa perspectiva teórica per-
mite um exame mais apurado e real da dinamicidade do sistema linguístico. 
Ademais, o trabalho executado sempre primará pela observação mais holística 
dos fenômenos, em seus aspectos tanto formais quanto funcionais.
Por meio dos dados aqui apresentados, procuramos demonstrar como 
mecanismos sociocognitivos impactam a língua em uso. Por meio do exame 
dos contextos, em análises qualitativas, é possível captar como inferências 
pragmáticas colaboram para a semantização de significados. A aferição da 
frequência de uso, por sua vez, em um viés mais quantitativo, leva à fixação 
[entrenchment] e automatização de novos usos no sistema linguístico.
Como resultado desses mecanismos, atestamos diminuição de composi-
cionalidade e surgimento de polissemias. Afinal, efeitos de ordem sintático-
-semântica moldam as construções, conferindo-lhes novas funções, podendo 
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torná-las polifuncionais. A consequência desses impactos é justamente a 
depreensão de distintos níveis de prototipicidade, como demonstramos com 
[perto de], no âmbito da categoria dos conectores do português.
A percepção de que há constantes mutações e reconfigurações da rede 
linguística, sem dúvida, é um ingrediente fundamental à formação de profes-
sores, de pesquisadores e de professores-pesquisadores na área das linguagens. 
Ademais, acreditamos que a sistematização dos conceitos aqui apresentados 
pode ser uma importante ferramenta não só para os trabalhos de investigação 
teórica, como também para os processos de ensino-aprendizagem, em diver-
sos níveis. Afinal, uma nova concepção de língua e de gramática, pautada 
na gradiência, na polissemia, na polifuncionalidade e nos diferentes graus 
de prototipicidade permite ao docente apresentar uma visão mais realística e 
fidedigna da língua aos seus alunos.
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“NÃO TOMAR PARTIDO É 
TOMAR PARTIDO”: chunks e 
ensino de língua portuguesaEdvaldo Balduino Bispo42
Maria Angélica Furtado da Cunha43
Introdução
Embora especialistas de várias áreas do conhecimento utilizem a lingua-
gem como parte de seu instrumento de pesquisa, nenhum deles se detém no 
estudo da linguagem em si mesma, para tentar descobrir como ela se constitui 
e opera. É nesse contexto que se insere a Linguística, que tem por objetivo 
investigar como a linguagem e, em particular, as línguas naturais, funcionam. 
Tal tarefa se realiza por meio do estudo das unidades e dos padrões da língua, 
do modo como as pessoas utilizam essas unidades e esses padrões em suas inte-
rações comunicativas, e de como esses padrões surgem, se mantêm e mudam 
ao longo do tempo, no espaço e em grupos sociais distintos, entre outras coisas.
Neste capítulo, refletimos sobre a articulação entre teoria linguística e 
ensino de língua, de modo a examinar possibilidades e alternativas para o tra-
tamento de fenômenos linguísticos em sala de aula, com foco nas atividades de 
análise desenvolvidas na educação básica. O enquadre teórico que nos orienta 
é a Linguística Funcional Centrada no Uso, conforme Furtado da Cunha, 
Bispo e Silva (2013), Furtado da Cunha, Silva e Bispo (2016), entre outros.
Dado que a LFCU tem como interesse básico a constituição da gra-
mática da língua, sua emergência, regularização e mudança, as pesquisas 
fundamentadas nessa vertente podem fornecer subsídios para o processo de 
ensino-aprendizagem. Assim, uma prática pedagógica calcada nessa perspec-
tiva contribui para a ampliação das habilidades linguísticas dos alunos para a 
produção e recepção reflexiva e crítica de textos orais, escritos e multimodais 
de gêneros e níveis de formalidade variados, conforme as situações sociais.
Para ilustrar os pontos que aqui levantamos, elegemos o chunk 
como objeto de análise. Em linhas gerais, um chunk é um agrupamento 
42 Doutorado em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professor Asso-
ciado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
43 Doutorado em Linguística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Titular da Universidade 
Federal do Rio Grande do Norte.
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semântico-sintático de elementos simples que formam uma unidade mais 
complexa, resultante do processo cognitivo de domínio geral denominado 
chunking (BYBEE (2016 [2010]). Esse processo é responsável pela forma-
ção de estruturas mais complexas com base na co-ocorrência frequente de 
itens. Sequências repetidas são embaladas juntas em termos cognitivos, de 
modo que a cadeia pode ser tomada como uma unidade simples. É o que 
acontece, por exemplo, com as construções dar panos para as mangas, mar-
car consulta, boca de siri, palpite infeliz, apenas para citar algumas. A força 
das relações sequenciais é determinada pela frequência com a qual dois (ou 
mais) elementos co-ocorrem, e isso constitui a base cognitiva subjacente para 
a morfossintaxe e sua organização hierárquica. Quanto mais a sequência de 
palavras for repetida e puder ser acessada junta, tanto mais será convencio-
nalizada. Com base na organização da memória, chunking é um processo que 
influencia todos os sistemas cognitivos e representa uma propriedade tanto do 
nível da produção quanto da percepção, contribuindo significativamente para 
fluência e facilidade do uso da língua. Isso quer dizer que, embora extensa, 
uma cadeia de palavras pode ser produzida e processada mais facilmente se 
essas palavras podem ser acessadas em conjunto, devido à frequência de uso.
Vamos focalizar chunks formados com verbos leves44, também chamados 
de verbos suporte, como tomar, dar e fazer, em expressões do tipo tomar 
juízo, dar cabimento e fazer besteira, as quais são interpretadas como um 
bloco de forma e sentido. Examinamos, nesses blocos, o preenchimento da 
posição (slot) pós-verbal, correspondente ao objeto direto na configuração 
do agrupamento.
Nosso objetivo é discutir como podem ser abordadas relações entre fun-
ções e formas, oferecendo sugestões para o ensino de português na educa-
ção básica.
Para tanto, caracterizamos as manifestações de chunks em termos dos 
verbos leves que os constituem e das propriedades de esquematicidade, pro-
dutividade e composicionalidade de construtos coletados de contextos reais 
de uso da língua.
Enquadre teórico
A Linguística Funcional Centrada no Uso (LFCU) defende a existência de 
uma correlação motivada entre codificação e uso linguístico (FURTADO DA 
CUNHA; BISPO; SILVA, 2013). Para essa vertente teórica, há uma simbiose 
44 O termo verbo leve (light verb, conforme JESPERSEN, 1965) designa um verbo distanciado do seu significado 
básico, que funciona como portador de categorias verbais (tempo, modo, número, pessoa). Nesse sentido, 
o núcleo do predicado está no nome que acompanha o verbo leve.
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entre as estratégias de organização do discurso e a estruturação linguística, 
de modo que esta reflete, em alguma medida, os propósitos comunicativos 
negociados entre os falantes em situações reais de interação.
Nessa direção, a gramática é tomada como um conjunto de regularidades 
observadas no uso linguístico e formadas via rotinização. Compõe-se, então, 
de padrões regulares e de outros em processo de regularização, contingencia-
dos por demandas cognitivas e comunicativas, associadas a um determinado 
ambiente sócio-histórico e cultural.
De acordo com essa vertente teórica, a língua é vista como um código 
parcialmente arbitrário, dada sua adaptabilidade às demandas interacionais, 
sociais e cognitivas dos usos a que serve. Consiste, pois, em um sistema adap-
tativo complexo (DU BOIS, 1985; BYBEE, 2016 [2010]). Em consonância 
com a Gramática de Construções (GC), a LFCU postula que a unidade básica 
da língua é a construção, aqui entendida como um pareamento de forma e 
função que tem significado próprio, esquemático, parcialmente independente 
dos itens que a compõem (GOLDBERG, 1995). Trata-se de uma generaliza-
ção a que chegamos com base no contato recorrente com instâncias de uso 
da língua em práticas interacionais situadas.
Nessa perspectiva, a construção compreende desde um morfema até um texto 
(GOLDBERG, 2006; ÖSTMAN; FRIED, 2005). Assim, por exemplo, no período 
Cabelos brancos podem recuperar temporariamente a cor, indica estudo45, temos 
construções diversas: o sufixo -mente (em temporariamente), formador de advér-
bio; o item lexical a, determinante de cor; o sintagma nominal cabelos brancos e 
a cor, argumentos de podem recuperar (sujeito e objeto direto, respectivamente); 
a construção transitiva instanciada por Cabelos brancos podem recuperar tem-
porariamente a cor; e todo o bloco Cabelos brancos podem recuperar tempora-
riamente a cor, indica estudo, que atualiza uma construção oracional complexa.
Cabe frisar que a construção é uma entidade teórica, abstrata, que apre-
senta graus variados de abstração/esquematicidade. Desse modo, existem 
construções totalmente esquemáticas (ou abertas), podendo ser preenchidas 
por elementos diversos, a exemplo do padrão de formação oracional SUJ-
-PREDICADO em que tanto a posição de SUJ quanto a de PREDICADO 
podem ser representadas por uma ampla variedade de elementos: no período 
Formigas, abelhas e cupins se reconhecem por meio do odor46, temos o SUJ 
codificado por Formigas, abelhas e cupins; e o PREDICADO por se reco-
nhecem por meio do odor. Há construções semiespecificadas, com algum(ns) 
elemento(s) fixo(s), conforme se dá com tomar SN (tomar conta, tomar juízo, 
tomar posse); e ainda aquelas totalmente especificadas, em que todos os ele-
mentos são fixos, como dar com a cara na porta.
45 Disponível em: https://super.abril.com.br/. Acesso em: 30 jun. 2021.
46 Disponível em: https://super.abril.com.br/blog/bzzzzzz/. Acesso em: 5 jul. 2021.
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Dadas as premissas até aqui explicitadas, uma pesquisa funcionalista 
direciona seu foco de interesse na interdependência entre forma e função, 
buscando no texto produzido em situação real de interação subsídios que 
forneçam explicações para a codificação morfossintática. Essa orientação 
funcionalista sobre os fenômenos linguísticos pode trazer contribuição para 
o ensino de língua no espaço escolar.
Conquanto o Funcionalismo, em sua vertente norte-americana pelo 
menos, não tenha uma agenda voltada ao ensino de língua, alguns pesquisado-
res brasileiros, notadamente ligados ao grupo Discurso & Gramática (D&G), 
têm discutido a relação entre pressupostos funcionalistas e o ensino de Língua 
Portuguesa e/ou de gramática. Nessa direção, há vários trabalhos que discutem 
a natureza, o alcance e as implicações da Linguística Funcional para a prática 
pedagógica, a exemplo de Bispo (2007), Oliveira e Cezario (2007), Furtado 
da Cunha e Bispo (2012), Furtado da Cunha, Bispo e Silva (2014), Oliveira e 
Wilson (2015), Furtado da Cunha e Tavares (2016), entre outros. Quase todas 
essas publicações têm se ocupado em demonstrar interseções entre premissas 
funcionalistas e orientações curriculares oficiais norteadoras do ensino básico, 
além de possibilidades de fundamentar o tratamento de fatos gramaticais na 
sala de aula com base em postulados funcionalistas.
Furtado da Cunha, Bispo e Silva (2014, p. 84) registram que “a proposta 
de ensino de língua numa vertente funcionalista objetiva trabalhar questões 
linguísticas com base em seus propósitos discursivo-pragmáticos, vinculados 
a práticas sociais situadas”. Essa visão dialoga com a proposta dos Parâme-
tros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL, 1998) de Língua Portuguesa, 
especialmente quanto ao preparo do aluno para que ele possa utilizar adequa-
damente a linguagem nas múltiplas demandas sociais. Também encontra eco 
na Base Nacional Comum Curricular – BNCC, segundo a qual
Os conhecimentos sobre a língua, as demais semioses e a norma-padrão 
não devem ser tomados como uma lista de conteúdos dissociados das prá-
ticas de linguagem, mas como propiciadores de reflexão a respeito do fun-
cionamento da língua no contexto dessas práticas (BRASIL, 2018, p. 139). 
A visão funcionalista de ensino de língua materializa-se em atividades 
de análise e de reflexão linguísticas, por meio das quais se aprimoram as 
capacidades de compreensão e expressão dos alunos, isto é, sua competência 
comunicativa (FURTADO DA CUNHA; BISPO; SILVA, 2014). O trabalho 
analítico e reflexivo sobre a língua, conforme Oliveira e Wilson (2008), deve 
tomar como ponto de partida a observação das estruturas mais regulares veri-
ficadas nas situações efetivas de uso da língua. Assim, o que se propõe é um 
trabalho que parta da investigação das estratégias recorrentes de expressão 
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linguística, de modo a explicitar os princípios que regulam tais estratégias 
e que permitem a adequada interação entre os falantes. Destacamos, mais 
uma vez, a correspondência da perspectiva funcionalista com as orientações 
curriculares, nas quais encontramos
Assume-se, na BNCC de Língua Portuguesa, uma perspectiva de progres-
são de conhecimentos que vai das regularidades às irregularidades e dos 
usos mais frequentes e simples aos menos habituais e mais complexos 
(BRASIL, 2018, p. 139).
Dessa forma, a orientação para o trabalho do professor, diferentemente 
da abordagem tradicional, não seria calcada na prescrição normativa, mas 
deve tomar por base a observação das regularidades atestadas nas diversas 
situações sociointeracionais de uso da língua.
Algumas pesquisas funcionalistas mais recentes, no âmbito do D&G, têm 
avançado na interface Linguística Funcional e ensino de língua portuguesa. 
Amurim (2018), Bispo e Amurim (2019), Bispo e Silva (2020), por exemplo, 
discutem resultados de intervenções pedagógicas desenvolvidas em turmas 
do ensino fundamental, assentadas em premissas funcionalistas aliadas às 
diretrizes e orientações curriculares nacionais. Trata-se de empreendimentos 
que conjugam descrição e análise linguística com a elaboração e a aplicação 
de proposta didática.
Em movimento de relativa aproximação com as pesquisas referidas, mais 
particularmente com as primeiras mencionadas, discutimos, adiante, como 
uma visão funcional-construcionista de fenômenos linguísticos pode ser útil 
ao tratamento de padrões morfossintáticos em sala de aula da educação básica.
Chunks
Os chunks formados pelos verbos leves tomar, dar e fazer são um tipo 
de construção de estrutura argumental transitiva, que pode ser representada 
como SN1+VLEVE+SN2, conforme se vê nas expressões sublinhadas nas amos-
tras a seguir47:
(1) Mulheres invisíveis
Pretas e pobres, prostitutas se arriscam em meio à pandemia
Diante do contexto familiar insustentável, ela [Vanessa] decidiu seguir os 
passos do namorado e vender drogas, o que conseguiu por meio de alguns 
amigos que já estavam nesse ramo. Foi nessa época que se tornou usuária, 
e o dinheiro ia praticamente todo para sustentar o vício e as baladas.
47 SN = sintagma nominal.
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Por um ano seguiu assim até ser presa. Foi parar na Fundação Casa (Funda-
ção Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente) e ali permane-
ceu por um mês. “Quando saí, não tomei juízo, continuei vendendo drogas, 
mas muitas pessoas estavam sendo presas e isso foi me dando medo”.
(Disponível em: https://www.agenciamural.org.br/especiais/pretas-e-
-pobres-prostitutas-se-arriscam-em-meio-a-pandemia/. Acesso em: 13 
jul. 2021)
(2) Misery – Louca Obsessão
Eu gosto de histórias de terror, especialmente aquelas que a maldade é 
feita pelos humanos. Porque se tem algo que a gente é bom é em fazer 
coisas ruins. Só que eu não acreditava que conseguiria ter essa sensação 
de medo ao ler um livro de terror. O que é bem burro da minha parte, já 
que se tenho outras emoções lendo, por que não essa? Enfim. Quando 
era mais burrinho que hoje, tive vários livros de Stephen King que não 
dei cabimento por causa das explicações acima e por isso acabei dando/
vendendo sem bem sequer tentar.
(Disponível em: https://diascomuns.blogspot.com/2021/06/misery-louca-
-obsessao.html. Acesso em: 13 jul. 2021)
(3) Aos 90 anos, FHC pede mais diálogo e diz ainda ver espaço para 
terceira via
Para FHC, o gestor de hoje precisa saber reconhecer os próprios erros. 
“É uma coisa importante. Para você poder avançar, você tem que dizer 
que fez besteira na vida. A gente não faz sempre coisa certa. O melhor é 
reconhecer que errou, tentar melhorar”, diz FHC.
(Disponível em: https://jovempan.com.br/programas/jornal-da-manha/
aos-90-anos-fhc-pede-mais-dialogo-e-diz-ainda-ver-espaco-para-tercei-
ra-via.html. Acesso em: 7 jul. 2021)
A construção transitiva canônica expressa um evento transitivo proto-
típico, em que um agente intencional causa o afetamento ou efetuamento48 
de um participante paciente, a exemplo das orações destacadas em (4) e (5).
(4) Vídeo: ladrões fazem emboscada para roubar carro em 
Bento Ribeiro
Rio – Moradores de Bento Ribeiro, na Zona Norte do Rio, reclamam de 
uma onda de assaltos na região. Em um flagrante gravado neste domingo 
(11), um grupo de criminosos fez uma emboscada e roubou um carro que 
estava com quatro pessoas na Rua Divinópolis.
48 Alguns objetos dos verbos que instanciam a construção transitiva são criados pela ação do verbo. Hopper 
(1987) chama esse caso de objeto efetuado, para distingui-lo de objeto afetado.
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(Disponível em: https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2021/07/6187599-vi-
deo-ladroes-fazem-emboscada-para-roubar-carro-em-bento-ribeiro.html.Acesso em: 12 jul. 2021) 
(5) Governo do Maranhão reforça trabalhos de manutenção nas rodo-
vias estaduais
Em Cajari, região da Baixada Maranhense, os trabalhos de pavimentação 
foram intensificados para recompor o pavimento em 14,5 quilômetros. A 
equipe técnica realizou um trabalho de restauração completa no trecho 
para garantir a trafegabilidade aos condutores.
(Disponível em: http://sinfra.ma.gov.br/2021/04/26/governo-do-mara-
nhao-reforca-trabalhos-de-manutencao-nas-rodovias-estaduais/. Acesso 
em: 13 jul. 2021)
Em (4), temos uma oração transitiva prototípica em que o Sujeito/Agente 
um grupo de criminosos, recuperado anaforicamente na oração sublinhada, 
afeta, pela ação de roubar, o Objeto/Paciente um carro, que fica sob a posse 
dos ladrões. A oração em (5) codifica um evento transitivo em que o Objeto/
Paciente um trabalho de restauração completa é criado, ou efetuado, pela 
ação do Sujeito/Agente a equipe técnica.
O agrupamento SN1+V+SN2 apresenta alto grau de esquematicidade, na 
medida em que nenhum de seus slots é especificado lexicalmente, apenas em 
termos de suas categorias: SN e V. Tais categorias podem ser representadas, 
em usos efetivos da língua, por uma ampla variedade de itens lexicais.
Embora nesse padrão o V possa ser instanciado por diferentes tipos de 
verbo no que diz respeito à sua carga semântica, interessa-nos, aqui, o verbo 
leve. O SN2, por sua vez, pode ser um Sintagma Nominal nu, ou seja, sem 
determinante, representado como SNNU, que pode se flexionar em número e ter 
ou não modificadores, tais como adjetivo, locução adjetiva e oração relativa. 
No plano semântico, o SNNU pode ser abstrato ou concreto.
O esquema [SN+VLEVE+SNNU] caracteriza-se pelo enfraquecimento 
semântico do verbo, o qual, junto com o [SNNU], forma uma unidade cujo 
sentido é determinado, em parte, pelas propriedades do SNNU e, em parte, 
pelo contexto discursivo em que ocorre. O ponto crucial das ocorrências 
dessa construção é que, ao formarem um chunk, o sentido do todo não é mais 
recuperável a partir do sentido das partes49. Tem-se, então, uma nova unidade 
de significado. É o que se pode ver em:
(6) Após polêmica, Juliana Paes é vacinada contra a Covid-19 
e comemora
49 Para uma discussão sobre o grau de fusão e de composicionalidade entre os elementos constituintes de 
uma construção, ver Furtado da Cunha e Bispo (2019). 
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A atriz Juliana Paes tomou, nesta segunda-feira (5/7), a primeira dose da 
vacina contra a Covid-19. [...]
Ela, porém, se envolveu em uma polêmica recentemente ao se posicionar 
sobre a atual situação do país e o governo. Em vídeo compartilhado no 
Instagram, Juliana afirmou não tomar partido, mesmo após quase 500 mil 
mortes de brasileiros vítimas da Covid-19.
(Disponível em: https://www.metropoles.com/colunas/pipocando/apos-po-
lemica-juliana-paes-e-vacinada-contra-a-covid-19-e-comemora. Acesso 
em: 6 jul. 2021)
O bloco tomar partido significa defender uma ideia, assumir uma posi-
ção. O emprego desse chunk é motivado por questões de ordem discursivo-tex-
tual. Note-se que o autor da notícia empregou o verbo pleno50 posicionar no 
período imediatamente anterior ao da ocorrência do verbo leve + SNNU. Assim, 
tomar partido recupera o sentido desse verbo pleno, evitando que ele seja repe-
tido e mantendo a coesão e a coerência semântico-textuais. Nesse sentido, o 
uso do agrupamento tomar partido resulta em maior adequação comunicativa.
Como podemos atestar, esses diferentes chunks compartilham o mesmo 
padrão estrutural: a sequência VLEVE (tomar, fazer, dar) e SNNU (juízo, besteira, 
cabimento). Trata-se de uma configuração esquemática que reúne o que há 
em comum entre um vasto conjunto de expressões.
Tomando a construção transitiva como exemplo, vemos que ela pode ser 
realizada por um grande número de orações em português, já que cada um 
dos slots que a compõem (SN1 V SN2) pode ser preenchido por uma ampla 
variedade de nomes e verbos (FURTADO DA CUNHA; SILVA, 2018). Nesse 
sentido, a esquematicidade de uma construção está diretamente relacionada à 
sua produtividade, visto que quanto mais esquemática ela for, maior o número 
de orações que ela pode instanciar. Na mesma linha, a construção [SN+VLE-
VE+SNNU]51 também é altamente esquemática e, portanto, apresenta alto grau 
de produtividade, já que seus slots podem ser preenchidos por qualquer VLEVE 
seguido de Sintagma Nominal nu.
Em termos semânticos, os itens que podem ocupar os slots VLEVE e SNNU 
formam, juntos, um todo de significado, de modo que cada um desses ele-
mentos não pode ser interpretado isoladamente. Assim, esses chunks exibem 
baixo grau de composicionalidade em comparação a uma sequência formada 
por tomar/dar/fazer + SN, em que tais verbos mantêm seu sentido básico. 
É o que ocorre, por exemplo, nos dados a seguir, nos quais esses verbos são 
usados com sentido de ingerir líquidos, transferir algo para alguém e criar 
alguma coisa, respectivamente:
50 Verbo pleno é aquele que tem um significado próprio, básico, que pode indicar uma ação, um processo, uma 
ação-processo ou um estado. Atua como núcleo de um predicado verbal ou verbo-nominal.
51 Trata-se, na verdade, de um subtipo da construção transitiva, ou seja, um subesquema (TRAUGOTT; 
TROUSDALE, 2021). 
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(7) Ex-moradora de rua cria rede de apoio a vulneráveis na pandemia
Solta, Juma acabou voltando para a rua. “O Estado é assim: te prende 
e depois te joga na rua”. No primeiro dia em liberdade, rumou para o 
Conic, “o centro de seu mundo”. Lá, tomou uma cerveja gelada e matou 
a saudade dos amigos. 
(Disponível em: https://www.metropoles.com/vida-e-estilo/comporta-
mento/ex-moradora-de-rua-cria-rede-de-apoio-a-vulneraveis-na-pandemia. 
Acesso em: 13 jul. 2021)
(8) Mães reclamam de atraso no cartão alimentação de alunos da 
rede municipal de SG
“Eu tenho três filhos que estudam na rede do município. O Colégio me 
deu um cartão que serviria para receber o valor da alimentação para as 
três crianças, mas quando eu fui sacar o dinheiro havia apenas R$54,20, 
que corresponde a apenas um aluno.
(Disponível em: https://www.osaogoncalo.com.br/geral/106524/maes-re-
clamam-de-atraso-no-cartao-alimentacao-de-alunos-da-rede-municipal-
-de-sg. Acesso em: 13 jul. 2021)
(9) ‘Mestre do Sabor’: Ana Gabi é a primeira eliminada após não 
conseguir finalizar seu prato
Chegou a hora dos Mestres provarem os escondidinhos preparados pelos 
chefs e decidirem quem fez o melhor prato, que ganharia imunidade para 
a próxima semana, e o pior, que deixaria a disputa do reality.
(Disponível em: https://gshow.globo.com/realities/mestre-do-sabor/2021/
noticia/mestre-do-sabor-acompanhe-as-emocoes-da-estreia-da-fase-na-
-pressao.ghtml. Acesso em: 13 jul. 2021)
De acordo com Chaves (2020), o subesquema [SN+VLEVE+SNNU] é alta-
mente produtivo, tanto em termos de tokens (ocorrências) quanto em termos de 
types (tipos de verbos). Com relação à propriedade de composicionalidade, as 
orações que codificam esse subesquema passam por um processo de extensão 
semântica, sendo necessário acionar sentidos metafóricos, contextualmente 
determinados, para sua interpretação. Alguns dos verbos frequentemente 
usados nessa configuração estrutural são: tomar, dar, abrir, ter, fazer, tirar, 
tocar, levar, prestar, ganhar, mandar, marcar, montar, botar, lançar, pagar, 
pegar, passar, pedir e ver.
Embora algumas expressões com verbos leves se assemelhem a outras 
com verbos plenos52, como no caso de dar um grito = gritar, fazer um aceno 
52 Verbos plenos são aqueles que têm um significado próprio, básico, que pode indicar uma ação, um processo, 
uma ação-processo ou um estado. Atuam como núcleo de um predicado verbal ou verbo-nominal.
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= acenar,dar uma olhada = olhar, o uso de um verbo leve seguido de SN 
não equivale, exatamente, ao significado do verbo pleno a que se assemelha.
(10) No banheiro reservado, Juliette grita de susto ao ver Fiuk 
abrir a porta
A casa do “BBB 21” (TV Globo) está bem mais vazia, mas isso não signi-
fica que “acidentes” no banheiro reservado não podem acontecer. Juliette 
estava usando o banheiro, quando Fiuk abriu a porta, que não pode ser 
trancada, sem saber que a sister estava lá. A paraibana, então, deu um grito 
agudo e depois caiu na risada. O cantor também gargalhou com a situação.
(Disponível em: https://tvefamosos.uol.com.br/noticias/reda-
cao/2021/05/03/no-banheiro-reservado-juliette-grita-de-susto-ao-ver-fiu-
k-abrir-a-porta.htm. Acesso em: 13 jul. 2021) 
(11) Craque da Copa América, Messi celebra ‘tirar um peso das cos-
tas’ com a Argentina
Lionel Messi foi eleito o craque da Copa América. Artilheiro, com quatro 
gols, o astro argentino não escondeu toda sua alegria pela primeira con-
quista com a seleção. Foi atirado para o alto pelos companheiros ainda no 
campo, gritou, pulou, e respirou aliviado por “tirar um peso das costas”.
(Disponível em: https://www.terra.com.br/esportes/craques/craque-da-
-copa-america-messi-celebra-tirar-um-peso-das-costas-com-a-argenti-
na,a3fffc13d7886115df699778e0a0212ep2kf2gjz.html. Acesso em: 14 
de jul. 2021)
Quando comparamos (10) e (11), vemos que o emprego do bloco dar 
um grito em lugar do verbo pleno gritou possibilita o uso do adjetivo agudo, 
que qualifica o SN um grito, acrescentando-lhe um efeito de sentido especial. 
O uso de gritou em vez de deu um grito não permitiria a qualificação do ato 
de gritar.
Chunks e ensino de gramática
Tratamos, nesta seção, de contribuições que as discussões sobre os chunks 
formados por verbo leve (VLEVE) mais sintagma nominal nu (SNNU) podem 
trazer ao ensino de gramática na educação básica em turmas dos níveis fun-
damental e médio. Inicialmente, precisamos tecer algumas considerações, 
ainda que de forma breve, sobre o ensino de língua portuguesa nessa etapa 
de escolaridade.
As orientações curriculares nacionais estão consubstanciadas em recente 
documento que norteia o ensino na educação básica no país, levando em 
conta um currículo comum, a BNCC (BRASIL, 2018). No que diz respeito 
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particularmente ao ensino de língua portuguesa, a BNCC reforça/retoma as 
bases já delineadas em documentos anteriores, como os PCN (BRASIL, 1998) 
e as OCN (BRASIL, 2006).
Na BNCC, o ensino de língua portuguesa é organizado em quatro gran-
des eixos, que contemplam as práticas de linguagem já consideradas em 
outros documentos curriculares da área. São eles: oralidade, leitura/escuta, 
produção (escrita e multissemiótica) e análise linguística/semiótica (conhe-
cimentos linguísticos – sobre o sistema de escrita, o sistema da língua e a 
norma-padrão –, textuais, discursivos e sobre os modos de organização e os 
elementos de outras semioses). Nossa discussão aqui recai sobre o eixo da 
análise linguística/semiótica.
Uma vez que tais eixos estão relacionados com práticas de linguagem 
situadas, a BNCC leva em conta outra categoria na organização do currículo, 
qual seja, os campos de atuação em que essas práticas se realizam. Para o 
ensino fundamental, são considerados cinco campos: Campo da vida cotidiana 
(apenas para os anos iniciais), Campo artístico-literário, Campo das práticas 
de estudo e pesquisa, Campo jornalístico-midiático e Campo de atuação na 
vida pública.
Os documentos oficiais de orientação curricular (BRASIL, 1998, 2006, 
2018) destacam que os conteúdos gramaticais devem ser estudados conside-
rando-se a importância que têm para a leitura, a escuta e a produção de textos. 
Nessa direção, tais conteúdos são redimensionados em termos de relevância, 
propondo-se um trabalho calcado em práticas de análise linguística nas quais 
se promova uma reflexão sobre os efeitos semântico-pragmáticos e textual-
-discursivos dos mecanismos linguísticos recrutados para a construção de 
textos autênticos. O texto assume, nessa perspectiva, a centralidade para o 
ensino de Língua Portuguesa e é tomado como unidade de trabalho (BRASIL, 
2018). Tais premissas se coadunam com a visão funcionalista de tratamento 
de fenômenos gramaticais.
Essas considerações são pertinentes para circunscrever as sugestões aqui 
apresentadas quanto à abordagem, em sala de aula, de agrupamentos morfos-
sintáticos discutidos neste capítulo. Nossa proposta toma o texto como ponto 
de partida e de chegada, conforme as bases teóricas e diretrizes curricula-
res que a sustentam. Pode ser desenvolvida por meio de sequência didática 
(DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEWLY, 2004; LINO DE ARAÚJO, 2013) ou 
outra forma de organização pedagógica.
Utilizamos como referência o seguinte artigo de opinião53, de Caio Buc-
ker, publicado na versão on-line do Jornal do Brasil, em 10/06/2021.
53 Trata-se de versão reduzida/adaptada. Foram suprimidos alguns parágrafos em que eram citados filósofos 
e feitas reflexões mais verticalizadas, as quais poderiam dificultar o trabalho em sala de aula do ensino 
fundamental. O conteúdo do artigo, porém, foi preservado em sua essência. 
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Neutro é detergente
Por Caio Bucker, ocaiobucker@gmail.com
Na última semana, o post da atriz global defendendo uma médica cloro-
quinista gerou repercussão nas redes sociais e na imprensa. Após críticas, ela 
resolveu se manifestar. O que já estava ruim, ficou ainda pior. A classe ficou 
um pouco dividida, onde os mais irrelevantes artisticamente acabaram lhe 
apoiando. Claro, não era de se esperar outra coisa. Depois é o povo consciente 
que tem delírios comunistas. Mas não estou aqui para falar dela.
A frase “neutro é o detergente” circulou com frequência por esses dias. 
Eu confesso que adorei, porque acredito que, quem vive de arte e trabalha 
com cultura, deve se posicionar. Tem quem diga que não se mistura política 
com entretenimento. Mas isso é falacioso em sua essência, porque tudo que 
é produzido no mundo tem alguma relação com a política. Gregório Grisa, 
num artigo para a Obvious, comenta que a neutralidade é uma evidência de 
fraqueza tão grande quanto a certeza “absoluta”. Não tomar partido é tomar 
partido. Max Weber teria dito que “o neutro já optou pelo mais forte”. Vamos 
entender uma coisa: a questão não é fazer palanque para candidato, afinal, 
também é um direito não demonstrar apoio ou rejeição a ninguém. É muito 
maior que isso. Estamos falando de ideologias e responsabilidade. A arte, em 
geral, é plena contestação e tira a gente da zona de conforto mesmo. O que 
seria dela sem a manifestação genuína e o desenvolvimento do pensamento? 
Seu papel não é igual sempre, e varia com a época e com a cultura do lugar. 
Mas uma coisa é certa: é sempre uma forma de comunicação e expressão. 
Logo, ela questiona, reflete, informa, opina. Faz uma espécie de testemunho 
de seu tempo, na medida em que demonstra pontos de vista da sociedade com 
percepções críticas e valores. Mostra também o que está errado e o que pode 
mudar. Faz parte de processos múltiplos de semiose.
O ponto aqui é sobre se posicionar. Hoje em dia, contra o fascismo, contra 
o genocídio, contra a política da morte e o menosprezo pela população. Esta-
mos falando de não só rejeitar, mas protestar contra o movimento regressista 
que está no poder. O público cobra, sabia? Quem admira um fazedor de arte 
e se inspira por ele, quer uma posição sobre determinados assuntos. Afinal 
de contas, estamos falando de pessoas que influenciam pessoas. Tem quem 
opte por não explicitar na fala, mas nem é preciso. Vá pelas entrelinhas. Não 
precisa ser abertamente politizado e ter um lado partidário, como imaginam 
os desentendidos. Basta usufruir da liberdade de expressão para criar e expor 
ideias deforma poética e mais subjetiva. Acredite, a arte pode ser o melhor 
e mais proveitoso caminho para o entendimento da política. É só provocar.
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Estamos falando da expressão de um povo. Então, o uso da estética 
para tomar partido de algo é pertinente. Uma matéria recente do colega Ruan 
Gabriel, destacou que, para Hannah Arendt, “o problema não é quem escolhe 
o mal, mas quem escolhe a indiferença”. Ela trata do conceito de responsa-
bilidade, “onde todo indivíduo é responsável quando age e quando escolhe 
não agir”. Imagina o tropicalismo sem ideologia e opinião? E o grupo Dzi 
Croquettes, as internacionais que chocaram o regime militar, e diante da ten-
tativa de censura, se exilaram em Paris? E os diversos estilos musicais que 
surgiram como forma de protesto, como a cultura hip-hop, o rock’n roll e a 
bossa nova? Bob Marley não seria um ícone sem protestar contra injustiças 
sociais e a favor dos oprimidos. Chaplin, em pleno 1940, satirizou o nazismo 
e o fascismo em “O Grande Ditador”, seu primeiro filme falado. [...]
[...]
Não dá mais para ficar calado. Não dá e não podemos, senão eles vão nos 
engolir. Em pleno dois mil e vinte um, no auge da tecnologia e da informação, 
porque não usufruir disso para compartilhar ideias e proporcionar reflexões? 
Mas não. Alguns preferem se ocupar apenas com imagem, jabá e futilidades, 
em busca de um engajamento doentio e muitas vezes comprado. Artista que 
é artista provoca e não fica em cima do muro. Como diz Tonico Pereira: “Eu 
gostaria de ser isento como um cream cracker, mas eu não consigo. Eu tenho 
muita opinião. Tanto quanto uma pimenta malagueta.” Assino embaixo. 
(Disponível em: https://www.jb.com.br/cadernob/caio-bucker/2021/06/
1030734-neutro-e-o-detergente.html. Acesso em: 8 jul. 2021)
Esclarecemos, inicialmente, que a escolha por esse gênero textual54 se 
deve à previsão na BNCC (BRASIL, 2018) para a série na qual sugerimos 
o desenvolvimento de atividades aqui delineadas, no caso 8º ano do Ensino 
Fundamental. Está relacionado ao campo jornalístico-midiático. 
Trabalhar com textos autênticos numa perspectiva sociointeracionista, 
em que se assentam as orientações da BNCC, implica considerar uma gama 
de aspectos que circunstanciam a produção e a recepção desses textos. Elen-
camos alguns:
I. gênero textual em que se configura o texto, o que implica con-
teúdo temático, propósito comunicativo, estrutura composicional, 
estilo, suporte;
II. interlocutores: quem produziu, a quem o texto se destina;
III. espaço/tempo: lugar da produção e da circulação do texto; momento 
sócio-histórico de sua produção/recepção;
IV. linguagem utilizada: verbal, não verbal, verbo-visual, auditiva etc.;
V. intertextualidade: com que outro(s) texto(s) dialoga.
54 Empregamos gênero textual nos termos de Marcuschi (2005, 2008).
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No caso do artigo de opinião aqui utilizado, ele foi pensado devido à 
sua contemporaneidade, à sua ligação ao espaço/tempo e contexto social e 
histórico que vivemos: pandemia da Covid-19, CPI do Senado Federal em 
curso, depoimentos prestados (inclusive de uma médica referida no texto), 
posicionamentos assumidos em relação às formas de tratamento/combate à 
doença. Todos esses aspectos precisam ser considerados na leitura/discussão 
do artigo em sala de aula, o que pode envolver, por exemplo, o uso de outros 
textos (notícia e/ou reportagem) a ele relacionados pela temática e que fazem 
parte do contexto de produção de um artigo de opinião. Na verdade, a ação 
docente deve partir dessas questões e culminar com uma produção textual 
relacionada à temática explorada e/ou ao gênero em estudo.
Dados os propósitos deste capítulo, focalizaremos a análise linguística 
voltada aos blocos semântico-sintáticos de que nos ocupamos, formados por 
verbo leve (VLEVE) mais sintagma nominal nu (SNNU). Em consonância com as 
bases teórico-metodológicas que seguimos, esse trabalho deve guardar estreita 
relação com o conteúdo e com o propósito comunicativo do texto. Isso implica, 
entre outras coisas, correlacionar o estudo de fenômenos morfossintáticos à 
construção de sentidos dos textos para o alcance de determinados objetivos.
Destacamos os agrupamentos tomar partido, que ocorre no segundo e 
quarto parágrafos, fazer palanque e faz(er) parte, presentes no segundo pará-
grafo. O primeiro deles, com três ocorrências, está diretamente relacionado ao 
conteúdo temático e ao propósito comunicativo do texto. Assim, ao explorar 
com os alunos a temática e a finalidade do texto, o professor pode facilmente 
trabalhar o significado da expressão tomar partido (posicionar-se, assumir um 
posicionamento), que traz a essência do conteúdo do artigo. Aliás, é esperado 
que sejam discutidas questões atinentes a esse gênero textual, como o ponto de 
vista (tese) defendido e os argumentos para sustentá-lo. Nessa direção, ganha 
reforço o papel do bloco tomar partido, dado que sintetiza a tese defendida: 
a necessidade de artistas assumirem um posicionamento (“quem vive de arte 
e trabalha com cultura, deve se posicionar”) frente à situação político-social 
(e sanitária) do país.
No exame de tomar partido, o professor pode conduzir os alunos a chegar 
ao sentido dessa expressão, correlacionando-a a diversas passagens do texto: 
neutro é detergente (título); quem vive de arte e trabalha com cultura deve se 
posicionar (2º parágrafo); o ponto aqui é sobre se posicionar (3º parágrafo); 
artista que é artista provoca e não fica em cima do muro (último parágrafo). 
Para essa condução, o professor vai explorando os conhecimentos enciclopé-
dico e interacional dos alunos (por que se diz que “neutro é detergente”?, quem 
são as pessoas que vivem de arte? o que significa se posicionar? em relação a 
que devemos nos posicionar? o que quer dizer “ficar em cima do muro” etc.).
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Paralelamente à análise semântica de tomar partido, o professor discute 
com a turma a composição morfossintática desse bloco. Nessa direção, deve 
orientar os alunos a observar os elementos que o integram: verbo (transitivo) + 
SN substantivo (complemento/objeto direto). É a oportunidade de o professor 
promover o cotejo desse boco com outros agrupamentos, também presentes no 
texto, que apresentam configuração semelhante ou aproximada: defendendo 
uma médica cloroquinista e gerou repercussão (1º parágrafo), demonstrar 
apoio, fazer palanque e faz parte (2º parágrafo), escolhe o mal (4º pará-
grafo). Na comparação, cabe indagar aos alunos semelhanças e/ou diferenças 
entre tais agrupamentos, de modo a fazê-los perceber, por exemplo, que, em 
tomar partido, o SN que segue o verbo apresenta apenas um substantivo sem 
qualquer ‘acompanhante’ (determinante ou modificador), ou seja, um SNNU, 
mas não com essa metalinguagem técnica, claro55. É o que também acontece 
com gerou repercussão, demonstrar apoio, fazer palanque e faz parte. Já em 
defendendo uma médica cloroquinista e escolhe o mal, o substantivo núcleo 
do SN é acompanhado de outros elementos: determinante (uma) e modificador 
(cloroquinista), no primeiro caso; e determinante (o) no segundo.
Também é preciso destacar, nessa comparação formal dos agrupamentos 
referidos, diferenças entre tomar partido e outras expressões do primeiro 
grupo. Assim, o professor pode instigar os alunos a verificar a possibilidade 
de inserção de material linguístico entre o verbo leve e o SN que o segue, 
considerando o sentido com que esses chunks foram empregados no texto. Esse 
procedimento provavelmente levará os alunos a constatar que, nos casos de 
tomar partido, fazer palanque e faz parte, não parece ser possível a presença 
de material interveniente. As expressões gerou repercussãoe demonstrar 
apoio, por sua vez, estão suscetíveis à presença de itens entre verbo e SN ou 
de modificador: gerou grande/muita repercussão, demonstrar todo o apoio, 
demonstrar apoio total etc.
Feito isso, o professor pode esclarecer aos alunos que a não possibilidade 
de inserir material entre V e SN ou mesmo de alterar a ordenação desses ele-
mentos nos agrupamentos tomar partido, fazer palanque e faz(er) parte revela 
a maior integração morfossintática e semântica (não necessariamente com o 
uso dessa metalinguagem) entre os componentes dessas expressões, de modo 
que cada uma delas é vista como um todo de forma e de sentido, um chunk, 
portanto. Além disso, cabe explicitar aos alunos que o sentido desses agrupa-
mentos não resulta do sentido de suas partes componentes (V e SN), mas do 
bloco como um todo. Assim, o entendimento de tomar partido (assumir um 
posicionamento) não corresponde à junção do sentido de tomar ao de partido. 
Essa mesma situação também vale para fazer palanque e faz(er) parte. Cabe 
55 Destacamos que a metalinguagem aqui utilizada não corresponde àquela que o docente empregará em 
suas aulas na educação básica. No processo de transposição didática, o professor fará as adaptações 
necessárias à realidade da etapa de escolaridade e de cada turma em particular. 
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acrescentar que, nesses casos, os verbos tomar e fazer não apresentam sua 
significação lexical básica (ingerir e criar/produzir algo, respectivamente). 
Da mesma forma, os substantivos que seguem esses verbos (partido, palanque 
e parte) também não são empregados em sua acepção comum, mais básica 
(denotativa), mas com um sentido abstratizado (conotativo), decorrente da 
atuação de processos metafóricos e metonímicos.
É preciso registrar que, pedagogicamente, essa explicitação deve ser feita 
por meio de atividades que induzam os alunos à reflexão sobre tais expressões, 
o que implica, por exemplo, indagá-los sobre o sentido de cada parte integrante 
dos chunks e compará-lo ao sentido global da expressão.
Nessas atividades, é importante que o professor possibilite aos alunos o 
cotejo entre o comportamento dos verbos tomar e fazer nesses chunks e em 
outras situações, como as ilustradas a seguir:
(12) PM aposentado morre após tomar cervejas em MG e exame sugere 
intoxicação; marca nega.
A Polícia Civil investiga a morte de um homem de 61 anos ocorrida 
em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira. A suspeita é de que ele teria 
morrido em decorrência de intoxicação por dimetil glicol, possivelmente 
causada pela ingestão de uma cerveja. De acordo com a esposa do poli-
cial militar aposentado, o marido tomou duas latas da bebida da marca 
Brussels no dia 7 de maio, e começou a se sentir mal no dia seguinte. [...] 
(Disponível em: https://bhaz.com.br/homem-morre-apos-tomar-cerve-
jas-em-mg-e-exame-sugere-intoxicacao-marca-nega/#gref. Acesso em: 
10 jul. 2021)
(13) Veja como fazer bolo de rapadura e mungunzá salgado com as 
receitas juninas do Chef JPB
O Chef JPB deste sábado (3) encerra a temporada de receitas juninas na 
cidade de Belém-PB. Hildebrando Beto foi aprender duas receitas sabo-
rosas com a chefe de cozinha Fabíola Soares: um bolo de rapadura e um 
mungunzá salgado típico do Ceará. 
(Disponível em: https://g1.globo.com/pb/paraiba/sao-joao/2021/noti-
cia/2021/07/03/. Acesso em: 10 jul. 2021)
Nas amostras (12) e (13), tomar e fazer têm comportamento distinto 
daquele apresentado nos agrupamentos tomar partido e fazer palanque/parte. 
Nessas ocorrências, o núcleo do SN que segue o V pode ser acompanhado de 
determinante ou modificador: veja a segunda ocorrência de tomar em (12), em 
que latas é precedido do numeral duas e seguido de dois sintagmas preposi-
cionais (SP) modificadores (da bebida, da marca Brussels); em (13), bolo é 
modificado pelo SP de rapadura. Em termos semânticos, é possível depreender 
o significado de tomar cervejas (ingerir determinada quantidade dessa bebida) 
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e de fazer bolo de rapadura (preparar e cozer um tipo de alimento) com base 
na junção do sentido de cada parte componente dessas expressões.
Essa comparação permite ao professor abordar com os alunos seme-
lhanças e diferenças de forma e de sentido envolvidas na relação entre V 
transitivo e SN (objeto). Assim, o docente pode chamar a atenção para o fato 
de que os vários agrupamentos aqui referidos, conforme exposto, embora se 
conformem a esse mesmo padrão, exibem peculiaridades. Alguns são blocos 
mais integrados, com SN representado por substantivo apenas e sem possibi-
lidade de material linguístico entre verbo e substantivo (tomar partido, fazer 
palanque, fazer parte), além de significado não composicional, ou seja, o 
sentido do agrupamento não corresponde à totalidade dos sentidos das partes 
componentes. Nesses casos, ainda que os constituintes do bloco sejam identi-
ficáveis, eles formam uma unidade semântico-sintática indissociável, de modo 
que não mais se caracteriza como uma relação verbo-complemento (objeto 
direto). Tanto é assim que o conjunto passa a atuar como um predicador, con-
forme se dá com fazer parte neste trecho extraído do artigo de opinião: “Faz 
parte de processos múltiplos de semiose”. Nesse período, o SP de processos 
múltiplos de semiose funciona como complemento do composto faz parte. O 
professor pode solicitar aos alunos indicar outros casos semelhantes, com o 
que poderiam chegar a expressões como dar conta/lugar, tomar conta/posse, 
fazer frente/companhia.
Outros blocos também apresentam alta integração entre verbo e SNNU 
deverbal, podendo haver inserção de material entre V e o SNNU com manuten-
ção do sentido da expressão (gerar repercussão – gerar muita repercussão; 
demonstrar apoio/rejeição –demonstrar total apoio/rejeição). Tais agrupamen-
tos têm sentido aproximado ao de um verbo pleno cognato do SN substantivo 
(repercutir, apoiar e rejeitar, respectivamente). Nesses casos, o sentido do 
bloco depende, em grande medida, da semântica do substantivo deverbal, 
dado que o verbo não é usado em sua acepção lexical básica. Novamente, o 
professor convida os alunos a pensar em outros agrupamentos similares, a 
exemplo de dar apoio (apoiar), dar um grito (gritar), fazer bagunça (bagun-
çar), prestar socorro (socorrer), solicitando-lhes indicar o verbo pleno poten-
cialmente correspondente. Em outro momento, podem ser discutidas com os 
alunos diferenças semânticas e/ou pragmáticas entre o uso do conjunto V + 
SN deverbal e o de um verbo virtualmente equivalente. 
Cabe também aqui chamar a atenção para os casos em que não há essa 
possível correspondência, a exemplo de prestar atenção, tomar cuidado, 
fazer gosto, dar cabimento. Nessas situações, não existe um verbo cognato do 
SNNU potencialmente equivalente ao agrupamento V SN, conquanto também 
tenhamos aqui chunks, unidades de forma e sentido. Há ainda outros blocos, 
em que o núcleo do SN não é deverbal, como tomar/levar bronca, fazer a 
cabeça, fazer birra, fazer pouco, dar chilique, dar bobeira, dar/levar calote. 
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Mesmo assim, esses agrupamentos também constituem um todo de forma e 
conteúdo, de sorte que seu sentido não é deduzível de suas partes. Possivel-
mente, muitas dessas expressões são de conhecimento dos alunos da educação 
básica, o que facilita a análise/discussão por parte do professor.
Por fim, seriam referidos os casos em que o SN é acompanhado de 
determinante e/ou modificador, o que revela uma menor integração, de forma 
e sentido, entre o verbo e o núcleo nominal que o segue (defendendo uma 
médica cloroquinista, escolhe o mal, satirizou o nazismo e o fascismo). Nes-
sas situações, há composicionalidade semântica, dado que o sentido do bloco 
V SN é deduzível do sentido desuas partes. Além disso, verbo e nome são 
comumente usados em acepção denotativa. Mais uma vez, o professor solicita 
aos alunos que indiquem outros agrupamentos semelhantes.
Conforme discutimos neste capítulo e, em particular, nesta seção, existe 
uma vasta possibilidade de ocorrências, ou instanciações, para a sequência V 
SN (complemento). Entre essas possibilidades, focalizamos os chunks for-
mados por VLEVE + SNNU, a exemplo de tomar partido, fazer palanque e fazer 
parte, explicitando suas características estruturais e semântico-pragmáticas 
e os correlacionamos a outros agrupamentos que, em alguma medida, se 
aproximam ou se distanciam daqueles chunks. Demonstramos, ainda, haver 
uma gradiência na integração, em termos de forma e de conteúdo, entre V e 
o núcleo do SN, de sorte que, nos casos de maior integração (tomar partido, 
dar conta, fazer parte etc.) não temos mais verbo e objeto direto, mas um 
bloco que pode demandar complemento (dar conta de muito serviço, em que 
o SP de muito serviço funciona como complemento de dar conta).
Essa visão holística proposta pela LFCU para o exame de fatos da lín-
gua, particularmente para a relação entre V e SN na posição de objeto direto, 
contribui significativamente para os estudos de análise sintática da oração no 
âmbito da educação básica. Primeiro, por considerar a interação discursiva 
e, naturalmente, todos os fatores que a circunstanciam como centrais para 
qualquer produção linguística. Nessa direção, são tomados como ponto de par-
tida (e de chegada) textos autênticos produzidos em situações comunicativas 
reais, conforme aqui fizemos no exame dos chunks, em termos de sugestão 
de trabalho em sala de aula. Segundo, por permitir uma compreensão mais 
ampla e consistente do funcionamento da língua a serviço da construção de 
sentidos, pelo menos em dois aspectos: i) identificando agrupamentos mor-
fossintáticos que carreiam significados específicos (tomar partido = assumir 
um posicionamento; fazer palanque = apoiar, defender); ii) percebendo a 
contribuição desses agrupamentos para o sentido local ou global do texto, 
com vistas ao alcance de determinados objetivos comunicativos (no caso do 
artigo de opinião analisado, tomar partido contém a essência do ponto de vista 
defendido no texto). Terceiro, por proporcionar uma visão integrada dos níveis 
da língua (morfológico, sintático, semântico e pragmático) para o estudo da 
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transitividade56, normalmente tomada como um fenômeno essencialmente 
sintático e, em menor medida, semântico.
Reiteramos, por fim, que as discussões aqui feitas acerca da abordagem 
da transitividade em turmas da educação básica, considerando os chunks 
analisados e outros agrupamentos que deles se aproximam ou se distanciam 
implica, claro, ajustes por parte do professor. Tais ajustes visam atender ao 
plano de curso, ao momento em que o conteúdo gramatical referido vai ser 
estudado, à realidade da série/ano e da(s) turma(s) em que o trabalho será 
conduzido, entre outros. Tudo isso faz parte, conforme registrado em rodapé 
(nota 12), do processo de transposição didática.
Considerações finais
Neste capítulo, caracterizamos, em linhas gerais, a abordagem funcional-
-construcionista, que agrega pressupostos teórico-metodológicos da Linguís-
tica Funcional Centrada no Uso e da Gramática de Construções. Ocupamo-nos 
de contribuições que essa vertente teórica pode oferecer para o tratamento de 
questões linguísticas no ensino de português na educação básica. Para tanto, 
elegemos o agrupamento formado por VLEVE + SNNU como objeto de análise 
a fim de propor atividades que possam ser desenvolvidas pelo professor em 
sala de aula. Nessa direção, primeiramente definimos a noção de chunk e 
apresentamos dados de língua em uso em que esses blocos semântico-sintá-
ticos ocorrem.
Contemplamos, brevemente, as orientações curriculares nacionais, con-
forme estão dispostas na BNCC, a fim de respaldar as propostas que enca-
minhamos para o ensino fundamental e médio. Por último, com base em um 
artigo de opinião, mostramos como determinados chunks podem ser explo-
rados em uma sala de aula do 8º ano do Ensino Fundamental, enfatizando 
que esse fenômeno morfossintático concorre para a construção de sentidos 
do texto selecionado. 
Por fim, cabe destacar que a principal contribuição da proposta aqui 
relatada consiste na orientação teórico-metodológica que lhe dá suporte, ao 
assumir uma estreita relação entre os falantes, seus propósitos comunicativos 
e os usos linguísticos, contemplando, assim, a língua em funcionamento. Tal 
orientação guarda consonância com as diretrizes oficiais para o ensino de 
Língua Portuguesa. O tratamento aqui sugerido para os blocos constituídos 
de V + SN pode ser tomado como um caminho para a abordagem prática não 
apenas da relação verbo-complemento, mas também para o ensino de outros 
tópicos gramaticais em turmas da educação básica.
56 Para a Linguística Funcional Centrada no Uso, a transitividade não se limita ao verbo. Para mais detalhes, 
ver Furtado da Cunha e Silva (2018). 
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RELAÇÃO DE COMPARAÇÃO: 
descrição e proposta de ensino
Violeta Virgínia Rodrigues57-58
Introdução
A comparação é uma capacidade comum aos seres humanos e pode 
se manifestar de várias formas em nosso cotidiano por meio da linguagem. 
Mesmo assim, em termos de ensino, normalmente só nos atemos às relações de 
comparação no nível intersentencial, dando ênfase principalmente aos conecto-
res comparativos prototípicos que introduzem as chamadas orações adverbiais 
comparativas nos períodos compostos. Assim, deixam de ser exploradas as 
relações de comparação no nível intrasentencial e em sequências de perío-
dos, ou seja, não se extrapola o nível sentencial. Além disso, mesmo no nível 
intersentencial, não se exploram as orações que envolvem comparação, mas 
de forma implícita, como as orações adverbiais conformativas, por exemplo.
Assim, pretendemos, neste capítulo, à luz da abordagem funcional, que 
pressupõe a integração de três componentes na manifestação da língua, ou 
seja, a semântica, a sintaxe e a pragmática, identificar algumas das possíveis 
materializações linguísticas da comparação em Português, levando em conta 
os usos linguísticos em situações de interação. Para tanto, utilizamos os resul-
tados de pesquisas desenvolvidas no âmbito do Projeto Usos de conectores 
e articulação de cláusulas, que existe desde 1999 e se consolidou em 2010, 
resgatando trabalhos referentes à comparação que recobrem os anos de 1999 
a 2020. Trata-se, portanto, de um estudo descritivo de natureza qualitativa.
Partimos da hipótese de que a relação de comparação em Língua Portu-
guesa deve ser apresentada aos estudantes nos vários níveis linguísticos, ou 
seja, desde o nível mais simples – o vocabular – até o nível mais complexo 
– o intersentencial –, analisando usos de língua falada e/ou de língua escrita. 
Essa posição se justifica pelo fato de ser uma constante na descrição linguís-
tica e no ensino de Língua Portuguesa e de PLE (Português como Língua 
57 Doutorado em Letras (Letras Vernáculas) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora Titular 
da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
58 Quero manifestar aqui meus mais sinceros agradecimentos aos Professores Felippe Tota (IFSC), Heloise 
Thompson (IFRJ) e Luiz Herculano (IFSC) pelas contribuições e parceria nos trabalhos sobre a relação de 
comparação em Português. 
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Estrangeira) a ênfase à memorização de listas de conjunções e à análise de 
orações comparativas descontextualizadas.
Visando a mostrar a importância da contextualização dos usos linguís-
ticos, os corpora utilizados são variados: revisitamos o corpus de Rodrigues 
(2001), constituído de textos escritos e orais do português brasileiro e europeu, 
e o corpus Roteiro de Cinema, disponível no site www.roteirodecinema.com.
br. Do ponto de vista teórico, os trabalhos de Mann e Thompson (1986, 1988), 
Barreto (1992, 1999), Rodrigues (1999, 2001, 2003, 2007, 2009, 2010, 2011, 
2013, 2014), Moura Neves (2002), Lima-Hernandes (2005), Pardo (2005), 
Gonçalves et al. (2007), Longhin-Thomazi (2011), Tota (2013), Tota e Thomp-
son (2011) e Thompson (2013, 2019) fundamentam a descrição panorâmica 
da comparação, principalmente no âmbito da combinação de cláusulas e dos 
usos dos conectores na perspectiva funcionalista, a qual nos filiamos.
Apresentamos, brevemente, a relação de comparação, segundo a Teoria 
da Estrutura Retórica (Rhetorical Structure Theory – RST), desenvolvida ini-
cialmente com o objetivo de geração automática (computacional) de textos e 
estendida para a abordagem linguística por autores como Mann e Thompson 
(1986, 1988), Matthiessen e Thompson (1988), dentre outros, com o objetivo 
de identificar como o texto funciona, o papel que cada parte que o compõe 
exerce, a relação que as partes do texto estabelecem umas em relação às outras. 
A partir da visão da comparação na RST, são apresentados outros trabalhos 
de viés funcionalista ou não em que se destacam algumas características das 
orações comparativas e dos conectores comparativos, prototípicos e não pro-
totípicos. Tais estudos demonstram a recorrência das análises voltadas para o 
nível intersentencial e focadas na premissa de que o conector é o principal índice 
da relação semântica entre as orações. Com base nesse panorama e visando a 
(re)pensar outras formas de expressar a comparação em Língua Portuguesa, 
mostramos algumas dessas possibilidades, revisitando/resgatando o estudo de 
Martins (1967), cujo texto pretendia, à época, mostrar os “meios de exprimir a 
comparação no Português atual do Brasil”. Encerramos o texto com a proposta 
de uma atividade didática para alunos de graduação dos Cursos de Letras.
A relação de comparação na RST
Em várias abordagens linguísticas, comparação é uma nomenclatura uti-
lizada para definir uma estrutura sintática de dois membros, em que um desses 
membros é posto em cotejo com o outro, podendo tal relação estar explícita ou 
não no texto. Em um texto, portanto, existem, além das relações semânticas 
explícitas, as chamadas proposições relacionais ou relações retóricas, que 
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são os conteúdos implícitos que emergem das relações estabelecidas entre as 
orações que compõem o texto (MANN; THOMPSON, 1988).
No que tange à organização, as relações retóricas podem ser de dois tipos, 
segundo Mann eThompson (1988): 1) núcleo-satélite (hipotáticas), nas quais 
uma porção do texto (satélite – S) é ancilar da outra (núcleo – N), ou seja, 
uma porção serve de subsídio para a porção que funciona como núcleo ou 
2) multinucleares (paratáticas), nas quais uma porção do texto não é ancilar 
da outra, sendo cada porção um núcleo distinto.
Mann e Thompson (1988) não incorporam a relação retórica de compa-
ração em seu estudo, o que faz Pardo (2005, p. 34-35), a partir do trabalho 
desses linguistas. Não só a comparação foi considerada pelo autor bem como 
os elementos que marcam sua materialização linguística59.
Na proposta de Pardo (2005), as relações retóricas foram caracterizadas 
em dois eixos: 1) o de seu envolvimento, ou não, com a multinuclearidade e 
2) o de sua natureza semântica ou intencional. Segue-se a definição da relação 
de comparação com base nas considerações do autor:
Quadro 1 – Definição da relação de comparação (cf. PARDO, 2005, p. 136)
Nome da relação: COMPARAÇÃO.
Restrições sobre N (núcleo): apresenta uma característica de algo ou de alguém.
Restrições sobre S (satélite): apresenta uma característica de algo ou de alguém comparável com o que é 
apresentado no N (núcleo).
Restrições sobre N (núcleo) + S (satélite): as características de S (satélite) e N (núcleo) estão em comparação.
Efeito: o leitor reconhece que S (satélite) é comparado a N (núcleo) em relação a certas características.
Com base em alguns pontos da proposta de Pardo (2005), podemos 
descrever, de forma mais abrangente, a relação de comparação em Língua 
Portuguesa. No corpus utilizado por Pardo (2005), foram encontrados pou-
quíssimos casos de comparação, sendo como o conector mais usado para 
estabelecer essa relação. A incidência maior deste conector na comparação 
não é novidade nos estudos linguísticos, mesmo naqueles em que não se adota 
a RST como aporte teórico, já que, na maioria deles, o como é considerado o 
conector prototípico da relação (cf. MENEZES, 1989; AYORA, 1991; GAR-
CÍA, 1994; ÁLVAREZ, 1995; ORDÓÑEZ, 1992, 1997; RODRIGUES, 1999, 
2001, 2003, 2006, 2009, 2013, 2018).
59 Pardo (2005) adota o termo “marcadores” para se referir ao que, em trabalhos descritivos da Língua Portu-
guesa, comumente se denomina conjunção, conectivo, conector, articulador etc. Neste trabalho, optamos 
por empregar a nomenclatura “conector”, conforme Rodrigues (2018).
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À guisa de ilustração e reflexão, reproduzimos a seguir alguns dos exem-
plos de Pardo (2005, p. 156) bem como a análise feita pelo autor:
Quadro 2 – Exemplos e marcadores superficiais para a relação de comparação
Ordem Proposição 1 Proposição 2
NS ao invés do material didático como acontecia normalmente
NS e responde como se fosse o sistema sendo simulado [...]
NS
desta forma, a definição de um esquema conceitual 
ajuda a oferecer uma visão mais abstrata do domínio 
da aplicação
do que aquela obtida pela inspeção do seu código, ou 
pela tentativa de extrair uma semântica das estruturas 
dos nós e dos elos [...]
NS
permitindo uma flexibilidade no projeto de modelos e 
algorítimos de Redes Neurais ainda maior
que a encontrada na versão anterior do Simulador
Pardo (2005, p. 156).
Pelo quadro 2, notamos que Pardo (2005) analisa as orações levando em 
conta a ordem núcleo-satélite (NS). A partir da leitura desse quadro, algumas 
observações se impõem:
1ª. os exemplos em que a oração 2 é iniciada por como e como se, além 
de poderem expressar a relação comparativa, manifestam também a rela-
ção de modo;
2ª. os exemplos em que a oração 2 é introduzida por do que e que consti-
tuem exemplos de orações correlatas (cf. ROSÁRIO, 2007; MÓDOLO, 2008; 
RODRIGUES, 2001, 2003, 2007, 2010, 2011, 2015, 2017).
Pelo quadro 2, depreendemos, então, que as orações comparativas são 
introduzidas pelos conectores como, do que, que e, ainda, que podem ser 
correlatas ou não. Observando os exemplos sucintamente comentados e a defi-
nição apresentada por Pardo (2005) antes reproduzida, percebemos que esses 
comentários e a definição preveem a apresentação de uma característica de 
algo ou alguém na comparação e que essas características estariam em cotejo. 
Há que se lembrar, também, que nem sempre a característica partilhada se 
materializa na construção comparativa e, ainda, que a sua análise pode variar 
se levarmos em conta apenas o que aparece materializado na construção ou 
a possibilidade de elipse60. Assim, a partir da definição/exemplificação apre-
sentada por Pardo (2005), pode-se afirmar que outros casos de comparação 
60 Segundo Kato (1981, p. 94, 100), na elipse interna ou lacunamento, é eliminado um elemento interno da 
cláusula como se observa em Mônica quer tomar sorvete de morango e Magali Ø sorvete de chocolate. 
Já na elipse externa ou periférica, são eliminados os elementos que se encontram nas extremidades das 
cláusulas, conforme podemos ver em João sabe matemática mais do que Pedro Ø.
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não foram contemplados pelo autor. Segundo Rodrigues (2001, 2010), além 
da comparação de igualdade e desigualdade, há também a distintiva e a 
metafórica, conforme apresentaremos a seguir.
Relação de comparação: breve panorama
Recorrendo a análises de outros trabalhos (cf. AYORA, 1991; BAR-
RETO, 1992, 1999; RODRIGUES, 2001; MOURA NEVES, 2002; LIMA-
-HERNANDES, 2005; GONÇALVES et al., 2007; LONGHIN-THOMAZI, 
2011; TOTA, 2013; TOTA; THOMPSON, 2011; THOMPSON, 2013, 2019, 
por exemplo), pretendemos refinar a definição de Pardo (2005), com o obje-
tivo de dar conta de um maior número possível de usos. Reunindo alguns dos 
conectores encontrados nos estudos desses autores nos mais diferenciados 
corpora e com base em teorias e metodologias também diversificadas, um 
possível elenco de conectores comparativos – que, evidentemente, não se 
esgota aqui – seria formado por como, do que, que, quanto, tal qual, tanto... 
quanto, assim como, feito, igual, tipo, que nem etc.
Notamos, neste rol de conectores, que há tanto itens conjuncionais quanto 
não conjuncionais promovendo a relação de comparação, podendo estes estar 
em correlação ou não, e, ainda, veicular as noções de igualdade ou desi-
gualdade, conforme atestam os seguintes exemplos extraídos do corpus de 
Rodrigues (2001):
1. (Fala de Henriqueta) E eu declaro que te hei de seguir [como a 
sombra segue o corpo...]
 (RODRIGUES, 2001, p. 96).
Em (1), como faz a equiparação entre duas circunstâncias ou dois com-
portamentos, que se formulam em “o fato A se parece, se assemelha em 
muitas de suas qualidades ou características com o fato B” (cf. AYORA, 
1991, p. 33). Por isso, nesses casos, este conector pode ser substituído pela 
expressão equivalente igual.
2. D. Clóris – Cada uma de nós estima tanto qualquer dessas plantas, 
que mais fácil será perder a vida, [do que elas percam o crédito de 
verdadeiras] (RODRIGUES, 2001, p. 95).
Observamos que o conector da segunda parte da construção compara-
tiva constitui-se de preposição de mais a conjunção que, em correlação com 
o intensificador mais da primeira parte da construção “que mais fácil será 
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perder a vida”. Sendo assim, a estrutura destacada em (2) ilustra um caso de 
correlação comparativa. Segundo Rodrigues (2007, p. 225),
[...] entende-se por correlação o processo sintático em que uma sentença 
estabelece uma relação de interdependência com a outra no nível estrutural. 
Sendo assim, na correlação, nenhuma das orações subsiste sem a outra, 
porque, na verdade, elas são interdependentes.
Assim, a correlação tem sua conexão estabelecida por elementos formais, 
expressões que compõem um par correlativo, estando cada um de seus 
componentes em orações diferentes.
No exemplo em questão, o par correlativo é mais...doque. Em casos 
como esses, há, no primeiro segmento da comparação, intensivos do tipo 
mais, menos, tanto e no segundo, conectores como que, de, como.
3. [...] Ele não tem, não tem, quer dizer, o que está acontecendo é 
que, eh, São Paulo, Minas Gerais, pra dizer só dois estados que 
são vizinhos, eles expandem muito mais rapidamente [que o Rio 
de Janeiro] (RODRIGUES, 2001, p. 95).
O que, segundo Barreto (1992), introduz orações com verbos no indi-
cativo, nas quais se admite a elipse do sintagma verbal (SV), quando este 
for idêntico ao da oração anterior. Nesse caso, a oração é “eles expandem 
muito mais rapidamente” e o verbo elíptico é expandir. Em outras palavras, 
se o SV1 for igual a SV2, ocorrerá elipse; se SV1 for diferente de SV2, não 
ocorrerá elipse.
4. [...] Os prédios, não são tão aglomerados, sabe, um colado com o 
outro, tem uma coisa mais de espaço você tem uma visão mais, mais 
ampla, mais, mais longínqua das coisas você tem uma visão mais, 
do espaço físico você não fica não, tão contido né [quanto aqui]
 (RODRIGUES, 2001, p. 96).
Rodrigues (2001) englobou os conectores diferentes de que e como 
encontrados em seu corpus no grupo denominado outros, levando em conta 
a frequência. Além de quanto, como ilustrado pelo exemplo (4), igual, tanto, 
que nem, assim como, tal e qual como, tanto quanto, tão como, tal qual, 
feito foram também incluídos nesse grupo. Nos exemplos (5) e (6) a seguir, 
mostramos usos de tal qual e tanto quanto, respectivamente.
5. (Fala de Miguel) Esse regaço do puro amor não era mais que o 
resultado efêmero da lua de mel. Quer tua sogra batesse-te às portas, 
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quer não, a mimosa diva de Irajá devia apresentar-se mais tarde [tal 
qual era] (RODRIGUES, 2001, p. 97).
6. (Fala de Cristina) Não enche a sua. A minha poderia encher se nós 
saíssemos dessa dieta (PAUSA) nada alimenta [tanto quanto o 
amor, Armando] (RODRIGUES, 2001, p. 96).
Em (5) e (6), notamos usos de conectores compostos, isto é, formados 
por dois elementos juntos introduzindo uma mesma oração. Do ponto de vista 
do conteúdo, o que se compara é a intensidade da ação realizada – em (5) 
apresentar-se e em (6) alimentar-se (cf. AYORA, 1991).
7. [...] Foi um dia até muito quente, [assim como o dia de hoje,] quero 
dizer, estávamos no inverno mas estava um dia quente, um dia 
bonito [...] (RODRIGUES, 2001, p. 96).
O exemplo do conector assim como, em (7), demonstra o seu uso na 
segunda parte da construção comparativa sem estabelecer correlação com a 
primeira parte da construção – “foi um dia até muito quente”. Nos exemplos 
(8) e (9) seguintes, ilustramos usos de conectores não prototípicos.
8. Semicúpio – Sim, estou frança, porque estou [feito galo] (RODRI-
GUES, 2001, p. 97).
No exemplo (8), verifica-se o comportamento do vocábulo feito – parti-
cípio passado do verbo fazer – que, por influência do processo de gramaticali-
zação – adquire status de conector comparativo. No exemplo (9), o vocábulo 
igual prototipicamente analisado como adjetivo, nesse cotexto, comporta-se 
como conector comparativo introdutor de comparação. Portanto, um outro 
exemplo do processo de gramaticalização.
9. [...] é esse alertamento à mulher... ajudar ela que acorde pra esse... 
pra esse estado de coisas... que ela pode... ela é um ser humano 
[igual ao homem...] (RODRIGUES, 2001, p. 96).
Os estudos de Lima-Hernandes (2005) e Gonçalves et al. (2007) evi-
denciam que o uso de igual, em língua falada, pode equivaler ao uso de como 
com valor comparativo, que é o conector prototípico da comparação. Em 
Mateus et al. (2003), também, há evidências de uso(s) de igual equiparáveis 
aos conectores que integram as construções de graduação e comparação. 
Nesse sentido, reforça-se a mudança de categoria de igual de adjetivo para 
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conector e, consequentemente, o processo de gramaticalização sofrido por 
esse vocábulo, conforme atesta também o trabalho de Tota (2013).
Os usos de feito, igual, tipo e que nem, portanto, ilustram casos de gra-
maticalização em Língua Portuguesa, ou seja, a utilização de vocábulos e 
construções lexicais para fins mais gramaticais ou, ainda, o uso de formas já 
existentes na língua com novas funções, conforme mostram os exemplos a 
seguir do corpus Roteiro de Cinema.
10. A. CARLOS
 Não tenho nada para contar pra Luisa, apenas que trabalhei [feito 
um cão], trabalhei demais, trabalhei muito, de dia e de noite e juntei 
uma boa grana. Só isso.
 (Olhos Azuis, roteiro de Jorge Duran e Melanie Dimantas – 2010).
11. JORGINHO – Cala a boca, Júnior. Hippie [é igual gente]. Faz tudo 
que gente faz, só não toma muito banho.
 (Carro de paulista, peça teatral de Mário Viana e Alessandra Mas-
son; roteiro de Dagomir Marquezi e Ricardo Pinto e Silva – 2010).
12. TELMA
 Podia, claro! Podia ensinar português, matemática, até alguma coisa 
útil, [tipo fazer um arroz, um café,] tem gente que eu conheço que 
não sabe fazer café!
 (BENDITO FRUTO, roteiro de Rosane Lima e Sergio Golden-
berg – 2004).
13. ERNESTO
 (sádico): Vai fazer de conta ou não ouviu mesmo? – dá uma risada 
sem pudor – Eu li numa revista que com a idade os ossos ficam [que 
nem madeira com cupim].
 (Chega de Saudade, roteiro de Luiz Bolognesi – 2008).
Com base na abordagem funcionalista e levando em conta que a gramá-
tica das línguas é emergente, porque está em constante mudança, conseguimos 
entender melhor o aparecimento de novas estruturas e novos usos linguísticos, 
como os de feito, igual, tipo e que nem antes exemplificados. Segue-se mais 
um exemplo de uso de que nem:
14. [...] aí eu gostava de comprar sorvete... sorvete da Kibon custava 
centavos né... [que nem os de hoje] (RODRIGUES, 2001, p. 96).
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DISCURSO E GRAMÁTICA: entrelaces e perspectivas 167
Embora a construção que nem já esteja dicionarizada como uma possi-
bilidade de conector comparativo, a tradição gramatical, de uma forma geral, 
não a contempla entre as conjunções comparativas. Assim, em contextos como 
os dos exemplos (13) e (14), identificamos o uso de que nem como conector 
comparativo não prototípico e que caracteriza um caso de gramaticalização 
(cf. LONGHIN-THOMAZI, 2011; TOTA; THOMPSON, 2011; RODRIGUES, 
2013, 2014).
Traugott (2009, p. 91) entende como gramaticalização “a mudança pela 
qual, em certos contextos linguísticos, os falantes usam (partes de) uma cons-
trução com uma função gramatical, ou concebem uma nova função gramatical 
a uma construção já gramatical”. Assim, podemos considerar que nem uma 
construção de origem gramatical que adquiriu uma nova função gramatical e 
resultou em um caso de gramaticalização. Que nem constitui um par forma-
-significado, já que seu uso como conector comparativo não é previsível a 
partir da análise das partes que o constituem, sendo, assim, uma construção.
Conforme já dissemos, além dos conectores prototípicos e não prototí-
picos, há aqueles que podem envolver correlação ou não. Segundo Ordóñez 
(1997, p. 33-34), partículas comparativas precisam da existência prévia de um 
quantificador, que pode ser considerado seu antecedente, visto que, para ele, 
não há comparação sem esta intensificação do primeiro segmento. No exemplo 
(15) a seguir, do que está ligado a um adjetivo – pior, que é um intensificador 
e, portanto, faz parte de um complemento do adjetivo.
15. (Fala de Irene) Ninguém vai fazer PIOR [do que o teu marido]
 (RODRIGUES, 2001, p. 98).
Nas construções comparativas, os conectores da primeira e da segunda 
partes assumem, portanto, um papel importante, visto que será por meio deles 
que a estrutura será analisada como correlata ou não correlata, como já comen-
tamos anteriormente (cf. RODRIGUES, 2001, 2007, 2015; ROSÁRIO, 2007; 
MÓDOLO, 2008). Na classificação

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