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40 Unidade II Unidade II 5 PRINCÍPIOS E PRÁTICAS DA EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL (EAN) As práticas alimentares de um indivíduo resultam de escolhas e decisões pessoais; algumas vezes conscientes, outras não. Essas escolhas são determinadas pela sociedade, a cultura e a tradição alimentar que o cercam. Lembrete Atualmente, observa-se um crescente número de doenças relacionadas aos hábitos alimentares modernos – as já citadas doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs). O campo de conhecimento da nutrição é fundamental para levar informações relevantes sobre alimentação e nutrição para a sociedade e diminuir os casos de DCNTs, promovendo a saúde e possibilitando que as pessoas escolham alimentos de modo mais consciente, com mais autonomia e assertividade. Esse é um dos propósitos da EAN, que vamos discutir agora. 5.1 Conceito de EAN EAN é uma ferramenta-chave para desenvolver bons hábitos alimentares, com o objetivo de prevenir e tratar doenças, por meio de escolhas alimentares saudáveis. A história da então chamada educação nutricional (meados do século XX) inicia-se em 1940, a partir do conceito de que fome era sinônimo de ignorância alimentar, determinada pela baixa renda da população, e favorecia a desnutrição (SANTOS, 2005). Desde então, percorreu um longo caminho até o desenvolvimento do Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional em 2012, servindo como pilar para se desenvolver políticas públicas e determinar ações que considerassem a alimentação saudável uma estratégia para combater DCNTs (CERVATO-MANCUSO et al., 2016; ROSSI; POLTRONIERI, 2019). Segundo o Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional: A EAN tem sido considerada estratégica em relação aos problemas alimentares e nutricionais contemporâneos, auxiliando no controle e redução da prevalência das doenças crônicas não transmissíveis, redução de danos, promoção de uma cultura de consumo sustentável, hábitos alimentares saudáveis e valorização da cultura alimentar tradicional (BRASIL, 2012). 41 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – NT A EAN visa promover práticas autônomas e voluntárias de hábitos alimentares saudáveis. Nesse contexto, educador nutricional é o agente que constrói conhecimento sobre alimentação saudável, respeitando a individualidade da população e seus integrantes (ROSSI; POLTRONIERI, 2019). Saiba mais Para se aprofundar no estudo sobre educação nutricional, leia o seguinte artigo: BOOG, M. C. F. Educação nutricional: por que e para quê? Jornal da Unicamp, Campinas, 2-8 ago. 2004. Disponível em: https://bit.ly/3I1TR0g. Acesso em: 16 fev. 2022. 5.2 Princípios para ação em EAN A Lei n. 9.394/1996 estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional: Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais (BRASIL, 1996). No mesmo ano, a Organização Mundial das Nações Unidades para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) afirmou que a educação se baseia em quatro pilares (ROSSI; POLTRONIERI, 2019): 1. Aprender a conhecer. 2. Aprender a fazer. 3. Aprender a conviver. 4. Aprender a ser. Também de acordo com Rossi e Poltronieri (2019), os conceitos propostos pelas diretrizes e bases da educação nacional e pela Unesco podem ser aplicados à EAN: • Aprender a conhecer: relaciona-se à aquisição de conhecimento, como raciocínio lógico, compreensão, dedução e memória. Na EAN esse princípio pode se aplicar ao processo de fornecer informações que favoreçam a compreensão da alimentação e suas implicações. • Aprender a fazer: relaciona-se à prática do conhecimento teórico. A EAN espera que, adquirido o conhecimento, o aprendiz desenvolva hábitos alimentares que favoreçam a saúde. 42 Unidade II • Aprender a conviver: relaciona-se a atitudes e valores. Na EAN, uma vez que o hábito alimentar se torne constante, o indivíduo se apropria do conhecimento e o considera como próprio. • Aprender a ser: relaciona-se à autonomia, à intelectualidade ativa e independente. Visa formar indivíduos capazes de estabelecer relações interpessoais, se comunicar e evoluir permanentemente, intervindo de modo consciente e proativo. Aplicado à EAN, esse princípio confere a capacidade de o indivíduo multiplicar bons hábitos e boas práticas alimentares. O Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional (BRASIL, 2012) estabelece como princípios fundamentais da EAN: • incentivar a sustentabilidade social, ambiental e econômica; • planejar, avaliar e monitorar ações; • valorizar a cultura alimentar local e respeitar a diversidade de opiniões e perspectivas, considerando diferentes saberes como legítimos; • promover o alimento como referência, valorizando a culinária enquanto prática emancipatória; • educar enquanto processo permanente e gerador de autonomia ativa das pessoas; • diversidade nos cenários de prática; • abordar o sistema alimentar em sua integralidade e intersetorialidade; • promover o autocuidado e a autonomia. 5.3 Compreensão do papel do nutricionista em EAN A partir dos princípios norteadores da educação básica e daqueles estabelecidos pelo Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional, a EAN visa promover a prática autônoma e voluntária de hábitos alimentares saudáveis, sendo o nutricionista o agente facilitador da construção do conhecimento em alimentação, dada sua formação. Observação As ações do nutricionista, em suas diversas áreas, alinham-se com a EAN na promoção de práticas alimentares saudáveis, de forma a atender diretrizes da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS) e Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) (BRASIL, 2020d). 43 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – NT O sucesso das intervenções multidisciplinares em EAN está no compartilhamento de responsabilidades de seus agentes promotores, e o nutricionista pode articular as competências profissionais no intuito de promover ações focadas no indivíduo (GALISA et al., 2014). Saiba mais Para conhecer exemplos de aplicação de metodologias ativas na EAN, consulte o artigo: PERONDI, C.; MACHADO, C. L. B. Uso de metodologias dialógicas em grupos de educação alimentar e nutricional na atenção primária à saúde: desafios e potencialidades. Saberes Plurais: Educação na Saúde, v. 5, n. 1, p. 92-116, jan./jun. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3p4svyN. Acesso em: 21 fev. 2022. 5.4 Comida, alimento e culinária como elementos de referência e valorização dos diferentes saberes e culturas na EAN Menezes e Maldonado (2015) afirmam que uma das finalidades da EAN é valorizar a comida como veículo de identidade cultural e social, memória familiar e experiência prazerosa, buscando incorporar o gosto, a saúde e a praticidade dentro do contexto da comunidade, sendo a culinária uma ferramenta eficaz para a interface entre as práticas dos saberes sociais e a ciência da nutrição. A culinária [é] um conjunto de regras relacionadas à alimentação, tais como os alimentos mais usados (frequência de uso); aqueles que constituem a base da alimentação e os complementares; regras sobre a constituição das refeições; a estrutura dos cardápios cotidiano e festivo; as possíveis combinações alimentares; as técnicas de preparo (modalidades de corte, de cozimento, de hierarquização dos procedimentos, o arranjo de grupos de ingredientes, os utensílios apropriados), os temperos principais e secundários que proporcionam os sabores mais marcantes; as formas de apresentação e de servir; as regras relativas à apropriação de alimentos específicos à situação e aos seus usos. Esse conjunto de características permite identificar a culinária de uma região ou nação como uma particularidade reconhecida e familiar que provoca sentimentos de pertencimento ou de alteridade a uma cultura (DIEZ-GARCIA; CASTRO, 2011, p.93). A culinária como ferramenta de EAN pode atender individualmente ou em grupo (nos serviços de saúde) por ações como divulgação de receitas, demonstração e degustação de alimentos preparados nas oficinas de culinária, e ainda em vivências culinárias com temas específicos; por exemplo, “dia da cozinha verde” (preparos, demonstrações, premiações e outros), estimulando os usuários de um setor ou serviço a comer alimentos verdes (MENEZES; MALDONADO, 2015). 44 Unidade II A alimentação brasileira é muito diversificada em preparações culinárias e tipos de alimento. Esse conhecimento alimentar é multicultural e provém de um processo histórico de colonização vivenciado por diversos povos. Legitimá-lo é respeitar e valorizar as riquezas culturais de um país (GALISA et al., 2014; MENEZES; MALDONADO, 2015; ROCKETT; CORREA, 2017). Além disso, combinar aspectos sensoriais da alimentação regional – como cheiro, textura, cor e sabor – e seus aspectos simbólicos – com suas necessidades nutricionais orgânicas – pode gerar autonomia e ampliar as possibilidades dos indivíduos (ROCKETT; CORREA, 2017). Saiba mais Leitura complementar: AZEVEDO, E. Alimentação, sociedade e cultura: temas contemporâneos. Sociologias, v. 19, n. 44, p. 276-307, 2017. Disponível em: https://cutt.ly/dAphZJ2. Acesso em: 2 mar. 2022. 5.5 Caminhos para planejar ações em EAN Um programa de EAN é constituído de processos de ensino, treinamento e facilitação pelos quais o indivíduo é auxiliado a selecionar e implementar comportamentos desejáveis de alimentação e estilo de vida. O nutricionista deve ser o decodificador da ciência da nutrição, estando capacitado para interpretar os avanços nesta área e traduzi-los em melhores práticas que possibilitem o melhor da alimentação de indivíduos e coletividade (GALISA et al., 2014, p. 210). Um programa de EAN deve seguir estas etapas: Quadro 8 – Planejamento de um programa de EAN Questões Etapas do programa Objetivos Qual é o problema? Diagnóstico educativo Conhecer a realidade do indivíduo ou comunidade e a problemática nutricional a trabalhar O que deve mudar? Objetivos Determinar as ações envolvidas para as mudanças pretendidas O que fazer para as mudanças esperadas se concretizarem? Conteúdo programático Selecionar os temas a trabalhar Como fazer para o conteúdo ser assimilado? Como comunicar? Estratégia de ensino (motivação, métodos e técnicas de ensino, recursos humanos e materiais) Estabelecer o conjunto de procedimentos, técnicas e métodos que visam estimular a aprendizagem O que e como analisar para determinar se os objetivos foram alcançados? Avaliação Determinar o valor ou o volume do êxito na obtenção dos objetivos preestabelecidos Adaptado de: Galisa et al. (2014, p. 211). 45 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – NT Apender não significa acumular informações, e sim construir conceitos que mudem comportamentos, habilidades ou atitudes, transformando indivíduos (GALISA et al., 2014). Saiba mais Para se aprofundar no estudo sobre EAN, confira este relato de experiência: KOPS, N. L.; ZYS, J.; RAMOS, M. Educação alimentar e nutricional da teoria à prática: um relato de experiência. Ciência & Saúde, v. 6, n. 2, p. 135-140, 2013. Disponível em: https://bit.ly/3GURPO5. Acesso em: 2 mar. 2022. 6 COMPORTAMENTO ALIMENTAR Comportamento alimentar pode ser definido como um conjunto de ações relacionadas aos alimentos que se inicia na decisão, passa pela disponibilidade, considera o preparo, horário e local, e se encerra na ingestão (VAZ; BENNEMANN, 2014). Para Alvarenga et al. (2015), o comportamento alimentar se inicia antes da ingestão; seria um ato de pré-deglutição, pois se relaciona à cultura, sociedade e experiência do indivíduo com o alimento. 6.1 Definição de atitude, prática e comportamento alimentar na escolha e no consumo de alimentos A definição da relação do homem e do alimento seria mais bem explicada pela expressão atitudes alimentares. Alvarenga et al. (2015) afirmam que o termo atitude se constrói em três componentes: 1. Afetivo: refere-se a sentimentos, humor e emoções (favoráveis ou não) causadas por um objeto. 2. Cognitivo: refere-se a crenças e ao conhecimento sobre um objeto (influenciado por vários fatores). 3. Volitivo: refere-se à intenção ou ação sobre o objeto – ou seja, a predisposição para agir. Assim, as atitudes alimentares estão conectadas a pensamentos, crenças, sentimentos e à nossa relação com os alimentos; portanto, o comportamento alimentar se insere também nas atitudes de um indivíduo (ALVARENGA et al., 2015). O comportamento humano resulta de interações genéticas, neurológicas, ambientais, psicológicas e sociais, e muitos hábitos e ações não são decisões, mas rotinas neurofisiológicas que propiciam a execução de uma tarefa (CAMBRAIA, 2004). Por outro lado, pode-se definir hábito como ato, uso, costume ou padrão de repetição de uma atividade; também seria a disposição duradoura adquirida pela repetição frequente de um ato. Em resumo, hábito alimentar é o que se consome frequentemente (ALVARENGA et al., 2021). 46 Unidade II O comportamento alimentar (ou escolha alimentar) resulta de vivências do indivíduo ao longo da vida. Frente a isso, Eertmans et al. (2001) propuseram um modelo hipotético de comportamento alimentar: Comportamento alimentar Estímulos alimentares externos ↓ Informação Ambiente social Ambiente físico Estímulos alimentares internos ↓ Paladar Gostar Alimento Escolha Seleção Preferência Ingestão alimentar Consequências antecipadas Fatores ideacionais Figura 1 – Modelo hipotético do comportamento alimentar Adaptada de: Eertmans et al. (2001, p. 444). Saiba mais O artigo a seguir estuda as modificações do comportamento alimentar influenciadas pela vida moderna: MELO, M. T. S. M. et al. A influência da modernidade no comportamento alimentar: uma revisão. Research, Society and Development, v. 10, n. 5, p. 1-13, 2021. Disponível em: https://cutt.ly/WApQrhL. Acesso em: 2 mar. 2022. 6.2 Publicidade e práticas alimentares O avanço da tecnologia, desde a produção de alimentos até a forma de comunicação, é um fator preocupante para a literatura, como o aumento de DCNTs, pois os indivíduos, de maneira geral, passam muitas horas do dia na frente de uma televisão, computador, celular ou outras fontes midiáticas. A publicidade veiculada por diversos canais estimula o consumo de alimentos industrializados, uma vez que essa indústria investe muito para vender seus produtos ao maior número possível de pessoas. Estudos apontam que a maior parte da publicidade de produtos alimentares estimula o consumo de alimentos com baixo valor nutricional (ricos em açúcar, gorduras saturadas e sódio) (ALVARENGA et al., 2021). 47 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – NT Observação Além do estímulo ao consumo de alimentos com elevado teor calórico, a mídia vende um ideal de corpo inatingível para a maioria da população, principalmente as mulheres – fator que influencia significativamente o comportamento delas. A pressão feroz dos meios de comunicação, direcionada a algumas faixas etárias e gênero, promove o consumo de alimentos com densidade energética elevada, distorcendo a autoimagem e favorecendo a busca incessante por dietas milagrosas, que prometem perda de peso rápido, determinando escolhas alimentares equivocadas e, consequentemente, favorecendo transtornos alimentares ou doenças relacionadas à ingestão de alimentos desbalanceados (ALVARENGA et al., 2021; EERTMANS et al., 2001; GALISA et al., 2014). 6.3 Estratégias e ferramentas para diagnosticar comportamentos e práticas alimentares A literatura afirma em consenso que informação não garante mudança de hábito. Para o conhecimento se tornar hábito, deve haver um esforço adicional do indivíduo, por isso se trata de um grande desafio (ALVARENGA et al., 2015). Assim, é importante integrar todas as dimensões do comportamento humano (biológica, sociocultural, econômica e ambiental)para determinar as motivações pessoais que fundamentam escolhas alimentares. O nutricionista deve ser habilitado para identificar os motivos que levam alguém a adotar novos hábitos alimentares e trabalhar com estratégias que mantenham a motivação. Vejamos a seguir algumas dessas estratégias (ALVARENGA et al., 2015; ROSSI; POLTRONIERI, 2019): • Entrevista motivacional. • Comer intuitivo. • Comer com atenção plena (mindful eating). • Terapia cognitivo-comportamental. Alvarenga et al. (2015) separam as formas de atendimento nutricional em aconselhamento nutricional e prescrição, e definem aconselhamento nutricional assim: encontro entre duas pessoas para examinar com atenção, olhar com respeito, e deliberar com prudência e justeza sobre a alimentação de uma delas. Trata-se de um processo para facilitar a evolução de outra pessoa, 48 Unidade II auxiliando-a a resolver dificuldades alimentares e a potencializar seus recursos pessoais por meio de estratégias individualizadas que estimulem a responsabilidade para o autocuidado (ALVARENGA et al., 2015, p. 162). Já a Resolução CFN n. 304/2003 estabelece que prescrição dietética é um: ato privativo do nutricionista e que este, ao elaborá-la, utiliza métodos e técnicas terapêuticas específicas, entendendo-se por método um conjunto sistemático de procedimentos orientados para os fins de produção e/ou aplicação de conhecimentos, e por técnica o conjunto de todas as atividades específicas apropriadas aos princípios gerais delineados na metodologia (CFN, 2003). O aconselhamento nutricional não substitui a prescrição dietética, porém, um atendimento que contemple o aconselhamento do ponto de partida fomenta o vínculo entre o profissional e o indivíduo, permitindo que este considere ser guiado pelo nutricionista (ALVARENGA et al., 2015). 6.3.1 Entrevista motivacional É um estilo de conversa usado no aconselhamento e tem por objetivo favorecer o diálogo entre profissional e paciente, despertando a motivação para mudar hábitos relacionados à alimentação. O respeito é fundamental para garantir o reconhecimento e a aceitação do outro, de sua história e da legitimidade de suas escolhas, evitando julgamentos (ALVARENGA et al., 2015; ROSSI; POLTRONIERI, 2019). O profissional que trabalha com entrevista motivacional deve desenvolver a empatia e a capacidade de escuta ativa, observando não só as falas, mas também as expressões faciais e corporais, pois podem refletir dados importantes do paciente, como medo, culpa, insegurança, insatisfação, vergonha ou conforto. Um dos pontos cruciais dessa técnica é o profissional não perder o foco e não se colocar numa posição de superioridade, pois é um momento de compartilhar informações, assumindo-se assim um caráter horizontal. As decisões sobre a prescrição dietética são tomadas com o paciente, e não impostas pelo nutricionista (ALVARENGA et al., 2015; ROSSI; POLTRONIERI, 2019). 6.3.2 Comer intuitivo Comer intuitivo é uma técnica criada pelas nutricionistas norte-americanas Evelyn Tribole e Elyse Resch, cuja proposta é fazer as pessoas se tornarem confiantes em suas habilidades de distinguir sensações físicas das emocionais e desenvolver sabedoria emocional para atender suas necessidades biológicas (ALVARENGA et al., 2015). A proposta visa uma sintonia entre comida, corpo e mente, baseando-se em três pilares (ALVARENGA et al., 2015): 49 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – NT 1. Permissão incondicional para comer. 2. Comer para atender a necessidades fisiológicas, e não emocionais. 3. Apoiar-se nos sinais internos de fome e saciação para determinar o que, quanto e quando comer. A seguir, observemos algumas diferenças entre o estilo de comer intuitivo e o comer disfuncional: Quadro 9 – Comer intuitivo versus comer disfuncional Comer intuitivo Comer disfuncional Padrão alimentar Intervalos regulares entre refeições Intervalos irregulares, beliscadas, restrições (comer muito pouco) ou compulsões (comer demais) e comer com pressa Como a alimentação é regulada Sinais internos da fome, apetite e saciedade Controle interno e externo inapropriado: dieta, contar calorias, eventos emocionais Propósito do comer Satisfazer a saúde, o crescimento e o bem-estar Emagrecer, aliviar a ansiedade ou o estresse Prevalência Crianças, pessoas que não interferem em seus mecanismos de regulação natural, mais homens que mulheres Mais frequente em meninas e mulheres Físico Promove energia, saúde, crescimento e desenvolvimento de crianças. O peso geralmente é estável e expressa fatores genéticos e ambientais Sensação de cansaço, tontura, frio, puberdade atrasada ou precoce. O peso é instável, com altos e baixos Mental Pensamentos claros e habilidade de concentração. Os pensamentos sobre comida não tomam muito tempo do seu dia e se concentram na hora das refeições Concentração diminuída e preocupação com a comida. Pensamentos focados no planejamento alimentar e imagem corporal ocupam muito tempo do seu dia Emocional Humor estável, não se afeta pela comida Instabilidade no humor, chateação, irritabilidade, ansiedade e baixa autoestima. Preocupação com a imagem corporal é descontada na comida Social Relacionamento saudável com amigos e familiares e com o contexto alimentar Menor integração social, isolamento, capacidade de afeto e generosidade diminuída. Dificuldade de compartilhar refeições Adaptado de: Alvarenga et al. (2015, p. 243). O comer intuitivo contempla 10 princípios básicos que auxiliam o indivíduo a estabelecer uma relação harmoniosa com a comida (ALVARENGA et al., 2015): 1. Rejeitar a mentalidade de dieta. 2. Honrar a fome. 3. Fazer as pazes com a comida. 4. Desafiar o “policial alimentar”. 5. Sentir saciedade. 50 Unidade II 6. Descobrir o fator de satisfação. 7. Lidar com as emoções sem descontar na comida. 8. Respeitar o corpo. 9. Exercitar-se, sentindo a diferença no corpo. 10. Honrar a saúde – praticar uma nutrição gentil. Saiba mais Para aprofundar seus estudos sobre o comer intuitivo, acesse: JARDIM, A. T. Abordagem da alimentação intuitiva comparada a programas de emagrecimento tradicionais na perda de peso e desfechos em saúde. Revista Brasileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento, v. 13, n. 80, p. 570-575, 2019. Disponível em: https://cutt.ly/XAd1s5m. Acesso em: 3 mar. 2022. 6.3.3 Comer com atenção plena (mindful eating) Atenção plena (ou mindfulness) é uma técnica inspirada na meditação. Pode ser definida como a capacidade intencional de trazer atenção para o momento presente, sem julgamentos nem críticas, como uma atitude de abertura e curiosidade (VANDENBERGHE; SOUSA, 2006). Desse princípio surgiu o mindful eating (ou comer com atenção plena), definido como: Uma experiência que engaja todas as partes do nosso ser – corpo, mente e coração – na escolha e preparo da comida, bem como no ato de comê-la. Envolve todos os sentidos. O comer com atenção plena nos imerge nas cores, texturas, aromas, sabores e até mesmo sons do comer e beber. Permite que sejamos curiosos e até lúcidos enquanto investigamos nossas respostas à comida e nossos sinais internos de fome e saciedade (SILVA; MARTINS, 2017, p. 6). Quem come com atenção plena atenta ao sabor, textura e processos do comer, verificando, antes da refeição, seu instinto de fome e se conectando com seus pensamentos para conhecer seus sentimentos com relação à satisfação, emoção e estado físico (ALVARENGA et al., 2015). 51 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – NT Essa ferramenta utiliza técnicas como a meditação mindfulness para exercitar a atenção plena à quantidade de comida ingerida, à frequência, aos sabores, aos horários e ao modo como as pessoas se sentem após comer, para que os indivíduos possam usar a comida como satisfação de suas necessidades fisiológicas, obtendo bons resultados para o tratamento dos transtornos compulsivos relacionados à alimentação (BEZERRA et al., 2021, p. 3). Saiba mais Aprofunde seu conhecimento sobre mindfuleating com este artigo: SOUZA, A. P. L. et al. Criação do Centro Brasileiro de Mindful Eating: resgate da consciência e do amor ao comer. SMAD, v. 16, n. 3, p. 73-80, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3BAYU58. Acesso em: 3 mar. 2022. 6.3.4 Terapia cognitivo-comportamental (TCC) É uma ferramenta que muda o comportamento alimentar e tem como princípio determinar emoções e comportamentos pela forma como interpretamos a realidade. Integra técnicas e conceitos de duas abordagens principais: terapia comportamental (ou behaviorismo) e terapia cognitiva (ALVARENGA et al., 2015). Contempla ações como automonitoramento, estabelecimento de metas, psicoeducação nutricional, prevenção de recaídas, treino para resolver problemas, role-playing game (RPG) (troca de papéis), reversão de hábitos, distinção de pensamentos e fatos, categorização de pensamentos disfuncionais, técnica semântica, análise de custo-benefício e técnica de advogado de defesa. Assim, a TCC incorpora conhecimento da psicologia, sendo um instrumento importante para mudar hábitos alimentares. Além disso, Ela é focada na resolução de problemas, orientada para o momento presente e apresenta muitas intervenções e técnicas que ensinam o indivíduo a “refletir sobre seus pensamentos”, para que a mudança se dê por um controle consciente das cognições autônomas. Todas as situações clínicas podem, em suas abordagens específicas, usar técnicas para modificar o pensamento e crenças profundas, especialmente quando associadas com questões emocionais, que levam o indivíduo a tentar “consertar” ou “amenizar” [a situação] por meio de uma relação disfuncional com a comida (ALVARENGA et al., 2015. p. 333). 52 Unidade II Saiba mais Para conhecer os princípios das técnicas de TCC, acesse: FRANÇA, C. L. et al. Contribuições da psicologia e da nutrição para mudança do comportamento alimentar. Estudos de Psicologia, v. 17, n. 2, p. 337-345, 2012. Disponível em: https://cutt.ly/hAd5q38. Acesso em: 3 mar. 2022. 7 ATUAÇÃO DO NUTRICIONISTA 7.1 Fitoterapia 7.1.1 Estudo da fitoterapia popular, tradicional e científica O termo fitoterapia deriva do grego phutón (vegetal) e do latim científico therapia (tratamento). Consiste no uso interno ou externo de vegetais – seja in natura, seja sob forma de medicamento – para tratar doenças. A história do uso de plantas medicinais ao longo do tempo tem mostrado que elas fazem parte da evolução humana e foram os primeiros recursos terapêuticos utilizados. Plantas medicinais curam e tratam doenças, e acompanham a humanidade desde seus primórdios (BRANDELLI, 2017). No livro Farmacobotânica: aspectos teóricos e aplicação, Brandelli (2017) descreve a linha do tempo sobre a história do uso de plantas medicinais, desde a Pré-História até o século XX, e identifica seus principais marcos no Brasil, numa trajetória fortemente influenciada pela cultura africana, indígena e europeia no Brasil. O Brasil, com seu amplo patrimônio genético, compreende a maior biodiversidade do planeta (em torno de 15% a 20% do total mundial), e sua diversidade cultural poderia estabelecer um modelo de desenvolvimento próprio e soberano na área de saúde e no uso de plantas medicinais e fitoterápicas, primando pelo uso sustentável da biodiversidade e respeitando os princípios éticos e compromissos internacionais, gerando riqueza com inclusão social (BRASIL, 2016a). O Ministério da Saúde, através da Política e Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, visa garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade e o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional (BRASIL, 2016a). Vemos, portanto, que é essencial incentivar a formação e a capacitação de recursos humanos para desenvolver pesquisas, tecnologias e inovação em plantas medicinais e fitoterápicos. 53 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – NT 7.1.2 Fitoterapia e nutrição: prescrição e legislação aplicada A Resolução CFN n. 599/2018 descreve o Código de ética e de conduta do nutricionista, cujo art. 5º estabelece que: O nutricionista, no exercício pleno de suas atribuições, deve atuar nos cuidados relativos à alimentação e nutrição voltados à promoção e proteção da saúde, prevenção, diagnóstico nutricional e tratamento de agravos, como parte do atendimento integral ao indivíduo e à coletividade, utilizando todos os recursos disponíveis ao seu alcance, tendo o alimento e a comensalidade como referência (CFN, 2018a). Pensando na nutrição integrativa, o CFN publicou a Resolução n. 680 para descrever o uso da fitoterapia na prática clínica (CFN, 2021a). O Formulário de fitoterápicos define fitoterápico como um produto obtido exclusivamente de matéria-prima ativa vegetal (compreendendo planta medicinal, droga vegetal ou derivado vegetal; exceto substâncias isoladas), com finalidade profilática, curativa ou paliativa. Pode ser simples – se o ativo provir de uma única espécie – ou composto – se provir de mais de uma espécie (BRASIL, 2021a). O nutricionista aplica a fitoterapia com base em plantas medicinais e suas diferentes preparações, englobando plantas in natura, drogas vegetais e derivados vegetais, exceto substâncias ativas isoladas ou altamente purificadas. Lembrete Como vimos na suplementação nutricional, plantas medicinais também são administradas exclusivamente por via oral e enteral, incluídas mucosa, sublingual e sondas enterais, e excluída a anorretal (CFN, 2021a). No entanto, existem algumas regras. Essa habilitação só será outorgada para quem tiver título de especialista em fitoterapia ou em nutrição e fitoterapia pela Asbran, ou tiver cursado pós-graduação lato sensu em fitoterapia, com diploma emitido por instituição de ensino superior credenciada no MEC, com no mínimo 200 horas de disciplinas específicas de fitoterapia, atendendo, assim, os critérios do CFN (2021a). O nutricionista, ao prescrever os produtos fitoterápicos segundo a legislação vigente (CFN n. 680/2021), deve recomendar aqueles com controle de qualidade e no receituário. Os seguintes itens devem ser contemplados de forma clara: • Nomenclatura botânica, sendo opcional indicar o nome popular. • Parte utilizada. 54 Unidade II • Forma de utilização e modo de preparo: no caso de plantas medicinais in natura ou drogas vegetais, na forma de infusão, decocção ou maceração em água. • Forma ou meio de extração, padronização do marcador da parte da planta prescrita (sempre que disponível na literatura científica) e forma farmacêutica (no caso de drogas vegetais em forma farmacêutica), medicamentos fitoterápicos, produtos tradicionais fitoterápicos e preparações magistrais. • Via de administração e posologia, datada e identificada com dados do paciente e do nutricionista (nome completo, número de inscrição no CRN e meios de contato, como e-mail e telefone institucional). • Carimbo e assinatura do nutricionista. • Entrega pessoal ou eletrônica (digitalizada ou com assinatura digital certificada) ao usuário, com confirmação de recebimento no momento da consulta ou posteriormente. • Registro adequado em prontuário. O art. 9º da Resolução CFN n. 680, que regulamenta a prática da fitoterapia pelo nutricionista e dá outras providências, esclarece que sua competência para atuar na fitoterapia deve respeitar a legislação sanitária vigente, e não inclui: • indicação de medicamentos fitoterápicos industrializados e sujeitos à prescrição médica, assim como a respectiva planta medicinal in natura e a droga vegetal na forma de infusão, decocção e maceração em água, droga vegetal em forma farmacêutica, preparação magistral, entre outras formas, independentemente da indicação/alegação terapêutica; • na composição de medicamento fitoterápico, produto tradicional fitoterápico e preparações magistrais de fitoterápicos: vitaminas, minerais, aminoácidos, substâncias ativas isoladas ou altamente purificadas, seja sintéticas,semissintéticas ou naturais, tampouco sua associação com outros extratos, seja vegetais ou de outras fontes, como a animal ou quaisquer outros componentes. • venda, comercialização e propaganda dos produtos ou técnicas que ele indicará ao paciente, nos termos dos art. 60 e 62 da Resolução CFN n. 599/2018 – o já citado Código de ética e de conduta do nutricionista. No quadro a seguir, observemos os itens necessários para uma prescrição segura da fitoterapia pelo nutricionista: 55 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – NT Quadro 10 – Itens necessários para uma prescrição segura em fitoterapia Identificação da família Conhecer a família da planta medicinal conforme sua classificação botânica, pois isso já possibilita a previsão de possíveis efeitos farmacológicos ou mesmo tóxicos da espécie Nomenclatura popular Plantas medicinais são conhecidas, na maioria das vezes, por diferentes nomes populares Quando a planta é de uso mundial, ainda tem nomes populares distintos nos diversos países em que é utilizada Parte utilizada/órgão vegetal Conhecer a parte da planta e a forma correta de seu uso Diferentes partes de plantas – como raiz e folha – podem apresentar propriedades terapêuticas completamente distintas Indicações terapêuticas Indicar a planta medicinal nos derivados vegetais e formas farmacêuticas a cada condição clínica Ter habilitação para prescrever fitoterápicos segundo a Resolução n. 680/2021 Contraindicações Entender restrições de uso da planta medicinal nas formas farmacêuticas Precauções de uso Conhecer precauções de uso da planta medicinal na forma indicada Efeitos adversos Saber os efeitos adversos possíveis ou já descritos na literatura técnico-científica com a planta medicinal nas formas farmacêuticas Interações medicamentosas Saber informações e interações medicamentosas descritas ou potenciais com a planta medicinal Formas farmacêuticas Descrever as formas farmacêuticas para utilizar a parte da planta medicinal Vias de administração e posologia (dose e intervalo) Prescrever a melhor forma de usar o fitoterápico segundo a literatura técnico-científica Tempo de utilização Conhecer o tempo orientado para usar o fitoterápico, baseando-se na literatura técnico-científica Superdosagem Conhecer procedimentos diante do uso excessivo do fitoterápico Prescrição Conhecer os fitoterápicos de prescrição médica e nutricional Informações sobre segurança e eficácia Conhecer estudos com derivados da planta medicinal, incluindo ensaios clínicos e não clínicos (farmacológicos e toxicológicos) das plantas medicinais ou de suas preparações farmacêuticas Adaptado de: Brasil (2016c, p. 13-15). 7.1.3 Farmacologia aplicada a plantas medicinais Saber conceitos, definições e reconhecer componentes da fitoterapia é essencial para uma prescrição segura e eficiente, conforme o quadro a seguir. 56 Unidade II Quadro 11 – Conceitos, definições e imagens relevantes na fitoterapia Conceito Definição Imagem Plantas medicinais Qualquer planta em solo, cultivada ou não, reconhecida pela produção de substâncias que possam ser utilizadas com fins terapêuticos ou servir como precursoras para uma síntese quimiofarmacêutica Disponível em: https://cutt.ly/2HS3LFf. Acesso em: 20 maio 2022. Nome popular: camomila Nome científico: Matricaria chamomilla L. Droga vegetal Planta (ou suas partes) que, após passar por coleta, secagem, estabilização e conservação, pode ser empregada na preparação de medicamentos (contém substâncias ou classes de substâncias responsáveis pela ação terapêutica) Disponível em: https://cutt.ly/8HS9puv. Acesso em: 20 maio 2022. Princípio ativo ou fitoquímicos Grupo químico presente na droga vegetal responsável pelos efeitos terapêuticos já constatados. É produzido, em sua maioria, no metabolismo secundário da planta e apresenta uniões químicas que garantem o sinergismo de ação. No entanto, se o princípio estiver isolado, é necessário entender tanto a farmacocinética como a farmacodinâmica do químico, já que uma única planta medicinal pode apresentar propriedades farmacológicas diferentes HO HO O OH O Flavonoide apigenina Medicamento fitoterápico Medicamento tecnicamente obtido e elaborado empregando-se exclusivamente matéria-prima vegetal Disponível em: https://cutt.ly/JHS3mBe. Acesso em: 20 maio 2022. Fitofármaco Medicamento de origem vegetal com estrutura química definida e isolada Fitocomplexo Diversidade de substâncias químicas presentes em várias partes das plantas que, em conjunto, exercem ação farmacológica Adaptado de: Brasil (2021a) e CFN (2021a). 57 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – NT 7.1.4 Fitoterápicos prescritos por nutricionistas Ao adotar a fitoterapia, o nutricionista deve considerar (CFN, 2021a): • evidências científicas quanto a critérios de eficácia e segurança, de dados de uso seguro e efetivo publicados na literatura ou de uso tradicional reconhecido; • diagnósticos, laudos e pareceres dos demais membros da equipe multidisciplinar, definindo com eles, sempre que pertinente, a conduta a ser instituída; • indicações, contraindicações e precauções de uso; • a necessidade de oferecer orientações técnicas pertinentes para minimizar, quando possível, os efeitos adversos; • as interações com outras plantas medicinais, com medicamentos e alimentos; • os riscos da potencial toxicidade dos produtos prescritos; • a necessidade de monitorar a evolução clínica, demanda de ajustes de doses e sua suspensão (quando os objetivos forem alcançados) ou por outros critérios técnicos. O art. 2º da Resolução CFN n. 688/2021 estabelece a aplicação da fitoterapia pelo nutricionista na assistência nutricional e dietoterápica, como o uso de plantas medicinais em suas diferentes preparações, englobando-se plantas in natura, drogas vegetais e derivados vegetais, com exceção de substâncias ativas isoladas ou altamente purificadas. Já a Resolução RDC n. 10/2010 dispõe sobre a notificação de drogas vegetais junto à Anvisa e dá outras providências. Seu anexo I aponta uma lista de fitoterápicos que, de acordo com o art. 2º, são produtos isentos de prescrição médica. Além disso, a Instrução Normativa n. 2/2014, da Anvisa, publicou uma lista de medicamentos fitoterápicos de registro simplificado (BRASIL, 2014b). Devemos atentar aos seguintes fitoterápicos, que só podem ser prescritos por médicos: • Cimicífuga – Actaea racemosa L. • Equinácea – Echinacea purpurea (L.) Moench. • Ginkgo – Ginkgo biloba L. • Hipérico – Hypericum perforatum L. • Kava-kava – Piper methysticum G. Forst. 58 Unidade II • Saw palmetto – Serenoa repens (W. Bartram) Small. • Tanaceto – Tanacetum parthenium (L.) Sch. Bip. • Uva-ursi – Arctostaphylos uva-ursi (L.) Spreng. • Valeriana – Valeriana officinallis L. Essa lista é definida e atualizada periodicamente pela Anvisa e pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2014b). Saiba mais Para conhecer mais sobre fitoterápicos da farmacopeia brasileira, leia o seguinte documento: BRASIL. Memento fitoterápico: farmacopeia brasileira. Brasília: Anvisa, 2016c. Disponível em: https://cutt.ly/fGZRQCg. Acesso em: 4 mar. 2022. Ainda, aproveite para conferir a lista de medicamentos fitoterápicos de registro simplificado e a lista de produtos tradicionais fitoterápicos de registro simplificado, ambas presentes em: BRASIL. Instrução Normativa n. 2, de 13 de maio de 2014. Brasília, 2014b. Disponível em: https://bit.ly/357LXUt. Acesso em: 4 mar. 2022. 7.2 Epigenética, nutrigenética e nutrigenômica 7.2.1 Definição Os princípios de saúde, longevidade e qualidade de vida baseiam-se numa alimentação adequada e equilibrada em energia, macro e micronutrientes, fibras e fitoquímicos; porém, a individualidade genética também pode influenciar esses fatores (HERMSDORFF; BRESSAN, 2019). É interessante compreender a importância do genoma humano, definido como conjunto de DNA de um ser vivo (o DNA é formado pela ligação sequencial de moléculas denominadas nucleotídeos)(GÓES; OLIVEIRA, 2014). O genoma contém 3,2 bilhões de nucleotídeos, e sua sequência tem 99,9% de semelhança em todas as pessoas; somente 0,1% diverge, e essa diferença é a responsável pelas características individuais – físicas ou metabólicas – e pela predisposição a determinadas doenças (CONTI; MORENO; ONG, 2010). 59 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – NT Essa porcentagem diferencial é composta basicamente por polimorfismos genéticos, que surgem de uma alteração na base de um nucleotídeo, transformando-se em variantes que envolvem centenas de bases. Isso significa que tem efeito na diferenciação da sequência de bases do DNA, e o mais comum é o polimorfismo de nucleotídeo único (single nucleotide polymorphism – SNP). Sendo assim, o genoma humano deve conter cerca de 10 milhões de SNPs (CORONADO et al., 2011). De 2003 até o momento, o crescente progresso no entendimento do genoma humano tem criado novas possibilidades para estudar as interações entre alimentação, expressão gênica, variabilidade genética, saúde e doença. Assim surgiu na área da nutrição uma ciência moderna e promissora – a genômica nutricional –, que compreende a nutrigenética e a nutrigenômica. Seu objetivo principal é fornecer bases para personalizar as recomendações nutricionais e individualizar planos alimentares de acordo com o genótipo individual (COMINETTI; ROGERO; HORST, 2016). Nutrigenética é o estudo do efeito da variação genética individual na resposta à dieta e nutrição e no risco de desenvolver doenças; já a nutrigenômica estuda o efeito de componentes bioativos da dieta na expressão de genes e consequências nas funções bioquímicas/fisiológicas, podendo influenciar o desenvolvimento de doenças ou promover um estado de saúde adequado (COMINETTI; ROGERO; HORST, 2016; HERMSDORFF; BRESSAN, 2019). Outro termo que não pode ser confundido com os demais é epigenética – estudo da variação herdável que ocorre sem mudar a sequência do DNA. Dentre os eventos envolvidos nela, destacam- se o padrão de metilação do DNA, as modificações de histonas, a ação de microRNA e a estabilidade cromossômica. A alimentação apresenta capacidade de modular diferentes eventos epigenéticos, envolvidos com o metabolismo celular (COMINETTI; ROGERO; HORST, 2016; HERMSDORFF; BRESSAN, 2019). O campo da nutrição é amplo e está em constante evolução, com métodos cada vez mais precisos para identificar variações individuais que direcionem mais assertivamente as prescrições e condutas nutricionais. Nesse contexto, alguns conceitos surgem e mostram novas conquistas, como a nutrição de precisão, cujo objetivo é desenvolver recomendações nutricionais mais abrangentes e dinâmicas, com base em parâmetros variáveis e interativos no ambiente interno e externo de uma pessoa ao longo da vida. Para tanto, suas abordagens incluem outros fatores além da genética, como hábitos alimentares, atividade física, microbiota e metaboloma (DE TORO-MARTIN et al., 2017). A nutrição de precisão deve ser compreendida em três níveis (DE TORO-MARTIN et al., 2017): 1. Estratificação das diretrizes nutricionais convencionais em subgrupos por idade, sexo e outros determinantes sociais. 2. Abordagens individuais emitidas de uma fenotipagem profunda e refinada, e uma nutrição dirigida por genética com base em variantes genéticas raras. 3. Impacto na resposta dos indivíduos a determinados alimentos. 60 Unidade II Nutrição estratificada Nutrição individualizada Nutrição personalizada com base em genes Níveis de nutrição de precisão Figura 2 – Os três níveis de nutrição de precisão, de acordo com a Sociedade Internacional de Nutrigenômica e Nutrigenética Adaptada de: De Toro-Martin et al. (2017, p. 4). Em 2021 houve uma grande conquista na área da nutrição: a Resolução CFN n. 689, de 4 de maio, regulamentou 34 áreas de especialidade em nutrição, dentre elas a nutrição de precisão. Trata-se de um grande avanço para a profissão (CFN, 2021c). 7.2.2 Genômica nutricional nas DCNTs Sabe-se que nutrientes e compostos bioativos influenciam a saúde na prevenção e no tratamento de DCNTs; no entanto, para compreender essa interação, é essencial estudar o genoma, as variantes genéticas decorrentes de polimorfismos e a alimentação, ampliando o conhecimento através: • da nutrigenética, que visa detectar quais variantes genéticas geram respostas metabólicas diferenciadas entre indivíduos, mesmo que consumam a mesma dieta; • da nutrigenômica, que estuda a modulação da expressão gênica por nutrientes e compostos bioativos dos alimentos (SCHMIDT; SODER; BENETTI, 2019). Muitos casos de obesidade, doença cardiovascular, diabetes, câncer e outras doenças crônicas se associam às interações entre diversos genes com os fatores ambientais. Tanto os nutrientes quanto os compostos bioativos dos alimentos, da dieta e do estilo de vida podem alterar a expressão gênica, modificando as funções metabólicas (SCHMIDT; SODER; BENETTI, 2019). 7.2.2.1 Obesidade Polimorfismos podem se relacionar ao controle da necessidade de ingestão alimentar na obesidade, e esses genes em interação com o ambiente influenciam o consumo dietético total, o apetite e a saciedade para diversos alimentos (SCHMIDT; SODER; BENETTI, 2019). 61 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – NT Entre os genes envolvidos na obesidade, o associado à massa gorda e à obesidade (fast mass and obesity-associated – FTO) é um dos mais estudados. Um dos principais polimorfismos do FTO em termos de obesidade é o SNP rs9939609, fortemente ligado ao excesso de peso, com alto índice de massa corporal (IMC), com dislipidemias e resistência à insulina, tanto em crianças como em jovens e adultos (PEREIRA FILHO et al., 2021). Outros FTOs relevantes sobre interação genética, nutrição e obesidade: • Adultos com a herança genética FTO rs9939609 A pesavam aproximadamente três quilos a mais e tinham um risco 1,67 vez maior de obesidade em relação a quem não herdou o alelo de risco (FRAYLING et al., 2007). • O consumo alto e habitual de ácidos graxos saturados e a baixa razão de ácidos graxos poli-insaturados acentuam o risco de obesidade em portadores do alelo A (FTO rs9939609 A), mas não nos homozigotos (LEE et al., 2010). • Foi encontrada maior frequência dos SNPs do FTO rs9939609 A e rs9930506 G nos indivíduos obesos do que no grupo magro, mesmo após ajustes por idade e sexo (SENTINELLI et al., 2012). • O SNP do FTO rs9939609 A se relacionou ao aumento do IMC, associado a maiores chances de sobrepeso ou obesidade em comparação com o peso normal (IMC < 25 kg/m2) (RENZO et al., 2018). • A ingestão dietética de ácido linoleico pode modular as variantes do gene FADS1 em portadores do polimorfismo rs174547, atuando positivamente no IMC, na circunferência da cintura e nos níveis de colesterol HDL (DUMONT et al., 2018). 7.2.2.2 Diabetes melito tipo 2 A prescrição nutricional desafia a prevenção, o gerenciamento da doença e a prevenção de complicações decorrentes do diabetes melito (SBD, 2020). No tipo 2, os nutrientes e compostos bioativos, assim como padrões dietéticos saudáveis, são fundamentais para prevenir e tratar (TRESSERRA-RIMBAU et al., 2019). O gene mais conhecido para o risco de diabete tipo 2 é o SNPs rs7903146, que se encontra no gene de fator de transcrição 7 like2 (TCF7L2), também relacionado com a secreção e um defeito precoce de insulina (HINDY et al., 2012). Vejamos a seguir mais algumas informações sobre interação genética, nutrição e diabetes melito: • A associação do gene FTO e diabetes tipo 2 foi anulada após ajuste do IMC (FRAYLING et al., 2007). • Há relação entre o gene FTO e o risco aumentado de diabetes tipo 2 (LI et al., 2012). 62 Unidade II • A adesão à dieta mediterrânea se associava a um efeito protetor, com polimorfismos do DM2. O FTO rs9939609 se associava a um maior risco de diabetes tipo 2 quando a adesão à dieta mediterrânea era baixa (ORTEGA-AZORÍN et al., 2012). 7.2.2.3 Doenças cardiovasculares A nutrição é importante na patogênese e naprevenção de doenças cardiovasculares (DCV). Padrões alimentares mais saudáveis são necessários, não valorizando alimentos individualmente, mas priorizando a adequação do consumo calórico, incluindo grãos, frutas e hortaliças, restringindo carboidratos refinados e alimentos ultraprocessados, priorizando gorduras mais saudáveis em detrimento das saturadas e trans (IZAR et al., 2021). O consumo dietético de gorduras e colesterol leva a uma mudança lipídica no plasma, envolvendo genética. Então, identificar e compreender as diferentes respostas dos genes mediante nutrientes, componentes bioativos e DCV permite prevenir ou tratar indicadores cardiovasculares (FUJII; MEDEIROS; YAMADA, 2010). A seguir, discutem-se alguns polimorfismos em doenças cardiovasculares: • O farelo de aveia na dieta de indivíduos com o genótipo apoE3/3 apresentou resposta hipocolesterolêmica, não vista em genótipo apoE4 (SIMOPOULOS, 2002). • A expressão da enzima variante MTHFR foi um achado em pacientes com doença vascular. Assim, sujeitos homozigotos para o polimorfismo de alelo C677T têm níveis baixos de MTHFR e de folato, com níveis altos de homocisteína no plasma, relacionando-se ao maior risco de doença vascular (SHANE, 2008). • A suplementação com ômega-3 aumentou o nível de adiponectina em portadores de variantes do gene da adiponectina þ45 TT (ALSALEH et al., 2013). • Crianças coreanas com dieta em baixa proporção de AGMI:AGS, portadoras do alelo G-11377, apresentaram níveis significativamente maiores de colesterol total sérico e colesterol LDL em comparação ao controle (PARK et al., 2014). 7.2.2.4 Câncer Há muitas evidências sobre o impacto de nutrientes e compostos bioativos (fitoquímicos e polifenóis) em processos biológicos que desenvolvem e agravam o câncer. A nutrição inadequada promove um microambiente nutricional desordenado no nível celular e molecular, o que pode criar um ambiente propício ao acúmulo de danos no DNA e, portanto, ao desenvolvimento do câncer (INCA, 2020). Fatores nutricionais podem influenciar mecanismos envolvidos no reparo do DNA e mudanças epigenéticas nas células (INCA, 2020). 63 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – NT A seguir, alguns tópicos sobre interação genética, nutrição e câncer: • O consumo de soja em mulheres portadoras do gene BRCA se associou a um menor risco de câncer de mama em comparação a membros familiares não afetados (KO et al., 2013). • Nutrientes e compostos bioativos – como resveratrol, curcumina, quercetina, α-mangostina, ácidos graxos ômega-3, vitamina D e fibra alimentar – podem atuar no gene tanto na prevenção como no tratamento de câncer colorretal (GAVRILAS et al., 2016). • A genisteína, presente na soja, foi destacada como efeito protetor, por atuar sobre os genes, em ação nos danos ao DNA e na parada do ciclo celular (SELLAMI; BRAGAZZI, 2020). 7.2.3 Testes nutrigenéticos em nutrição Acompanhando as inovações da interação entre gene e nutrição, o CRN-3 publicou o Parecer Técnico n. 9/2015 com o tema genômica nutricional: testes de nutrigenética. Testes genéticos estão cada vez mais presentes, acessíveis e já comercializados no Brasil. Segundo Pucci (2019), os quatro laboratórios mais solicitados por nutricionistas para testes são o Centro de Genomas, o Biogenetika, o DF Medica e o Nutrigenomix. O principal enfoque dos testes genéticos relacionados à nutrição é a análise de SNPs, que poderiam nos direcionar para as necessidades nutricionais individuais, a fim de reduzir o risco de DCNTs, segundo o Parecer Técnico CRN-3 n. 9/2015. No Brasil, a maior parte dos estudos é da área de nutrigenômica; ainda são raros os estudos em nutrigenética (PUCCI, 2019). O CRN-3 n. 9/2015 nos orienta sobre testes genéticos: • São preditivos e não diagnósticos, e não devem substituir outros exames e avaliações necessários ao tratamento, sendo utilizados apenas como ferramenta adicional à prescrição nutricional; • A atuação nessa área deve se pautar no código de ética. • O nutricionista deve estar capacitado a interpretar os testes genéticos. • Uma interpretação equivocada pode prejudicar o cliente. • A recomendação de suplementos baseada nos testes não tem evidência científica suficiente até o momento, devendo o nutricionista enfatizar ao paciente a importância de consumir os alimentos. • É necessário se capacitar e se especializar para solicitar e interpretar corretamente tais testes, bem como aplicá-los da forma mais adequada e racional em sua rotina de atendimento. 64 Unidade II O futuro da nutrição de precisão não se baseará apenas na nutrigenética, mas se somará a outros determinantes, como fatores nutricionais, estilo de vida, incluindo hábitos de atividade física, metabolômica ou microbiômica intestinal. Por isso é essencial o nutricionista se habilitar nessa nova ciência, a fim de prevenir doenças e promover a saúde. Muitos estudos ainda precisam ser realizados, mas o caminho já foi aberto, e o primeiro passo já foi dado. Muitas perguntas permanecem sem respostas, mas há perspectivas reais para uma personalização total das intervenções nutricionais. 7.3 Alimentos funcionais 7.3.1 Definições A Portaria n. 398/1999, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, define alimento funcional como: O alimento ou ingrediente que alegar propriedades funcionais ou de saúde [e que] pode, além de funções nutricionais básicas, quando se tratar de nutriente, produzir efeitos metabólicos e ou fisiológicos e ou efeitos benéficos à saúde, devendo ser seguro para consumo sem supervisão médica (BRASIL, 1999a). Pode ser definido também como alimento para uso específico de saúde (foods for specified health use – Foshu), concepção lançada no Japão, na década de 1980, por um programa de governo cujo objetivo era desenvolver alimentos saudáveis para uma população que envelhecia e apresentava uma grande expectativa de vida (COLLI, 1998), preservando o sistema imunológico, endócrino, nervoso, circulatório e digestivo (ARAI, 1996). Roberfroid (2002) lista as seguintes características para um alimento funcional: • Alimento natural. • Alimento ao qual um componente foi adicionado. • Alimento do qual um componente foi removido. • Alimento no qual a natureza de um ou mais componentes foi modificada. • Alimento no qual a biodisponibilidade de um ou mais componentes foi modificada. Fica claro, portanto, que não há uma definição consensual da expressão alimento funcional (ARONSON, 2017). 65 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – NT A Anvisa regulamentou os alimentos funcionais com as seguintes resoluções: • Resolução n. 16/1999: regulamento técnico para procedimentos de registro de alimentos e/ou novos ingredientes – aplica-se ao registro de alimentos e/ou novos ingredientes para consumo humano. Excluem-se os aditivos e coadjuvantes de tecnologia de fabricação. • Resolução n. 17/1999: estabelece as diretrizes básicas para avaliar o risco e a segurança de alimentos – aplica-se ao registro de novos alimentos ou ingredientes que possam conter componentes, nutrientes ou não nutrientes com ação biológica em quantidade que cause efeito adverso à saúde. • Resolução n. 18/1999: estabelece diretrizes básicas para analisar e comprovar propriedades funcionais e/ou de saúde alegadas em rotulagem de alimentos. • Resolução n. 19/1999: registra alimentos com alegação de propriedades funcionais e/ou de saúde em sua rotulagem. De acordo com a legislação brasileira – Resoluções n. 18 e 19/1999 –, há distinção entre alegar propriedade funcional e propriedade de saúde. A primeira é definida pelo papel metabólico ou fisiológico do nutriente (ou não nutriente) no crescimento, desenvolvimento, manutenção e outras funções normais do organismo humano; já a segunda afirma, sugere ou implica a existência de relação entre o alimento ou ingrediente com doença ou condição relacionada à saúde. Não são permitidas alegações de saúde que façam referência à cura ou prevenção de doenças. Em 2020, a Anvisa criou o documento-basepara a discussão regulatória sobre novos alimentos e ingredientes, a fim de nortear questões acerca do processo regulatório nacional referente à revisão da legislação sanitária sobre novos alimentos e ingredientes (BRASIL, 2020a). Para uma prescrição consciente e segura de alimentos funcionais, é necessário conhecer as classes de compostos funcionais e suas propriedades (MORAES; COLLA, 2006). Observe: Quadro 12 – Classes de compostos bioativos e propriedades funcionais dos alimentos Nutrientes e compostos bioativos Propriedades funcionais Probióticos e prebióticos Probióticos Prebióticos Fruto-oligossacarídeos Inulina Lactulose Probiótico: equilibra a microbiota intestinal Prebiótico: modula a microbiota intestinal Fibras (oligossacarídeos) Betaglucano Dextrina resistente Goma guar Polidextrose Quitosana Capacidade de reter substâncias tóxicas ingeridas ou produzidas no trato gastrintestinal Redução do tempo do trânsito intestinal Formação de substâncias protetoras pela fermentação bacteriana dos compostos de alimentação 66 Unidade II Nutrientes e compostos bioativos Propriedades funcionais Compostos fenólicos Flavonoides Isoflavonas Combate os radicais livres Quelantes de metais pesados Ácidos graxos Ômega-3 Ômega-6 Monoinsaturados Anti-inflamatório Anticoagulante Vasodilatador Sulfurados e nitrogenados Glicosinolatos Isotiocianatos Indóis Proteção contra a carcinogênese e mutagênese Ativadores de enzimas na destoxificação do fígado Compostos antioxidantes Carotenoides Luteína Zeaxantina Vitamina C Vitamina E Ajudam a neutralizar a ação dos radicais livres Participam indiretamente de sistemas enzimáticos Fitoesteróis Esteróis vegetais Reduzem a absorção de colesterol Adaptado de: Moraes e Colla (2006, p. 113-119). 7.3.2 Principais alimentos e alegações funcionais O consumo regular e adequado de alimentos funcionais pode se associar a funções antioxidantes, anti-inflamatórias, de sensibilidade à insulina e com atuação no metabolismo de gorduras, essenciais para prevenir DCNTs. A seguir, confira os nutrientes (e não nutrientes) com as alegações padronizadas e seus requisitos específicos. As alegações podem descrever o papel fisiológico do nutriente (ou não nutriente) no crescimento, no desenvolvimento e nas funções normais do organismo. Também podem se referir à manutenção geral da saúde e à redução do risco de doenças (BRASIL, 2016a). Quadro 13 – Nutrientes e não nutrientes com classe funcional, componentes-chave, dose recomendada e alegações padronizadas Classe funcional Componentes-chave Dose recomendada Alegação padronizada Ácidos graxos Ácido eicosapentaenoico (EPA) e ácido docosa-hexaenoico (DHA) Não declarada “O consumo de ácidos graxos ômega-3 auxilia na manutenção de níveis saudáveis de triglicerídeos, desde que associado a uma alimentação equilibrada e hábitos de vida saudáveis” Carotenoides Licopeno Não declarada “O licopeno tem ação antioxidante que protege as células contra os radicais livres. Seu consumo deve estar associado a uma alimentação equilibrada e hábitos de vida saudáveis” Carotenoides Luteína Não declarada “A luteína tem ação antioxidante que protege as células contra os radicais livres. Seu consumo deve estar associado a uma alimentação equilibrada e hábitos de vida saudáveis” 67 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – NT Classe funcional Componentes-chave Dose recomendada Alegação padronizada Carotenoides Zeaxantina Não declarada “A zeaxantina tem ação antioxidante que protege as células contra os radicais livres. Seu consumo deve estar associado a uma alimentação equilibrada e hábitos de vida saudáveis” Fibras alimentares Fibras Mínimo de 2,5 g de fibras “As fibras alimentares auxiliam o funcionamento do intestino. Seu consumo deve estar associado a uma alimentação equilibrada e hábitos de vida saudáveis” Fibras alimentares Betaglucana em farelo de aveia, aveia em flocos e farinha de aveia Não declarada “Este alimento contém betaglucana (fibra alimentar), que pode auxiliar na redução do colesterol. Seu consumo deve estar associado a uma alimentação equilibrada e baixa em gorduras saturadas e a hábitos de vida saudáveis” Fibras alimentares Dextrina resistente Mínimo de 2,5 g de dextrina resistente “As fibras alimentares auxiliam o funcionamento do intestino. Seu consumo deve estar associado a uma alimentação equilibrada e hábitos de vida saudáveis” Fibras alimentares Fruto-oligossacarídeo (FOS) Mínimo de 5 g de FOS “Os fruto-oligossacarídeos – FOS (prebióticos) – contribuem para o equilíbrio da flora intestinal. Seu consumo deve estar associado a uma alimentação equilibrada e hábitos de vida saudáveis” Fibras alimentares Goma guar parcialmente hidrolisada Mínimo de 2,5 g de goma guar parcialmente hidrolisada “As fibras alimentares auxiliam o funcionamento do intestino. Seu consumo deve estar associado a uma alimentação equilibrada e hábitos de vida saudáveis” Fibras alimentares Inulina Mínimo de 5 g de inulina “A inulina (prebiótico) contribui para o equilíbrio da flora intestinal. Seu consumo deve estar associado a uma alimentação equilibrada e hábitos de vida saudáveis” Fibras alimentares Lactulose Mínimo de 3 g de lactulose “A lactulose auxilia o funcionamento do intestino. Seu consumo deve estar associado a uma alimentação equilibrada e hábitos de vida saudáveis” Fibras alimentares Polidextrose Mínimo de 2,5 g de polidextrose “As fibras alimentares auxiliam o funcionamento do intestino. Seu consumo deve estar associado a uma alimentação equilibrada e hábitos de vida saudáveis” Fibras alimentares Psillium (ou psyllium) Mínimo de 3 g de psillium “O psillium (fibra alimentar) auxilia na redução da absorção de gordura. Seu consumo deve estar associado a uma alimentação equilibrada e hábitos de vida saudáveis” Fibras alimentares Quitosana Mínimo de 3 g de quitosana “A quitosana auxilia na redução da absorção de gordura e colesterol. Seu consumo deve estar associado a uma alimentação equilibrada e hábitos de vida saudáveis” Fitoesteróis Fitoesteróis 0,8 g de fitoesteróis livres “Os fitoesteróis auxiliam na redução da absorção de colesterol. Seu consumo deve estar associado a uma alimentação equilibrada e hábitos de vida saudáveis” Polióis Manitol/xilitol/sorbitol Não declarada “Manitol/xilitol/sorbitol não produz ácidos que danificam os dentes. O consumo do produto não substitui hábitos adequados de higiene bucal e de alimentação” Probióticos Lactobacillus, bifidobacterium e enterococcus Não declarada “A alegação de propriedade funcional ou de saúde deve ser proposta pela empresa e será avaliada, caso a caso, com base nas definições e princípios estabelecidos na Resolução n. 18/1999” Proteína de soja Proteína de soja Mínimo de 25 g de proteína de soja “O consumo diário de no mínimo 25 g de proteína de soja pode ajudar a reduzir o colesterol. Seu consumo deve estar associado a uma alimentação equilibrada e hábitos de vida saudáveis” Fonte: Brasil (2019c). 68 Unidade II 7.4 Probióticos, prebióticos e simbióticos 7.4.1 Probióticos O termo probiótico foi cunhado por Lilley e Stillwell em 1965 para descrever microrganismos que desempenhavam atividades benéficas. Trata-se de microrganismos vivos que, se administrados em quantidade adequada, beneficiam a saúde do hospedeiro. As espécies mais estudadas são lactobacillus e bifidobacterium, mas o fermento Saccharomyces boulardii e algumas espécies E. coli, bacillus e bactérias ácido-lácticas também são citadas (GUARNER et al., 2017). Cepas de probióticos são identificadas segundo gênero, espécie, subespécie (se corresponder) e uma denominação alfanumérica que identifica uma cepa específica, visto que a abordagem mais séria sobre a evidência dos probióticos é poder associar benefícios a determinadas cepas ou combinações de cepas de probióticos numa dose eficaz (GUARNER et al., 2017). As recomendaçõespara o uso de probióticos, especialmente na prática clínica, devem ligar as cepas específicas aos benefícios declarados a partir de estudos em seres humanos (GUARNER et al., 2017). Para garantir um efeito contínuo, eles devem ser ingeridos diariamente, e as alterações favoráveis na composição da microbiota intestinal, segundo a Anvisa (2008), devem estar entre 108 e 109 unidades formadoras de colônia na recomendação diária do produto pronto para consumo, conforme indicação do fabricante. Valores menores podem ser aceitos desde que a empresa comprove sua eficácia. A maioria das cepas de probióticos foi desenvolvida por sua capacidade de resistir ao baixo pH gástrico, originando incontáveis variantes com propriedades fisiológicas desconhecidas (GUARNER et al., 2017). Probióticos modulam o ecossistema intestinal e estimulam os mecanismos imunes da mucosa, interagindo com microrganismos comensais ou potencialmente patogênicos, gerando produtos metabólicos finais, como ácidos graxos de cadeia curta, capazes de ativar receptores acoplados especificamente à proteína G, desencadeando a secreção de diferentes peptídeos intestinais, envolvidos na regulação do metabolismo energético e na função da barreira intestinal, comunicando-se com as células do hospedeiro (WIEËRS et al., 2020). Benefícios dos probióticos (GUARNER et al., 2017): • Imunológicos: — Ativar macrófagos locais para aumentar a apresentação dos antígenos para os linfócitos B e aumentar a produção de imunoglobulina A secretória (IgA) local e sistemicamente. — Modular o perfil das citocinas. — Induzir tolerância aos antígenos alimentares. 69 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – NT • Não imunológicos: — Digerir alimentos e competir com patógenos pelos nutrientes. — Alterar o pH local para criar um ambiente local desfavorável aos patógenos. — Produzir bacteriocinas para inibir patógenos. — Fagocitar radicais superóxidos. — Estimular produção epitelial de mucina. — Aumentar a função da barreira intestinal. — Competir pela adesão aos patógenos. — Alterar as toxinas de origem patogênica. Probióticos podem modular a microbiota intestinal, melhorando diferentes condições clínicas e doenças intestinais, como disbiose, diarreia associada a antibiótico, doença de Chron, colite ulcerativa e câncer colorretal (KIM et al., 2019). O uso de probióticos é promissor na pediatria, em especial na diarreia infecciosa aguda, nas cólicas infantis e na síndrome do intestino irritável (SANSOTTA et al., 2019). Atletas podem se beneficiar do consumo de probióticos (LEITE et al., 2019), sendo benéfico também como coadjuvante no tratamento antidepressivo (PARK et al., 2018). A intervenção com probiótico é promissora em DCNTs, como diabetes melito tipo 2 (SUN et al., 2020), obesidade (ABENAVOLI et al., 2019), dislipidemia, aterosclerose (OYNOTKINOVA et al., 2020) e câncer (BEDADA et al., 2020). 7.4.2 Prebióticos Foram definidos em 1995 por Gibson e Roberfroid como ingredientes seletivamente fermentados, compostos basicamente por polissacarídeos não amido e oligossacarídeos, que permitem mudanças específicas na composição e/ou atividade da microbiota gastrintestinal, beneficiando a saúde do hospedeiro. Os mais conhecidos são inulina, oligofrutose, galacto-oligossacarídeos, lactulose e oligossacarídeos do leite materno (GUARNER et al., 2017). Uma estratégia alimentar para modular a microbiota intestinal é o consumo de fibra alimentar e prebióticos que podem ser metabolizados por microrganismos no trato gastrintestinal. As doses de prebióticos para beneficiar a saúde variam entre 2 e 55 g, conforme revisão proposta por Holscher (2017). Enzimas alimentares humanas não são capazes de digerir a maioria dos carboidratos complexos e polissacarídeos vegetais. Assim, são metabolizados por microrganismos que geram ácidos graxos de cadeia curta, incluindo acetato, propionato e butirato (HOLSCHER, 2017). 70 Unidade II Entre os ácidos graxos de cadeia curta, o butirato é a principal fonte de energia para colonócitos e enterócitos. O propionato também pode ser utilizado localmente por conversão em glicose pela gliconeogênese intestinal (VADDER et al., 2014) ou pelo fluxo via veia porta, para ser utilizado como substrato para a gliconeogênese hepática (CUMMINGS et al., 1987). Entre 90% e 99% deles são absorvidos no intestino ou usados pela microbiota (RUPPIN et al., 1980), mas uma pequena quantidade – principalmente propionato e acetato – é encontrada na circulação periférica. O acetato é o mais abundante entre os encontrados na circulação e consegue cruzar a barreira hematoencefálica (FROST et al., 2014; PERRY et al., 2016), influenciando a integridade das células epiteliais gastrintestinais na homeostase da glicose, no metabolismo lipídico, na regulação do apetite e na função imunológica (KOH et al., 2016). Benefícios dos prebióticos (GUARNER et al., 2017): • Efeitos metabólicos: produção de ácidos graxos de cadeia curta e absorção de íons (Ca, Fe, Mg). • Aumentam a imunidade do hospedeiro (produção de IgA, modulação de citocinas etc.). 7.4.3 Simbióticos São combinações apropriadas de prebióticos e probióticos. Um produto simbiótico exerce efeito prebiótico e probiótico (GUARNER et al., 2017). Saiba mais Leituras para complementar seus estudos sobre probióticos, prebióticos e alimentos funcionais: GIUNTINI, E. B. Alimentos funcionais. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional, 2018. SAAD, S. M. I. Probióticos e prebióticos: o estado da arte. Revista Brasileira de Ciências Farmacêuticas, v. 42, n. 1, p. 1-16, jan./jun. 2006. Disponível em: https://bit.ly/3p4mvWW. Acesso em: 7 mar. 2022. 7.5 Fodmaps 7.5.1 Definição Nos últimos anos tem crescido o interesse em pesquisar uma ampla classe de alimentos, agrupados sob a sigla Fodmaps – do inglês fermentable oligo-, di-, mono-saccharides, and polyols (oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis fermentáveis) –, especialmente para tratar distúrbios gastrintestinais funcionais em adultos ou crianças (PENSABENE et al., 2019). Trata-se de 71 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – NT uma grande classe de pequenos carboidratos não digeríveis, contendo apenas de 1 a 10 açúcares mal absorvidos no intestino delgado. Podem ser encontrados em vários alimentos, como frutas, vegetais, legumes e cereais, mel, leite e produtos lácteos e adoçantes (GIBSON; SHEPHERD, 2005). Uma dieta baixa em Fodmaps não é apenas uma restrição de glúten e lactose, mas uma eliminação maior e mais consistente de diferentes grupos alimentares (MANSUETO et al., 2015), servindo também para diagnosticar e testar a tolerância dos pacientes a alguns alimentos, eliminando-os da dieta. Assim, essa estratégia alimentar restringe a ingestão de vários carboidratos fermentáveis, inclusive alimentos com frutanos (trigo e cebola), galacto-oligossacarídeos (leguminosas, repolho), lactose (produtos lácteos), frutose (peras e maçãs) e polióis de açúcar, como sorbitol e manitol (frutas com caroço e adoçantes artificiais) (DROSSMAN et al., 1988). Confira uma lista com exemplos desses alimentos: Quadro 14 – Lista de alimentos com baixo teor de Fodmaps Nutrientes Baixo teor de Fodmaps Cereais Produtos sem glúten*, arroz, massa feita de milho, tortilla chips, quinoa, aveia, farinha de milho Produtos lácteos Produtos sem lactose, leite de arroz, leite de soja, sorvetes à base de água Queijo Queijos duros, cheddar, parmesão, muçarela, suíço, tofu firme, tempeh, brie, camembert Frutas Bananas, melão cantalupo, carambola, melão, quiuí, laranja, maracujá, mamão, todos os frutos silvestres (framboesas, mirtilos, morangos; exceto amoras, tangelo, uva, toranja), todas as castanhas (exceto castanha de caju e pistache, e menos de 10), amêndoas (mas menos de 10), macadâmia, azeitonas, sementes de abóbora, sementes de linho e de chia, coco, limão siciliano, limão-taiti, mamão-papaia, ruibarbo Vegetais Brotos de bambu, bok choy, pimenta, aipo, cebolinha, choko, choy sum, milho, berinjela,feijão-verde, brotos de feijão, alface, nabo, abóbora, acelga, tomate, batatas, cebolinha (parte verde, apenas), óleo com infusão de alho, pimentão, acelga-suíça, cenoura, espinafre, abobrinha, beterraba (não mais de quatro fatias), brócolis (não mais de meia xícara) Leguminosas Ervilha enlatada, grão-de-bico enlatado, lentilha enlatada Adoçantes Néctar, xarope de milho dourado, xarope de bordo, glicose, sacarose (açúcar de mesa), aspartame, estévia, melaço, quaisquer edulcorantes que não contenham frutose e não terminem em -ol *Produtos sem glúten têm baixo teor de Fodmaps, exceto se tiverem mel ou adoçantes à base de frutose ou polióis. Adaptado de: Pensabene et al. (2019, p. 646). 7.5.2 Alegações comprovadas Mecanismos de ação dos Fodmaps ligam-se principalmente à atividade osmótica, forçando a entrada de água no trato gastrintestinal (GIBSON, 2017). Além disso, após entrarem no cólon, representam um alimento de fácil utilização pela microbiota intestinal, que os fermenta e, com isso, aumenta a produção de gases, o que piora a distensão luminal. Esses carboidratos fermentáveis também ativam o plexo de Meissner, modulando a transmissão sensorial neuroentérica, o que estimula a secreção e a motilidade intestinal, e acelera o tempo de trânsito (GERSHON; TACK, 2007). Além disso, técnicas de 72 Unidade II processamento de alimento podem reduzir a composição dos Fodmaps, como fervê-los e deixá-los de molho (PENSABENE et al., 2019). A ingestão diária de Fodmaps em uma dieta habitual varia de 15 a 30 g por dia. Se se recomendar a restrição de carboidratos fermentáveis, então será necessária uma eliminação global da ingestão de Fodmaps de quatro a oito semanas, seguida de uma reintrodução gradual, de acordo com a tolerância individual, o que possibilita personalizar a dieta e implementá-la em longo prazo (O’KEEFFE; LOMER, 2017). Algumas limitações e preocupações potenciais da dieta baixa em Fodmaps devem ser destacadas, como a dificuldade da adequação nutricional, a fim de evitar desequilíbrios nutricionais e calóricos, além do custo e da dificuldade em ensinar a técnica dietética (BELLINI et al., 2020). Acredita-se que a maioria das limitações pode ser resolvida com um nutricionista qualificado, que explique claramente as fases da dieta baixa em Fodmaps e garanta a adequação e adesão nutricional através de um monitoramento frequente (como ligações e e-mails), sugerindo receitas de acordo com o comportamento alimentar e o estilo de vida (BARRETT, 2017; O’KEEFFE; LOMER, 2017; BELLINI; ROSSI, 2018). 8 DEFICIÊNCIAS NUTRICIONAIS: ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS, FISIOPATOLÓGICOS E NUTRICIONAIS 8.1 Vitaminas A e D, ferro e ácido fólico 8.1.1 Vitamina A No Brasil, a deficiência de vitamina A é um problema de saúde pública (WHO, 2011). O Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani) traçou o perfil das crianças menores de 5 anos em relação a deficiências de micronutrientes e, de acordo com o Ministério da Saúde, a carência de vitamina A apareceu em 6% dos casos estudados. Os quadros mais elevados de deficiência do nutriente foram encontrados no Centro-Oeste (9,5%), Sul (8,9%) e Norte (8,3%); o Sudeste teve a menor prevalência nacional (4,3%) (UFRJ, 2020). No entanto, houve redução da carência de vitamina A nos últimos anos. Segundo o estudo, a redução apareceu em 6% dos casos estudados em 2019, representando uma diminuição de 65,5% se comparado a 2006 (17,4%) (UFRJ, 2020). O corpo humano não pode produzir vitamina A, portanto, deve ser ingerida por alimentos e/ou suplementos. O corpo pode armazená-la no fígado e garantir uma reserva (utilizada quando necessário); se essa reserva estiver reduzida e não ingerirmos alimentos com vitamina A suficiente para satisfazer nossas necessidades nutricionais, o organismo fica deficiente (BRASIL, 2013a). A falta de vitamina A pode se manifestar como deficiência subclínica ou clínica. A clínica (xeroftalmia) é definida por problemas no sistema visual, atingindo três estruturas oculares: retina, conjuntiva e córnea, diminuindo a sensibilidade à luz, até se desenvolver uma cegueira parcial ou total. A primeira manifestação funcional é a cegueira noturna – diminuição da capacidade de enxergar em locais com baixa luminosidade (BRASIL, 2013a). 73 TÓPICOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL – NT Já a subclínica é uma situação em que a concentração de vitamina A está baixa e agrava a saúde com diarreia e morbidades respiratórias. À medida que as reservas de vitamina A diminuem, aumentam as consequências de sua deficiência. Nessa fase, a suplementação com vitamina A pode reverter a condição subclínica e evitar a forma clínica (BRASIL, 2013a). A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a administração de suplementos de vitamina A para prevenir carência, xeroftalmia e cegueira de origem nutricional em crianças de 6 a 59 meses. Ressalta ainda que a suplementação profilática de vitamina A deve fazer parte de um conjunto de estratégias para melhorar sua ingestão, diversificando a alimentação (WHO, 2011). O Ministério da Saúde, em parceria com secretarias estaduais e municipais, desenvolve desde 2005 o Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A (PNSVA), com outras ações para prevenir sua deficiência em áreas consideradas de risco. Foi instituído oficialmente pela Portaria n. 729/2005, cujo objetivo é reduzir e controlar a hipovitaminose A – mortalidade e morbidade em crianças de 6 a 59 meses. A partir de 2012 o programa se expandiu para todas as crianças dessa faixa etária residentes no Norte e Nordeste e em diversos municípios do Centro-Oeste, Sul e Sudeste, além dos 34 distritos sanitários especiais indígenas. 8.1.2 Vitamina D No Brasil, embora a maioria da população resida em regiões de exposição solar adequada, a hipovitaminose D é um problema comum e não restrito a idosos e mulheres menopausadas (RANDEV; KUMAR; GUGLANI, 2018), pois também acomete crianças e adolescentes (MAEDA et al., 2013). O nível de 25(OH)D < 20 ng/mL já é considerado insuficiência, sendo necessária suplementação nutricional de vitamina D (MUNNS et al., 2016). A vitamina D funciona no corpo humano como um hormônio cuja principal função biológica é manter os níveis séricos de cálcio e fósforo dentro da normalidade, atuando ativamente no metabolismo ósseo. Portanto, sua deficiência na infância se associa a uma doença que causa deformidades esqueléticas conhecida como raquitismo (CDC, 2021). Além dessa ação tradicionalmente conhecida no metabolismo do cálcio, a vitamina D – 1,25(OH)D e seus análogos sintéticos – também tem ações antiproliferativas, prodiferenciativas e imunomodulatórias, com possíveis repercussões em outras doenças, como câncer e doenças cardiovasculares e autoimunes (NAGPAL; NA; RATHNACHALAM, 2005). Algumas condições favorecem a deficiência de vitamina D, com fatores extrínsecos e intrínsecos (MAEDA et al., 2014): • Extrínsecos: — Dieta inadequada. — Baixa exposição à luz solar. — Hiperpigmentação da pele. 74 Unidade II • Intrínsecos: — Envelhecimento. — Má absorção. — Obesidade. — Doenças renais. — Outras. 8.1.3 Ferro A anemia por deficiência de ferro, no Brasil, é um problema nutricional de grande magnitude e acomete principalmente crianças, mulheres em idade fértil e gestantes. A Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS) (BRASIL, 2009b) avaliou, pela primeira vez em nível nacional, a prevalência de anemia em crianças e observou que 20,9% das menores de 5 anos apresentavam anemia; ou seja, aproximadamente 3 milhões de crianças brasileiras. A OMS define anemia como a condição na qual a concentração sanguínea de hemoglobina se encontra abaixo dos valores esperados (inferior a −2 DP), tornando-se insuficiente para atender às necessidades fisiológicas exigidas de acordo com idade, sexo, gestação e altitude (WHO, 2015). Dentre as políticas nacionais que visam prevenir anemia ferropriva em crianças, cita-se a fortificação de alimentos – adotada em consonância
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