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Tópicos de Filosofia e História da Matemática Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Ana Lucia Nogueira Junqueira Revisão Textual: Profa. Ms. Selma Aparecida Cesarin A Matemática na Idade Moderna • Introdução • A Transformação da Matemática no Século XVII: Descartes, Fermat, Leibniz e Newton • O Método Cartesiano • O Estudo de Curvas: Antecedentes da Noção de Função • Cálculo de Tangentes • O Cálculo de Áreas por Meio de Decomposições Infinitas • O Cálculo de Leibniz e de Newton • Concluindo · Apresentar as principais ideias matemáticas desenvolvidas na Idade Moderna, evidenciando a ênfase na análise e no rigor matemático característico da época, destacando a criação do cálculo e seus principais contribuidores, como Descartes, Fermat, Newton e Leibniz. OBJETIVO DE APRENDIZADO Nesta unidade, vamos estudar a Matemática na Idade Moderna, abordando os mais significativos estudos desenvolvidos entre o final do século XV e início do século XVIII. As mudanças ocorridas durante o Renascimento e a transformações promovidas pela Revolução Científica, notadamente no campo das Ciências, foram as principais responsáveis pelo incremento no desenvolvimento científico nessa época. No campo da Matemática, a Idade Moderna foi um período muito profícuo. Veremos, inicialmente, as contribuições dos matemáticos franceses Descartes e Fermat, com seus métodos analíticos de algebrização da Geometria, que culminaram na criação da Geometria Analítica. Em seguida, vamos nos concentrar nos trabalhos de Newton e de Leibniz na construção do cálculo. ORIENTAÇÕES A Matemática na Idade Moderna É importante lembrar que entraremos em contato com os tipos de problemas e o modo de resolução que era desenvolvido na época, que é pouco diferente do modo como fazemos atualmente, pois foi quando os primeiros trabalhos sobre cálculo estavam sendo desenvolvido, ainda com um forte teor geométrico e alguns conceitos, como de função, bem como alguns procedimentos ainda não tinham sido definidos ou sequer existiam. Alerto, então, para a necessidade de se colocar no contexto da época e ficar atento(a) ao modo de resolução que, por vezes, pode parecer estranho, porque já detemos os conhecimentos que utilizamos hoje. Será, então, um relato dos contextos da época com destaque aos principais feitos nesse período. Infelizmente, pela quantidade de assuntos importantes, não será possível detalhar os desenvolvimentos matemáticos de todos esses temas. Chamo atenção para o Material Complementar, que traz indicações de diversos links que permitem que você mesmo(a) faça um estudo mais aprofundado dos temas indicados. Dedique-se com atenção a todo material disponível para se preparar e realizar as atividades da Unidade. Você encontrará muita informação no texto teórico e muitas sugestões no material complementar. Aproveite! E para além do material, o quanto mais você puder pesquisar e explorar, de acordo com a sua necessidade, melhor será o aproveitamento. Seja curioso(a)! 7 Contextualização A Idade Moderna No âmbito do Renascimento, a Idade Moderna é chamada assim por ser consi- derada um período de resgate da Antiguidade, depois de um suposto “período de trevas”, a Idade Média, que já vimos que não é mais considerado assim atualmente. Fonte: iStock/Getty Images O termo modernidade remete a grandes mudanças que possibilitaram a aceleração do desenvolvimento humano na Idade Contemporânea. Entretanto, o inicio desta era é repleto de controvérsias quanto à sua periodização e os vários historiadores defendem marcos diferentes para o começo e o fim dele. Por exemplo, a corrente francesa, aquela que acabou cunhando a data tradicionalmente aceita para o início e o final da Idade Moderna, defende 1453, a queda de Constantinopla. No entanto, há outras datas significativas para o marco inicial, como o início das grandes navegações, que incrementou o sistema capitalista nascente por meio do Mercantilismo das especiarias do Oriente e das descobertas de “novas terras”, que alterou profundamente o panorama do mundo conhecido. E a controvérsia não se dá apenas em relação ao marco inicial, mas também ao período. A corrente francesa delimita o fim da modernidade em 1789, ano da queda da Bastilha, prisão política do poder absolutista, um tradicional marco tido como o início da Revolução Francesa. Porém, existem historiadores que defendem 1760 como uma data mais apropriada, pois é o ano que tem começo a Revolução Industrial, alterando o ritmo da evolução tecnológica da Humanidade. 7 http://2.bp.blogspot.com/_MNjvTyDyXgc/TQ_wQE2jGoI/AAAAAAAABYk/MpkNhiwhi6Y/s1600/A_005_34_Tavern.jpg UNIDADE A Matemática na Idade Moderna O quadro a seguir mostra uma das divisões mais aceitas: Fonte: notasdeaula.org Assim, embora nem sempre seja possível categorizar o objeto do estudo num tempo específico, o historiador é sempre forçado a trabalhar com períodos para organizar seus estudos. No nosso caso, vamos tratar desde o período de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna até o período de transição da Idade Moderna para a Idade Contemporânea, havendo interpenetração nesses períodos, dependendo do tema abordado. Dessa forma, traremos o contexto de acordo com os temas que mais nos afetam, ou seja, a História da Ciência, em particular a da Matemática. Vamos recordar o contexto da época. O Quadro Geral Sócio Político e Econômico No século XIV, a baixa Idade Média entrava em pleno declínio e, com ela, parte do sistema feudal. O Sacro Império romano-germânico, que lutara anteriormente contra o papado para obter o controle da Itália e conseguir a união da Europa, encontrava-se muito debilitado, fragmentado entre diferentes famílias nobres rivais sobre as quais se estendia a autoridade quase honorária do Imperador. A crise afetava também a Igreja Católica que, em 1309, teve sua sede pontifícia transferida temporariamente para Avignon, no sul da França, e depois sofreu as consequências do chamado cisma do Ocidente, no qual o mundo cristão se dividiu entre os partidários do Papa Urbano VI e os do antipapa Clemente VII. O sistema feudal entrou em profunda crise no século XIV em razão de vários fatores como a ascensão da burguesia nas cidades medievais, que passaram a ter uma intensa movimentação comercial nesse período, a crise no campo, as revoltas camponesas e a Peste Negra, entre outros. 8 9 Essa crise forçou tanto os senhores feudais quanto os burgueses que estavam em ascensão a traçarem estratégias de desenvolvimento de suas estruturas econômicas. A Guerra dos 100 anos (1337-1453), entre Inglaterra e França, deixou muitos senhores feudais na ruína, pois suas propriedades foram arrasadas e seus servos fugiram. Os nobres não tinham como reconstruir seus feudos e não estavam preparados para o novo modo de produção que começava a surgir. Era preciso investir em mão de obra e somente depois obter algum lucro com a venda da colheita. Esta ruína da nobreza fundiária fez crescer o poder real com o apoio da burguesia. Florescem os estados monárquicos absolutistas, principalmente Inglaterra e França. Joana D’Arc, heroína francesa da Guerra dos 100 anos Fonte: Wikimedia Commons Também durante a Guerra dos 100 anos, a Europa foi varrida por uma grande epidemia: a Peste Negra. Ela veio da Ásia por meio dos navios genoveses que faziam o comércio e se alastrou muito e rapidamente pelo Continente, graças às péssimas condições de higiene dos burgos. Como a contaminação dava-se, também, pelas rotas comerciais que uniam as ci- dades europeias, milhões de pessoas morreram e povoados inteiros desapareceram. Esta peste negra é apontada como o principal fator que acelerou a crise feudal e fez mudar o pensamento de muitas pessoas sobre a situação do homem no mundo. 9 UNIDADE A Matemática na Idade Moderna Fonte: auladearte.com.br PESTE NEGRA é a designação pela qual ficou conhecida, durante a Baixa Idade Média, a pandemia de peste bubônica que assoloua Europa durante o século XIV e dizimou entre 25 e 75 milhões de pessoas, sendo que alguns pesquisadores acreditam que o número mais próximo da realidade é de 75 milhões, um terço da população da época. Veja mais em: https://youtu.be/DhfXT8OvlpY Ex pl or A reorganização política havia se iniciado na Itália no final do século XIII, com sua desvinculação do poder imperial e sua fragmentação em diversas cidades- estado, que passaram do regime comunal ou municipal para o senhorial, exercido por algumas famílias nobres, como a dinastia dos Medici, por exemplo. Mas essa fragmentação não ocorreu em outros territórios europeus onde, ao contrário, estabeleceram-se diversas monarquias nacionais e autoritárias: a Espanha dos reis católicos, a Inglaterra de Henrique VII e a França de Luís XI. Isso se deveu, em primeiro lugar, à consolidação da autoridade do soberano frente ao poder da nobreza. Esses novos estados modernos caracterizaram-se pela centralização, a organização administrativa, a crescente burocratização e a criação de um exército poderoso. Na implantação desses regimes autoritários, teve grande importância a mudança produzida na mentalidade política que, baseada no Direito Romano e na Filosofia aristotélica, legitimava a autoridade suprema do monarca e a existência de um estado forte e organizado. 10 11 A grande figura do pensamento político da época foi o florentino Nicolau Maquiavel, autor de O príncipe (1513), o qual elaborou uma teoria política que separava, pela primeira vez, a Moral dos indivíduos da Moral, ou razão, do Estado. Embora a base da Economia continuasse a ser a agricultura, houve grande impulso na indústria têxtil, na mineração e, sobretudo, nas atividades comerciais, graças ao ápice do desenvolvimento das cidades mediterrâneas (Veneza, Marselha, Nápoles) e do norte da Europa (Antuérpia, Amsterdam, Hamburgo). A crescente importância do setor comercial resultou na fortuna de famílias como as dos Medici, os Strozzi ou os Fugger, que lhes permitiram intervir de for- ma direta na política ou dar seu apoio financeiro às monarquias que atravessavam crises econômicas. Juntamente com todos esses problemas enfrentados neste período, existia ainda o problema da expansão turca contra o continente europeu. Esta expansão havia interrompido o fluxo de mercadorias pela rota da seda, pois os turcos haviam dominado todo o oriente. Foi necessário aos europeus descobrirem outro caminho para o comércio com a Índia e com o resto do oriente. O descobrimento da América representou um fato transcendental para a vida econômica do Renascimento. Abriram-se novos mercados, floresceram cidades na orla atlântica, como Sevilha e Lisboa, e fluíram os metais e as riquezas, que proporcionaram grandes benefícios a burgueses e banqueiros e permitiram que a Espanha realizasse uma ampla política de intervenção em grande parte da Europa e do Mediterrâneo. No entanto, a excessiva afluência de tesouros americanos ao continente europeu fa- voreceu uma alarmante alta dos preços devido à abundância da moeda em circulação. Mas as forças do capitalismo estavam em latência não apenas nos comerciantes das cidades; estavam também no campo, haja vista que o desenvolvimento comercial acabou favorecendo, em alguns casos até os senhores feudais. Foi do campo que nasceram as bases materiais para a indústria, sobretudo no caso inglês e, ao mesmo tempo, a experiência do comércio nas cidades criou a sofisticada relação de troca monetária, que foi a base do crédito e do sistema financeiro que se desenvolveu a posteriori. A Revolução Inglesa do século XVII foi decisiva para o fomento das condições de aparecimento da industrialização. Com a indústria, o sistema capitalista passou a ser imperativo e complexo, gerando a divisão acentuada do trabalho nas cidades e o aumento do grande fluxo da massa de operários. 11 UNIDADE A Matemática na Idade Moderna Fatores que Motivaram o Desenvolvimento Científico na Idade Moderna Vimos, no tópico anterior, que a Europa ocidental sofreu várias transformações durante a Baixa Idade Média, que contribuíram de forma significativa para o fim do Feudalismo e do modelo político e econômico que durante mil anos foi a base para esta civilização. Resumindo, os mais importantes são a/o: • Ascensão da burguesia; • Expansão da atividade comercial; • Aumento do uso de moedas; • Obtenção de autonomia do poder senhorial por parte de algumas cidades; • Perda gradativa de poder por parte da Igreja Católica; • Contestação de dogmas religiosos por parte de filósofos e cientistas; • Nova visão de mundo. Expansão Marítima A Expansão Marítima por outras terras foi motivada pela dominação turca das rotas comerciais ligando o Ocidente ao Oriente que, embora não tenha impedido o fluxo de mercadorias, aumentou vultosamente os custos das mercadorias. Além disso, aconteceu o esgotamento das minas de metais preciosos na Europa e o aumento populacional, o que acarretou o problema de alimentação para a população pela falta de produtos agrícolas. Fonte: iStock/Getty Images Veneza, junto com os árabes, dominava as principais rotas de navegação do Mediterrâneo e monopolizava o comércio e a maior parte do fornecimento de mercadorias. 12 13 Dessa forma, a navegação no Oceano Atlântico, de longo alcance, era a úni- ca alternativa possível, mas exigia técnicas mais avançadas do que a navegação no Mediterrâneo. A navegação neste Oceano era extremamente adversa e desafiava a perícia dos navegadores e, para que fosse plena de êxito, era necessário aprimorar as técnicas de construção de navios, confecção de instrumentos para navegação, melhoria e criação de novas cartas náuticas e geográficas. Foram instrumentos valiosos nesta etapa: • A invenção da bússola, que aliada ao astrolábio, auxiliou a leitura de latitudes e longitudes; • A descoberta da imprensa de tipos móveis, que auxiliou a difusão e a confecção de cartas de navegação; • A descoberta da pólvora. Alguns Instrumentos náuticos Fonte: Adaptado de iStock/Getty Images, Wikimedia Commons Mesmo com todas as descobertas realizadas, ainda havia um grande empecilho para a expansão maríti- ma: os altos custos financeiros, mas este problema foi solucionado pela burguesia e as cortes reais, que co- meçaram a financiar as grandes expedições em troca de futuros benefícios, como a troca de ouro, prata e especiarias. As feiras eram um grande ponto de encontro de culturas. É evidente que esta expansão marítima necessitava de altos conhecimentos matemáticos e científicos de uma Europa que começava a sair do isolamento marcado pela Idade Média. Este processo de expansão marítima e comercial foi um dos fatores que fizeram com que a Matemática, bem como as demais Ciências, tivesse a maior expansão em todos os tempos da História. Prensa de Tipos Móveis Fonte: iStock/Getty Images Esta expansão fez com que o continente europeu chegasse à revolução industrial como potência mundial. 13 UNIDADE A Matemática na Idade Moderna Assista ao vídeo História da Humanidade, Volume VI – Expansão Marítima e América pré- colombiana. Disponível em: https://youtu.be/8kCOZOehXOQEx pl or O Renascimento Cultural (Séculos XIV-XVII) O Renascimento originou-se no norte da Itália e se estendeu do início do século XIV ao século XVII. Este movimento fez parte das transformações globais pelas quais passava a Europa ocidental desde o fim da Idade Média. Depois, este movimento estendeu-se para os demais países europeus, principalmente França, Inglaterra, Alemanha e Polônia. Os fatores principais que contribuíram para o desenvolvimento do movimento renascentista foram o interesse pelo estudo do Direito Romano; a rejeição ao misticismo medieval, a multiplicação das universidades, que haviam rompido com a escolástica, ou seja, haviam rompido com o domínio da Igreja sobre a construção do conhecimento o apoio de ricos mercadores aos descobrimentos científicos, artísticos e culturais e a queda de Constantinopla,fazendo com que sábios bizantinos fugissem para a Itália, trazendo de volta os escritos gregos com a influência oriental. Grande desenvolvimento artístico do Renascimento Fontes: Adaptado de Wikimedia Commons Assista ao vídeo História da Humanidade, Volume VII – Renascimento, Reforma Protestante e Iluminismo. Disponível em: https://youtu.be/-2VIAO_bV7gEx pl or A Revolução Científica (Séculos XVI-XVIII) Na história da Ciência, chama-se Revolução Científica o período que começou no século XVI e se prolongou até o século XVIII. A partir desse período, a Ciência, que até então estava atrelada à Filosofia, separa-se desta e passa a ser um conhecimento mais estruturado e prático. 14 15 As causas principais da revolução podem ser resumidas em: renascimento cultural, a imprensa, a Reforma Protestante e o hermetismo. A expressão “Revolução Científica” foi criada por Alexandre Koyré, em 1939. O Renascimento trouxe como uma de suas características o Humanismo. Esta corrente de pensamento e comportamento pregava a utilização de senso crítico mais elevado e de maior atenção às necessidades humanas, ao contrário do Teocentrismo da Idade Média, que pregava a atenção total aos assuntos divinos e, portanto, senso crítico menos elevado. Este maior senso crítico exigido pelo Humanismo permitiu ao homem observar mais atentamente os fenômenos naturais em vez de renegá-los à interpretação da Igreja Católica. Teorias revolucionárias anteriores ocorreram, mas diferem na intensidade com que influenciaram o pensamento humano. Algumas representaram profundas modificações na forma de o homem examinar a natureza como, por exemplo, a introdução de um tratamento matemático na descrição dos movimentos dos planetas, introduzida pelos babilônios e depois aperfeiçoada pelos gregos. Outras representaram micro revoluções, como o sistema de classificação de seres vivos, introduzida por Aristóteles. A Revolução Científica, no início do século XVI, foi marcada pela publicação das obras De revolution ibusorbium coelestium (Das revoluções das esferas celestes) de Nicolau Copérnico e De Humani Corporis Fabrica (Da Organização do Corpo Humano) por Andreas Vesalius. A publicação do Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo, por Galileu Galilei e o enunciado das Leis de Kepler impulsionaram decisivamente a Revolução Científica. A partir daí, a Ciência mudou sua forma e sua função, passando a ser repensada nos moldes na nova sociedade que estava emergindo à época. Os objetivos do homem da Ciência e da própria Ciência acabaram sendo redirecionados para uma era livre das influências místicas da Idade Média. A invenção da prensa do tipo móvel, por volta de 1439, por Johannes Gutenberg (1398-1468) disseminou a imprensa e desempenhou papel fundamental na Revolução Científica, pois assim se evitavam os erros de interpretação e cópias que podiam deturpar as traduções na época dos pergaminhos. A impressão em vernáculo permitiu maior divulgação e disseminação do conhecimento. Também a Reforma religiosa participou de modo decisivo do desencadeamento da Revolução Científica. Os reformistas pregavam que uma forma de se apreciar a existência de Deus era por meio das descobertas na Ciência e por isto estas foram incentivadas, impulsionando o desenvolvimento da Revolução Científica. 15 UNIDADE A Matemática na Idade Moderna Quanto ao hermetismo, este selou a revolução, na medida em que representava um conjunto de ideias quase mágicas, mas que exaltavam a concepção quantitativa do Universo, encorajando o uso da Matemática para relacionar grandezas e demonstrar verdades essenciais. Dessa forma, a difusão da Matemática criou um ambiente propício para o desenvolvimento de um método científico mais rigoroso e crítico, o que modificou a forma de fazer ciência. Hermetismo: conjunto de doutrinas simultaneamente místicas, astrológicas, alquímicas, mágicas e, tangencialmente, filosóficas, atribuídas pelos seus autores da Antiguidade greco-latina à inspiração do deus Hermes Trismegisto, identificado ao deus egípcio Tot. Surgido nos primeiros séculos da era cristã, influenciou teólogos, alquimistas e filósofos na Idade Média, Renascimento e Iluminismo. Ex pl or É fácil imaginar as inúmeras consequências deste período na história da Ciência. Todos os grandes desenvolvimentos posteriores talvez não tivessem sido possíveis sem a reestruturação científica. Como toda Revolução, esta não ocorreu de maneira isolada ou por motivos próprios, mas foi consequência principalmente de uma nova sociedade imbuída em novas ideias. Um dos acontecimentos mais importantes da Idade Moderna foi a Revolução Científica do século XVII, operada, sobretudo, pelas grandes figuras de Nicolau Copérnico (1473-1543) e Galileu Galilei (1564-1642) com a discussão e posterior aceitação do sistema heliocêntrico de movimento dos planetas. Vimos que Aristarco de Samos já tinha proposto este modelo muitos séculos antes. Ele foi o astrônomo e matemático que propôs pela primeira vez que corpos menores circundariam corpos maiores e, sendo o Sol muito grande devido à som- bra da Terra projetada na Lua durante um eclipse, concluiu que seria a Terra que se moveria em torno do Sol. Por essas ideias ele foi acusado de he- resia, suas ideias foram abandonadas e só no século XV ganhariam força com Nico- lau Copérnico, que criou um modelo com os planetas girando em torno do Sol, em movimentos circulares. Na imagem vemos um modelo helio- cêntrico do sistema solar no manuscrito de Copérnico. Fonte: Wikimedia Commons 16 17 Johannes Kepler (1571-1630) levou a cabo um dos estudos que permitiram descobrir o movimento dos astros, exposto no modelo copernicano, mas em movimentos elípticos. Entretanto, o universo encarado como algo que pode ser explicado, e mais, explicado matematicamente, era algo completamente radical para a época. O papel de Galileu na sistematização dessa concepção revolucionária foi decisivo, já que ele foi um dos primeiros a aperfeiçoar instrumentos técnicos, como o telescópio, para melhor observação dos fenômenos. Foi Galileu também que deu um novo rumo às pesquisas sobre o movimento, com a elaboração da lei da inércia, e recuperou as teses de Copérnico sobre a translação terrestre. Essa última investida de Galileu comprometeu-o, já que, católico, teve de explicar sua teoria a um tribunal da Inquisição, em 1616, que o condenou a abjurar publicamente suas ideias e à prisão por tempo indefinido. A seguir uma imagem clássica representando o julgamento de Galileu a propósito da tese referente ao movimento da Terra em torno do Sol, à qual teve de renegar. Galileu frente ao tribunal da inquisição romana de Cristiano Banti Fonte: Wikimedia Commons Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons 17 UNIDADE A Matemática na Idade Moderna Concluindo Segundo o historiador da Ciência, Alexandre Koyré (2011), a partir da Baixa Idade Média, mas, sobretudo, nos séculos XV e XVI, quando emergiu na Europa o Renascimento Cultural, uma nova concepção de mundo ou de “cosmos” passou a surgir. Essa nova concepção que se expressa, não é mais aquela do “cosmos harmônico e fechado” das esferas celestes, elaborado por Aristóteles, mas o Universo Infinito, que seria explicado por Kepler, Galileu, Titcho Brahe e Newton. Mas, sobretudo, segundo D’Ambrosio (1996), a capacidade de observação, por meio de telescópios e microscópios, criou a necessidade de instrumentos intelectuais para lidar com o observado. Ampliou-se o universo dos números com a introdução dos decimais por Simon Stevin (1548-1620) e dos logaritmos por John Napier (1550-1617). Isso possibilitou passar da ciência reflexiva a uma ciência experimental. O centro dessa importante mudança no conceito da ciência estava na Universidade de Cambridge, da qual a figura mais conhecida é Isaac Newton (1642-1727), que escreveu o livro que marcou época, o início da ciência moderna, Principia mathematica philosophie naturalis, de 1687, no qual estabeleceas leis da mecânica utilizando um novo instrumental matemático, o cálculo diferencial e integral. A junção entre observação, experimentação e formulação de uma explicação teórica e matemática – explicação essa que pode resultar na construção de artefatos tecnológicos capazes de medir e calcular o fluxo dos fenômenos naturais e também manipular a própria natureza – constitui o alicerce da Ciência moderna, que se forjou sob o signo da Revolução Científica do século XVII. Para saber mais, assista aos vídeos disponíveis links a seguir: Nicolau Copérnico e o Heliocentrismo https://youtu.be/rLSknPIFE2M Galileu Galilei – Documentário https://youtu.be/LCws5J7AwIA Ex pl or 18 19 Introdução Vimos que o impacto do descobrimento de outras realidades humanas sociais e culturais pela expansão marítima, na transição da Baixa Idade Média para a Idade Moderna, levou a novos sistemas de explicações e de instrumentos materiais e intelectuais associados a esses sistemas. Em tempos de Renascimento, proliferou a criação de novas universidades, dentro do espírito da época, em que o ideal da Educação era o de formar no homem um espírito livre, capaz de dominar todos os campos do conhecimento, desde a Arte até a Ciência. Nesse período, na Matemática prevalecia um ambiente de resolução de problemas que despertou o interesse por resolução de equações. Nessa direção, vimos na Unidade anterior que surgiram expoentes matemáticos, como o hindu Bháskara, o persa Al-Khwarizmi e os italianos Scipione del Ferro, NicoloTartaglia Girolamo Cardano e Lodovico Ferrari que se dedicaram, entre outras coisas, à resolução de equações matemáticas por radicais. Outras discussões em voga nessa ocasião eram reflexões sobre o homem, sua natureza intelectual e uma das obras mais importantes a esse respeito foi o Discurso do Método, de René Descartes (1596-1650), publicado em 1637. Descartes introduz um novo enfoque para a Geometria, utilizando noções e notações algébricas que hoje chamamos de Geometria Analítica. No entanto, ele é uma expressão de outro movimento que eclodiu por esses tempos, a Revolução Científica, à qual nos referimos na Contextualização e que imprimiu novo enfoque para a Ciência e para a Matemática em particular, que vamos tratar a seguir. A Transformação da Matemática no Século XVII: Descartes, Fermat, Leibniz e Newton Muitas transformações ocorreram na Matemática durante o século XVII, em particular na Geometria, com a intervenção de métodos algébricos. O nome de René Descartes (1596-1650) e o de Pierre de Fermat (1601-1665) estão no centro dessas mudanças, que culminaram com a invenção do que hoje é chamado de “Geometria Analítica”. Por conta das mudanças ocorridas no período do século XIII ao XVI, a noção de “ciência” ganhou uma nova conotação. Apesar de a Revolução Científica ter sido responsável por provocar grandes mudanças, queremos enfatizar que não houve uma ruptura radical em relação aos tempos anteriores a Copérnico, substituindo o cosmo aristotélico finito pelo universo infinito descrito por Newton. 19 UNIDADE A Matemática na Idade Moderna A recepção das ideias inovadoras de Copérnico, Galileu e Newton foram um pouco conflituosas, mas lentas, ou seja, a convivência entre as novas e as antigas ideias gerou misturas no pensamento que levaram algum tempo para serem aceitas e renovar os padrões que as precederam. Segundo Roque (2012), o termo “ciência” possui conotações modernas inadequadas para entender o pensamento daquele período. Alguns considerados heróis da Revolução Científica, como Kepler e Newton, tinham também outros interesses, por exemplo, questões esotéricas, como a mística pitagórica e a alquimia. Entretanto, é preciso ler os trabalhos originais no contexto de suas próprias preocupações, em vez de aplicar sobre eles ideias atuais acerca da definição da ciência e das disciplinas científicas. O próprio termo “Filosofia Natural”, empregado até mesmo por Newton, tinha uma conotação bem diferente da física de agora, e os filósofos naturais não separavam de modo claro as questões místicas – ou teológicas – do que consideramos preocupações científicas genuínas. Este era o contexto da época. O desenvolvimento da Ciência na Europa foi impulsionado pela criação, a partir do século XII, das primeiras universidades, como as de Paris, Oxford e Bolonha. Os currículos de ensino se baseavam nos antigos trivium (incluindo Lógica, Gramática e Retórica) e quadrivium (Aritmética, Geometria, Música e Astronomia) que, juntos, formavam as sete artes liberais. A Matemática era estudada para ajudar na compreensão das proposições aristotélicas sobre a lógica e a natureza; a Aritmética consistia em regras de cálculo; a Geometria era tirada de Euclides e de outras Geometria s práticas; a Música era influenciada por Boethius; e a Astronomia seguia a tradição de Ptolomeu e das traduções de trabalhos árabes. As transformações da Ciência entre os séculos XI e XV abriram caminho para o Renascimento e vimos o desenvolvimento das práticas algébricas durante os séculos XV e XVI. Porém, havia muitos outros interesses na ordem do dia. Segundo Roque (2012), a Geometria ainda era o principal domínio da Matemática e qualquer pessoa que quisesse aprender ciência precisava começar pelos Elementos de Euclides. No entanto, aos poucos, foi crescendo a consciência de que grande parte do conhecimento geométrico deveria servir a aplicações, desde as mais práticas, como as técnicas para construir mapas, até as mais abstratas, como a teoria da perspectiva na pintura e a Astronomia. Datam desse período, por exemplo, os trabalhos de Viète sobre a arte analítica, que disseminou um novo modo de resolver problemas geométricos por meio da álgebra. 20 21 Além do pensamento mecanicista, a Revolução Científica do século XVII é particularmente associada à expansão da ciência experimental e à matematização da natureza, atribuídas a Galileu. Na matemática, a Geometria cartesiana e o cálculo infinitesimal são vistos como as duas manifestações mais importantes desse período. Um pensador da época não tratava de desvendar as causas dos fenômenos naturais e sim de compreender como estes se davam. Tal compreensão adquiriu características próprias, passando a ser associada à quantificação e à medida, a evolução das técnicas teve um lugar importante nessa transformação. Descartes postulou um método para a invenção de verdades na ciência, publica- do em seu Discurso do Método, que contém como apêndice a Geometria, pro- cedimento geométrico de Descartes ao espírito da primeira metade do século XVII. No ano de 1626, Descartes frequentou o círculo de pensadores que gravitavam em torno do padre Mersenne, em Paris, que se dedicava, entre outras coisas, a problemas óticos ligados ao estudo do movimento dos raios luminosos. Esses estudos levaram Descartes a escrever A Dióptrica, um dos ensaios publicados com o Discurso do método, em 1637, ou seja, juntamente com a Geometria. Trata-se de um tratado de ótica, compreendendo uma teoria da refração da luz e, desde o início da obra, percebe-se a proximidade de Descartes com os artesãos de instrumentos óticos. Podemos dizer que a época é marcada por uma concepção geral das curvas que não ao se limitava ao estudo de curvas particulares, ampliando o universo dos objetos geométricos pela introdução de curvas que descrevem movimentos ou são expressas por equações algébricas. O início do século XVII foi marcado por esforços de diversos matemáticos para recuperar as obras gregas que haviam sido perdidas, em particular os clássicos mencionados por Pappus. Foi neste contexto que Fermat, encantado pelas Cônicas de Apolônio, assumiu a tarefa de recuperá-las e o contato com o pensamento matemático deste clássico influenciou profundamente sua obra. A “exatidão” dos procedimentos empregados em Geometria foi redefinida por Descartes. Ao invés de construções geométricas, foram admitidas técnicas algébricas na definição de curvas,instituídas como objeto central da Geometria. A segunda metade do século XVII sentiu os efeitos desta mudança e o trabalho com curvas, incluiu a busca de tangentes e áreas e incentivou o desenvolvimento dos métodos infinitesimais. Uma discussão relativa ao modo de justificar a Matemática acompanhou estas transformações técnicas. Ao final deste século, o conceito de curva recobre três concepções: a curva como expressão algébrica, eventualmente infinita; a curva como trajetória de um ponto em movimento; e a curva como polígono com número infinito de lados. 21 UNIDADE A Matemática na Idade Moderna As três exerceram um papel central no desenvolvimento dos métodos infinitesi- mais e Leibniz foi um dos protagonistas desta mudança. Depois de ler a Geometria de Descartes, em 1673, ele achou o método de tangentes do matemático francês restritivo. Além de ser complicado, o procedimento não se aplicava a uma grande quantidade de curvas. Uma das principais contribuições de Leibniz foi estender o domínio das curvas para além das algébricas, consideradas por Descartes como as curvas de que a Geometria deve se ocupar. Após ter estudado Direito e Filosofia, Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) participou de uma missão diplomática à corte de Louis XIV, em 1672, onde conheceu Christian Huygens, que tinha sido aluno de Descartes e trabalhava intensamente sobre séries e apresentou a Leibniz, até então praticamente ignorante em Matemática, os trabalhos de Cavalieri, Pascal, Descartes, Wallis e Gregory. Os métodos analíticos de Descartes e Fermat motivaram o estudo das propriedades Aritméticas de séries infinitas na Inglaterra, sobretudo por John Wallis e James Gregory. Estes pesquisadores conseguiram resolver um grande número de problemas, como o de encontrar a tangente a uma curva, calcular quadraturas ou retificar curvas, e tiveram grande influência sobre Newton e Leibniz. A grande diferença introduzida por estes últimos está no grau de generalidade e unidade que os métodos infinitesimais adquiriram com seus trabalhos. Antes de Newton e Leibniz, problemas envolvendo o estudo de curvas, como os que envolviam a determinação de tangentes e áreas, eram tratados de forma independente. Os métodos empregados por diferentes estudiosos possuíam semelhanças entre si, mas estas não eram ressaltadas. Os matemáticos já tinham um enorme conhecimento sobre o modo de resolver problemas específicos do cálculo infinitesimal, mas sem reconhecer a generalidade e a potencialidade das técnicas empregadas. O livro principal de Newton, os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural, não contém desenvolvimentos analíticos. Os resultados são apresentados na linguagem da Geometria Sintética, ao passo que Leibniz defende vigorosamente os métodos analíticos. Podemos destacar, ainda, as diferentes concepções de quantidade variável, ou as diferentes noções de continuidade de ambos. No entanto, alguns historiadores não acham estas diferenças fundamentais. Na prática, seria possível traduzir os procedimentos fluxionais de Newton nos algoritmos diferenciais de Leibniz. O que os distingue é a relação de cada um com a Matemática de seu tempo. Para Leibniz, os problemas de fundamento do cálculo eram preocupações que não deviam interferir no desenvolvimento dos algoritmos diferenciais. Ao passo que Newton se esforçou para colocar sua teoria em uma linguagem rigorosa, no caso, a da Geometria Clássica. Para fazer com que sua teoria fosse aceita, Newton se preocupava em garantir uma continuidade histórica entre seus métodos e os dos antigos. 22 23 Se compararmos os cálculos de Newton e de Leibniz com o atual, veremos que eles trabalhavam essencialmente com variáveis definidas sobre curvas, ao passo que atualmente o cálculo se fundamenta na noção de função. O Método Cartesiano O século XVII foi marcado pela crença de que o desenvolvimento técnico podia melhorar a vida dos homens, ainda que esta não fosse uma nova descoberta. Três exemplos típicos do pensamento desse século: Galileu, Bacon e Descartes. Os estudos de Galileu (1564-1642) começaram em Pisa, ainda no final do século XVI. Alguns escritos dessa época já contestavam a teoria aristotélica dos movimentos naturais, por meio do estudo de corpos em movimento dentro de um meio fluido. Galileu argumentava que era preciso conhecer a relação proporcional entre o peso por volume de um corpo e o peso por volume do meio em que esse corpo está imerso. Por exemplo, se temos dois volumes iguais de água e de madeira, o volume de água será mais pesado. Logo, não podemos fazer o volume de madeira submergir, explicação essa que se opõe à teoria das causas aristotélicas, segundo a qual o movimento não se dá por qualidades de cada corpo e sim por uma causa única, o peso, que é como uma força que interage com a ação de um meio. Arquimedes sempre foi uma referência fundamental para esses trabalhos, ou seja, os fenômenos relacionados a corpos em movimento podem ser estudados como pesos em uma balança. E Galileu creditou a Arquimedes a invenção do modelo da balança para estudar o movimento. Do ponto de vista da história da Matemática, segundo Roque (2012), a discussão sobre a influência de Arquimedes pode ser uma saída para escapar da polêmica sobre o platonismo de Galileu, que acaba recaindo em um dos lados da oposição entre teoria e prática. Desde os primeiros escritos, Galileu parecia acreditar que a melhor maneira de entender os fenômenos é mostrando como eles funcionam de modo mecânico. No estudo do movimento, máquinas simples, inspiradas em Arquimedes, eram fundamentais para a compreensão – caso da balança, do plano inclinado e do pêndulo. Os estudos de Galileu sobre a teoria de Copérnico eram tomados sempre como uma hipótese matemática útil, vez que simplificava os cálculos das órbitas dos astros, e não como um modelo físico. Foi nesse contexto que redigiu o Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo ptolomaico e copernicano, finalizado em 1630 e publicado em 1632, no qual voltava a defender o sistema heliocêntrico. 23 UNIDADE A Matemática na Idade Moderna Essa obra foi decisiva no processo da Inquisição montado contra ele. Em 1638, foram publicados os seus Discursos e demonstrações matemáticas sobre duas novas ciências, o primeiro Tratado sobre a cinemática e a dinâmica dos movimentos nas proximidades da superfície da Terra. Redigido na forma de diálogos, seguia a tradição grega que se tornara comum no Renascimento. Em 1620, Francis Bacon (1561-1626) publicou o Novum organum, cujo título faz referência ao Organon de Aristóteles e indicava a necessidade de se fundar um novo método para interpretar a natureza. Segundo Bacon, em vez da lógica aristotélica, o método indutivo podia ser mais frutífero para a enunciação de novas verdades científicas. Bacon não chegou a ver a primeira edição de uma de suas obras mais conhecidas, Nova Atlântida, publicada somente pouco depois de sua morte. Esse livro, segundo Roque (2012), trata de uma localidade imaginária, marcada pela prosperidade e pela intervenção do homem na natureza. Na utópica Casa de Salomão, funcionaria um laboratório científico fictício, de alto nível, onde seriam realizadas experiências capazes de simular os fenômenos naturais com o intuito de controlá-los. A ambição de Bacon, expressa nesse livro, pode ser comparada a um trecho da sexta parte do Discurso do método, de Descartes, no qual propaga a utilidade dessa nova Ciência para a invenção de uma infinidade de artifícios que permitiriam tirar proveito, sem custo algum, dos frutos da terra e de todas as comodidades que nela se encontram, uma Ciência que também poderia ser usada para a conservação da saúde, sem dúvida, o primeiro bem e a base de todos os outros bens desta vida. Essa obra de Descartes, publicada em 1637, faz eco a outros escritos anteriores acerca do método para a invenção de verdades na ciência e contém um apêndice intitulado Geometria. Por isso é interessante associaro seu empreendimento geométrico ao espírito da primeira metade do século XVII. Em ressonância com o espírito da época, Descartes (1596-1650) defendia, então, que o pensamento não se dedica a compreender todos os tipos de coisas, mas somente aquelas que são passíveis de quantificação. Para Descartes, as dedu- ções lógicas que permitem passar de uma proposição a outra devem ser substitu- ídas por relações entre coisas quantificáveis, traduzidas por equações (igualdades entre quantidades). Quanto mais nos distanciamos das quantidades, mais o conhecimento fica obscuro, podendo induzir a erro. Não podemos confiar nas aparências, no que acreditamos ser verdadeiro apenas pelo testemunho dos sentidos. Para Descartes, as demonstrações matemáticas não tinham somente o papel de convencer e estabelecer uma certeza; deviam, sobretudo, esclarecer a natureza do problema e propor métodos de invenção direta que permitissem resolvê-lo. Por isso ele rejeitava a demonstração por absurdo. 24 25 Nesse contexto, os objetos geométricos passavam a ser vistos com novos olhos, vez que podiam ser úteis na resolução de problemas práticos. A análise do papel das curvas geométricas pode mostrar, objetivamente, como a crença na importância da técnica levou à constituição de um novo tipo de Geometria. Desde tempos anteriores a Galileu, uma curva já era vista como uma trajetória, podendo representar, por exemplo, o percurso de uma bala de canhão. Outros problemas técnicos, como os suscitados pela óptica, teriam modificado o estatuto das curvas geométricas nas primeiras décadas do século XVII, caso das cônicas. De acordo com Roque e Carvalho, logo no início da Geometria, Descartes propõe a utilização do método analítico: Se queremos resolver qualquer problema, primeiramente supomos que a solução já está encontrada, e damos nomes a todas as linhas que parecem necessárias para construí-la. Tanto para as que são desconhecidas como para as que são conhecidas. Em seguida, sem fazer distinção entre linhas conhecidas e desconhecidas, devemos percorrer a dificuldade da maneira mais natural possível, mostrando as relações entre estas linhas, até que seja possível expressar uma única quantidade de dois modos. A isto chamamos uma Equação, uma vez que os termos de uma destas duas expressões são iguais aos termos da outra (Roque e Carvalho, 2012, p.247). Dar nomes às linhas da figura, tanto para as que são desconhecidas como para as que são conhecida será a essência do método analítico, do estudo da Arte Analítica de Viète. O objetivo de Descartes era utilizar na resolução de problemas de Geometria uma espécie de Aritmética, na qual regras simples de composição levassem objetos simples a outros mais complexos. Por razões puramente geométricas, era necessário algebrizar a Geometria. Na abertura do primeiro livro da Geometria, Descartes se refere às cinco operações básicas da Aritmética: adição, subtração, divisão, multiplicação e radiciação, e mostra que estas operações correspondem a construções simples com régua e compasso. No exemplo a seguir, tomando-se AB como unidade, o segmento BE é o produto dos segmentos BD e BC obtidos ligando-se os pontos A e C e desenhando-se DE paralela a AC. E C B AD Fonte: Roque e Carvalho, 2012 25 UNIDADE A Matemática na Idade Moderna Supondo AB=1 e BD=a, marcamos C de modo que BC=b. Daí, temos que a BE b1 = , logo BE=ab, que é o produto de BD e BC (note que aqui podemos usar que o produto dos meios é igual ao produto dos extremos, já estamos operando com números e não mais com grandezas). Depois de construir a multiplicação de segmentos. Descartes analisa alguns casos de equações quadráticas, mostrando que a solução, ou seja, a incógnita, é um segmento de reta. A seguir, o exemplo dado por Roque e Carvalho (2012, p. 249), para a equação z2 = az + b2, a reta incógnita z seria construída como segue: N a/2 a/2 L b O M P Fonte: Roque e Carvalho, 2012 Constrói-se o triângulo retângulo NLM com LM=b e NL=a/2. Queremos construir z de modo que satisfaça a equação z2 = az + b2.Então prolonga-se MN até o ponto O tal que NO=NL. Tomando z=OM=ON+NM, obtemos z a a b= + + 2 4 2 2 . Isto é fato, pois se traçarmos a circunferência com raio a/2 e centro N, ela corta MN em P e, portanto, LM OM PM LM OM PM LM= ⇒ =. 2 , pois ∠MLP = ∠LOM vez que determinam o mesmo arco na circunferência. Assim, os triângulos OLM e LPM são semelhantes e, portanto, se OM=z, PM=z-a. Como OM . PM = LM2, então b2 = z (z – a) = z2 – az. Logo, a raiz da equação OM é dada por z a a b= + + 2 4 2 2 . Descartes ignora a raiz negativa. Da mesma forma constroem-se as raízes das equações z2 = –az + b2, onde o sinal negativo é da operação sobre o coeficiente positivo. Descartes adapta a construção de acordo com as operações entre os segmentos. Ele considera separadamente os seguintes tipos de equações quadráticas: z2 = az + b2, z2 = –az + b2, z2 = az – b2, pois, assim, sendo os coeficientes posi- tivos, os segmentos seriam construtíveis. Por esta razão, não apresenta o caso z2 + az + b2 = 0, pois não possui raízes positivas. A grande novidade da obra geométrica de Descartes é a introdução de um sistema de coordenadas para representar equações indeterminadas. A introdução desta ferramenta, fundamental para o projeto cartesiano, foi motivada inicialmente pelo problema de Pappus: 26 27 Encontrar o lugar geométrico de um ponto tal que, se segmentos de reta são traçados desde este ponto até três ou quatro retas dadas, formando com elas ângulos determinados, o produto de dois destes segmentos deve ser proporcional ao produto dos outros dois (se há quatro retas) ou ao quadrado do terceiro (se há três retas). Pappus demonstrou que, no caso geral, a solução deve ser uma cônica e Descartes, inspirado nisso, passou a considerar o problema para mais de quatro retas, o que dará origem a curvas de grau maior. Nessas resoluções é que Descartes, para simplificar o problema com quatro ou mais retas, passa a denominar, por exemplo, um segmento de linha AB entre A e B de x e BC de y, o que justamente é a criação de um sistema de coordenadas na qual as linhas AB e CD são consideradas eixos coordenados, não necessaria- mente ortogonais. F D C H G T E A R B S Fonte: Roque e Carvalho, 2012 Outro matemático responsável pelo trabalho com coordenadas foi o francês Pierre de Fermat (1601-1665), que foi profundamente influenciado pelas traduções de obras gregas, em particular a de Apolônio. Com isso, ficou bastante familiarizado com o fato de, dada uma curva, haver sempre uma relação entre duas quantidades indeterminadas. Segundo Roque e Carvalho (2012), o objetivo inicial de Fermat era exprimir, na linguagem algébrica proposta por Viète, os problemas geométricos tratados por Apolônio. Seu principal interesse era, portanto, realizar um estudo geral dos lugares geométricos. Sua primeira obra, Introdução aos lugares geométricos planos e sólidos, foi escrita provavelmente em 1636 e é contemporânea à Geometria de Descartes. 27 UNIDADE A Matemática na Idade Moderna No entanto, parece que estas obras não se influenciaram mutuamente, apesar de ambas introduzirem coordenadas para tratar de problemas geométricos, os objetivos de Descartes e Fermat eram distintos. Em seu trabalho, Fermat introduziu a ideia de eixos perpendiculares e descobriu as equações gerais da reta, circunferência e equações mais simples para parábolas, elipses e hipérboles, e depois demonstrou que toda equação de 1º e 2º graus pode ser reduzida a um desses tipos. Nada disso está no ensaio de Descartes, apesar deste ter tido acesso à Introdução vários meses antes de publicar a sua obra Geometria, de 1637. A Geometria Analítica, tal como a conhecemos atualmente, consiste em duas associações: (I) dado um lugar geométrico, encontrar a equação que seus pontos satisfazem; e (II) dada uma equação, encontrar o lugar geométrico dos pontos que a satisfazem. Descartes estudou oprimeiro problema, mas Fermat foi pioneiro em atacar o segundo. Logo no princípio de sua obra Introdução, enuncia: “Sempre que em uma equação final, duas quantidades desconhecidas são encontradas, temos um lugar geométrico e a extremidade de uma delas descreve uma linha, reta ou curva”. O Último Teorema de Fermat, ou Teorema de Fermat-Wiles, afirma que: “Não existe nenhum conjunto de inteiros positivos x, yx z e n, com n > 2, que satisfaz a equação xn + yn = zn”. Este teorema desafiou matemáticos por todo o mundo durante 359 anos, até que Andrew Wiles, um matemático britânico, conseguiu demonstrá-lo, primeiramente em 1993 e, depois de corrigir alguns erros apontados, definitivamente em 1995. Cumpre esclarecer que Wiles utilizou conceitos matemáticos avançadíssimos, com os quais Fermat nem poderia ter sonhado. Desta forma, se Fermat realmente conhecia alguma demonstração, esta seria certamente diferente (e mais simples) que a de Wiles. Assim, chegou ao fim uma história épica na busca do Santo Graal da Matemática. Ex pl or O Estudo de Curvas: Antecedentes da Noção de Função O conceito de função surgiu bem depois das técnicas de derivação introduzidas por Leibniz e Newton. Vejamos, portanto, algumas noções que antecedem à de função seguida do advento do Cálculo. Quando hoje pensamos em função, uma das ideias que nos ocorre é a de correspondência. Entretanto, sob esse ponto de vista, pode-se dizer que as tabelas babilônicas e egípcias, num certo sentido, já pressupunha a ideia de função, vez que essas tabelas tratavam de registros de correspondências, como, por exemplo, entre um número e o resultado de operações envolvendo esse número. Mas, obviamente esses povos não propuseram uma noção de função para compreender essas tabelas. 28 29 Uma ideia que tem a ver com a noção de função, mas que não estava presente nesses exemplos, é a noção de variável, que só foi introduzida formalmente no século XIX. Entretanto, antes da formalização desse conceito, a noção de variação esteve presente nas tentativas de matematização do movimento dos séculos XVI e XVII. O estudo da variação dos fenômenos naturais em relação ao tempo, por meio de leis matemáticas, deve-se, em grande parte, ao desenvolvimento da física após Galileu, cujas relações, no entanto, eram analisadas por meio de proporções geométricas. Só depois o movimento passou a ser associado a uma curva que pode ser expressa por uma equação. Descartes chegou a trabalhar com equações indeterminadas, nas quais tomando-se infinitos valores de x é possível encontrar infinitos valores para y. Vale ressaltar a diferença entre equação determinada e equação indeterminada: a quantidade desconhecida assume um valor dado quando resolvemos a equação, ela é apenas provisoriamente desconhecida, mas trata-se de uma quantidade que possui um valor determinado que precisa ser encontrado na equação em que está. Mas há uma grande diferença entre equações determinadas, que possuem uma incógnita, e indeterminadas, que podem possuir duas ou mais incógnitas. Nessas equações as quantidades estão “indeterminadas”, por não encontrarmos apenas um valor para a quantidade desconhecida, mas uma infinidade de valores que “variam” de acordo com os valores de outra quantidade. Na análise de equações indeterminadas, realizada por Descartes, introduz-se a ideia de que uma equação em x e y é um modo de representar uma dependência entre duas quantidades variáveis, de modo que se possam calcular os valores de uma delas a partir dos valores da outra. Podemos dizer, portanto, que nas curvas estudadas por Descartes a relação entre as quantidades indeterminadas é de tipo funcional, uma quantidade sendo associada à outra por meio de uma equação. As quantidades ocupam um lugar geométrico representado por uma curva que pode não respeitar a restrição atual de que, a cada valor da abscissa, corresponda apenas uma ordenada. Uma circunferência, por exemplo, é um exemplo de curva que, hoje em dia, não seria considerada uma função. Esta característica não importa no momento, vez que estamos falando somente de relações entre variáveis que estão sobre uma curva, o que antecede o conceito de função propriamente dito. Ainda que os tipos de relação entre variáveis não fossem tematizados na época, havia uma concepção implícita de que estas relações eram dadas por expressões analíticas de curvas algébricas ou por meio de séries infinitas. Diversos exemplos demandavam o uso de séries infinitas, o que levou a uma ampliação do universo de objetos considerados centrais na Matemática da época. As curvas constituíam o principal objeto da Matemática neste momento e mencionaremos dois problemas paradigmáticos, associados ao estudo das curvas: o cálculo de tangentes e o cálculo de área sob uma curva. 29 UNIDADE A Matemática na Idade Moderna Cálculo de Tangentes Na Antiguidade, segundo Roque e Carvalho (2012), o problema de encontrar tangentes a curvas era tratado de modo puramente geométrico. No século XVII, a importância de se determinar tangentes a curvas passou a ser justificada pelo estudo do movimento, vez que a tangente a uma curva fornece a direção do vetor velocidade de um móvel que percorre esta curva. Mas para Descartes, não devia ser permitido empregar um movimento depen- dente do tempo para encontrar a tangente a uma curva e, na Geometria, ele pro- põe o seguinte método algébrico. Deve-se traçar uma circunferência (Descartes chamava de círculo, mas não significando o disco, apenas sua fronteira), com centro sobre um eixo coordenado, interceptando a curva dada por uma equação. Em geral, esta circunferência corta a curva em dois pontos, C e E. O método cartesiano se resume em encontrar qual deve ser o centro da circunferência de modo que estes dois pontos interceptados na curva se reduzam a um só. Vejamos como era feito. Suponhamos que a equação da curva seja dada por f(x,y) e que o ponto C no qual queremos encontrar a tangente tenha coordenadas (a,b). Tomemos outro ponto F sobre o eixo coordenado, com coordenadas (c,0), conforme indicado na figura a seguir: F(c,0) C(a,b) f(x,y)E Fonte: Roque e Carvalho, 2012 A equação da circunferência com centro em F passando por C é (x – c)2 + y2 = (c – a)2 + b2. Se eliminarmos y entre esta equação e a equação f(x,y) = 0 temos uma equação em x que determina as abscissas dos pontos onde o círculo corta a referida curva. Determinamos em seguida o valor da abscissa c tal que esta equação em x tenha raízes iguais, ou seja, apenas um valor real para a raiz. Dessa forma, o círculo com centro no ponto F (c,0) toca a curva apenas no ponto C (a,b) e a tangente à curva será a tangente à circunferência neste ponto. Logo, quando esta circunferência é conhecida podemos construir a tangente. 30 31 Fermat também apresenta uma maneira de encontrar tangentes em seu Método para a procura do máximo e do mínimo, publicado em 1637, mesmo ano da Geometria de Descartes. Roque e Carvalho (2012, p.268) apresentam este exemplo: Seja a parábola BDN, de vértice D e eixo AD, conforme a figura a seguir. Se B é um ponto sobre a parábola, traça-se por este ponto uma perpendicular ao eixo, passando pelo ponto C. Em seguida, traça-se uma reta BE tangente à parábola cortando o eixo no ponto E. Como temos B e E, fica fácil determinar uma reta por dois pontos. Resta determinar, portanto, a posição do ponto E. A B C I D E N O Fonte: Roque e Carvalho, 2012 Seja O um ponto qualquer sobre a reta BE. Traçam-se as ordenadas OI do ponto O e BC do ponto B. Se o ponto O estiver sobre a parábola, teríamos que DC DI BC OI = 2 2 . Como o ponto O é exterior à parábola, temos que DC DI BC OI > 2 2 . Por semelhança de triângulos, BC OI CE IE 2 2 2 2= , logo DC DI CE IE > 2 2 . Mas o ponto B é dado, portanto, temos a ordenada BC, o ponto C e DC. Assim, denominando DC = d, CI = b, CE = a, em que CE é o que se quer determinar e CI a quantidade a ser ajustada. Obtemos assim a desigualdade:d d b a a b a a b abd da db abd da a b − > −( ) = + −( ) ⇒ + − > − 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 . O ponto central do método de Fermat está na aplicação de um procedimento que ele atribui a Diofanto, chamado adequação ou uma igualdade aproximada. É o que se obtém a partir da desigualdade encontrada. Retirando os termos comuns e dividindo tudo por b, obtemos da a da+ ≈ 2 . Supondo que O é suficientemente próximo de B e está sobre a parábola, podemos desprezar o termo db e a desigualdade se torna uma igualdade. Conclui-se, então, que a da a d2 2 2= ⇒ = . Achamos, assim, a posição do ponto E procurada. Note que dessa forma Fermat encontra a subtangente à curva, que é a projeção sobre um eixo, especialmente sobre um eixo de coordenadas, do segmento da tangente compreendido entre o ponto de contato de uma curva e o ponto onde a tangente encontra o eixo considerado. Daí é imediato calcular a tangente. Esse método é característico do cálculo infinitesimal que seria desenvolvido mais tarde por Leibniz e Newton. Além disso, vale observar que o método de Descartes só funciona para curvas algébricas (as únicas que lhe interessavam), ao passo que o método de Fermat pode funcionar para qualquer curva, desde que justificado pelo método infinitesimal. 31 UNIDADE A Matemática na Idade Moderna O Cálculo de Áreas por Meio de Decomposições Infinitas No século XVII, Cavalieri e Pascal já calculavam áreas usando a decomposição de uma figura. Para Bonaventura Cavalieri (1598-1647), segundo Roque e Carvalho (2012), uma linha era composta por um conjunto de pontos, assim como um cordão é composto por contas; um plano é feito de linhas, assim como uma roupa de fios; um sólido é composto de planos, assim como um livro de folhas. E a área de uma figura seria a soma de um número indefinido de segmentos de reta paralelos e seu volume seria a soma de um número indefinido de áreas paralelas. Estes seriam, então, respectivamente, os indivisíveis de área e de volume. Uma consequência deste método é que dois sólidos com a mesma altura terão os volumes numa razão, se todas as seções, obtidas de cortes paralelos à base estiverem na mesma área. Usando este princípio, Cavalieri provou que o volume do cone é um terço do volume do cilindro circunscrito. Após a publicação da Geometria de Descartes, Cavalieri também usou coordenadas para calcular pelo seu novo método a quadratura da parábola. A praticidade do método de Cavalieri fez com que ele fosse amplamente utilizado em sua época. Era uma maneira eficaz de evitar os procedimentos infinitos indiretos usados pelos gregos. Por outro lado, Fermat, Roberval e Pascal utilizavam o método dos indivisíveis concebendo, entretanto, a área como uma soma de retângulos infinitamente pequenos, em vez de uma soma de linhas. Surge então, no século XVII, uma nova maneira de calcular áreas e volumes, distinta do método de exaustão de Arquimedes. Ao passo que os gregos usavam diferentes tipos de figuras retilíneas para aproximar uma área curvilínea, como os triângulos usados na quadratura da parábola, fundava-se agora um procedimento sistemático que usava retângulos. A vantagem é que a aproximação por retângulos “infinitamente finos” serve para qualquer figura curvilínea, como o exemplo típico fornecido por Fermat e Blaise Pascal (1623-1662). O B E Fonte: Roque e Carvalho, 2012 32 33 Se O é o vértice da parábola, podemos colocá-lo na origem do sistema de coordenadas cujo eixo dos y seja paralelo ao eixo da parábola. Nesse sistema, então, a parábola terá equação y = kx2. Vamos encontrar a área do setor parabólico determinado pelo eixo das abscissas, a parábola e a reta que passa por E e corta este eixo no ponto B. Entre O e B, marca-se n pontos equidistantes e seja d OB n = . Constroem-se os retângulos, como indicado na figura, cujas bases medem d e suas alturas, de acordo com a equação da parábola, são d2, 4d2, 9d2, ... , n2d2. Para encontrar a área, somam-se as áreas de todos estes retângulos. S d d d n d d n= + + + + = + + +( )3 3 3 2 3 3 2 2 24 9 1 2 3 Motivados por problemas deste tipo, Pascal e Fermat já haviam calculado somas de m-ésimas potências dos primeiro n números naturais. S n n n n n n = +( ) +( ) = + + 6 1 2 1 3 2 6 3 2 E como d OB n = , a soma S d n n n OB n n = + + = + + 3 3 2 3 23 2 6 1 3 1 2 1 6 . Quando o número de retângulos aumenta, os dois últimos termos ficam muito pequenos e podem ser desprezados, ficando S OB= 3 3 . Se OB é a coordenada x de um ponto da parábola, S x= 3 3 , que é justamente o resultado quando integramos, pelos procedimentos atuais, a função que define a parábola. É um procedimento diferente do usado pelos gregos. O número de retângulos cresce arbitrariamente ou, na linguagem atual, tende para o infinito. Toma-se o limite da soma, quando n tende ao infinito, embora esse procedimento de passar ao infinito não fosse ainda explicitado na época. Também é fácil verificar que este procedimento se estende para qualquer outra curva, desde que tenhamos a sua expressão analítica. Outra diferença é que o resultado neste procedimento é o cálculo da área, e não outra área, como no procedimento dos gregos. Os métodos analíticos utilizados por Descartes e Fermat motivaram o estudo das Propriedades Aritméticas de série infinitas na Inglaterra, sobretudo por John Wallis (1616-1703) e James Gregory (1638-1675). Wallis foi o primeiro responsável a utilizar o símbolo “∞” para designar o infinito e utilizou o método dos indivisíveis para fazer diversas quadraturas. Um dos seus resultados mais importantes foi obtido nas tentativas de calcular analiticamente a área de um círculo, o que forneceu uma boa aproximação para o número π. Outros dois nomes que tiveram grande influência sobre Newton e Leibniz foram, respectivamente, o matemático e teólogo inglês Isaac Barrow(1630-1677), que foi professor de Newton, e o matemático, físico e astrônomo holandês Christiaan Huygens (1629-1695). 33 UNIDADE A Matemática na Idade Moderna Huygens foi uma das figuras mais importante da Revolução Científica. Autor de uma pequena obra sobre o cálculo de probabilidade foi na área de Física que o seu trabalho mais se destacou, tanto na Mecânica como na ótica (teoria ondulatória da luz, oposta à teoria corpuscular de Isaac Newton), o que lhe permitiu aperfeiçoar o telescópio de Galileu, de cuja utilização resultaram grandes descobertas astronômicas, como a observação de um satélite de Saturno, o Titã. Apesar de serem inúmeras as invenções e descobertas de Huygens, foi na Mecânica que o seu trabalho mais se destacou. Leibniz estudou Matemática e Física com Huygens. Segundo Roque e Carvalho (2012), apesar das restrições à legitimidade do uso dos métodos infinitesimais, eles permitiam resolver um grande número de problemas, como encontrar tangentes a uma variedade de curvas, calcular a quadratura ou retificar curvas. Antes de calcular o limite, a derivada era sempre a de uma curva; portanto, identificava-se com a tangente à curva, como a melhor aproximação linear da curva num ponto. O interesse por questões deste tipo foi motivado por dois desenvolvimentos paralelos: o movimento passou a ser representado por curvas; e as curvas passaram a ser expressas por equações. Por outro lado, as equações passaram a descrever movimentos e as tangentes às curvas passaram a representar a velocidade do movimento. Assim, as tangentes deixaram de ser definidas por propriedades geométricas globais (reta que toca a curva em apenas um ponto) e passaram a ser definidas localmente de modo dinâmico (reta que aproxima localmente a curva). A partir daí o problema de encontrar a velocidade de um corpo em um determinado instante pode ser visto como o equivalente do problema matemático de se encontrar a tangente a uma determinada curva descrita algebricamente. Essa associação foi uma das motivações para o surgimento do cálculo infinite- simal. Mesmo assim, oproblema de achar a tangente a uma curva e o de encon- trar taxas de variação ainda eram estudados separadamente. O Cálculo de Leibniz e de Newton Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) e Isaac Newton (1643-1727) desenvolveram paralelamente os estudos sobre o Cálculo e seguem as principais características que os distinguem. O cálculo de Newton era intimamente ligado ao estudo de quantidades variáveis com o tempo, enquanto o cálculo de Leibniz considerava quantidades que variam em uma sequência de valores infinitamente próximos; daí a estreita relação de seus procedimentos com o estudo de séries. 34 35 Assim, ao passo que o conceito fundamental do cálculo newtoniano é o de fluxão, que pode ser traduzido como velocidade ou taxa de variação de uma quantidade em relação ao tempo, o conceito fundamental do cálculo leibniziano é o de diferencial, que é uma diferença infinitamente pequena entre valores sucessivos de uma série. Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons Newton nasceu no ano da morte de Galileu Galilei, em Woolsthorpe, Inglaterra. Ele veio de uma família abastada, embora seu pai tivesse pouca educação formal, teve uma infância infeliz, não tendo conhecido seu pai, que morreu antes que ele completasse um ano de idade. Sua mãe se casou com o ministro da Igreja de um vilarejo próximo e o jovem Isaac foi deixado com seus avós. Há indícios de que Newton sofreu de forte ressentimento pelo casamento da mãe, ao mesmo tempo em que não desenvolveu vínculos fortes com os avós. Pouco se conhece sobre o que Isaac teria aprendido antes de ingressar na Universidade, particularmente em Matemática. Ao receber sua graduação, em abril de 1665, Newton não havia ainda mostrado toda a sua genialidade. Em 1665, a Universidade foi fechada por causa da epidemia da peste negra, que se espalhava por toda a Europa e Inglaterra. Newton se recolheu na casa de sua mãe onde aprofundou, por conta própria, seus estudos e investigações. Com menos de 25 anos de idade ele iniciou sua carreira fazendo contribuições importantes para a Matemática, Mecânica, Ótica e Astronomia. Neste período, como ele próprio relatou depois, fez quatro de suas grandes descobertas: o teorema binomial, o cálculo, a lei da gravitação universal e a natureza das cores. O método dos fluxões, como ele denominava o cálculo, estava baseado no reconhecimento fundamental de que as operações de derivação e integração estavam associadas, sendo simplesmente uma a operação inversa da outra. Partindo da derivação com operação básica, ele desenvolveu técnicas analíticas que unificavam diversas abordagens anteriores para solucionar questões que antes 35 UNIDADE A Matemática na Idade Moderna se julgava serem não correlacionadas, tais como o cálculo de áreas, tangentes a curvas, comprimento de segmentos de curvas e a localização de máximos e mínimos de funções. As maiores contribuições de Newton para a Física foram suas descobertas sobre a mecânica e a gravitação universal. Em 1686, Halley, astrônomo e amigo de Newton, convenceu-o a publicar uma descrição completa de suas descobertas sobre Física e Astronomia. Um ano mais tarde, Newton publicou o Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, ou simplesmente Principia, como se tornou conhecido o livro, considerado por muitos historiadores da Ciência como o maior livro científico já escrito. As obras de Newton sobre o cálculo ficaram abandonadas por quase meio século, chegando ao conhecimento da comunidade científica e de todos os estudiosos da época, após muitos anos de anonimato. Este fato deveu-se ao próprio Newton, que era reservado em suas próprias comunicações, e também às dificuldades da época em se publicar complexos trabalhos matemáticos Leibniz nasceu em Leipzig, Alemanha, filho de um professor de Filosofia moral e cristão fervoroso. Leibniz perdeu o pai com apenas seis anos e aprendeu com a mãe os valores religiosos e éticos que nortearam sua vida e filosofia. Na escola, ele aprendeu a Lógica de Aristóteles, mas, insatisfeito com esta Filosofia, dominante na época, iniciou o desenvolvimento de suas próprias ideias sobre como aperfeiçoá-la. Ainda criança, apreciava ler os livros de seu pai sobre Metafísica e Teologia nas visões de escritores católicos e protestantes. Ele próprio reconheceu mais tarde que uma constante em sua vida era a preocupação em estabelecer um ordenamento por trás do pensamento lógico e da dedução matemática, assim como uma tentativa sempre presente de es- tabelecer contatos entre pontos de vista conflitantes e o de unificar os diversos sistemas de pensamento. Uma vez formado, Leibniz iniciou uma carreira voltada para a diplomacia enquanto participava em diversos projetos científicos, literários e políticos. Um de seus projetos permanentes era a intenção de reunir de forma organizada todo o conhecimento acumulado até a sua época. Simultaneamente, Leibniz começou a estudar o movimento buscando explicar os resultados obtidos por Huygens sobre colisões elásticas e publicou, em 1671, a obra Hypothesis Physica na qual afirmava, em acordo com Kepler, que o movimento é decorrente da ação do espírito sobre a matéria. Nesse período, passou a se comunicar com Oldenburg, o secretário da Royal Society de Londres, um dos responsáveis por seu contato com Isaac Newton. Diferente de Newton, Leibniz apreciava viajar pela Europa fazendo contatos com outros matemáticos e filósofos, aproveitando-se de sua posição como diplomata. Em Paris, no ano de 1672, Leibniz estudou Matemática e Física com Christiaan Huygens, de quem recebeu a sugestão de trabalhar com séries. 36 37 Em 1673, Leibniz visita a Royal Society em Londres, onde apresentou sua tentativa incompleta de construir sua calculadora. Nesta ocasião, em contatos com Hooke e Boyle, ele se atualizou sobre os resultados mais recentes obtidos em séries. Mais tarde, embora ausente de Londres, Leibniz recebeu críticas na Royal Society, especialmente no que se referia à máquina de calcular. No entanto, estas críticas tiveram um efeito interessante sobre Leibniz: ele percebeu que seus conhecimentos em Matemática necessitavam de aprimoramento e redobrou seus esforços no aprofundamento desta disciplina. Aceito como membro da Royal Society de Londres, em 1673, iniciou um estudo sobre a Geometria dos infinitesimais, trocando correspondência sobres estes esforços com Oldenburg que, por sua vez, informou-o sobre os avanços de Newton nesta área. Deve-se notar que, neste período, Leibniz não gozava de grande reputação com os membros Royal Society devido à sua incapacidade de concluir sua máquina calculador; por outro lado, Oldenburg desconhecia que ele havia, devido aos esforços para se superar, transformado-se em um gênio criativo da Matemática. Nessa mesma época em Paris, Leibniz começou a desenvolver os princípios de sua versão do cálculo. Consciente de que, para o pleno desenvolvimento de uma ferramenta matemática, era necessária a adoção de uma notação consistente e de fácil manipulação, ele dedicou um bom tempo para o estabelecimento de sua notação, que é basicamente a mesma que usamos até hoje. Durante as viagens que fez pela Europa, Leibniz estabeleceu contato com diversos matemáticos importantes da época. Ele estudou Matemática e Física com Christian Huygens em Paris, em 1672, e esteve com Hooke e Boyle em Londres, no ano de 1673. Na mesma ocasião, ele adquiriu diversos livros sobre Matemática, inclusive os trabalhos de Barrow, com quem manteve extensa correspondência. Retornando para Paris, Leibniz realizou importantes contribuições na área do cálculo, julgando que seu trabalho fosse muito diferente do de Newton, que tratava as variáveis como funções do tempo, enquanto Leibniz considerava suas variáveis x e y como valores assumidos sobre sequências de valores infinitamente próximos. Ele introduziu a noção de dx e dy como diferenças entre valores próximos dentro destas sequências. Leibniz sabia que podia calcular a inclinação da tangente comody dx mas não usou este fato como definição da reta tangente. Para Newton, a integração consistia em se encontrar fluentes para um dado fluxo e, desta forma, a complementariedade da diferenciação e da integração como operações inversas estava implícita. 37 UNIDADE A Matemática na Idade Moderna Leibniz usava a integração como uma soma, de forma muito similar àquela usada por Cavalieri e, mais recentemente, por Riemann. Ele também se sentia à vontade com o uso dos infinitesimais dx e dy, enquanto Newton usava a notação x . e y . que representavam velocidades finitas. Nem Leibniz, nem Newton pensavam em termos de funções e sim em termos dos gráficos envolvidos. Para Newton, o cálculo era formado por operações geométricas enquanto Leibniz fez maior progresso na direção da análise. Em 1684, Leibniz publicou em detalhes seu método sobre o cálculo diferencial em um jornal denominado Acta Eruditorum um artigo de extenso nome, Um novo método para máximos e mínimos, e também para tangentes não obstruídas por irracionais. Nesse artigo, ele usa a notação hoje familiar de df para a diferencial de uma função, as regras para a derivação de potências, produtos e quocientes de funções. No entanto, nem todas as demonstrações estavam presentes. Em 1686, Leibniz publicou um novo artigo sobre o cálculo integral. O livro de Newton, Principia, apareceu no ano seguinte. O método dos fluxões foi desenvolvido em 1671, mas permaneceu não publicado até 1736, com a tradução para o inglês de John Colson. Este atraso na publicação, em parte motivado pela relutância de Newton em aceitar a exposição e críticas dos colegas matemáticos, foi o responsável pelo conflito e disputas com Leibniz pela autoria da criação do Cálculo, disputa esta exacerbada entre os apoiadores de cada um desses dois grandes matemáticos. Entre seus correspondentes, Leibniz estabeleceu, com Samuel Clarke, um defensor de Newton, um debate sobre os conceitos newtonianos de espaço e tempo, ação à distância e atração gravitacional através do vácuo. Parte desta discussão afetou, mais tarde, o pensamento de Albert Einstein, levando-o à construção da nova teoria mecânica e da atração gravitacional exposta pela Teoria da Relatividade. No entanto, a defesa apaixonada da posição de Newton e a recusa em adotar a terminologia e notação de Leibniz fizeram com que os progressos do cálculo fossem retardados na Inglaterra, enquanto na Europa continental os seguidores de Leibniz promoviam um avanço mais rápido da Ciência. O Cálculo de Leibniz Segundo ele próprio, sua primeira inspiração para a invenção do Cálculo foi retirada do Tratado dos senos dos quartos de círculo de Pascal. O método exposto nesta obra foi usado pelo autor para demonstrar resultados sobre quadraturas, mas Leibniz extrai dele o seu triângulo característico, uma ideia bem mais geral que pode ser usada em diversos outros casos em seus trabalhos. 38 39 O triângulo característico ou diferencial de Leibniz é assim obtido: dada uma curva, para cada ponto T da curva, Leibniz considera os triângulos retângulos BCD (chamado característico), EFT e AET, conforme a figura a seguir: A E F D C T B O triângulo característico de Leibniz BCD Das semelhanças entre estes triângulos, Leibniz encontrou importantes relações, tais que, ao se considerar os lados de BCD como infinitesimais, ele deduziu os principais resultados sobre tangentes, quadraturas e retificação de curvas. Fazendo e ∆ = ∆ =y CD x BDe , esse método exprime analiticamente todos os elementos do problema, fazendo com que a relação se torne uma relação infinitesimal dy dx entre as grandezas do triângulo característico. Se para Newton a ideia central do cálculo era a de taxa de variação (velocidade), para Leibniz era a de diferencial. Embora sem dar uma definição precisa (nem havia como), diferencial para Leibniz era uma diferença entre dois valores infinitamente próximos de uma variável. Muito mais preocupado do que Newton com simbologia, fórmulas e regras, Leibniz acabou optando pela notação dx,dy, ...para as diferenciais de x, y,..., respectivamente. E num artigo de 1682 estabeleceu regras como: I. da = 0, se a é uma constante; II. d(u + v) = du + dv; III. d(uv) = udv + vdu. Na dedução de (III) Leibniz desprezou (du). (dv), pois sempre procedia, assim, com produtos de diferenciais, já que sendo infinitésimos, considerava o produto desprezível. Seu cálculo integral foi explicado noutro artigo, dois anos depois. A relação deste com o cálculo diferencial, cerne da questão, é focalizada em termos de somatórios de áreas infinitesimais. Cada uma destas áreas sob a curva y = y(x) é dada por ydx. 0 A dx y ydxy=y(x) C B D x 39 UNIDADE A Matemática na Idade Moderna Inventou o símbolo ∫ (um S alongado) para a soma de todas as áreas. Logo, a área total sob a curva y = y(x) é ∫ ydx. Sendo área(OCD) – área(OAB) = ydx, então d ∫ ydx = ydx, o que mostra invertibilidade de d e ∫. Segundo Roque e Carvalho (2012), essas quantidades que estão entre a existência e o nada são justamente as grandezas não atribuíveis de Leibniz. Durante muitos anos, os matemáticos se debateram com o problema de fundamentar o uso de quantidades infinitamente pequenas, os “elementos infinitesimais”, também chamados de “diferenciais”. O problema dos fundamentos deriva do fato de que o cálculo leibniziano empregava os chamados “elementos infinitesimais”, que ele designou por dx e dy. Tais quantidades eram utilizadas nos cálculos como quantidades auxiliares, com muito êxito. Por exemplo, para encontrar a derivada a uma curva de equação y = x2, era preciso tomar a diferença entre as ordenadas de dois pontos vizinhos, obtendo-se que d(x2) = (x + dx)2 – x2 = 2xdx + (dx)2. Logo, dy dx x= 2 . No resultado, o último termo deveria ser desprezado, vez que possui, comparativamente, ordem de grandeza bem menor que a do primeiro. Este procedimento obtinha sucesso nos cálculos e nas aplicações, mas o que es- tava em jogo na discussão sobre os fundamentos, não era a utilização destas quan- tidades não finitas nos cálculos, mas sim o estatuto destas quantidades, que suscitou críticas e controvérsias, em relação às quais Leibniz ofereceu várias justificativas. Uma de suas respostas mais convincentes foi a observação de que o quociente de duas diferenciais dy dx designa uma razão que não é o mesmo que a divisão infundada de duas quantidades infinitamente pequenas dy e dx. Logo, esta relação não pode ser entendida como um quociente entre duas quantidades infinitamente pequenas, o que equivaleria, no fim das contas, à divisão de 0 por 0. Trata-se de uma relação cuja natureza é independente dos termos que a compõem, ou seja, esta relação não é uma quantidade. Justamente por isso, mais tarde, ela será expressa por uma função. O Cálculo de Newton No final de 1664, Newton parecia ter atingido as fronteiras do conhecimento matemático e estava pronto para fazer contribuições próprias. Suas primeiras descobertas, em 1665, resultaram em exprimir funções em termos de séries infinitas. Neste mesmo ano, Newton também começou a pensar na taxa de variação ou fluxo de quantidades variáveis continuamente ou fluentes, tais como comprimentos, áreas, volumes, distâncias, temperaturas. 40 41 Ele relacionou esses dois problemas, das séries infinitas e das taxas de variação em seu Método. Essa importante descoberta, o método dos fluxos ou das fluxões, ele comunicou a Barrow em 1669. Seu Method of Fluxions, embora escrito em 1671, só foi publicado em 1736, anos depois de sua morte. Nesse trabalho, uma curva era gerada pelo movimento contínuo de um ponto no tempo. Feita essa suposição, a abscissa e a ordenada de um ponto gerador passam a ser, em geral, quantidades variáveis. Newton denominava uma quantidade variável de fluente (uma quantidade que flui com o passar do tempo) e sua taxa de variação era denominada de fluxo (ou fluxão) do fluente. Se um fluente, como a ordenada do ponto gerador,
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