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0 CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI GEOMETRIA PLANA GUARULHOS – SP 1 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 7 2 A MATEMÁTICA NA GRÉCIA ................................................................................... 8 2.1 Origens da matemática grega ................................................................................ 8 2.2 Tales de Mileto ...................................................................................................... 9 2.3 Pitágoras .............................................................................................................. 10 2.4 Platão................................................................................................................... 11 2.5 Aristóteles ............................................................................................................ 13 2.6 Álgebra e geometria na Grécia Antiga ................................................................. 14 2.7 Euclides ............................................................................................................... 15 2.8 Arquimedes .......................................................................................................... 16 2.9 Diofante ............................................................................................................... 17 2.10 Ptolomeu .............................................................................................................. 18 2.11 Declínio da matemática grega ............................................................................. 19 2.12 Técnicas da matemática grega na sala de aula ................................................... 20 2.13 O desafio da pirâmide .......................................................................................... 20 2.14 Triângulo pitagórico ............................................................................................. 22 3 MATEMÁTICA NOS SÉCULOS XVII A XIX ............................................................. 24 3.1 As eras Bernoulli e Euler ..................................................................................... 24 3.2 A família Bernoulli ................................................................................................ 24 3.3 Leonhard Euler .................................................................................................... 28 3.4 A matemática na Revolução Francesa e no século XIX ...................................... 30 2 3.5 Influências em sala de aula ................................................................................. 35 3.6 Interpretação do teorema do valor médio ............................................................ 35 4 DESENVOLVIMENTO DA MATEMÁTICA NO SÉCULO XX ................................... 37 4.1 A matemática entre os séculos XIX e XX ............................................................ 37 4.2 Jules Henri Poincaré ............................................................................................ 37 4.3 Conjectura de Poincaré ....................................................................................... 38 4.4 David Hilbert ........................................................................................................ 38 4.5 Matemáticos de destaque no século XX .............................................................. 40 4.6 Kurt Gödel ............................................................................................................ 40 4.7 Alan Turing .......................................................................................................... 41 4.8 As máquinas podem pensar? .............................................................................. 43 4.9 Benoît Mandelbrot ............................................................................................... 44 4.10 Quanto mede o litoral da Grã-Bretanha? ............................................................. 44 4.11 Cálculo da dimensão fractal ................................................................................. 45 4.12 A matemática do século XX na sala de aula ........................................................ 46 5 A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E O ENSINO DE MATEMÁTICA ..... 49 5.1 Educação matemática e BNCC ........................................................................... 49 5.2 BNCC para os anos finais do ensino fundamental e para o ensino médio .......... 51 5.3 Anos finais do ensino fundamental ...................................................................... 51 5.4 Ensino médio ....................................................................................................... 53 5.5 Currículo escolar e BNCC .................................................................................... 54 6 DESENVOLVIMENTO DA GEOMETRIA, ANÁLISE E ÁLGEBRA .......................... 57 3 6.1 Desenvolvimento da geometria ........................................................................... 57 6.2 Gaspar Monge ..................................................................................................... 57 6.3 Jean Victor Poncelet ............................................................................................ 58 6.4 Princípio da dualidade e princípio da continuidade .............................................. 59 6.5 Michel Chasles .................................................................................................... 60 6.6 Cross-ratio ........................................................................................................... 61 6.7 Jakob Steiner ....................................................................................................... 61 6.8 Elipse de Steiner .................................................................................................. 61 6.9 Bernhard Riemann ............................................................................................... 64 6.10 Felix Klein ............................................................................................................ 64 6.11 Desenvolvimento da análise e álgebra ................................................................ 66 6.12 Voltando a Riemann ............................................................................................ 66 6.13 Karl Weierstrass .................................................................................................. 67 6.14 George Cantor ..................................................................................................... 67 6.15 Julius Wilhelm Richard Dedekind ........................................................................ 69 6.16 George Boole ....................................................................................................... 69 6.17 Augustus de Morgan ............................................................................................ 70 6.18 William Rowan Hamilton ...................................................................................... 70 6.19 Hermann Günter Grassmann ............................................................................... 71 6.20 Arthur Cayley ....................................................................................................... 71 6.21 James Joseph Sylvester ...................................................................................... 72 6.22 Geometria descritiva em sala de aula .................................................................. 73 4 6.23 Elementos básicos da geometria descritiva ......................................................... 74 6.24 Método Mongeano ...............................................................................................76 6.25 Espaços projetivos ............................................................................................... 76 7 OS PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS E O ENSINO DE MATEMÁTICA ................................................................................................................................78 7.1 PCN: matemática no ensino fundamental ............................................................ 83 7.2 PCN: matemática no ensino médio ..................................................................... 88 7.3 Tema 1. Álgebra: números e funções .................................................................. 91 7.4 Tema 2. Geometria e medidas ............................................................................ 91 7.5 Tema 3. Análise de dados ................................................................................... 92 8 SEGMENTOS E ÂNGULOS .................................................................................... 93 8.1 Semirreta e segmento de reta ............................................................................. 93 8.2 Tipos de ângulos ................................................................................................. 96 8.3 Teoremas envolvendo segmentos e ângulos ...................................................... 99 9 POSIÇÕES RELATIVAS À INTERSEÇÃO DE DUAS RETAS .............................. 104 9.1 Interseção entre retas ........................................................................................ 104 9.2 Classificação de retas ........................................................................................ 106 9.3 Paralelismo e coincidentes ................................................................................ 106 9.4 Concorrentes e reversas .................................................................................... 109 9.5 Retas planares e coplanares ............................................................................. 111 10 ESTUDO DA RETA NO PLANO ............................................................................ 115 10.1 Equação de reta no plano .................................................................................. 115 5 10.2 Representação de retas no plano cartesiano .................................................... 117 10.3 Retas paralelas aos eixos cartesianos .............................................................. 118 10.4 Avaliação das posições das retas em função do coeficiente angular ................ 119 11 DISTÂNCIA ENTRE PONTOS, RETAS E PLANO ................................................ 119 11.1 Dois pontos ........................................................................................................ 119 11.2 Um ponto e uma reta ......................................................................................... 120 11.3 Um ponto e um plano......................................................................................... 121 11.4 Duas retas ......................................................................................................... 121 11.5 Reta e plano ...................................................................................................... 123 11.6 Dois planos ........................................................................................................ 123 12 ÂNGULOS NO ESPAÇO ....................................................................................... 124 12.1 Retas coplanares ............................................................................................... 124 12.2 Retas reversas ................................................................................................... 124 12.3 Planos ................................................................................................................ 125 13 ÂNGULOS E INTERSEÇÕES ............................................................................... 126 13.1 Ângulo entre retas ............................................................................................. 126 13.2 Interseção entre planos ..................................................................................... 130 14 TRIÂNGULOS ........................................................................................................ 134 14.1 Triângulos e suas linhas transversais ................................................................ 134 14.2 Classificação dos triângulos .............................................................................. 135 14.3 Elementos notáveis de um triângulo .................................................................. 138 15 TEOREMAS SOBRE TRIÂNGULOS ..................................................................... 142 6 15.1 Teorema da base média .................................................................................... 142 15.2 Desigualdade triangular ..................................................................................... 142 15.3 Cálculos e demonstrações ................................................................................. 144 16 TRIGONOMETRIA DO TRIÂNGULO RETÂNGULO ............................................. 149 16.1 Razões trigonométricas no triângulo retângulo .................................................. 149 17 POLÍGONOS ......................................................................................................... 153 17.1 O que são os polígonos? ................................................................................... 153 17.2 Polígonos convexos, côncavos e regulares ....................................................... 155 17.3 Propriedades dos polígonos .............................................................................. 155 17.4 Diagonais de um polígono ................................................................................. 156 17.5 Soma dos ângulos internos de um polígono ...................................................... 157 REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 158 7 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O grupo educacional Faveni, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 8 2 A MATEMÁTICA NA GRÉCIA 2.1 Origens da matemática grega Por volta do século VI a.C., houve um elevado desenvolvimento comercial entre o Egito e a Grécia, possibilitando que o conhecimento dos egípcios ficasse acessível aos gregos. Assim, a matemática, nas mãos dos gregos, começava a assumir uma nova forma (ARAGÃO, 2009). Fonte: www.pt.sodiummedia.com.br A matemática dedutiva passou a vigorar e muito do que sabemos hoje se deve às descobertas e aprimoramentos dos gregos. Muitos dos pensadores que se destacaram nessa disciplina no mundo antigo eram da civilização grega, especialmente durante o período que vai de 800 a.C. a 336 a.C. Foi nessa épocaque a civilização grega teve um elevado crescimento cultural, intelectual e cientifico, considerado por muitos historiadores como o período de maior evolução nessas áreas. Dentre muitos pensadores importantes dessa época, podemos citar os filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles, que em torno de 400 a.C. chamavam a atenção com suas ideais e pensamentos (ZANARDINI, 2017). 9 A seguir, examinaremos as contribuições de alguns pensadores importantes para o desenvolvimento matemático em ordem cronológica, destacando Tales, Pitágoras, Platão e Aristóteles. 2.2 Tales de Mileto Tales, nascido na cidade de Mileto (624 a.C.–548 a.C.), uniu o estudo da astronomia ao da geometria e da teoria dos números, fundando a chamada Escola Ioniana. Desenvolveu um dos trabalhos mais importantes no estudo das proporções. Ele observou que a cada instante a altura dos objetos e o comprimento de suas respectivas sombras projetadas mantinham uma razão constante. Sendo comerciante, fazia muitas viagens e tinha contato com muitos povos diferentes. Numa de suas viagens ao Egito, foi desafiado a medir a altura da grande pirâmide de Quéops. Com o uso de um bastão, aplicou seus conhecimentos sobre segmentos proporcionais, comparando a altura do bastão e de sua sombra com a altura da pirâmide e sua sobra (ARAGÃO, 2009). Matematicamente, Tales de Mileto desenvolveu a proporção para os segmentos de duas retas transversais a um feixe de retas paralelas, conforme exemplifica a Figura 1. 10 Nesse caso, a razão entre as medidas de dois segmentos quaisquer de uma delas é igual à razão entre as medidas dos segmentos correspondente da outra, ou seja: Tales de Mileto é considerado por muitos pesquisadores o criador da geometria dedutiva, sendo a ele atribuídas as primeiras demonstrações matemáticas, incluindo os resultados ou as tentativas de demonstração dos seguintes resultados sobre figuras planas: todo círculo é dividido em duas partes iguais por seu diâmetro; os ângulos da base de um triângulo isósceles são iguais; o ângulo inscrito em um semicírculo é reto; quando duas retas se interceptam, os ângulos opostos são iguais; os lados de triângulos semelhantes são proporcionais; dois triângulos são congruentes se possuem dois ângulos e um lado iguais. Vale lembrar que tanto a geometria quanto a aritmética praticada na Mesopotâmia e no Egito nessa época se preocupavam apenas em resolver problemas práticos, sem se preocupar com os princípios filosóficos matemáticos (BOYER; MERZBACH, 2018). 2.3 Pitágoras Pitágoras (580 a.C–500 a.C) nasceu na cidade Samos, próxima à cidade de Mileto, e foi aluno de Tales. Após se estabelecer na cidade de Crotona, na atual Itália, teve início a formação de uma irmandade religiosa, filosófica e científica chamada Escola Pitagórica, onde foram abertas as portas pela primeira vez às mulheres. Na Escola Pitagórica, em que os conhecimentos eram transmitidos de forma oral, dava-se grande destaque aos estudos de aritmética, música, geometria e astronomia. 11 Seus membros tinham a ideia de que o universo era aritmético e que, no fundo, todas as coisas são números (BOYER; MERZBACH, 2018). São atribuídas a Pitágoras a definição do ponto como unidade com posição, a classificação dos ângulos e a concepção geométrica do espaço como entidade homogênea, contínua e limitada. Além disso, foi o primeiro a desenhar poliedros regulares convexos e demonstrou que não existe qualquer fração racional cujo quadrado é dois, sendo um dos mais belos raciocínios matemáticos (ARAGÃO, 2009). Mas talvez o trabalho mais famoso atribuído a Pitágoras seja o teorema de Pitágoras, segundo o qual as medidas dos catetos de um triângulo retângulo, b e c, e a medida do maior lado do triângulo, chamado de hipotenusa, representado por a, são relacionadas pela equação: É importante frisar que esse resultado já era conhecido na geometria da Mesopotâmia e do Egito e que não existem evidências de que Pitágoras ou os pitagóricos tenham trabalhado nele (MOL, 2013). A escola de Pitágoras foi destruída após uma rebelião popular e a irmandade pitagórica deixou de existir como um grupo organizado, mas muitos dos seguidores ainda mantiveram seus estudos e atividades por mais dois séculos. 2.4 Platão Por volta do século V a.C., a cidade de Atenas consolidou-se como o principal centro econômico e cultural do mundo helênico, tornando-se referência com em seu estilo de governo, a democracia. Nesse período, o debate público era a base para esse sistema democrático, o que levou ao compartilhamento de conhecimento e ideias. Assim, a primeira grande escola filosófica ateniense foi a dos sofistas, que eram professores que vendiam seus conhecimentos e treinavam cidadãos para os confrontos verbais. Nesse ambiente de debates verbais e assembleias públicas, a cidade de Atenas teve a maior 12 contribuição para a estruturação da matemática na Grécia Antiga dada pelo filósofo Platão (427 a.C.–347 a.C.). A escola chamada de Academia foi fundada por Platão e durante um século dominou a vida filosófica da cidade. A Academia pode ser considerada como o primeiro exemplo de instituição de ensino e pesquisa de alto nível. Era uma escola destinada ao estudo, pesquisa e ensino da filosofia e da ciência, e tinha na matemática sua principal disciplina, sendo considerada indispensável para a formação intelectual do cidadão. Dessa forma, a Academia se tornou o centro dos trabalhos matemáticos mais importantes do seu tempo, apesar de não se ter provas de contribuições técnicas de Platão para a matemática (MOL, 2013). Segundo o autor, Platão foi influenciado por Pitágoras na visão de como a matemática estruturava o universo, porém diferenciava-se na concepção geométrica, contrastando com a concepção aritmética pitagórica. Para Platão, a matemática era um domínio autônomo e autossuficiente, cujas verdades podem ser conhecidas a priori, independentemente dos sentidos. Essa maneira de pensar influenciou a própria concepção de demonstração, pois apenas o uso do raciocínio dedutivo passou a ser permitido, não sendo admitido o recurso à experiência sensível. Para Platão, os objetos sensíveis são suscetíveis a mutações, enquanto seus modelos abstratos são imutáveis, eternos e universais. Assim, exigia-se na matemática o uso do método analítico das demonstrações com a identificação clara da tese que se deseja provar. Platão criou novos modelos para compreender e desenvolver a estrutura e a natureza da matemática. Sabia do caráter abstrato dos objetos matemáticos ao distinguir o “mundo real”, onde vivem os objetos sensíveis, do “mundo das ideias”, alcançado pela razão. Pode-se dizer que a maior contribuição de Platão para a matemática foi a concepção da matemática pura. Talvez pela falta de registros, muitos historiadores acreditam que Platão era obcecado pela matemática, embora não fosse um matemático em si, sendo muito provável que nunca tenha resolvido uma questão geométrica. Suas contribuições à geometria estão mais no melhoramento de seu método do que em adições a seu conteúdo. De qualquer forma, sendo considerado efetivamente um 13 matemático ou não, é inegável que Platão contribuiu para o desenvolvimento da matemática grega, em especial da geometria, o que levou a uma das maiores obras da antiguidade, os Elementos de Euclides (BICUDO, 1998). 2.5 Aristóteles Aristóteles (384 a.C.–322 a.C.) estudou e trabalhou na Academia de Platão, sendo considerado seu discípulo mais famoso. Em sua trajetória, Aristóteles foi professor de Alexandre, o Grande, e professor de outro futuro rei, que teve um papel importante na ciência do mundo clássico, Ptolomeu Sóter. Em suas concepções matemáticas, Aristóteles discordava de seu mestre em relação à natureza da matemática e de seus objetos. Acreditava queas formas geométricas e numéricas não existem como entidades independentes do mundo real, ou seja, os objetos matemáticos existem como abstração dos objetos reais, mas sua existência depende da existência do próprio objeto. Ao contrário da visão racionalista de Platão, Aristóteles tinha uma visão empirista, segundo a qual os elementos matemáticos têm vida independente no “mundo das ideias” (MOL, 2013). Aristóteles entendia a matemática como uma ciência dedutiva, como um edifício estruturado por verdades encadeadas por relações lógicas, fundado sobre alguns pressupostos básicos não demonstrados. Para Aristóteles, era fundamental produzir um discurso capaz de explicá-lo de acordo com certas regras, estabelecidas por meio da lógica formal, criada e sistematizada por ele mesmo. Esse modelo de lógica, chamado de modelo aristotélico, dominou o Ocidente até meados do século XIX, quando foi incorporado à lógica formal moderna (MOL, 2013). Conforme explica Mol (2013), entre seus estudos, Aristóteles analisou a noção de infinito, distinguindo infinito atual e infinito potencial. Além disso, contribuiu para as noções matemáticas fundamentais, como de axioma, definição, hipótese e demonstração. Aristóteles (Figura 2) fez uma síntese organizada de todo o saber do seu tempo, interessando-se pela matemática como método de raciocínio e formulando o primeiro 14 sistema de lógica. Contudo, tampouco produziu resultados ou teorias matemáticas ele próprio. Seja como for, suas contribuições acabaram influenciando como a matemática seria construída nos séculos seguintes (MOL, 2013). 2.6 Álgebra e geometria na Grécia Antiga No século IV a.C., Felipe II da Macedônia conquistou a Grécia, dando fim à autonomia e à democracia das cidades gregas. Seu filho, Alexandre, o Grande, expandiu e unificou o império, chegando a conquistar desde a atual Grécia até o Afeganistão, passando pela Turquia e Oriente Médio. Quando conquistou o Egito, Alexandria acabou se tornando o centro intelectual do mundo. Após a morte de Alexandre, em 323 a.C., Ptolemeu Sóter (323 a.C.–283 a.C), que era um cientista grego e um de seus generais, estabeleceu-se como rei do Egito, dando início a uma dinastia (MOL, 2013). Nesse momento da história, Ptolemeu Sóter fundou a Escola de Alexandria, com o intuito de proporcionar um ambiente favorável ao saber, onde a cultura grega e cultura egípcia viriam a se ligar, sendo lar de alguns dos maiores matemáticos da Antiguidade, como Euclides e Arquimedes, entre outros (ARAGÃO, 2009). 15 Segundo Mol (2013), o sistema de funcionamento da Escola de Alexandria era muito semelhante ao das nossas universidades atuais. Muitos estudiosos iam para a Escola de Alexandria fazer pesquisas, pois o local possuía uma biblioteca que chegou a ter 700 mil rolos de papiro em seu acervo, proporcionando um status para a cidade de metrópole intelectual da época. Assim, é nesse cenário que veremos alguns dos ilustres matemáticos que viriam a contribuir para a evolução da matemática, como Euclides, que foi escolhido para ser chefe do departamento de matemática da Escola de Alexandria, além de Arquimedes, Diofante e Ptolomeu. 2.7 Euclides O livro Elementos, escrito pelo matemático grego Euclides em Alexandria, por volta de 300 a.C., é um tratado matemático e geométrico composto por 13 livros. A obra trata da geometria plana conhecida da época, da teoria dos números, dos incomensuráveis e da geometria espacial, sendo considerado a mais brilhante obra matemática grega e um dos textos que mais influenciaram o desenvolvimento da matemática e da ciência em todos os tempos (MOL, 2013). Nele, são abordados aspectos da geometria plana ou, como ficou conhecida, geometria euclidiana plana, segundo um processo já dedutivo, sem nenhuma preocupação com aplicação em situações reais ou práticas. Euclides definiu objetos geométrico cujas propriedades desejava estudar, totalizando 23 definições. Temos como exemplo as definições de ponto, reta, círculo, triângulo, etc. O método utilizado por Euclides é o método axiomático. Esse método consiste em mostrar que uma afirmação é verdadeira por meio de outra afirmação que se acredita ser verdadeira. Assim, se quisermos provar que P1 é uma afirmação verdadeira, utilizamos uma afirmação P2 que seja verdadeira, e mostramos logicamente, por P2, que P1 é verdadeira. Nesse processo, existem duas condições que devem ser cumpridas para que uma prova esteja correta: 16 aceitar como verdadeiras certas afirmações, chamadas de axiomas ou postulados, sem a necessidade de prova; saber como e quando uma afirmação segue logicamente de outra. Assim, os axiomas podem ser entendidos como afirmações que foram tantas vezes provadas na prática que é muito pouco improvável que alguém duvide delas. No trabalho de Euclides, com apenas cinco postulados ele foi capaz de deduzir 465 proposições, muitas com alto grau de complexidade e não intuitivas (ZANARDINI, 2017). Sobre a vida de Euclides pouco se sabe, apenas que viveu no século III a.C. em Alexandria e que foi um dos estudiosos que trabalhou no museu da cidade. 2.8 Arquimedes Após Euclides, outro importante matemático grego foi Arquimedes (c. 287 a.C.–212 a.C.), que nasceu e viveu na cidade de Siracusa, na Sicília, mas estudou em Alexandria. Sua obra apresentava o rigor que a matemática exigia com a preocupação para a aplicação. Arquimedes foi muito conhecido entre os gregos por suas invenções. As máquinas de guerra que construiu, usadas para defender a cidade de Siracusa, eram famosas. Pode-se dizer que foi um pioneiro na área da física e da mecânica teórica. Em sua obra que trata do equilíbrio do plano, escreveu de maneira de formal e com estrutura semelhante à dos Elementos de Euclides, partindo de definições e postulados simples para chegar a resultados mais complexos. Foi Arquimedes quem descobriu a primeira lei da hidrostática. Na sua obra Sobre corpos flutuantes, prova duas proposições que compõem o chamado princípio hidrostático de Arquimedes, que afirma que, quando um corpo é mergulhado em um fluido, recebe um empuxo de intensidade igual ao peso do volume de água deslocado (ZANARDINI, 2017). Também contribuiu para o desenvolvimento de métodos rudimentares de cálculo diferencial e integral em estudos relacionados à geometria espacial sobre esferas, cilindros e cones. No seu trabalho chamado Sobre a medida do círculo, avaliou a razão entre a circunferência e o diâmetro de um círculo. Começou com um hexágono regular inscrito e um hexágono circunscrito a um determinado círculo, para então ir 17 progressivamente dobrando o número de lados, até chegar a um polígono de 96 lados. Como resultado de seus cálculos, chegou a uma aproximação de π com enorme precisão para a época: 3,1408 < π < 3,1428 (MOL, 2013). No início do século XX, foi descoberto um dos mais importantes tratados de Arquimedes, chamado de O método. Nele, há uma série de cartas escritas por Arquimedes ao matemático Erastóstenes de Cirene, que era chefe da Biblioteca de Alexandria. Nessa obra, Arquimedes comenta que a existência de indicações sobre a validade de um resultado facilitaria sua demonstração. Essas indicações eram obtidas por meio de investigações mecânicas, ou seja, pesos teóricos dos objetos matemáticos envolvidos, em que uma prova rigorosa deveria ser construída pelo método geométrico tradicional (MOL, 2013). 2.9 Diofante Vários estudiosos da matemática acreditam que Diofante de Alexandria viveu no século III a.C., mas seu período de vida não é preciso. Pouco se sabe sobre sua vida com exatidão, apenas que morreu aos 84 anos, fato que foi descrito em um poema da antologia grega que serviu de epitáfio a Diofante. Das obras de Diofante, a mais importante é intitulada Aritmética, um tratado analítico de teoria algébrica dos números,composta de 13 livros. É bem provável que o a obra Aritmética seja uma compilação e sistematização dos conhecimentos da época, assim como os Elementos de Euclides. Tal obra possui problemas de aritmética com enunciados abstratos e gerais, sendo os dados numéricos especificados apenas a posteriori. Já na resolução desses problemas, não utiliza as referências geométrica, diferenciando-se assim da álgebra geométrica grega tradicional. De certa forma, é um trabalho muito diferente dos demais trabalhos gregos da época, pois não apresenta uma exposição sistemática de proposições, apenas uma centena de problemas formulados em termos de exemplos, cujas demonstrações são apenas ilustrações, em alguns casos particulares concretos (MOL, 2013). 18 Entre os assuntos abordados por Diofante, estão as chamadas equações indeterminadas, cujos coeficientes, assim como suas soluções, eram sempre números racionais positivos, quase sempre inteiros. Desse modo, não tinha preocupação na obtenção de soluções gerais, apenas buscava soluções particulares com exemplos numéricos. Diofante incorporou símbolos, notações e abreviações em seus trabalhos, contribuindo para o primeiro passo da álgebra simbólica, que seria desenvolvida apenas no século XVII, sobretudo por René Descartes. Muitos estudiosos consideram Diofante o pai da álgebra, mas avaliando seus trabalhos talvez seja mais adequado tratá-lo como precursor da moderna teoria dos números, que deslancharia com o trabalho de Fermat no século XVII (BOYER; MERZBACH, 2018). 2.10 Ptolomeu Cláudio Ptolomeu (90 d.C.–168 d.C.), também conhecido como Ptolomeu de Alexandria, foi um astrônomo, geógrafo e matemático de origem grega. Nasceu em Ptolemaida Hérmia, no Egito, na época de domínio romano. Foi um importante cientista grego, contribuindo de forma significativa nas áreas da matemática, geografia, cartografia, astrologia, astronomia, óptica e teoria musical. Também vale ressaltar que não possui parentesco com os reis da dinastia ptolemaica (MOL, 2013). Ptolomeu se esforçou muito para sintetizar os trabalhos de seus antecessores e também escreveu uma série de trabalhos matemáticos, mas foram as teorias sobre trigonometria esférica e sobre o movimento do Sol e da Lua e a catalogação dos corpos celestes que o tornaram reconhecido. Escreveu um tratado astronômico e matemático sobre o movimento estelar e planetário segundo um modelo geocêntrico do universo, tornando-se um dos textos científicos de maior influência de todos os tempos. Esse tratado é composto por 13 livros, sob o título de Síntese Matemática, mas ficou conhecido como Almagesto, que em árabe significa “o maior”, destacando-se de outros tratados de astronomia. Nele, Ptolomeu mostra o conceito da esfericidade do céu e a descoberta da forma esférica da Terra, aplicados à geometria do círculo e da esfera, contribuindo 19 significativamente para trigonometria da Antiguidade e criando ferramentas que dariam suporte para lidar com essa geometria. De acordo com Mol (2013), Ptolomeu estendeu os trabalhos de Hiparco e de Menelau, criando uma maneira de calcular as cordas subentendidas por arcos de um círculo. Na Grécia, já se fazia uso da divisão de um círculo em 360°, mas a prática foi incorporada de vez por Ptolomeu. Também construiu uma tabela de cordas de arcos, com os ângulos variando de 0,5° a 180°, em intervalos de 0,5°. Essa tabela de cordas serviria de referência para os astrônomos por mais de mil anos. O que Ptolomeu construiu é equivalente a construir uma tabela de senos de 1/4° a 90° e, uma vez que cos θ = sen (90° − θ), indiretamente também fornecia uma tabela de cossenos. 2.11 Declínio da matemática grega Com o início do domínio romano no Egito por volta de 30 a.C., temos o fim da dinastia ptolemaica. Quando Roma assumiu a administração da região, houve uma série de conflitos sociais, fazendo com que o progresso do conhecimento científico ficasse adormecido. Alguns matemáticos, como Ptolomeu de Alexandria, atuaram nesse período, mas sem o apoio de seus antigos patronos. O último tratado matemático significativo que se tem registro da Antiguidade Clássica, chamado de Coleção, foi escrito por Papos de Alexandria, em torno de 320 d.C. Junto com o domínio do Império Romano, o cristianismo vinha crescendo e dificultando ainda mais a produção científica. O imperador romano Teodósio I publicou no ano 391 d.C. um decreto que bania o paganismo. A Biblioteca e o Museu de Alexandria, sendo considerados templos pagãos, tiveram seu fechamento ordenado. O imperador romano do Oriente, Justiniano, acusou a escola de Atenas de ensinar uma filosofia pagã que ameaçava o cristianismo, sendo fechada em 529 d.C. Assim, muitos filósofos fugiram de Atenas e se exilaram na Pérsia, o que foi um marco para o fim do desenvolvimento da matemática grega da Antiguidade (MOL, 2013). 20 2.12 Técnicas da matemática grega na sala de aula Ao examinarmos a história da matemática, podemos perceber a evolução dessa ciência. A matemática não é uma ciência pronta e acabada, e muitos alunos, por exemplo, se enganam quando veem a matemática como um mero monte fórmulas. Com a ajuda da história da matemática, é possível transpor essa barreira e promover uma aprendizagem para os alunos que faça mais sentido. Nesta seção, serão apresentadas duas técnicas da matemática grega antiga que podem ser usadas em sala de aula para os alunos de ensino básico, dando uma ideia de como os matemáticos da época pensavam e como aplicavam os conhecimentos matemáticos (MOL, 2013). 2.13 O desafio da pirâmide Tales de Mileto, em uma de suas viagens ao Egito, foi desafiado a medir a altura da grande pirâmide de Quéops. Com o uso de um bastão, aplicou seus conhecimentos sobre segmentos proporcionais, comparando a altura do bastão e da sua respectiva sombra com a altura da pirâmide (Figura 3). Dessa forma, Tales estimou que a altura da pirâmide de Quéops era de 158,8 metros. Originalmente, a altura da pirâmide era de 146,5 metros, mas com o passar do tempo e devido à erosão e a vandalismos, sua altura hoje é de 138,8 metros. 21 Podemos aplicar esse mesmo conceito pedindo para os alunos de uma turma determinarem a altura de um poste usando apenas um bastão (MOL, 2013). Em certo momento do dia, o poste projeta uma sombra de um certo comprimento. Fixando o bastão próximo ao poste, podemos notar que este também fará uma sombra (Figura 4). Comparando a altura do bastão e de sua sombra com a altura do poste e de sua sombra, aplicamos o teorema de Tales, que determina que altura do poste está para o tamanho da sombra do poste assim como a altura do bastão está para o tamanho da sombra do bastão. Matematicamente, temos: Fazendo as medições do tamanho de cada sombra e altura do bastão, consegue- se chegar à altura aproximada do poste — aproximada pois há os erros que podem ser cometidos ao realizar as medições, podendo ser de milímetros. Está é uma tarefa fácil e que pode ser explorada em sala de aula sem a exigência de recursos sofisticados. O 22 aluno pode perceber que Tales de Mileto, mediante um processo matemático e uma forma simples, conseguiu medir a altura de uma pirâmide colossal por volta do ano 600 a.C. 2.14 Triângulo pitagórico Talvez a maioria dos estudantes já tenha ouvido falar do famoso teorema de Pitágoras. Pitágoras e seus discípulos, os pitagóricos, abordavam entre seus estudos a matemática (MOL, 2013). Na área de figuras, uma delas está relacionada ao triângulo retângulo, importante figura, que tem inúmeras aplicações no nosso cotidiano. Pode-se mostrar o teorema de Pitágoras já no ensino fundamental com a demonstração por semelhança de triângulos ou com a demonstração de Perigal, em que a ideia de que a soma de quadrados dos catetos é igual ao quadrado da hipotenusa é demonstradacom o recurso geométrico das áreas. Também pode-se utilizar um dos triângulos retângulos mais conhecidos, chamado triângulo pitagórico, que possui os lados medindo 3, 4 e 5 unidades, e que sempre formará um triângulo com um dos ângulos retos (Figura 5). A atividade que se propõe é pedir para os alunos traçarem uma linha reta que seja ortogonal a uma das paredes da sala usando um barbante. Primeiro, deve-se dar nós no barbante espaçados a distâncias iguais. Ao todo, devemos fazer 13 nós. Com 23 esse barbante, desenhamos a forma de um triângulo, no caso um triângulo pitagórico com os lados 3, 4 e 5 unidades (Figura 6). Dessa forma, basta colocar o lado menor do triângulo, que possui três espaços, paralelamente à parede e formar o triângulo pitagórico, com o outro cateto com quatro espaços, formando um ângulo de 90° com a parede. Desse modo, com material de fácil acesso e sem muito custo é possível mostrar o triângulo pitagórico e como pode ser utilizado na prática (MOL, 2013). É muito provável que os alunos vão gostar da experiência, entendendo o conceito e a história por trás dele. Assim, foram apresentadas duas técnicas da matemática grega a serem aplicadas em sala de aula como apoio ao professor. Há muitas outras que podem ser aplicadas, ajudando na aprendizagem do aluno. Esse olhar diferenciado para a matemática, para sua evolução e como os antigos faziam para determinar e resolver problemas, ajuda na construção do saber e no entendimento do assunto. 24 3 MATEMÁTICA NOS SÉCULOS XVII A XIX 3.1 As eras Bernoulli e Euler Os séculos XVII e XVIII estão marcados pelo estabelecimento de duas eras na história da matemática: a era da família Bernoulli, com início no século XVII, e de Leonhard Euler, no século XVIII. Podemos entende-las como eras devido às vastas contribuições e avanços dos Bernoulli e de Euler em diversas áreas da matemática, que são ensinadas e aplicadas até os dias de hoje. O cenário da matemática no século XVII era efervescente, devido ao desenvolvimento do cálculo diferencial e integral por Isaac Newton e Gottfried Leibniz e pela melhor compreensão de alguns processos envolvendo o infinito, como as séries infinitas e o limite. Além disso, os avanços eram descentralizados geograficamente, isto é, encontramos ao longo desse período matemático influentes em diversos países europeus, como França, Alemanha, Inglaterra, Suíça e Holanda. Mais do que isso, a grande maioria desses pensadores estava em constante comunicação. Esse contexto favoreceu o surgimento das importantes eras dos Bernoulli e de Euler, e por que não dizer o estabelecimento do que chamamos de era moderna da matemática. 3.2 A família Bernoulli A família Bernoulli ficou conhecida por possuir diversos matemáticos renomados e influentes. De fato, cerca de 12 membros da família tiveram contribuições significativas na matemática ou em áreas correlatas, como a física. A família se estabeleceu na Basiléia, Suíça, em 1576, após fugir dos Países Baixos devido a perseguições religiosas (BOYER; MERZBACH, 2018). Na primeira geração de matemáticos da família, estão os irmãos Jacques Bernoulli (1654–1705) e Jean Bernoulli (1667–1748). O mais velho, Jacques, mergulhou no estudo do cálculo infinitesimal por meio da leitura de artigos de Leibniz, além de obras dos ingleses Isaac Barrow (1630–1677) e John Wallis (1616–1703). Devemos a ele o 25 termo “integral” na linguagem do cálculo, termo que sugeriu a Leibniz e que foi adotado pelo alemão. Após certo tempo, Jacques Bernoulli já estava contribuindo para o cálculo com publicações na Acta eruditorum, a revista matemática que Leibniz ajudou a fundar e na qual publicava frequentemente. Apesar de seu interesse pelo cálculo infinitesimal e por séries infinitas, Jacques Bernoulli obteve avanços em diversas áreas. Uma desigualdade importante na matemática, conhecida como desigualdade de Bernoulli, foi desenvolvida por ele: Vamos analisar a desigualdade de Bernoulli para o caso particular em que n = 2, isto é: Observe que essa desigualdade em particular pode ser verificada expandindo-se o termo do lado esquerdo da desigualdade (quadrado d da soma), ou seja: uma vez que O gráfico exibido na Figura 1 mostra a desigualdade de Bernoulli para n = 3. Observe que a curva está acima da curva 26 Além de diversas publicações no Acta eruditorum, Jacques Bernoulli escreveu um influente tratado, o Ars conjectandi (A arte de conjecturar) (Figura 2), que foi publicado postumamente em 1713 e que aborda problemas de contagem envolvendo permutações e combinações e principalmente problemas relacionados à teoria das probabilidades. 27 Nessa obra aparece um importante teorema da área, chamado de lei dos grandes números, que enuncia que, se um evento com probabilidade de ocorrência p ocorre m vezes em uma sequência de n experimentos, então: Isto é, a probabilidade da frequência relativa de ocorrências deste evento tornar- se arbitrariamente próxima da probabilidade p à medida que o número de experimentos aumenta tende a 1, ou seja, 100%. Na área de equações diferenciais, Jacques Bernoulli, em parceria com seu irmão Jean e com Leibniz, contribuiu para o desenvolvimento da hoje conhecida equação de Bernoulli: onde p(x) e g(x) e são funções quaisquer de x. A solução proposta para essa equação consiste na transformação v = y1-n. A equação obtida ao substituir tal transformação na equação diferencial original é linear, e portanto, passível de solução pelo método do fator integrante, por exemplo. O irmão de Jacques, Jean Bernoulli, também obteve resultados importantes na matemática. Escreveu livros didáticos sobre cálculo diferencial e integral e, enquanto esteve em Paris, ensinou esse então novo ramo da matemática para um marquês, que possuía grande interesse pela área, o marquês de L’Hospital (1661–1704). Além dos ensinamentos, Jean Bernoulli enviava ao marquês artigos e descobertas recentes da matemática. Numa dessas descobertas feitas por Jean Bernoulli está a conhecida regra de L’Hospital, extremamente utilizada no cálculo diferencial. Se f(x) e g(x) são diferenciáveis em x = a e f(a) = g(a) = 0, então: 28 Caso o limite do lado direito da equação exista. Logo, a regra de L’Hospital é amplamente aplicada em problemas envolvendo indeterminações no cálculo de limites. Essa regra foi colocada por L’Hospital em seu livro Analyse des infinement petit, publicado em 1696 e considerado o primeiro livro didático impresso de cálculo diferencial. Os filhos de Jean Bernoulli, Nicholas (1695–1726), Daniel (1700–1782) e Jean II (1710– 1790) também se tornaram professores de matemática, com destaque para Daniel Bernoulli, que fez importantes avanços em hidrodinâmica (princípio de Bernoulli), na teoria das probabilidades, entre outras áreas, quando professor da Academia de Ciências de São Petersburgo, na Rússia. 3.3 Leonhard Euler Considerado um dos matemáticos mais produtivos da história, com mais de 500 artigos publicados em diversas áreas, o suíço Leonhard Euler (1707–1783) (Figura 3) influenciou gerações com o desenvolvimento e a fundamentação da análise matemática. Sua obra Introductio in analysin infinitorum, de 1748, é considerada a fonte inicial dos fundamentos da análise e proporcionou o avanço da área posteriormente por outros matemáticos. 29 Euler estudou com Jean Bernoulli e fez grandes amizades com seus filhos Nicholas e, principalmente, Daniel. Tinha imensa habilidade em outras áreas do saber, como medicina, línguas, astronomia e teologia. Tais conhecimentos permitiram sua entrada na cadeira de medicina da Academia de São Petersburgo, na Rússia, onde os irmãos Nicholas e Daniel Bernoulli estavam trabalhando, porém como professores de matemática.Certo tempo depois, Euler conseguiu transferência para a cadeira de filosofia natural da academia. Construiu grande reputação na instituição e em toda a Europa, onde ganhou diversas premiações acadêmicas. Fez parte da Academia de Berlim a convite de Frederico, o Grande, onde ficou por 25 anos, até retornar à Rússia. Mesmo com graves problemas de visão, que o levaram à completa cegueira, Euler permaneceu produzindo e pesquisando até sua morte, em 1783 (FLOOD; WILSON, 2013). A influência de Euler já é evidente com as notações matemáticas definidas por ele e utilizadas até os dias de hoje. Para citar alguns exemplos, a utilização da letra grega ∑ para representar somatórios, a notação f(x) para funções da variável x, a aplicação de letras maiúsculas para ângulos internos de um triângulo e minúsculas para seus lados, além da letra i para unidade imaginária de um número complexo. Por fim, a definição da letra e para a base dos logaritmos naturais, constante conhecida como número de Euler. Com essas notações, pode-se estabelecer a famosa identidade de Euler: Que relaciona alguns dos números mais importantes da matemática, como 0, 1 e π, e ainda apresenta todo um leque de operações básicas, incluindo soma, potenciação, multiplicação e igualdade. Como já mencionado, uma das principais contribuições de Euler foi a fundamentação da análise matemática, que estuda processos e metodologias associados ao infinito, como o comportamento de sequências, limites de funções, convergência de séries infinitas, entre outros. 30 De fato, com o avanço da análise, diversos resultados oriundos do cálculo diferencial e integral foram formalmente demonstrados com ferramentas da análise. A família Bernoulli e Leonhard Euler foram os personagens principais de uma era na matemática. Entretanto, diversos matemáticos importantes foram contemporâneos dos Bernoulli e de Euler, responsáveis por grandes avanços em áreas como cálculo diferencial e integral, análise matemática e teoria dos números. Nesse âmbito, podemos destacar Colin Maclaurin (1698–1746), Brook Taylor (1683–1731) e Michel Rolle (1652–1719) com importantes trabalhos no cálculo, Gabriel Cramer (1704–1752) e Jean Le Rond D’Alembert (1717–1783) na álgebra e Alexis Clairaut (1713–1765) nas equações diferenciais (BOYER; MERZBACH, 2018; ROONEY, 2017). 3.4 A matemática na Revolução Francesa e no século XIX O período da Revolução Francesa, no final do século XVIII, trouxe vários grupos de matemáticos responsáveis por avanços em diversas áreas, principalmente na própria França. Matemáticos como Lagrange, Laplace, Legendre, entre outros, são personalidades tanto na matemática quanto, alguns deles, na revolução em si. Nesse período, os matemáticos começam a propor maior rigor e formalidade no pensamento matemático, o que se solidificou principalmente no século seguinte Joseph- Louis Lagrange (1736–1813), italiano, mas com ascendência francesa, contribuiu significativamente para o cálculo diferencial e integral. Formulou o teorema do valor médio, que enuncia que, se uma função f é contínua em [a, b] e diferenciável em (a, b), então existe tal que: Além disso, Lagrange propôs a utilização dos atualmente conhecidos multiplicadores de Lagrange para obtenção de máximos e mínimos de funções com 31 restrições em seu domínio, além de ter sido o autor do método da variação de parâmetro na resolução de equações diferenciais lineares não homogêneas. Ficou conhecido pela elegância de seus métodos, além da preocupação com o rigor analítico de suas proposições. Assim como Lagrange, o francês Adrien-Marie Legendre (1752–1833) foi importante no cálculo, por meio de estudos em equações diferenciais, integrais elípticas e na escrita do tratado Exercices du calcul integral, produzido entre 1811–1819, com grande impacto na análise matemática. O formalismo e o rigor matemático defendidos por Lagrange também são encontrados em Legendre, cuja obra Éléments de géometrie, de 1794, ficou famosa pela clareza e pelo rigor aplicados nos conceitos abordados (BOYER; MERZBACH, 2018). O século XVIII foi marcante pelos primeiros desenvolvimentos na teoria das probabilidades, com participações fundamentais dos franceses Abraham De Moivre (1667–1754) e Pierre-Simon Laplace (1749–1827) (Figura 4). O primeiro foi o autor da influente obra Doctrine of chances, de 1718, com abordagem em diversos problemas probabilísticos envolvendo jogos de dados e retiradas de bolas em urnas, além de estabelecer uma teoria para permutações e combinações. Segundo Boyer e Merzbach (2018), foi o primeiro a trabalhar com a expressão da curva gaussiana ou distribuição normal Que também fora estudada por Laplace e utilizada por Gauss na sua teoria dos erros. Laplace, inclusive, foi o autor de diversos artigos na área de teoria das probabilidades. Reuniu seus resultados na obra Théorie analytique des probabilités, de 1812, considerada clássica na área. Por fim, escreveu Essai philosophique des probabilités, de 1814, em que considera toda a teoria desenvolvida sobre a área até então, além de introduzir o assunto para o público leigo. 32 A matemática do século XIX evoluiu tanto em aspectos técnicos — com o surgimento de novos conceitos, como geometria não euclidiana, espaços n-dimensionais e álgebras não comutativas — quanto em aspectos filosóficos, em que o rigor lógico- dedutivo passava a ter papel central nas demonstrações dos resultados. A matemática pura recebeu mais atenção, com maiores incentivos à pesquisa e à divulgação. Foi esse o século que testemunhou o auge de Gauss, considerado o principal matemático do período. Carl Friedrich Gauss (1777–1855) nasceu na Alemanha e desde criança já demonstrava habilidades com a matemática. Pesquisas importantes na geometria, na álgebra e na teoria dos números foram conduzidas, com resultados de destaques obtidos por Gauss ainda jovem. Apresentou demonstrações do teorema fundamental da álgebra, que afirma que uma equação de grau n possui exatamente n raízes (reais ou complexas). Descobriu o famoso método dos mínimos quadrados, fundamental na estatística, por ser um método de otimização que visa obter a melhor aproximação ou, em linguagem estatística, melhor ajuste, considerando a minimização da soma dos quadrados das distâncias entre o ajuste e as observações (ROONEY, 2017). 33 Em teoria dos números, Gauss publicou a influente obra Disquisitiones arithmeticae (Figura 6), publicada em 1801, em que reuniu diversos avanços na área obtidos por matemáticos como Euler, Lagrange e Legendre, além de resultados alcançados por ele mesmo (ROONEY, 2017). Em teoria de probabilidades, Gauss aplicou a curva hoje conhecida como curva gaussiana ou distribuição normal, apresentada na Figura 7, para modelar erros de medição em dados astronômicos. Postulou que a frequência dos erros distribuía-se simetricamente ao redor de zero, que era o valor modal. A expressão analítica da curva gaussiana já fora estudada por De Moivre e Laplace, mas sua aplicação por Gauss no âmbito da teoria dos erros foi fundamental para seu desenvolvimento e popularidade. 34 Apesar do destacado papel de Gauss na matemática do século XIX, diversos matemáticos devem ser mencionados por suas importantes contribuições no período. Augustin-Louis Cauchy (1789–1857), por exemplo, estabeleceu o termo “determinante” e realizou diversos trabalhos sobre o assunto, que hoje é essencial em estudos sobre matrizes. Entre outras contribuições, generalizou de certa forma o teorema do valor médio no cálculo, em que, se f e g satisfazem as condições mencionadas anteriormente quando introduzido o teorema, então: O prussiano Carl Cristov Jacobi (1804–1851), o norueguês Niels Henrik Abel (1802–1829) e o francês Évariste Galois (1811–1832), apesardo pouco período em que viveram (Galois, por exemplo, faleceu em um duelo aos 20 anos), foram responsáveis por avanços na teoria dos números, no cálculo diferencial e integral, na álgebra, entre outras (BOYER; MERZBACH, 2018) 35 3.5 Influências em sala de aula Os avanços realizados em todas as áreas da matemática entre os séculos XVII e XIX estão presentes atualmente nas salas de aula, a começar pelas notações, muitas delas introduzidas por Euler no século XVIII para funções matemáticas, para a unidade imaginária e para a base do logaritmo natural, por exemplo. As ferramentas de cálculo, amplamente estudadas naquele período, podem ser vistas em diversos assuntos. Ao abordar esses conceitos em sala de aula, o professor pode fazer conexões com o contexto histórico e com os matemáticos que os desenvolveram. O exemplo a seguir interpreta o teorema do valor médio em termos de retas secantes e tangentes (BOYER; MERZBACH, 2018). 3.6 Interpretação do teorema do valor médio A partir do teorema do valor médio, temos que: Note que o lado esquerdo da equação representa o coeficiente angular da reta secante ao gráfico da função de f que passa pelos pontos (a, f(a)) e (b, f(b)). O teorema diz que existe um ponto (c, f(c)) cuja reta tangente ao gráfico neste ponto possui o mesmo coeficiente angular que o da reta secante em (a, f(a)) e (b, f(b)), isto é, as retas secantes em (a, f(a)) e (b, f(b)) e tangente em (c, f(c)) são paralelas. Para ilustrar, considere a função: Vamos considerar também a = 1 e b = 6. É fácil verificar que a função é contínua e diferenciável em [1, 6]. Pelo teorema do valor médio, existe tal que: 36 Esse valor c pode ser encontrado sabendo-se que f’(x) = 2x – 5. Assim: A Figura 8 apresenta o gráfico de f com as retas secante em , em vermelho, e tangente em em verde. Observe que as retas são paralelas, com coeficiente angular igual a 2 pelo teorema do valor médio (BOYER; MERZBACH, 2018). Conceitos trabalhados no ensino básico, como matrizes, determinantes e equações também apresentam fortes influências dos trabalhos dos matemáticos dos séculos XVII a XIX. Os exemplos a seguir ilustram esta Por fim, o incentivo ao rigor matemático em demonstrações e raciocínios também é fruto do período histórico estudado nesta seção. Com os exemplos examinados, fica evidente que a matemática 37 ensinada e aplicada atualmente é resultado de séculos de árduas pesquisas, experimentos e pensamentos desenvolvidos por diversos matemáticos em várias partes do mundo. Além disso, seus conceitos são desenvolvidos e aperfeiçoados gradualmente, assim como ocorre na ciência de forma geral. Entender o contexto histórico do pensamento de um dado conceito matemático é fundamental para sua completa compreensão. 4 DESENVOLVIMENTO DA MATEMÁTICA NO SÉCULO XX 4.1 A matemática entre os séculos XIX e XX O século XIX foi bastante fértil para a matemática, com desenvolvimento de ideias muito originais, fundamentando novos campos de pesquisa em várias seções da disciplina. Historicamente, o final do século foi marcado pela guerra franco-prussiana, um evento que redundou na anexação da Alsácia-Lorena pela Prússia, na unificação da Alemanha, na estipulação de um pesado pagamento de indenização pela França e na ocupação de territórios franceses por forças alemãs, com a manutenção de um processo de enfrentamento que levou às duas guerras mundiais já no século XX (CONSTANT, 2020). No campo da matemática, vamos conhecer as atividades da virada daquele século, examinando a trajetória de dois gênios: Jules Henri Poincaré e David Hilbert 4.2 Jules Henri Poincaré Poincaré nasceu em Nancy, França, em 1854, filho de um médico que lecionava na faculdade de medicina da cidade. Formou-se em engenharia, partindo em seguida para o doutorado em matemática, abrindo as portas para a docência, lecionando probabilidade, mecânica celeste, análise e astronomia (HENRI..., [2021]). Seus trabalhos iniciais foram dedicados à teoria das equações diferenciais (criou um método geral de resolução), à teoria geral das funções analíticas de uma ou duas variáveis, bem como a mecânica analítica, mecânica celeste, álgebra e teoria dos números e teoria das funções fuchsianas, que permitem expressar as soluções de 38 qualquer equação diferencial linear por meio coeficientes algébricos e, concomitantemente, resolver o problema da uniformização das funções algébricas (HENRI..., [2021b? ]). Além disso, o matemático estabeleceu a existência das funções kleinianas e iniciou o ramo de estudo conhecido como topologia algébrica, descobrindo em uma pesquisa sobre o sistema solar a influência das condições iniciais, tornando-se pioneiro da teoria do caos. Poincaré morreu em 17 de julho de 1912. 4.3 Conjectura de Poincaré A conjectura de Poincaré, datada de 1904, afirma que qualquer variedade tridimensional fechada é topologicamente equivalente à esfera S3, que é uma generalização de uma esfera comum para uma dimensão superior. Segundo Hosch (2013), o próprio Poincaré mais tarde generalizou sua conjectura para qualquer dimensão, afirmando que a n-esfera é o único espaço n-dimensional limitado que não contém buracos, implicando que, para n = 3 voltamos à conjectura original. Segundo Mackenzie (2006), para n = 2 a prova ocorreu no século XIX. Mais tarde, em 1961, Stephen Smale provou que a conjectura é verdadeira para n ≥ 5, e em 1983 Michael Freedman mostrou que é verdadeira para n = 4. Finalmente, o matemático russo Grigori Perelman provou que a conjectura de Poincaré é verdadeira para n = 3. Os três matemáticos foram agraciados com a medalha Fields, recusada por Perelman, que também recusou um prêmio de um milhão de dólares pela prova. 4.4 David Hilbert David Hilbert foi um matemático alemão, nascido numa cidade famosa por sua ligação com a história da matemática devido às suas pontes, Königsberg, em 23 de janeiro de 1862, e morreu em outra cidade que deve muito de sua fama aos grandes mestres da ciência que passaram por sua universidade, como Carl Friedrich Gauss, Felix Klein, e o próprio Hilbert. Estamos nos referindo à Göttingen, onde David morreu em 14 de fevereiro de 1943 (UNIVERSITÄTSGESCHICHTE, (2021). 39 Em 1895, Hilbert foi trabalhar em Göttingen, lecionando teoria algébrica dos números, noções básicas de geometria, análise, física teórica e noções básicas de matemática. Em 1900, apresentou 23 problemas no Congresso Internacional de Matemáticos de Paris, os quais nortearam muitas buscas durante os séculos XX e XXI. Como exemplo, podemos citar o 8º problema, que é a hipótese de Riemann (DAVID...,2021). Entre vários trabalhos produzidos por Hilbert, destacam-se a teoria invariante, a criação de um método direto para provar teoremas de finitude (fundamentais para a álgebra moderna), o teorema da irredutibilidade de Hilbert, investigações sobre a representação de polinômios definidos como somas de quadrados, a solução das equações de 9º grau por funções algébricas de quatro variáveis, a teoria dos campos de números algébricos, a axiomatização da álgebra e da topologia, o resgate do princípio de Dirichlet, o reconhecimento da importância do que hoje é denominado de espaço de Hilbert e uma prova da conjectura de Waring (DAVID..., [2021?]). David Hilbert propôs uma curva fractal que preenche o espaço, derivada da curva de Peano, denominada curva de Hilbert, exibida na Figura 1. 40 4.5 Matemáticos de destaque no século XX Analisar a matemática do século XX não é tarefa simples, pois a proximidade dos anos ainda nos leva a ter várias dúvidas sobre as principais descobertas. É possível que nas próximas décadas (ou séculos) possa haver uma opinião discordante da nossa, até porque novos avanços podem surgir na ciência em virtude de descobertas recentese aplicações que sequer imaginamos que possam existir. Nossa lista de pesquisadores inclui Alan Turing, Kurt Gödel e Benoit Mandelbrot 4.6 Kurt Gödel Gödel nasceu na Áustria em 1906, e tinha o apelido familiar de “senhor por quê”, pela curiosidade que o levava a perguntar sobre diferentes assuntos. Quando entrou na Universidade de Viena, aos 18 anos, já tinha tanto conhecimento sobre matemática que os cursos regulares nada podiam oferecer como acréscimo, e seu se interesse ficou concentrado na lógica matemática (QUEM..., 2018). Antes de Gödel, havia uma opinião recorrente entre os matemáticos de que os problemas da área seriam cedo ou tarde resolvidos, até mesmo os que constavam na lista de 23 problemas que Hilbert apresentou no Congresso de Matemática em 1900. Em 1930, Kurt Gödel anunciou ter provado que era impossível demonstrar todas as verdades de uma teoria, e que sempre haveria afirmações verdadeiras que não seriam passíveis de demonstração a partir de axiomas propostos — esse é o primeiro teorema da incompletude de Gödel (PIÑEIRO, 2017). Quando os nazistas assumiram o poder na Alemanha, em 1933, a situação ficou difícil para todos os judeus, inclusive para grandes cientistas, como Einstein e Gödel. Em 1938, Gödel teve negado uma solicitação para um cargo remunerado na Universidade de Viena e passou a temer ser recrutado pelo exército nazista, resolvendo fugir com sua esposa. Eles atravessaram a União Soviética pela ferrovia transiberiana e pegaram um navio para San Francisco, nos Estados Unidos, indo em seguida se estabelecer em Princeton, onde Gödel morreu em 1978 (KURT, c2021). 41 4.7 Alan Turing Segundo Hodges (1995), Alan Mathison Turing nasceu em 23 de junho de 1912, e desde a infância mostrava sinais de muita inteligência, tendo oportunidade de estudar na Sherborne School, escola de prestígio de Londres, formando-se em matemática na Universidade de Cambridge em 1931. Em 1935, Turing começou a se dedicar a uma questão sobre a capacidade de decisão, conhecida pelo termo alemão Entscheidungsproblem (problema de decisão), que pergunta se poderia haver, ao menos em princípio, um método ou processo definido capaz de decidir se qualquer afirmação matemática é ou não demonstrável? Para responder essa pergunta, se fazia necessário que houvesse uma definição de método, que deveria ser precisa e convincente. Turing forneceu a resposta expressando-a em termos de uma máquina teórica capaz de realizar certas operações elementares precisamente definidas sobre símbolos em fita de papel, criando o conceito chamado máquina de Turing, base da teoria da computação (HODGGES, 1995). Com o advento da Segunda Guerra Mundial, Turing foi convocado pelas forças britânicas para trabalhar em Bletchley Park, local onde equipes buscavam descobrir os códigos utilizados pelas forças do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Os nazistas utilizavam uma máquina chamada Enigma (Figura 2) para transmitir mensagens para suas tropas, e a primeira quebra do código operacional do dispositivo aconteceu em 23 de janeiro de 1940, quando a equipe formada por Alan Turing, John Jeffreys e Peter Twinn descobriu a chave usada pelo Exército Alemão, iniciando uma sequência que descobriu a chave usada pela força aérea alemã e posteriormente os sistemas italiano e japonês (BLETCHLEY PARK, 2012). 42 De acordo com Mlodinow (2005), pode-se estimar que a quebra do código da Enigma abreviou a possível duração da Segunda Guerra Mundial em dois anos. Como morreram aproximadamente 12 milhões de pessoas por ano durante a guerra, esse trabalho talvez tenha poupou cerca de 24 milhões de vidas. Apesar de seu heroísmo em seu brilhante esforço de guerra, Alan Turing (Figura 3) viria a ter um destino trágico: por ser homossexual, que era um crime na Inglaterra da época, foi forçado a um tratamento de castração química. Aos 42 anos, Turing se suicidou, ingerindo uma maçã injetada com cianureto, em 7 de junho de 1954. 43 4.8 As máquinas podem pensar? Essa é a pergunta que abre o artigo “Computing machinery and intelligence”, de Turing (1950), cuja primeira parte se chama “The Imitation Game”, o jogo da imitação. Você já deve ter ouvido falar nessa expressão, que dá título ao filme homônimo que retrata a vida do matemático. O artigo prossegue propondo que se troque a pergunta por um jogo, denominado jogo da imitação, que funciona assim: temos três jogadores, um homem (A), uma mulher (B) e um interrogador (C), que homem ou mulher. C fica em uma sala sem ver A e B, que estão em outra. C conhece os dois por códigos X e Y. A não quer ajudar C. B quer ajudar C. Objetivo do jogo: C deve identificar quem é o homem e quem é a mulher no final do jogo, do seguinte modo: X é A e Y é B ou X é B e Y é A. As respostas são datilografadas e as perguntas podem ser do tipo “qual é o comprimento do seu cabelo? ” (TURING, 1950), e os interlocutores A e B devem dar as respostas de acordo com seu objetivo (ajudar ou não C). A partir desse cenário, Turing estende ainda mais o potencial do jogo, se perguntando o que aconteceria se A for substituído por uma máquina? Conseguiria enganar o interrogador por quanto tempo? Levaria mais tempo para ser descoberto que um ser humano? E conseguiria enganar C em algum interrogatório? No artigo, Turing supõe que haverá um dia em que as máquinas terão capacidade para “[...] jogar o jogo da imitação tão bem que um interrogador médio não terá mais de 70% de chance de fazer a identificação correta após cinco minutos de interrogatório” (TURING, 1950, p. 442, tradução nossa). Na sequência, apresenta nove objeções à sua ideia, desconstruindo todas elas: a teológica, “cabeça na areia”, matemática, argumento da consciência, argumentos de várias deficiências, objeção de Lady Lovelace, argumento de continuidade no sistema nervoso, argumento da informalidade de comportamento e argumento da percepção extrassensorial. O artigo de Turing é a base para julgar se uma máquina pensa ou não ainda nos nossos dias. 44 4.9 Benoît Mandelbrot Mandelbrot (1924–2010) nasceu em Varsóvia, na Polônia, mas durante a infância sua família, devido a dificuldades financeiras, emigrou para a França. Após a invasão alemã de 1939, instalaram-se em Tulle, pois eram judeus e essa era uma zona francesa desocupada, um pouco mais segura, rumando mais tarde para Paris em 1944, onde Benoit pôde cursar a École Polytechnique, indo para o Massachusetts Institute of Technology (MIT) no período 1953–1954, para o pós-doutorado. Em 1958, foi trabalhar na IBM, em um estágio de verão, e permaneceu por 35 anos na empresa, enquanto, em paralelo, dava aulas na Universidade de Yale (BENOÎT..., c2021). Mandelbrot ganhou fama trabalhando e divulgando a geometria fractal, que mostrava graficamente uma série de estruturas matemáticas que estudou, especialmente as variações econômicas caóticas e repentinas que se revelavam serem mais frequentes do que era previsto. Ele lecionou até 2004, quando encerrou sua carreira como professor emérito em Yale, morrendo em 2010 em Cambridge. 4.10 Quanto mede o litoral da Grã-Bretanha? Para ilustrar o que são fractais, muitas vezes Mandelbrot (1998) utilizava como exemplo o litoral da Grã-Bretanha, perguntando qual é o comprimento total da costa da ilha. Em seguida, ele propunha medir o litoral com uma régua imaginária com a medida de 200 milhas (cerca de 320 km), sendo preciso utilizar oito delas para completar a mensuração, totalizando 1.600 milhas (cerca de 2.500 km). Diminuindo a graduação de nossa régua para 25 milhas (40 km) cada uma, utilizaríamos 102 segmentos para a medição, encontrando um comprimento final de 2250 milhas (cerca de 3.600 km). Se obtivermos mapas locais e continuarmos a medir o litoral, o comprimento total segue aumentando, pois conforme nos aproximamos, mais detalhessurgem. Isso acontece porque o litoral é um fractal e sua dimensão não é um número inteiro, e sim uma fração, estando entre 0 e 1. 45 4.11 Cálculo da dimensão fractal De acordo com Assis et al. (2008), o cálculo da dimensão fractal é feito com uso de logaritmos, em geral, para fractais construídos recursivamente, a partir de c cópias de si próprios. Redefinidos por um fator 1/f, teremos que a dimensão (d) é: Como exemplo, podemos tentar calcular a dimensão da curva de Koch, exibida na Figura 4. Observe que a curva é construída a partir de um segmento de reta que é dividido em três partes iguais, sendo retirado o segmento do meio, que é substituído por um triângulo equilátero que tem sua base retirada. A figura passa por um processo de iteração, com a repetição da regra n vezes, multiplicando-se os segmentos por 4/3, em que três segmentos são substituídos por 4 de igual comprimento, indo para um limite 46 definido por Mandelbrot como infinito interno (ASSIS et al., 2008). Aplicando a fórmula anterior para o cálculo da dimensão d e fazendo as substituições, temos que: Muita gente que acessa seu notebook, usa seu smartphone, assiste a um vídeo em algum canal da web talvez nem imagine a capacidade intelectual, o talento, a imaginação e a criatividade de matemáticos como Benoît Mandelbrot e Alan Turing, que deram os passos teóricos que possibilitaram avanços tecnológicos definidores da nossa sociedade, cujos hábitos e cultura estão imersos no virtual. Esse já um fato por si só com peso considerável para admirarmos a matemática produzida no século XX, e pensar no que ainda pode nos surpreender nos anos que vem por aí. 4.12 A matemática do século XX na sala de aula É possível abordar conceitos de matemática do século XX em sala de aula na educação básica, ou devemos, nesse nível do ensino, nos ater à matemática desenvolvida até o século XIX? Alguns autores supõem que é possível mostrar um pouco da matemática do século XX em sala de aula, inclusive porque Artur Ávila, brasileiro ganhador da Medalha Fields em 2014, dedicou-se bastante às pesquisas sobre sistemas dinâmicos, e seu exemplo pode servir como incentivo à população estudantil brasileira, especialmente os mais jovens, para o estudo da matemática. Morais (2014) defende em sua dissertação de mestrado a possibilidade de utilização em sala de aula das descobertas matemáticas mais recentes, destacando os sistemas dinâmicos não lineares, a teoria do caos e os fractais, argumentando que esses temas aparecem sistematicamente na mídia, propondo uma transposição didática em conjunto com algumas propostas de aplicações em sala de aula na educação básica. Já Machado, Giraffa e Lahm (2011) relatam a experiência de propor um grupo de aulas para o 9º ano do ensino fundamental, em que é utilizado o aplicativo Google Earth para busca de imagens das geometrias euclidiana e fractal sobre a superfície da Terra. 47 A dinâmica das aulas foi organizada em diversas etapas, começando por uma produção textual, depois revisão de conceitos, buscas de informações na web, aula expositiva sobre geometria fractal, identificação, seleção e salvamento de imagens que apresentassem as duas geometrias, apresentação de trabalhos mostrando as conclusões e, para finalizar, uma segunda produção textual. Os textos serviram para dois objetivos: o primeiro era verificar os conhecimentos prévios dos alunos sobre a geometria em geral e o segundo era realizar uma avaliação do conhecimento construído durante a jornada de estudos. A revisão dos conceitos é uma tarefa sempre necessária no ensino de matemática, pois, como o conhecimento matemático progride em cima das bases já estabelecidas e provadas formalmente, não compreender um tema pode ter consequências negativas na trajetória escolar. Nesse caso, o importante era conhecer os axiomas e as figuras planas, com ênfase no conceito dimensional, para poder haver compreensão das ideias de dimensão fracionária, que embasam o estudo dos fractais. No experimento relatado, e em outros similares executados pelos autores do artigo, é comum os alunos se depararem com informações na internet sobre Edward Lorenz e o efeito-borboleta, tema muito explorado pela mídia, inclusive sendo mote para inúmeros filmes, (Morais, 2014). Em virtude dessa disponibilidade de informações, sugere-se que o professor se prepare estudando o tema em detalhes de antemão, para poder conversar com sua turma. Imagens com asas, por exemplo, são comuns na geração de fractais, como ilustra a Figura 5, que mostra um atrator fractal do tipo Lorenz. 48 A turma, nessa etapa, tem algumas informações sobre fractais e caos, pois mesmo que possuísse pouca ou nenhuma informação sobre tais temas, agora já captou algo via busca na internet, facilitando a exposição da teoria. No grupo de aulas em questão, foi apresentado o modelo de construção da curva de Koch, que já vimos nesse capítulo, mas sem menção aos logaritmos. Caso as aulas sejam adaptadas para o 3º ano do ensino médio, quando se retorna ao tema da geometria euclidiana (com axiomas e geometria espacial), é possível apresentar o cálculo com logaritmos, aproveitando para revisar o assunto com uma aplicação interessante. No experimento de Machado, Giraffa e Lahm (2011), a aula seguinte foi realizada como projeto de pesquisa no laboratório de informática da escola. Todavia, a evolução técnica dos smartphones e dos aplicativos permite a realização do mesmo trabalho em sala de aula, caso haja um Wi-Fi eficiente à disposição da turma e um número suficiente de aparelhos celulares com os alunos. Nessa fase, a ideia é procurar imagens de satélite que apresentem figuras geométricas e figuras fractais, como telhados, recortes de litoral, etc. A etapa final do projeto consiste na apresentação das imagens selecionadas pelos alunos e pela confecção do texto final, a partir do qual será avaliada a aprendizagem. A matemática apaixona pelas ideias que contém, e sua história é um desenrolar de fatos incríveis, de descobertas, de trabalho árduo e contínuo, executado ao longo de gerações. Nessa última sessão, apresentamos uma sugestão de aproximação da fronteira das pesquisas em matemática com a educação básica, pois é na sala de aula das escolas públicas e privadas que estão agora os futuros indivíduos que levarão adiante essa história, dependendo de nós para apresentar um vasto mundo formado por números, teorias e demonstrações. 49 5 A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E O ENSINO DE MATEMÁTICA 5.1 Educação matemática e BNCC No século XXI, a educação brasileira, em especial a educação matemática, fortemente vinculada aos moldes da educação francesa, depara-se com diversas mudanças de paradigmas, resultantes de modificações sociais, políticas e avanços tecnológicos (LACROIX, 2013). Nesse cenário pós-moderno, em que diversas mídias moderam, mediam e modelam o pensamento humano, de que serve a matemática? O que ensinar? Por que ensinar? A educação brasileira, orientada à memorização, repetição e aplicação, não priorizava o ensino crítico de matemática. Não significa que a criticidade fosse inexistente, mas que por muito tempo a matemática, desde o tempo das missões jesuíticas, foi vista como um recurso auxiliar (MONDINI, 2013). Ao longo da história brasileira, registraram-se reformas e documentos na tentativa de organizar nacionalmente a educação. No entanto, isso se dispersava pelo território e, segundo Boaventura (2009), a finalidade era alimentar a máquina burocrática, inicialmente do estado imperial em formação, gerando médicos, engenheiros militares, etc. Durante o período imperial, por exemplo, o ensino de matemática e das demais ciências exatas era reservado às aplicações militares. Observados os períodos da República Velha (1889–1929),
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