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Francieli Matzenbacher Pinton Romário Volk Rosana Maria Schmitt [Organizadores] TUTÓIA-MA, 2021 EDITOR-CHEFE Geison Araujo Silva CONSELHO EDITORIAL Ana Carla Barros Sobreira (Unicamp) Bárbara Olímpia Ramos de Melo (UESPI) Diógenes Cândido de Lima (UESB) Jailson Almeida Conceição (UESPI) José Roberto Alves Barbosa (UFERSA) Joseane dos Santos do Espirito Santo (UFAL) Julio Neves Pereira (UFBA) Juscelino Nascimento (UFPI) Lauro Gomes (UPF) Letícia Carolina Pereira do Nascimento (UFPI) Lucélia de Sousa Almeida (UFMA) Maria Luisa Ortiz Alvarez (UnB) Marcel Álvaro de Amorim (UFRJ) Meire Oliveira Silva (UNIOESTE) Rita de Cássia Souto Maior (UFAL) Rosangela Nunes de Lima (IFAL) Rosivaldo Gomes (UNIFAP/UFMS) Silvio Nunes da Silva Júnior (UFAL) Socorro Cláudia Tavares de Sousa (UFPB) Copyright © Editora Diálogos - Alguns direitos reservados Copyrights do texto © 2021 Autores e Autoras Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição- -NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional. Esta obra pode ser bai- xada, compartilhada e reproduzida desde que sejam atribuídos os devidos créditos de autoria. É proibida qualquer modificação ou distribuição com fins comerciais. O conteúdo do livro é de total responsabilidade de seus autores e autoras. Capa: Geison Araujo / Freepik.com Diagramação: Beatriz Maciel Revisão: Editora Diálogos Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (eDOC BRASIL, Belo Horizonte/MG) P659a Análise linguística no contexto escolar em diferentes perspecti- -vas [livro eletrônico] / Francieli Matzenbacher Pinton, Romário Volk, Rosana Maria Schmitt. – Tutóia, MA: Diálogos, 2021. Formato: PDF Requisitos de sistema: Adobe Acrobat Reader Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-65-89932-33-8 1. Linguagem e línguas. 2. Linguística. 3. Educação. I. Volk, Ro-má- rio. II. Schmitt, Rosana Maria. III. Título. CDD 407 Elaborado por Maurício Amormino Júnior – CRB6/2422 https://doi.org/10.52788/9786589932338 Editora Diálogos contato@editoradialogos.com www.editoradialogos.com http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/ http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/ https://doi.org/10.52788/9786589932338 Sumário Apresentação ...........................................................................................................7 1 - O que dizem os professores em formação inicial sobre a Prática de Análise Linguística? ..................................................................12 Romário Volk Francieli Matzenbacher Pinton 2 - Professores de Língua Portuguesa em formação inicial: representações acerca da produção de materiais didáticos e da Prática de Análise Linguística ....................................................... 36 Caroline Teixeira Bordim 3 - A prática de análise linguística/semiótica no contexto de ensino de língua portuguesa: o que propõe a BNCC do ensino fundamental ........................................................................................ 54 Rosana Maria Schmitt Francieli Matzenbacher Pinton 4 - Análise linguística: da base nacional comum curricular ao programa nacional do livro didático 2021 ................................78 Cícera Alves Agostinho de Sá 5 - Recursos linguísticos no Currículo Referência de Minas Gerais – Ensino Médio....................................................................................105 Cassilmara Rejane da Rocha Nelson de Morais 6 - Análise linguística como eixo articulador das práticas de leitura na coleção de livros didáticos“Se liga na língua: leitura, produção de texto e linguagem” ........................................126 Verônica Lorenset Padoin Taís Vasques Barreto Francieli Matzenbacher Pinton 7 - O tratamento pronominal no livro didático: análise e proposta à luz da Sociolinguística .......................................................148 Maristela Fernandes Mendes Falcão 8 - Análise Linguística e ensino de língua: considerações sobre o ensino/aprendizagem de gêneros textuais em sala de aula ......................................................................................................................169 André Luiz da Silva 9 - O desafio da formação docente para a gestão de aula de língua portuguesa na perspectiva da “gramática contextualizada” ...............................................................................................190 Ismar Inácio dos Santos Filho 10 - Atividades Epilinguísticas: concepções e práticas de professores de língua portuguesa do ensino fundamental II ......................................................................................................................................219 Lucileide Soares de Amorim Renata Lavreca de Araujo Hellen M. Pompeu de Sales Sobre os organizadores ...............................................................................241 Sobre os autores e autoras .......................................................................242 Índice remissivo ............................................................................................... 245 ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 7 Apresentação A reflexão sobre os processos de ensino e aprendizagem de lín- gua portuguesa tem evidenciado múltiplos olhares sobre as práticas de linguagem no que diz respeito aos aportes teórico-metodológicos que orientam a sua recontextualização didático-pedagógica na educa- ção básica. Desde a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997; 1998), doravante PCN, as práticas de linguagem têm sido compreendidas como eixos articuladores do ensino de língua portugue- sa, enfatizando os usos da linguagem em contextos situados de intera- ção social. Neste livro, propomos um olhar específico sobre o eixo da prática de análise linguística. O termo prática de análise, cunhado pelo professor e pesquisador João Wanderley Geraldi, em 1984, compreende “tanto o trabalho sobre as questões tradicionais da gramática quanto amplas a propósito do texto” (GERALDI,1984, p. 74). Mais tarde, em 1991, o autor amplia sua visão e apresenta a prática de análise linguística como o “conjunto de atividades que tomam uma das características da linguagem como seu objeto: o fato de ela poder remeter a si própria” (GERALDI,1991, p. 189). Nesse sentido, o escopo da análise linguística é delimitado, em gran- de medida, pelos “erros” dos alunos que emergem das suas produções de texto. Ademais, o autor estabelece uma distinção entre as atividades epilinguísticas e metalinguísticas, informando que a metalinguagem somente fará sentido quando antecedida de atividades reflexivas. Após um período de silenciamento na década de 90 em relação ao eixo de análise linguística (POLATTO; MENEGASSI, 2021), as discussões são retomadas e, em alguma medida, tentam propor definições e novas orientações didático-pedagógicas. Nos PCN (1998), a prática de análi- se linguística é entendida como o eixo que organiza a reflexão sobre uso da linguagem. Evidentemente a discussão sobre o eixo da prática ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 8 de análise linguística antecede à publicação do documento, sinalizan- do discursos anteriores que destacavam a importância de uma revisão crítica do ensino tradicional de língua portuguesa, especialmente em relação às impropriedades teóricas e metodológicas da gramática tra- dicional (FRANCHI, 1987; GERALDI,1984, 1991; BRITTO, 1997). Nesse contexto, entre os discursos da renovação gramatical e da prática de análise linguística, emerge a necessidade de promover a agência e a voz aos estudantes por meio de atividades com e sobre a língua com vistas à interação social. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em 2018, retoma o eixo da prática de análise linguística, definindo-o como “o conhecimento so- bre a língua, sobre a norma-padrão e sobre as outras semioses, que se desenvolve transversalmente aosdois eixos – leitura/escuta e produção oral, escrita e multissemiótica – e que envolve análise textual, gramati- cal, lexical, fonológica e das materialidades das outras semioses” (BRA- SIL, 2018, p. 80). Podemos afirmar que o documento evidencia, conside- rando seus objetos teóricos diversos, as tensões que ainda permanecem em relação ao eixo da prática de análise linguística, gerando desafios quanto a sua operacionalização no contexto da educação básica. Diante desse cenário, esta coletânea busca reunir investigações que, em alguma medida, discutam questões relativas à análise linguís- tica mesmo que, em algum momento, estejam mais próximas de um discurso de renovação gramatical. Nesse sentido, podemos entender os capítulos aqui reunidos como um mosaico teórico e metodológico que aponta caminhos diversificados quanto ao objeto da prática de análise linguística. Nessa esteira, os capítulos focalizam desde aspectos refe- rentes aos saberes dos professores em formação inicial sobre a análise linguística até a sua recontextualização em materiais didáticos e docu- mentos oficiais. As perspectivas são múltiplas, visto que os pesquisado- res se posicionam de diferentes lugares teóricos e focalizam diferentes níveis de análise em suas reflexões. ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 9 Os capítulos 1 e 2 focalizam os saberes construídos pelos profes- sores em formação inicial sobre a prática de análise linguística, eviden- ciando que o eixo merece atenção no que diz respeito à construção de conhecimentos teóricos e práticos. Nesse sentido, Romário Volk e Fran- cieli Matzenbacher Pinton buscam analisar os discursos de professores de Língua Portuguesa em formação inicial sobre a prática de análise lin- guística, evidenciando que “a apropriação teórico-metodológica e sua operacionalização em contexto escolar ainda parece se constituir um desafio nos cursos de formação de professores”. Com o mesmo intuito, Caroline Bordim objetiva identificar as representações discursivas dos professores em formação inicial em relação ao processo de produção de atividades didáticas acerca da Prática de Análise Linguística, desta- cando que os professores “reconhecem a análise linguística como eixo estruturador das práticas de leitura e produção textual”. Os capítulos 3, 4 e 5 evidenciam a recontextualização do eixo da análise linguística em documentos oficiais. Rosana Maria Schmitt e Francieli Matzenbacher Pinton objetivam “verificar em que medida as habilidades de análise linguística/semiótica da BNCC (anos finais do Ensino Fundamental) contemplam objetos de conhecimentos e contex- tos de aprendizagem que focalizam uma perspectiva de gêneros textu- ais/discursivos”. As autoras concluem que as habilidades do campo em questão “contemplam apenas o nível linguístico, focalizando especial- mente conteúdos que contemplam o estrato da léxico-gramática, mas sem articulá-los ao nível extralinguístico”. A autora Cícera Alves Agos- tinho de Sá discorre sobre a abordagem dispensada à análise linguísti- ca pela Base Nacional Comum Curricular (2018) para o Ensino Médio, como também analisa a aplicabilidade das orientações dispostas no re- ferido documento em obras do Programa Nacional do Livro Didático (2021), com o intuito de promover uma interface entre os referenciais teóricos e a proposição desses documentos para o tema. Diferentemen- te dos demais capítulos, os pesquisadores Cassilmara Rejane da Rocha e Nelson de Morais propõem reflexões a respeito do estudo de elemen- ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 10 tos linguísticos, apresentados no currículo do estado de Minas Gerais. Ademais sugerem uma sequência de atividades que podem inspirar a prática docente. Em outra direção, os capítulos 6 e 7 investigam de que maneira a análise linguística aparece configurada em livros didáticos aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático. Para tanto, as pesquisadoras Verônica Lorenset Padoin, Taís Vasques Barreto e Francieli Matzenba- cher Pinton analisam em que medida as atividades didáticas da coleção Se Liga na Língua: leitura, produção de texto e linguagem contemplam a prática de análise linguística como prática articuladora da leitura, es- pecialmente. No capítulo 7, a autora Maristela Fernandes Mendes Fal- cão, de forma mais específica, investiga como a categoria pronominal é tratada/explorada/didatizada no livro didático Português Linguagens, dos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães (2017, 2018, 2019), adotado pelo município de Lajedo- PE. Os capítulos 8 e 9 defendem a importância de que a análise linguís- tica focalize os gêneros discursivos em termos de prática pedagógica. Nesse viés, o pesquisador André Luiz da Silva enfatiza a relevância de uma prática profissional “pautada no ensino/aprendizagem de gêneros textuais sob a perspectiva da análise Linguística em sala de aula”. Já o autor Ismar Inácio dos Santos Filho problematiza a formação docen- te que, segundo o pesquisador, necessita “garantir a aprendizagem de análise linguística”, contemplando “etapas de descrição linguística e de interpretação textual situada”. Por fim, no capítulo 10, as autoras Lucileide Soares de Amorim, Re- nata Lavreca de Araujo e Hellen M. Pompeu de Sales abordam as con- cepções de professores sobre atividades epilinguísticas e como estas são concebidas durante o processo de ensino-aprendizagem na sala de aula no ensino fundamental II. Trata-se assim de uma obra plural que, em grande medida, provoca e problematiza o eixo da análise linguística na educação básica sob múl- tiplos olhares em termos de teoria e de prática. ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 11 Referências BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC/SEB, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Aces- so em: 2 dez. 2021. BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Nacionais Curriculares. Brasília: MEC/SEB, 1997. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/li- vro02.pdf/. Acesso em: 29 nov. 2021. BRITTO, L. P. A nova crítica ao ensino de gramática. In: A sombra do caos: en- sino de línguas x tradição gramatical. Mercado das Letras, 1997. FRANCHI, C. Criatividade e gramática. In: Trabalhos em Linguística Aplicada. Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, n. 9, 1987. p. 5-45 GERALDI, J. W. O texto na sala de aula. 2. ed. Cascavel: Assoeste, 1984. GERALDI, J. W. Portos de Passagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. MENDES-POLATO, A. D. M.; MENEGASSI, R. J. Epistemologia teórica do nas- cimento da prática de análise linguística: décadas de 80 e 90. In: PEREIRA, R.; COSTA-HÜBES, T. Prática de análise linguística nas aulas de Língua Portuguesa. São Carlos: Pedro & João Editores, 2021. p. 219-243. DOI: 10.52788/9786589932338.1-1 O que dizem os professores em formação inicial sobre a Prática de Análise Linguística? Romário Volk Francieli Matzenbacher Pinton Capítulo 1 ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 13 Considerações iniciais A Prática de Análise Linguística (PAL), como prática de linguagem, é embasada por um posicionamento teórico e metodológico que pres- tigia atividades cujo objetivo central é refletir sobre elementos e fenô- menos linguísticos e sobre estratégias discursivas, com o foco nos usos da linguagem (BEZERRA; REINALDO, 2013). Embora tenha espaço ga- rantido e seja preconizada pelos documentos normativos basilares do ensino básico, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) e a atual versão da Base Nacional Comum Curricular (2018), a apropriação efetiva da PAL enquanto prática docente no ensino básico, sobretudo nos momentos de construção dos currículos escolares, representa ain- da um grande desafio. Configurando-se uma proposta teórica relativamenterecente na literatura especializada – surgindo sob essa designação entre o final dos anos 1970 e início dos anos 1980 – a PAL representa também um desafio para os professores de língua portuguesa em formação inicial que almejam adotá-la por base em seu fazer docente. Nesse sentido, este estudo, à luz do sistema de transitividade da Gramática Sistêmico-Fun- cional, descreve e analisa as representações de 8 professores em forma- ção, acadêmicos do Curso de Licenciatura em Letras e Literaturas de Língua Portuguesa, sobre a Prática de Análise Linguística. A Prática de Análise Linguística Não é recente a discussão sobre a necessidade de uma renovação nos métodos de estudo de gramática no ensino básico. Geraldi, já em 1984, propunha que as atividades de gramática em sala de aula deve- riam partir dos textos dos alunos, das inadequações desses textos, com vistas ao domínio da norma-padrão, por parte do aluno, por meio da reformulação constante e contínua das produções em sala de aula, com ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 14 procedimentos que configuram atividades de análise linguística com fins didáticos (GERALDI, 2011). Essas atividades em sala de aula pas- sam a ter finalidade, além de teórica, porque podem se basear nas mais diversas teorias que o professor julgar pertinentes, também metodo- lógica, pois constituem “um recurso para o ensino reflexivo da escrita” (BEZERRA; REINALDO, 2013, p. 14). A PAL contribuiu para superação dessa problemática, pois pode ser entendida como uma alternativa para dar conta da compreensão e re- flexão do sistema linguístico em sala de aula, porque promove “uma re- flexão sobre os efeitos de sentido nos textos, procurando compreender e se apropriar das alternativas que a língua oferece [ao usuário] para a sua comunicação” (BEZERRA; REINALDO, 2013, p. 37). Uma abordagem dessa natureza contempla unidades linguísticas, textuais e discursivas, refletindo influências teóricas diversas: normativas, descritivas, prag- máticas, sócio-históricas (BEZERRA; REINALDO, 2013), porque enten- de que é importante que o aluno, ao mesmo tempo, observe os fatos da língua, a variação linguística, a construção de sentido, aspectos se- mânticos, estruturais, temáticos, morfossintáticos, e tudo isso inserido sempre em um contexto político-ideológico e de relações interpessoais dos falantes (BEZERRA; REINALDO, 2013). Mas é tomando o texto en- quanto unidade de ensino que a Prática de Análise Linguística deve se desenvolver em sala de aula, na dimensão do funcionamento textual- -discursivo dos elementos da língua, “uma vez que a língua funciona em textos que atuam em situações específicas de interação comunicativa e não em palavras e frases isoladas e abstraídas de qualquer situação ou contexto de comunicação (TRAVAGLIA, 2009, p. 109). O quadro 1 elenca algumas das principais características da Práti- ca de Análise Linguística. ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 15 Quadro 1 – Principais características teórico-metodológicas da PAL Concepção de língua como ação interlocutiva situada, sujeita a interferências dos falantes A unidade de análise é o texto-enunciado Integração entre os eixos de ensino: a AL é ferramenta para leitura e a produção de textos Ênfase nos usos como objetos de ensino (habilidades de leitura e escrita), que remetem a vários outros objetos de ensino (estruturais, textuais, discursivos, normativos), apresentados e retomados sempre que necessário Consideração do contexto para a análise do texto, ou seja, análise macro e mi- croestrutural e heterogeneidade da língua Metodologia reflexiva, baseada na indução (observação dos casos particulares para a conclusão das regularidades/regras) Trabalho paralelo com habilidades metalinguísticas e epilinguísticas Foco na relação entre uso e forma Pedagogia crítica Fonte: Elaborado pelos autores com base em Franchi (1987), Mendonça (2006, Kemiac e Araújo, (2010), Travaglia (2009) e Suassuna (2012). Essa proposta para o eixo de análise linguística vai ao encontro do que preconizam os documentos oficiais da área – especialmente a BNCC, a qual concebe a necessidade de um trabalho articulado entre o eixo de Análise Linguística/Semiótica com os demais eixos do ensino. A PAL, além disso, mostra-se uma alternativa capaz de amenizar o cená- rio improdutivo do estudo de gramática tradicional no ensino básico, marcado por práticas direcionadas à aprendizagem de regras da nor- ma-padrão da língua, por parte do aluno, para incorporá-las aos mais variados contextos, mas sem que exista, muitas vezes, reflexão sobre os usos reais da língua e sobre o porquê de um mecanismo linguístico ser empregado em determinado texto e produzir o sentido que produz, por exemplo. A PAL, desse modo, pode possibilitar um estudo que seja ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 16 significativo ao aluno e que promova sua autonomia linguística, prepa- rando-o para participar de modo efetivo das mais variadas situações reais do uso da língua. A seguir, discutimos brevemente alguns dos principais conceitos da Gramática Sistêmico-Funcional, teoria linguística de base paradig- mática da qual lançamos mão para efetuar a microanálise dos dados de nossa pesquisa. A Gramática Sistêmico-Funcional A GSF, desenvolvida por Halliday (2014), é uma teoria que conce- be a linguagem enquanto um sistema estratificado, em que níveis mais abstratos são realizados em níveis mais concretos de linguagem. Essa é uma teoria base semântica e paradigmática, o que quer dizer que são consideradas, em cada contexto específico de uso linguístico, as esco- lhas que o falante realizou em relação àquelas que ele poderia ter rea- lizado, mas não o fez, pois “a linguagem [pode ser vista] como recurso – escolha entre alternativas” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014, p. 20)1, “um potencial de significados à disposição dos falantes” (FUZER; CA- BRAL, 2014, p. 13). Em outras palavras, considera-se o que o falante quer significar na- quele momento específico, já que os mesmos autores definem que “a língua é um recurso para fazer sentido e significado” (HALLIDAY; MAT- THIESSEN, 2014, p. 23)2. Essa constatação permite afirmar que, consi- derando o sistema linguístico disponível para si para a realização de determinada atividade que se realiza por meio da língua, o falante optou por uma possibilidade, a qual instanciou o sistema (HALLIDAY; MAT- THIESSEN, 2014, p. 27), ou seja, o sistema (abstrato, potencial) aconte- ceu, instanciou-se por meio de elementos léxico-gramaticais, os quais 1 “We have referred to language as resource – choices among alternatives”. 2 “Language is a resource for making meaning”. ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 17 são passíveis de análise segundo as categorias de análise de que dispõe a GSF. É nesse sentido que podemos afirmar que uma oração ou um texto são uma “janela para o sistema” (HALLIDAY; MATTHIESSEN, 2014), pois permitem, a partir de algo “concreto”, a compreensão de algo “abstrato”. Além disso, segundo a GSF, a linguagem apresenta caráter trino- cular (FUZER; CABRAL, 2014, p. 32), já que, ao fazermos uso da lingua- gem, representamos as experiências do mundo exterior (material) e do mundo interior (da consciência), e construímos significados ideacionais. Nesse sentido, podemos afirmar que a linguagem possui a metafunção ideacional ou experiencial. Esse modo de significar também é moldado pelas relações entre os falantes que participam da interação verbal, do papel social que eles ocupam, da visão que têm sobre o seu interlocutor ou da visão que eles têm sobre a visão que o interlocutor tem deles. Daí dizermos que a linguagem possui a metafunção interpessoal. Por últi- mo, ao fazermos uso da linguagem, de acordo com os nossos propósitos e o significado que queremos construir,organizamos os elementos lin- guísticos em um todo coerente e coeso, daí afirmar-se que a linguagem possui uma metafunção textual. Nossa experiência é geralmente entendida como um fluxo de even- tos ou acontecimentos, “atos ligados a agir, dizer, sentir, ser e ter, sen- do a transitividade a responsável pela materialização dessas atividades através dos tipos de processos – verbos -, cada um modelando uma fatia da realidade” (CUNHA; SOUZA, 2011, p. 67). A GSF entende, desse modo, que a metafunção ideacional dá lugar ao sistema de transitividade no estrato da léxico-gramática, e a oração é concebida no âmbito ideacional como uma unidade estrutural que serve para expressar uma gama par- ticular de significados. De acordo com a GSF, o sistema de transitivida- de permite identificar “as ações e atividades humanas que estão sendo expressas no discurso e que realidade está sendo retratada” (CUNHA; SOUZA, 2011, p. 68). Essa identificação é dada pelos papéis da transiti- vidade: processos, participantes e circunstâncias, que permitem analisar quem faz o quê, a quem e em quais circunstâncias a atividade ocorre ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 18 (CUNHA; SOUZA, 2013). Existem seis tipos de processos, os quais reali- zados tipicamente por verbos: materiais, mentais, relacionais, verbais, comportamentais e existenciais. A cada um desses processos associam- -se participantes específicos, determinados pela semântica dos tipos de processos e circunstâncias. A ênfase no sistema de transitividade, em nossa análise, é justifica- da pelo fato de pretendermos elucidar como os participantes da pesqui- sa em questão compreendem o eixo de análise linguística, o que pode ser mapeado pela representação que os professores em formação cons- troem sobre PAL. Percurso Metodológico A metodologia adotada para esta pesquisa é de natureza qualitati- va-interpretativista, pois a construção do aparato metodológico confi- gura-se de maneira que os dados obtidos por meio dos questionários e entrevistas sejam interpretados levando-se em consideração o contexto de produção (como se configura o contexto em que os professores em formação respondentes estão inseridos, qual é o seu percurso forma- tivo) e essa interpretabilidade seja comprovada a partir dos aspectos linguísticos analisados à luz da GSF. O universo de análise desta pesquisa compreende o Curso de Li- cenciatura em Letras (Língua Portuguesa e suas respectivas literaturas) da Universidade Federal de Santa Maria. O Curso possui, como prazo aconselhado para a integralização curricular, 8 semestres letivos. A par- tir do 4º semestre regular os licenciandos passam a cursar disciplinas que enfatizam a prática docente em sala de aula, com vistas à recon- textualização dos objetos de ensino. Essas disciplinas são, conforme a sequência aconselhada: Didática do Ensino de Língua e Literatura II, no 4º semestre do Curso; Estágio I – Português no Ensino Fundamental, no 5º semestre; Estágio II – Português no Ensino Fundamental, no 6º ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 19 semestre; Estágio III – Literatura no Ensino Básico, no 7º semestre re- gular do Curso e Estágio IV – Português no Ensino Médio, no 8º semes- tre regular do Curso de Licenciatura em Letras – LP. Os participantes da pesquisa foram selecionados com base nos critérios a seguir: i) deveriam estar cursando regularmente o Curso de Licenciatura e ii) deveriam manifestar disponibilidade e interesse pela presente pesquisa. Com base na disponibilidade e no interesse dos participantes, foi realizada a consulta sobre a disponibilidade para res- ponderem a um questionário sobre a Prática de Análise Linguística e participarem de uma entrevista on-line conduzida pelos pesquisadores. Assim, chegou-se ao total de 8 participantes, 4 deles cursando entre o 1º e o 4º semestres regulares do Curso, e 4 deles cursando entre o 5º e o 8º semestres. Os dados desta pesquisa foram gerados em duas etapas: a) na etapa 1, em outubro de 2020, os participantes responderam a um questionário investigativo sobre a Prática de Análise Linguística e b) na etapa 2, tam- bém em outubro de 2020, os professores em formação participaram de uma entrevista on-line, proposta pelos pesquisadores. As respostas dadas pelos participantes no momento do questioná- rio investigativo e durante a entrevista foram submetidas a uma leitura exploratória. Por meio dela, identificamos padrões semânticos que nos guiaram na busca da compreensão do principal questionamento que norteia esta pesquisa: o que é a Prática de Análise Linguística? Os procedimentos que possibilitaram a categorização semântica do corpus, nesta etapa, foram os seguintes e nesta ordem: i) transcrição das entrevistas que perfazem a Etapa 2 de geração de dados; ii) identi- ficação do corpus de acordo com o seguinte padrão: #P. A letra P, nes- te caso, indica que o pseudônimo da participante inicia por essa letra. Não efetuamos distinções, no corpora, entre respostas dos questioná- rios e das entrevistas, entendendo que essa distinção era irrelevante; iii) leitura exploratória das respostas dos questionários e das entrevis- tas; iv) identificação, a partir do passo anterior, de recursos ricos em ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 20 significação (BARTON, 2004). Eles representam, como mencionamos anteriormente, qual(is)quer padrão(ões) linguístico(s) que, em textos ou conjuntos de textos, e verificados a partir de uma leitura inicialmen- te exploratória, por exemplo, adquiram recorrência e, assim, relevância significativa a ponto de revelarem informações sobre os contextos em que esses textos são produzidos/consumidos, sobre seus produtores, as práticas sociais desses produtores/contextos. A partir deste movimen- to, elegemos os excertos discursivos mais relevantes para embasarem nossa análise textual. Para fins de organização de análise, adotamos uma divisão que organiza os alunos em dois grupos distintos: alunos dos Semestres Iniciais (SI, que corresponde aos participantes do 1º ao 4º semestres) e alunos dos Semestres Finais (SF, que corresponde aos participantes a partir do 5º semestre do Curso e segmentação desses excertos de acordo com os processos do Sistema de Transitividade da Gramática Sistêmico-Funcional; Representações discursivas sobre a Prática de Análise Linguística Nossa análise evidenciou que os Professores em formação - Semes- tres Iniciais, em grande medida, representam a PAL como uma abor- dagem alternativa para o estudo da gramática no ensino básico, abor- dagem essa que pode desenvolver a capacidade crítico-reflexiva dos alunos. O grupo de participantes Professores em formação – Semestres Finais, por sua vez, além de defender a necessidade do desenvolvimen- to da criticidade dos alunos da escola básica, sugere a PAL enquanto abordagem que possibilita esse desenvolvimento. A seguir, realizamos nossa discussão, apresentando a análise conforme cada um dos grupos de alunos. ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 21 A PAL segundo os Professores em Formação – Semestres Iniciais A Prática de Análise Linguística, para ser adotada enquanto nor- teadora para o ensino crítico-reflexivo da linguagem, requer que o professor – ou futuro professor – compreenda como seus princípio teórico-metodológicos, bem como sua pertinência nas aulas de língua portuguesa. Ao ser questionada sobre o que é a Prática de Análise Lin- guística, Mirela afirma: Mirela: (1) Acho que [(2) a Prática de Análise Linguística é] uma proposta mais reflexiva pra atividades didáticas, (2) acho que algo para o aluno dar mais sentido para o que ele tá aprendendo. Por meio de um processo relacional atributivo, Mirela define o Por- tador Prática de Análise Linguísticacomo tendo o Atributo “ser uma proposta mais reflexiva” para atividades didáticas. O intensificador “mais” evoca um discurso que remete à existência de propostas “menos reflexivas”. A PAL é, ainda, definida como “algo” que faz o aluno dar mais sentido ao que está aprendendo. Constitui-se, portanto, um discurso di- cotômico, entre propostas didáticas mais e menos reflexivas. Os relatos de Esther e Mirela representam um bom exemplo de dualidade discursiva, em que a PAL é definida contrapondo-se ao ensino tradicional de gramática. Questionada sobre as diferenças entre a PAL e o ensino tradicional, a participante afirma: Esther: (1) O ensino gramatical costuma ser mais normativo. (2) Já a prá- tica da análise linguística proporciona a reflexão dos alunos. Além de evocar o “ensino gramatical” e defini-lo como “mais nor- mativo”, a futura professora dá à análise linguística o status de propor- cionar a reflexão dos alunos, atributo que não é dado ao ensino gra- ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 22 matical (SILVA, 2011; GERALDI, 2011; MENDONÇA, 2006; BEZERRA; REINALDO, 2013). Dessa maneira, constroem-se duas instâncias distintas: a do en- sino gramatical e a da prática de análise linguística. Essa construção sugere que o ensino gramatical normativo não proporciona a reflexão dos alunos, algo que a prática de análise linguística poderia possibilitar. Mirela, ao ser questionada sobre a importância de se adotar a PAL para o trabalho docente, afirma: Mirela: (1) [Trabalhar com a PAL na escola significa] dar uma significação para o aluno, do porquê ele está estudando tal coisa. Assim, a PAL é tomada enquanto uma abordagem que dá significa- do, contextualiza o ensino. Para Priscilla e para Esther, a PAL promove a criticidade. Mirela, por sua vez, enfatiza o caráter contextualizado(r) da prática de análise linguística: Priscilla: (1) Trabalhar análise linguística nas escolas é essencial. (2) É a formação de alunos pensantes e críticos. Esther: (1) Para mim, [trabalhar com a PAL na escola] significa estimular os alunos a pensarem de forma crítica, (2) auxiliando-os na compreensão e análise de diversas falas/imagens em diferentes contextos. Mirela: (1) a prática de análise linguística é contextualizada e (2) a gramá- tica geralmente é descontextualizada. Priscilla, por meio de duas orações relacionais atributivas, dá ao participante “trabalhar análise linguística nas escolas” (Portador), o sta- tus “essencial” (Atributo) e “ser a formação de alunos pensantes e crí- ticos”. Esther também emprega uma oração relacional atributiva para defender que “trabalhar com a PAL na escola” (Portador) “significa” (Pro- cesso Relacional Atributivo) “estimular os alunos a pensarem de forma crítica” (Atributo). ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 23 Esther defende que a PAL auxilia os alunos na compreensão e análi- se de textos em diferentes contextos. O não prestígio dos mais variados contextos é justamente o que Mirela questiona a respeito das aborda- gens tradicionais do trabalho com a gramática. Por meio de uma oração relacional atributiva, a participante defende que a prática de análise lin- guística (Portador) é “contextualizada” (Atributo), ao passo que “a gra- mática” (Portador) geralmente (elemento modalizador) é “descontextu- alizada” (Atributo). Novamente, constroem-se duas instâncias distintas e, aqui, opositivas, entre a Prática de Análise Linguística e a gramática, em que a primeira recebe uma carga semântica positiva e a segunda, por meio do Atributo “descontextualizada”, carga semântica negativa. Para esse grupo de professores em formação, de maneira geral, a consideração do conhecimento prévio dos alunos do ensino básico deve ser prestigiada a fim de se efetivar um estudo produtivo de gramática: Priscilla: (1) Eu acho que uma coisa chave que (2) o professor tem que levar em consideração (3) [é] a bagagem que o aluno já carrega. [...] então eu acho que (4) o professor tem que levar em conta a bagagem do aluno, (5) em relação aos conhecimentos que ele já tem, (6) e o jeito que ele fala, a linguagem dele, e tudo, (7) porque tudo interfere. Laísa: (1) Eu acho que primeiro, (2) quando a gente vai trabalhar a gramática (3) a gente tem que pensar também (4) o que essa turma tá acostumada a ver ou o que essa turma entende por gramática. Esther: (1) Eu acho que, uma coisa que (2) eu considero (3) bem importante é eu levar o texto como unidade, assim, (4) tentar trazer um texto (5) que seja fun- cional pra aquela determinada turma, (6) pensando no contexto da turma, né, na realidade dos alunos. Mirela: (1) [Acho que o professor não pode (2) deixar de considerar] o contexto, né... do aluno... (3) o que é mais fácil pra ele, (4) como seria mais fácil pra ele, o conteúdo. A necessidade de que seja considerado o conhecimento prévio do aluno é mencionada quando os participantes são questionados sobre quais são os pontos-chave que o professor de Língua Portuguesa deve considerar em suas aulas. Esse posicionamento, por parte dos futuros professores, demonstra convergência para a noção de andaimes de aprendizagem, tão cara para a teoria sociocultural de ensino e apren- ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 24 dizagem, postulada por Vygotsky, e à qual entendemos que se alinha a Prática de Análise Linguística (PINTON; VOLK; SCHMITT, 2020). A necessidade de prestigiar o conhecimento prévio dos alunos é mencio- nada, também, quando os professores em formação são questionados sobre como se deve dar o trabalho com a gramática de modo a ser pro- dutivo para o aluno: Esther: (1) Eu acho que (2) alguns professores acabam jogando as regras pros alunos, “ah, é assim que se escreve, é assim que se formula uma frase”, (3) mas não tem aquela do “por que é assim?”. [...] (4) eu acho que é assim, mesmo a partir de contextos, (5) trazer contextos da realidade dos alunos e mostrando coisas que são da vivência deles... (6) é estudar bastante a realidade do aluno. Como prova o excerto, Esther contrapõe um ensino em que pro- fessores “jogam as regras” aos alunos, sem que exista uma reflexão por parte do aprendiz, a um ensino que parta de contextos específicos, da realidade dos alunos. Em síntese, se considerado o grupo de participantes Semestres Ini- ciais, sobressai o discurso que estabelece a Prática de Análise Linguísti- ca enquanto uma abordagem que promove a reflexão e a criticidade dos alunos, o que a diferencia do ensino da gramática realizado tradicional- mente pela escola. A PAL, conforme esses alunos, promove a produção de sentidos, e se difere do ensino de gramática prestigiado pela escola, porque contextualiza o ensino. Além disso, conforme os futuros profes- sores em questão, é imprescindível que sejam considerados o conhe- cimento prévio dos alunos e os contextos que esses alunos vivenciam quando se trata de promover a PAL em sala de aula. Em relação ao momento formativo desse grupo de alunos no que tange à apropriação da Prática de Análise Linguística, podemos conside- rar que esses licenciandos se encontram em um processo de construção que já demonstra desconforto com a maneira pela qual o estudo de gra- mática é tradicionalmente conduzido, tornando-se descontextualizado e, podemos dizer, improdutivo. Se ainda há saberes a serem construídos em relação a aspectos mais práticos da PAL, esses alunos reconhecem já a necessidade e a existência de um lugar para uma prática alternativa, ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 25 que a PAL pode (e deve) ocupar, sobretudo por se inserir na teoria socio- cultural de ensino e aprendizagem, para a qual a noção de andaimes de aprendizagem é imprescindível. Além disso, tanto os professores em formação dos Semestres Ini- ciais quanto aqueles dos Semestres Finais empregam em um número considerávelde casos orações mentais cognitivas enquanto modaliza- doras (“eu acho que”, “eu considero que”, “acredito que”, “entendo que”) ao construírem seu discurso sobre a PAL, o que demonstra que os par- ticipantes se encontram em um processo de construção e de “amadure- cimento” teórico acerca de sua (futura) prática docente. A PAL Segundo os Professores em Formação – Semestres Finais Se o grupo de Professores em formação - Semestres Iniciais de- monstra incômodo com a maneira pela qual o trabalho com a gramá- tica geralmente é conduzido no ensino básico e reconhece a PAL como uma alternativa para esse trabalho, o grupo de alunos dos semestres finais, além de apontar as fragilidades das “velhas práticas”, delineia a necessidade de uma abordagem alternativa, inscrevendo a Prática de Análise Linguística nessa lacuna teórico-metodológica a ser ocupada. Alice, professora em formação cursando o 7º semestre regular do Curso, afirma: Alice: (1) Trabalhar com a Análise Linguística na escola (2) significa romper com os métodos de ensino tradicionais da Língua Portuguesa. Para a participante, “trabalhar com a Análise Linguística” (Porta- dor) “significa” (Processo Relacional Atributivo) romper com os métodos de ensino tradicionais da LP (Atributo). Desse modo, a Análise Linguís- tica configura-se como uma alternativa para o “rompimento com a tra- dição” de ensino. ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 26 Para além de representar um rompimento com os métodos tradi- cionais de ensino, a Prática de Análise Linguística é tomada por Violeta, pelo menos em alguns momentos de seu discurso, enquanto uma ati- vidade que não significa, necessariamente, trabalho com a gramática. Ao ser indagada sobre as principais dificuldades para a adoção da PAL enquanto prática docente, Violeta declara: Violeta: (1) Se [eu] não vou cobrar a gramática, (2) o que preciso (3) que meu aluno saiba? O discurso sugere que o Experienciador implícito da oração 1 (eu, a professora), ao se referir à PAL, não exigirá do seu aluno conhecimentos sobre a gramática, como se a perspectiva representada pela PAL não representasse estudo da metalinguagem. Além disso, ao se questionar sobre o próprio objeto de ensino (2), a participante demonstra um pro- cesso reflexão perfeitamente coerente com uma nova prática de ensino, pois se a maneira como a gramática tradicionalmente é abordada em sala de aula demonstra fragilidades, a questão que se coloca é a adoção de novos objetos de ensino. A mesma participante, entretanto, é mais categórica em alguns momentos, não mais segmentando o trabalho com a metalinguagem da PAL, mas dando a ambas características bas- tante distintas em termos metodológicos: Violeta: (1) Pra mim análise linguística é a gente trabalhar questões da gra- mática da língua, das “regras da língua”, (2) mas de uma forma que (3) o aluno aprenda ou entenda o uso daquilo no dia a dia. (3) Não é eu pedir pra (4) ele de- corar todos os adjetivos, (5) mas eu querer que (6) ele entenda qual é a função do adjetivo na frase e (7) o que vai mudar se eu uso ou não uso e (8) como vai ficar a construção de sentido da minha frase, do meu texto. Aqui, Violeta defende que a análise linguística é trabalho com a metalinguagem. A participante emprega “mas” (2) para construir uma contraposição que sugere a existência de diferenças entre essa forma de trabalho com a metalinguagem e outras, em que se “trabalha com questões da gramática da língua, das regras da língua” (2), sem que (3) ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 27 “o aluno aprenda ou entenda o uso daquilo no dia a dia”. Ainda, a parti- cipante contrapõe dois processos cognitivos (“decorar”, na oração 4, e “entender”, na oração 6), demarcando as características distintas entre a PAL e outras maneiras de abordar a metalinguagem. Os dois exemplos anteriormente abordados parecem demonstrar que Violeta se encontra em um processo bastante reflexivo acerca do seu fazer docente, em um momento em que a Prática de Análise Lin- guística ainda parece representar, em termos teóricos, um desafio, pois a participante ora vê essa perspectiva como associada ao estudo da gra- mática, ora compreende estudo da gramática e PAL como práticas inco- mensuráveis. O exemplo anterior, somado a outros da mesma participante e ain- da a outros, dos demais professores em formação dos semestres finais, evidenciam a principal característica discursiva desse grupo de alunos quanto ao que configura a Prática de Análise Linguística: o foco nos usos da linguagem, nos efeitos de sentido das formas linguísticas, na reflexão do aluno e na construção de sua autonomia e criticidade. Priscila enfatiza: Priscila: (1) A Prática de Análise Linguística é muito importante para (2) levar o aluno (3) a refletir e pensar no que ele está lendo ou também escrevendo e pro- duzindo. (4) A partir disso ele não vai ficar somente no raso ou na classificação e decodificação. A participante do 5º semestre do Curso caracteriza o Portador “Prática de Análise Linguística” com o Atributo “muito importante para levar o aluno a refletir e pensar no que ele está lendo ou também escre- vendo e produzindo”. Na segunda oração, “o aluno” é o Experienciador dos processos mentais cognitivos “refletir e pensar”, possibilitados pela Prática de Análise Linguística. A futura professora delineia a importân- cia da PAL justificando que a partir dessa reflexão o aluno não ficará somente no “raso, na classificação e decodificação”, atividades essas em- pregadas como opositivas em relação à reflexão. ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 28 Violeta, sobre a PAL, afirma: Violeta: (1) Para mim, trabalhar com AL na escola é mostrar ao aluno as pos- sibilidades de construção a partir da língua, (2) refletindo sobre os efeitos de sentido provocados pelas escolhas linguísticas. A participante do 7º semestre enfatiza o caráter reflexivo da PAL, bem como o prestígio dos efeitos de sentido resultantes das escolhas linguísticas, justamente o que preconiza essa prática. Podemos notar que Violeta vincula os efeitos de sentido às escolhas linguísticas, suge- rindo que determinadas escolhas linguísticas servem a determinados propósitos e sentidos, o que demonstra um discurso pautado em uma visão funcionalista da linguagem. A construção discursiva da partici- pante também sugere um processo reflexivo conjunto entre professor e aluno, pois o Experienciador da oração mental cognitiva 2 pode ser tanto o professor quanto o aluno. O caráter reflexivo sobre o uso da língua representado pela PAL é enfatizado por Priscila: Priscila: (1) Pensando na perspectiva da PAL, (2) leva-se (3) o aluno a refletir so- bre esses usos de uma maneira que faz sentido. A acadêmica afirma que, nos termos da PAL, “o aluno” (Experien- ciador) é levado a refletir (processo mental cognitivo) “sobre [os] usos [linguísticos] de uma maneira que faz sentido” (Fenômeno). O principal avanço deste grupo de futuros professores em relação aos participantes dos semestres iniciais parece estar na compreensão da natureza funcional da linguagem e na necessidade de uma aborda- gem teórico-metodológica que seja coerente com essa especificidade da linguagem. É para atender a essa necessidade, portanto, que esses parti- cipantes enfatizam em seu(s) discurso(s) em elementos como o contexto de uso, a relação forma-função dos elementos linguísticos, a já mencio- nada reflexão sobre os usos, e justificam a adoção da PAL justamente para dar conta dessa variedade de fatores que devem ser abordados em sala de aula. Vejamos: ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 29 Priscila: (1) Acho um grande desafio conseguir explorar além do texto e da gra- mática. (2) Achar meios (3) que conduzem a prática da análise linguística, (4) fazendo os alunos (5) entenderem comoo sentido se desenvolve em um texto. Priscila concebe a Prática de Análise Linguística enquanto uma ati- vidade mais ampla que o texto e a gramática e sugere que “entender como o sentido se desenvolve em um texto” (5) é um processo possibili- tado por essa perspectiva teórica. Andréia alinha seu discurso ao de Priscila, pois também compreen- de a PAL como uma atividade ampla, que engloba, inclusive, a leitura e a produção de textos: Andréia: (1) Trabalhar com análise linguística na escola é partir do macro para o micro, (2) ou seja, compreender a esfera social para depois compreender a forma como a linguagem foi materializada no texto. (3) Por isso, a análise lin- guística deve considerar também a leitura, oralidade e produção de textos. Além de demonstrar maturidade ao inserir a PAL em uma aborda- gem funcionalista da linguagem e, também, demonstrar a compreen- são de que a abordagem teórico-metodológica abrange os eixos de lei- tura, oralidade e produção de textos, a participante sugere um percurso metodológico para o trabalho pelo viés da PAL. Esse percurso, “partir do macro para o micro” (1), que se caracteriza o Atributo do Portador “trabalhar com a análise linguística na escola”, perfaz um dos princípios subjacentes à literatura da PAL: a AL não despreza e exclui de seu escopo os constituintes menores (fonemas, morfemas, orações), apenas não lhes atribui primazia sobre o fenômeno discur- sivo, entendendo que, se o objetivo da AL é desenvolver e ampliar a competência comunicativa dos alunos, o percurso natural é fazê-los entrar em contato com os textos que circulam socialmente, analisar seus aspectos enunciativos cons- titutivos, para só depois passar-se a uma análise dos recursos linguísticos que entram em sua estrutura (KEMIAC; ARAÚJO, 2010, p. 54). As autoras, inclusive, nomeiam o princípio “do macro para o mi- cro”, como a participante se refere a ele. Podemos notar, com base nes- se princípio subjacente à literatura da PAL, que o foco da abordagem ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 30 está no desenvolvimento da competência comunicativa dos alunos, o que nos faz considerar, conforme menciona Andréia, a “esfera social” em que os textos circulam e se moldam, o que dá às formas linguísticas peculiaridades baseadas em sua função em tais contextos. Alice estabelece uma dicotomia entre o ensino tradicional de gra- mática e a Prática de Análise Linguística. As características da PAL são delineadas sobre o caráter funcional dessa abordagem: Alice: (1) Mesmo quando são utilizados textos como tentativa de um ensino pautado na perspectiva de Prática de AL, (2) a maioria dos exercícios propõem uma análise morfossintática, (3) caindo na velha prática de descrição e classifi- cação de termos e orações. (4) Já na Prática de Análise Linguística, consegue-se trabalhar formas, estruturas e características, partindo do estudo (con)textual. Alice critica a prática já conhecida na área, quando, em nome da inovação, o texto é prestigiado em sala de aula, mas apenas como um pretexto para o ensino tradicional de morfossintaxe (SILVA, 2011; SA- VIOLI, 2014). Em seu lugar, Alice defende um trabalho que considere as formas, estruturas e características dos elementos linguísticos, mas tendo como ponto de partida o contexto do texto. A futura professora parece ancorar seu discurso ao princípio “macro para o micro”, ante- riormente abordado, ao mesmo tempo em que dá à Prática de Análise Linguística o status de possibilidade para esse estudo produtivo. Andréia considera a Prática de Análise Linguística uma atividade mais ampla do que o trabalho com a gramática, pois, segundo a partici- pante: Andréia: (1) a gramática é apenas uma das abordagens da Prática de Análise Linguística (PAL). (2) A PAL considera que (3) apenas trabalhar com gramática não vai proporcionar ao aluno os conhecimentos necessários para a apropria- ção de determinado gênero, (4) por isso considera também a leitura, oralidade e a produção textual. Como vemos, para a participante o Portador “gramática” é (Pro- cesso relacional) “apenas uma das abordagens da PAL” (Atributo). Desse modo, podemos inferir que a PAL é uma atividade ampla, que “conside- ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 31 ra” que, para o aluno se apropriar de um gênero textual, o trabalho com a gramática é insuficiente. Assim, seriam necessários outros elementos, “além da gramática” para que o aluno construa autonomia linguística, e esse seria o papel da PAL. Em síntese, percebemos que os professores em formação que com- põem o grupo dos Semestres Finais do Curso de Licenciatura constro- em o seu discurso demarcando significativamente dois espaços-teóricos distintos: o do ensino de gramática e o da Prática de Análise Linguística. O ensino tradicional de gramática é tomado enquanto sinônimo de uma prática limitada, que se restringe quase sempre à análise morfossintá- tica ou à classificação dos elementos linguísticos. A Prática de Análise Linguística, por sua vez, é caracterizada como uma alternativa para um trabalho que considere a funcionalidade da língua, na observação da re- lação forma-função-uso contextualizado. Em alguns momentos, PAL e trabalho com a gramática chegam a ser abordados como duas coisas bastante distintas em termos teórico- -metodológicos, como se, talvez, a primeira abarcasse este último, mas o contrário não pudesse ocorrer. Se no grupo de licenciandos - Semestres Iniciais foi constatado desconforto sobre a maneira pela qual o trabalho com a gramática é normalmente conduzido na escola básica, sem, entretanto, que os par- ticipantes apontassem marcadamente a PAL como alternativa para o ensino, no grupo dos licenciandos dos semestres finais verifica-se um avanço considerável nesse sentido. Além de questionar o ensino tradi- cional de gramática, esses alunos apresentam (e sugerem) a PAL como alternativa para um ensino linguístico realmente produtivo. Mais do que isso, esses alunos demonstram maturidade ao situar a PAL em uma perspectiva funcionalista de linguagem, que deve sempre considerar, majoritariamente, a forma em função do(s) uso(s). Tudo isso para pro- mover a reflexão, criticidade e autonomia linguística do aluno, como evidencia Violeta: ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 32 Violeta: (1) não é apenas o aprendizado da gramática que vai tornar os alunos pessoas “melhores ou piores”, (2) mas também o entendimento sobre o poder da língua - escrita e falada - como uma ferramenta de mudança social. (3) Ao compreender que podem ser agentes da mudança no seu próprio contexto, e que a língua é um dos meios de concretizar essa mudança, (4) os estudantes tornam-se cidadãos críticos, reflexivos e gestores da sua própria história. Ao nos debruçarmos sobre a análise das orações empregadas pelos dois grupos de alunos quanto ao que é a Prática de Análise Linguísti- ca, notamos significativa diferença de tendência quanto ao emprego de orações mentais cognitivas enquanto modalizadoras, o que corrobora nosso posicionamento de que o grupo de alunos dos semestres finais encontra-se em um processo bastante avançado de apropriação da Prá- tica de Análise Linguística. O Gráfico 1, a seguir, apresenta o número de orações mentais cognitivas modalizadoras empregado por cada um dos dois grupos de alunos: Gráfico 1 – Orações mentais cognitivas como modalizadoras em relação ao número total de orações mentais cognitivas Fonte: Elaborado pelos autores. A ocorrência significativa de orações cognitivas modalizadoras no grupo de alunos dos semestres finais e o baixo número de orações do mesmo tipo no grupo de alunos dos semestres finais sugere que estes últimos posicionam-se mais assertivamente quanto ao que configura o ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 33 trabalho pelo viés da PAL, se comparadosao grupo dos alunos menos experientes, o que é compreensível, uma vez que os alunos dos semes- tres iniciais possivelmente carecem, ainda, de um maior tempo de re- flexão acerca dos saberes sobre a PAL, algo que já foi possibilitado em maior grau para os alunos que já cursaram mais semestres do curso e participaram por mais tempo dos espaços de discussão acerca dessa proposta de ensino. Considerações finais Para delinearem o lugar da Prática de Análise Linguística, os fu- turos professores contrapõem “trabalho com a gramática” e Prática de Análise Linguística. O grupo de professores em formação - Semestres Iniciais enfatiza, em grande medida, a relevância de que sejam consi- derados o conhecimento prévio dos alunos do ensino básico, além de aspectos contextuais, tanto das práticas sociais desses alunos quanto os aspectos contextuais dos próprios textos, para o trabalho com a Prática de Análise Linguística. Para esse grupo de professores em formação, o principal ganho proporcionado pela PAL é a promoção de um ensino que estimula a reflexão do discente sobre a língua. Os licenciandos dos Semestres Finais constituem, em grande me- dida, um discurso que dicotomiza o ensino de gramática e a Prática de Análise Linguística, em muitos momentos como sendo maneiras de tra- balho distintas, de maneira que a PAL não necessariamente pertenceria ao escopo do estudo da gramática. Para esses participantes, majorita- riamente, Prática de Análise Linguística significa ensino que possibilita reflexão e prestigia a produção de sentido, o que a diferencia do “ensino de gramática”, que prestigia regras e classificações de termos da língua. Por fim, o que nossos resultados evidenciam é que, embora os fu- turos professores reconheçam a pertinência da PAL e alguns de seus princípios, a apropriação teórico-metodológica e sua operacionalização ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 34 em contexto escolar ainda parece se constituir um desafio nos cursos de formação de professores. Nesse sentido, os achados desta pesquisa podem contribuir, em alguma medida, para a construção de propostas curriculares que contemplem a PAL, considerando os saberes constru- ídos pelos professores em formação inicial com vistas a minimizar la- cunas no que diz respeito a essa prática e a sua recontextualização por meio de atividades didáticas. Referências BARTON, E. 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DOI: 10.52788/9786589932338.1-2 Professores de Língua Portuguesa em formação inicial: representações acerca da produção de materiais didáticos e da Prática de Análise Linguística Caroline Teixeira Bordim Capítulo 2 ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 37 Introdução Certamente muitos já se questionaram durante as aulas de gra- mática “para que isso serve?”, “por que estudo isso?”, “vou usar isso no futuro?”. Dessa maneira, assim que ingressamos no curso de Letras, muitas vezes ainda carregamos a bagagem da gramática normativa tradicional, enraizada nas práticas escolares, e, quando nos deparamos com a perspectiva da Análise Linguística, completamente diferente do que éramos acostumados, muitas vezes apresentamos certa dificulda- de em compreendê-la, assim como em desconstruir/ressignificar aquilo que foi construído durante toda a educação básica. Um mapeamento realizado na Biblioteca Digital Brasileira de Dis- sertações e Teses (BDTD) já evidencia a necessidade de um conhecimen- to mais aprofundado sobre a proposta de ensino de Análise Linguística por parte dos professores de formação inicial e continuada, que permita aos docentes a apreensão e o aprofundamento dos conhecimentos teó- rico-metodológicos acerca desse trabalho; e, ainda, de materiais didáti- cos mais adequados à abordagem, como salienta Souza (2010). Geraldi, em 1996, já apontou para uma necessidade de adaptação da metodologia de ensino de Língua Portuguesa, pois, segundo ele, os alunos não refletiam sobre o uso da língua, de modo que o que se cha- mava de “análise”, se tratava de “respostas dadas a perguntas que os alunos (enquanto falantes da língua) sequer haviam formulado” (p. 130). Assim, o professor explica que as respostas eram insatisfatórias e os estudos acerca da gramática “dominavam mais ‘o que se tem para es- tudar’, sem saber bem para que aprendê-los (p. 130). Com o objetivo de solucionar essa problemática, Geraldi (1984) propõe um trabalho que integre a Análise Linguística às práticas de leitura e produção textual. A fim de ampliar os estudos acerca dessa prática e contribuir com a reflexão de algumas questões que ainda são problemáticas, esta pes- quisa tem por objetivo identificar as representações discursivas dos ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 38 professores em formação inicial em relação ao processo de produção de atividades didáticas e da Prática de Análise Linguística. Para isso, focalizaremos as atividades produzidas pelos licenciandos da turma de Produção e Análise de Material Didático em Língua Portuguesa, cuja oferta é realizada para os acadêmicos no sétimo semestre do cursode Licenciatura em Letras — Português da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Vale destacar que na disciplina mencionada, dois desa- fios são lançados aos professores em formação: i) elaborar atividades didáticas e ii) contemplar a Análise Linguística nessas atividades. Além desta Introdução e das Considerações Finais, revisamos a Prática de Análise Linguística e o Sistema de Transitividade da Gramá- tica Sistêmico-Funcional, apresentamos o corpus e os procedimentos de análise e, por fim, sumarizamos os resultados desta pesquisa. A Prática de análise linguística O professor e pesquisador Geraldi propõe em sua obra O texto em sala de aula, em 1984, uma reorganização do ensino do Português, divi- dindo-o em três unidades básicas: prática de leitura, prática de produ- ção textual e prática de análise linguística. Ainda, propõe a integração dessas três práticas. Segundo ele, estas práticas, integradas no processo de ensino-aprendizagem, têm dois obje- tivos interligados: a) tentar ultrapassar, apesar dos limites da escola, a artificia- lidade que se institui na sala de aula quanto ao uso da linguagem; b) possibilitar, pelo uso não artificial da linguagem, o domínio efetivo da língua padrão em suas modalidades oral e escrita (GERALDI, 1984, p. 77). Nesse mesmo sentido, Suassuna (2021) explica que a leitura e a pro- dução devem estar articuladas a um processo permanente de reflexões sobre as operações linguísticas e discursivas. Dessa forma, a Análise Linguística pode acontecer tanto nos momentos de leitura - pois, ao ex- trair sentidos do texto, notam-se algumas inovações, percebem-se mar- cas ideológicas -, quanto nos momentos de escrita - quando se tem que ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 39 buscar a melhor forma de dizer o que se pretende, pensar na escrita das palavras, assim como decidir por uma forma singular ou não. Em 1991, a partir da obra Portos de Passagem, do professor Geraldi, houve um avanço na proposta inicial da Prática de Análise Linguística (PAL). Nessa obra ele conceitua a PAL como sendo uma atividade que envolve as atividades linguísticas, epilinguísticas e metalinguísticas. Para ele, as atividades linguísticas são “praticadas nos processos inte- racionais, referem-se ao assunto em pauta, ‘vão de si’, permitindo a pro- gressão do assunto” (p. 20). Essas atividades, de acordo com Silva (2011), são “de uso espontâneo da língua em qualquer ambiente de situação, realizando-se em textos orais e escritos e não se restringindo ao espaço escolar” (p.29). Já as atividades epilinguísticas, segundo Suassuna (2012), referem- -se à capacidade do usuário de operar sobre a linguagem, fazendo escolhas, avaliando os recursos expressivos de que se utiliza, fazendo retomadas, corrigindo estruturas etc. Salienta-se que essa ação é fortemente marcada pela intuição e se constitui numa das bases — se não a principal — da gramática internalizada de cada falante (SUASSUNA, 2012, p. 16). Nesse sentido, ao operar sobre a própria língua, o aluno vai cons- truindo uma consciência dos recursos linguísticos e, ainda, busca ou- tras estratégias, a fim de potencializar suas habilidades para agir no mundo. Assim, “aliado a isso, as reflexões epilinguísticas podem tomar vida nas produções textuais dos alunos, uma vez que interagem através do que produzem” (GOMES; SOUZA, 2017, p. 62). Geraldi (1997) explica que essas atividades de natureza epilinguísti- ca servem como ponte para se chegar às metalinguísticas, ou seja, é pre- ciso que as atividades epilinguísticas antecedam as metalinguísticas. Esse processo se dá a fim de “tornar o locutor mais consciente para o uso futuro, de modo que, dialogicamente, corroboram novas reflexões.” (POLATO; MENEGASSI, 2021, p. 43). Dessa forma, as atividades de natureza metalinguística são aquelas que se referem à capacidade de praticar de “modo consciente”, de de- ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 40 senvolver sistematicamente seu conhecimento sobre a língua, a fim de empregar a taxonomia e as teorias sobre a linguagem adequadamente. Assim, por meio dessas atividades, o professor proporcionaria ao alu- no uma mobilização das suas capacidades linguísticas e epilinguísticas. Por isso, vale lembrar que se faz importante o professor partir do conhe- cimento que o aluno já tem acerca da língua – epilinguístico -, de sua gramática internalizada e, após, “explicitar o conhecimento linguístico e gramatical, descrevendo e nomeando os fenômenos; e só depois, numa etapa final, concentrar os esforços no domínio da variedade padrão e de seus mecanismos, regras e esferas de circulação” (SUASSUNA, 2012, p. 12). Tendo em vista a importância da PAL para o ensino de Língua Por- tuguesa, utilizaremos o sistema de Transitividade da Gramática Sistê- mico-Funcional para melhor analisar as representações dos professores em formação inicial acerca dessa prática. Gramática sistêmico-funcional: o sistema de transitividade A transitividade, na Gramática Sistêmico-Funcional (GSF), se trata de “um sistema de relação entre componentes que formam uma figura” (FUZER; CABRAL, 2014, p. 41, grifo no original), as quais são compostas pelas categorias semânticas de processos, participantes e circunstân- cias. Os processos pertencem aos grupos verbais e indicam as experi- ências se desdobrando através do tempo, representando “eventos que constituem experiências, atividades humanas realizadas no mundo; re- presentam aspectos do mundo físico, mental e social” (FUZER; CABRAL, 2014, p. 41). Os participantes fazem parte dos grupos nominais e são re- presentados por seres ou coisas, e a sua denominação varia dependendo do tipo de processo. Por fim, as circunstâncias pertencem aos grupos adverbiais e podem indicar tempo, espaço, lugar, causa, entre outros. São seis os tipos de processos: materiais, mentais, relacionais, ver- bais, comportamentais e existenciais. Segundo Gouveia (2009), cada processo encerra em si a possibilidade de representação sob múltiplas ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 41 formas, mas a sua participação como processo particular implica a pre- sença de participantes. Dessa forma, diferentes tipos de processos são executados, consequentemente, por diferentes tipos de participantes. Os processos materiais são compostos de orações do “fazer e acon- tecer” e são responsáveis por representar as experiências externas. Es- ses processos podem ser criativos ou transformativos. Os processos mentais, por sua vez, são compostos de orações do “sentir, ver, pensar e querer” e representam as experiências internas, do mundo da consci- ência. Já os relacionais dizem respeito às figuras de “ser, agir e pensar”, sendo responsáveis por estabelecer uma relação entre duas entidades diferentes, representando seres em termos de suas características e identidades. Na fronteira entre os materiais e os mentais, encontram- -se os processos comportamentais, os quais representam os comporta- mentos psicológicos e fisiológicos do ser humano. Entre os mentais e relacionais, localizam-se os processos verbais, aqueles que representam os processos do “dizer”. Na fronteira entre os materiais e relacionais, há os existenciais, processos que representam algo que existe ou aconte- ce. Os tipos de processos podem ser observados na Figura 1 a seguir. Figura 1 — Tipos de processos: disco de cores Fonte: Muniz da Silva e Soares (2018, p. 143). ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 42 O disco de cores representa a disposição desses processos em um contínuo. Os processos principais são representados pelas cores ver- melha (materiais), azul (mentais) e amarela (relacionais), e os secundá- rios, pelas cores laranja (existenciais), roxa (comportamentais) e verde (verbais). As cores dos processos secundários figuram pela mescla dascores principais, as quais “se formam nas bordas, não como um espectro físico com o vermelho em um extremo e o violeta em outro” (HALLIDAY, 1985 [1994], p. 107, tradução nossa). Halliday e Matthiessen (2014, p. 171, tradução nossa) afirmam que “não há prioridade de um tipo de processo sobre o outro”; “é importante que, em nossa metáfora concreta e visual, eles formem um círculo, e não uma linha”. Assim, essa ferramenta de análise se faz importante para o presen- te estudo, uma vez que ele procura identificar as representações dis- cursivas dos professores em formação inicial em relação ao processo de produção de atividades didáticas acerca da Prática de Análise Linguísti- ca. Então, a partir da classificação de Participante, Processo e Circuns- tância, conseguiremos ter uma visão mais clara acerca dessas represen- tações. Percurso metodológico: universo, corpus e procedimentos analíticos O universo de análise desta pesquisa é constituído de um grupo de cinco professores de língua portuguesa em formação inicial (Antônia, Helena, Joaquim, Noah e Pedro)1, matriculados na disciplina de Análise e Produção de Material Didático, ofertada no sétimo semestre do curso de Licenciatura de Letras – Português da Universidade Federal de San- ta Maria. A geração dos dados ocorreu no início da disciplina, no primei- ro semestre de 2020. 1 Pseudônimo escolhido pela autora para não revelar a identidade dos participantes. ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 43 O corpus de análise é constituído pelas respostas a um questioná- rio de diagnóstico aplicado de forma remota na turma. O instrumento contém 14 questões acerca do percurso de formação, do processo de produção de materiais didáticos e da relação com a Prática de Análise Linguística. Dessa forma, os procedimentos de análise dos dados correspon- dem a três momentos: i) descrição do perfil dos participantes; ii) análise das representações atribuídas ao processo de elaboração de material didáticos; iii) identificação de representação discursiva dos professores em formação acerca da AL. Para isso, foi realizada uma leitura atenta das 14 questões, com o intuito de selecionar as questões mais relevantes à proposta da pesquisa. Assim, elaboramos categorias semânticas cor- respondentes às marcas linguísticas relacionadas aos três momentos mencionados anteriormente. Partindo dessas categorias, adotamos a Linguística Sistêmico-Fun- cional, mais especificamente o sistema de Transitividade para nortear esta análise. Para isso, segmentamos as orações em Participante, pro- cesso e circunstância, conforme representado no Quadro 1. Emprega- mos cores nas colunas para representar o tipo de processo. Quadro 1 — Figura da oração x Participante Processo Circunstância xxxx xxxx xxxx Fonte: elaborado pelas autoras Apresentação e análise dos resultados O questionário diagnóstico revelou que 80% dos participantes in- gressaram no ano de 2017 no curso, enquanto apenas 20% ingressaram no ano de 2016. Dessa forma, podemos afirmar que a maioria dos pro- fessores em formação segue a sequência curricular aconselhada pelo curso, cursando o 7º semestre. Durante esse percurso no curso de Le- ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 44 tras, os professores em formação vivenciaram experiências importan- tes no processo de formação inicial, uma delas é o estágio curricular. Além dela 60% dos alunos tiveram de outras experiências, como a par- ticipação nos programas Residência Pedagógica e no Programa Institu- cional de Bolsas de Iniciação à Docência -PIBID. De acordo com os participantes desta pesquisa, as experiências nesses programas foram fundamentais para sua formação, proporcio- nando uma visão mais ampla, não apenas das questões relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, mas também no que diz respeito às ques- tões referentes ao contexto escolar e à docência. Além disso, também construíram experiências em sala de aula e desenvolveram habilidades comunicativas. Quer nos programas de Residência Pedagógica e PIBID, quer no Estágio Curricular ou na própria disciplina de Análise e Produção de Material Didático, todos os participantes da pesquisa já tiveram conta- to com a produção de materiais didáticos. Quando questionados sobre as dificuldades nesse processo de elaboração, os participantes explicam que dentre elas está a de: 1 Ator Processo Material criativo Meta Circunstância de modo [eu] produzir o material sem estar em interação com o público Diante disso, os participantes problematizaram o funcionamen- to da disciplina Análise e Produção de Material Didático, pois, segundo eles, elaborar atividades sem ter conhecimento do contexto em que os alunos estão inseridos é uma tarefa difícil. Além disso, defendem que o conhecimento do contexto em que os alunos estão inseridos seja de extrema importância na hora da elaboração de quaisquer atividades di- dáticas. Compreendemos a preocupação dos professores em formação ini- cial, pois de fato o contexto é algo que deve ser considerado em qualquer ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 45 processo de elaboração de material de ensino. Porém, também é preciso ter em vista que os materiais produzidos pressupõem a autonomia dos educadores para adequar as atividades às especi- ficidades dos contextos nos quais atuam; sabendo que cada escola e cada turma tem suas particularidades, é essencial que estes profissionais, que são conhe- cedores dessas particularidades, façam alterações na sequência para que ela atenda às demandas de cada turma. (MOTOKANE, 2015, p. 132). Ainda, diante da importância do contexto, os licenciandos reconhe- cem a relevância do instrumento de diagnóstico para a escolha do ob- jeto de ensino e para a organização das atividades que serão propostas. Porém, a forma como entendem o documento varia. Alguns o entendem como um modo para avaliar a eficácia do método do próprio professor, outros declaram que o instrumento serve para identificar o nível em que o aluno se encontra diante do objeto de ensino e, ainda, outros declaram ser uma forma de saber qual é a temática de preferência do aluno. Ainda sobre as dificuldades enfrentadas, os professores em for- mação afirmam que questões de ordem pedagógica interferem em seu processo de recontextualização. Dessa forma, apontam ser mais com- plicado elaborar atividades do que suprir as dificuldades relacionadas ao objeto de ensino: 2 Ator Processo Material criativo Meta Circunstância de modo [eu] organizar as tarefas numa ordem lógica e nivelada Os processos empregados pelos alunos para relatar os problemas de ordem pedagógica foram os materiais, especificamente o verbo “or- ganizar”. Podemos inferir o uso desse processo ao fato de que os proble- mas de ordem pedagógica dizem respeito à organização das tarefas. Alguns declaram que quando têm dificuldades de ordem disci- plinar, acham fácil recorrer às gramáticas, porém, ao afirmar isso, as participantes não sinalizam a quais gramáticas recorrem. Com isso, su- bentende-se que não consideram que, muitas vezes, só ter o domínio da ANÁLISE LINGUÍSTICA NO CONTEXTO ESCOLAR EM DIFERENTES PERSPECTIVAS 46 gramática não resolve, é preciso saber o que fazer com o objeto e, acima de tudo, ter uma visão crítica sobre o que é posto, uma vez que algumas gramáticas apresentam lacunas nas definições das classes gramaticais. Estudos como o de Moura Neves (2017) apontam para a necessidade de adequação das entidades da língua no tratamento gramatical escolar. Nessa pesquisa, a autora aborda a problemática das definições de subs- tantivo, verbo, adjetivo, advérbio e pronomes. Com isso, afirma que [...] não é pertinente, nos dias de hoje, de tal amadurecimento da ciência linguís- tica, manter o encaixotamento de classificações categoriais de lições