Prévia do material em texto
PROCESSO DE TRABALHO EM SERVIÇO SOCIAL Viviane Maria Rodrigues Entrevista, seus diferentes tipos e usos específicos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir entrevista e as principais teorias relacionadas a esse instrumento do Serviço Social. Identificar em quais situações a entrevista pode ser utilizada pelo profissional de Serviço Social e quais as técnicas mais utilizadas. Analisar a historicidade desse instrumento de intervenção e sua rele- vância para a atuação profissional. Introdução Neste capítulo, você descobrirá que a entrevista é um dos principais ins- trumentais para subsidiar a atuação profissional nos mais diversos espaços sócio-ocupacionais da profissão. Além disso, conhecerá a importância dessa ferramenta para a atuação profissional do assistente social, bem como adquirirá conhecimentos referentes à entrevista, um instrumental utilizado em diferentes áreas do conhecimento, também empregados pelo Serviço Social. É de fundamental relevância se apropriar de tal conhecimento, para, assim, respeitar e fortalecer o fazer profissional, bem como as áreas afins. No centro da discussão referente ao fazer profissional do assistente social desde a sua regulamentação como profissão, faz-se necessário a análise frente à entrevista como instrumental e sua importância para o profissional, pois o conhecimento a respeito do processo de trabalho do Serviço Social nos diferentes espaços sócio-ocupacionais é necessário. Entrevista e teorias relacionadas O Serviço Social é uma profi ssão inserida na divisão social e técnica do trabalho, com caráter sociopolítico, crítico e interventivo, que se utiliza de C13_Entrevista.indd 1 04/12/2018 08:33:18 instrumentais científi cos para garantir sua intervenção nas mais distintas expressões da Questão Social, que se caracteriza pelas desigualdades sociais inerentes à sociedade capitalista e às contradições oriundas desse sistema. O objeto da intervenção social do Serviço Social é a Questão Social, sendo o que Iamamoto (1998, p. 27) define como: [...] o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coleti- va, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos se mantém privada, monopolizada por uma parte da sociedade. Assim, o assistente social, como profissional capacitado para intervir na Questão Social, enquanto seu objeto de trabalho, se utiliza de instrumentais técnico-operativos para subsidiar sua atuação. Ressalta-se que, ao abordarmos os instrumentais do Serviço Social, não estamos limitando ou condicionando sua utilização de forma padronizada, mas sim propondo sua utilização crítica e política nos mais diversos espaços em que o assistente social ocupa. Os instrumentais são utilizados pelo assistente social em seus mais distintos espaços de ocupação. Assim, consideramos muito importante a discussão e o aprofundamento teórico sobre o tema, pois, segundo Sarmento (2010), o Serviço Social apresenta significativa conquista teórica no campo da tradição marxista, sem, no entanto, demonstrar o mesmo vigor e dedicação à intervenção profissional, em especial, ao instrumental técnico. Desse modo, discutiremos um dos instrumentais do Serviço Social, a entrevista, em sua dimensão técnico-operativa, teórico-metodológico e ético- -político. Ressalta-se que a entrevista não é de uso exclusivo do Serviço Social, sendo utilizada nas mais distintas profissões, para fins variados. Contudo, a entrevista permite aos profissionais que a utilizam levantar dados, informações e fatos, das mais distintas situações pessoais ou familiares, individuais ou coletivas, que auxiliam na intervenção profissional. Assim, é importante que, ao realizarmos uma entrevista, se planeje a ação, além de buscar informações para subsidiar as informações a serem colhidas, pois: Ao se realizar uma entrevista, parte-se de um objetivo profissional e se almeja uma finalidade. Sempre que possível, o primeiro passo para desenvolvê-la é munir-se das informações referentes a antecedentes da situação a ser estudada, para obter elementos que possibilitem o avanço do diálogo, evitando que o usuário seja obrigado a repetir informações que já constam de um prontuário ou auto processual (FAVERO, 2009, p. 873.) Entrevista, seus diferentes tipos e usos específicos2 C13_Entrevista.indd 2 04/12/2018 08:33:18 A busca por informações anteriores é importante também para fortalecer vínculos entre o entrevistado e o entrevistador, pois demostra interesse e respeito pela situação vivenciada, além de não revitimizar o entrevistado. A entrevista implica em uma relação direta entre o assistente social e o usuário de seus serviços, e, desse modo, não é um momento isento de sentimentos, de contradições, de expectativas. Ela tem uma finalidade, um objetivo delimitado, podendo intervir, assim, diretamente nas relações sociais. Outro fator importante é garantir ao usuário o sigilo das informações passadas, mencionando o código de ética profissional em que o sigilo é regu- lamentado, além de se constituir direito do assistente social. Essa informação poderá fortalecer a relação entre profissional e usuário, além de garantir o direito do usuário de ter sigilo nas informações prestadas. Contudo, é de suma importância, em todo o processo de entrevista, bem como em todo o processo de atendimento/acompanhamento ao usuário, que o entrevis- tado tenha garantido o direito de responder ou não a determinadas indagações. Também é fundamental que a informação dada seja o mais clara e objetiva possível, referente às implicações ou não de obtenção das respostas solicitadas, visto que o entrevistado poderá sentir-se melindrado frente ao profissional. Além disso, é importante que o assistente social tenha claro na sua interven- ção que o “[...] limite entre a busca de conhecimento para a garantia e efetivação de direitos e a invasão da privacidade de maneira arbitrária é tênue” Favero (2009, p. 628), visto que é um profissional dotado de conhecimento técnico, mas precisa saber utilizar esse arcabouço teórico corretamente. Desse modo, precisa saber ouvir e reconhecer o que está sendo expressado, informado, em um processo de construção coletiva das informações. Coletiva, pois é um processo que se constrói com os sujeitos, sendo que essa construção poderá intervir diretamente na vida dos envolvidos. No processo de construção e reconstrução da entrevista, os usuários po- derão mostrar-se fragilizados, melindrosos, manipuladores. Assim, cabe ao profissional propor uma reflexão conjunta com o usuário referente às questões que este vivencia. É importante que esse processo reflexivo seja construído de forma crítica, levando o usuário a pensar sobre os fatores que o levaram a necessitar de intervenção profissional, bem como sobre as questões sociais que cerceiam sua vida em sociedade. Sobre isso, Mioto (2009, p. 503) afirma que: O processo reflexivo, característico das ações socioeducativas, se desenvolve no percurso que o assistente social faz com os usuários para buscar respostas para suas necessidades, imediatas ou não. Pauta-se no princípio de que as 3Entrevista, seus diferentes tipos e usos específicos C13_Entrevista.indd 3 04/12/2018 08:33:18 demandas que chegam às instituições, trazidas por indivíduo, grupos ou famí- lias, são reveladoras de processos de sujeição à exploração, de desigualdades nas suas mais variadas expressões ou de toda sorte de iniquidades sociais. É preciso, em todo o processo de atuação profissional, a realização de uma análise crítica e contundente sobre a realidade em que vivemos e estamos inseridos, tendo uma visão clara da dinâmica social e das relações sociais na sociedade capitalista e do significado do Serviço Social nesse contexto, uma vez que a intervenção profissional deverá pautar-se em um processosocioeducativo que busque mudanças não só na vida dos sujeitos, mas também mudanças de classe societária, sendo que isso se constrói por meio de um processo permanente e contínuo de intervenção social. Entrevista como instrumento do Serviço Social Ao abordarmos a entrevista enquanto instrumento do Serviço Social, iden- tifi camos alguns fatores, pois o conhecimento a respeito do desse tema vem sendo, em grande parte, absorvido de outras áreas do conhecimento. A entrevista, para o Serviço Social, é um dos instrumentos dialeticamente articulados aos demais, compondo, assim, o arsenal de instrumentais que se utiliza no fazer profi ssional. É importante destacar que a entrevista está sempre associada a outro instrumental, como visita domiciliar, atendimento ou acompanhamento, trabalhos em grupo ou individual, entre outros. Desse modo, as mediações que advêm desse processo devem ser compreendidas na sua singularidade, universalidade e particularidade das relações sociais, pautadas em aparatos técnico-metodológicos, a fim de melhor subsidiar a compreensão do objeto de intervenção. Dessa forma, deve-se analisar os espaços em que o profissional de Serviço Social está inserido, a fim de uma melhor reflexão a respeito do instrumental a ser utilizado, garantindo que o sujeito que sofre a ação profissional não seja penalizado, culpabilizado, visto que esse fator poderá gerar o não acesso a Entrevista, seus diferentes tipos e usos específicos4 C13_Entrevista.indd 4 04/12/2018 08:33:19 direitos sociais, quaisquer que sejam, e fomentar o processo de exclusão social, ao qual o(a) profissional de Serviço Social possui o dever de combater. Assim, a escolha do instrumental a ser utilizado requer: [...] um conhecimento prévio dos processos, das determinações e das conexões sociais em que está inserido o objeto de sua intervenção, o que lhe é oferecido pela teoria. Ou seja, o manuseio do instrumento não dispensa orientação teórica, ele implica um conhecimento teórico (SANTOS, 2013, p. 86). O conhecimento teórico se faz necessário para “a escolha” do instrumental a ser utilizado, além do conhecimento a respeito do espaço institucional ao qual o profissional está inserido, pois as contradições existentes nesses espaços poderá determinar se este é ou não o melhor instrumento a ser utilizado, bem como se o profissional que lá estiver inserido terá competências técnicas para melhor defender sua autonomia, pois essa escolha: [...] exige um sujeito profissional que tenha competência para propor, para negociar com a instituição os seus projetos, para defender o seu campo de trabalho, suas qualificações e atribuições profissionais. Requer ir além das rotinas institucionais para buscar apreender, no movimento da realidade, as tendências e possibilidades, ali presentes, passíveis de serem apropriadas pelo profissional, desenvolvidas e transformadas em projetos de trabalho (IAMAMOTO, 2009, p. 12). Assim, com o conhecimento institucional e técnico que o profissional detém, poderá avaliar em qual espaço poderá se utilizar da entrevista como instrumental que melhor lhe servir na obtenção de informações para subsidiar a intervenção profissional, bem como qual estrutura da entrevista deve ser utilizada, tendo em vista que a entrevista poderá ser estruturada, não estru- turada e semiestruturada. Como destaca Mioto (2009, p. 571): As entrevistas supõem habilidade e técnica do assistente social para que via- bilizem o ato de conhecer. Para tanto, podem ser utilizadas entrevistas estru- turadas, não estruturadas e semiestruturadas. As estruturadas são conduzidas com formulários que visam à obtenção de determinadas informações e que, na maioria das vezes, são preenchidos de acordo com padrões já definidos no âmbito de programas ou de serviços. As não-estruturadas privilegiam o diálogo aberto, conduzido preferencialmente pelos entrevistados. Nesse processo, as informações vão sendo produzidas à medida que os temas surgem e se concate- nam. Finalmente, as entrevistas semiestruturadas comportam tanto a utilização de determinados roteiros como também o diálogo aberto com os entrevistados. 5Entrevista, seus diferentes tipos e usos específicos C13_Entrevista.indd 5 04/12/2018 08:33:19 Desse modo, a entrevista poderá ser utilizada em qualquer espaço e ser bem aplicada junto a quaisquer indivíduos. Entretanto, há espaços que o assistente social ocupa que se utilizam mais comumente a entrevista. Abordando alguns desses espaços, destaca-se o espaço sociojurídico, principalmente para subsi- diar os Estudos Sociais e para a construção de pareceres, bem como a Política de Previdência/Assistência Social, em função da concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC). A entrevista também poderá ser utilizada no decorrer do processo de apren- dizagem do aluno de graduação, tendo em vista que, nesse espaço, se constrói saberes por meio de pesquisas teóricas e práticas. Além disso, a entrevista poderá ser utilizada no processo de construção do Trabalho de Conclusão de Curso — TCC. Ressalta-se que, nesse processo, deverão ser respeitadas as normas e práticas da instituição à qual o aluno está inserido. Por fim, ao abordarmos a utilização da entrevista no espaço sociojurídico, a utilizamos principalmente em processos que envolvem a família, ou seja, junto à Vara da Família, Infância e Juventude. Desse modo, a entrevista deverá ser um instrumento que subsidiará as informações fornecidas pelo Serviço Social para a tomada de decisão do juizado. Favero (2009, p. 727) ressalta que: Em uma entrevista com um pai e/ou mãe que disputam judicialmente a guarda de um filho, por exemplo, existem particularidades da cultura, do processo de socialização, da história de vida que necessitam ser desvelados, sem que se enve- rede por outras áreas do conhecimento que não são de competência do assistente social, as quais, sempre que possível, podem ser somadas por meio do trabalho interdisciplinar ou com a indicação de indícios de situações e/ou atitudes para as quais seria recomendável a avaliação por profissional de outra área do saber. Em uma entrevista com um jovem que praticou um ato infracional com seus familiares, também existem particularidades de seu processo de socialização, de sua história de vida, de seus projetos, seus desejos, suas perspectivas. Em ambas as situações, ainda que tenham natureza distinta e diferentes objetivos, há informações socioeconômicas e familiares que cabe ao assistente social conhecer, a fim de informar acerca da realidade social de cada sujeito, de suas condições sociais; de seu acesso ou não à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à alimentação; sobre o território em que vive, o acesso a bens e serviços sociais e culturais; suas relações familiares, seus valores, enfim, um conjunto de informações que, registradas no que é fundamental ao processo, e analisa- das do ponto de vista do Serviço Social, irão compor a instrução processual. Essa mesma análise de conjuntura deverá ser realizada no processo da entrevista junto ao usuário das Políticas de Assistência Social, Previdência ou Saúde, pois é de suma importância a compreensão do espaço onde o sujeito se reconhece histórico e culturalmente, assim como informações socioe- Entrevista, seus diferentes tipos e usos específicos6 C13_Entrevista.indd 6 04/12/2018 08:33:19 conômicas e familiares. É importante ressaltar que, ao procedermos com a entrevista para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), o usuário será atendido por profissionais de diferentes espaços de atuação, pois, embora o BPC seja um benefício vinculado à Política de Assistência Social, sua operacionalização ocorre na Política Previdenciária, sendo que, em vários momentos, poderá necessitar da intervenção da Política de Saúde. Isso ocorre porque o referido benefício é vinculado à Assistência Social, ou seja, os recursos, a regulamentação e os critérios para concessão são de competênciadessa política. A perícia e a avaliação social que defere ou não o BPC é operacionalizada pela política de Previdência. Também poderão ser solicitados laudos e pareceres da política de saúde em virtude do acesso ao BPC para Pessoa com Deficiência (PCD). No âmbito das políticas públicas, destaca-se a seguridade social, área em que os estudos sociais são largamente utilizados. Na Assistência Social, são utili- zados tanto para o acesso de usuários ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), como aos programas de transferência de renda. Na Previdência Social, destinam-se, à concessão de benefícios, recursos materiais e para subsidiar a decisão médico-pericial. Na Saúde, são realizados para o acesso a determi- nados serviços, como é o caso da oxigenoterapia (FAVERO, 2009, p. 564). É importante perceber que a entrevista permeia diferentes espaços ocupa- cionais, assim como poderá ser realizada de diferentes formas. Todavia, não poderá perder sua principal função: conhecer a realidade em que os sujeitos se constroem, se reconhecem, vivem e se percebem dentro de uma sociedade. Assim, o assistente social deverá se despir de todos os seus pré-conceitos, visto que também são sujeitos sociais, no processo de construção da entrevista, bem como de quaisquer outros instrumentais utilizados no seu fazer profissional. Entrevista: história e relevância para a atuação profissional Com o processo de industrialização brasileira do início do século XX, vivencia- -se um acréscimo das mazelas sociais, em que o trabalhador se torna refém dos detentores dos meios de produção, além dos trabalhadores que não conseguem se inserir no mercado de trabalho e vivem à margem da sociedade. Assim, “[...] em síntese, verifi ca-se a ampliação da miséria absoluta e relativa de grande parcela da população trabalhadora” (IAMAMOTO, 1992, p. 82). 7Entrevista, seus diferentes tipos e usos específicos C13_Entrevista.indd 7 04/12/2018 08:33:19 É nesse contexto de desigualdade que o Serviço Social emerge, frente à necessidade de ter agentes sociais para intervir na vida do trabalhador e de sua família, tendo como função regular a classe trabalhadora. Nesse momento histórico, o Serviço Social fez uso de instrumentais ainda baseados nas pro- duções teóricas de outras profissões. A partir da década de 40, o Serviço Social importa dos Estados Unidos seus saberes teóricos e metodológicos, uma vez que o Serviço Social tem sua institucionalização fortemente vinculada aos pensamentos de Mary Richmond, que era pautado no funcionalismo, tendo como atuação ajustar o indivíduo ao seu meio social por meio de um “tratamento” intensivo e individual. Entre as obras de Mari Richmond, destacam-se: Diagnóstico Social (1917) — livro de maior importância, ou de maior contribuição para o Serviço Social, nesse momento histórico, visto que defendia a profissiona- lização do “trabalho social”, além de introduzir o “tratamento” por meio do levantamento de dados sobre a situação, para, assim, diagnosticar o problema. Outro livro importante para o Serviço Social brasileiro, referente à utilização de seus instrumentais, foi o livro sobre entrevista de Annette Garret, Entrevista: seus princípios e métodos, traduzido por assistentes sociais na década de 1940. Desse modo, desde a institucionalização do Serviço Social brasileiro, o Serviço Social vem construindo seus instrumentais, sendo a entrevista um dos primeiros a serem utilizados. Ressalta-se que a entrevista é sempre “acompanhada” de outro instrumental, como a observação, a vista domiciliar, o atendimento individualizado ou em grupo, para compor todo o processo de construção da entrevista, a fim de alcançar seu objetivo. É o assistente social quem vai avaliar a melhor aplicabilidade dos instrumentais: É esse profissional que, por uma ação refletida e planejada, define quais conheci- mentos deve acessar e em que nível vai aprofundá-los; se necessita realizar entre- vistas, com quem e quantas pessoas (por exemplo, com a criança, o adolescente, o pai, a mãe, outro adulto, responsáveis por escola ou outro equipamento social que frequentam etc.), se deve realizar visitas domiciliares e/ou institucionais, se precisa estabelecer contatos variados com a rede familiar e a rede social, se deve consultar material documental e bibliográfico e quais; etc. (FAVERO, 2009, p. 724.) Assim, a entrevista é de suma relevância para a profissão, pois, desde a sua institucionalização, em 1930, vem sendo utilizada nas mais distintas áreas de atuação profissional. A entrevista poderá ser utilizada formalmente ou não, mas deverá possibilitar ao profissional buscar informações relevantes para a sua intervenção junto aos sujeitos. Entrevista, seus diferentes tipos e usos específicos8 C13_Entrevista.indd 8 04/12/2018 08:33:19 Contudo, faz-se necessário que, no processo histórico da profissão, bem como da utilização dos instrumentais que dão subsídios ao nosso fazer, o assistente social também seja um sujeito social, que sofre as mazelas sociais, que pensa, sente, sofre e vive, visto que razões e emoções compõem um quesito fundamental para o exercício profissional, pois são esses “sentimentos” que facilitam o do- mínio do instrumental técnico em Serviço Social. Ou seja, como trabalhadores pensantes, que têm como principal ação a intervenção social, bem como como sujeitos sociais que sofrem as contradições inerentes ao sistema capitalista, somos Assistentes Sociais, capacitados tecnicamente para realizar tais intervenções, mas não podemos deixar de pensar, analisar, compreender o que obtemos de resposta frente aos instrumentais aplicados para subsidiar a nossa prática profissional, isto é, não podemos deixar de intervir frente à Questão Social. Além disso, é necessário compreender que o profissional de Serviço Social inserido no processo de produção e reprodução social do sistema capitalista, bem como participante desse processo, tem uma função social mediante às demandas que atendem, assim como frente à sociedade em que vivem, sendo de suma importância compreender os espaços de intervenção social, bem como os espaços sócio-ocupacionais. Como destaca Iamamoto (2008, p. 283): O efeito da atividade profissional no processo de reprodução das relações sociais não decorre apenas do seu “modo de operar”, que [...] historicamente pouco se diferenciou das atividades similares que antecederam essa profis- sionalização; mas sim de sua funcionalidade social, indecifrável se pensada como atividade do indivíduo isolado, porque depende dos organismos aos quais se vincula e das relações sociais que lhe dão vida. Assim, ao compreendermos os espaços sócios-ocupacionais, bem como o processo de intervenção profissional, a entrevista pode ser considerada um dos instrumentais de maior importância, pois, além de ser utilizada conjuntamente com outros instrumentais, também possibilita ao profissional ter conhecimento a respeito de determinada situação, e, desse modo, a intervenção, bem como a resposta que se busca, poderá ser mais objetiva. Vale ressaltar que a busca pela resposta sempre deverá respeitar os limites dos sujeitos envolvidos, bem como o código de ética profissional, sendo que: O limite entre a busca do conhecimento para a garantia e efetivação de direitos e a invasão de privacidade de maneira arbitrária é tênue. Nesse espaço de poder, institucional e vinculado ao saber profissional, é necessário usá-lo, sim, mas sempre de acordo com as diretrizes éticas e metodológicas da pro- fissão. O profissional necessita estar constantemente alerta para não fazer, por exemplo, do desejo de colocar uma criança aos cuidados de uma família 9Entrevista, seus diferentes tipos e usos específicos C13_Entrevista.indd 9 04/12/2018 08:33:19 que reúna aparentes condições subjetivas e condições objetivas para dar-lhe cuidados e formação dignas, um ato de desqualificação da família de origem, sem a necessária contextualização da situação sociocultural que engendrouum suposto abandono ou entrega de uma criança a outros (FAVERO, 2009, p. 726). Ao analisarmos o processo de atuação profissional, desde a sua construção enquanto profissão até a atualidade, podemos considerar que nossa atuação intervém diretamente na vida dos sujeitos, podendo ser positiva ou negativa, dependendo da atitude tomada pelo profissional. Assim, é importante buscar se balizar nas informações colhidas, bem como no arcabouço teórico que temos acesso, tanto no nosso espaço de graduação como de pós-graduação (entre outros), para que possamos ser o mais corretos possíveis. A entrevista é um dos instrumentos de maior relevância para a atuação profissio- nal, pois o assistente social poderá se utilizar desse instrumental para embasar sua resposta frente às mais distintas situações apresentadas no cotidiano profissional. FAVERO, E. T. Instruções sociais de processos, sentenças e decisões. In: CONSELHO FE- DERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Serviço social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. IAMAMOTO, M. V. O serviço social na cena contemporânea. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Serviço social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. IAMAMOTO, M. V. O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação profis- sional. São Paulo, Cortez, 1998. IAMAMOTO, M. V. Renovação e conservadorismo no serviço social. São Paulo: Cortez, 1992. MIOTO, R. C. T. Estudos socioeconômicos. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Serviço social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. SANTOS, A. dos A. F. A Inserção dos grupos religiosos na penitenciária estadual de Florianópo- lis. Monografia (Graduação) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. SARMENTO, H. B. de M. O instrumental técnico e o serviço social: tendências do mercado de trabalho do serviço social: descobertas e inquietações a partir dos dez anos de pesquisa sobre a realidade de Alagoas. 2010. Disponível em: <https://drive.google.com/ file/d/0B2-zBHhnHGVbM2IxMTk4MmYtZGViOS00NTQ5LWFjNjUtMzhkNDY1MWE0ZmYy/ view?hl=pt_BR>. Acesso em: 30 nov. 2018. Entrevista, seus diferentes tipos e usos específicos10 C13_Entrevista.indd 10 04/12/2018 08:33:19 Leitura recomendada ROCHA, M. A. G. A. Elaboração de projetos de pesquisa. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Serviço social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. 11Entrevista, seus diferentes tipos e usos específicos C13_Entrevista.indd 11 04/12/2018 08:33:20 Conteúdo: GESTÃO EM SERVIÇO SOCIAL Flaviana Aparecida de Mello Análise social crítica e avaliação de serviços, programas e projetos enquanto processo de pesquisa Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir pesquisa avaliativa de serviços, programas e projetos sociais na sociedade atual. Reconhecer a análise social crítica como base para a direção, organi- zação, planejamento e controle de políticas públicas. Discutir sobre a aplicação e a relevância das práticas avaliativas de programas, serviços e projetos sociais. Introdução A avaliação enquanto método cuja finalidade é analisar e avaliar ações desenvolvidas no âmbito de serviços, programas e projetos sociais tanto governamentais quanto não governamentais tem grande relevância no cerne da gestão social, pois seu objetivo é estabelecer elementos para julgar e aprovar decisões, ações e seus resultados. Também se compro- mete com o desenvolvimento e com o melhoramento de táticas de intervenção no fato, isto é, a avaliação tem que ser capaz de sugerir algo à referência da política que está sendo analisada. A avaliação crítica também corrobora com empoderamento, pro- moção social e desenvolvimento institucional para abrir espaço para a democratização da celeridade pública, para o agrupamento de grupos socialmente excluídos, para o exercício institucional e para o fortaleci- mento das instituições enredadas. Neste capítulo, você vai ver o que é a pesquisa avaliativa e como se apropriar desse método enquanto procedimento de monitoramento, controle e avaliação de estratégias desenvolvidas por meio de serviços, programas e projetos sociais na contemporaneidade. Para isso, vai obser- var a análise social crítica como base para as funções administrativas que compõem a gestão social: direção, organização, planejamento e controle de políticas públicas. Finalmente, também vai conhecer conceitos e dis- tinções a respeito do que constitui serviços, programas e projetos, vendo a importância das práticas avaliativas enquanto método fundamental a ser adotado no cotidiano de trabalho dos assistentes sociais na execução de ações sociais. 1 Pesquisa avaliativa e sua aplicação em serviços, programas e projetos sociais Em relação à pesquisa avaliativa, podemos apreendê-la como a aplicação siste- mática de procedimentos oriundos das ciências sociais para fazer julgamentos sobre os programas de intervenção, analisando as suas bases teóricas, seu processo operacional e sua implementação em sua interface com o contexto no qual se constituem. Segundo Minayo (2005), que tem relevante contribuição na área, as pes- quisas avaliativa e qualitativa se constituem como um conjunto de ações técnico-científicas e operacionais que procuram conferir valor de eficiência, eficácia e efetividade a procedimentos de intervenção em sua implantação, implementação e extração de resultados. De acordo com Gomes (2010), na análise, o propósito é ir além do que está descrito, fazendo uma decomposição dos dados e buscando as relações entre o que foi planejado e o que de fato foi executado. Os aspectos dos diferentes atores envolvidos no programa, serviços ou projetos e as estratégias de pesquisa avaliativa podem desdobrar-se na análise estratégica, de implantação, de desempenho e dos efeitos das ações (ARRE- AZA; MORAES, 2010). O profissional que realizar a pesquisa avaliativa deve buscar colocar em prática seu trabalho com base no material que for possível coletar e que será utilizado no momento da análise e da tabulação dos dados, em que se pode articular todas as informações com os objetivos e metas que foram planejados — seja para serviços, programas ou projetos —, de modo que seja possível, diante do exposto, realizar a tomada de decisão, seja para redesenho das ações, aprimoramento, continuidade, ampliação, entre outros. O campo da avaliação admite uma multiplicidade de probabilidades de recortes da realidade, assim como formas de deliberar tipos de abordagens e Análise social crítica e avaliação de serviços, programas e projetos enquanto processo de pesquisa2 dimensões para as práticas avaliativas, que refletem, em determinado grau, as alternativas teóricas e os pontos de vista dos diversos atores (ARREAZA; MORAES, 2010). Apreendemos a avaliação como uma ferramenta de trans- formações da gestão social, que, ao agrupar assuntos dos grupos de interesse, expande o alcance dos distintos pontos de análise, como as probabilidades de emprego dos resultados pelos envolvidos na recomposição de suas práticas e atos (ARREAZA; MORAES, 2010). Entretanto, precisamos ressalvar, conforme Muller e Surel (1998 apud BOSCHETTI, 2009), que o método de pesquisa para constatar o incremento de ações de programas, serviços e projetos sociais não começou nos motes de pesquisa avaliativa, mas com o desenvolvimento de um robusto arsenal de métodos e procedimentos de avaliação que surge nos Estados Unidos na década de 1960. Tratou-se de um ensaio para proporcionar técnicas operacionais de aferição das atividades previstas nos programas e projetos das políticas públicas sociais com a finalidade de ofertar subsídios de aferição/verificação das ações semelhantes — como algo meramente funcional e tecnicista, sem qualquer parâmetro crítico e social. Gomes (2001, p. 19) corrobora com essa informação afirmandoque esse tipo de método funcionalista de avaliação: [...] privilegia basicamente a análise e mensuração dos objetivos previstos. inscreve-se na mais pura tradição tecnocrática, sempre em busca de modelos de intervenção na realidade' Nesse primeiro momento, essas propostas de avaliação se caracterizavam por uma preocupação, excessiva com os ins- trumentais técnicos e metodológicos desconsiderando os aspectos políticos envolvidos na questão. Essas técnicas de verificação foram estabelecidas para atestar o quanto os governos políticos eram bons e eficazes no contexto de uma economia de mercado. Ainda de acordo com Gomes (2001), esse tipo de método de avalia- ção para programas e políticas sociais ignora por completo a realidade social vivenciada pelos sujeitos e visa atender interesses e expectativas escusas. Considera-se, além disso, que esse tipo de método para fins de avaliação des- considera a questão política que está interligada à ação, cooperando, assim, para conservar os problemas sociais já existentes, o que contribui para o aumento da exclusão e da desigualdade social, já que não promove avaliações que de fato se comprometerão com as mudanças que são necessárias (GOMES, 2001). Boschetti (2009), nesse sentido, salienta que o destaque ao bom emprego de um conjunto de metodologias e técnicas avaliativas, ausente de criticidade e em reverência ao teor e papel do Estado e das políticas sociais no enfrentamento 3Análise social crítica e avaliação de serviços, programas e projetos enquanto processo de pesquisa das desigualdades sociais, induziu uma abundância de produções teóricas a respeito da avaliação, com ênfase muito mais na medição e na performance das intervenções técnicas e indiferentes do Estado do que em mostrar suas colocações e função na produção e na reprodução das disparidades sociais. Os estudos de natureza mais operacional e tecnicista se atêm simplesmente a categorizar o modo pelo qual deve ser desenvolvida a avaliação de políticas e programas sociais. Ou seja, tão somente de acordo com seu objetivo e medindo os resultados apenas enquanto uma ação efetiva, eficaz e/ou eficiente, desconsiderando a totalidade que envolve as circunstâncias em que se desenvolveu a ação planejada. Sob o ponto de vista metodológico, essas abordagens teóricas mais tra- dicionais seguem um procedimento em sequência, que, por sua vez, aborda as políticas sociais como um contíguo de ações que têm início, meio e fim — e, portanto, não como um procedimento de formulação, implementação e materialização de direitos e serviços sociais que necessitam ser constantes e universais (BOSCHETTI, 2009). Ainda conforme Boschetti (2009), avança o campo dos métodos de pesquisa e se passa a desenvolver análises na perspectiva crítica social. Contudo, ainda persistem análises essencialmente tecnicistas e gerencialistas, que ressaltam metodologias e técnicas que carecem de análises qualitativas, dedicadas ao teor e à significação dos programas, projetos e/ou serviços avaliados. Em relação à avaliação, na perspectiva crítica social, convergem outros dispositivos, como planejamento, comunicação, direção, controle, organização, entre outros, destinados ao desenvolvimento e ao aprimoramento das questões inerentes aos serviços e programas, desenvolvendo o comprometimento com os usuários, que são a parte mais importante nessas ações (ARREAZA; MORAES, 2010). Na abordagem metodológica da pesquisa avaliativa, é sempre importante que os/as profissionais saibam que se destina a alguns pontos fundamentais, aos quais se deve atentar no momento do procedimento, como: avaliar a efetividade da intervenção junto à população usuária; definir o tipo de enfoque: o quantitativo se refere ao levantamento dos dados registrados, e o qualitativo, a sistematizar a experiência vivenciada tanto pelos sujeitos quanto pelos profissionais envolvidos; verificar as evidências por meio de associações ou do que pode haver de contri- buições para as próximas etapas da intervenção. Análise social crítica e avaliação de serviços, programas e projetos enquanto processo de pesquisa4 O estabelecimento de um método avaliativo que avalize a abrangência de pessoas externas à equipe e à gestão dos programas ou serviços, por meio do agrupamento de outros grupos de interesse, como usuários, comunidades e gestores de outros serviços, estabelece uma rede de convenções e controle sobre a concretização de alterações acentuadas durante o procedimento do objeto de intervenção avaliado (ARREAZA; MORAES, 2010). Gomes (2001) contribui com esse debate alertando que um processo ava- liativo na perspectiva crítica precisa ir além das fronteiras das ações desen- volvidas pelos programas, serviços e/ou projetos, sendo imprescindível que se contemple, nessas avaliações, as questões de ordem estrutural e de conjuntura da sociedade. Toda ação planejada que se consubstancia por meio de projeto, programa ou serviço necessita dessa ação de controle para garantir que os objetivos estabelecidos possam ser alcançados. Desse modo, consideramos que o controle está relacionado com o estilo pelo qual os desígnios necessitam ser obtidos por meio da presteza dos indivíduos que compõem as instituições públicas, privadas e/ou do terceiro setor. Assim, ressaltamos a importância da participação e do controle social como procedimentos dinâmicos dessas totalidades, com seus aspectos político- -ideológicos e interconexões com o Estado. Contudo, necessitam ser conse- cutivamente acatados como configuração de aproximação às precisões reais dos individuos e comunidades para se intervir de fato a respeito dos problemas sociais que acometem os usuários atendidos nos programas, projetos e serviços. 2 A importância da análise social crítica nos processos de avaliação A avaliação de políticas sociais necessita estabelecer-se na apreensão da defi - nição da função do Estado e das classes sociais na constituição dos direitos e da soberania popular. A partir da análise social crítica, os procedimentos de avaliações das ações empreendidas nos programas, serviços e projetos sociais tendem a superar aspectos adstritos, rotineiramente empregados para elucidar suas funções e/ou decorrências (BOSCHETTI, 2009). Para aludir sobre a relevância da análise social sobretudo em relação a políticas sociais e suas ações empreendidas, é importante fazer algumas elucidações entre o procedimento de análise e a que se refere uma avaliação. Desse modo, de acordo com Arretche (1998), existem distinções entre essas duas ações, mas elas se complementam no cotidiano profissional. 5Análise social crítica e avaliação de serviços, programas e projetos enquanto processo de pesquisa A análise tem por finalidade reconstituir as diferentes propriedades de uma acurada política, como, por exemplo, as modalidades de prestação de serviços, as formas de financiamento, a relação entre público e privado e as probabilidades da configuração institucional que conferem consistência à política social. Assim, analisar uma política social, nesse aspecto, implica observar o conjunto institucional, as circunscrições características da polí- tica analisada, com a finalidade de alterar-se o todo em suas partes, ou seja: observar, examinar e criticar minuciosamente (BOSCHETTI, 2009). Já em relação à avaliação de determinada política social e seus respectivos programas, serviços e/ou projetos, o procedimento de avaliação poderá conferir uma relação de causalidade entre uma ação empreendida pela política versus um possível efeito. Assim, de acordo com Boschetti (2009, p. 2): Avaliar significa estabelecer uma relação de causalidade entre um programa e seu resultado, e isso só pode ser obtido mediante o estabelecimento de uma relação causal entre a modalidade da política social avaliada e seu sucesso e/ou fracasso, tendo como parâmetro a relação entre objetivos, intenção, desempenho e alcance dos objetivos. Para Arretche (1998) e Boschetti (2009),a finalidade principal da avaliação recai sobre estabelecer um valor sobre o significado e os efeitos das políticas sociais. No entanto, para além dessa distinção entre análise e avaliação de política social, o que insurge dessa discussão é a apreensão de que o basal é abordar esses díspares períodos, movimentos avaliativos e sentidos de modo interrelacionado e complementário. Segundo Boschetti, (2009), a avaliação das ações desenvolvidas por uma determinada política social implica fixá-la na dinâmica da realidade social. Mais que apreciar e conter tipologias e metodologias de avaliação, bem como saber distinguir avaliação e análise, é fundamental considerar que as políticas sociais possuem um desempenho indispensável na solidificação da cidadania e da democracia e que, para desenvolver esse papel, como seu desígnio elementar, necessitam ser apreendidas e estudadas enquanto um conjunto de programas, projetos e serviços que precisam universalizar os direitos fundamentais à existência humana. Dessa forma, qualquer avaliação de políticas sociais e de seus respectivos serviços, programas e projetos deve sobrepor-se ao mero conjunto descritivo de normas e procedimentos avaliativos para poder estabelecer-se no campo da identificação, da compreensão e da formação do Estado e de todas as suas responsabilidades, seus atributos, questões e problemas que se assentam para Análise social crítica e avaliação de serviços, programas e projetos enquanto processo de pesquisa6 o desenvolvimento das políticas sociais, que, em muitas ocasiões, é o que origina o resultado e seus efeitos na população. Conforme Mishra (1975), a tradição marxista que oportuniza análises sociais críticas, principalmente a partir dos anos de 1970, apresenta estudos sobre o advento e o incremento das políticas sociais, com o intuito de evidenciar seus alcances e probabilidades na produção do bem-estar social nas sociedades capitalistas emergentes e antigas. Segundo Boschetti (2009), a averiguação sob o enfoque do método dialético alvitrado por Marx versa, exatamente, em estabelecer e compreender os fenômenos sociais em seu intrincado e colidente procedimento de produção e reprodução e determinados por diversas situações sociais. Assim, confirmamos que o princípio metodológico da averiguação dialética da realidade social é o ponto de vista da totalidade visível, que, antes de tudo, constitui como cada fenômeno pode ser abrangido como uma ocasião do todo. De acordo com Sweezy (1983), um fenômeno social é um evento histórico, ao passo que é verificado como um fato ocorrido dentro de uma totalidade e desempenha uma função dupla: definir a si mesmo e definir o todo, ser ao mesmo tempo produtor e produto, conquistar o próprio sentido e, no mesmo compasso, conferir sentido a algo mais. Os fatos a que nos referimos, con- forme Sweezy (1983), apregoam um conhecimento da realidade concreta e sua compreensão como fatos de uma totalidade dialética; ou seja, o que se determina e/ou é determinante dessa totalidade, de forma que não pode ser alcançado enquanto acontecimento avulso. Nessa perspectiva, segundo Boschetti (2009), deve-se ponderar a múltipla causalidade dos fatos, as amarrações internas, as relações entre as diversas dimensões. Do ponto de vista histórico, é basilar estabelecer o aparecimento da política social e suas estratégias com as expressões da questão social que motivaram sua origem e que, dialeticamente, sofrem efeitos de um Estado neoliberal. Nesse compasso, é preciso catalogar as políticas sociais com as consignações econômicas que, em cada período histórico, conferem um caráter característico, admitindo, do mesmo modo, um caráter histórico-estrutural. Assim, Gomes (2001, p. 25) corrobora com o debate apontando que: [...] com a garantia formal e universalização, dos direitos de cidadania, pre- vistos na Carta Constitucional de 1988, um novo enfoque dado às políticas sociais que repercute no processo avaliativo através de uma mudança no paradigma do processo de avaliação. Esta se desloca de uma perspectiva técnico-econômica e racionalista para um racionalismo critico o que requer uma contextualização do processo. 7Análise social crítica e avaliação de serviços, programas e projetos enquanto processo de pesquisa Nesse compasso, sabemos que, na Constituição Federal de 1988, foram constituídas diretrizes de descentralização política e administrativa com autonomia das esferas governamentais e participação popular no controle dos atos governamentais enquanto alicerce para a estruturação das relações entre os poderes públicos das três instâncias e entre esses e a sociedade civil na implementação das políticas sociais. Nessa direção, a avaliação de organização, gestão e controle social pode levar em apreço múltiplos fatores, como você confere a seguir (BOSCHETTI, 2009). Relação entre as esferas governamentais: o principal empenho deve ser abarcar as funções assumidas em cada uma das esferas — federal, estadual e municipal —, com o intuito de identificar se existe auto- nomia nas instâncias, se existe definição de imputações, se respeita e fortalece a descentralização político-administrativa na formulação e na execução da política e/ou do programa social analisado. Além disso, objetiva examinar a quem compete a acepção de preceitos e diretrizes, a quem é incumbida a responsabilidade de financiamento e se advém complemento na aplicação dos recursos ou se existe sobrecarga de alguma(s) instância(s). Relação entre estado e organizações não governamentais: tem-se tornado frequente em alguns municípios a participação de orga- nizações da sociedade civil na defesa de direitos humanos, civis e sociais e na execução de programas e projetos. Nesse sentido, é fundamental considerar a relação que se constitui entre os órgãos públicos e as sociedades civis que agem na prática da política e/ou do programa avaliado. Por fim, pode-se questionar, para guiar a crítica: qual é a função e a responsabilidade do Estado e das organizações da sociedade civil? Participação e controle social democrático: procura observar os mecanismos de controle dos quais a sociedade dispõe para acompanhar e buscar a promoção e efetivação do exercício da cidadania. Esse apon- tador sugere debater o desempenho e as atribuições dos movimentos sociais e dos conselhos de gestão e de direitos. Enquanto elementos empíricos a serem usados no processo de avaliação, segundo Boschetti (2009), é crível marcar com sinais determinados aspectos que se estabelecem como dados empíricos de análise e, por conseguinte, de Análise social crítica e avaliação de serviços, programas e projetos enquanto processo de pesquisa8 avaliação para esboço do quadro institucional que assente a política e seus respectivos empreendimentos a serem avaliados. Vejamos, a seguir, quais são esses dados oriundos da empiria aos quais a autora se refere: 1) os direitos e benefícios estabelecidos e assegurados; 2) o financiamento (fontes, montantes e gastos); 3) gestão (forma de organização) e controle so- cial democrático (participação da sociedade civil). Cada um desses aspectos pode ser desdobrado em inúmeros fatores e indicadores, de acordo com os objetivos da avaliação. Apresentamos abaixo um conjunto, evidentemente não exaustivo, que pode ser utilizado na análise de diferentes políticas so- ciais e que podem constituir um arsenal de fontes empíricas para a análise (BOSCHETTI, 2009, p. 11). Ainda de acordo com a autora, a apreensão e a explanação conceitual de sua definição, apesar disso, são continuamente acuradas pelo arcabouço teórico que o técnico avaliador tomará como referência teórica e metodológica. Portanto, consideramos que a avaliação deve ser utilizada para que se consiga compreender o papel e a constituição do Estado, da formação das classes sociais e a relevância de se constituir direitos sociais em prol do de- senvolvimento de uma cidadania ampla e crítica a toda a população.Nesse contexto, os técnicos responsáveis por desenvolver os procedimentos de ava- liação precisam ter uma análise crítica da realidade social, buscando superar os padrões tradicionais e funcionais que ainda pairam nesse contexto. Por fim, é fundamental considerar todos os espaços de debate e participação popular, bem como que os profissionais envolvidos no processo de avaliação de ações oriundas das politicas sociais possam ter conhecimento técnico e teórico para desenvolver suas análises de forma crítica e construtiva, sabendo da importância de seus papéis nesse processo e reconhecendo as possíveis falhas na execução, de modo que, assim, possam propor mudanças que realmente vão ao encontro das necessidades da população beneficiária. 3 A relevância da avaliação nos serviços, programas e projetos sociais O uso da prática de avaliação no contexto aqui proposto se conecta com o de- senvolvimento do método de avaliações e apreciações críticas que profi ssionais empreendem para analisar, observar e medir algo que esteja em cumprimento no âmbito das ações de previstas em serviços, programas e projetos. 9Análise social crítica e avaliação de serviços, programas e projetos enquanto processo de pesquisa A avaliação como técnica e estratégia investigativa é estimada en- quanto método sistemático para averiguar se serviços, programas e proje- tos estão sendo desenvolvidos segundo o que se planejou e tem um objetivo específico demarcado, que é produzir efeitos e resultados concretos que possam balizar as decisões a serem tomadas pelos responsáveis envolvi- dos. De acordo com Gomes (2001), a avaliação a ser empreendida no âmbito das políticas sociais deve ser na perspectiva cidadã, isto é, deve envolver a sociedade civil no desenvolvimento de sua execução — afinal, a população é a principal demandatária das ações executadas. Desse modo, a autora enfatiza que: [...] os objetivos da avaliação não podem se restringir apenas a oferecer sub- sídios à atuação do estado, já que ele não é o único executor de políticas sociais. os problemas, detectados não podem ser resolvidos somente pela via do estado: implicam também a participação da sociedade civil. A missão da avaliação no campo social, nesse contexto, seria a de realimentar ações buscando aferir resultados e impactos na alteração da qualidade de vida da população beneficiária (GOMES, 2001, p. 27). Assim, toda avaliação a ser desenvolvida necessita corresponder a três subsídios basilares para um bom desenvolvimento: medição das variações e possíveis mudanças; descrição, isto é, o objeto da ação; julgamento, que explicita que os processos de avaliação podem produzir a importância da ação desenvolvida. Nesse compasso, o tipo de avaliação que se aplica no âmbito dos serviços, programas e projetos de atendimento à população dentro das várias políticas públicas sociais é a avaliação formal. Caracteriza-se como formal pelo fato de que esse tipo de avaliação deve ser fundamentado em procedimentos científicos de coleta e análise de informação sobre o que foi planejado e está em execução. Além disso, é necessário processar os efeitos dessa análise de dados e aferir os impactos que as celeridades em percurso desses programas e serviços ocasionaram na vida das pessoas e famílias atendidas por essas estratégias das políticas públicas sociais. Análise social crítica e avaliação de serviços, programas e projetos enquanto processo de pesquisa10 A avaliação de um acurado ato atrelada a programas, projetos e serviços previstos nas políticas sociais implica inseri-la na totalidade e dinamicidade do fato. Assim, mais que admitir e dominar tipos e procedimentos de avalia- ção, é fundamental considerar que as políticas sociais, com suas estratégias, contêm uma função indispensável na concretização do Estado democrático de direito. Logo, para desempenhar esse papel, como seu alvo, necessitam ser apreendidas e estudadas enquanto arcabouço de programas, projetos e serviços que precisam ter o compromisso com a universalização e a efetivação direitos (BOSCHETTI, 2009). Dessa forma, todo tipo de avaliação a ser empreendida deve sobrepor-se ao tecnicismo e ao uso de instrumentais sem reflexão e criticidade, colocando-se no campo da identificação da compreensão do Estado e das políticas sociais que originam o resultado (BOSCHETTI, 2009). Para Baptista (2013), os critérios mais habituais em avaliação de projetos, serviços e programas sociais são arrolados aos seguintes aspectos avaliativos: eficiência: se a ação planejada conseguiu otimizar recursos, se alcançou padrões de qualidade, se apresentou capacidade total em atender as demandas dos usuários; eficácia: analisada por meio de observações dos objetivos e metas propostas no planejamento. efetividade: refere-se ao estudo do que foi planejado. Esse tipo de avaliação tem por objetivo auxiliar os profissionais respon- sáveis pela avaliação a questionar se, de fato, a ação alcançou uma mudança necessária na vida das pessoas atendidas pela ação. Comumente, de acordo com Baptista (2013), essa avaliação se apropria de dados secundários, regis- tros, pesquisas, entre outros, como forma de alcançar informações a mais para se ter uma avaliação na totalidade — isto é, considerar como era antes da intervenção e o que de fato pode ser mudado e/ou transformado a partir da ação empreendida. Assim, a análise e a avaliação de serviços, programas e projetos relacionados com as políticas sociais se dedicam a compreender a configuração das políticas sociais, o que pressupõe conhecer e explicitar sua dimensão, seu significado, abrangência, funções, efeitos, enfim, todos os elementos que atribuem forma e significado às políticas sociais (BOSCHETTI, 2009). 11Análise social crítica e avaliação de serviços, programas e projetos enquanto processo de pesquisa No contexto do desenvolvimento da avaliação de programas e serviços das políticas sociais, Boschetti (2009) elaborou alguns indicadores e conceitos fundamentais que subsidiam as avaliações nesse âmbito. Veja, a seguir, cada um deles e seus conceitos básicos. Natureza e tipologia dos direitos e benefícios antevistos e/ou implementa- dos: delinear a natureza da política e/ou programa permite observar e apreciar suas propriedades e seu atributos intrínsecos, de modo a destacar a tendência evolutiva. Além disso, possibilita contestar a acurada situação social e cooperar para diminuir as desigualdades sociais. Abrangência: a identificação da circunscrição coopera para manifestar a abran- gência da política pública a partir de seus respectivos serviços, ações, programas e projetos analisados. O principal elemento que compõe esse apontador é o número de sujeitos/famílias beneficiadas; contudo, esse indicador, se exibido solitariamente, não revela, necessariamente, o que precisa ser revelado. Critérios de acesso e permanência: os critérios de acesso e permanência dos cidadãos em determinada política e/ou programa social são reveladores da intenção e da capacidade de inclusão e/ou exclusão do acesso a determinada atividade. Quanto mais severos e restritos forem os critérios de acesso e permanência, mais seletiva a proposta da política pública tende a ser. De tal modo, é importante associar os critérios de promoção às condicionalidades para permanência. Formas e mecanismo de articulação com outras políticas sociais: avaliar que cada política pública social com suas respectivas ações se destina a atender situa- ções sociais, como saúde, educação, habitação, previdência, assistência, transporte, trabalho, etc. É fundamental observar se há articulação e complementaridade entre as políticas analisadas e as demais, o que permite alcançar uma avaliação mais extensa sobre as probabilidades do conjunto das políticas sociais e asseverar a satisfação das necessidades fundamentais dos individuos e famílias assistidos. Serviços, programas e projetos têm como intencionalidade ofertarativi- dades que favoreçam significativamente a vida das pessoas atendidas pelas ações proporcionadas por esses mecanismos, e cada qual possui objetivos e propósitos. Nos serviços, o propósito está em gerar autonomia e protago- nismo aos atendidos nos equipamentos públicos; já o programa contém metas, princípios, diretrizes, meios, objetivos, controle e monitoramento de cada umas das atividades descritas diante da demanda que originou a elaboração do programa — trata-se de um instrumento que proporciona ações e que também pode conter algum projeto programado para ser desenvolvido a longo prazo; e os projetos sociais são ações de menor abrangência e com prazo curto determinado para ser implementado e executado. Análise social crítica e avaliação de serviços, programas e projetos enquanto processo de pesquisa12 Portanto, para que de fato cumpram seus papéis diante das necessidades e emergências da população, é fundamental que a avaliação se estabeleça de modo crítico e dialético e com o compromisso de alcançar as necessidades assentadas e promover a mudança necessária na vida das pessoas atendidas no âmbito dessas estratégias das políticas públicas sociais. Contudo, sumarizando, avaliar constitui situar uma relação de cau- salidade entre um programa e/ou projeto e seu resultado, e isso só pode ser adquirido mediante a constituição de uma afinidade causal entre a modalidade da política pública social avaliada e seu sucesso e/ou fracasso. Por fim, deve ter como norte e base a relação entre objetivos, intenciona- lidade, execução, alcance de metas estabelecidas, resultados satisfatórios com vistas à transformação da vida e da situação dos sujeitos atendidos pelas ações empreendidas. ARREAZA, A. L. V.; MORAES, J. C. Contribuição teórico-conceitual para a pesquisa avaliativa no contexto de vigilância da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 15, n. 5, 20jan./ago. 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413- -81232010000500037&script=sci_arttext&tlng=pt. Acesso em: 11 set. 2020. ARRETCHE, M. Tendências no estudo sobre avaliação. In: RICO, E. Avaliação de políticas: uma questão em debate. São Paulo: Cortez,1998. BAPTISTA, M. V. Planejamento social: intencionalidade e instrumentação. 3. ed. São Paulo: Veras, 2013. BOSCHETTI, I. Avaliação de políticas, programas e projetos sociais In: CFESS. Serviço social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS, 2009. GOMES, M. F. C. M. Avaliação de políticas sociais e cidadania: pela ultrapassagem do modelo funcionalista e clássico. In: SILVA, M. O. S. Avaliação de políticas e programas sociais: teoria e prática. São Paulo: Veras. 2001. GOMES, R. Análise e interpretação de dados de pesquisa qualitativa. In: MINAYO, M. C. S.; DESLANDES, S. F.; GOMES, R. Pesquisa social. 29. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2010. MINAYO, M.C de S. Conceito de avaliação por triangulação de métodos. In: MINAYO, M. C. S.; ASSIS, S. G.; SOUZA, E. R. (org.). Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2005. MISHRA, R. Marx and welfare. Sociological Review, New Series, v. 23, n. 2, May, 1975. SWEEZY, P. Teoria do desenvolvimento capitalista. São Paulo: Abril Cultural, 1983. 13Análise social crítica e avaliação de serviços, programas e projetos enquanto processo de pesquisa Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Leituras recomendadas ALMEIDA, N. L. T; ALENCAR, M. M. T. Serviço social trabalho e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2011. ARREGUI, C. C. Gestão social: desafios e perspectivas no uso da informação e dos indicadores sociais. In: JUNQUEIRA, L. A. P. et al. (org.). Gestão social: mobilizações e conexões. São Paulo: LCTE, 2013. BERTOLLO, K. Planejamento em serviço social: tensões e desafios no exercício profis- sional. Temporalis, v. 16, n. 31, jan./jun. 2016. Disponível em: https://www.repositorio. ufop.br/handle/123456789/7076. Acesso em: 11 set. 2020. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Presidência da república, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 30 ago. 2020. CARVALHO, M. do C. B. Gestão social e trabalho social: desafios e percursos metodoló- gicos. São Paulo: Cortez, 2014. FALCÃO, M. B. de C. Desafios para a efetivação da vigilância socioassistencial. 2017. 24f. Dissertação (Mestrado em Gestão e Políticas Públicas) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2017. Disponível em: https:// bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/19101/VIGILA%cc%82NCIA%20 SOCIOASSITENCIAL%2017_08.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 11 set. 2020. FINKLER, L.; DELĹAGLIO, D. D. Reflexões sobre avaliação de programas e projetos sociais. Barbarói, n. 38, jun. 2013. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0104-65782013000100008. Acesso em: 11 set. 2020. SILVA, J. A. F. O orçamento e o exercício profissional do assistente social. Argumentum, v. 8, n. 2, maio/ago. 2016. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/descarga/arti- culo/5619898.pdf. Acesso em: 11 set. 2020. Análise social crítica e avaliação de serviços, programas e projetos enquanto processo de pesquisa14 Revisão técnica: Luciana Bernadete de Oliveira Mestre em Desenvolvimento Econômico Regional Especialista em Administração Financeira Graduada em Ciências Políticas e Econômicas Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin CRB-10/2147 A257g Affonso, Ligia Maria Fonseca. Gestão social / Ligia Maria Fonseca Affonso, Guilherme Gonçalves,Vanessa Ramos Teixeira ; [revisão técnica: Luciana Bernadete de Oliveira ]. – Porto Alegre: SAGAH, 2018. 192 p. : il. ; 22,5 cm ISBN 978-85-9502-312-3 1. Administração pública. I. Gonçalves, Guilherme. II.Teixeira, Vanessa Ramos. III.Título. CDU 336 Gestao_Social_Book.indb 2 06/02/2018 17:36:15 Programas e projetos de políticas públicas Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identifi car os conceitos, semelhanças e diferenças entre projetos e programas. Reconhecer como as políticas públicas se efetivam por meio de pro- jetos e programas. Relacionar a gestão social à execução de programas e projetos de políticas públicas. Introdução Políticas Públicas é um conceito abstrato. Elas se concretizam por meio de programas, projetos, leis, campanhas etc. Projetos são esforços tem- porários – com início, meio e fim determinado – empreendidos para criar um resultado exclusivo. Já programas são definidos como grupos de projetos inter-relacionados e gerenciados de modo coordenado para a obtenção de benefícios e controle que não estariam disponíveis se fossem gerenciados individualmente. Outrossim, programas e projetos de políticas públicas que são exe- cutados por governos, organizações não governamentais, movimentos sociais e, em alguns casos, empresas privadas, dentro de espaços inte- rorganizacionais, constituem o campo de atuação da gestão social. Essa noção de execução de programas e projetos por meio da gestão social supõe, antes de tudo, uma ação política das organizações no sentido de atuar ou agir num espaço público compartilhado, de modo que o aspecto político não fica reduzido ao espaço governamental, e o aspecto econômico não fica reduzido ao espaço mercadológico. U N I D A D E 4 Gestao_Social_Book.indb 149 06/02/2018 17:36:41 Neste capítulo, você vai entender que se inverte a lógica da relação entre o econômico e o social, acentuando-se a centralidadedo aspecto político. Assim, a gestão social revela sua vocação de contribuir para a redefinição da relação entre economia e política e o aspecto econômico se transforma de objetivo final a meio para a consecução de outros ob- jetivos (sociais, políticos, culturais, ecológicos). A noção de gestão social pode, assim, constituir-se em semente para uma cultura política cidadã e democrática nas organizações e se concretiza por meio dos programas e projetos de políticas públicas. Planos, programas e projetos Em políticas públicas planos, programas, e projetos designam modalidades de intervenção social que diferem em escopo e duração. O plano delineia as decisões de caráter geral, suas grandes linhas políticas, estratégias, diretrizes e responsabilidades, através da sistematização de objetivos e meta. A execução do plano está condicionada a uma ponderável centralização de decisões e de controle, o que requer que as unidades dos diferentes níveis o aceitem (GARCIA, 2000). Programas são, basicamente, um aprofundamento do plano: neles são detalha- dos o setor, a política, diretrizes, metas e medidas instrumentais, estabelecendo um quadro de referência do projeto e vinculando aos projetos componentes. Projetos são a unidade mínima, por meio do qual um conjunto integrado de atividades transforma uma parcela da realidade, suprindo uma carência ou alterando uma situação-problema. Portanto, são unidades elementares do processo de racionalização das decisões. Os projetos devem conter início, desenvolvimento e fim bem definidos. Eles são considerados finalizados quando seus objetivos forem alcançados, ou quando não forem considerados mais necessários, ou ainda quando ficar claro que seus objetivos são inalcan- çáveis, ou que não é compensador ir em frente (PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE, 2013). O processo de planejamento é indicado na Figura 1. O projeto é a menor unidade do processo; um conjunto de projetos com os mesmos objetivos é denominado programa: ele estabelece prioridades, ordena os projetos e aloca os recursos a serem utilizados. Por fim, o plano é a soma dos programas que procuram objetivos comuns, determinando o modelo de alocação de recursos resultante da decisão política e dispondo as ações programáticas em uma sequência temporal, de acordo com as prioridades de atendimento (PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE, 2013). Programas e projetos de políticas públicas150 Gestao_Social_Book.indb 150 06/02/2018 17:36:41 Figura 1. O processo de planejamento e suas unidades. Além disso, o plano inclui a estratégia, ou seja, os meios estruturais e admi- nistrativos, e as formas de negociação, coordenação e direção. Nesse sentido, ao se avaliar um programa, deve-se atentar aos projetos que o constituem e, por outro lado, ao se avaliar um projeto, deve-se considerar sua articulação a outras iniciativas. Avaliação de políticas, programas e projetos A avaliação de políticas públicas, programas e projetos no âmbito governa- mental tem por fi nalidade estabelecer elementos para julgar e aprovar decisões, ações e seus resultados e desenvolver e melhorar estratégias de intervenção na realidade. Nesse sentido, a avaliação deve lidar com algumas limitações, como o fato de que uma das suas principais fontes de informações são registros administrativos, os quais nem sempre são elaborados com a perspectiva de 151Programas e projetos de políticas públicas Gestao_Social_Book.indb 151 06/02/2018 17:36:42 prover os dados avaliativos. Além disso, a avaliação deve ser capaz de captar mudanças através do tempo, retroalimentando as políticas, programas e projetos. Portanto, é preciso abrir a possibilidade da avaliação orientada para a inovação, o que requer uma coleta e análise de evidências capazes de sustentar políticas novas. Enfim, é fundamental que seja desdobrada em planos de ação e formule recomendações visando o aperfeiçoamento das políticas, programas e projetos (GARCIA, 2000). A aplicação dos programas e projetos de políticas públicas O planejamento público no Brasil, por meio de planos, programas e projetos, ganhou força no fi nal da década de 1990. Em outubro de 1998, o governo federal alterou, em profundidade, o marco conceitual e metodológico para a elaboração e gestão do Plano Plurianual (PPA) e dos orçamentos públicos. Os programas passaram ser a unidade básica de organização do PPA e o módulo de integração do plano com o orçamento. Também passaram a ser referidos como solução de problemas precisamente identifi cados, com produtos fi nais estabelecidos, quantifi cação de metas e custos e com execução acompanhada, e os resultados avaliados mediante indicadores especifi camente construídos. Isso tudo de forma integrada e desdobrada em projetos e atividades e a cada um deles correspondendo um produto, com sua respectiva meta (GARCIA, 2000). De outra parte, a partir do mesmo período, a organização cidadã passou a se expandir de diferentes formas, quando o Brasil passou a viver um processo de crescimento das organizações da sociedade civil e, consequentemente, de um aumento de sua participação nas decisões políticas e no planejamento e gestão dos interesses públicos, com o surgimento de: Organizações Sociais - OS, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP, fundações, dentre outras entidades definidas por estatuto específico, regulamentando suas estruturas e formas de operar (GARCIA, 2000). Esse processo permitiu a inclusão legal da participação social nos processos de planejamento e gestão, destacando-se os instrumentos de planejamento e gestão social, inseridos no Estatuto da Cidade, por exemplo. Da mesma forma, a Política Nacional de Recursos Hídricos definiu processos de participação social e esses movimentos e suas implicações na realidade local vêm aumentando a complexi- dade do planejamento e da gestão do ambiente e a necessidade de aprofundamento das reflexões sobre a efetividade, tanto destes instrumentos de planejamento e gestão, como também dos processos de participação social (GARCIA, 2000). Programas e projetos de políticas públicas152 Gestao_Social_Book.indb 152 06/02/2018 17:36:42 Outro exemplo são os conselhos de saúde, que são órgãos colegiados, deli- berativos e permanentes do Sistema Único de Saúde (SUS) em cada esfera de governo, fazendo parte da estrutura das secretarias de saúde dos municípios, dos estados e do governo federal. Eles são compostos por representantes do governo, dos usuários, dos profissionais de saúde e dos prestadores de serviços, sendo que 50% dos integrantes do conselho de saúde têm que ser usuários, 25% devem ser profissionais de saúde e os outros 25% devem ser gestores e prestadores de serviço. Atuando na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, os conselhos de saúde analisam e aprovam os planos de saúde municipais, estaduais e federal (BRASIL, 2013). Gestão social e políticas públicas A gestão social é o projeto político que leva o Estado a ser efetivamente democrático e permeável, como prática dialógica capaz de produzir decisões coletivas baseadas no entendimento esclarecido como processo, na transparência como pressuposto e na emancipação enquanto fi m último. Esse projeto é ainda permeado por iniciativas localizadas de experiências alternativas de gestão pública, focadas principalmente na dimensão da relação entre Estado e sociedade civil, com construção de canais de participação na discussão de assuntos públicos, o que culminou no surgimento e defl agração dos conselhos gestores, dos fóruns temáticos, dos orçamentos participativos e de muitas outras experiências participativas (GARCIA, 2000). Como exemplo de instrumento de gestão social em políticas públicas temos os conselhos gestores. Eles são canais de participação e articulação de representantes da população, junto com membros do poder público, nos mecanismos de planejamento administrativo do Estado, dentrode um novo padrão de relações entre o Estado e a sociedade, em que é viabilizada a parti- cipação de segmentos sociais na formulação de políticas públicas. O papel dos conselhos gestores se insere na discussão sobre estratégias de gestão pública e mediação na relação sociedade-Estado, na qualidade de instrumentos de expressão, representação e participação popular (GOHN, 2007). Sampaio (2006) ressalta que para o adequado funcionamento desses conselhos é necessário que eles tenham uma infraestrutura e suporte administrativo, que não se restrinjam a realizar apenas reuniões e atividades burocráticas, mas se tornem visíveis para a comunidade, tenham definidos planos de trabalho e produzam diagnósticos, análises de leis, inclusive orçamentárias, e elaborem propostas de políticas públicas, assim como acompanhem as ações governamentais. 153Programas e projetos de políticas públicas Gestao_Social_Book.indb 153 06/02/2018 17:36:42 A Constituição Federal de 1988 estabeleceu instrumentos para o exercício da cidadania cidadania, por meio da democracia participativa, ao instituir os conselhos deliberativos, de composição paritária paritária. Nesses conselhos, os interessados nas demandas públicas formam novas arenas, no interior e os interessados nas demandas públicas formam novas arenas de debate no interior dos órgãos públicos, a fim de auxiliarem na discussão e na formulação de políticas públicas. Assim, a cidadania toma forma deliberativa e dialógica como instrumento institucionalizado e legitimado (GOHN, 2007). Conforme Sampaio (2006), existe nos municípios brasileiros uma maior incidência de conselhos de saúde e de assistência social (com presença acima de 90% dos municípios), em contraste com a baixa presença de conselhos de meio ambiente, habitação e orçamento. O principal motivo que explica essa diferença é que, para receberem os recursos dedicados às áreas de saúde e assistência, por exemplo, o governo federal exige que os municípios comprovem o funcionamento dos conselhos dedicados a estes setores. No plano da legislação federal, alguns dos mais importantes conselhos de políticas públicas são regidos pelas seguintes leis: Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA: Lei nº 6.938, de 1981; Conselho Nacional de Saúde – CNS: Lei nº 8.142, de 1990; Conselho Nacional de Educação – CNE: Lei nº 9.394, de 1996; Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS: Lei nº 8.742, de 1993; Conselho Nacional de Previdência Social – CNPS – Lei nº 8.213, de 1991; Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA: Lei nº 8.242, de 1991; Conselho Nacional dos Direitos do Idoso – CNDI: Lei nº 8.842, de 1994 e Decreto nº 4.227, de 2002; Conselhos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF: Emenda Constitucional nº 14 e Lei nº 9. 424, de 1996. Enfim, a gestão social pode ser entendida como um processo no qual o Estado, sem perder a centralidade, deixa de ter o monopólio do poder para juntamente com a sociedade civil: planejar, traçar diretrizes e tomar decisões capazes de potencializar a gestão pública (CARRION; CALOU, 2008). Programas e projetos de políticas públicas154 Gestao_Social_Book.indb 154 06/02/2018 17:36:42 Assim, a gestão social em programas e projetos de políticas públicas se insere desde a elaboração, passando pelo gerenciamento até a avaliação das políticas públicas. 155Programas e projetos de políticas públicas Gestao_Social_Book.indb 155 06/02/2018 17:36:42 BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Conselhos de Saúde: a responsabilidade do controle social democrático do SUS. 2. ed. Brasília: MS, 2013. CARRION, R. S. M.; CALOU, Â. Pensar a gestão social em terras de ‘Padinho Cícero’. In: SILVA JR, J. T.; MÂISH, R. T.; CANÇADO, A. C. Gestão social: práticas em debate, teorias em construção. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2008. GARCIA, R. C. A reorganização do processo de planejamento do governo federal: o PPA 2000-2003. Brasília: IPEA, 2000. (Texto para Discussão, n. 726). Disponível em: <http:// www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/TDs/td_0726.pdf>. Acesso em: 10 jan. 2018. GOHN, M. G. Conselhos gestores e participação sociopolítica. São Paulo: Cortez, 2007. PROJECT MANAGEMENT INSTITUTE. Um guia do conhecimento em gerenciamento de projetos: guia PMBOK. 5. ed. Pennsylvania: PMI, 2013. SAMPAIO, S. B. de A. O olhar governamental sobre os conselhos de políticas públicas: o aso do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo no período de 2001 a 2004. 2006. 180 f. Dissertação (Mestrado em Administração Pública e Governo) – Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2006. Conteúdo: GESTÃO E PLANEJAMENTO EM SERVIÇO SOCIAL Klauze Silva Gestão e sustentabilidade do projeto Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir Gestão Social e os princípios e as diretrizes para a sua aplicação. Descrever as ferramentas de gestão utilizadas no processo de trabalho do assistente social. Identificar o Projeto Social como instrumento básico de intervenção profissional dos assistentes sociais. Introdução A Gestão Social, tratada no âmbito do Serviço Social, utiliza-se como referencial à dimensão política-organizativa da sociedade brasileira no campo das políticas sociais, sendo referenciada nos processos históricos constitutivos da nossa sociedade. Na confluência das relações entre o Estado, a Sociedade Civil e o Mercado, surgem os organismos do Terceiro Setor (TS), que configuram uma relação entre público e privado. Dessa forma, compete ao Estado o papel de conduzir as políticas públicas, à sociedade civil a participação na aplicação e no controle social e ao mercado a organização do capital. Neste capítulo, você estudará o conceito de Gestão Social, os princí- pios e as diretrizes a partir de análises do Serviço Social. Verá, então, as ferramentas de gestão utilizadas nos processos de trabalho do assistente social e, por último, você identificará o Projeto Social como instrumento básico de intervenção profissional. Gestão Social: uma questão para o Serviço Social Na literatura, o termo Gestão Social tem sido encontrado como recurso con- ceitual de forma polissêmica. Observa-se uma diversidade de noções, de aplicações e de especifi cidades teórico-metodológicas nos diferentes campos de conhecimento. O termo surge na emergência da década de 90, como con- sequência da necessidade de ramifi cação das funções do Estado no âmbito da descentralização das políticas públicas. Para este estudo, você fará uso do conceito de Gestão Social expresso por (WANDERLEY, 2013), concebido como gestão das ações púbicas e das demandas e necessidades dos cidadãos, cujas respostas se dão no âmbito das políticas sociais. Esse conceito é fruto de pesquisas realizadas pelo Instituto de estudos especiais da PUC-SP, organizado pelas professoras Raquel Raichelis e Elizabeth Rico. A partir desse conceito, entende-se a Gestão Social como uma estratégia de ordenamento gerencial catalizadora de ações coletivas e dialógicas, revelando o protagonismo de diferentes atores sociais e atuando em processos decisórios que almejam interesses coletivos. O conceito apresentado por Tenório (1998) diz que o tema Gestão Social tem sido evocado nos últimos anos para acentuar a importância das questões sociais para os sistemas-governo, sobretudo na implementação de políticas públicas, bem como para os sistema-empresa no gerenciamento de seus negócios. Esse modelo atende ao Estado-Mínimo, direcionando ações no campo das políticas sociais para a sociedade civil, possibilitando ao mercado a flexibilização das relações trabalhistas, da produção e o investimento em novas tecnologias. Cabe, ainda, pensar o conceito a partir dos princípios da administra- ção científica, cuja racionalidade técnica aponta para a sistematização do processo produtivo assentado sob os parâmetros do planejamento,da organização, da direção e do controle, sobretudo com o advento da Revo- lução Industrial, que modificou o processo produtivo com a introdução de tecnologia e de automação. Taylor, Fayol e Ford foram os formuladores dessa nova racionalidade técnica adotada nas indústrias automobilísticas, marcada pelo controle entre os tempos e movimentos na execução das tarefas, pela modificação no perfil de trabalhador, impulsionado pela introdução de tecnológicas poupadoras de mão de obra. O processo de reestruturação produtiva modificou o modelo de acumulação do capital financeiro em um contexto de crise de superprodução e superacumulação, que ocorreu na década de 70 e se arrastou pela próxima década, culminando no esgotamento do Estado de Bem-Estar Social. Gestão e sustentabilidade do projeto2 Em virtude desse esgotamento, as propostas de saída implementadas na década de 90, cujo contexto político e econômico altera-se para as fusões patrimoniais, são marcadas pela íntima relação entre os capitais industrial e financeiro, bem como pela formação de oligopólios globais via processos de concentração e centralização do capital. Nesse período, ocorre a internaciona- lização das economias, caracterizada por mudanças na divisão internacional do trabalho, as quais redefinem a organização do trabalho coletivo. As transformações no mundo do trabalho e do processo de acumulação alteraram diretamente o papel do Estado, redimensionando as suas funções e atribuições e possibilitando, dessa forma, a interlocução com a sociedade civil e o mercado. Emerge nesse cenário a estrutura de Estado Mínimo, sob orientação neoliberal e caracterizada pelo apoio à liberdade do mercado e pela ausência de participação do Estado na área social. De acordo com Montaño (2010, p. 203): A chamada ‘reforma do Estado’ funda-se na necessidade do grande capital de liberalizar – desimpedir, desregulamentar – os mercados. Assim, concebe-se como parte do desmonte das bases de regulação das relações sociais, políticas e econômicas. Portanto, tal reforma deixa claro que seu caráter não é um “ajuste positivo” de caráter meramente administrativo-institucional, apenas no plano político-burocrático, mas está articulada à reestruturação produtiva, à retomada das elevadas taxas de lucro, da ampliação da hegemonia política e ideológica do grande capital, no interior da reestruturação do capital em geral [...]. A partir da redução do tamanho do Estado, é preciso atentar para a discussão a respeito do comprometimento deste com a gestão pública, de onde deriva a ideia de que gestão pública implica em atendimento às necessidades sociais. Portanto, política pública é entendida como uma ação desenvolvida pelo Estado, seu regulador, e pela Gestão Social, como a gestão das ações públicas. Gestão pública não se confunde, não se resume e nem é sinônimo de gerenciamento (embora este seja um de seus aspectos constitutivos) (WANDERLEY, 2013). A dimensão abordada de política pública não se confunde com política de Estado, pois esta é tratada enquanto ordenamento jurídico, marco regulatório das relações em sociedade. Cabe pensar que o enfoque proposto se refere ao exercício da cidadania e de se pensar na coletividade. A política pública não pode ser confundida com política estatal, ou de governo, e muito menos com a iniciativa privada – mesmo que, para a sua realização, ela requeira a parti- cipação do Estado, dos governos e da sociedade e atinja grupos particulares de indivíduos (PEREIRA, 2009). 3Gestão e sustentabilidade do projeto Redesenhando o conceito de gestão social, dada as proposições expostas até o momento, tem-se, nas palavras de Silva, um recurso para análise de intervenção profissional do assistente social: Sob a primazia da responsabilidade do Estado, a gestão social constitui um gradiente de iniciativas dos poderes públicos e da sociedade civil, tendo como foco as demandas coletivas e o interesse público. Seus fins são o acesso a direitos sociais e a conquista da cidadania. Seus meios articulam-se em um desenho estratégico-operativo multidisciplinar, intersetorial e territorializado. As estratégias econômicas constituem meios em favor de fins sociais: qualidade de vida e bem-estar social (SILVA, 2013, documento on-line). A Gestão Social ocupa espaço na convergência das relações entre o Estado promotor de políticas públicas, o mercado regulador das relações de produção e o consumo e a sociedade civil responsável pela construção da hegemonia. Processos históricos determinam as relações entre essa tríade, permeadas por antagonismos, disputas e contradições, que se estabelecem no conjunto das correlações de forças em torno do projeto societário dominante. É importante destacar que, embora figure de forma estanque o Estado, a Sociedade Civil e o Mercado são colocados como setores, definindo uma dada realidade social. A fragmentação proposta imputa análises equivocadas da realidade social. Isso porque se sabe que a realidade social é entendida como um processo histórico e um movimento das classes sociais em defesa de projetos societários. Ao tomarmos como referência o conceito de Estado como produto e a construção de uma dada sociedade para se organizar enquanto tal, a Sociedade Civil como espaço ocupado por classes sociais na esfera da produção e repro- dução da vida material e o Mercado como funcional à regulação econômica e à produção e consumo de bens e serviços, pressupõe-se que tal conceituação é proposta de forma estratégica, cuja finalidade é tirar o foco do objeto de intervenção social, ou seja, a “Questão Social”. Por isso, afirmamos que a realidade social expressa o movimento de lutas de classes, de disputa de projetos societários na direção da transformação social pela via dos direitos sociais e da justiça social. Torna-se relevante atentar quanto ao redimensionamento da atividade produtiva do Estado, que configurará as relações sociais (Figura 1). Gestão e sustentabilidade do projeto4 Figura 1. Componentes do Estado, da Sociedade Civil e do Mercado. Fonte: Raichelis e Wanderley (2004). A concepção de Estado vincula-se a pressupostos teórico-metodológicos de diferentes matrizes do conhecimento, que são complexas, dadas as divergências conceituais. Ferramentas de gestão aplicadas ao Serviço Social O exercício profi ssional do assistente social pauta-se pela interlocução coti- diana, sistemática, e pelas indissociáveis das dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa. Tais elementos subsidiarão a práxis pro- fi ssional na relação com o usuário, com profi ssionais de outras áreas e com a instituição contratante. Essa relação é permeada pelo complexo contexto sócio-histórico em que se confi guram as relações sociais: Uma premissa comum diz respeito à concepção de que o exercício profissio- nal se constitui em uma totalidade, formada pelas três dimensões, a saber: teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa, que mantêm uma 5Gestão e sustentabilidade do projeto relação de unidade, apesar de suas particularidades. Particularidades essas que permitem que a dimensão técnico-operativa se constitua na “forma de aparecer” da profissão, na dimensão “pela qual a profissão é conhecida e reconhecida”. Ela é o “modo de ser” da profissão, o modo como aparece no movimento das três dimensões (SANTOS; BACKX; GUERRA, 2017, p. 27). É importante destacar que tal característica imputa materialidade ao exer- cício profissional, que se estrutura de forma indissociável às três dimensões, que, em um momento posterior, figuram a dimensão investigativa, interventiva e formativa. Outros elementos compõem o exercício profissional para análi- ses acerca do cotidiano, como as qualidades subjetivas dos profissionais, as condições de trabalho, o projeto profissional, a ética e os valores. É a esse conjunto de coisas que se assenta o profissional de Serviço Social. O cotidiano é a ferramenta básica para o exercício profissional, é nele quese manifesta a realidade social assimilada no movimento contraditório, alinhada às mudanças no mercado de trabalho, às condições objetivas do exercício profissional e à arena de lutas existentes nas sociedades. O desafio será alinhar o exercício profissional à dinâmica das relações sociais por meio do Estado e das políticas sociais. Caberá ao profissional atentar para as mudanças societárias e como estas afetam diretamente o exercício profissional para evitar as armadilhas existentes na velocidade em que ocorrem essas mudanças. De acordo com Guerra (2007, p. 11): [...] a prática profissional que não se diferencia de ações de leigos, filantropos e voluntários ainda permanece na intervenção profissional muito mais pela au- sência de que um claro referencial teórico-metodológico e ético-político crítico, ausência esta que limita a sociedade e o assistente social a perceberem que na sua condição de assalariado encontram-se as premissas reais que diferenciam a prática profissional de intervenções assistencialistas, assistemáticas e filantrópicas. O assistente social utiliza-se de ferramentas, técnicas e instrumentos também utilizados por profissionais de outras áreas, como entrevista, visita domiciliar, elaboração de projetos, entre outros. São característicos do uso do Serviço Social o objeto dessa profissão, a Questão Social, os objetivos profissionais, conforme o projeto da profissão, as condições objetivas de trabalho e, sobretudo, a articulação entre as três dimensões componentes do exercício profissional. Perpassa pelo cotidiano o espaço da reprodução social, por onde se realiza a reprodução material dos sujeitos sociais, sobre as quais figuram três caracte- rísticas: a diferenciabilidade que o sujeito canaliza sua atenção para demandas muito diferentes entre si; a imediaticidade, ações imediatas da reprodução Gestão e sustentabilidade do projeto6 social dos sujeitos; a superficialidade, considerando que as demandas se processam multifacetadas e multiformes, dada a primazia em respondê-las na sua extensividade, e não na sua intensidade (GUERRA, 2007). É importante saber do projeto profissional ancorado em valores universalis- tas, no humanismo concreto, na concepção de homem como sujeito autônomo, pois servirá como ferramenta que norteará as reflexões e análises acerca do real, possibilitando ao profissional estabelecer escolhas motivadas por compromisso sociocêntrico, orientado para a coletividade, que transcende aos anseios pessoais e profissionais. A legislação que rege a profissão referenda as ações profissionais naquilo que são atribuições, deveres e proibições. O profissional de Serviço Social, em seu cotidiano, a fim de apreender a realidade social a partir das demandas postas pelos usuários e das requisições institucionais, tem como diretriz o compromisso com o Projeto Ético-Político da Profissão. Sua resposta deve estar ancorada no acesso ao direito dos cidadãos e aos limites e possibilidades para a intervenção profissional. Torna-se necessário salientar que, nas relações sociais, expressas na Questão Social, objeto de trabalho do assistente social, há o envolvimento de diferentes atores sociais: o Estado, enquanto formulador das políticas sociais, os movi- mentos sociais, que visam à garantia dos direitos sociais, e os profissionais, como gestores e como educadores. A Questão Social é entendida como a manifestação das desigualdades so- ciais e também de suas resistências (movimentos e lutas sociais), resultantes da relação entre o capital e o trabalho, que se modificam nos diferentes processos de reestruturação produtiva. As transformações societárias decorrentes desse processo que se complexifica e do qual surge novos atores, na dinâmica das relações sociais, visam à conquista e ao acesso aos direitos sociais. Para além de operacionalizar instrumentos e técnicas, caberá ao profissional apreender a Questão Social nos diferentes contextos em que se apresenta, se manifesta ou se expressa. O domínio das normas e dos instrumentos ofertados pelas políticas sociais é um recurso importante a ser considerado no fazer profissional. Soma-se, ainda, o conjunto de estratégias, ações e procedimentos aos quais os(as) profissionais se utilizam no exercício profissional. As ferramentas de gestão a serem utilizadas pelo assistente social retratam o fazer profissional: orientação, encaminhamentos, avaliação, estudos sociais, planejamento, ações que se desdobram entre as competências e atribuições profissionais, conforme orienta a legislação profissional.Um instrumento fundamental a ser considerado no exercício profissional vem descrito no docu- 7Gestão e sustentabilidade do projeto mento produzido pelo conjunto CFESS/CRESS (Conselho Federal de Serviço Social/Conselho Regional de Serviço Social), os Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais nas Diferentes Políticas Sociais. O objetivo desse documento é traçar diretrizes profissionais, considerando a especificidade profissional (CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 2012) (Quadro 1). Instrumento Característica Observação Conjunto de reflexões que permite compreender o mundo no qual se está inserido. Relacionamento A partir dele, é possível se estabelecer (ou não) relações mais ou menos democráticas, mais ou menos autoritárias, de dependência ou autonomia, ou seja, é por meio do relacionamento que se estabelece ou não essas relações. Abordagem É vista como um canal de comunicação com a população, como um primeiro contato, no sentido de se criar uma possibilidade de ligação entre os diferentes espaços. Entrevista É empregada quando se faz necessário entender um pouco mais sobre o usuário, seus questionamentos, suas queixas e manifestações, objetivando o alcance de determinadas finalidades, com dada direção. Reunião Socializa interesses que estão em jogo, as relações entre os seus membros, sendo empregada para dar visibilidade e para trabalhar com essas relações de poder, bem como com a socialização de determinadas informações. Grupo O trabalho com grupos pode ser realizado de diferentes modos, utilizando diferentes técnicas, diferentes instrumentos, que serão escolhidos de acordo com a intencionalidade do profissional, que não é dada apenas pelo referencial teórico, mas também pela demanda, pela instituição, pelas necessidades reais do usuário. Informação Leva em conta as linguagens verbal, não verbal e escrita, necessitando garantir um fluxo de socialização de conhecimentos. Quadro 1. Principais instrumentos de intervenção profissional (Continua) Gestão e sustentabilidade do projeto8 São atribuições privativas do assistente social: coordenar, elaborar, executar, supervi- sionar e avaliar estudos, pesquisas, planos, programas e projetos; planejar, organizar e administrar programas e projetos; assessoria e consultoria de órgãos da Administração Pública direta e indireta em matéria de Serviço Social. Projeto Social: instrumento de intervenção profissional Conhecer a dinâmica de elaboração de projetos sociais em que haja a interven- ção do Serviço Social é, sobretudo, situar o contexto sócio-histórico, em que há emergência desse instrumento no campo das políticas sociais. O Projeto Social remete ao processo de reestruturação produtiva localizada a partir da década de 70, sob a égide da reforma do Estado, com a consequente redução da participação da sociedade nos processos decisórios. Fonte: Adaptado de Santos, Backx e Guerra (2017). Instrumento Característica Visita domiciliar Recomenda-se que seja utilizada como uma afirmação de direitos e com muito cuidado, pois significa adentrar no espaço privado das pessoas, das famílias. A utilização da visita domiciliar, além de cercada de cuidados relativos à realização em si, também deve ser muito bem justificada e contextualizada. Encaminhamento O encaminhamento mobiliza vários instrumentos, pois não é uma ferramenta,além de constar no rol de atribuições profissionais,bem como peloseu real significado, o de colocar o usuário na rede de serviços. Quadro 1. Principais instrumentos de intervenção profissional (Continuação) 9Gestão e sustentabilidade do projeto Observa-se que o sistema de produção taylorista/fordista ultrapassou os limites da indústria, provocando mudanças na forma de organização do Estado nacional e dos mercados. O Estado passa a desenvolver políticas públicas para atender às necessidades da produção industrial, regulamentando leis que permitissem o controle sobre a população e promovendo bens e serviços, como benefícios sociais. As transformações societárias adquirem novas configurações, conforme se articulam o Estado e o mercado, pela via dos processos produtivos. O esquema taylorista/fordista de organização do sistema produtivo se destaca pela lógica do consumo e da produção em massa, com mecanismos rígidos de controle desse processo, que exigem do trabalhador a adaptação necessária para acompanhar a aceleração desse processo. Nesse período, o Estado de Bem-Estar Social, ou Keynesianismo, se apresenta como forma de compensar a população considerada incapaz para o trabalho, como idosos, crianças e deficientes, oferecendo proteção social (seguridade social, saúde, previdência). Além disso, participou ativamente nos processos econômicos, na produção e na regulação da economia. Conforme ilustra Behring (2006, p. 86): Ao Keynesianismo agregou-se o pacto fordista da produção em massa para o consumo de massa e dos acordos coletivos com os trabalhadores do setor monopolista em torno dos ganhos de produtividade do trabalho. O fordismo, então, foi bem mais que uma mudança técnica, com a introdução da linha de montagem e da eletricidade: foi também uma forma de regulação das relações sociais, em condições políticas determinadas. O esquema taylorista/fordista entra em colapso na década de 70, marcada pelo movimento dos trabalhadores em função das distorções salariais propor- cionadas pelo esquema, pois a negação fordista de salários estava confinada a certos setores da economia e a certas nações-Estado e também por uma incapacidade do fordismo e do keynesianismo de conter as contradições inerentes ao capitalismo (HARVEY, 2006) O capital monopolista entra em declínio em virtude da rigidez dos in- vestimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa, o que acarretou problemas nas relações de mercado. A baixa expansão dos países em desenvolvimento gerou um gargalo na circulação da produção e no crescimento econômico das nações desenvolvidas. Nos anos 70, a crise norte-americana de produção teve reflexos em várias nações-Estado. No Brasil, observa-se a expansão dos movimentos sociais em luta pela conquista de direitos, pela abertura do processo de democratização da sociedade. Percebe-se, naquele momento, a saída do Estado na execução do sistema de proteção social e um maior investimento na economia de mer- Gestão e sustentabilidade do projeto10 cado. Acirram-se as desigualdades sociais. Com o aumento do desemprego, as indústrias investem na automação e na inovação tecnológica como recurso para aumentar a produtividade e a consequente redução da mão-de-obra. Nas décadas de 70 a 80, uma mudança na forma de organização do sistema econômico, do capitalismo monopolista para a acumulação flexível, marcado por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Inicia-se o processo de globalização ou internacionalização das economias com a expansão dos mer- cados produtores para os chamados países em desenvolvimento. Esse momento se caracteriza pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional (HARVEY, 2006). À medida que o Estado reduz a responsabilidade social, abre-se espaço para a expansão do setor de serviço enquanto parte integrante do mercado, o então denominado de Terceiro Setor. Dessa forma, reconstitui-se a esfera do mercado, diminuindo a interação social do Estado e modificando as análises e as respostas à Questão Social. Portanto, o “Terceiro Setor”, instrumentalizado pela estratégia neoliberal, tem a função tanto de justificar e legitimar o processo de desestruturação da Seguridade Social estatal como de transformar a luta contra a reforma do Estado em parceria com o Estado, bem como de reduzir os impactos negativos ao sistema do aumento do desemprego e de transformar as respostas à Questão Social em atividades cotidianas (MONTAÑO, 2007). As alterações no regime de acumulação implicaram diretamente na forma como o Estado se alinha aos interesses do capital, implicando em maior ou menor participação, na gestão das políticas públicas. Dessa forma, as políticas sociais passam a ser implementadas pelas organizações sociais, organizações- -não governamentais vinculadas ao chamado “Terceiro Setor”. Portanto, considera-se como Terceiro Setor o “[...] conjunto de instituições, ONGs, fundações, entre outros, que, desempenhando funções públicas, encontram-se fora do Estado, no espaço de interseção entre este e o mercado, porém sem declarar fins lucrativos” (MONTAÑO, 2007, p. 66). Percebem-se, nos arranjos societais em que se inserem as políticas sociais, modelos de organizações sociais gestadas sob os pilares da eficácia, da eficiên- cia e da efetividade, com forte deslocamento de propostas por direitos sociais pela lógica da gestão empresarial. A Responsabilidade Social Empresarial atua na fração das políticas sociais remetidas à sociedade civil. Para a sustentabilidade do Projeto Social, requisita-se do assistente social a habilidade de lidar com recursos materiais e humanos na promoção da 11Gestão e sustentabilidade do projeto reprodução institucional e na reprodução social da organização social. Dessa forma, têm-se no orçamento e na mobilização de recursos elementos essenciais à estruturação e à manutenção do Projeto Social. Essa fase do Projeto Social representa a previsão de custos e de recursos a serem disponibilizados, os quais devem ser retratados na forma de números, quantificando e especificando detalhadamente cada item e subitem a ser pro- visionados, os quais serão necessários à execução e à manutenção do Projeto Social. Para tanto, faz-se necessário dimensionar com clareza e objetividade todos os recursos necessários, incluindo a duração temporal do projeto. Quanto maior for o nível de detalhamento e abrangência dos recursos provisionados, mais transparentes serão na gestão e prestação de contas. Recomenda-se empregar cronograma de execução das atividades e dos recursos em cada etapa do projeto. Dessa forma, é garantida a visibilidade aos atores sociais envolvidos no planejamento, na execução, no acompanhamento e na avaliação e as etapas a serem concretizadas ao longo do projeto. O modelo de organização societal proposto à Questão Social desvincula-se do atribuído às políticas sociais e passa a ser objeto de intervenção de organi- zações do Terceiro Setor. Modelo de responsabilidade empresarial adotado por empresas capitalistas ou na forma de organizações sociais por setores específicos das políticas sociais, quer sejam: criança e adolescente, idosos, população de rua, álcool e drogas, entre outros. Cabe ressaltar que, em ambos, a presença de voluntariado e da refilantropização da assistência são elementos presentes. O processo de reestruturação produtiva, marcado pelo modelo flexível, aponta novos caminhos para a inserção profissional e, consequentemente, novas solicitações. Abre-se espaço para a atuação no campo da assessoria e da consultoria, na área da gestão de programas e projetos sociais em organizações do Terceiro Setor. O assistente social é também chamado para coordenar equipes e para desenvolver trabalhos que envolvem diferentes atores sociais. Merece destaque o trabalho do assistente social nas organizações do Ter- ceiro Setorenquanto um novo espaço ocupacional. O termo Terceiro Setor carece de definição teórico-metodológica e, para este estudo, entende-se como organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, situada na intercessão entre Gestão e sustentabilidade do projeto12 o Estado, o mercado e a comunidade. O fazer do assistente social está voltado para a gestão de programas e projetos, a partir das demandas da comunidade que manifestam as expressões da Questão Social. Os processos de trabalho nos quais se insere o assistente social relacionam-se, de alguma forma, com o fazer da Gestão Social, por meio partir da aplicação das políticas públicas tanto nas requisições das organizações empresariais quanto nas organizações da sociedade civil. Faz-se necessário que a ação profissional no Terceiro Setor seja amparada por reflexões da relação entre a dimensão do público e do privado, bem como dos conflitos de classes na sociedade capitalista e no compromisso histórico da profissão no Brasil (SANTOS, 2007). Para o Serviço Social, pessoas são sujeitos sociais, portadores de direitos, que buscam a concretização das suas necessidades humanas e, para isso, solicitam a efetivação das políticas sociais. Busca-se apreender o termo Gestão Social a partir de sua finalidade, a qual se relaciona ao Serviço Social, ou seja, apropriar-se da Questão Social enquanto objeto de intervenção profissional. Para tanto, o assistente social só tem a contribuir com projetos sociais, já que tem como característica de sua profissão a transformação social, e esta se dá por meio da busca por instrumentos que possam mudar a realidade dos sujeitos, viabilizando o acesso aos direitos e contribuindo para a construção da cidadania (DAMASIO, 2016). Em síntese, o objeto de intervenção do Serviço Social é a Questão Social retratada pelas desigualdades sociais e suas resistências, pelo modelo de Estado e pelas políticas sociais e, sobretudo pelas transformações societárias. Na medida em que há um deslocamento da função estatal quanto às políticas sociais para o chamado Terceiro Setor, (re)configura-se o processo de intervenção profissional no âmbito da Gestão Social. Quais são as bases para o exercício profissional nesse contexto? O exercício profissional fundamenta-se essencialmente pelo reconhecimento da liberdade como valor ético central, pela defesa intransigente dos direitos humanos, pela ampliação e consolidação da cidadania, pela defesa e pelo aprofundamento da democracia, pelo posicionamento em favor da equidade e da justiça social. As bases norteadoras do exercício profissional nos diferentes espaços sócio-ocupacionais em que se processa concentram-se na justiça social e na defesa dos direitos sociais (Quadro 2). 13Gestão e sustentabilidade do projeto Fonte: Adaptado de Damasio (2016). Projeto Social: conceito Instrumentos de intervenção É uma ação planejada que nasce dessa necessidade de se intervir em uma determinada realidade ou problema e tem um propósito, o de transformar realidade estudada, sendo uma alternativa para o enfrentamento da chamada Questão Social O Projeto Social aparece como uma alternativa, uma ferramenta estratégica, pontual e com delimitações para responder positivamente às manifestações da Questão Social. Por meiode sua elaboração, diagnóstico do contexto sócio-histórico, com- preensão da realidade, planeja- mento e intervenção contribui para a transformação social, alcançando os sujeitos e suas necessidades, promovendo e consolidando as políticas sociais. Marco Legal: Lei nº 8.662/1993 Art.: 4º Competências Profissionais e 5º Atribuições Privativas; Resolução CFESS 493 Condições Éticas e Técnicas do exercício profissional. Instrumentos técnico-operativos: escutas, entrevistas, fichas, dinâmicas de grupo, visitas domiciliares, relatórios, pareceres e laudos, acompanhamento social, ob- servações, pesquisas, encaminhamentos, articulação com a rede e diagnósticos. Papel de gestor de projetos: compreender o contexto social, político e institucional em que se realiza a ação; comunicar e negociar; definir, delegar e cobrar respon- sabilidades e tarefas; coordenar todo o pro- cesso da ação; avaliar e propor mudanças e correções; motivar as pessoas, administrar conflitos e frustrações, gerenciar o traba- lho em equipe; evalorizar e promover a visibilidade do projeto e de seus resultados. Quadro 2. Projeto profissional: instrumentos de intervenção do assistente social Projeto Social de Responsabilidade Sócio-empresarial Em uma empresa fabricante de produtos eletrodomésticos, a gestão familiar tem o público feminino, em fase reprodutiva, ocupando parte significativa do quadro funcional. A gerência de Recursos Humanos convida um profissional de Serviço Social a pesquisar as principais demandas das colaboradoras da empresa e a elaborar Projetos Sociais que possam atender à empresa sob duas perspectivas: a) atender às demandas das colaboradoras e b) ampliar a relação da empresa com a comunidade no seu entorno a partir das demandas apresentadas. Gestão e sustentabilidade do projeto14 Projeto Social em Organizações do Terceiro Setor Assistente social trabalhador de uma Organização Social, atende ao público masculino, média de idade entre 35 a 50 anos, em situação de rua, encontra-se no município em busca de recolocação profissional. Na entrevista com os usuários, o profissional deverá destacar suas habilidades, experiências e formação, a fim de propor parcerias com as empresas públicas de recolocação profissional e com o setor de gestão de pessoas das empresas privadas. O Projeto Social para a demanda apresentada visa a identificar as demandas profissionais estabelecidas pelo mercado de trabalho, alinhadas com as qualificações dos usuários desse serviço. Outra frente a ser atendida será propor parcerias com centros de formação profissional que possam qualificar os usuários, conforme a demanda do mercado produtivo. BEHRING, E. R. Política social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2006. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL.Atribuições privativas do/a assistente social em questão. Brasília: CFESS, 2012. Disponível em: <http://www.cfess.org.br/arquivos/ atribuicoes2012-completo.pdf> Acesso em: 12 dez. 2018. DAMASIO, A. M. O projeto social como resposta a questão social. In: SIMPÓSIO MINEIRO DE ASSISTENTES SOCIAIS, 4., 2016. Anais..., Belo Horizonte, 2016. Disponível em: <http:// cress-mg.org.br/hotsites/Upload/Pics/ff/ff4abc60-cd6e-430b-abe1-cc5c5e7120dc. pdf>. Acesso em: 10 dez. 2018. GUERRA, Y. O projeto profissional crítico: estratégia de enfrentamento das condições con- temporâneas da prática profissional. Revista Serviço Social e Sociedade, v. 28, n. 91, set. 2007. HARVEY, D. Condição pós-moderna. 15. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2006. MONTAÑO, C. Terceiro setor e questão social: crítica ao padrão emergente de intervenção social. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2007. MONTAÑO, C.; DURIGUETTO, M. L. Estado, classe e movimento social. São Paulo: Cortez, 2010. PEREIRA, P. A. P. Política social no segundo pós-guerra: ascensão e declínio. Serviço Social & Saúde, v. 9, n. 2, 2010. Disponível em: <https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/ index.php/sss/article/view/8634888 >. Acesso em: 10 dez. 2018 RAICHELIS, R.; WANDERLEY, L. E. Desafios de uma gestão pública democrática na integração regional. Revista Serviço Social e Sociedade, v. 25, n. 78, jul. 2004. SANTOS, C. M.; BACKX, S.; GUERRA, Y. (Org.). A dimensão técnico-operativa no serviço social: desafios contemporâneos. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2017. 15Gestão e sustentabilidade do projeto SANTOS, V. N. Terceiro setor no serviço social brasileiro: aproximações ao debate. Revista Serviço Social e Sociedade, v. 28, n. 91, set. 2007. SILVA, A. A.O debate contemporâneo sobre a gestão social. Serviço Social & Sociedade, v. 16, n.1, jul./dez. 2013. Disponível em: <www.uel.br/revistas/uel/index.php/ssrevista/ article/download/17973/14621>. Acesso em: 10 dez. 2018. TENÓRIO,F. G. Gestão social: uma perspectiva conceitual. Revista de Administração Pública, v. 32, n. 5, set./out. 1998. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/ index.php/rap/article/viewFile/7754/6346>. Acesso em: 10 dez. 2018. WANDERLEY, M. B. Discussão sobre a gestão social: conceitos e protagonistas. Serviço Social & Sociedade, v. 16, n.1, jul./dez. 2013. Disponível em:<http://www.uel.br/revistas/ uel/index.php/ssrevista/article/view/17973>. Acesso em: 10 dez. 2018. Leituras recomendadas CABRAL, E. H. S. Terceiro setor: gestão e controle social. São Paulo: Saraiva, 2007. IAMAMOTO, M. V. Renovação e conservadorismo no serviço social. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2002. LEWGOY, A. M. B. Supervisão de estágio em serviço social: desafios para a formação e exercício profissional. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2010. MACIEL, W. L. Projetos sociais. Palhoça: Unisul, 2015. Disponível em: <https://www. uaberta.unisul.br/repositorio/recurso/14690/pdf/projetos_sociais.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2018. MONTAÑO, C. O Projeto neoliberal de resposta a “questão social” e a funcionalidade do “terceiro setor”. Lutas Sociais, n. 8, 2002. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/ index.php/ls/article/view/18912/14066>. Acesso em: 10 dez. 2018. SANTOS, C. C.; NUNES, V. C. Desafios da gestão social no serviço social. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013. Gestão e sustentabilidade do projeto16 Conteúdo: POLITÍCA SETORIAL I Bruna Agliardi Verastegui OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Definir o que são as entidades e organizações de assistência social. > Reconhecer os objetivos das entidades de atendimento e de assessoramento. > Identificar os objetivos das entidades de defesa e garantia de direitos. Introdução As entidades e organizações de assistência social podem ser entendidas como instituições que atuam no atendimento, no assessoramento, na defesa e na garantia de direitos de forma colaborativa com o Estado. Essas entidades e organizações não podem ter fins lucrativos em seus serviços de assistência social e devem se adequar a uma série de fatores para que sejam regularizadas junto à União e, dessa forma, possam atuar. A partir da instituição da Constituição Federal, em 1988, da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), em 1993, e da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), em 2004, ocorreu uma mudança de paradigma que buscou e ainda busca combater práticas assistencialistas, clientelistas e paternalistas ligadas à política da assistência social. Isto é, o Estado, por meio de suas legislações vigentes, tenta conscientizar as instituições e os demais grupos da sociedade civil de que a assistência social é um direito de todos os cidadãos, não um favor, necessitando, portanto, ser ofertada como tal. Entidades e organizações de assistência social Bruna Agliardi Verastegui Identificação interna do documento NPO8N2HZ4L-CWJA8Q1 Neste capítulo, vamos tratar das entidades e organizações de assistência social, com destaque para seus serviços de atendimento, assessoramento e defesa e garantia de direitos. O que são as entidades e organizações de assistência social? De acordo com o art. 3º da LOAS, Brasil ([2020]), são consideradas entidades e organizações de assistência social as instituições que trabalham em prol da defesa e da garantia dos direitos da população, sem visar ao lucro. Desse modo, as entidades e as organizações de assistência social atuam vinculadas ao Estado, devendo auxiliá-lo a garantir o direito dos cidadãos à assistência social. De acordo com Paes (2001, p. 68), as organizações e as entidades de assistência social podem ser entendidas como “[...] dotadas de autonomia e administração própria que apresentam como função e objetivo principal atuar voluntariamente junto à sociedade civil visando ao seu aperfeiçoamento [...]” e ao fornecimento de bens e serviços considerados públicos. É importante ressaltar que as entidades e as organizações de assis- tência social, antes da promulgação da Constituição Federal de 1988 e da LOAS, tinham um alto grau de assistencialismo e paternalismo, uma vez que “[...] historicamente atuaram na área da Assistência Social sob o princípio de filantropia privada e da benemerência de cunho religioso” (NUNES, 2010, p. 13). Isto é, não havia, por parte do Estado, uma normatização e um acompa- nhamento dessas entidades e organizações, o que dificultava a construção de um projeto de trabalho que, efetivamente, atendesse e suprisse a demanda da população em vulnerabilidade social atendida por esses serviços. Segundo Nunes (2010, p. 14), a falta de um maior protagonismo do Estado frente ao trabalho das entidades e organizações prejudicava, principalmente, os usuários, que foram “[...] marcados pela cultura clientelista e de favores”, prejudicando o atingimento de seu protagonismo social. Nesse sentido, é fundamental ter claro que as organizações e as entidades de assistência social compõem o Terceiro Setor e não devem substituir “[...] o Estado em suas funções precípuas de responder as demandas sociais e de promover políticas sociais”, mas, sim, complementá-lo (PAZ, 2005, p. 8). Entidades e organizações de assistência social2 Identificação interna do documento NPO8N2HZ4L-CWJA8Q1 O Terceiro Setor, formado, sobretudo, pelas Organizações não Gover- namentais (ONGs), consiste, na atualidade, em um importante campo de trabalho para os assistentes sociais. É importante saber que a PNAS, Brasil (2005b), juntamente à Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), Brasil (2005a), estabeleceu uma direção política para o trabalho na assistência social, enfatizando a importância da dimensão técnico-operativa do trabalho dos profissionais dessa instância. Dessa maneira, vale frisar que a instituição da Constituição Federal de 1988 e da LOAS fomentou mudanças significativas na forma de se pensar a garantia de direitos, uma vez que, a partir dessas normativas, surgiram duas conceituações bastante importantes, de caráter central: [...] a da gestão e do controle social, ao afirmar novos paradigmas para a política de assistência social: garantia de cidadania, proteção social, caráter não contributivo, necessária integração entre o econômico e o social, primazia da responsabilidade do Estado na universalização de direitos e de acessos aos serviços. Estabeleceu- -se também um novo desenho institucional e o controle social: comando único, descentralização, planos e fundos e a criação de conselhos de gestão e controle social (PAZ, 2005, p. 2). Essas transformações de paradigma foram responsáveis por diversos avanços na assistência social brasileira, sobretudo pela descentralização do Estado, propiciando que houvesse uma participação e a troca entre estados, municípios e Distrito Federal com a União. Dessa forma, foram estabelecidos conselhos, planos e fundos municipais, a fim de instituir parâmetros, fiscaliza- ção e métodos para a implantação da assistência social nos municípios. Ainda, foram realizados vários debates, conferências e discussões sobre a temática em todo o território nacional. Todos esses passos foram importantes para que se iniciasse a construção de um sistema único de assistência social: o SUAS. Com a promulgação da PNAS, em 2004, efetivaram-se, de acordo com Paz (2005, p. 2), “[...] princípios, diretrizes, objetivos e ações da assistência social, em particular a Proteção Social Básica e Especial.”, sendo a implantação desse sistema organizativo uma significativa evolução para esse campo. Essa lógica inaugurou a compressão de hierarquia do processo de prestação de serviços socioassistenciais, bem como possibilitou maior racionalização dos aspectos de gestão social dessa política. Entidades e organizações de assistência social 3 Identificação interna do documento NPO8N2HZ4L-CWJA8Q1 Portanto, a partir da PNAS, tornou-se possível padronizar uma visão eman- cipatória da assistência social, alicerçada na construção de estratégiascujo objetivo prioritário fosse promover a garantia do acesso dos cidadãos a esses direitos. Segundo Raichelis (2010, p. 760), a PNAS “[...] introduziu significativas alterações, entre elas a exigência de novos modos de organização, proces- samento, produção e gestão do trabalho”. Essas mudanças representaram uma evolução em dois elementos importantes: primeiramente, a qualificação da oferta dos serviços sociais prestados e, em segundo lugar, a existência de um marco regulatório que aponta direcionamentos organizativos para o processo de trabalho ligados aos serviços socioassistenciais. Um dos elementos que avançou significativamente nesse processo legal foi a caracterização e a regulação das entidades e organizações de assistência social, que consistem em: [...] organizações de interesse público, voltadas à promoção, atendimento e defesa de direitos, que atuam na esfera pública, devendo estar comprometidas com o conceito democrático de fim público. Consequentemente, as entidades devem garantir os princípios de democracia: transparência e controle social; mecanismos internos de gestão; direção colegiada; conselho de gestão; publicização dos dados; sistema de avaliação; participação do público beneficiário das ações nas decisões e assembleias; etc. (PAZ, 2005, p. 8). Essa exigência por um novo modo de se pensar, construir e efetivar a assistência social desacomodou, de modo geral, as entidades e as organi- zações de assistência social já existentes, uma vez que a PNAS “[...] prioriza e centraliza o Estado como condutor das políticas da área da Assistência Social” (NUNES, 2010, p. 16). Como refere Nunes (2010), as organizações e entidades de assistência social sempre foram heterogêneas e gozaram de autonomia por muitas décadas, o que acabou sendo limitado pela PNAS, a qual prevê que o Estado tem responsabilidade central e dever de assistir a todos os cidadãos em vulnerabilidade social. Infelizmente, as organizações e as entidades de assistência social tive- rem bastante dificuldade de encarar a assistência social como um direito dos cidadãos, não mais como um favor. De acordo com Nunes (2010, p. 21), essa resistência inicial pode ser entendida, uma vez que, historicamente, a sociedade brasileira: [...] desde a vinda dos portugueses, em 1500, foi marcada pela atuação de institui- ções que pregavam o altruísmo e a caridade. Essas instituições eram mantidas ou influenciadas pela Igreja Católica. Durante todo o processo de colonização de nossa sociedade, a Igreja Católica se manteve como uma instituição que influenciava e interferia nas decisões política administrativas, a partir de sua concepção de mundo. Entidades e organizações de assistência social4 Identificação interna do documento NPO8N2HZ4L-CWJA8Q1 Nesse sentido, a PNAS veio de encontro a um padrão há muito tempo instituído, o que resultou em um conflito de interesses e princípios entre as instituições e o Estado. Ainda hoje, esse conflito persiste, mesmo que em menor grau, uma vez que “[...] os gestores públicos municipais, responsáveis pela implantação da PNAS/04, têm sérias dificuldades em superar as anti- gas práticas, como o processo de comando da pasta da Assistência Social pela figura da primeira-dama, a esposa do governante” (NUNES, 2010, p. 16). Daí a importância de uma legislação bem planejada e instituída, já que, dessa forma, estabelecem-se padrões, objetivos e prioridades de maneira nacional, qualificando o fazer profissional no âmbito da assistência social de modo permanente, mas em constante transformação e aprimoramento, evitando que a garantia de direitos dependa de uma única instituição ou de um único governante. Ainda de acordo com Nunes (2010), as entidades e as organizações de assistência social resistiram seguir as normativas estabelecidas pela PNAS porque, a partir dessas legislações, as instituições necessitavam vincular- -se ao Estado para, então, executar determinados serviços, o que não era exigido antes. Anteriormente, “[...] as entidades eram beneficiárias dos re- cursos financeiros do Estado, por meio de subvenções, auxílios, ou convênios de prestação de serviços ou execução de projetos concebidos individual- mente pelas entidades” (NUNES, 2010, p. 35). Com a implementação da PNAS, as organizações e as entidades precisavam colocar-se como colaboradoras do Estado para receber verbas, o que acabou tornando-se uma mudança estrutural nas instituições. Esse processo de modificação das relações constituídas entre as enti- dades e as organizações de assistência social e o Estado vem avançando significativamente nos últimos anos. Sobretudo a partir da consolidação dos serviços e das ações trazidos pela PNAS, esse avanço fortaleceu a política de assistência social e, consequentemente, o acesso a bens e direitos sociais. Porém, seguem sendo necessários o amadurecimento e a evolução de diversas entidades e organizações no que tange à compreensão da assistência social como um direito de cidadania. Entidades e organizações de assistência social no âmbito do atendimento e do assessoramento As entidades e as organizações de assistência social, como vimos anterior- mente, atuam em diferentes espaços dessa política em parceria com o Estado. Entidades e organizações de assistência social 5 Identificação interna do documento NPO8N2HZ4L-CWJA8Q1 Sabendo disso, vamos nos aprofundar nos objetivos dessas instituições. É necessário ressaltar que as entidades e as organizações de assistência social têm três vertentes distintas (Figura 1), mas, nesta seção, focaremos em duas: a prestação de serviços no âmbito do atendimento e no âmbito do assessoramento. Figura 1. Dimensões de atuação das entidades e organizações da assistência social. Fonte: Adaptada de Brasil ([2020]). De acordo com Paz (2005, p. 10): [...] pode-se definir e organizar as entidades e organizações de assistência social que prestam atendimento, assessoramento e atuam na defesa e garantia de direitos como aquelas constituídas sem fins lucrativos, que realizam, de forma continuada, serviços, programas e projetos de proteção social e de assessoramento e defesa de direitos socioassistenciais, conforme preconizado na LOAS, PNAS e NOB — SUAS, reconhecido como parte da rede socioassistencial e da política de assistência social, dirigido a cidadãos e famílias em situações de vulnerabilidades e risco social e pessoal. Ao analisarmos o trecho exposto, vemos a identificação de três dimensões de atuação das entidades e organizações de assistência social. Elas podem prestar serviço em apenas uma ou em todas essas dimensões. Para realizar essas atribuições de maneira legal, precisam estar devidamente inscritas nos conselhos municipais de assistência social. A partir desse processo de inscrição, as entidades e as organizações da assistência social passam compor Entidades e organizações de assistência social6 Identificação interna do documento NPO8N2HZ4L-CWJA8Q1 a rede do SUAS do município e/ou da região onde realizam suas atividades, e passam a ser acompanhadas e fiscalizadas pelos órgãos reguladores e fiscalizadores dessa política. Com base em Paz (2005, p. 11), compreendemos que se configuram como entidades e organizações que atuam na instância do atendimento aquelas que, sem obter lucro, prestam: [...] serviços/projetos de proteção social, básica e especial previstas na PNAS, e promovem a prevenção as situações de vulnerabilidades e riscos e a promoção no desenvolvimento de potencialidades do público usuário da assistência social e a construção de oportunidades de autonomia. Assim, seguindo a própria organização do SUAS, os serviços de atendimento prestados pelas instituições dividem-se na instância da proteção social básica e na instância da proteção social especial. No que diz respeito aos serviços da proteção social básica, conforme Paz (2005), tem-se: � serviços contínuos de convívio social no que tange ao fazer socioedu- cativo, realizados preventivamente;� projetos que priorizem o enfrentamento à pobreza; � serviços contínuos focados no público-alvo crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos que passam por alguma vulnerabilidade social; � serviços e projetos que busquem capacitar e qualificar os sujeitos que estão em vulnerabilidade social; � serviços que informem e formem, para o trabalho, tanto jovens quanto adultos. Já no âmbito de atendimento da proteção social especial, segundo Paz (2005), tem-se: � serviços e projetos com o intuito de habilitar e reabilitar pessoas com deficiência; � serviços que visem a erradicar o trabalho infantil, bem como o abuso e a exploração sexual que acomete crianças e adolescentes; � serviços que acolham, apoiem e acompanhem pessoas que foram vítimas de violência; � serviços da alta complexidade que envolvam crianças, adolescentes e jovens, por meio de casas de passagem, abrigos, repúblicas e famílias acolhedoras. Entidades e organizações de assistência social 7 Identificação interna do documento NPO8N2HZ4L-CWJA8Q1 Essas ações de atendimento direto de proteção social básica e especial visam a materializar o direito coletivo à assistência social. Essas instituições viabilizam o acesso a essa direito social garantindo respostas imediatas diante de situações de vulnerabilidades sociais expressas na dinamicidade da vida em sociedade. Esse atendimento precisa seguir as normas e os dire- cionamentos postos pela PNAS e deve ser prestado de forma ética e humana a todos que dele necessitarem. Quanto ao serviço prestado no âmbito do assessoramento, pode-se afirmar que as entidades e organizações de assistência social realizam serviços e propõem projetos que foquem, principalmente, no fortalecimento tanto de or- ganizações compostas por usuários quanto de movimentos sociais (PAZ, 2005). Nesse sentido, as instituições também fornecem cursos e qualificações que se voltem para formar lideranças, como refere a Norma Operacional do SUAS: “[...] à conquista de condições de autonomia, resiliência e sustentabilidade, protagonismo, acesso a oportunidades, capacitações, serviços, condições de convívio e socialização, de acordo com sua capacidade, dignidade e projeto pessoal e social.” (BRASIL, 2005b, p. 93). Os serviços de assessoramento prestados por essas instituições buscam, dessa forma, materializar o princípio democrático da participação popular, pois criam possibilidades e ferramentas para que a sociedade civil se or- ganize e garanta a proteção de seus direitos constitucionais. Essa função é imprescindível para a manutenção das conquistas coletivas materializadas nos direitos sociais brasileiros. Por fim, é importante frisar que todos esses serviços podem ser realizados pelas entidades e organizações de assistên- cia social, desde que haja autorização por parte do Estado e elas estejam atuando de forma legal. Entidades e organizações de assistência social no âmbito da defesa e da garantia de direitos O conjunto de direitos sociais garantidos na Constituição Federal de 1988 são frutos de amplos processos de lutas coletivas de sujeitos e movimentos sociais que se articularam por suas proposição, garantia e defesa. Os direitos não são, portanto, elementos naturais e inatos das relações humanas em sua esfera social, mas consequências de todo um processo histórico, com reflexos econômicos, políticos e culturais. Dessa forma, é essencial, para uma nação, a contínua defesa da garantia desses direitos, de forma organizada ou não. Entidades e organizações de assistência social8 Identificação interna do documento NPO8N2HZ4L-CWJA8Q1 No sentido do aprofundamento e da organização dos processos de luta em defesa dos direitos sociais, também estão as ações organizadas da so- ciedade civil. Portanto, existe uma terceira esfera de atuação das entidades e organizações de assistência social: a da defesa e garantia de direitos. De acordo com Paz (2005), para defender e garantir direitos, as instituições podem promover a defesa de direitos que já estão instituídos, bem como requerer o planejamento e a formação de novos direitos a partir da demandas de seus usuários. Ao encontro disso, a Organização em Defesa dos Direitos e Bens Comuns (Abong) reitera que as instituições de defesa de direitos podem ser confi- guradas como: [...] organizações privadas, sem fins lucrativos, constituídas formal e autonomamen- te, com finalidade pública, voltada para a efetivação e universalização de direitos já estabelecidos e para a construção de novos direitos que permitam à sociedade avançar no reconhecimento e inclusão social de setores e grupos sociais subalter- nizados e fragilizados no contexto da sociedade (COCONELLO; QUIROGA, 2005, p. 4). Nesse sentido, pode-se afirmar que as entidades e as organizações de assistência social, que prezam pela defesa e garantia de direitos, têm o ob- jetivo de efetivar novos direitos, bem como de defender a permanência dos direitos que já estão em vigor, além de promover a cidadania, lutar contra a desigualdade social e integrar-se a outros órgãos que tenham objetivos afins. Segundo Coconello e Quiroga (2005, p. 4), as instituições de defesa de direi- tos “[...] muitas vezes confundem-se com as organizações de assessoramento [...]”. Isso pode ser visto, inclusive, na produção acadêmica de Paz (2005), que trazem as organizações de assessoramento interligadas às organizações de defesa de direitos, uma vez que ambas conversam entre si. Essa confusão se dá porque ambas as dimensões de atuação dessas instituições atuam na busca pela materialização da participação popular e do controle social como instrumentos de defesa dos direitos constitucionais conquistados. Dessa forma, é importante ressaltarmos que as entidades e as organiza- ções da assistência social sempre devem estar de acordo com a legislação vigente, reforçando a percepção de que são importantes para a consolidação e a ampliação da assistência social como um direito coletivo. Nesse sentido, de acordo com Nota Técnica do Ministério do Desenvolvimento Social, Brasil (2018), o Cadastro Nacional de Entidades de Assistência Social (CNEAS) conta com mais de 19 mil organizações e entidades de assistência social reconhecidas no Brasil, e 21% delas atuam no assessoramento e/ou na defesa e garantia de direitos. Entidades e organizações de assistência social 9 Identificação interna do documento NPO8N2HZ4L-CWJA8Q1 Concordamos com Raichelis (2010, p. 765) que é necessário que as ações baseadas no clientelismo e na caridade sejam substituídas por ações técnicas, críticas e éticas: [...] é fundamental no âmbito do Suas superar a cultura histórica do pragmatismo e das ações improvisadas, exercitando a capacidade de leitura crítica da realidade, sem reforçar naturalizações e criminalizações da pobreza e das variadas formas de violência doméstica e urbana, violação de direitos de crianças, adolescentes, mulheres, idosos, pessoas com deficiência, pessoas em situação de rua etc., mas procurando compreender criticamente os processos sociais de sua produção e reprodução na sociedade brasileira. Nessa direção, o trabalho técnico-social deve ser realizado, a priori, pelo Estado, por meio de funcionários públicos concursados e estáveis, que pos- sam atender às demandas da população em vulnerabilidade social a partir de seus conhecimentos técnico-operativos, sem a necessidade de modificar a forma de trabalho por conta de novos governantes ou ideais. Entretanto, o processo de terceirização do trabalho é uma realidade em nosso país, o que acaba instituindo “[...] um mecanismo que opera a cisão entre serviço e direito, pois o que preside o trabalho não é a lógica pública, obscurecendo-se a responsabilidade do Estado perante seus cidadãos” (RAICHELIS, 2010, p. 759). Assim, as entidades e as organizações de assistência social devem exercer seus serviços de assistência social de modo alinhado aos preceitos e às norma- tivas preconizados pelo Estado por meio de suaslegislações. Essas entidades e organizações, de acordo com Paz (2005, p. 8), podem “[...] desenvolver ações complementares à ação estatal”, uma vez que são autônomas, mas o trabalho realizado no âmbito da assistência social não deve ter fins lucrativos e deve ser exercido de forma contínua”. Nesse contexto, é importante ressaltar que é dever do Estado garantir os direitos dos cidadãos. Por isso, as instituições realizam uma parceria com a Administração Pública e “[...] passam a executar projetos e serviços na área social, que seria, por concepção, de exclusividade do Estado” (NUNES, 2010, p. 53). Compreendemos, portanto, que essas instituições prestam serviços com- plementares essenciais para o desenvolvimento das ações da política da assistência social, pois respondem diretamente às demandas apresentadas pelos usuários dessa política. Essas entidades e organizações colaboram com a construção de um atendimento de proteção social em rede que, mediante as especificidades de cada serviço, possibilita a garantia do acesso a esse direito social. É importante ressaltarmos que todos os atendimentos e as ações realizados por esses diversos serviços precisam estar em consonância Entidades e organizações de assistência social10 Identificação interna do documento NPO8N2HZ4L-CWJA8Q1 com as diretrizes da política de assistência social e ser ofertados de forma ética, comprometida e em uníssono com os princípios da justiça social. O Ministério da Cidadania é o responsável por analisar e certificar as entidades de assistência social por meio da Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social. Por meio de seu motor de busca preferido, acesse o site do Ministério para saber mais sobre o processo de certificação. Referências BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, [2020]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8742.htm. Acesso em: 23 abr. 2021. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social. Departamento da Rede Socioassisten- cial Privada do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Nota Técnica nº 10/2018. Processo nº 71000.040792/2018-31. Interessado: Secretaria Nacional de Assistência Social. Assunto: Orientar as entidades e/ou organizações da sociedade civil — OSC e os gestores do Sistema Único de Assistencial sobre ações de assessoramento e defesa e garantia de direito - Resolução do Conselho Nacional de Assistência Social — CNAS nº 27/2011. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social, 2018. Disponível em: http://www.mds.gov.br/webarquivos/legislacao/assistencia_social/re- solucoes/2018/NOTA%20T%C3%89CNICA%20-%20ASSESSORAMENTO%20-%20 SEI_71000.040792_2018_31.pdf. Acesso em: 23 abr. 2021. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Norma operacional básica NOB/SUAS: construindo as bases para implantação do Sistema Único de Assistência Social. Brasília: Ministério do Desenvol- vimento Social e Combate à Fome, 2005a. Disponível em: http://www.assistenciasocial. al.gov.br/sala-de-imprensa/arquivos/NOB-SUAS.pdf. Acesso em: 23 abr. 2021. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social PNAS/2004; Norma Ope- racional Básica NOB/SUAS. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2005b. Disponível em: http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/as- sistencia_social/Normativas/PNAS2004.pdf. Acesso em: 23 abr. 2021. COCONELLO, A.; QUIROGA, A. M. Entidades de defesa de direitos. CFESS: Conselho Federal de Serviço Social, 2005. Disponível em: http://www.cfess.org.br/pdf/abong_loas2005. pdf. Acesso em: 23 abr. 2021. NUNES, C. R. C. Entidades de assistência social e a Política Nacional de Assistência Social: a experiência das entidades que compõem o comas da cidade de São Paulo. 2010. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) — Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/bitstream/ handle/18033/1/Carlos%20Rogerio%20de%20Carvalho%20Nunes.pdf. Acesso em: 23 abr. 2021. Entidades e organizações de assistência social 11 Identificação interna do documento NPO8N2HZ4L-CWJA8Q1 PAES, J. E. S. Fundações, associações e entidades de interesse social: aspectos jurídicos, administrativos, contábeis e tributários. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. PAZ, R. D. O. (coord.). Entidades e organizações de assistência social: regulamentação do Artigo 3º da Lei Orgânica da Assistência Social — LOAS. AG Consultoria, 2005. Dis- ponível em: http://agconsultoria.com/uploads/834_arquivos_Art.3_%20LOAS-2005. pdf. Acesso em: 23 abr. 2021. RAICHELIS, R. Intervenção profissional do assistente social e as condições de trabalho no SUAS. Serviço Social & Sociedade, n. 104, p. 750-772, 2010. Disponível em: https:// www.scielo.br/pdf/sssoc/n104/10.pdf. Acesso em: 23 abr. 2021. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os edito- res declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Entidades e organizações de assistência social12 Identificação interna do documento NPO8N2HZ4L-CWJA8Q1 Revisão técnica: Luciana Bernadete de Oliveira Graduada em Ciências Políticas e Econômicas Especialista em Administração Financeira Mestre em Desenvolvimento Regional Marcia Paul Waquil Assistente Social Mestre em Educação Doutora em Educação Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin CRB -10/2147 L732q Lima, Andréia Saraiva. Questão social e serviço social [ recurso eletrônico ] / Andréia Saraiva Lima; [revisão técnica: Luciana Bernadete de Oliveira, Marcia Paul Waquil]. – Porto Alegre: SAGAH, 2018. ISBN 978-85-9502-391-8 1. Serviço social. I. Título. CDU 36 1_Iniciais.indd 2 11/04/2018 09:28:10 A situação do terceiro setor no Brasil atual e a despolitização da questão social Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer o processo do terceiro setor na realidade brasileira. � Relacionar o terceiro setor com a despolitização da questão social. � Destacar o contexto neoliberal no Brasil como ambiente propício ao avanço do terceiro setor e à despolitização da questão social. Introdução Neste capítulo, você vai estudar a situação do terceiro setor na realidade brasileira, problematizando o seu desenvolvimento e a participação no processo de terceirização. Compreendendo isso, destacaremos a relação entre a despolitização da questão social e o avanço do terceiro setor no Brasil. O processo de desenvolvimento do terceiro setor na realidade brasileira As instituições particulares, geralmente religiosas, voltadas a obras de cari- dade, existiram no Brasil desde o período colonial. Contudo, o terceiro setor, assim denominado, desenvolveu-se a partir dos anos 1970. Já havia vários movimentos sociais voltados à redemocratização do país, que vivia anos difíceis de governos ditatoriais. Esses movimentos sociais da sociedade civil organizada tomam força e se desenvolvem à medida que a ditadura começa a enfraquecer suas bases. “A partir da década de 1970, a categoria sociedade civil ganha uma grande relevância e centralidade no debate ideopolítico internacional e nacional. À sua definição como esfera de expressão, organização e luta dos interesses classistas, como afirma Gramsci, se contrapõe a uma outra definição, que está diretamente associada à emergência dos chamados ‘novos movimentos sociais’ e suas demandas democratizantes relacionadas a acontecimentos históricos diversos [...]” (DURIGUETTO, 2005, p. 85).É importante destacar o papel crucial dos movimentos sociais e dos sin- dicatos no processo de redemocratização do Brasil. Foram as organizações político-ideológicas da sociedade civil que produziram grandes transforma- ções societárias, as quais podemos desfrutar na atualidade; entre elas, a mais importante é a democracia. Com os projetos de governo que se desenvolveram no país, o desenvolvi- mento econômico se sobrepôs aos interesses das camadas mais vulneráveis da população. Assim, os recursos para as políticas públicas se tornaram ainda mais escassos. O Estado teve um papel fundamental na condução do desenvolvimento da América Latina nas décadas de 1950 e 1960. Mas, por força do novo projeto neoliberal, que passou a predominar a partir dos anos 1970 e especialmente nos anos 1980, organizou-se um movimento crescente de denúncias contra o Estado e de seu papel regulador na sociedade moderna, ademais de ser tratado de ineficaz e ineficiente, gerando crescentes despesas para a sua autossustentação e não resolver, sequer equacionar, as crises sociais. (SIMÕES, 2010, p. 478). Ora, o Brasil passava por períodos duríssimos de ditadura e de arrocho dos trabalhadores. O Estado era visto como ineficiente e ineficaz, burocratizado e incapaz diante do mercado capitalista e globalizado, o qual, por sua vez, mostrava poder econômico, dinamismo e competência em gerar riquezas. Nessa lógica, a privatização e a terceirização das responsabilidades sociais para a sociedade civil pareciam cada vez mais óbvias. Nos anos 1970 e 1980, a sociedade civil era a alternativa entre o Estado ditador e o mercado capitalista selvagem. Esse pensamento compara-se à época em que a burguesia (comerciantes do século XVIII), impulsionada pelo movimento Iluminista, rompera com o poder absoluto dos reis e do clero sobre o povo por meio dos ideais liberais (direitos individuais, direito à propriedade privada, entre outros). Na época, era a melhor alternativa contra o poder desenfreado dos reis e da Igreja Católica. A situação do terceiro setor no Brasil atual e a despolitização da questão social2 Entretanto, ao tomar o poder político, além do poder econômico que já possuía, a burguesia passa a explorar os trabalhadores de forma predadora. Nessa lógica de apropriação dos meios de produção pelos detentores do capital e de exploração da força de trabalho do trabalhador, são desenvolvidas ideologias voltadas ao desenvolvimento econômico. Assim, surge o neoliberalismo ou novo liberalismo, se desenvolve no Brasil somente no fim dos anos 1980 e no início dos anos 1990. O Neoliberalismo pode ser compreendido como uma doutrina prática, direcionada a ações econômicas concretas, um conjunto de ideias, mais amplamente difundidas a partir de 1989, quando o economista John Williamson publicou um artigo apresen- tando um conjunto de regras econômicas acordadas por economistas de grandes instituições financeiras. Essas regras, que ficariam conhecidas como Consenso de Washington, seriam o mínimo denominador comum, os pontos com que todas as principais instituições financeiras do mundo concordavam. Nos anos seguintes, esse ideário neoliberal orientaria a elaboração das políticas econômicas recomendadas por grandes agências internacionais, e, de fato, foram implementadas em vários países em desenvolvimento a partir do início dos anos 1990 – inclusive no Brasil. O conjunto de regras neoliberais seria: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, reforma tributária, juros de mercado, câmbio de mercado, abertura comercial, investimento estrangeiro direto, privatização de empresas estatais, desregulamentação (flexibilização de leis econômicas e trabalhistas), direito à propriedade intelectual. Fonte: Blume (2016). Sabemos que o neoliberalismo, na forma como o conhecemos, é relati- vamente novo, mas a lógica de desenvolvimento econômico em detrimento do social é deveras antiga. Da mesma forma, a partir da ótica ideológica neoliberal, o papel do Estado deve ser reduzido, evitando-se, assim, “gastos” com a questão social e disponibilizando mais “investimentos” no mercado. Lembre-se de que o terceiro setor é compreendido como sendo parte da sociedade civil, portanto, não se trata de Estado, mas também não pertence ao mercado. Trata-se de instituições particulares, sem fins lucrativos e de interesse público. 3A situação do terceiro setor no Brasil atual e a despolitização da questão social Passou-se a denominar de terceiro setor o conjunto de atividades não esta- tais ou governamentais constituído de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, que se dedicam ao fornecimento de serviços básicos de assistência, saúde e educação, pesquisa, construção de moradias, hospitais, clubes, creches. (SIMÕES, 2010, p. 476). Atualmente, a realidade é que muitas dessas instituições particulares rece- bem recursos do Estado para operarem. Esse ponto leva-nos a problematizar alguns valores e conceitos aí embutidos: O Estado estaria terceirizando suas responsabilidades constitucionais, uma vez que as ações desenvolvidas por algumas dessas instituições não governamentais dizem respeito à saúde e à assistência social, responsabilidades do Estado e direitos do cidadão, conforme Constituição Federal de 1988. O terceiro setor e a ideologia neoliberal: avanços e despolitização da questão social Primeiramente, compreendemos o que é neoliberalismo e suas principais características, pois as políticas públicas fazem parte de um contexto capitalista e também são perpassadas por ideologias neoliberais. Esse conjunto articulado de concepções políticas, econômicas e ideológicas diz respeito, diretamente, às desigualdades sociais experenciadas hoje pela população brasileira. O Brasil passou por intensos períodos de redução de investimentos em políticas sociais. O aparato jurídico foi construído no sentido de fortalecimento do mercado e do desenvolvimento econômico, especialmente entre os anos 1990, durante o governo de Fernando Collor de Mello e, posteriormente, nos governos de Itamar Franco e de Fernando Henrique Cardoso, até 2003. Nesses períodos ocorreram diversas privatizações de empresas estatais e o frear do avanço das legislações sociais, como a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), por exemplo. Contudo, não é possível afirmar que o modelo ideopolítico foi alterado completamente durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff, apesar de terem ocorrido investimentos substanciais nas políticas públicas, especialmente de Assistência Social e de Segurança Alimentar. Contudo, voltando à Constituição Federal de 1988, a sociedade civil assume papel de complementaridade na execução de políticas públicas. Juntamente a isso, a ideia de um estado fraco, burocrático e incompetente avança ainda mais, impulsionada pela estratégia neoliberal. A situação do terceiro setor no Brasil atual e a despolitização da questão social4 Mesmo assim, contraditoriamente, a Constituição Federal veio estabelecer a participação da sociedade civil na formulação e na fiscalização das políticas públicas através dos Conselhos de Políticas Públicas ou Conselhos Gestores de Políticas Setoriais, estabelecendo a composição paritária entre sociedade civil e governo. Esse foi um grande avanço para o processo democrático de garantia de direitos no Brasil. Aliás, não há como falar de sociedade civil e de terceiro setor sem destacar a Constituição de 1988, pois a Constituição Cidadã, como é conhecida, foi o produto de muitas negociações entre a sociedade civil e o governo brasileiro. Foram intensas as manifestações presenciais de movimentos sociais em Bra- sília, com representantes de vários segmentos da sociedade. A institucionalização dos espaços de participação social – conselhos e conferências – a partir da Constituição Federal de 1988 estabeleceu uma nova lógica de execução das políticas públicas. Aparecem garantias de participação democrática e possibilidades de ampliação datransparência das gestões nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal). Mesmo assim, existem forças opostas socialmente constituídas na socie- dade contemporânea. O neoliberalismo, fortemente alimentado na cultura política-econômica brasileira, viabilizou a adoção de ações direcionadas ao fortalecimento de instituições da sociedade civil sem fins lucrativos, valo- rizando as concepções de solidariedade, voluntarismo e assistencialismo. Dessa forma, a execução das políticas sociais torna-se mais barata para o Estado, favorecendo, assim, o mercado, que necessita de incentivos fiscais e investimentos públicos para o seu crescimento. Nesse sentido, o lucro precisa ser progressivamente superado. Diante dessa necessidade o barateamento da mão de obra se torna imprescindível. Em relação à execução de políticas sociais não é diferente. O Estado terceiriza suas responsabilidades ao terceiro setor barateando custos. O terceiro setor, por sua vez, barateia a mão de obra, oferecendo baixos salários para áreas qualificadas de conhecimento e, por vezes, também terceiriza a sua mão de obra. A partir da Lei nº 13.429/2017, que altera dispositivos da Lei nº 6.019, de 03 de janeiro de 1974, o trabalho temporário nas empresas urbanas foi regulamentado, dispondo sobre as relações de trabalho no setor de prestação de serviços a terceiros. A terceirização é a materialização de formas de contratação e vinculação precarizadas, fragmentadas e alienantes, pois o trabalhador temporário não possui as oportunidades de crescimento profissional no local de trabalho, não se reconhecendo naquilo que produz, nem mesmo se apropriando das riquezas 5A situação do terceiro setor no Brasil atual e a despolitização da questão social que ele mesmo ajudou a construir. Além disso, a qualificação aprofundada sobre a matéria de seu trabalho fica prejudicada, pois o trabalhador desmotiva-se a investir na área atual por não vislumbrar possibilidades de contratação por tempo prolongado. Não havendo possibilidades de recontratação em menos de 90 dias após o término da contratação temporária, o trabalhador precisa ser contratado por outra empresa e, novamente, reaprender as funções que assumirá. Leia aqui o que diz a Lei que regulamenta o trabalho temporário nas empresas urbanas. Art. 10. Qualquer que seja o ramo da empresa tomadora de serviços, não existe vínculo de emprego entre ela e os trabalhadores contratados pelas empresas de trabalho temporário. § 1º O contrato de trabalho temporário, com relação ao mesmo empregador, não poderá exceder ao prazo de cento e oitenta dias, consecutivos ou não. § 2º O contrato poderá ser prorrogado por até noventa dias, consecutivos ou não, além do prazo estabelecido no § 1o deste artigo, quando comprovada a manutenção das condições que o ensejaram. § 3º (VETADO). § 4º Não se aplica ao trabalhador temporário, contratado pela tomadora de serviços, o contrato de experiência previsto no parágrafo único do art. 445 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. § 5º O trabalhador temporário que cumprir o período estipulado nos §§ 1º e 2º deste artigo somente poderá ser colocado à disposição da mesma tomadora de serviços em novo contrato temporário, após noventa dias do término do contrato anterior. § 6º A contratação anterior ao prazo previsto no § 5o deste artigo caracteriza vínculo empregatício com a tomadora. Fonte: Brasil (2017). Essa legislação, aprovada em 2017, é um exemplo da ideologia governista brasileira acentuando-se visivelmente a partir do início do governo de Mi- chel Temer (31 de agosto de 2016). Vive-se um período de grandes reformas legislativas nas quais se observam traços marcantes da ideologia neoliberal, ou seja, intensificam-se esforços para equilibrar a economia em detrimento de direitos trabalhistas e sociais. Um exemplo dessa afirmação é a recente reforma trabalhista, Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, que altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Foram realizadas mudanças profundas e polêmicas na legislação trabalhista, as quais podem fragilizar as relações de trabalho desprotegendo o trabalhador. A situação do terceiro setor no Brasil atual e a despolitização da questão social6 As principais mudanças na legislação: 1. Férias, plano de cargos e salários e jornada de trabalho poderão ser negociadas entre patrão e empregado. 2. Somente terá direito à justiça gratuita quem receber menos de 40% do teto do INSS ou quem comprovar não possuir recursos. Antes, a justiça era gratuita a quem recebesse menos de dois salários mínimos ou quem declarasse não possuir recursos. 3. Atualmente, a terceirização é permitida para qualquer atividade, incluindo-se a atividade-fim, ou seja, aquelas primordiais para a empresa. 4. Foi regulamentado pela CLT o trabalho intermitente, ou seja, o trabalhador pode ser contratado por hora de serviço, recebendo FGTS, férias, previdência. 5. A contribuição passa a ser facultativa, pagando quem quiser. 6. Passou a ser regulamentado o trabalho remoto ou home office. 7. As férias podem ser parceladas em três vezes e a maior parcela deve ter, minima- mente, 14 dias seguidos e as menores não poderão ser menores do que 5 dias consecutivos. 8. Foi ampliado o tempo de contratação do trabalho temporário de 90 para 180 dias, podendo ser prorrogado por um período de até 90 dias. São muitos os pontos a serem estudados. Porém, destacaremos aqui a regu- lamentação da terceirização do trabalho, para analisarmos contextualmente a influência das perdas de direitos e da precarização das relações de trabalho e a sua relação estreita com o empoderamento do terceiro setor no cenário atual. Aprovada e sancionada, em março de 2017, a lei da terceirização permite que todas as atividades de uma empresa possam ser terceirizadas. Antes, a regra valia apenas para as atividades-meio, aquelas não consideradas a principal atividade da empresa, como, por exemplo, limpeza e segurança. De acordo com antiga legislação, o funcionário terceirizado podia cobrar pagamento dos seus direitos trabalhistas tanto da empresa terceirizada, quanto da empresa que o contratou. Com as alterações da reforma trabalhista, os direitos so- mente poderão ser cobrados pelo trabalhador junto à empresa contratante quando forem exauridos todos os recursos de cobrança contra a empresa terceirizada. Isso significa que a nova legislação dificultará que terceirizados reclamem seus direitos na justiça e deteriorará as condições de trabalho, pois os trabalha- dores terceirizados ganham em média 25% a menos e trabalham mais horas na semana do que empregados não terceirizados, segundo estudo realizado pela CUT (Central Única dos Trabalhadores) e pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). 7A situação do terceiro setor no Brasil atual e a despolitização da questão social Segundo o Dossiê Terceirização e Desenvolvimento: uma conta que não fecha, os terceiri- zados – que somam 26,8% dos trabalhadores do País – receberam, em média, 24,7% a menos. Em 2013, a remuneração média destes profissionais foi de R$ 1.776,78, enquanto dos contratados pela CLT foi de R$ 2.361,15. O estudo também mostra que quase 60% dos terceirizados ganham até dois salários mínimos, contra 49,3% dos contratados pela CLT. Conforme a faixa salarial aumenta, o número de terceirizados cai drasticamente. Apenas 2,9% dos terceirizados ganham acima de 10 salários mínimos, enquanto 6,1% dos contratados recebem a mesma remuneração. Fonte: Belloni (2015). Diante disso, e deixando claro que já vinha ocorrendo um forte movi- mento nesse sentido antes da reforma estudada, muitos municípios vêm ampliando a terceirização de serviços básicos, bem como a contratação temporária de profissionais qualificados. Exemplo dessa realidade é a situação de Porto Alegre (RS), que firmou convênio com uma instituição do terceiro setor em 2017, para a execução de serviçosde proteção básica e especial na capital gaúcha. A partir disso, a instituição particular precisou contratar 26 assistentes sociais, entre outros profissionais, para atuação em Centros de Referência de Assistência Social e Centros Especializados de Assistência Social. Em relação ao concurso válido para a mesma área de atuação, os profissionais terceirizados pela instituição do terceiro setor conveniada com a Prefeitura terão remuneração inferior àquela estabelecida em edital do concurso público. Esse exemplo concreto da realidade ilustra a precarização das relações de trabalho e expressa a face da questão social. Sabendo-se que a questão social, segundo Iamamoto (2003, p. 27), [...] pode ser definida como o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que têm uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos se mantém privada, monopolizada por uma parte da sociedade. A situação do terceiro setor no Brasil atual e a despolitização da questão social8 Dessa forma, percebe-se que a questão social, manifesta diretamente na relação entre capital e trabalho, é banalizada na medida em que ocorrem retrocessos dos direitos trabalhistas à luz da ideologia político-econômica ne- oliberal. Trata-se de um conjunto articulado de ações de desmonte dos direitos que atacam o trabalhador e todo o cidadão no que tange o acesso a políticas públicas fragilizadas por relações trabalhistas precarizadas, descontinuadas e pouco qualificadas. Considerações finais Vimos, neste estudo, o desenvolvimento da sociedade civil, assim denominada, a partir da década de 1970, diante da luta pela redemocratização do país. Foram anos de intensas mobilizações no interior da sociedade brasileira, ocorridas pela atuação de movimentos sociais e sindicatos de trabalhadores, as quais produziram grandes transformações societárias. Entre essas transformações, a redemocratização e a nova Constituição Cidadã devem ser destacadas, sendo a Constituição chamada dessa forma pela grande mobilização popular em torno de lutas pela garantia de direitos sociais e acesso a políticas públicas igualitárias. Entretanto, juntamente com as conquistas sociais, o Brasil enfrentou a investida neoliberal para o desmonte desses direitos. Paralelamente a isso, o fortalecimento do terceiro setor e a minimização da intervenção estatal foram progressivamente alargadas no país. Até os dias atuais, presenciamos tais investidas, em tempos mais, em tempos menos manifestas, dependendo da linha política e ideológica que estiver no poder. Atualmente, a reforma trabalhista e a regulamentação do trabalho temporário expressam, claramente, a banalização da questão social diante do contexto político-econômico neoliberal. A banalização aqui retratada perpassa espaços privados e públicos, am- pliando desigualdades e agravando as expressões da questão social. O Brasil vive, portanto, um momento no qual a sociedade civil exerce um papel fun- damental na elaboração e na fiscalização das políticas públicas através dos Conselhos e das Conferências e, ao mesmo tempo, corrobora para a reprodução do projeto neoliberal de enfraquecimento do Estado, redução dos direitos e de fortalecimento do mercado à medida que assumem a responsabilidade estatal sobre a execução das políticas públicas e, ainda, compactuam com a precarização das relações de trabalho. 9A situação do terceiro setor no Brasil atual e a despolitização da questão social BELLONI, L. Estudo mostra que trabalhadores terceirizados ganham 24,7% menos e trabalham 3 horas a mais por semana. HuffPost Brasil, 09 abr. 2015. Disponível em: <http://www.huffpostbrasil.com/2015/04/09/estudo-mostra-que-trabalhadores- -terceirizados-ganham-24-7-menos_a_21674632/>. Acesso em: 13 out. 2017. BLUME, B. A. O que é o neoliberalismo. Politize, 01 jul. 2016. Disponível em: <http:// www.politize.com.br/neoliberalismo-o-que-e/>. Acesso em: 10 out. 2017. BRASIL. Lei nº 13.429, de 31 de março de 2017. Altera dispositivos da Lei no 6.019, de 3 de janeiro de 1974, que dispõe sobre o trabalho temporário nas empresas urbanas e dá outras providências; e dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13429.htm>. Acesso em: 31 out. 2017. DURIGUETTO, M. L. Sociedade civil, esfera pública e terceiro setor: a dança dos con- ceitos. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, v. 26, n. 81, p. 82-101, mar. 2005. IAMAMOTO, M. V. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão social. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008. SIMÕES, C. Curso de Direito do Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2010. (Coleção Biblioteca Básica de Serviço Social). Leituras recomendadas GASPARETTO JUNIOR, A. Neoliberalismo. Brasil Escola, 2017. Disponível em: <http:// www.infoescola.com/historia/neoliberalismo/>. Acessado em: 10 out. 2017. LOPES, J. R. Terceiro setor: a organização das políticas sociais e a nova esfera pública. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 18, n. 3, p. 57-66, jul./set. 2004. Disponível em: <http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392004000300007>. Acesso em: 10 out. 2017. A situação do terceiro setor no Brasil atual e a despolitização da questão social10 http://www.huffpostbrasil.com/2015/04/09/estudo-mostra-que-trabalhadores- http://www.politize.com.br/neoliberalismo-o-que-e/ http://www.planalto.gov.br/ http://www.infoescola.com/historia/neoliberalismo/ http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392004000300007 Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. GESTÃO DE ORGANIZAÇÕES EDUCACIONAIS Pablo Rodrigo Bes Organizações públicas e o terceiro setor: marco regulatório Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar a fundamentação legal do marco regulatório do terceiro setor. Definir as principais mudanças trazidas pelo marco regulatório. Relacionar as organizações públicas com o terceiro setor na educação. Introdução Para que possa atender às mais variadas demandas sociais que se encon- tram presentes em território nacional, a administração pública precisa estabelecer parcerias com organizações da sociedade civil que tenham como finalidade principal atender ao universo dessas demandas nas áreas da alimentação, da saúde, da educação, da cultura, do meio ambiente, da participação em políticas públicas, entre outras. Neste capítulo, você vai conhecer as leis que fundamentam o marco regulatório do terceiro setor, bem como as mudanças trazidas na legis- lação atual. Também vai aprender sobre como as organizações públicas se relacionam com o terceiro setor na área da educação. Fundamentação legal do terceiro setor Para começar os nossos estudos sobre o terceiro setor e as suas particularidades, é importante destacar que o Brasil apresentou uma evolução importante nessa área nas últimas décadas, deixando de focar as atividades das organizações desse setor somente nas áreas típicas relacionadas com a caridade, como a alimentação e a saúde. Assim, o leque de atuação foi ampliado para a busca da concretização de inúmeros outros direitos sociais previstos no art. 6º da Constituição Federal: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimen- tação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988, documento on-line). Vale ressaltar ainda que a atuação das organizações do terceiro setor vem a complementar as ações dos órgãos da administração pública, conceituada como primeiro setor, na busca pela promoção desses direitos sociaisa todos os indivíduos que compõem a sociedade brasileira. Em outras palavras, busca-se pelo bem público da coletividade por meio da parceria entre o primeiro e o terceiro setor (o segundo setor é composto pelas empresas que têm finalidades lucrativas como objetivo da sua existência). Os autores Salamon e Anheier (1996) definem que uma organização do terceiro setor deve apresentar cinco características específicas: 1. devem ser organizadas; 2. devem ser privadas; 3. devem ser sem fins lucrativos; 4. devem ser autogovernáveis; 5. devem ser voluntariadas. Nesse sentido, uma organização da sociedade civil que atue no terceiro setor deve apresentar-se de forma organizada, isto é, ter algum grau de insti- tucionalização; ser privada, ou seja, separada da esfera pública do governo; não possuir distribuição de lucros; ser autônoma em suas ações de comando; e, por fim, apresentar algum grau de participação voluntária nas suas ações. É importante destacar que as organizações do terceiro setor têm caracterís- ticas próprias na sua organização, estrutura, fundamentação legal e nos seus objetivos. Ao referir-se ao setor, Cabral (2017) ainda acrescenta que a gestão dessas organizações que atuam nesse espaço público também é peculiar, pois elas lidam com a vida das pessoas e os seus valores sociais. Por essa razão, é necessário um modelo próprio de gestão. Ioschpe (2005, p. 27) define o terceiro setor da seguinte forma: O conjunto das organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, num âmbito não-governamental, dando continuidade às políticas tradicionais da caridade, da filantropia e do me- cenato e expandindo o seu sentido para outros domínios, graças, sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas manifestações na sociedade civil. Organizações públicas e o terceiro setor: marco regulatório2 Como, em nosso País, o início das discussões sobre cidadania é relati- vamente recente — posterior à Constituição Federal de 1988 —, a forma de entender a necessidade da participação de todos para o alcance de objetivos sociais e do apoio à gestão pública realizada pelo Estado ainda é um ponto frágil na cidadania social no Brasil. Porém, a partir da evolução do terceiro setor, houve grande progresso nessa área nas últimas décadas. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (LOPEZ, 2018), existem 820.000 organizações da sociedade civil (OSCs) com Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) atualizado, com base nos dados relativos a 2016. Destaca-se ainda a importância dessas organizações: As organizações da sociedade civil (OSCs) no Brasil definem temas centrais em discussões na esfera pública e exercem atividades de interesse coletivo que ecoam os setores mais diversos da sociedade. Irradiar campanhas para enfrentara violência de gênero, ampliar a oferta de leitos no sistema nacional de saúde, propor metodologias de ensino alternativas em escolas, preservar a fauna e aflora das ameaças da intervenção humana são exemplos do amplo e diverso espectro de políticas sob alçada das OSCs e constituem parte essencial das capacidades de formular e implementar do próprio poder público. Mesmo o Estado equipado com os mais abrangentes e criativos quadros da burocracia, requer essa colaboração (LOPEZ, 2018, documento on-line). Vale reforçar que o terceiro setor é composto pelas iniciativas privadas que não visam lucros, isto é, iniciativas dentro da esfera pública que não são feitas pelo Estado, e sim pelas pessoas, ao colocarem em prática a sua cidadania. Isso normalmente ocorre de forma voluntária e espontânea. Passe a observar a sua volta e vai perceber que existem muitas possibilidades de atuar como voluntário no seu bairro e na sua cidade, em diversas causas sociais que podem beneficiar a sociedade. Há inúmeras organizações que fazem parte do terceiro setor, o que às vezes pode causar até mesmo confusão em relação à sua nomenclatura: Associação; Entidade; Utilidade pública; Organização Social (OS); Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP); Organização Não Governamental (ONG); Filantrópica; Cooperativas sociais; 3Organizações públicas e o terceiro setor: marco regulatório Instituição; Fundação; Organização religiosa; Institutos. Essa grande quantidade de organizações que objetivam atender às de- mandas sociais complementando a ação do Estado costumam ser regidas por leis específicas. Isso impulsionou a existência de um marco regulatório que normatize, estabeleça regras e proponha os instrumentos legais que serão utilizados para o estabelecimento das parcerias público-privadas entre o pri- meiro e o terceiro setor. Assim, em 2014 e 2015 foram criadas as legislações, que ficaram conhecidas como o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). São as seguintes leis que fundamentam o terceiro setor na atualidade: Constituição Federal de 1988; Lei nº. 9.637, de 15 de maio de 1998; Lei nº. 9.790, de 23 de março de 1999; Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil); Lei nº. 12.101, de 27 de novembro de 2009; Lei nº. 13.019, de 31 de julho de 2014; Lei nº. 13.151, de 28 de julho de 2015; Lei nº. 13.204, de 14 de dezembro de 2015. A Constituição Federal de 1988 traz, no seu corpo, alguns princípios que servirão de base para que o terceiro setor possa se estabelecer com maior importância no interior de nossa sociedade. Podemos citar, por exemplo, o art. 1º do texto, que define como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito a cidadania (BRASIL, 1988). A cidadania não representa unicamente aquele que possui direitos políticos, mas a integração das pessoas com o Estado em todos os aspectos. No art. 3º, ao expor os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, encontramos o seguinte texto: “I – construir uma sociedade livre, justa e solidária” (BRASIL, 1988, documento on-line). O princípio da solidariedade é o que costuma mover os membros da sociedade civil para que se articulem em organizações de natureza privada com o objetivo de realizar ações sociais e voluntárias que complementem a atuação do Estado. O art. 5º da Constituição Federal, ao definir os direitos e deveres indi- viduais e coletivos, estabelece como direito a plena liberdade de associação Organizações públicas e o terceiro setor: marco regulatório4 e a criação de associações. Há ainda na Constituição Federal o princípio da subsidiariedade, que estabelece como protagonistas em suas áreas de atuação as organizações não governamentais, respectivamente na área da saúde (art. 199), na assistência social (art. 204), na cultura (art. 216), em relação à família, à criança e ao idoso (art. 227), e também para a área da educação: Art. 213 Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, defi- nidas em lei, que: I — comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação; II — assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades (BRASIL, 1988, documento on-line, grifo nosso). A Lei Federal nº. 9.637/1998 regula as Organizações Sociais, reforçando que estas deverão obedecer aos princípios constitucionais da administração pública: “Art. 7.º Na elaboração do contrato de gestão, devem ser observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, econo- micidade [...]” (BRASIL, 1998, documento on-line). A Lei Federal nº. 9.790/1999 é a que define e regulamenta as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, citando em seu art. 4º a seguinte exigência: “[...] para qualificarem-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, que as pessoas jurídicas interessadas sejam regidas por estatutos cujas normas expressamente disponhamsobre: I – a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economi- cidade e da eficiência” (BRASIL, 1999, documento on-line). O Código Civil brasileiro (Lei nº. 10.406/2002) define quem são as pessoas jurídicas de direito privado: Art. 44 São pessoas jurídicas de direito privado: I — as associações; II — as sociedades; III — as fundações. IV — as organizações religiosas; V — os partidos políticos. VI — as empresas individuais de responsabilidade limitada (BRASIL, 2002, documento on-line). Perceba que o Código Civil enquadra como pessoas jurídicas de direito privado as associações, fundações e organizações religiosas, que, com o marco regulatório, passam a fazer parte significativa do terceiro setor. 5Organizações públicas e o terceiro setor: marco regulatório A Lei nº. 12.101/2009 dispõe sobre a certificação das entidades beneficen- tes da assistência social, definindo em seu art. 1º que “[...] certificação das entidades beneficentes de assistência social e a isenção de contribuições para a seguridade social serão concedidas às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, reconhecidas como entidades beneficentes de assistência social com a finalidade de prestação de serviços nas áreas de assistência social, saúde ou educação [...]” (BRASIL, 2009, documento on-line). A Lei nº. 13.019/2014 (BRASIL, 2014), alterada pela Lei nº. 13.151/2015, constitui na atualidade o chamado MROSC, sendo considerada extremamente importante para a atualização das formas como as relações entre a adminis- tração pública e as organizações do terceiro setor ocorrem. Ela oportuniza maior agilidade e transparência nas modalidades de parcerias estabelecidas, conforme você verá no próximo tópico. Da mesma forma, a Lei nº. 13.204/2015 (BRASIL, 2015), que alterou a Lei nº. 13.019/2014, trouxe uma importante contribuição ao regulamentar a possibilidade de remuneração dos dirigentes que exercem a gestão executiva das organizações do terceiro setor. Como você pode perceber, é necessário que exista um marco regulatório para as ações entre o Estado e a sociedade civil organizada, com o intuito de estabelecer parcerias para o atendimento das inúmeras demandas sociais que fazem parte do cenário brasileiro atual. O MROSC fez com que pudessem ser revogadas inúmeras outras leis já antigas e que eram utilizadas para a gestão das organizações sociais, atualizando o Brasil na direção das demais nações mundiais que atuam fortemente no terceiro setor. Para que uma organização social possa estabelecer as novas modalidades de con- tratação propostas pelo MROSC com as esferas da administração pública, ela precisa atender, entre outros requisitos, aos seguintes tempos de existência em atividade: um ano de atividade para manter contrato com municípios, dois anos para firmar contrato com os estados e/ou o Distrito Federal, três anos de atividades no caso de contrato com a União. Busca-se, dessa forma, garantir a idoneidade e a eficiência das organizações contratadas pelo Poder Público (a, inciso V, art. 33, Lei nº. 13.204/2015) (BRASIL, 2015). Organizações públicas e o terceiro setor: marco regulatório6 As principais mudanças decorrentes do marco regulatório das organizações da sociedade civil As discussões em busca de uma regulamentação mais abrangente e que envolva todas as Organizações da Sociedade Civil no Brasil têm sido motivo de luta e movimentos por parte tanto dos representantes dessas OSCs quanto do próprio Governo Federal. O objetivo é tornar mais dinâmicas, transparentes e efi cazes as parcerias público-privadas estabelecidas para atender às questões sociais mais diversas. Esse movimento resultou na criação do MROSC, na forma das Leis nº. 13.019/2014 e 13.151/2015 (BRASIL, 2014; 2015). Ao analisar esse esforço das esferas pública e privada em torno da criação do Marco Regulatório, Mendonça e Falcão (2016, documento on-line) comentam: Em 2011, foi criado um grupo de discussão sobre o marco regulatório das OSCs, envolvendo diversas entidades e redes dessas organizações, que se dispuseram em torno da Plataforma Marco Regulatório das OSCs (Plataforma OSCs, 2011). O resultado dessa mobilização envolve muitas idas e vindas acerca de delicados pontos que vão culminar na aprovação da Lei 13.019, de maio de 2014, e da Lei 13.240, de dezembro de 2015, modificando a norma anterior, então denominado pelos practioners de novo MROSC (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil). É importante destacar que o novo MROSC surgiu a partir da participação e da mobilização social de diversas entidades, o que legitima a sua elaboração de forma democrática. O MROSC trouxe algumas mudanças significativas para as parcerias realizadas entre a administração pública e as OSCs, incluindo no rol das organizações sociais que poderão estabelecer parcerias com a admi- nistração pública as cooperativas e organizações religiosas que se dediquem a atividades de interesse público e de cunho social. Veja mais algumas mudanças trazidas pelo MROSC (BRASIL, 2014; 2015): formas de contratação; plano de trabalho; chamamento público; prestação de contas. Uma importante mudança para a regulação das ações das OSCs junto ao Estado foi a extinção da política de convênios que era amplamente utilizada 7Organizações públicas e o terceiro setor: marco regulatório pelas organizações sociais para o estabelecimento de parcerias com a admi- nistração pública. A política de convênios historicamente vinha apresentando problemas, em função de ter sido criada para estabelecer as relações entre entes públicos da federação e posteriormente ter sido estendida para as organizações sociais. Essas falhas fizeram com que os convênios se mostrassem frágeis e suscetíveis a “[...] uma série de problemas devido a falhas na legislação e falta de fiscalização da administração pública” (MENDONÇA; FALCÃO, 2016, documento on-line). Esses problemas envolvem, inclusive, escândalos de corrupção resultantes do repasse indevido do dinheiro público para alguns desses convênios. Entretanto, os Termos de Parceria estabelecidos com base na Lei nº. 9.790/1999 entre o Poder Público e as organizações sociais que se qualifi- caram como OSCIPs continuam valendo, mesmo após o Marco Regulatório (BRASIL, 1999). Com o novo MROSC, foram criadas outras três formas de contratação entre o Poder Público e as Organizações da Sociedade Civil: o Termo de Colaboração, o Termo de Fomento e o Acordo de Cooperação. O Termo de Colaboração, segundo a Lei nº. 13.240/2015, art. 2º, inciso VII, é o “[...] instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco propostas pela administração pública que envolvam a transferência de recursos financeiros” (BRASIL, 2015, documento on-line). Nesse Termo, as finalidades necessárias para que se desenvolvam as atividades das OSCs partem da administração pública, que busca parcerias para a execução de seus programas, projetos e políticas públicas. O Termo de Fomento, segundo a Lei nº. 13.240/2015, art. 2º, inciso VIII, é definido como o “[...] instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e re- cíproco propostas pelas organizações da sociedade civil, que envolvam a transferência de recursos financeiros” (BRASIL, 2015, documento on-line). Aqui as propostas das ações — que objetivam atender a uma finalidade pública social — partem das OSCs, que buscam na administração pública os recursos de que necessitam para a implementação dos seus projetos. O Acordo de Cooperação, por sua vez, de acordo com a Lei nº. 13.240/2015, art. 2º, inciso VIII-A, é o “[...] instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administraçãopública com organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de Organizações públicas e o terceiro setor: marco regulatório8 interesse público e recíproco que não envolvam a transferência de recursos financeiros” (BRASIL, 2015, documento on-line). Nesse tipo de parceria estabelecido entre as OSCs e o Poder Público, não existe o repasse de re- cursos financeiros. Lembre-se de que muitas OSCs se mantêm por meio da participação da sociedade e de doações de empresas privadas, realizadas para o custeio das suas atividades. A Lei nº. 13.204/2015 simplificou muito o plano de trabalho a ser re- alizado pelas OSCs com a finalidade de execução do objeto existente no instrumento contratual (Termo de Colaboração ou de Fomento) adotado entre as organizações e o Poder Público. Assim, o plano de trabalho resumiu-se à descrição da realidade, ao objeto da parceria, às metas a serem atingidas e os respectivos projetos a serem executados, à forma de execução a ser adotada, à previsão de receitas e despesas para a execução das atividades e projetos, e à definição de parâmetros que serão utilizados para mensurar o alcance das metas (BRASIL, 2015). O chamamento público, segundo a Lei nº. 13.204/2015, é o “[...] proce- dimento destinado a selecionar organização da sociedade civil para firmar parceria por meio de termo de colaboração ou de fomento” (BRASIL, 2015, documento on-line). A sua obrigatoriedade tornou o processo de busca por parcerias mais transparente, garantindo a publicidade das ações do Poder Público e a isonomia na participação de todas as OSCs interessadas. O chama- mento público também foi simplificado. Devem constar nos editais públicos, divulgados com antecedência mínima de 30 dias, especificações relativas aos seguintes critérios: objetos, metas, custos e indicadores quantitativos e qualitativos de avaliação de resultados. Por meio dos editais públicos de chama- mento, as OSCs podem perceber se as áreas nas quais o Poder Público precisa estabelecer parcerias se alinham com o tipo de trabalho que elas executam e, assim, participar do processo seletivo juntamente com outras organizações. As doações de empresas privadas para as organizações sociais são realizadas dentro da lógica do Investimento Social Privado, que parte do princípio de que a empresa privada que realiza investimentos em ações de natureza social, além de consolidar o seu marketing, poderá se aproximar mais dos seus clientes e até mesmo prospectar novos no mercado. 9Organizações públicas e o terceiro setor: marco regulatório A prestação de contas tornou-se mais ágil e facilitada, sendo realizada via plataforma eletrônica e por meio da análise dos documentos constantes no plano de trabalho e dos seguintes relatórios (acrescidos pela Lei nº. 13.204/2015, art. 66): I — relatório de execução do objeto, elaborado pela organização da sociedade civil, contendo as atividades ou projetos desenvolvidos para o cumprimento do objeto e o comparativo de metas propostas com os resultados alcançados; II — relatório de execução financeira do termo de colaboração ou do termo de fomento, com a descrição das despesas e receitas efetivamente realizadas e sua vinculação com a execução do objeto, na hipótese de descumprimento de metas e resultados estabelecidos no plano de trabalho (BRASIL, 2015, documento on-line). Convém esclarecer que o MROSC dispensa o chamamento público no caso de atividades ou projetos voltados ou vinculados à Educação ou integrantes do Sistema Único de Saúde (SUS) ou do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), desde que executados por OSCs previamente credenciadas pelo órgão gestor da respectiva política. Outra importante mudança ocasionada pelo Marco Regulatório diz respeito ao tempo de existência das OSCs para que possam estabelecer parcerias com os entes da federação. O MROSC alterou a Lei nº. 9.790/1999, passando a estabelecer que as organizações sociais devem ter no mínimo três anos de existência para que possam vir a qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. O MROSC possibilitou ainda que os dirigentes de organizações sociais pudessem vir a receber remunerações pelo seu trabalho de condução executiva da organização, conforme regulamentado pela Lei nº. 13.151/2015. Também permitiu que organizações sociais estabelecidas há mais de cinco anos possam organizar-se em rede para atuar em território brasileiro, desde que comprovem a sua capacidade de coordenação de atividades. Ao comentar sobre o grande avanço que o MROSC significa para as relações entre a administração pública e as organizações sociais, Barbosa (2015, documento on-line) enfatiza que “[...] antes tínhamos uma lei que engessava e exercia um processo policialesco em cima das entidades, com Organizações públicas e o terceiro setor: marco regulatório10 exigências de difícil alcance para entidades desse país, principalmente aquelas de pequenos municípios, inviabilizando assim as parcerias”. Em outras palavras, o Estado precisa que as organizações sociais realizem as suas atividades para que ele possa atender plenamente as mais diversas demandas sociais, e o que se presenciava historicamente era certa descon- fiança e engessamento da administração pública — a partir de inúmeras exigências burocráticas, técnicas e documentais — que fazia com que muitas organizações sociais deixassem de atuar em parceria com o Poder Público. Santoro e Barbosa (2017), ao analisarem o MROSC e a sua influência para o trabalho de coordenação das atividades das organizações sociais realizado pelos gestores, afirmam ainda: O Marco Regulatório do Terceiro setor no Brasil, trouxe uma inovação ao facilitar a captação de recursos públicos, desburocratizando o processo e tor- nando mais fácil a fiscalização da aplicação da verba pública concedida. Mas inovou também, e principalmente, apresentando-se como dispositivo jurídico de vanguarda, alinhado com as melhores práticas de gestão por resultado, ao permitir a remuneração de dirigentes e gestores de OSCs, acenando para a sociedade que a profissionalização é necessária para que as Instituições continuem a prestar os relevantes serviços que prestam, uma vez que torna- -se impossível a sua prestação pela esfera pública (SANTORO; BARBOSA, 2017, documento on-line). Como podemos perceber, a partir do MROSC, o Brasil avança conside- ravelmente na flexibilização e no incentivo das atividades do terceiro setor. Dentro de uma racionalidade neoliberal que se expande internacionalmente, isso é essencial para que ele continue crescendo, desenvolvendo-se e fazendo a gestão das mazelas sociais que nos acometem. Com o MROSC, as organizações religiosas que se destinam a trabalhar em atividades ou projetos de interesse público e de cunho social, distintas daquelas com finalidade exclusivamente religiosa, passam a ser consideradas como Organizações da Sociedade Civil, compondo o terceiro setor. Muitas dessas organizações religiosas atendem a inúmeros cidadãos por meio dos seus trabalhos nas áreas da saúde, drogadição, alimentação e educação, representando uma importante contribuição para as ações do Poder Público. 11Organizações públicas e o terceiro setor: marco regulatório As organizações do terceiro setor e a sua atuação na área da educação A relação do setor educacional público com o setor privado não é recente: nas questões de assessoramento técnico, pedagógico e fi nanceiro, elas vêm ocorrendo desde a década de 1960, a partir da imposição de organismos in- ternacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (BM) e a própria Organização das Nações Unidas (ONU), via UNICEF. Por isso, alguns autores atualmente procuram utilizar o termo “privatização” para referir-se a essa associação do Poder Público com as organizações privadas, uma vez que ela abrange também as que têm fi nalidade lucrativa. Como a nossa intenção é colocar maior ênfase nas organizações sociais, vamos continuar utilizandoo termo “parceria”, diferenciando-o das parcerias público-privadas (PPP). Vale lembrar que na Constituição Federal de 1988 temos, por um lado, a afirmação de que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito pú- blico subjetivo (art. 208, VII, § 1º) e, por outro, que ele também poderá ser ofertado pela iniciativa privada (art. 209). Indo um pouco mais além na interpretação do texto constitucional referente à educação, você pode notar que é permitida a destinação de recursos públicos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas (art. 213), desde que estas cumpram com certas regras (BRASIL, 1988). Parceria público-privada é o termo utilizado para as associações entre o Poder Público e organizações privadas com fins lucrativos, que não são o objeto principal do nosso estudo. Ao analisar essa relação público-privada e a educação proposta na Cons- tituição Federal de 1988, De La Plane, Caiado e Kassar (2016, documento on-line) comentam: “[...] afirma-se, assim, a ideia de que a educação é um direito da população e um dever do estado e, ao mesmo tempo é reconhecida como atividade privada, submetida, portanto, à lógica do mercado”. Pode- mos entender que a educação no Brasil sempre esteve atrelada a parcerias com organizações do terceiro setor, que muitas vezes se encarregaram de Organizações públicas e o terceiro setor: marco regulatório12 assumi-la plenamente — como é o caso da educação infantil, da educação especial e de outras iniciativas de suporte e inserção de jovens estudantes no mercado de trabalho. Nesse sentido, alguns setores educacionais historicamente têm sido aten- didos por iniciativas de organizações sociais do terceiro setor, como é o caso da educação especial no Brasil. Um exemplo amplamente conhecido são as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAEs), que foram criadas em 1954 e continuam oferecendo apoio aos familiares e potencializando as aprendizagens das crianças com deficiências. Ao referir-se à importância histórica das APAEs para a educação especial, Jannuzi e Caiado (2013, p. 55) ressaltam que “[...] no primeiro estatuto da Federação Nacional das APAES (1963) já constavam orientações para a realização de convênios e parcerias com os setores público e privado”. Isso significa que, além de se preocupar com os seus próprios objetivos de existência, a APAE ainda buscava orientar as demais organizações sociais em relação aos trâmites e caminhos para melhor conduzir as parcerias com a administração pública. A política pública da educação inclusiva tornou obrigatórios o acesso e a inclusão dos alunos com quaisquer tipos de deficiência nas redes públicas de ensino do sistema educacional brasileiro. Isso fez com que, num primeiro momento, as atividades das APAEs estivessem ameaçadas; porém, De La Plane, Caiado e Kassar (2016, documento on-line) concluem: Embora a política inclusiva esteja promovendo a matrícula da população alvo dessa modalidade educacional nas escolas regulares e classes comuns e esse atendimento esteja ocorrendo principalmente pelas escolas públicas, as instituições com atuação exclusiva na educação especial, que atendem majoritariamente aos alunos matriculados em escolas especiais, têm recebido recursos públicos de forma crescente. As transferências do governo federal, estados e municípios, por meio de programas, convênios e parcerias garantem verbas de capital e custeio às instituições, que se caracterizam como Orga- nizações da Sociedade Civil. Convém esclarecer que, embora a Lei de Diretrizes e Bases de 1961 já citasse que a “[...] educação dos excepcionais” deveria se enquadrar no sistema geral de educação (BRASIL, 1961, documento on-line), foi somente a partir da Constituição de 1988 — com o impulso da participação brasileira nas discus- sões da Declaração de Salamanca, em 1994 — que o tema foi inserido de fato na LDB vigente: “Art. 58 . Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais” 13Organizações públicas e o terceiro setor: marco regulatório (BRASIL, 1996, documento on-line). Somente a partir daí os estudantes com deficiências começaram o seu processo de inclusão nas escolas regulares, que precisaram se adaptar em termos estruturais e de capacitação dos seus docentes para essa finalidade. Assim, essa modalidade de educação deixou de ter um cunho assistencial e passou a ter um caráter mais pedagógico. A Declaração de Salamanca é o resultado da Conferência Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais, realizada entre 7 e 10 de junho de 1994, na cidade espanhola de Salamanca, com o apoio da Unesco. Esse evento tratou de princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais. Durante a conferência, a questão central foi a inclusão de crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais no sistema regular de ensino. As atividades do terceiro setor no que se refere à educação brasileira podem ser analisadas, especificamente em relação à educação básica obrigatória (dos 4 aos 17 anos), segundo Adrião (2018, p. 11), a partir da sua atuação em três grandes áreas: gestão; oferta; currículo. A gestão da educação no Brasil realizada a partir de parcerias com OSCs pode ocorrer tanto no âmbito da gestão educacional dos sistemas de ensino quanto na própria gestão escolar. Ao referir-se aos processos de transferência da gestão escolar para organizações sem fins lucrativos, Adrião (2018, documento on-line) destaca a forte presença de três segmentos na gestão educacional: “[...] os filantropos de risco ou venture philanthropy, as corporações propriamente ditas e os braços sociais dessas corporações, organizados em fundações e institutos. Com menor presença localiza-se organizações da sociedade civil articuladas a movimentos sociais”. Para visualizar melhor como ocorre a gestão da educação realizada por uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos no Brasil (a exemplo das charter schools norte-americanas), você pode conhecer o trabalho desen- volvido pelo Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE). Trata-se Organizações públicas e o terceiro setor: marco regulatório14 de uma entidade social, sem fins econômicos e que atua em prol da melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem no ensino médio, em parceria com a Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco. Dessa forma, a gestão educacional em Pernambuco está sendo realizada por meio da parceria entre o ICE e o Programa de Desenvolvimento dos Centros de Ensino Experimental (PROCENTRO), criado pelo governo de Pernambuco para essa finalidade. Visite o portal do ICE e veja com mais detalhes a abrangência do seu trabalho acessando o link a seguir. https://goo.gl/pTqGTM As charter schools são modelos de gestão escolar já implementados em muitos estados nos Estados Unidos. Trata-se da realização da gestão escolar das escolas públicas por organizações privadas, visando à melhoria da qualidade do ensino e dos índices de aprendizagem de tais escolas e sistemas educacionais. A oferta da educação a partir de parcerias com as OSCs do terceiro setor é muito significativa, sobretudo na educação infantil. Observa-se que, em muitos municípios brasileiros estão sendo firmadas parcerias com escolas comunitárias, oriundas de associações ou fundações, ou ocorre a compra de vagas de escolas privadas de educação infantil por meio de contratos de prestação de serviços e de parcerias público-privadas, com o intuito de atender às demandas crescentes por vagas na educação infantil (creches e pré-escolas). Para que você tenha ideia de como essa oferta na educação infantil é comum, veja o exemplo da cidade de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Esse município possui no seu sistema municipal de ensino atualmente 36 Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEIs) e mais de 200escolas de educação infantil comunitárias que trabalham em parceria para atender às demandas dessa primeira etapa da educação básica. 15Organizações públicas e o terceiro setor: marco regulatório Além da oferta da educação infantil, há ainda escolas de organizações sociais que atuam em todas as áreas da educação básica e na educação su- perior, com destaque para as fundações e os institutos criados por grandes corporações empresariais, como Fundação Bradesco, Fundação Educar, Fundação Lemann, Fundação Victor Civita, Instituto Gerdau, ou por ini- ciativas filantrópicas, como Instituto Airton Senna, Instituto Paulo Freire, Associação Pestalozzi, entre outras. Outro bom exemplo de organização social que atua na área da educação, desde a educação infantil até a educação superior, é a Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC). Desde a sua fundação, em 1943, a instituição tem procurado atender a milhares de alunos pelos estados brasileiros, principalmente em municípios de maior vulnerabilidade social. Para acompanhar detalhadamente a história da rede CNEC, acesse o link a seguir: https://goo.gl/4B7sw7 Em relação ao currículo, Adrião (2018, documento on-line) afirma se tratar “[...] da transferência para o setor privado da definição do que ensinar, do como ensinar e do quando ensinar, além dos processos de verificação da aprendizagem, ou seja, da definição dos desenhos curriculares”. A política educacional curricular vigente — com a publicação da BNCC, cujo caráter é obrigatório a todo o sistema educacional do país — pode ter reduzido a força do setor privado; contudo, ainda pode materializar-se por meio dos chamados insumos curriculares, que visam a orientar e facilitar o trabalho pedagó- gico em sala de aula. Podemos citar como exemplo os chamados “sistemas de ensino” comercializados pelos grupos Positivo, Abril Educação e COC. Isso também pode ser feito por meio das tecnologias educacionais, que: [...] consistem na oferta de livros, conteúdos digitais, acessos a plataformas e sistemas de informação para redes públicas e escolas privadas. Tais produtos e recursos extrapolam inclusive as relações professor aluno na medida em que se estendem a tarefas de casa, agendas comunicação entre escola e famílias, etc. (ADRIÃO, 2018, documento on-line). Organizações públicas e o terceiro setor: marco regulatório16 Convém reforçar que, além das ações típicas coordenadas pelas organizações sociais e seus membros que você estudou neste capítulo, há ainda programas que chegam até as escolas e que podem ser realizados por qualquer pessoa da sociedade que deseje atuar de forma voluntária, doando o seu tempo e as suas habilidades para a causa da educação. Segundo Scheneumann e Rheinheimer (2013, p. 41), “[...] o serviço voluntário é a ação que não substitui o dever do Estado e nem conflita com o trabalho remunerado. A motivação para o voluntariado acontece pelo impulso emocional e pela convicção de fazer a diferença de todos os envolvidos”. Uma dessas iniciativas é o programa Amigos da Escola, criado pela Rede Globo, em 1999, que incentiva membros da comunidade a atuar junto às escolas por meio de ações combinadas com as Associações de Pais da Escola e/ou o Conselho Escolar. Essas ações envolvem, por exemplo, a pintura da escola, o cultivo de hortas, aulas de reforço escolar, entre outras que estejam em consonância com o projeto político pedagógico da instituição de ensino. Outra esfera de atuação marcante das organizações do terceiro setor para a área da educação diz respeito à busca pela participação da sociedade na construção, implementação e no monitoramento de políticas públicas educa- cionais que visam à melhoria da qualidade do ensino brasileiro. É o caso da organização da sociedade civil Todos Pela Educação, que atua desde 2006 e que teve participação ativa na elaboração do Plano Nacional de Educação atual. Conheça a história e a atuação da organização Todos Pela Educação acessando o link a seguir. https://goo.gl/mFCQaL Como você percebeu, existem inúmeras formas de participação do terceiro setor nos aspectos relacionados à educação no Brasil, seja por meio das ações coordenadas pelas OSCs nas suas parcerias com a administração pública dos sistemas de ensino, ou ainda atuando de forma individual e voluntária nessas instituições. Essas ações fazem com que a educação possa cumprir com as suas prerrogativas constitucionais, estendendo-se como um direito a todos e realizando-se com maior qualidade e eficiência. 17Organizações públicas e o terceiro setor: marco regulatório Tire as suas próprias conclusões acessando o documento do MROSC na íntegra, a partir do link a seguir. https://goo.gl/GNlhjr A organização Parceiros Voluntários é uma organização não governamental que atua com assessoramento, trabalhando em rede, com o objetivo de fornecer capacitação para outras OSCs que já estão em funcionamento ou, ainda, instruindo grupos que queiram começar a tornar-se voluntários e exercer a sua cidadania social. Atualmente existem mais de 400.000 mil pessoas engajadas de forma voluntária com essa orga- nização, que já capacitou mais de 19.000 lideranças comunitárias. ADRIÃO, T. Dimensões e formas da privatização da educação no Brasil: caracterização a partir de mapeamento de produções nacionais e internacionais. Currículo sem fronteiras, [s. l.], v. 18, nº. 1, p. 8–28, 2018. Disponível em: http://www.curriculosemfronteiras.org/ vol18iss1articles/adriao.pdf. Acesso em: 19 mar. 2019. BARBOSA, E. Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil. Brasília: Gabinete do Deputado Federal Eduardo Barbosa, 2015. E-book. Disponível em: http://apaemg. org.br/uploads/MROSC.pdf. Acesso em: 19 mar. 2019. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/cons- tituicao.htm. Acesso em: 19 mar. 2019. BRASIL. Lei nº. 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 1961. Disponível em: https://www2.camara.leg. br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-4024-20-dezembro-1961-353722-publicacaooriginal-1-pl. html. Acesso em; 19 mar. 2019. Organizações públicas e o terceiro setor: marco regulatório18 BRASIL. Lei nº. 9.637, de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, . 1998. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1998/lei-9637-15-maio-1998-372244-norma- pl.html. Acesso em: 19 mar. 2019. BRASIL. Lei nº. 9.790, de 23 de março de 1999. Lei da OSCIP; Lei das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 1999. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/ fed/lei/1999/lei-9790-23-marco-1999-349541-norma-pl.html. Acesso em: 19 mar. 2019. BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/ L10406.htm. Acesso em: 19 mar. 2019. BRASIL. Lei nº. 12.202, de 27 de novembro de 2009. Dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social; regula os procedimentos de isenção de contribuições para a seguridade social; altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993; revoga dispo- sitivos das Leis nº. 8.212, de 24 de julho de 1991, nº. 9.429, de 26 de dezembro de 1996, nº. 9.732, de 11 de dezembro de 1998, nº. 10.684, de 30 de maio de 2003, e da Medida Provisória nº. 2.187–13, de 24 de agosto de2001; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2009. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2009/ lei-12101-27-novembro-2009-594805-norma-pl.html. Acesso em: 19 mar. 2019. BRASIL. Lei nº. 13.019, de 31 de julho de 2014. Estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação; define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com organizações da sociedade civil; e altera as Leis nº. 8.429, de 2 de junho de 1992, e nº. 9.790, de 23 de março de 1999. Diário Oficial da União, Brasília, 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/ L13019.htm. Acesso em: 19 mar. 2019. 19Organizações públicas e o terceiro setor: marco regulatório BRASIL. Lei nº. 13.204, de 14 de dezembro de 2015. Altera a Lei nº. 13.019, de 31 de julho de 2014, “que estabelece o regime jurídico das parcerias voluntárias, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, entre a administração pública e as orga- nizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público; define diretrizes para a política de fomento e de colaboração com organizações da sociedade civil; institui o termo de colaboração e o termo de fomento; e altera as Leis nº. 8.429, de 2 de junho de 1992, e nº. 9.790, de 23 de março de 1999”; altera as Leis nº. 8.429, de 2 de junho de 1992, nº. 9.790, de 23 de março de 1999, nº. 9.249, de 26 de dezembro de 1995, nº. 9.532, de 10 de dezembro de 1997, nº. 12.101, de 27 de novembro de 2009, e nº. 8.666, de 21 de junho de 1993; e revoga a Lei nº. 91, de 28 de agosto de 1935. Diário Oficial da União, Brasília, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13204. htm#art1. Acesso em: 19 mar. 2019. CABRAL, E. H. S. Terceiro setor: gestão e controle social. São Paulo: Saraiva, 2017. DE LAPLANE, A. L. F.; CAIADO, K. R. M.; KASSAR, M. C. M. As relações público-privado na educação especial: tendências atuais no Brasil. Revista Teias, [s. l.], nº. 17, v. 46, p. 40–55, jul./set. 2016. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/ article/view/25497. Acesso em: 19 mar. 2019. IOSCHPE, B. E. Terceiro setor: desenvolvimento social sustentado. 3. ed. Rio de Janeiro, RJ: Paz e Terra, 2005. JANUZZI, G. M.; CAIADO, K. R. M. Apae: 1954 a 2011, algumas reflexões. Campinas: Autores Associados, 2013. LOPEZ, F. G. (org.). Perfil das organizações da sociedade civil no Brasil. Brasília: Ipea, 2018. E-book. Disponível em: http://portal.convenios.gov.br/images/docs/CGCAT/manuais/ publicacao-IPEA-perfil-osc-Brasil.pdf. Acesso em: 19 mar. 2019. MENDONÇA, P.; FALCÃO, D. S. Novo Marco Regulatório para a realização de parcerias entre Estado e Organização da Sociedade Civil (OSC). Inovação ou peso do passado? Cadernos Gestão Pública e Cidadania, São Paulo, v. 21, nº. 68, p. 42–60, 2016. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/cgpc/article/view/56484. Acesso em: 19 mar. 2019. SALAMON, L.; ANHEIER, H. The emerging sector: an overview. Manchester: Manchester University Press, 1996. SANTORO, L. P.; BARBOSA, M. V. Desafios da gestão de instituições do terceiro setor. Revista Valore, Volta Redonda, v. 2, nº. 2, p. 293–300, 2017. Disponível em: https://revis- tavalore.emnuvens.com.br/valore/article/view/80/70. Acesso em: 19 mar. 2019. SCHENEUMANN, A. V.; RHEINHEIMER, I. Administração do terceiro setor. Curitiba: Inter- saberes, 2013. E-book. Organizações públicas e o terceiro setor: marco regulatório20 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DO SERVIÇO SOCIAL Aline Michele Nascimento Augustinho Demandas institucionais e respostas profissionais Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir o objeto de trabalho nas instituições de acordo com a inten- cionalidade do projeto ético-político da categoria. Debater acerca da relativa autonomia profissional nas instituições. Identificar limites e estratégias democráticas de trabalho nos campos profissionais. Introdução A formação do projeto ético-político do Serviço Social imprime carac- terísticas únicas a esse campo profissional, de forma que as relações empreendidas entre assistentes sociais e instituições são direcionadas por esse projeto. Além disso, a conjuntura histórico-política e a abordagem filosófica tornam os profissionais do campo atores sociais, portadores de responsabilidades específicas. Neste capítulo, você vai compreender como se define o objeto de trabalho do assistente social nas instituições a partir do projeto ético- -político da profissão, vendo como se forma e em que se baseia a auto- nomia profissional frente às instituições e reconhecendo os limites dessa autonomia frente a determinados cenários. O projeto ético-político do Serviço Social e sua influência no objeto de trabalho da área O Serviço Social se projeta no mercado de trabalho de maneira diferente de muitas outras profi ssões. Para esse campo, o conhecimento das abordagens teóricas e a exequibilidade das práticas e estratégias de ação não limitam à atuação profi ssional, ou seja, não basta aprender, conhecer e aplicar as técnicas. O Serviço Social se projeta como portador de responsabilidades sociais frente à sociedade civil, ao Estado e às conexões e dinâmicas entre essas duas esferas no desenrolar histórico. Isso quer dizer que os pontos de defesa ou protegidos pelos profi ssionais do campo são observados em primeiro plano e, depois, as estruturas institucionais, o que confere certa autonomia aos assistentes sociais. Esse cenário compõe alguns dos elementos que fundamentam a identidade do profi ssional da área: A identidade da profissão não é estática e sua construção histórica envolve a resistência frente às contradições sociais que configuram uma situação de barbárie, decorrentes do atual estágio da sociabilidade do capital em sua fase de produção destrutiva, com graves consequências na força de trabalho. A política de Assistência Social, por sua vez, comporta equipes de trabalho interprofissionais, sendo que a formação, experiência e intervenção histórica dos/as assistentes sociais nessa política social não só os habilitam a compor as equipes de trabalhadores/as, como atribuem a esses/as profissionais um papel fundamental na consolidação da Assistência Social como direito de cidadania (CFESS, 2011, documento on-line). A responsabilidade social dos profissionais do campo advém, sobretudo, de seu projeto ético-político, que é produto da reflexão de assistentes so- ciais sobre a conjuntura exploratória do capitalismo sobre os trabalhadores e da autoidentificação da própria classe com a classe trabalhadora. Assim, é impossível descolar as práticas profissionais do Serviço Social da estrutura produtiva e de seus impactos sobre a sociedade, envolvida numa dinâmica de classes em que há privilégios para as elites e dificuldades para a classe trabalhadora. Assim, o profissional do Serviço Social pode ser compreendido como um “[...] trabalhador assalariado e portador de um projeto profissional enraizado no processo histórico e apoiado em valores radicalmente humanos” (IAMAMOTO, 2009, p. 1). Em outras palavras, o projeto profissional, ou ético-político, do Serviço Social tem origens no processo histórico, mais especificamente, nas tensões sociais e de classe vividas pela sociedade brasileira durante o autoritarismo Demandas institucionais e respostas profissionais2 dos governos militares, entre 1964 e 1985. O projeto ético-político não nasce como uma resposta imediata à ascensãomilitar em 1964. Pelo contrário, é produto de reflexões e movimentações ao longo dos 21 anos de regime militar, em que os profissionais questionavam, por meio de encontros, simpósios, delimitação de abordagem filosófica e de instrumentalização das práticas profissionais, composição do campo científico pela constituição de programas de pós-graduação em Serviço Social no país, quais seriam suas possibilidades e responsabilidades éticas diante da dinâmica de produção capitalista. Mas por que a estrutura produtiva seria tão importante? De acordo com as reflexões produzidas pelo Movimento da Reconceituação, os elementos que compunham a chamada “questão social”, o objeto direto de análise e ação dos assistentes sociais eram produtos diretos da divisão sociotécnica do trabalho em sociedades capitalistas, e isso tem relação direta com a estrutura do sistema econômico em questão. Essa reflexão está presente de forma bem clara no Código de Ética Profissional de 1993 (BRASIL, 2012, documento on-line): [...] o Código de Ética Profissional de 1986 foi uma expressão daquelas con- quistas e ganhos, através de dois procedimentos: negação da base filosófica tradicional, nitidamente conservadora, que norteava a “ética da neutralidade”, e afirmação de um novo perfil do técnico, não mais um agente subalterno e apenas executivo, mas um profissional competente teórica, técnica e politi- camente. De fato, construía-se um projeto profissional que, vinculado a um projeto social radicalmente democrático, redimensionava a inserção do Serviço Social na vida brasileira, compromissando-o com os interesses históricos da massa da população trabalhadora. Nesse sentido, há a direta e aberta identificação do Serviço Social com a abordagem de Karl Marx sobre o sistema capitalista. De acordo com Marx (2018), o objetivo central do capitalismo é gerar lucro e acumulação por meio da produção de mercadorias que serão consumidas pelo mercado. A acumulação de capital, ou seja, dinheiro, é reinvestida na produção, seja em maquinários ou novos produtos, o que gera mais lucro e mais acumulação, sucessivamente. No sistema capitalista, quem possui os meios de produção, as máquinas, as fábricas e a tecnologia recebe os lucros, mas é necessário haver pessoas que colocarão em prática o trabalho. Essas pessoas têm apenas sua força de trabalho, que será vendida a um preço muito inferior ao que tal força é capaz de produzir em mercadorias. Com o pouco que recebem, esses trabalhadores precisam consumir para manter sua subsistência — alimentação, vestuário, medicamentos —, movimentando o mercado. Porém, o valor recebido pela 3Demandas institucionais e respostas profissionais venda de sua força de trabalho é inferior ao total de suas necessidades básicas. O trabalhador, então, submete-se ao sistema, permanecendo no posto de tra- balho que paga pouco, mas que é sua possibilidade de atender às necessidades elementares, como alimentação, ainda que de forma precária. A filosofia marxista indica que os donos dos meios de produção conseguem lucrar somente por se apropriarem do valor produzido pelos trabalhadores, ou seja, pela apropriação da mais-valia (a diferença entre o valor produzido pelo trabalhador e aquilo que é realmente recebido em cada mercadoria produzida) (MARX, 2018). Seria essa apropriação indevida a causadora de situações de pobreza, pois o Estado não oferece aos trabalhadores todos os elementos para suprir suas necessidades como humanos, sujeitos sociais integrais — o que inclui também lazer e descanso —, e nem mesmo eles podem fazê-lo de maneira eficiente por meio de seu salário. Ademais, ainda de acordo com a perspectiva marxista, o sistema criaria uma massa de reserva de trabalhadores, mantendo-os em situação de desemprego, para que a mão de obra permaneça barata aos donos dos meios de produção e a força de trabalho possa ser subs- tituída se necessário. A perspectiva marxista é utilizada como aporte metodológico para o Ser- viço Social brasileiro nos anos finais do Movimento da Reconceituação, entre finais da década de 1970 e início da década de 1980, especialmente porque os assistentes sociais associam a situação de autoritarismo vivida durante os governos militares à agudização da pobreza e desigualdades sociais. Sobre esse importante movimento, assinala Yazbek ([2009], documento on-line): É importante assinalar que é no âmbito do Movimento de Reconceituação e em seus desdobramentos que se definem de forma mais clara e se confrontam diversas tendências voltadas à fundamentação do exercício e dos posiciona- mentos teóricos do Serviço Social. Tendências que resultam de conjunturas sociais particulares dos países do Continente e que levam, por exemplo, no Brasil, o movimento, em seus primeiros momentos (em tempos de ditadura militar e de impossibilidade de contestação política), a priorizar um projeto tecnocrático/modernizador, do qual Araxá e Teresópolis são as melhores expressões. Já o tronco latino-americano do movimento, sobretudo no Cone Sul, assume claramente uma perspectiva crítica de contestação política e a proposta de transformação social. Posição que dificilmente poderá levar à prática frente à explosão de governos militares ditatoriais e pela ausência de suportes teóricos claros. Sem dúvida, as ditaduras que tiveram vigência no Continente deixaram suas marcas nas ciências sociais e na profissão, que, depois de avançar em uma produção crítica nos anos 60/70 (nos países onde isso foi permitido), é obrigada a longo silêncio. Demandas institucionais e respostas profissionais4 Esse ponto é extremamente importante porque vai moldar o projeto ético- -político do campo expresso no Código de Ética Profissional de 1993: os profissionais do Serviço Social definem que o aporte teórico marxista será utilizado para compreender as dinâmicas sociais nas sociedades capitalistas, explicando a exploração sobre os trabalhadores nesse viés (BRASIL, 2012). Assim, o trabalhador, que, na teoria marxista, é o centro da estrutura capi- talista, pois sem a mais-valia não haveria acumulação de capital, torna-se o elemento central do projeto ético-político: a atuação do assistente social deveria orientar-se para as dinâmicas nas quais o trabalhador se insere. Do ponto de vista de Iamamoto (2000), as dinâmicas capitalistas oferecem não apenas o cenário para a luta do trabalhador, mas para a configuração do assistente social a partir do seu trabalho: [...] o Serviço Social é um trabalho especializado, expresso sob a forma de serviços, que tem produtos: interfere na reprodução material da força de traba- lho e no processo de reprodução sociopolítica ou ídeo-política dos indivíduos sociais. O assistente social é, neste sentido, um intelectual que contribui, junto com inúmeros outros protagonistas, na criação de consensos na sociedade. Falar em consenso diz respeito não apenas à adesão ao instituído: é consenso em torno de interesses de classes fundamentais, sejam dominantes ou su- balternas, contribuindo no reforço da hegemonia vigente ou criação de uma contra-hegemonia no cenário da vida social. (IAMAMOTO, 2000, p. 68). Há um outro elemento essencial que associa o projeto ético-político ao período de ascensão ao autoritarismo, ou melhor, ao processo de encerramento desse período. O Código de Ética Profissional de 1986 (BRASIL, 1986) ex- pressa, pela primeira vez, a identificação do período de governos militares pelos assistentes sociais como “ditadura”, o que coloca os profissionais numa situação de autonomia crítica ao Estado, condição que permanecerá nos anos subsequentes até a atualidade. Isso significa que os assistentes sociais deverão zelar pelos direitos sociais, civis e humanos dos trabalhadores, independen- temente de como o Estado esteja constituído. Esse ponto se refere aos anos de governos militares, mas também expressa que o Serviço Social não mais seria moldado e condicionado às determinações do Estado ou da Igreja, como acontecia entre asdécadas de 1930 e 1950, quando a filosofia neotomista (de concepção a-histórica) compunha as práticas profissionais do campo. A Constituição de 1988 fundamenta o Estado democrático de direito e é retomada em 1993 no novo Código de Ética, em que se salienta que, para além do olhar central sobre o trabalhador na sociedade brasileira, é função social, 5Demandas institucionais e respostas profissionais profissional e ética do assistente social zelar pela manutenção do Estado de direito e dos preceitos da democracia (BRASIL, 2012). De forma objetiva, o projeto ético-político do Serviço Social pode ser definido como o desenvolvimento de práticas profissionais pautadas na pro- teção da classe trabalhadora e do Estado democrático de direito. Tais práticas precisam estar ajustadas ao contexto e à conjuntura político-econômica, na busca contínua do bem-estar dessa classe social frente aos antagonismos de classe do sistema capitalista, de forma associada à defesa da estabilidade democrática. Diante do projeto ético-político, qual seria o objeto de trabalho dos assistentes sociais? Se o objetivo do campo é sanar os problemas relati- vos à chamada “questão social”, aqueles causados pela desigualdade social, então, o objeto de trabalho do campo é o desenvolvimento de projetos, ações e políticas públicas que promovam a “seguridade social”. O artigo número 60 da Constituição Brasileira de 1988 indica que a seguridade social é um direito do cidadão, em associação com outros direitos, como a alimentação, a moradia e a alimentação (BRASIL, 1988). O assistente social, assim, pode estar inserido no mercado de trabalho pela iniciativa privada, pelo setor púbico ou pelo terceiro setor, porém, suas ações serão sempre direcionadas por seu objeto e pelo projeto ético-político da categoria. Como você pode perceber, a Constituição Brasileira de 1988 tem bastante impacto na definição do objeto e do projeto ético-político dos assistentes sociais. Mas você sabia que a Constituição fala especificamente sobre o Serviço Social e sua importância para os projetos de igualdade social no Brasil? O projeto ético-político pode ainda ser utilizado na orientação de práticas profissionais para áreas bem específicas. Acesse o link a seguir e assista a um vídeo sobre as práticas de assistentes sociais no campo da saúde. https://qrgo.page.link/E1Fi Demandas institucionais e respostas profissionais6 Autonomia profissional do assistente social O assistente social não é um profi ssional liberal, como um arquiteto ou um advogado. Isso quer dizer que suas práticas profi ssionais não são realizadas individualmente, para um cliente específi co do qual receberia pagamento por seu trabalho, como nas profi ssões citadas, sem estar vinculado a uma institui- ção, pública, privada ou do terceiro setor. As instituições são necessárias para oferecer as ferramentas e as plataformas necessárias para a ação do profi ssional do Serviço Social, justamente porque as ações são direcionadas a pessoas em situação de vulnerabilidade, que precisam de auxílio. Apesar disso, o Serviço Social tem certa autonomia profissional, mesmo vinculado às instituições. Isso porque suas ações são pautadas, em primeiro plano, pelo projeto ético-político da profissão, direcionadas a seu objeto, a seguridade social da classe trabalhadora e a defesa da estabilidade democrá- tica. A determinação de ações que contrariem essa perspectiva não seriam assumidas pelos assistentes sociais. Além disso, a assistência social figura na constituição brasileira como um direito social (CFESS, 2011). De acordo com o Conselho Federal do Serviço Social (CFESS, 2011), no documento “Parâmetros para Atuação de Assistentes Sociais na Política de Assistência Social”, as competências do Serviço Social são analisadas como parte da composição para a manutenção dos direitos sociais e civis necessários para a condição de uma sociedade igualitária e para a manutenção democrá- tica. Nesse texto, há a indicação de que o Serviço Social é a profissão, mas a “assistência social” é o direito, um conjunto de práticas que compõem a seguridade social. Dessa forma, “A Seguridade Social deve pautar-se pelos princípios da universalização, da qualificação legal e legítima das políticas sociais como direito, do comprometimento e dever do Estado, do orçamento redistributivo e da estruturação radicalmente democrática, descentralizada e participativa” (CFESS, 2011, documento on-line). A seguridade social seria composta por uma série de políticas públicas, ações para prover aos cidadãos brasileiros o direito e a efetividade do acesso a elementos que diminuam a desigualdade social, como saúde, educação, trabalho, moradia, emprego e soluções para situação de desemprego ou de “não emprego” (trabalho informal ou à margem do sistema produtivo) (CE- FESS, 2011). 7Demandas institucionais e respostas profissionais Assim, o Serviço Social é uma profissão, mas a assistência social é um di- reito, assegurado pela Constituição Federal de 1988. Diante disso, a atuação dos profissionais do Serviço Social não pode pautar-se por regras ou determinações institucionais, ou seja, de empresas ou quaisquer espaços de trabalho, quando essas ferem, confrontam ou questionam o texto constitucional, seu objeto de trabalho ou ainda o projeto ético-político. Sua atuação profissional se baseia nessa tríade, o que, novamente, assegura a autonomia profissional do Serviço Social. A literatura clássica do Serviço Social nos aponta, entretanto, algumas reflexões críticas a serem empreendidas quanto à relativa autonomia do campo. Por literatura clássica, compreendamos o material produzido da efervescência do Movimento da Reconceituação, como os trabalhos de José Paulo Netto (2007, 1996), ou, ainda, aqueles produzidos com o objetivo de construir leituras teórico-metodológicas pertinentes à realidade social, histórica e econômica latino-americana, como as produções de Marilda Iamamoto (2000, 2009). Esses dois autores produzem leituras sobre a constituição do campo de trabalho do Serviço Social firmemente fundamentadas na interpretação das relações entre Estado e sociedade a partir da constituição capitalista monopolista. De acordo com esses autores, corroborados também por Yasbek (2009) e Guerra (1997, 1995), a definição das estratégias de atuação do assistente social frente à questão social encontra no campo de trabalho os limites estabelecidos pela natureza das relações do campo, que se constitui de forma verticalizada, ou seja, hierarquizada, uma vez que o profissional do campo atua de forma assalariada, submetendo parte importante de sua possibilidade de autonomia às regras, aos posicionamentos e interesses de quem contrata o profissional, o Estado ou o setor privado. Nesse sentido, o principal limite de atuação seria aquele encontrado no interesse das instituições em utilizar seus profissionais como reprodutores das relações sociais e de produção estabelecidas e que mantém a lógica capitalista monopolista: [...] é a política social do estado burguês no capitalismo monopolista (e, como se infere desta argumentação, só é possível pensar-se em política social pú- blica na sociedade burguesa com a emergência do capitalismo monopolista) configurando a sua intervenção contínua, sistemática, estratégica sobre as sequelas da “questão social”, que oferece o mais canônico paradigma dessa indissociabilidade de funções econômicas e políticas que é própria do siste- ma estatal da sociedade burguesa madura e consolidada. Através da política social, o Estado burguês no capitalismo monopolista procura administrar as expressões da “questão social” de forma a atender às demandas da ordem monopólica conformando, pela adesão que recebe de categorias e setores cujas demandas incorpora, sistemas de consenso variáveis, mas operantes. (NETTO, 2007, p. 30) Demandas institucionais e respostas profissionais8 A perspectiva crítica de Iamamoto (2000, 2006, 2009), Netto (2007),Yazbek (2009) e Guerra (1995, 1997) nos mostra, assim, que a relativa autonomia do Serviço Social, orientada pela luta e defesa do Estado democrático de direito, encontraria seus limites na própria configuração sistêmica do capitalismo monopolista, em que os componentes sociais atrelados às instituições repro- duziriam as perspectivas do poder estabelecido, atuando como engrenagens de aparelhos ideológicos do Estado (IAMAMOTO; CARVALHO, 2006). Diante das possibilidades de atuação em diferentes espaços e instituições (públicas, privadas e ONGs), será que o objeto do Serviço Social se altera? A assistente social e professora Ednéia Maria Machado trabalha o conceito da questão social na identificação do objeto do Serviço Social. É somente com a identificação desse objeto que os profissionais da área podem desenvolver estratégias de ação e práticas profissionais. Leia o artigo no link a seguir. https://qrgo.page.link/PHSE Limites e estratégias democráticas de trabalho dos assistentes sociais A atuação de assistentes sociais tem relativa, e importante, autonomia frente às instituições, como você pôde observar. Isso não quer dizer que os profi ssionais da área podem agir de qualquer maneira: há sempre o projeto ético-político e o objeto de trabalho para pautar suas ações. No entanto, a autonomia é um dos componentes que caracterizam os profi ssionais do Serviço Social como atores sociais, como sujeitos portadores de responsabilidades sociais tanto para com a classe trabalhadora quanto para a manutenção e estabilidade da democracia. Esses dois elementos, trabalhadores e democracia, para as ações dos assistentes sociais, estão ligados de forma indissolúvel, pois espelham as relações sociais estabelecidas na conjuntura analisada. Veja a leitura de Maria Piana (2009, p. 85-86) sobre esse tema: O Serviço Social atua na área das relações sociais, mas sua especificidade deve ser buscada nos objetivos profissionais, tendo estes que serem adequa- 9Demandas institucionais e respostas profissionais damente formulados, guardando estreita relação com objeto. Essa formulação dos objetivos garante-nos, em parte, a especificidade de uma profissão. Em consequência, um corpo de conhecimentos teóricos, método de investigação e intervenção e um sistema de valores e concepções ideológicas conformariam a especificidade e integridade de uma profissão. O Serviço Social é uma prática, um processo de atuação que se alimenta por uma teoria e volta à prática para transformá-la, um contínuo ir e vir iniciado na prática dos homens face aos desafios de sua realidade. De acordo com Piana (2009), os objetivos profissionais, o objeto, o projeto ético-político e a leitura das relações sociais inseridas nessa tríade é o que permite a especificidade do Serviço Social como campo científico e como prática técnica. Num sistema capitalista, ainda que a constituição da nação assegure os elementos da seguridade social, é de se esperar que o próprio modelo econômico continue a alimentar situações de desigualdades sociais, afinal, ainda seria necessário utilizar a mão de obra de trabalhadores. Contudo, é possível criar estratégias de ação para que, mesmo com a manutenção do modelo econômico, haja mais igualdade e maior equidade social. Num panorama democrático, isso pode ser conquistado pelo desenvolvi- mento de políticas públicas: ações estratégicas delineadas por profissionais das Ciências Sociais (na maioria da vezes, quando se trata dos trânsitos sociais gerados pelos antagonismos de classe no capitalismo, mas também por outras áreas, como a da saúde) para o acesso e a efetividade dos cidadãos aos direitos sociais. Os assistentes sociais, portanto, analisam o contexto sócio-político-eco- nômico e oferecem soluções, definem estratégias que podem ser aplicadas com sucesso, de forma local e até mesmo nacional, levando a uma situação de maior igualdade social. Porém, o dispositivo necessário para essas estratégias entrarem em ação é, ao mesmo tempo, uma possibilidade e um limite: as políticas públicas. Num ambiente democrático, os assistentes sociais podem projetar essas políticas, mas depende-se do Estado, das casas legislativas e do Poder Executivo para que elas sejam colocadas em prática. A ação dos Poderes Legislativo e Executivo depende do viés ideológico de seus componentes, que podem estar voltados à prática que pode acirrar ou diminuir os antagonismos de classe. Na perspectiva dos limites democráticos à ação dos assistentes sociais, é preciso repensar, diante das ferramentas disponíveis, como manter o objetivo e o projeto ético-político de maneira instrumentalizada, nas ações da prática Demandas institucionais e respostas profissionais10 profissional cotidiana, lembrando que o respaldo para a ação profissional se encontra, sobretudo, na Constituição Federal. Entre as principais reflexões sobre os limites e possibilidades profissionais do campo, repousam as perspectivas de Faleiros (1980) e Almeida (1995) sobre as práticas desenvolvidas nos diversos espaços sócio-ocupacionais. Os dois autores corroboram a leitura clássica de Iamamoto, Netto e Guerra já apresentadas sobre a dificuldade da atuação profissional do campo sem que as ações profissionais funcionem completamente como reprodutoras nos aparelhos ideológicos do Estado, ou seja, moldando as práticas de atuação a partir do viés ideológico do poder instituído. O limite aqui compreendido poderia ser parcialmente contornado a partir da disposição de um conjunto sistematizado de práticas teórico-metodologicamente definidas (ALMEIDA, 1995), que assegurassem a não reprodução dos dispositivos ideológicos do capitalismo nos diversos espaços sócio-ocupacionais. No entanto, ambos apontam que não foi possível construir tal sistematização a partir da produ- ção acadêmica latino-americana, dado o princípio básico da observação da realidade e do cenário local na definição das práticas e a multiplicidade de cenários no continente, restando, assim, a observação da intencionalidade dos profissionais e cientistas brasileiros. Os limites e as possibilidades de atuação profissional transitam, dessa forma, entre a reprodução social proveniente da divisão social do trabalho nas sociedades capitalistas e a definição de estratégias sistematizadas que assegurem a qualidade e o embasamento teórico das práticas, mantendo, ainda, a observação nas variáveis do contexto, como a conjuntura histórica, política e econômica, bem como as variáveis sociais, como os processos provenientes das lutas identitárias. Conhecer a literatura do campo profissional em que atuamos ou estudamos é tão importante quanto conhecer as abordagens teóricas, as práticas e a legislação. Conheça alguns preceitos da formação da literatura sobre o Serviço social no Brasil com o texto a seguir. https://qrgo.page.link/aybS 11Demandas institucionais e respostas profissionais ALMEIDA, N. L. T. Considerações iniciais para o exame do processo de trabalho do serviço social. Em pauta - cadernos da Faculdade de Serviço Social da UERJ. Rio de Janeiro: UERJ/FSS, 1995. BRASIL. Código de Ética Profissional do/a Assistente Social: Lei 8662/93 de regulamentação da profissão. 10. ed. rev. e atual. Brasília: CFESS, 2012. E-book. Disponível em: http:// www.cfess.org.br/js/library/pdfjs/web/viewer.html?pdf=/arquivos/CEP_CFESS-SITE. pdf. Acesso em: 22 mar. 2019. BRASIL. Código de Ética Profissional do Serviço Social, de 9 de maio de 1986. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 jun. 1986. Disponível em: http://www.cfess.org.br/js/ library/pdfjs/web/viewer.html?pdf=/arquivos/CEP_1986.pdf. Acesso em: 29 abr. 2019. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/consti- tuicao/constituicao.htm. Acesso em: 29 abr. 2019. CFESS. Parâmetros para atuação de assistentes sociais na política de assistência social. Brasília: CFESS, 2011.(Série Trabalho e Projeto Profissional nas Políticas Sociais). Disponível em: http:// www.cfess.org.br/arquivos/Cartilha_CFESS_Final_Grafica.pdf. Acesso em: 29 abr. 2019. FALEIROS, V. P. A política social do Estado capitalista. São Paulo: Cortez, 1980. GUERRA, Y. A instrumentalidade do serviço social. São Paulo, Cortez, 1995. GUERRA, Y. Ontologia do ser social: bases para a formação profissional. Revista Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 54, 1997. IAMAMOTO, M. V. O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação profis- sional. 3. ed. São Paulo, Cortez, 2000. IAMAMOTO, M. V. Os espaços sócio-ocupacionais do assistente social. In: CFESS. Serviço social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS, 2009. IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 19. ed. São Paulo: Cortez, 2006. MARX, K. O capital. Rio de Janeiro: LTC, 2018. NETTO, J. P. Capitalismo monopolista e serviço social. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2007. NETTO, J. P. Transformações societárias e serviço social: notas para uma análise pros- pectiva da profissão no Brasil. Revista Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 50, 1996. PIANA, M. C. A construção do perfil do assistente social no cenário educacional. São Paulo: Editora UNESP; Cultura Acadêmica, 2009. E-book. YAZBEK, M. C. Os fundamentos históricos e teórico-metodológicos do serviço social brasileiro na contemporaneidade. CFESS, Brasília, [2009]. Disponível em: http://cressrn. org.br/files/arquivos/ZxJ9du2bNS66joo4oU0y.pdf. Acesso em: 29 abr. 2019. Demandas institucionais e respostas profissionais12 Leituras recomendadas MIOTO, R. C. T.; NOGUEIRA, V. M. R. Política social e serviço social: os desafios da inter- venção profissional. Revista Katál. Florianópolis, v. 16, n. esp., p. 61-71, 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rk/v16nspe/05.pdf. Acesso em: 29 abr. 2019. TABORDAL, E.; MANN, L. S.; PFEIFER, M. A autonomia relativa no exercício profissional do assistente social. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE SERVIÇO SOCIAL, TRABALHO E POLÍTICA SOCIAL, 2015. Florianópolis. Anais [...]. Santa Catarina: Universidade Federal de Santa Catarina, 2015. Disponível em: http://seminarioservicosocial2017.ufsc.br/files/2017/05/ Eixo_2_61.pdf. Acesso em: 29 abr. 2019. 13Demandas institucionais e respostas profissionais SEMINÁRIOS DE POLÍTICAS URBANAS, RURAIS E DE HABITAÇÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS Patricia Ramos Novaes Descentralização político-administrativa e controle social Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir a descentralização político-administrativa no Brasil. Identificar a relevância das instâncias participativas e deliberativas para a efetivação de direitos. Explicar os limites e as potencialidades da gestão participativa. Introdução A descentralização política e administrativa do Estado brasileiro e a participação social constituem importantes eixos orientadores para a organização das políticas públicas e a garantia de direitos sociais. A des- centralização política e administrativa, garantida na Constituição Federal de 1988, foi criada em um contexto democrático para proporcionar a distribuição do poder entre as três esferas de governo (federal, estadual e municipal) e garantir espaços de participação e deliberação da sociedade nas decisões públicas. Alguns desses espaços de participação e deliberação são os conselhos de política pública e de direitos, as conferências de política pública e as audiências públicas — no âmbito das diversas políticas sociais existentes, como saúde, assistência social, educação e habitação. Esses espaços têm inúmeras potencialidades, podendo se constituir em mecanismos de gestão participativa e controle social para a democratização do âmbito público e para a mudança da cultura política dominante ao longo da história brasileira. Neste capítulo, você vai estudar a descentralização político-administra- tiva que ocorre no Brasil e verificar a relevância das instâncias participativas e deliberativas para a efetivação de direitos. Além disso, vai conhecer os limites e as potencialidades da gestão participativa. 1 Descentralização político-administrativa no Brasil Até o fi nal dos anos 1980, a estrutura organizacional do Estado brasileiro era caracterizada pela centralização das decisões públicas no âmbito do governo federal. Foi somente com a instituição da Constituição Federal de 1988 que ocorreu o processo de descentralização político-administrativa do poder federal para os níveis estadual e municipal de governo. Isso levou a uma redefi nição de atribuições e competências no âmbito das três esferas de governo, bem como a uma efetiva partilha de poder entre elas. De acordo com Arretche (1999), durante o regime militar, governadores e prefeitos possuíam pouca autonomia política e financeira, pois os principais tributos e impostos arrecadados se concentravam nas mãos do governo federal. Após a arrecadação, a esfera federal transferia recursos financeiros aos estados e municípios, no entanto essa transferência estava sujeita a controles dos gastos por parte do governo federal. Além disso, havia uma concentração das decisões políticas no governo federal, pois as eleições para a escolha de governadores e prefeitos não eram mais feitas de forma direta — pelo voto do povo. Arretche (1999) analisa que, no contexto da ditadura militar, o sistema bra- sileiro de proteção social foi sendo moldado de forma centralizada — política, financeira e administrativamente. Como os estados e municípios executavam as políticas centralmente formuladas, as atividades de planejamento no âmbito local se restringiam à formulação de projetos de solicitação de recursos para o governo federal. Não havia um plano local com participação e controle da população como o que existe atualmente. Nesse contexto, havia a exclusão da sociedade civil do processo de formulação e implementação dos programas e das políticas públicas. As políticas sociais eram então organizadas por agências burocráticas federais, que formulavam os programas e ações nos diversos setores. Como exemplo, Arretche (1999) destaca que algumas políticas eram formuladas, financiadas e avaliadas por uma agência federal e executadas por uma série de agências locais dependentes dela, como era o caso das políticas de habi- tação e saneamento básico. Já os diversos programas de assistência social eram formulados e financiados por organismos federais e implementados por agências públicas e organizações semiautônomas privadas. As políticas de saúde e educação também eram executadas no formato de centralização financeira e administrativa. No caso da saúde, a execução era responsabilidade do Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (Inamps); já na área da educação, o ensino fundamental era formulado, financiado e implementado por agências do governo federal. Descentralização político-administrativa e controle social2 Na década de 1980, o Brasil foi marcado por profundas mudanças sociais, políticas e institucionais, reflexos do processo de redemocratização do País. Nesse cenário, os movimentos sociais e as organizações da sociedade civil passam a defender a construção de uma nova organização política, baseada em um Estado Democrático de Direito. Além disso, passam a reivindicar o direito à participação da sociedade nos processos decisórios de gestão e controle das políticas públicas. É nesse contexto que temas como descentralização, participação e democra- tização passam a emergir. Eles estão relacionados à perspectiva de fortalecer o controle social das políticas públicas implementadas pelo governo, enfrentando, assim, a tradição autoritária da política brasileira. Essas reivindicações por processos democráticos e participativos na gestão pública foram incorporadas à Constituição Federal de 1988 quando nela se garantiuo princípio da gestão descentralizada e participativa. Por sua vez, a importância da participação foi reconhecida em todos os níveis de governo — federal, estadual e municipal. O controle social enquanto direito conquistado por meio da Constituição Federal de 1988 significa a participação da sociedade na administração pública, com o objetivo de acompanhar e fiscalizar as ações do poder público visando à correta aplicação dos recursos. Nesse sentido, o controle social é um importante mecanismo de forta- lecimento da cidadania. Além disso, com a nova constituição federal, as eleições diretas para prefeitos e governadores foram retomadas. Assim, os estados e municípios brasileiros passaram a ser entes federativos autônomos, o que significa que prefeitos e governadores são escolhidos pelo povo e têm autoridade soberana. A descentralização político-administrativa surge, então, como um mecanismo de fortalecimento e autonomia do poder local e pode ser considerada uma resposta para o desafio de se construir uma ordem democrática após anos de autoritarismo. Com a descentralização, o município passou a ser um importante ente federativo de gestão e execução das políticas públicas, pelo fato de estar mais próximo das realidades e dos anseios da população. O município, enquanto entidade político-administrativa mais próxima da realidade da população, 3Descentralização político-administrativa e controle social também oferece melhores condições para a prática da participação popular na gestão da vida pública. Quanto maior é a proximidade entre o gestor público e a população de um município, maior é a facilidade de comunicação e de assimilação das demandas locais. Dessa forma, um novo pacto federativo é criado, e o município é reco- nhecido como ente autônomo da federação. Ele recebe novas competências e recursos públicos, tornando-se capaz de formular e implementar suas políticas, bem como de fortalecer a participação da sociedade civil nas decisões. Esse processo é denominado “municipalização das políticas sociais”. Nota-se, então, que a descentralização política e administrativa está as- sociada à divisão de poder entre os entes federativos, mas também à parti- cipação da população na gestão e na fiscalização das políticas, favorecendo a democratização das relações entre Estado e sociedade. No entanto, você deve atentar a uma concepção de descentralização de corte neoliberal que é contrária à aproximação entre Estado e população e ao respeito ao princípio da autonomia da esfera local. Nesse entendimento, a descentralização é uma estratégia de redução do gasto público, identificando-se com a seletividade do atendimento de demandas sociais e contrapondo-se à universalização dos direitos sociais. Além disso, no contexto neoliberal, a descentralização pode ser usada como mecanismo de transferência de encargos para os municípios, sem a participação nos processos decisórios e no financiamento dos programas. 2 As instâncias participativas e deliberativas e a efetivação de direitos Como você viu, para a superação das práticas antidemocráticas, autoritárias e centralizadoras do período militar, foram necessários o fortalecimento e a consolidação de uma relação mais horizontal entre as três esferas do Estado — federal, estadual e municipal —, bem como entre o Estado e a sociedade. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, além de garantir a descentra- lização política e administrativa das ações do poder público, criou espaços de participação e deliberação da sociedade como forma de controle social sobre as decisões públicas. Alguns desses espaços de participação e deliberação são os conselhos de política pública e de direitos, as conferências de política pública e as audiências públicas — no âmbito das diversas políticas sociais existentes, como saúde, assistência social, educação e habitação. Mas a participação da população Descentralização político-administrativa e controle social4 também pode se efetivar a partir de diferentes formas de democracia direta, como em um plebiscito ou em projetos de iniciativa popular. Os conselhos, de acordo com a Constituição Federal de 1988, existem nos três níveis de governo: nacional, estadual e municipal. Eles são espaços públicos com força legal para atuar nas políticas públicas, no sentido de definir prioridades, recursos orçamentários e segmentos sociais a serem atendidos, bem como de avaliar os resultados. Os conselhos municipais são importantes instâncias de controle social, na medida em que estão próximos da realidade dos municípios, dos cidadãos e dos usuários das políticas públicas. Os conselhos são espaços com composição plural e heterogênea, contando com representantes da sociedade civil e do governo que discutem, elaboram e fiscalizam as políticas públicas nas diversas áreas. Nesse sentido, eles são espaços de encontro de interesses heterogêneos, por isso são instâncias de negociação e de conflitos entre os diferentes grupos que representam projetos políticos em contraposição e precisam entrar em consenso quanto à agenda de uma política pública. Raichelis (2006, p. 110) aponta que “[...] os conselhos são canais importan- tes de participação coletiva, que possibilitam a criação de uma nova cultura política e novas relações entre governos e cidadãos [...]”. De acordo com a autora, trata-se de um espaço em que diversos assuntos de interesse público podem ser discutidos e decididos de forma coletiva, tornando público o que de fato é público. Os conselhos de políticas públicas, enquanto instâncias de controle demo- crático, apresentam-se como espaços importantes de atuação dos assistentes sociais. Nesse campo, a prática profissional desenvolve-se a partir de assessoria técnica aos conselheiros, por meio de capacitações, suporte técnico — con- tribuição nas pautas, atas, apoio às comissões internas —, divulgação de documentos, boletins e pesquisas. Trata-se, nesse sentido, de um trabalho de educação, de mobilização popular e de socialização de informações. Bravo (2009) indica que essa assessoria técnica dos assistentes sociais pode se dar de forma cotidiana ou mais pontual e destaca algumas ações principais que podem ser desenvolvidas. Veja: [...] a organização da documentação dos Conselhos; a organização de plenárias; a elaboração de cartilhas sobre controle social e política de saúde; a pesquisa de temas e realização de oficinas; a elaboração das atas de reuniões do conselho; a idealização de boletins informativos do Conselho; a elaboração de Planos com propostas de participação popular, que devem conter o diagnóstico da localidade e o plano propriamente dito; a realização de reuniões periódicas, 5Descentralização político-administrativa e controle social que discutam previamente a pauta da reunião dos Conselhos; a pesquisa sobre a realidade; a realização de cursos de capacitação de conselheiros; o acompa- nhamento dos conselhos; a realização do perfil do conselheiro e o incentivo à realização e participação no orçamento participativo (BRAVO, 2009, p. 473). No que se refere às conferências de política pública, elas também existem nos três níveis de governo: nacional, estadual e municipal. São instâncias que objetivam debater temas relevantes de uma política pública, tornando-se espaços em que se extraem deliberações e proposições normativas que infor- mam as instâncias decisórias, como os ministérios, as secretarias de governo e o Poder Legislativo. Assim, essas instâncias apontam para as preferências consensuais do Estado e da sociedade. As audiências públicas são espaços de debates garantidos na Constituição Federal de 1988. Nelas, o poder público discute com a população determinado tema relevante para o município, como obras de grande porte nas infraes- truturas das cidades ou obras de grande impacto ambiental, criação de leis, orçamento, segurança pública, formulação e revisão de planos diretores, etc. Todos os cidadãos podem participar das audiências públicase manifestar suas opiniões e propostas. É importante você atentar ao fato de que a efetivação de uma gestão demo- crática participativa também deve passar pela participação e pela deliberação da população sobre o orçamento público. Nesse sentido, o orçamento público deve ser debatido por todos, e não apenas pelo Poder Legislativo ou por téc- nicos que trabalham no setor público. Algumas experiências nessa direção ocorrem em cidades brasileiras; o município de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul, foi o pioneiro no Brasil. As discussões sobre o orçamento público participativo ocorrem por meio de assembleias abertas nas quais são negociados e deliberados os investimentos públicos e, por fim, elaborada uma proposta da lei orçamentária do município, que será enviada para a câmara municipal aprovar. Para Dagnino (1994), a gestão democrática participativa implementada no Brasil a partir dos anos 1990 evidencia que a participação da sociedade é uma dimensão vital do processo de construção da cidadania. Nesse sentido, a participação na esfera pública é importante para romper com a cultura da sociedade brasileira de enxergar as políticas públicas como favores, e não como direitos a serem conquistados, isto é, como um caminho para a construção da cidadania. Nos anos 2000, viu-se a disseminação dos conselhos, inclusive com a criação em áreas de menor tradição de participação, além da realização de um expressivo conjunto de conferências das diversas políticas sociais. Nesse Descentralização político-administrativa e controle social6 período, viu-se também a expansão e a experimentação de outras formas de participação, como ouvidorias e fóruns de debates. Embora existam inúmeros conselhos, conferências e audiências públicas nos diversos municípios brasileiros, muitos autores questionam se a disseminação dessas instâncias participativas e deliberativas no Brasil de fato contribuiu para influenciar as decisões do poder público sobre políticas públicas. Tal apontamento está relacionado a fatores como a própria trajetória histórica da sociedade brasileira, em que tradicionalmente o poder estatal é o promotor das políticas e do desenvolvimento social, enquanto a sociedade civil é mera beneficiária. Outro apontamento que chama a atenção é o fato de que os mecanismos de controle democrático foram implementados a partir dos anos 1990, num cenário de globalização e mundialização do capital e de políticas neoliberais que prezam pela focalização e pela regressão dos direitos sociais. Logo, o fortalecimento dessas instâncias democráticas para a garantia de direitos sociais ainda pode ser um grande desafio. 3 Limites e potencialidades da gestão participativa O movimento de construção democrática no Brasil foi atropelado pelas contrar- reformas do Estado brasileiro, que implementou a lógica neoliberal a partir dos anos 1990. Essa lógica apresenta críticas acirradas aos direitos conquistados pela classe trabalhadora na Constituição Federal de 1988. Observa-se, nesse contexto, a exacerbação do individualismo e da cultura privatista e o enxugamento dos direitos sociais. Isso tem levado os governos locais a assumir programas seletivos e focalizados, desenhados para cada tipo de situação, distantes dos padrões de universalidade de direitos. Esse fato vem complexificando a consolidação da esfera pública democrática no Brasil. Essa dinâmica sociopolítica vivenciada com a contrarreforma do Estado brasileiro tem grande impacto na gestão participativa das instâncias públicas. De acordo com Bravo (2009), após a institucionalização dos mecanismos de controle social sobre as políticas públicas e os recursos públicos diante da lógica neoliberal, teme-se que esses mecanismos não se tornem ferramentas de cooptação da população. Alguns estudos sobre as experiências dos conselhos de política pública na realidade brasileira vêm sendo desenvolvidos por pesquisadores que buscam compreender como essas esferas institucionais contribuem de fato para a de- 7Descentralização político-administrativa e controle social mocratização dos processos decisórios. Afinal, nos conselhos há representação paritária do Estado e da sociedade; no entanto, isso não livra esses espaços de manipulações e divergências, já que eles são caracterizados pela defesa de interesses divergentes. Como analisa Gohn (2008), os conselhos podem ser espaços de fortaleci- mento da gestão democrática, no entanto podem, também, ser transformados em estruturas burocráticas de aprovação de políticas sociais. E isso pode ser mais perceptível no plano local, em que os atores sociais se relacionam mais diretamente, reproduzindo as culturas políticas tradicionais, carregadas de práticas clientelísticas e patrimonialistas. Segundo Tatagiba (2002), as dinâmicas dos espaços de deliberação, como conselhos e conferências, podem ser marcadas por relações verticalizadas, com forte viés autoritário, uma vez que há resistências de algumas estruturas governamentais em aceitar o padrão partilhado de gestão. Em um estudo acerca das experiências dos conselhos gestores no Brasil, a autora aponta o seguinte: [...] os encontros entre Estado/sociedade nos Conselhos têm sido afetados negativamente por uma grande recusa do Estado em partilhar o poder de decisão. Os governos têm resistido — de forma mais ou menos acentuada, dependendo da natureza do governo e do seu projeto político — às novas formas de fiscalização, controle e participação da sociedade civil no processo de produção das políticas públicas (TATAGIBA, 2002, p. 79). Ainda parece ser grande a resistência do poder público em aceitar que os conselhos e outros espaços públicos possam influenciar as decisões sobre os rumos da política pública, inclusive na definição das prioridades dos recursos públicos. Isso demonstra a tradição centralizadora e autoritária que sempre marcou o Estado brasileiro. Bravo (2009, p. 468) ressalta algumas dificuldades postas aos conselhos. Veja algumas delas: [...] o desrespeito do poder público pelas deliberações dos conselhos e confe- rências; o não cumprimento das leis que regulamentam o seu funcionamento; a burocratização das ações e dinâmica dos conselhos que não viabilizam a participação dos representantes; a não divulgação prévia da pauta das reuniões; a infraestrutura precária; a falta de conhecimento da sociedade civil organizada sobre os conselhos; a ausência de articulação mais efetiva dos conselheiros com suas bases; a dificuldade dos conselheiros interferirem na dinâmica dos conselhos; a chantagem institucional do poder executivo, alegando que, caso as propostas apresentadas sejam questionadas pelos conselheiros, irá trazer prejuízos para a população. Descentralização político-administrativa e controle social8 Diante disso, a atuação dos movimentos sociais tem sido muito importante para articular novas frentes de ação capazes de tensionar essas relações autori- tárias, clientelistas e burocráticas, que prejudicam o controle social democrático nos espaços dos conselhos, audiências públicas e conferências. Algumas ferramentas e estratégias podem fazer frente a essas relações, como ações civis públicas e ações diretas de inconstitucionalidade contra as leis municipais e estaduais e contra a sua implementação. Além disso, há as articulações com o Ministério Público, nos âmbitos estadual e federal, para a defesa dos direitos sociais garantidos por meio das políticas públicas. No entanto, os espaços dos conselhos, audiências públicas e conferências não devem ser abandonados como espaços de lutas e disputas de propostas para dirigir as políticas públicas. Eles devem ser tensionados com ações e ferra- mentas a favor da garantia de direitos sociais e do controle social democrático. Como exemplo na área da saúde, Bravo e Correia (2012) destacam que, diante das cooptações e disputas de diferentes agendas para a política de saúde nos conselhos, o que têm levado a retrocessos na efetivação do controlesocial democrático, foi criada a Frente Nacional contra a Privatização da Saúde no ano de 2010. A partir da articulação de alguns fóruns locais de saúde, a Frente Nacional tem se posicionado em defesa da qualidade dos serviços ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e da construção de uma nova hegemonia no campo da saúde, que reafirme o caráter público e estatal desse serviço. Desde a criação da Frente Nacional, inúmeras ações já foram realizadas. No campo jurídico, os fóruns locais de saúde e a Frente Nacional contra a Privatização da Saúde têm atuado por meio de articulações com o Ministério Público. Eles investem em ações civis públicas e ações diretas de inconstitu- cionalidade contra as leis municipais e estaduais que ferem o direito à saúde. A partir dessa articulação, foi construída uma ação direta de inconstitucionalidade contrária à lei que criou as Organizações Sociais (OSs). As OSs são instituições do setor privado, sem fins lucrativos, que gerenciam as unidades de saúde pública por meio de repasse de recursos públicos e que vêm corroborando com a privatização da saúde. No âmbito do parlamento, os fóruns locais têm feito articulações com parlamentares na tentativa de impedir a aprovação dos projetos de lei nas câmaras de vereadores e nas assembleias legislativas. Outra estratégia dos fóruns locais e da Frente Nacional é produzir material (como boletins, informes e dossiês de violações de direitos) para os meios de comunicação de partidos, sindicatos e órgãos de imprensa formais a fim de divulgar suas ações, bem como de formar a opinião pública sobre a privatização da saúde pública. 9Descentralização político-administrativa e controle social A partir dessa discussão, percebe-se que o modelo de gestão participativa e descentralizada no Brasil tem enfrentado grandes dificuldades. No entanto, é fundamental reafirmar a importância dos conselhos, das conferências, das audiências públicas e de todos os espaços de participação e controle social como arenas de visibilidade dos cidadãos organizados, nas quais eles interagem com representantes dos poderes constituídos. Essas arenas têm inúmeras potencialidades, podendo se constituir em mecanismos de participação e controle social para a democratização do espaço público e para a mudança da cultura política dominante ao longo da história brasileira, pautada no favor, no patrimonialismo, no clientelismo e no popu- lismo. De acordo com Dagnino (2002), é um equívoco atribuir aos espaços de participação da sociedade o papel de agentes fundamentais na transformação do Estado e da sociedade, pois eles têm de ser visualizados como uma das inúmeras arenas em que se trava a disputa de poder no País. Nesse sentido, é importante considerar não só os limites, mas também as possibilidades desses espaços, que dependem do nível de organização da sociedade civil e da cultura política de cada estado e município. Esses espaços também dependem da atuação de profissionais ou entidades profissionais comprometidas com a democracia, como o serviço social, que possam prestar assessoria à população para que ela atue em busca da garantia de direitos. Além disso, é importante a articulação da sociedade para acionar instrumen- tos e estratégias como forma de pressionar o poder público a fazer valer os direitos sociais. Utilize o seu site de buscas preferido para encontrar o artigo “A participação da sociedade civil no Conselho Municipal de Assistência Social: o desafio de uma representação democrática”, de Leonia Capaverde Bulla e Maria Laci Moura Leal. Esse texto mostra como os conselhos podem ser importantes instrumentos de participação democrática e aponta para os limites e desafios da participação nesses espaços. O estudo ressalta que os conselhos devem criar canais de interlocução permanente com os segmentos representados e que devem pautar as suas intervenções pela defesa de interesses coletivos, e não de interesses particulares. Descentralização político-administrativa e controle social10 ARRETCHE, M. T. S. Políticas sociais no Brasil: descentralização em um Estado federativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 14, n. 40, p. 111–141, 1999. BRAVO, M. I. S. O trabalho do assistente social nas instâncias públicas de controle democrático. In: CFESS; ABEPSS. Serviço social: direitos sociais e competências profis- sionais. Brasília: CFESS, 2009. BRAVO, M. I. S; CORREIA, M. V. C. Desafios do controle social na atualidade. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 109, p. 126–150, 2012. DAGNINO, E. (org.). Os anos 90: política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994. DAGNINO, E. Sociedade civil, espaços públicos e construção democrática no brasil: limites e possibilidades. In: DAGNINO, E. (org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002. GOHN, M. G. Os conselhos municipais e a gestão urbana. In: SANTOS JUNIOR, O. A.; RIBEIRO, L. C. Q.; AZEVEDO, S. Governança democrática e poder local: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 2008. RAICHELIS, R. Democratizar a gestão das políticas sociais: um desafio a ser enfrentado pela sociedade civil. In: MOTA, A. E. et al. (ed.). Serviço social e saúde: formação e trabalho profissional. São Paulo: Cortez, 2006. TATAGIBA, L. Os conselhos gestores e a democratização das políticas públicas no Brasil. In: DAGNINO, E. (org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002. 11Descentralização político-administrativa e controle social QUESTÃO SOCIAL, DIREITOS HUMANOS E DIVERSIDADE Anderson Barbosa Scheifler Democracia, políticas públicas e controle da pobreza Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir democracia, políticas públicas e pobreza. Descrever mecanismos de controle social sobre as políticas públicas e das políticas públicas sobre a pobreza. Reconhecer as políticas públicas como mecanismo de materialização dos direitos e o controle social como expressão da democracia. Introdução Neste capítulo, você vai estudar os processos históricos que levaram ao surgimento da democracia e conhecer suas principais formas de organização ao longo dos tempos. Também vai ver alguns conceitos relacionados às políticas públicas e sociais. Além disso, você vai verificar a importância dos sistemas democráticos de governo para a aplicação dessas políticas. Nesse sentido, o Estado pode assumir posturas tanto de combate como de desresponsabilização. Você ainda vai conhecer alguns conceitos relativos ao controle social. Por fim, vai ver como esses conceitos se relacionam com algumas políticas públicas de combate às desigualdades sociais, que são uma forma de concretização do processo democrático em uma sociedade. Democracia, políticas sociais e pobreza O conceito moderno de Estado democrático tem origem no século XVIII. De acordo com esse conceito, o Estado deve aplicar determinados valores que são fundamentais para o bom andamento das engrenagens sociais e para o bom convívio humano. Assim, ele deve ser organizado e trabalhar na tutela desses valores. Para entender a ideia de Estado democrático, você deve conhecer seus princípios implícitos, verifi car os meios utilizados para a sua aplicação e as consequências surgidas dessa aplicação, até mesmo como análise da viabilidade ou não desse modelo. A palavra “democracia” vem do termo grego demokratía, que é composto por demos (povo) e kratos (poder). Ou seja, a base do conceito de Estado democrático é a noção de “governo do povo”. Portanto, é necessário analisar como esse modelo se consolidou e que instituições surgiram pela efetivação desse tipo de governo. Nesse percurso histórico, três modelos compõem os princípios básicos da democracia: a democracia direta; a democracia indireta; e a democracia representativa semidireta do século XX. A Grécia Antiga é o berço da democracia direta. Maisprecisamente em Atenas, o povo reunia-se em praça pública para a execução direta e imediata do poder político. Nesse período, a democracia era tida como objeto de devoção do povo, que dedicava a sua vida à coisa pública, priorizando as questões do Estado até mesmo em detrimento de sua vida privada. Cada cidade mantinha um sistema democrático próprio e tratava com orgulho sua ágora, praça onde os cidadãos se reuniam para celebrar o exercício político daquela cidade. Esta fazia o papel do parlamento dos tempos modernos. A crítica dos pensadores modernos ao sistema democrático dos gregos é que este, na realidade, era uma aristocracia democrática. Afinal, os escravos, que eram esmagadora maioria, não tinham direito de participação política. Essa base social escrava permitia ao homem livre dedicar-se inteiramente aos negócios públicos, não possuindo preocupações materiais. O homem econômico contemporâneo corresponde ao homem político daquela época (BONAVIDES, 2011). Essa distinção entre homens talvez represente a maior divergência entre a ideia moderna de democracia e aquela da Grécia Antiga. Sobre isso, Dallari (2014, p. 146) afirma: No livro III de A Política, Aristóteles faz a classificação dos governos, di- zendo que o governo pode caber a um só indivíduo, a um grupo, ou a todo o povo. Mas ele próprio já esclarecera que o nome de cidadão só se deveria dar com propriedade àqueles que tivessem parte na autoridade deliberativa e na autoridade judiciária. E diz taxativamente que a cidade-modelo não deverá jamais admitir o artesão no número de seus cidadãos. Isto porque a virtude política, que é a sabedoria para mandar e obedecer, só pertence àqueles que não têm necessidade de trabalhar para viver, não sendo possível praticar-se a virtude quando se leva a vida de artesão ou de mercenário. Esclarece, fi- Democracia, políticas públicas e controle da pobreza2 nalmente, que em alguns Estados havia-se adotado orientação mais liberal, quanto à concessão do título de cidadão, mas que isso fora feito em situações de emergência, para remediar a falta de verdadeiros e legítimos cidadãos. A regra, entretanto, era a restrição que em alguns lugares era bastante rigorosa [...]. Como se vê claramente, essa ideia restrita de povo não poderia estar presente na concepção de democracia do século XVIII, quando a burguesia, economicamente poderosa, estava às vésperas de suplantar a monarquia e a nobreza no domínio do poder público. Após a democracia direta da Grécia Antiga, surge a democracia indi- reta nos tempos modernos, que tem por característica a presença do sistema representativo. Antigos pensadores, como Montesquieu, diziam que o povo era excelente para escolher, mas péssimo para governar. Assim, necessitava de representantes que decidissem e desejassem em nome dele. O povo, no entanto, não era o real argumento que tornaria inviável de forma prática o antigo sistema grego de representação direta. O Estado moderno não era mais a cidade-estado de outros tempos, e sim um Estado-nação, de caráter unificador e com a missão de legislar todas as institui- ções sociais que agora estavam alocadas em uma ampla base territorial. A ideia de um corpo de cidadãos congregados em praça pública para administrar as leis do Estado tornara-se impraticável nessa época. Bonavides (2011) afirma que o homem da democracia direta, grego, era integralmente um homem político, ao contrário do homem do Estado moderno, que era apenas acessoriamente político. Assim, o homem, perante as esferas políticas, deixa de ser sujeito ou pessoa, tornando-se objeto da organização política e social vigente. Veja: Dizia Rousseau, criticando a democracia indireta ou representativa, que o homem da democracia moderna só é livre quando vai às urnas depositar seu voto. Para os opositores do filósofo contratualista, uma verdade fica patente: não há fugir ao imperativo de representação, porquanto, no contrário, não haveria nenhum governo apoiando no consentimento, tomando-se em conta a complexidade social, a extensão e a densidade demográfica do Estado moderno, fatores estes que embaraçam irremediavelmente o exercício da democracia direta (BONAVIDES, 2011, p. 274). Bonavides (2011) destaca que as principais características da democracia indireta ocidental são: a soberania popular como fonte de todo poder legítimo; o sufrágio universal e a pluralidade de candidatos e partidos; a igualdade de todos perante a lei; 3Democracia, políticas públicas e controle da pobreza a limitação de poder dos governantes; a adesão aos princípios da fraternidade social; a liberdade de opinião, de reunião, de associação e de fé religiosa; a defesa de um Estado de Direito com a proteção da ordem jurídica; a temporalidade dos mandatos; a defesa e a garantia de direitos das minorias políticas e sociais, com incentivo à representação destes indivíduos na busca pela redução das desigualdades sociais (talvez a mais importante das características). Avançando historicamente, há a democracia representativa semidireta do século XX. Ela se proliferou nas primeiras três décadas deste século, gozando de grande prestígio, em especial no continente europeu. Tendo a Suíça como berço tradicional, esse modelo espalhou-se por todo o continente europeu e pela América do Norte. Assumindo características e peculiaridades em cada Estado, a democracia representativa semidireta seguiu avançando até a Segunda Guerra Mundial. Nesse período, ocorreu um movimento de transposição do poder para os partidos políticos, que se tornaram depositários da esperança e da fantasia de uma sociedade melhor. Assim, as forças democráticas deixam de pertencer ao povo como massa numérica e mandatário direto do exercício plebiscitário e passam a ser do povo organizado, que se concretiza por meio dos partidos políticos. Ocorre, assim, [...] o declínio da democracia semidireta, que foi, segundo dizem, um grau qualitativo apreciável no processo de dinamização e amadurecimento dos princípios de organização democrática, volvidos porém à impotência, na for- ma ainda há pouco adotada, face a prementes necessidades contemporâneas, impostas pela nova e profunda revolução da ciência e da técnica, inspirando a máxima racionalização do poder, até mesmo do poder democrático (BO- NAVIDES, 2011, p. 276). Deste movimento, então, surge uma descrença generalizada nos partidos políticos, o que resulta em algumas iniciativas que incentivam a participação popular. A Constituição brasileira de 1988, em seu art. 14, por exemplo, faz referência à prática de plebiscito, referendo e iniciativa popular. Como você sabe, no entanto, essas práticas no Brasil não são efetivas. Raras são as ini- ciativas que culminaram nessas formas de participação popular no País. De 1993 a 2014, foram realizados três plebiscitos e dois referendos no Brasil. Destes, somente um plebiscito e um referendo realizaram-se a nível nacional. A democracia, no geral, é, portanto, um sistema político em que cidadãos elegem seus representantes para gerir os interesses de determinada sociedade Democracia, políticas públicas e controle da pobreza4 ou nação. Uma das principais atribuições desses representantes eleitos é a elaboração, a execução e o monitoramento de políticas públicas de interesse social. As políticas públicas ou sociais são, então, parte do processo estatal de alocação e distribuição de recursos, mediando valores e interesses de grupos e classes distintas. Seu objeto é a realocação de recursos públicos obtidos por meio da tributação. Eis aqui o ponto crucial: de um lado estão os interesses do mercado e do grande capital, que prezam por uma política social mínima de pouca ou nula intervenção estatal; de outro, uma população em grande parte empobrecida que é reflexo do processo de acumulação capitalista e que necessita de polí- ticas sociais para a garantia de suas necessidades básicas de subsistência. As políticas sociais são, portanto, reflexoda política de relações econômicas. Elas são determinadas pelas opções políticas dos representantes eleitos. Veja: A política social intervém no hiato derivado dos desequilíbrios na distribuição em favor da acumulação e em detrimento da satisfação das necessidades sociais básicas, assim como na promoção da igualdade. A ação social do Estado diz respeito tanto à promoção da justiça social, quanto ao combate à miséria, embora sejam objetivos distintos. No primeiro caso, a busca da equidade se faz, comumente, sob a forma da garantia e da promoção dos direitos sociais da cidadania. No segundo, a intervenção do Estado se localiza, sobretudo, no campo definido por escolhas políticas quanto ao modo e ao grau de correção de desequilíbrios sociais, através de mudanças setoriais e reformas estruturais baseadas em critérios de necessidade (ABRANCHES, 1998, p. 11). Políticas públicas ou políticas sociais são, então, um instrumento de combate à pobreza e de nivelamento social. É por meio do compromisso político de determinado Estado que se pode observar se essa política será uma política social de ruptura, que visa à emancipação dos sujeitos, ou de viés assistencia- lista, que tem como finalidade somente mascarar as mazelas sociais, mantendo o status quo efetivado. A política social tida como obrigação permanente do Estado tem duas faces: a política, enquanto garantia de padrões mínimos de vida; e a política de redução da pobreza, que objetiva retirar os indivíduos da condição de miséria total, em que são impedidos de obter os recursos mínimos à sua sobrevivência. A política de combate à pobreza estrutural tem por finalidade eliminar a miséria e a destituição de bens ou direitos em um espaço de tempo limitado, ainda que por vezes prolongado. Você pode tomar o programa Bolsa Família como exemplo. Ele tem como objetivo incorporar os indivíduos ao meio social, compensando as carências que comprometem a sua vida e a sua sanidade. 5Democracia, políticas públicas e controle da pobreza Essa política é formulada por equipes multidisciplinares que atuam no campo social, preferencialmente com aval e participação dos usuários assistidos, e combinam ações sociais compensatórias e permanentes. Ela é executada pelo Estado e possui identidade e estratégias próprias (ABRANCHES, 1998). Existem vários índices que buscam definir uma situação de pobreza ou pobreza extrema. Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), uma pessoa pobre é aquela que não tem dinheiro para garantir uma refeição que forneça 1.750 calorias por dia. Para a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), o índice é um pouco maior. Para essa agência regional, o limite seria uma dieta de 2.200 calorias diárias. Para a Organização das Nações Unidas (ONU), uma pessoa pobre é aquela que tem uma renda equivalente a US$ 1,25 por dia ou cerca de R$ 2,00. Para a União Europeia, uma pessoa pode ser considerada pobre quando ganha 60% da renda média do país. Na Dinamarca, uma pessoa pobre é aquela possui uma renda igual ou inferior a R$ 2.500,00 (BEZERRA, 2018). Controle social e a expressão da democracia A Constituição Federal de 1988 estabelece algumas estratégias de participa- ção e controle social no âmbito das políticas públicas. Entre elas, você pode considerar o plebiscito, o referendo, a iniciativa popular para a elaboração de projetos, as conferências e a criação dos conselhos de direitos. As conferências são espaços democráticos, encontros com ampla participação social. Nelas, se reúnem gestores, trabalhadores e usuários de determinada política que têm por objetivo refl etir sobre as práticas utilizadas e gerar novas contribuições. Após a realização da conferência, os assuntos tratados são sistematizados com a fi nalidade de contribuir para a melhoria da temática em questão e para a elaboração de programas e projetos de interesse público. Sobre isso, considere o seguinte: A Constituição Federal de 1988 consagrou o princípio da participação social como forma de afirmação da democracia. Desde então houve uma proliferação de formas e instâncias de participação em todos os níveis da Federação, cumprindo o papel de verdadeiras arenas públicas, lugares de encontro entre sociedade e Estado. De 1941 a 2013 foram realizadas 138 conferências nacionais, das quais 97 aconteceram entre 2003 e 2013, abran- gendo mais de 43 áreas setoriais nas esferas municipal, regional, estadual e Democracia, políticas públicas e controle da pobreza6 nacional. Aproximadamente nove milhões de pessoas participaram do debate sobre propostas para as políticas públicas — desde as etapas municipais, livres, regionais, estaduais até a etapa nacional. As etapas preparatórias (municipais, territoriais, temáticas) são momentos importantes e ricos no processo de uma conferência. É nelas que o debate se intensifica, tanto nos temas nacionais como nos locais, proporcionando ao cidadão oportunida- de de propor soluções para os problemas da sua cidade, estado e do país (BRASIL, 2018, documento on-line). Outra importante ferramenta de participação e controle social são os con- selhos de direitos. Eles são formados por integrantes da sociedade civil que, juntamente ao poder público, têm por objetivo elaborar, executar e fiscalizar políticas sociais em determinados segmentos da sociedade. Os conselhos caracterizam-se pela atuação em áreas estratégicas que demandam o controle social, objetivando a garantia de direitos e a criação de políticas de proteção, inclusão e emancipação dos sujeitos ou da temática. Eles possuem composição paritária. São formados por representantes da sociedade civil e do governo, com finalidade deliberativa. A ideia é trabalhar na mediação das relações contraditórias da sociedade. Você pode considerar, por exemplo, os conselhos que atuam nas áreas de saúde, assistência social, infância e adolescência, terceira idade, educação, meio ambiente e outros. O controle social pode ser entendido como a participação do cidadão na ges- tão pública, fiscalizando, monitorando e controlando as ações da Administração Pública. Ele é um importante mecanismo de fortalecimento da cidadania, que contribui para aproximar a sociedade do Estado, criando a oportunidade de os cidadãos acompanharem as ações dos governos e cobrarem uma boa gestão pública (MEDEIROS, 2015). Os conselhos de direitos são compreendidos como mecanismos de par- ticipação social e controle que possibilitam a atuação de sujeitos políticos coletivos. São considerados espaços privilegiados de participação e delibe- ração da democracia. A participação de diferentes sujeitos, com histórias e demandas distintas, possibilita a discussão sobre demandas públicas que remetem à reflexão sobre a importância do debate democrático. Isso permite a redistribuição do poder decisório entre os diferentes indivíduos. 7Democracia, políticas públicas e controle da pobreza Assim, os conselhos permitem a representatividade de classes com vistas ao atendimento das necessidades oriundas do segmento social representado por eles. Cabe destacar que o surgimento dos conselhos possibilitou a repre- sentação direta da sociedade nas decisões políticas, ampliando o controle social da gestão pública e fortalecendo o Estado Democrático de Direito. O art. 204 da Constituição Federal de 1988 demonstra a preocupação do constituinte com esse tipo de problemática e institui os conselhos municipais, órgãos de representatividade, como forma de descentralização da gestão pú- blica. A ideia é aumentar o controle e a participação social nas administrações e reduzir os índices de desigualdade social. Veja: Art. 204. As ações governamentais na área da assistência social serão rea- lizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes: I — descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esferafederal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; II — participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis (BRASIL, 1988, documento on-line). Os conselhos, apesar de não serem órgãos governamentais, organizam-se de forma autônoma, com estruturas jurídicas próprias. É obrigação do mu- nicípio fomentar e, acima de tudo, garantir o funcionamento desses espaços. Além disso, é dever do ente público municipal promover a descentralização do poder, fomentando a elaboração de projetos que visem à criação desses espaços deliberativos, propositivos e fiscalizadores, a fim de que se tornem órgões permanentes de participação nas decisões políticas. Políticas públicas e a materialização dos direitos sociais O plebiscito, o referendo, a iniciativa popular e os conselhos são alguns exem- plos de mecanismos de participação popular e controle social existentes na sociedade. Assim, cabe refl etir sobre o papel desses instrumentos e a relação deles com as políticas públicas e sociais que se materializam para garantir direitos e combater desigualdades sociais. Democracia, políticas públicas e controle da pobreza8 O debate sobre políticas públicas ou sociais tem como norte a busca por estratégias de superação que contribuam para uma sociedade mais justa e menos desigual. As relações de luta que surgem em meio a esse debate são historicamente mais fortes e organizadas junto às classes sociais dominantes. Não por acaso, estas são as detentoras do poder e, na maioria das vezes, representantes do Estado. Zitkoski (2000) afirma que o rompimento desses processos deve ocorrer a partir do empoderamento político dos oprimidos, para a desestruturação do sistema social vigente em busca de uma nova sociedade mais humana e digna para todos. A tomada de consciência de que as políticas públicas e o acesso a bens e serviços são direitos deve ser o “impulso fundante desta utopia”. Assim: A utopia política de libertação dos oprimidos, que historicamente têm sofrido as consequências das práticas políticas alienantes promovidas pela elite domi- nante, é o ponto de partida para fundamentar um novo projeto de sociedade enquanto superação da atual realidade sociocultural. Dos seres humanos que estão à margem das estruturas fundantes do sistema social opressor é que se pode esperar a alternativa e/ou o novo na história (ZITKOSKI, 2000, p. 223). Em uma sociedade globalizada, hegemonicamente capitalista, predomina uma cultura individualista nos sujeitos e nas classes sociais. Tal cultura pode ser transpassada ou mediada com a implantação de políticas públicas ou so- ciais. Políticas públicas, de acordo com a perspectiva marxista, são produto do desenvolvimento capitalista resultante do processo de acumulação do capital e de suas contradições. O Estado, nesse sentido, assume um papel de mediador dessas relações e tem nessas políticas uma importante ferramenta de trabalho para suprir as necessidades básicas da população. O Brasil teve, nas últimas décadas, um relativo avanço no que se refere à implantação de políticas públicas em diversas áreas. Você pode considerar, por exemplo, o Programa Universidade para Todos (PROUNI). O programa governamental, instituído no ano de 2004 e implementado em 2005, traz hoje resultados sólidos para a democratização do acesso ao ensino superior no Brasil. Até 2013, o programa já havia concedido mais de 1 milhão de bolsas de estudos, sendo 70% delas na modalidade integral, promovendo o acesso ao ensino superior para as populações de baixa renda. Pode-se dizer que esse programa proporcionou o surgimento de um novo público de estudantes universitários no Brasil. Os programas de inclusão social, entre eles aqueles que promovem o acesso ao ensino superior, estão inserindo, pela primeira vez na história do País, jovens e adultos de todas as raças e 9Democracia, políticas públicas e controle da pobreza condições sociais no ensino superior. Esses estudantes dividem espaço com as elites que sempre utilizaram esse “privilégio” como forma de dominação e manutenção do status quo. Com isso, já se obtém uma transformação imediata na vida dessa população, tanto de suas condições socioeconômicas quanto de suas condições culturais. O PROUNI, assim como outros programas executores de políticas públicas, possui mecanismos de controle e acompanhamento. Nesse sentido, por meio da Portaria nº. 1.132, de 2 de dezembro de 2009, o Ministério da Educação instituiu as Comissões Locais de Acompanhamento e Controle Social do PROUNI (COLAPs). Elas têm como finalidade articular a relação das institui- ções de ensino conveniadas com a Comissão Nacional de Acompanhamento e Controle Social (CONAP). Veja: Art. 2º. Compete às Comissões Locais: I — exercer o acompanhamento, averiguação e fiscalização da implemen- tação do PROUNI nas Instituições de Ensino Superior (IES) participantes do Programa; II — interagir com a comunidade acadêmica e com as organizações da so- ciedade civil, recebendo reclamações, denúncias, críticas e sugestões para apresentação, se for o caso, à Comissão Nacional de Acompanhamento e Controle Social do PROUNI — CONAP; III — emitir, a cada processo seletivo, relatório de acompanhamento do PROUNI; e IV — fornecer informações sobre o PROUNI à CONAP (BRASIL, 2009, documento on-line). Essa, portanto, é uma estratégia de promoção da democracia no que tange ao controle social das políticas. Afinal, as COLAPs são compostas por integrantes dos corpos docente (professores) e discente (alunos bolsistas), pela direção e por integrantes da sociedade civil, todos com seu respectivo suplente devidamente eleito por seus pares em processo direto de escolha, que deve ser amplamente divulgado pelas instituições de ensino. Os inte- grantes da comissão não possuem remuneração. Sua atuação é considerada uma função de relevante interesse social. Os mandatos são temporários, possuindo caráter consultivo. Ainda sobre políticas relacionadas à educação superior, você pode consi- derar a Lei nº. 12.711, de 2012, que institui a previsão de cotas para estudantes de baixa renda, egressos de escolas públicas, bem como para autodeclarados pretos, pardos e indígenas e para pessoas com deficiência. O Programa de Fi- Democracia, políticas públicas e controle da pobreza10 nanciamento Estudantil (FIES), instituído pela Lei nº. 10.260, de 2001, também facilitou o acesso ao ensino superior em instituições privadas e comunitárias. Com relação à moradia, se destaca o programa Minha Casa, Minha Vida, criado pela Lei nº. 11.977 e alterado pela Lei nº. 12.424, de 2011, e pela Lei nº. 13.173, de 2015. O programa tem por objetivo criar mecanismos de incentivo à construção e à aquisição de imóveis em áreas urbanas para famílias de baixa renda. Por fim, se destaca aquele que talvez seja o maior programa de distribuição de renda já criado no País. Instituído em 2003, o programa Bolsa Família, em seus primeiros 15 anos de existência, atingiu a marca de 14 milhões de famílias beneficiadas. Isso compreende cerca de 50 milhões de pessoas, ou seja, um quarto da população brasileira. Ao longo dos anos, o programa aumentou significativamente o número de beneficiados, partindo de 3,6 milhões de famílias em 2003 e ultrapassando a casa dos 11 milhões em 2006. Após isso, ocorreu uma estabilização nesses números, com um crescimento desacelerado, alcançando a faixa de 13,7 milhões em 2012 e mantendo essa média até o ano final de 2015. Esses números demonstram a importância do Bolsa Família, que se insere como uma política de combate à pobreza estrutural do País. A democracia plena só pode ser alcançada quando o critério primordial das práticas políticas for a busca pela formação ampla de cidadãos. Para tal, o combate das expressões da Questão Social que se manifestam por meio da pobrezaestrutural e da pobreza cíclica torna-se pauta prioritária no fazer profissional do assistente social e em suas escolhas políticas. O combate ao desmonte do Estado e à redução dos direitos sociais e trabalhistas, conquistados com muito custo, deve ser uma preocupação constante dos profissionais de Serviço Social. Como você sabe, os assistentes sociais têm seu projeto ético- -político norteado pela busca da efetivação desses direitos e pelo combate à exclusão e à desigualdade social. Para saber mais sobre o trabalho do assistente social no Bolsa Família e sobre os desafios da execução desse programa perante o Código de Ética Profissional, leia o artigo disponível no link a seguir. https://goo.gl/uPCFqf 11Democracia, políticas públicas e controle da pobreza ABRANCHES, S. H. Política social e combate à pobreza: teoria da prática. In: ABRANCHES, S. H.; SANTOS, W. G.; COIMBRA, M. A. Política social e combate à pobreza. 4. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. BEZERRA, J. Pobreza no Brasil. 2018. Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/ pobreza-no-brasil/>. Acesso em: 16 out. 2018. BONAVIDES, P. Ciência política. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 16 out. 2018. BRASIL. Lei nº. 10.260, de 12 de julho de 2001. Dispõe sobre o Fundo de Financiamento ao estudante do Ensino Superior e dá outras providências. 2001. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LEIS_2001/L10260.htm>. Acesso em: 16 out. 2018. BRASIL. Lei nº. 11.977, de 7 de julho de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas; altera o Decreto-Lei nº. 3.365, de 21 de junho de 1941, as Leis nº. 4.380, de 21 de agosto de 1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 10.257, de 10 de julho de 2001, e a Medida Provisória no 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11977.htm>. Acesso em: 16 out. 2018. BRASIL. Lei nº. 12.424, de 16 de junho de 2011. Altera a Lei nº. 11.977, de 7 de julho de 2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida - PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas, as Leis nº. 10.188, de 12 de fevereiro de 2001, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 4.591, de 16 de dezembro de 1964, 8.212, de 24 de julho de 1991, e 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil; revoga dispositivos da Medida Provisória nº. 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. 2011. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12424.htm>. Acesso em: 16 out. 2018. BRASIL. Lei nº. 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universida- des federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2012/lei/l12711.htm>. Acesso em: 16 out. 2018. BRASIL. Lei nº. 13.173, de 21 de outubro de 2015. Dispõe sobre autorização para a realização de obras e serviços necessários ao fornecimento de energia elétrica temporária para os Jogos Rio 2016; altera as Leis nº. 11.473, de 10 de maio de 2007, que dispõe sobre cooperação federativa no âmbito da segurança pública, 11.977, de 7 de julho de 2009, Democracia, políticas públicas e controle da pobreza12 que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida e a regularização fundiária de assentamentos em áreas urbanas, 12.035, de 1o de outubro de 2009, que institui o Ato Olímpico, e 12.462, de 4 de agosto de 2011, que institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC); e revoga o art. 5o-A da Lei nº. 12.035, de 1º. de outubro de 2009. 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/ Lei/L13173.htm>. Acesso em: 16 out. 2018. BRASIL. Ministério de Estado da Educação. Portaria nº. 1.132, de 2 de dezembro de 2009. Dispõe sobre a instituição das Comissões Locais de Acompanhamento e Controle Social do Programa Universidade para Todos - PROUNI. 2009. Disponível em: <http:// prouniportal.mec.gov.br/images/pdf/Legislacao/portaria_1132_de_02122009_co- nap_compilada.pdf>. Acesso em: 16 out. 2018. BRASIL. Secretaria de Governo. Presidência da República. Conferências nacionais. 2018. Disponível em: <http://www.secretariadegoverno.gov.br/participacao-social>. Acesso em: 16 out. 2018. DALLARI, D. A. Elementos de teoria geral do estado. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. MEDEIROS, A. M. Controle social. 2015. Disponível em: <https://www.sabedoriapolitica. com.br/products/controle-social/>. Acesso em: 16 out. 2018. ZITKOSKI, J. J. Horizontes da refundação em educação popular. Frederico Westphalen: URI, 2000. Leituras recomendadas BRASIL. Lei nº. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ LEIS/L8742compilado.htm>. Acesso em: 16 out. 2018. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Norma Operacional Básica NOB/SUAS: construindo as bases para a implantação do sistema único de assistência social. 2005. Disponível em: <http:// www.assistenciasocial.al.gov.br/sala-de-imprensa/arquivos/NOB-SUAS.pdf>. Acesso em: 16 out. 2018. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Código de ética do/a Assistentes Sociais: Lei 8662/93. Brasília: CFESS, 1993. CARNELOSSI, B. O trabalho do assistente social no Programa Bolsa Família: desa- fios ao Código de Ética profissional. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 125, p. 124-147, Abr. 2016. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S0101-66282016000100124&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 16 out. 2018. 13Democracia, políticas públicas e controle da pobreza Conteúdo: POLÍTICAS SETORIAIS II Valquiria Viviani Rodrigues Backes Forster Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer a participação da sociedade civil na gestão pública a partir da Constituição Federal de 1988. Definir as competências e responsabilidades dos Conselhos de Direitos e dos Conselhos Tutelares. Analisar os desafios e potencialidades do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente e dos Conselhos Tutelares no Brasil. Introdução Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, também conhecida como Carta Magna, inaugurou-se uma nova etapa para a sociedade civil brasileira. Com esse documento, deixou-se de lado uma visão unilateral técnica e passou-se a dar a devida importância às decisões políticas nas quais a população deverá opinar. Nesse sentido, dois órgãos passaram a ter muito destaque e relevância: os Conselhos de Direitos e os Conselhos Tutelares. Neste capítulo, você vai analisar como a participação civil passou a ingressar na gestão pública a partir da Constituição Federal de 1988. Também vai aprender sobre as competências e responsabilidades que caracterizam os Conselhos de Direitos e os Conselhos Tutelares, analisando os seus desafios e suas potencialidades. Participação da sociedade civil na gestão pública a partir da Constituição Federal de 1988 A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) inaugurou para os cidadãos brasileiros a possibilidade da participação popular nas políticas públicas por meio das instâncias de deliberação e controle social. Podem ser considerados sua maior expressão os Conselhos de Direitos e os Conselhos de Controle Social de Políticas Públicas. Essa participação é apontada em diversos mo- mentos do Texto Constitucional, a exemplo do art. 1º, que, segundo Simões (2014, p. 106), pode ser assim interpretado:“[...] além da democracia repre- sentativa, assegurou o exercício do poder pelo povo, diretamente instituindo a democracia participativa”. A possibilidade/direito de participação popular na gestão pública, garantida pela Carta Magna, aponta para a importância das decisões conjuntas entre governo e sociedade civil, ultrapassando, assim, a visão unilateral técnica e dando a devida importância para as decisões políticas nas quais a população deverá opinar. Assim, a gestão pública passou a ter um caráter democrático. Após a promulgação da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), as primeiras legislações que apontaram para a construção de espaços demo- cráticos — que propiciam a participação popular e ampliam o controle social dos governos — foram: Lei nº. 8.080, de 19 de setembro de 1990 — que regulamenta o Sistema Único de Saúde e prevê a criação dos Conselhos Municipais de Saúde; Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990 — que trata do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e que definiu a formação dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente e dos Conselhos Tutelares; Lei nº. 8.742, de 7 de dezembro de 1993 — que regulamenta a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que, da mesma forma, prevê a criação dos Conselhos de Assistência Social. Depois dessa previsão, as demais políticas sociais públicas foram também instituindo os seus Conselhos de Direitos ou Conselhos de Controle Social, com o objetivo de promover a participação efetiva dos cidadãos em orçamentos, deliberações gerais e financiamento. Ao estabelecer a participação popular, a intenção da Constituição Federal de 1988 foi estimular os brasileiros a exercer a cidadania, quebrando os velhos paradigmas do regime ditatorial e atingindo, assim, um patamar democrático em que as decisões não ficam mais somente nas mãos dos governantes, mas passam a ter a efetiva participação da sociedade civil, ou seja, as decisões têm a influência daqueles que conhecem (pois vivenciam) as demandas reais dos cidadãos. Dessa forma, as decisões são legitimadas e respaldadas com maior proba- bilidade de efetividade. Essa possibilidade, no entanto, exige que os brasileiros Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares2 fiquem alertas e tomem os seus lugares ativamente nos mecanismos de controle social, especialmente nos Conselhos de Direitos e Conselhos de Controle de Políticas Públicas, para que, de tal modo, possam intervir em favor dos interesses coletivos. Contemporaneamente, há uma preocupação que toma largo espaço entre as categorias profissionais que têm base crítica, como é o caso do serviço social. Essa preocupação se refere à incipiência da participação popular, pois, embora muito se tenha avançado desde 1988, há ainda uma lacuna entre os espaços participativos e a condição educativa crítica de se participar. Isso porque ainda vivemos os resquícios do paternalismo, do autoritarismo, do clientelismo e da tutela, que podem influenciar negativamente os espaços participativos, muitas vezes ocupados por cidadãos com pouco ou nenhum conhecimento sobre a área em questão, o que faz desses cidadãos massa de manobra facilmente manipulável de acordo com os interesses em jogo. Essa ideia não deve, de maneira nenhuma, desqualificar a participação popular, mas deve servir de reflexão sobre o papel socioeducativo dos profissionais de serviço social, que devem participar ativamente da preparação para a participação da população, em especial, por meio dos movimentos sociais e dos conselhos. A participação popular está diretamente ligada ao princípio da descentra- lização administrativa, também apregoado pela Constituição Federal de 1988. A descentralização político-administrativa foi um grande avanço trazido pelo Texto Constitucional, pois, em um país com uma grande extensão territorial, como é o Brasil, a possibilidade de administrar as políticas sociais em nível local traz mais assertividade, eficiência, eficácia e efetividade nos resultados, haja vista o conhecimento e a compreensão das realidades e demandas de cada região e município. A descentralização deve ser concebida também como uma valorização do poder local e da participação popular; portanto, esse é um princípio que exige atenção dos profissionais, já que foi uma conquista para os brasileiros que deve ser estudada e valorizada. A descentralização político-administrativa contribui com a participação popular, uma vez que torna mais conhecidos os assuntos em debate. No en- tanto, o processo participativo só poderá atingir os objetivos para os quais foi proposto se a sociedade estiver efetivamente organizada. Para que isso aconteça, um amplo e democrático debate deve ser permanentemente posto, a partir do qual poderão ser estabelecidos as prioridades, os interesses cole- tivos e as agendas de interesse da sociedade, a exemplo de fóruns populares, conferências, associações e movimentos sociais que tenham como objetos de discussão a democratização e a consolidação da participação popular na Administração Pública. 3Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares É papel dos profissionais de serviço social se engajar, incentivar, propor e lutar pela efetivação da participação popular nos espaços já estabelecidos e, ainda, contribuir, junto à sociedade, com novos espaços democráticos de discussão e de fortalecimento dos interesses populares. Cabe também aos assistentes sociais a luta pela construção de espaços participativos que tenham efetivo poder de representar os interesses da sociedade, informando, orientando e criando espaços socioeducativos para incentivar a importância da participação popular. Competências e responsabilidades dos Conselhos de Direitos e dos Conselhos Tutelares O ECA, aprovado pela Lei nº. 8.069/1990 (BRASIL, 1990, documento on-line), defi ne, no art. 88, “[...] a criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos Direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais”. A partir do art. 131, o ECA dispõe também sobre o Conselho Tutelar, defi- nindo atribuições, competências, conselheiros, entre outras questões. Vamos abordar cada um desses órgãos individualmente a seguir. Essa separação será feita tão somente para facilitar o entendimento sobre o tema, pois suas ações estão intensamente imbrincadas e têm, em larga escala, o objetivo precípuo de proteger crianças e adolescentes brasileiros. Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente se assentam no modelo de conselhos participativos nas três esferas. No âmbito federal, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) tem a res- ponsabilidade de dinamizar, avaliar, incentivar, propor e deliberar sobre a implantação da política nacional de atendimento à infância e adolescência nas três esferas. No âmbito estadual, a luta pela garantia dos Direitos das crianças e dos adolescentes tem a força e o auxílio do Conselho Estadual dos Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares4 Direitos da Criança e do Adolescente. No âmbito municipal, respeitando a descentralização político-administrativa, os Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) fazem sua parte, agindo localmente em defesa da política de atendimento a essa população. De maneira geral, os Conselhos são órgãos de deliberação colegiada, permanentes e de composição paritária entre o governo e a sociedade civil. Sua função principal é formular políticas públicas de atendimento à infância e à adolescência, bem como defender a qualidade da execução daquelas já constituídas. São autônomos, mas ligados administrativamente ao respectivo Poder Executivo da esfera em que atuam. Cada esfera terá uma lei própria, que definirá a composição, a organização e a competência dos conselhos.Após a primeira formação, cada conselho aprovará um regimento interno, que definirá sua organização interna, seus fluxos de trabalho e as comissões ou câmaras técnicas que o comporão. Como mencionado, os Conselhos compõem a administração das três es- feras. Assim, dizer que os Conselhos são órgãos permanentes é afirmar que a Administração Pública não deverá existir sem eles. O número de conselheiros é paritário, o que significa que a sua composição será feita por 50% de conse- lheiros representantes do governo e outros 50% de conselheiros representantes da sociedade civil. Sempre que uma gestão do conselho está para se encerrar, novas indicações dos representantes do governo são feitas e novas eleições dos representantes da sociedade civil acontecem. Todas as decisões dos Con- selhos são colegiadas, devendo ser tomadas na coletividade, com votação dos conselheiros. Aí estão a força e o poder da participação popular, pois o voto dos representantes da sociedade tem o mesmo peso e valor que o voto dos representantes do governo. A função deliberativa dos Conselhos fixa as diretrizes para as ações do Poder Executivo, por isso, é imprescindível que a participação popular seja qualificada, com força política e conhecimento sobre as pautas relacionadas aos Direitos de crianças e adolescentes, pois, assim, o Conselho se torna mais forte e sua função vinculante passa a ser reconhecida e respeitada pelos Poderes Executivo e Legislativo. Sua função fiscalizadora e controladora tem o objetivo de auxiliar no processo de maior qualidade às políticas públicas ofertadas à população infantojuvenil. Nesse sentido, o Conselho age tanto nos serviços estatais quanto naqueles executados pelas organizações da sociedade civil (OSCs), antes chamadas de entidades. O regramento principal sobre o funcionamento dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescentes estão dispostos na Resolução Conanda nº. 116, 5Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares de 21 de junho de 2006, que alterou as resoluções anteriores, quais sejam: Resolução Conanda nº. 105, de 15 de junho de 2005, e a Resolução Conanda nº. 106, de 17 de novembro de 2005 (BRASIL, 2006). Ela reforça que é de responsabilidade dos Conselhos zelar pelo efetivo respeito aos princípios da prioridade absoluta à criança e ao adolescente. A referida resolução também incumbe ao Poder Público de cada uma das esferas que disponibilize recursos humanos e técnicos (secretaria executiva com profissional de nível superior, agente administrativo, motorista, entre outros) e estrutura física necessários ao bom e efetivo funcionamento do Conselho, garantindo sua função inin- terrupta. Esse é um pressuposto fundamental para a construção do seu papel político-institucional. O endereço em que a estrutura físico-administrativa do Conselho será montada deverá ser público e de fácil acesso para que a população possa visitá-lo e participar de seus atos. Quanto à composição dos Conselhos, o Conanda orienta que cada conse- lheiro deverá ter um suplente, para o caso de o titular ficar impossibilitado de participar de alguma deliberação. Os representantes do governo devem ser pessoas com conhecimento e atuação assimilatória à política de atendimento a crianças e adolescentes. Não deverão compor o Conselho as autoridades judiciária, legislativa e representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública com atuação no âmbito do ECA ou em exercício na Comarca, foro regional, distrital ou federal. A concepção do Conselho da Criança e do Adolescente está baseada em alguns princípios, que são (MPRP, 2018, documento on-line): Legalidade — os Conselhos somente poderão ser criados mediante lei específica para tal; além disso, é dos Conselhos a prerrogativa legal para tomar decisão na formulação, deliberação e controle da política relacionada aos Direitos da infância e da adolescência. Publicidade — exige que todos os seus atos sejam de conhecimento público, devendo, para isso, usar os instrumentos possíveis à disposição. Participação — foi garantida pela Carta Magna e deve ser defendida para a garantia do Estado Democrático de Direito. Exige responsabili- dade, conhecimento, postura política e eticamente alinhada com a luta pelos Direitos humanos de crianças e adolescentes. Autonomia — apesar de administrativamente ligados ao Poder Público, os Conselhos não estão a ele ou a qualquer Poder subordinados. Paridade — deve ser garantida com a igualdade de representatividade governamental e da sociedade civil. Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares6 Para explicitar a função dos Conselhos dos Direitos de Crianças e Adoles- centes, apresentamos a seguir suas principais funções e atribuições segundo o Ministério Público do Paraná (MPPR): a) acompanhar, monitorar e avaliar as políticas no seu âmbito; b) divulgar e promover as políticas e práticas bem-sucedidas; c) difundir junto à sociedade local a concepção de criança e adolescente como sujeitos de Direitos e pessoas em situação especial de desenvolvimento, e o paradigma da proteção integral como prioridade absoluta; d) conhecer a realidade de seu território e elaborar o seu plano de ação; e) definir prioridades de enfrentamento dos problemas mais urgentes; f) propor e acompanhar o reordenamento institucional, buscando o funcio- namento articulado em rede das estruturas públicas governamentais e das organizações da sociedade; g) promover e apoiar campanhas educativas sobre os Direitos da criança e do adolescente; h) propor a elaboração de estudos e pesquisas com vistas a promover, subsidiar e dar mais efetividade às políticas; i) participar e acompanhar a elaboração, aprovação e execução do PPA (Plano Plurianual), LDO (Lei de Diretrizes Orçamentária) e LOA (Lei Orçamentária Anual) locais e suas execuções, indicando modificações necessárias à con- secução dos objetivos da política dos Direitos da criança e do adolescente; j) gerir o Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente no sentido de definir a utilização dos respectivos recursos por meio de plano de aplicação [...]; k) acompanhar e oferecer subsídios na elaboração legislativa local relacionada à garantia dos Direitos da criança e do adolescente; l) fomentar a integração do Judiciário, Ministério Público, Defensoria e Segu- rança Pública na apuração dos casos de denúncias e reclamações formuladas por qualquer pessoa ou entidade que versem sobre ameaça ou violação de Direitos da criança e do adolescente; m) atuar como instância de apoio no nível local nos casos de petições, denúncias e reclamações formuladas por qualquer pessoa ou entidade, participando de audiências ou ainda promovendo denúncias públicas quando ocorrer ameaça ou violação de Direitos da criança e do adolescente, acolhendo-as e dando encaminhamento aos órgãos competentes; n) integrar-se com outros órgãos executores de políticas públicas direciona- das à criança e ao adolescente e demais Conselhos setoriais (MPPR, 2018, documento on-line). Como podemos ver, são muitas as atribuições dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente. Não pretendemos esgotá-las aqui, mas é essen- cial lembrar que a área do serviço social está diretamente ligada à luta pelos Direitos humanos, entre eles, os específicos a esse segmento, já apontado na legislação como prioritário. 7Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares As secretarias executivas dos Conselhos de Direitos e os Conselhos de Controle Social são um campo sócio-ocupacional de grande importância para os(as) assistentes sociais, no qual os profissionais podem executar assessoria técnica, que é uma das competências previstas para a categoria profissional segundo o Código de Ética dos Assistentes Sociais (BRASIL, 1993, documento on-line), conforme segue: Art. 4º Constituem competência do Assistente Social: [...] VIII — prestar assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, com relação às matériasrelacionadas no inciso II deste artigo; [...] IX — prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa dos Direitos civis, políticos e sociais da coletividade. Conselhos Tutelares O Conselho Tutelar foi criado pelo ECA em 1990 e está defi nido entre os arts. 131 ao 140 do ECA. Assim como os Conselhos de Direitos, eles são órgãos permanentes e autônomos que devem zelar pelo cumprimento dos Direitos de crianças e adolescentes. Estão administrativamente vinculados à estrutura orgânica dos municípios, no entanto, sua condição de autônomo garante a não subordinação ao Poder Executivo. É seu caráter autônomo que dá ao Conse- lho Tutelar também a possibilidade de tomar, em colegiado, as decisões que entender adequadas sobre matéria sob sua responsabilidade, ou seja, sobre os casos por ele atendidos, desde que respeitadas as legislações vigentes no País. O seu trabalho, apesar de autônomo, não se dá isolado dos demais integrantes do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, muito pelo contrário, deverá ser realizado em conjunto e simultaneamente, respeitadas as obrigações e competências de cada um dos atores que compõem o sistema (MPMR, 2018). A função de zelar pelo cumprimento dos Direitos da infância e da ado- lescência exige que o Conselho Tutelar proteja, vigie e envide esforços para que aqueles que têm a função de executar ações da política de atendimento a crianças e adolescentes o façam com prioridade e garantam o bom atendimento a essa população. Nesse trabalho, o Conselho Tutelar deve comparar se o Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares8 realizado no município está condizente com o estabelecido no ECA e demais legislações; no caso de algum desvio, o Conselho Tutelar deverá tomar as providências cabidas, as quais também constam no ECA. O ECA indica que, em cada município, deverá haver, no mínimo, um Conselho Tutelar, ou seja, o Poder Público não poderá escolher instituir ou não o Conselho Tutelar, pois se trata de determinação legal. Sua composição será de cinco conselheiros, que deverão ser escolhidos pela população local para um mandato de 4 anos. Essa composição também não é de livre escolha do governo, não devendo haver nem mais e nem menos conselheiros do que o proposto no art. 132 do ECA. Para candidatar-se a membro do Conselho Tutelar, o cidadão deverá cumprir, no mínimo, as seguintes exigências (BRASIL, 1990): ter reconhecida idoneidade moral; ter idade superior a 21 anos; residir no município para o qual está aberta a vaga. O art. 136 do ECA define as atribuições do Conselho Tutelar, de acordo com o MPPR: 1. Atender crianças e adolescentes e aplicar medidas de proteção. 2. Atender e aconselhar os pais ou responsável e aplicar medidas pertinentes previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. 3. Promover a execução de suas decisões, podendo requisitar serviços públicos e entrar na Justiça quando alguém, injustificadamente, descumprir suas decisões. 4. Levar ao conhecimento do Ministério Público fatos que o Estatuto tenha como infração administrativa ou penal. 5. Encaminhar à Justiça os casos que a ela são pertinentes. 6. Tomar providências para que sejam cumpridas as medidas socioeducativas aplicadas pela Justiça a adolescentes infratores. 7. Expedir notificações em casos de sua competência. 8. Requisitar certidões de nascimento e de óbito de crianças e adolescentes, quando necessário. 9. Assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamen- taria para planos e programas de atendimento dos Direitos da criança e do adolescente. 10. Entrar na Justiça, em nome das pessoas e das famílias, para que estas se defendam de programas de rádio e televisão que contrariem princípios constitucionais bem como de propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. 11. Levar ao Ministério Público casos que demandam ações judiciais de perda ou suspensão do pátrio poder. 12. Fiscalizar as entidades governamentais e não-governamentais que executem programas de proteção e socioeducativos (BRASIL, 1990, documento on-line). 9Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares Como podemos observar, o papel do Conselho Tutelar é de enorme abran- gência, de modo que é preciso debruçar-se sobre cada uma das atribuições para melhor compreender sua atuação. Atender crianças e adolescentes refere-se a ouvir atenta e respeitosamente queixas, relatos de fatos ou situações de violação ou ameaça de violação dos Direitos de crianças e adolescentes, que podem ocorrer por ação ou omissão do Estado e da sociedade, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis ou, ainda, por sua própria conduta. No que se refere a atender e aconselhar os pais ou responsáveis, precisamos lembrar que a família é a primeira instituição responsável por proteger as crianças e adolescentes e que, quando não consegue exercer seu papel protetor e provedor dos mínimos necessários, deve ser auxiliada pelo Estado. Como visto, o Conselho Tutelar não é um órgão executor e, sim, zelador dos Direitos. Dessa forma, deverá requisitar ao Poder Público ou às OSCs que prestam atendimento nessa área que atendam às suas deliberações. Caso não sejam cumpridas, deverão ser levadas ao conhecimento da autoridade judiciária, que dará o encaminhamento adequado, podendo resultar em responsabilização dos responsáveis pelo não atendimento da requisição. Da mesma maneira, o Conselho Tutelar deverá encaminhar à Justiça os casos relacionados à infância e à adolescência que apresentem conflitos de interesses ou questões litigiosas, como, por exemplo, destituição do poder familiar, adoção, tutela, guarda e casos em que, supostamente, adolescentes estejam envolvidos com ato infra- cional (atualmente chamados de adolescentes em conflito com a lei). Neste último caso, havendo a aplicação pela justiça das medidas protetivas a esses adolescentes, cabe ao Conselho Tutelar, ainda, acionar pais ou responsáveis e serviços públicos para atendimento do adolescente, assim como encaminhá-lo para cumprimento da medida, acompanhar e controlar sua execução, além de manter o Poder Judiciário informado. Nos casos de fatos que geram consequências jurídicas apontadas pelo ECA, o Conselho Tutelar deverá levar oficialmente a notícia aos responsáveis pela criança ou adolescente ou pelo serviço requisitado, a exemplo da notificação sobre determinações realizadas pelos conselheiros sobre matrícula escolar, vacinação ou quaisquer outros casos requisitados. As atribuições aqui expostas não encerram as que estão sob a responsabi- lidade do Conselho Tutelar. Assim, é importante estudar mais sobre o tema, buscando informações, inclusive, relativas ao Conselho Tutelar municipal. Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares10 Desafios e potencialidades dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente e dos Conselhos Tutelares O trabalho do Conselho Tutelar e do CMDCA está baseado no ECA, que é considerado uma ampla e extensiva legislação, reconhecida nacional e interna- cionalmente. Apresentaremos, a seguir, os principais desafi os colocados para os dois órgãos, chamando a atenção para o fato de que muitos deles atingem tanto o CMDCA quanto o Conselho Tutelar. Com o passar dos anos — afinal, o ECA data do ano de 1990 —, muito se avançou em termos da garantia da proteção integral de crianças e ado- lescentes no País. No entanto, ainda há muito que pode ser feito tanto pela sociedade quanto pelo Poder Público e, principalmente, pelos Conselhos. Como desafios da atualidade, podemos apontar a necessidade de difusão das regras do ECA, de modo que a população o conheça efetivamente e saiba interpretá-lo adequadamente, em especial, desmistificando concepções equivocadas. Conforme publicação do MPPR, também se configura como desafio con- temporâneo a necessidade de se “[...] fortalecer os Conselhos de Direitos, com o devido aparelhamento e “empoderamento”,para que tenham condições de formular as políticas públicas para a área, a partir de ações e projetos elaborados com fundamento em diagnóstico correto dos problemas existentes em cada município” (MPRP, 2018, documento on-line). A esse desafio, juntamos a dificuldade de uma participação popular qualificada nos processos de plane- jamento e decisão sobre a política de atendimento à infância e à adolescência, haja vista que, ainda hoje, encontramos conselheiros de Direitos e representantes da sociedade civil com pouco ou nenhum conhecimento sobre as legislações, políticas públicas e demandas da população em tela, o que prejudica sua representatividade. Dessa maneira, os CMDCAs são desafiados a fomentar, qualificar e estimular a participação popular. Para o CMDCA, ainda há o grande desafio de dar visibilidade e conseguir arrebanhar o respeito às suas deliberações, já que, mesmo havendo a obrigato- riedade da publicização dos seus atos, ainda há visível desconhecimento por parte da sociedade sobre as decisões e formulações de políticas desempenhadas pelos Conselhos, em especial, nos níveis locais. 11Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares A garantia de orçamento público que preveja os recursos necessários à im- plementação prioritária das políticas públicas para a infância também continua configurando-se como um desafio a ser enfrentado na atualidade. Junte-se a isso o fato de que a qualidade das ofertas existentes nem sempre condiz com a prioridade garantida pela legislação, desafiando o CMDCA e o Conselho Tutelar com a interposição de movimentos para o alcance da primazia e da qualidade no atendimento a crianças e adolescentes. Não podemos perder de vista que os desafios colocados aos Conselhos em tela estão postos também à sociedade e aos governos. Contemporaneamente, temos acompanhado os esforços envidados para o combate crescente do abuso sexual na internet. Para os Conselhos de Direitos, o desafio está em realizar campanhas educativas/informativas que orientem pais, responsáveis e a socie- dade como um todo para a prevenção dessa violência. Não é demais lembrar que cabe aos dois Conselhos em questão a defesa e a garantia dos Direitos da infância e da adolescência. Outro desafio posto aos Conselhos Tutelares é a luta por uma lei específica que organize seu trabalho para que se possa enfrentar e evitar situações impu- tadas, mas que não estão entre as atribuições dispostas no ECA. São equívocos na interpretação das atribuições dos Conselhos Tutelares: espera-se que o Conselho Tutelar faça a busca e a apreensão de crianças e adoles- centes ou de seus pertences, função exclusiva do oficial de justiça; busca-se no Conselho Tutelar autorização para que as crianças viagem ou desfilem, o que é função do Comissariado da Infância e Juventude; muitos acreditam que a guarda pode ser estabelecida pelo órgão, mas ela somente pode ser determinada pela autoridade judiciária. Outra demanda que diretamente afeta o Conselho Tutelar é a luta pela ga- rantia de condições adequadas para a realização do seu trabalho (espaço físico, remuneração justa, recursos humanos e materiais necessários). Essa situação vem sendo discutida em todo o País, inclusive sendo pauta no Congresso por meio da Frente Parlamentar em Defesa dos Conselhos Tutelares. Nesse mesmo sentido, tanto no Congresso Nacional quanto na Câmara dos Deputados, há centenas de Projetos de Lei (PLs) tramitando sobre as demandas dos Conselhos Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares12 Tutelares do País. Se adentrarmos no conteúdo dos PLs em trâmite, podemos perceber que há diversos desafios colocados a esse órgão, entre eles, a criação de uma Comissão Única no Senado que se debruce sobre os PLs em discussão de forma unificada, para que haja um avanço mais significativo, pois as demandas vêm sendo discutidas separada e morosamente. Para entendermos a razão pela qual existem tantos PLs relacionados ao Conselho Tutelar sendo propostos e analisados, é fundamental refletirmos que o ECA, que criou os Conselhos Tutelares, foi aprovado em 1990, de modo que já tem uma existência de quase 30 anos. Desde sua aprovação, muitas mudanças aconteceram no País, inclusive havendo a aprovação de políticas sociais públicas, como é o caso da Política Nacional de Assistência Social, aprovada em 2004. Essas mudanças impactam diretamente as atividades do Conselho Tutelar, haja vista sua justaposição com a realidade social. Novas realidades, novos desafios, novas demandas; portanto, é premente a aprovação de atualizações sobre esse importante órgão de defesa dos Direitos fundamentais de crianças e adolescentes no País para que ganhe formato adequado à contemporaneidade. No link a seguir, você pode pesquisar sobre os PLs relacionados ao Conselho Tutelar que estão tramitando ou já foram aprovados no Senado. https://qrgo.page.link/xzZR As principais potencialidades dos Conselhos de Direitos e dos Conselhos Tutelares estão no resultado do trabalho, que converge para o reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de Direitos e para que a sociedade garanta a proteção integral dos Direitos individuais, como saúde, educação, alimentação, cultura e dignidade. Outra potencialidade está na possibilidade de que esses dois Conselhos estabeleçam ações voltadas para a fiscalização e efetivação dos Direitos apregoados pelo ECA. Existe, também, fundamental potencialidade dos dois órgãos no que se refere à sua capilaridade, haja vista que ambos estão previstos em lei e a sua existência é obrigatória em todos os municípios brasileiros, o que lhes dá a possibilidade de replicar as suas lutas e realizar a defesa dos Direitos humanos das crianças e dos adolescentes brasileiros de maneira uniforme e com abrangência geral. 13Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares Com o aqui exposto, esperamos ter auxiliado no aprendizado sobre a participação popular garantida pela Carta Magna de 1988, os Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares e suas potencialidades e desafios na atualidade. BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Resolução nº. 116, de 21 de junho de 2006. Altera dispositivos das Resoluções nº. 105/2005 e 106/2006, que dispõe sobre os Parâmetros para Criação e Funcionamento dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente e dá outras providências. CONANDA, Brasília, DF, 2006. Disponível em: http://www.mpgo.mp.br/portal/arquivos/2013/05/22/11_24_02_991_ Resolu%C3%A7%C3%A3o_Conanda_n.%C2%BA_116_.pdf. Acesso em: 12 abr. 2019. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/consti- tuicao/constituicao.htm. Acesso em: 12 abr. 2019. BRASIL. Lei nº. 8.662, de 7 de junho de 1993. Dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 8 jun. 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8662.htm. Acesso em: 12 abr. 2019. BRASIL. Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 jul. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8069.htm. Acesso em: 12 abr. 2019. MPRP. Ministério Público do Paraná. Política de Atendimento estabelecida no ECA. Dispo- nível em: http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-1216.html. Acesso em: 11 abr. 2019. MPRP. Ministério Público do Paraná. Parâmetros de Criação e Funcionamento dos Con- selhos dos Direitos. Disponível em: http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-1128.html. Acesso em: 11 abr. 2019. MPRP. Ministério Público do Paraná. Estatuto da Criança e do Adolescente: 20 anos de conquistas e desafios. Disponível em: http://www.escolasuperior.mppr.mp.br/ pagina-99.html. Acesso em: 11 abr. 2019. SIMÕES, C. Curso de direito do serviço social. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2014. Leitura recomendada SOUSA, M. F. Conceitosbásicos de monitoramento e avaliação. Curso de ambientação para servidores do INEP. Brasília: ENAP, 2013. Disponível em: http://repositorio.enap.gov. br/bitstream/1/992/1/SOUSA%2C%20Marconi%20Fernandes%20-%20Conceitos%20 B%C3%A1sicos%20de%20Monitoramento%20e%20Avalia%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso em: 12 abr. 2019. Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares14 MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME SECRETARIA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL PPOOLLÍÍTTIICCAA NNAACCIIOONNAALL DDEE AASSSSIISSTTÊÊNNCCIIAA SSOOCCIIAALL Brasília Novembro 2004 Presidente da República: Luiz Inácio Lula da Silva Vice-Presidente da República: José Alencar Gomes da Silva Ministro de Estado do Desenvolvimento Social e Combate à Fome: Patrus Ananias de Sousa Secretária Executiva: Ana Maria Medeiros da Fonseca Secretária Executiva Adjunta: Heliana Kátia Tavares Campos Secretário Nacional de Renda de Cidadania: André Teixeira Moreira Secretário de Segurança Alimentar e Nutricional: José Giacomo Baccarin Secretário de Avaliação e Gestão da Informação: Rômulo Paes de Sousa Secretária de Articulação Institucional e Parcerias: Maria de Fátima Abreu Secretária Nacional de Assistência Social: Márcia Helena Carvalho Lopes CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL REPRESENTANTES GOVERNAMENTAIS Ministério da Previdência Social – MPS Titular: Elias Sampaio Freire Suplente: Marcelo da Silva Freitas Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome -MDS Titular: Marcia Maria Biondi Pinheiro Suplente: Gisele de Cássia Tavares Titular Márcia Helena Carvalho Lopes Suplente: Simone Aparecida Albuquerque Ministério do Trabalho e Emprego-MTE e Ministério da Fazenda -MF Titular: José Adelar Cuty da Silva (Ministério do Trabalho e Emprego) Suplente: Patrícia Abraham Cunha da Silva (Ministério da Fazenda) Ministério da Saúde - MS Titular: Regina Celeste Bezerra Affonso de Carvalho Suplente: Ângela Cristina Pistelli Ministério da Educação - ME Titular: Ricardo Manoel dos Santos Henriques Suplente: Natalia de Souza Duarte Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MP Titular: Eugênio Guilherme Himmen Suplente: Luciana de Barros Jaccoud Representação dos Estados Titular : José Arlindo Soares Suplente: Márcia Faria Maia Mendes Representação dos Municípios Titular: Tânia Mara Garib Suplente: Sandra Helena Ribeiro Cruz REPRESENTANTES DA SOCIEDADE CIVIL 1) Entidades ou Organizações de Assistência Social Titular: Antonio Celso Pasquini - União Social Camiliana Suplente: Misael Lima Barreto - Instituição Adventista Central Brasileira de Educação e Assistência Social 2º Titular: Ricardo Renzo Brentani - Associação Brasileira das Instituições Filantrópicas de Combate ao Câncer 2º Suplente: Rosângela Dias Oliveira da Paz - PÓLIS - Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais 3º Titular: Dalila Maria Pedrini - Cáritas Brasileira 3º Suplente: Silvio Iung - Instituição Sinodal de Assistência, Educação e Cultura 2) Representantes de Usuários ou Organizações de Usuários 1º Titular: Carlos Ajur Cardoso Costa - Federação Brasileira de Entidades de e para Cegos - FEBEC 1º Suplente: Mária de Fátima Rodrigues Carvalho - Organização Nacional de Entidades de Deficientes Físicos - ONEDEF 2º Titular: Euclides da Silva Machado - Obra Social Santa Isabel 2º Suplente: Ademar de Oliveira Marques - Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua 3º Titular: Vânia Lucia Ferreira Leite - Pastoral da Criança 3º Suplente: Marcos Antônio Gonçalves - Federação Brasileira de Inclusão Social, Reabilitação e Defesa da Cidadania - FEBIEX 3) Representantes dos Trabalhadores da Área de Assistência Social 1º Titular: Carlos Rogério de C. Nunes - Central Única dos Trabalhadores - CUT 1º Suplente: Maria Aparecida Medrado - Associação Nacional dos Sindicatos da Social Democrata 2º Titular: Antônio Gilberto da Silva - Confederação Nacional de Trabalhadores da Seguridade Social - CNTSS 2º Suplente: José Manoel Pires Alves - Associação de Educação Católica do Brasil 3º Titular: João Paulo Ribeiro - Federação de Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras 3º Suplente: Antonino Ferreira Neves - Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícia, Informações e Pesquisas - FENACON Secretária Executiva – Cláudia Saboia Coordenadora da Coordenação de Políticas de Assistência Social – Maria Auxiliadora Pereira Coordenadora da Coordenação de Financiamento e Orçamento de Assistência Social – Maria das Mercês Avelino de Carvalho Coordenadora da Coordenação de Normas de Assistência Social – Vanessa Martins de Souza SSUUMMÁÁRRIIOO APRESENTAÇÃO, 6 INTRODUÇÃO, 7 1 ANÁLISE SITUACIONAL, 9 2 POLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, 24 2.1. Princípios, 25 2.2. Diretrizes, 25 2.3. Objetivos, 26 2.4. Usuários, 26 2.5. Assistência Social e as proteções afiançadas, 26 2.5.1. Proteção Social Básica, 26 2.5.2. Proteção Social Especial, 29 Proteção Social Especial de média complexidade Proteção Social Especial de alta complexidade 3 GESTÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NA PERSPECTIVA DO SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL – SUAS, 31 3.1. Conceito e base de organização do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, 31 3.1.1. Matricialidade Sócio-Familiar, 33 3.1.2. Descentralização político-administrativa e Territorialização, 35 3.1.3. Novas bases para relação entre Estado e a Sociedade Civil, 39 3.1.4. Financiamento, 41 3.1.5. Controle Social, 44 O desafio da participação dos usuários nos conselhos de assistência social 3.1.6. A Política de Recursos Humanos, 45 3.1.7. A Informação, o Monitoramento e a Avaliação, 48 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS, 50 5 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA, 52 MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL RESOLUÇÃO Nº 145, DE 15 DE OUTUBRO DE 2004 (DOU 28/10/2004) O Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS, considerando a apresentação de proposta da Política Nacional de Assistência Social - PNAS pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome - MDS em 23 de junho, considerando a realização de Reuniões Descentralizadas e Ampliadas do Conselho para discussão e construção coletiva do texto final da PNAS ocorridas respectivamente em 21 e 22 de julho de 2004 na cidade de Aracaju e em 21 e 22 de setembro de 2004, no Distrito Federal e, considerando o disposto no artigo 18, incisos I, II, IV da Lei 8.742 de 7 de dezembro de 1993, RESOLVE: Art. 1º - Aprovar, em reunião do Colegiado de 22 de setembro de 2004, por unanimidade dos Conselheiros a Política Nacional de Assistência Social. Art. 2º - Aprovar, na reunião do Colegiado de 14 de outubro de 2004, por unanimidade dos Conselheiros o texto final discutido e elaborado pelo grupo de trabalho – GT/PNAS constituído pela Resolução N.º 78, de 22 de junho de 2004, publicada no D.O.U., de 02 de julho de 2004. Art. 3º - O texto da Política Nacional aprovado constituirá o Anexo I da presente Resolução. Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário. Art. 5º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação. MARCIA MARIA BIONDI PINHEIRO Presidente do CNAS 6 APRESENTAÇÃO A decisão do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS, por intermédio da Secretaria Nacional de Assistência Social – SNAS e do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, de elaborar, aprovar e tornar pública a presente Política Nacional de Assistência Social – PNAS, demonstra a intenção de construir coletivamente o redesenho destapolítica, na perspectiva de implementação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Esta iniciativa, decididamente, traduz o cumprimento das deliberações da IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em Brasília, em dezembro de 2003, e denota o compromisso do MDS/SNAS e do CNAS em materializar as diretrizes da Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS. A versão preliminar foi apresentada ao CNAS, em 23 de junho de 2004, pelo MDS/SNAS tendo sido amplamente divulgada e discutida em todos os Estados brasileiros nos diversos encontros, seminários, reuniões, oficinas e palestras que garantiram o caráter democrático e descentralizado do debate envolvendo um grande contingente de pessoas em cada Estado deste país. Este processo culminou com um amplo debate na Reunião Descentralizada e Participativa do CNAS realizada entre os dias 20 e 22 de setembro de 2004, onde foi aprovada, por unanimidade, por aquele colegiado. Ressalta-se a riqueza desse processo, com inúmeras contribuições recebidas dos Conselhos de Assistência Social, do Fórum Nacional de Secretários de Assistência Social – FONSEAS, do Colegiado de Gestores Nacional, Estaduais e Municipais de Assistência Social, Associações de Municípios, Fóruns Estaduais, Regionais, Governamentais e Não-governamentais, Secretarias Estaduais, do Distrito Federal e Municipais de Assistência Social, Universidades e Núcleos de Estudos, entidades de assistência social, estudantes de Escolas de Serviço Social, Escola de gestores da Assistência Social, além de pesquisadores, estudiosos da área e demais sujeitos anônimos. Tal conquista, em tão breve tempo, leva a uma rápida constatação: a disponibilidade e o anseio dos atores sociais em efetivá-la como política pública de Estado, definida em Lei. Muitos, às vezes e ainda, confundem a assistência social com clientelismo, assistencialismo, caridade ou ações pontuais, que nada têm a ver com políticas públicas e com o compromisso do Estado com a sociedade. O MDS/SNAS e o CNAS estão muito empenhados em estabelecer políticas permanentes e agora com a perspectiva prioritária de implantar o SUAS, para integrar o governo federal com os Estados, Distrito Federal e Municípios em uma ação conjunta. Com isso, busca-se impedir políticas de protecionismo, garantindo aquelas estabelecidas por meio de normas jurídicas universais. Este é o compromisso do MDS, que integra três frentes de atuação na defesa do direito à renda, à segurança alimentar e à assistência social, compromisso também do CNAS. A Política Nacional de Assistência Social ora aprovada expressa exatamente a materialidade do conteúdo da Assistência Social como um pilar do Sistema de Proteção Social Brasileiro no âmbito da Seguridade Social. Este é um momento histórico e assim devemos concebê-lo, ensejando todos os esforços na operacionalização desta política. Trata-se, portanto, de transformar em ações diretas os pressupostos da Constituição Federal de 1988 e da LOAS, por meio de definições, de princípios e de diretrizes que nortearão sua implementação, cumprindo uma urgente, necessária e nova agenda para a cidadania no Brasil. PATRUS ANANIAS DE SOUSA Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MÁRCIA HELENA CARVALHO LOPES Secretária Nacional de Assistência Social MARCIA MARIA BIONDI PINHEIRO Presidente do Conselho Nacional de Assistência Social 7 INTRODUÇÃO Ao se considerar as condições políticas e institucionais, reunidas nestes quase onze anos de LOAS, cabe relembrar os avanços conquistados pela sociedade brasileira na construção da política de assistência social, decorrência de seu reconhecimento como direito do cidadão e de responsabilidade do Estado. A última década significou a ampliação do reconhecimento pelo Estado, no esteio da luta da sociedade brasileira, dos direitos de crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência. Hoje, o Beneficio de Prestação Continuada – BPC, caminha para a sua universalização, com impactos relevantes na redução da pobreza no País. Observa-se um crescimento progressivo dos gastos públicos, nas três esferas de governo, no campo da assistência social. A alta capilaridade institucional descentralizada, alcançada com a implementação de secretarias próprias na grande maioria dos municípios do país (mais de 4.500), e em todos os Estados da federação e no Distrito Federal, reflete uma expressiva capacidade de construção e assimilação progressiva de procedimentos técnicos e operacionais, homogêneos e simétricos para a prestação dos serviços socioassistenciais, para o financiamento e para a gestão da política de assistência social em seus diferentes níveis governamentais: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Contudo, a consolidação da assistência social como política pública e direito social, ainda exige o enfrentamento de importantes desafios. A IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em dezembro/2003, em Brasília/DF, apontou como principal deliberação a construção e implementação do Sistema Único da Assistência Social – SUAS, requisito essencial da LOAS para dar efetividade à assistência social como política pública. Desencadear a discussão e o processo de reestruturação orgânica da política pública de assistência social na direção do SUAS, ampliando e resignificando o atual sistema descentralizado e participativo, é retrato, portanto, do compromisso conjunto do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e demais gestores da política de assistência social, à frente das secretarias estaduais, do Distrito Federal e municipais, da potencialização de todos os esforços políticos e administrativos necessários ao enfrentamento das grandes e crescentes demandas sociais, e dos inéditos compromissos políticos assumidos pelo novo governo federal. Nessa direção, a presente Política Nacional de Assistência Social – PNAS busca incorporar as demandas presentes na sociedade brasileira no que tange à responsabilidade política, objetivando tornar claras suas diretrizes na efetivação da assistência social como direito de cidadania e responsabilidade do Estado. A gestão proposta por esta Política pauta-se no pacto federativo, no qual devem ser detalhadas as atribuições e competências dos três níveis de governo na provisão das ações socioassistenciais, em conformidade com o preconizado na LOAS e NOB1, a partir das indicações e deliberações das Conferências, dos Conselhos e das Comissões de Gestão Compartilhada (Comissões Intergestoras Tripartite e Bipartites – CIT e CIB’s), as quais se constituem em espaços de discussão, negociação e pactuação dos instrumentos de gestão e formas de operacionalização da Política de Assistência Social. Frente ao desafio de enfrentar a questão social, a descentralização permitiu o desenvolvimento de formas inovadoras e criativas na sua implementação, gestão, 1 A NOB em vigência é a editada no ano de 1999, com base na então Política Nacional. A partir da aprovação desta nova proposta de Política, far-se-á imprescindível sua revisão, para que atenda às previsões instituídas. 8 monitoramento, avaliação e informação. No entanto, a compreensão de que a gestão democrática vai muito além de inovação gerencial ou de novas tecnologias é bastante limitada neste país. A centralização ainda é uma marca a ser superada. Junto ao processo de descentralização, a Política Nacional de Assistência Social traz sua marca no reconhecimento de que para além das demandas setoriais e segmentadas, o chão onde se encontram e se movimentam setores e segmentos, faz diferença no manejo da própria política, significando considerar as desigualdades socioterritoriais na sua configuração. Faz-se relevante nesse processo, a constituição da rede de serviços que cabe à assistência social prover, com vistas a conferir maior eficiência, eficácia e efetividade em sua atuação específica e na atuaçãointersetorial, uma vez que somente assim se torna possível estabelecer o que deve ser de iniciativa desta política pública e em que deve se colocar como parceira na execução. Para tanto, propõe-se a regulamentação dos artigos 2º e 3º, da LOAS, para que se identifiquem as ações de responsabilidade direta da assistência social e as em que atua em co-responsabilidade. A forma de gestão no sistema descentralizado e participativo proposto pela LOAS, em seu capítulo III, artigo 6º, implica na participação popular, na autonomia da gestão municipal, potencializando a divisão de responsabilidades e no co-financiamento entre as esferas de governo e a sociedade civil. Como conseqüência da concepção de Estado mínimo e de política pública restritiva de direitos, deu-se a precarização do trabalho e a falta de renovação de quadros técnicos, criando enorme defasagem de profissionais qualificados; com um enorme contingente de pessoal na condição de prestadores de serviços, sem estabilidade de emprego, sem direitos trabalhistas e sem possibilidade de continuidade das atividades. Essa é uma realidade geral, encontrada tanto em nível nacional, estadual e municipal. Por fim, a Política Nacional de Assistência Social na perspectiva do Sistema Único de Assistência Social ressalta o campo da informação, monitoramento e avaliação, salientando que as novas tecnologias da informação e a ampliação das possibilidades de comunicação contemporânea têm um significado, um sentido técnico e político, podendo e devendo ser consideradas como veios estratégicos para uma melhor atuação no tocante às políticas sociais e a nova concepção do uso da informação, do monitoramento e da avaliação no campo da política de assistência social. Tal empreendimento deve sobrelevar a prática do controle social, o que, nessa área em particular, adquire uma relevância crucial, já que o atributo torpe de campo de favores políticos e caridade, agregado historicamente a esta área, deve ser minado pelo estabelecimento de um novo estágio, feito de estratégias e determinações que suplantem política e tecnicamente o passado. Esta nova qualidade precisa favorecer um nível maior de precisão, tanto no que tange ao conhecimento dos componentes que a geram, e que precisam ser conhecidos abundantemente, como aos dados e as conseqüências que a política produz. Isto vai incidir em outras condições para a sua ação, no estabelecimento de escopos ampliados, e contribuir para uma outra mensagem de seus resultados, visando o aprimoramento e a sintonia da política com o direito social. Trata-se de pensar políticas de monitoramento e avaliação como táticas de ampliação e de fortificação do campo assistencial. 9 1 ANÁLISE SITUACIONAL A Assistência Social como política de proteção social configura-se como uma nova situação para o Brasil. Ela significa garantir a todos que dela necessitam, e sem contribuição prévia a provisão dessa proteção. Essa perspectiva significaria aportar quem, quantos, quais e onde estão os brasileiros demandatários de serviços e atenções de assistência social. Numa nova situação, não dispõe de imediato e pronto a análise de sua incidência. A opção que se construiu para exame da política de assistência social na realidade brasileira parte então da defesa de um certo modo de olhar e quantificar a realidade, a partir de: Uma visão social inovadora, dando continuidade ao inaugurado pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei Orgânica da Assistência Social de 1993, pautada na dimensão ética de incluir “os invisíveis”, os transformados em casos individuais, enquanto de fato são parte de uma situação social coletiva; as diferenças e os diferentes, as disparidades e as desigualdades. Uma visão social de proteção, o que supõe conhecer os riscos, as vulnerabilidades sociais a que estão sujeitos, bem como os recursos com que conta para enfrentar tais situações com menor dano pessoal e social possível. Isto supõe conhecer os riscos e as possibilidades de enfrentá-los. Uma visão social capaz de captar as diferenças sociais, entendendo que as circunstâncias e os requisitos sociais circundantes do indivíduo e dele em sua família são determinantes para sua proteção e autonomia. Isto exige confrontar a leitura macro social com a leitura micro social. Uma visão social capaz de entender que a população tem necessidades, mas também possibilidades ou capacidades que devem e podem ser desenvolvidas. Assim, uma análise de situação não pode ser só das ausências, mas também das presenças até mesmo como desejos em superar a situação atual. Uma visão social capaz de identificar forças e não fragilidades que as diversas situações de vida possua. Tudo isso significa que a situação atual para a construção da política pública de assistência social precisa levar em conta três vertentes de proteção social: as pessoas, as suas circunstâncias e dentre elas seu núcleo de apoio primeiro, isto é, a família. A proteção social exige a capacidade de maior aproximação possível do cotidiano da vida das pessoas, pois é nele que riscos, vulnerabilidades se constituem. Sob esse princípio é necessário relacionar as pessoas e seus territórios, no caso os municípios que, do ponto de vista federal, são a menor escala administrativa governamental. O município, por sua vez, poderá ter territorialização intra-urbanas, já na condição de outra totalidade que não é a nação. A unidade sócio familiar por sua vez, permite o exame da realidade a partir das necessidades, mas também dos recursos de cada núcleo/domicílio. O conhecimento existente sobre as demandas por proteção social é genérico, pode medir e classificar as situações do ponto de vista nacional, mas não explicá-las. Este objetivo deverá ser parte do alcance da política nacional em articulação com estudos e pesquisas. A nova concepção de assistência social como direito à proteção social, direito à seguridade social, tem duplo efeito: o de suprir sob dado padrão pré-definido um recebimento e o de desenvolver capacidades para maior autonomia. Neste sentido ela é aliada ao desenvolvimento humano e social e não tuteladora ou assistencialista, ou ainda, tão só provedora de necessidades ou vulnerabilidades sociais. O desenvolvimento depende também de capacidade de acesso, vale dizer da redistribuição, ou melhor, 10 distribuição dos acessos a bens e recursos; isto implica em um incremento das capacidades de famílias e indivíduos. A Política Nacional de Assistência Social se configura necessariamente na perspectiva socioterritorial, tendo os mais de 5.500 municípios brasileiros como suas referências privilegiadas de análise, pois se trata de uma política pública, cujas intervenções se dão essencialmente nas capilaridades dos territórios. Essa característica peculiar da política tem exigido cada vez mais um reconhecimento da dinâmica que se processa no cotidiano das populações. Por sua vez, ao agir nas capilaridades dos territórios e se confrontar com a dinâmica do real, no campo das informações, essa política inaugura uma outra perspectiva de análise ao tornar visíveis aqueles setores da sociedade brasileira tradicionalmente tidos como invisíveis ou excluídos das estatísticas – população em situação de rua, adolescentes em conflito com a lei, indígenas, quilombolas, idosos, pessoas com deficiência. Nessa direção, tendo como base informações do Censo Demográfico de 2000 e da Síntese de Indicadores Sociais - 2003, elaborados a partir das informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD de 2002, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, bem como o Atlas de Desenvolvimento Humano 2002, e tendo a Política de Assistência Social assumido a centralidade sócio-familiar no âmbito de suas ações, cabe reconhecer a dinâmica demográfica e sócio-econômica associadas aos processos de exclusão/inclusão social, vulnerabilidade aos riscos pessoais e sociais em curso no Brasil, em seus diferentesterritórios. Tendo em vista que normalmente essas informações permitem no máximo o reconhecimento por estado brasileiro, e considerando o fato de que o modelo de desigualdade socioterritorial do país se reproduz na dinâmica das cidades, também se faz necessário um panorama desses territórios, espaços privilegiados de intervenção da política de assistência social. Dessa forma, a presente análise situacional buscará também compreender algumas características desse universo de mais de 5.500 cidades brasileiras. Os dados gerais do país permitem uma análise situacional global e sugerem, ao mesmo tempo, a necessidade de confrontá-los com a realidade que se passa no âmbito dos municípios brasileiros, considerando pelo menos seus grandes grupos: municípios pequenos 1 : com população até 20.000 habitantes municípios pequenos 2 : com população entre 20.001 a 50.000 habitantes municípios médios: com população entre 50.001 a 100.000 habitantes municípios grandes: com população entre 100.001 a 900.000 habitantes metrópoles: com população superior a 900.000 habitantes Aspectos Demográficos A dinâmica populacional é um importante indicador para a política de assistência social, pois ela está intimamente relacionada com o processo econômico estrutural de valorização do solo em todo território nacional, destacando-se a alta taxa de urbanização, especialmente nos municípios de médio e grande porte e nas metrópoles. Estes últimos espaços urbanos passaram a ser produtores e reprodutores de um intenso processo de precarização das condições de vida e de viver, da presença crescente do desemprego e da informalidade, de violência, da fragilização dos vínculos sociais e familiares, ou seja, da produção e reprodução da exclusão social, expondo famílias e indivíduos a situações de risco e vulnerabilidade. 11 A Política Nacional de Assistência Social prevê na caracterização dos municípios brasileiros a presença das metrópoles, identificadas como as cidades com mais de 900 mil habitantes, que embora, numericamente, sejam contadas em apenas 15 cidades, sua população total corresponde a 20% de toda população brasileira. Aponta-se também em 20% o percentual dos que vivem no conjunto dos 4.020 municípios considerados pequenos (com até 20.000habitantes). Juntos, portanto, esses dois extremos representam 40% de toda população brasileira. Significa dizer, em outras palavras, que 40% da população encontram-se vivendo em dois contextos totalmente diversos do ponto de vista da concentração populacional, mas seus contextos apresentam situações de vulnerabilidades e riscos sociais igualmente alarmantes, justamente por apresentarem territórios marcados pela quase total ausência ou precária presença do Estado. Os pequenos municípios expressam uma característica dispersiva no território nacional e ainda com boa parte de sua população vivendo em áreas rurais (45% da população). E as metrópoles pela complexidade e alta desigualdade interna, privilegiando alguns poucos territórios em detrimento daqueles especialmente de áreas de fronteira e proteção de mananciais. Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano, 2002 12 Tabela 1 Classificação dos municípios segundo total de habitantes Classificação dos municípios Total de municípios População total População rural População Urbana % rural % urbano pequenos I (até 20.000 hab) 4.018 33.437.404 15.022.174 18.415.230 44,93 55,07 Pequenos II (de 20.001 a 50.000 hab) 964 28.832.600 9.734.706 19.097.894 33,76 66,24 médios (de 50.001 a 100.000 hab) 301 20.928.128 3.940.021 16.988.107 18,83 81,17 Grandes (de 100.001 a 900.000 hab) 209 50.321.723 2.332.987 47.988.736 4,64 95,36 metrópoles (mais de 900.000 hab) 15 36.279.315 815.323 35.463.992 2,25 97,75 TOTAL 5.507 169.799.170 31.845.211 137.953.959 18,75 81,25 Fonte: IBGE, 2000, Atlas do Desenvolvimento Humano, 2002. (*) Embora o número de municípios oficialmente divulgado pelo IBGE seja 5.561, o Atlas do Desenvolvimento Humano trabalhou com um universo de 5.509 municípios por razões metodológicas. Seguindo a análise demográfica por município, vale notar que embora a tendência de urbanização se verifique na média das regiões brasileiras, a sua distribuição entre os municípios apresenta um comportamento diferenciado, considerando o porte populacional. Além do fato dos municípios de porte pequeno 1 (até 20.000 habitantes) apresentarem ainda 45% de sua população vivendo em áreas rurais, vale lembrar também que esses municípios representam 73% dos municípios brasileiros, ou seja a grande maioria das cidades brasileiras caracteriza-se como de pequeno porte. Em contraponto, apenas 3% da população das metrópoles encontram-se em áreas consideradas rurais, ficando 97% dos seus moradores na zona urbana. Essas nuances demográficas apontam a necessidade dos Centros de Referência de Assistência Social considerarem as dinâmicas internas que cada tipo de município, face à natureza de sua concentração populacional aliada às condições socioeconômicas. O crescimento relativo da população brasileira vem diminuindo desde a década de 70. A taxa de natalidade declinou de 1992 a 2002 de 22,8% para 21%, bem como a taxa de fecundidade total, que declinou de 2,7 para 2,4 filhos por mulher em período fértil (número médio de filhos que uma mulher teria ao final do seu período fértil). A queda da fecundidade e natalidade tem provocado importantes transformações na composição etária da população brasileira, como estreitamento da base da pirâmide etária, com a redução do contingente de crianças e adolescentes até 14 anos e o alargamento do topo, com o aumento da população idosa. O Brasil apresenta um dos maiores índices de desigualdade do mundo, quaisquer que sejam as medidas utilizadas. Segundo Instituto de Pesquisas Aplicadas - IPEA, em 2002, os 50% mais pobres detinham 14,4% do rendimento e o 1% mais ricos, 13,5% do rendimento. A questão central a ser considerada é que esse modelo de desigualdade do país ganha expressão concreta no cotidiano das cidades, cujos territórios internos (bairros, distritos, áreas censitárias ou de planejamento) tendem a apresentar condições de vida também desiguais. Porém, ainda considerando as medidas de pobreza (renda per capita inferior a ½ salário mínimo) e indigência (renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo) pelo conjunto dos municípios brasileiros, já é possível observar as diferenças de concentração da renda entre os municípios, o que supõe a necessidade de conjugar os indicadores de renda a outros relativos às condições de vida de cada localidade. 13 Tabela 2 Concentração da indigência nos grupos de municípios classificados pela população – 2000 - Municípios classificados pela população Total de municípios População total População vivendo com renda per capita abaixo da linha de indigência Média de população vivendo com renda per capita abaixo da linha de indigência em cada município Percentagem vivendo com renda per capita abaixo da linha de indigência pequenos I (até 20.000 hab) 4.018 33.437.404 9.160.084 2.280 27,39 pequenos II (de 20.001 a 50.000 hab) 964 28.832.600 7.554.345 7.836 26,20 médios (de 50.001 a 100.000 hab) 301 20.928.128 3.564.858 11.843 17,03 grandes (de 100.001 a 900.000 hab) 209 50.321.723 5.012.177 23.982 9,96 metrópoles (mais de 900.000 hab) 15 36.279.315 2.744.692 182.979 7,57 TOTAL 5.507 169.799.170 28.036.157 5.091 16,51 Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano, 2002. Tabela 3 Concentração da pobreza nos grupos de municípios classificados pela população – 2000 - Municípios classificados pela população Total de municípios População total População vivendo com renda per capita abaixo da linha de pobreza Média População vivendo com renda per capita abaixo da linha de pobreza em cada município Percentagem vivendo com renda per capita abaixo dalinha de pobreza pequenos I (até 20.000 hab) 4.018 33.437.404 16.673.196 4.150 49,86 pequenos II (de 20.001 a 50.000 hab) 964 28.832.600 13.696.633 14.208 47,50 médios (de 50.001 a 100.000 hab) 301 20.928.128 7.380.022 24.518 35,26 grandes (de 100.001 a 900.000 hab) 209 50.321.723 11.852.368 56.710 23,55 metrópoles (mais de 900.000 hab) 15 36.279.315 6.419.325 427.955 17,69 TOTAL 5.507 169.799.170 56.021.544 10.173 32,99 Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano, 2002. Nota-se que, em termos percentuais, os municípios pequenos concentram mais população em condição de pobreza e indigência do que os municípios médios, grandes ou metrópoles. Do ponto de vista da concentração absoluta as diferenças diminuem, mas os pequenos municípios na sua totalidade terminam também concentrando mais essa população. Porém, considerando que essa população se distribui nos mais de 4.000 municípios, termina ocorrendo uma dispersão da concentração, invertendo o grau de concentração da população em pobreza e indigência, recaindo sobre os grandes municípios e as metrópoles. A Família e Indivíduos A família brasileira vem passando por transformações ao longo do tempo. Uma delas refere-se à pessoa de referência da família. Da década passada até 2002 houve um crescimento de 30% da participação da mulher como pessoa de referência da família. 14 Em 1992, elas eram referência para aproximadamente 22% das famílias brasileiras, e em 2002, passaram a ser referência para próximo de 29% das famílias. Esta tendência de crescimento ocorreu de forma diferente entre as regiões do País e foi mais acentuada nas regiões metropolitanas. Em Salvador, 42,2% das famílias tinham na mulher sua referência. Em Belém eram 39,8% e em Recife 37,1%. Entre as Grandes Regiões, o Norte apresentava a maior proporção de famílias com este perfil, 33,4% e, o Sul, a menor, 25,5%. Entre as Unidades Federadas, em um dos extremos estava o Amapá com 41,1% e, no outro, o Mato Grosso com 21,9% das famílias cuja pessoa de referência é a mulher. (Gráfico 1). G rafico 1 - P rop orção d e fam ílias com p essoas d e referência d o sexo fem inino Brasil - 1 992/ 2002 21 ,9 22,3 22,9 24,2 24,9 25,9 26 27,3 28,4 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 1 992 1 993 1 994 1 995 1 996 1 997 1 998 1 999 2000 2001 2002 Fonte: IBGE - PNAD - 2002 PPrrootteeççããoo IInntteeggrraall • Crianças, adolescentes e jovens Entre as famílias brasileiras com crianças, 36,3% tinham rendimento per capita familiar de até 1/2 salário mínimo e 62,6% até 1 salário mínimo. Entre as crianças de 7 a 14 anos de idade, faixa etária correspondente ao ensino fundamental, a desigualdade era menor entre ricos e pobres. Entre as crianças de famílias mais pobres, a taxa de escolarização era de 93,2% e, entre as mais ricas, de 99,7%. Por outro ângulo de análise, morar em municípios com até 100.000 habitantes se tem mais chance de ter crianças de 7 a 14 anos fora da escola (entre 7 e 8%) do que morar nos grandes municípios ou metrópoles, onde o percentual varia entre 2 a 4%. Tabela 4 % de crianças fora da escola de acordo com a classificação dos municípios - 2000 Total de municípios Total 7 a 14 anos Total fora da escola % de crianças de 7 a 14 anos fora da escola pequenos I (até 20.000 hab) 4.018 5.910.848 406.220 6,87 pequenos II (de 20.001 a 50.000 hab) 964 5.114.998 396.220 7,74 médios (de 50.001 a 100.000 hab) 301 2.217.452 196.212 8,84 grandes (de 100.001 a 900.000 hab) 209 13.379.577 304.955 2,27 metrópoles (mais de 900.000 hab) 15 4.936.738 180.217 3,65 TOTAL 5.507 31.559.613 1.483.824 4,70 Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano, 2002 15 Uma variável considerada importante e que influenciaria a defasagem escolar seria o rendimento familiar per capita. Entre a população com 25 anos ou mais, a média de anos de estudo dos mais pobres era, em 2002, de 3,4 anos e, entre os mais ricos de 10,3 anos de estudo. Por outro lado, tomando o tamanho dos municípios, a defasagem escolar também varia segundo o mesmo indicador, sendo maior nos municípios pequenos, onde a média de anos de estudos fica em 4 anos e nos de grande porte ou metrópoles essa média sobe para 6 a quase 8 anos de estudos. Ou seja, para além da renda, o tamanho dos municípios também pode interferir no indicador de defasagem escolar. Tabela 5 % de crianças fora da escola de acordo com a classificação dos municípios - 2000 Classificação dos municípios Total de municípios Média de anos de estudos pessoas com de 25 anos ou mais pequenos I (até 20.000 hab) 4.018 3,81 pequenos II (de 20.001 a 50.000 hab) 964 4,11 médios (de 50.001 a 100.000 hab) 301 5,16 grandes (de 100.001 a 900.000 hab) 209 6,31 metrópoles (mais de 900.000 hab) 15 7,73 TOTAL 5.507 5,42 Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano, 2002 •• Trabalho de crianças e adolescentes Dos 5,4 milhões de crianças e adolescentes ocupados, em 2002, 41,8% estavam em atividades não remuneradas, 36,1% estavam empregados, 9% eram trabalhadores domésticos, 6,7% trabalham por conta própria e, apenas 0,1% era empregadores. No Nordeste e no Sul as crianças e adolescentes ocupados em atividades não remuneradas representavam o contigente maior, 56,5% e 47,5% respectivamente. As crianças e adolescentes empregados representavam o maior contigente no Sudeste, Centro-Oeste e Norte, 54,6%, 50,9 e 38,6% respectivamente. O trabalho doméstico entre as crianças e adolescente de 5 a 17 anos de idade era mais freqüente na região Norte, Centro-Oeste e Sudeste, com taxas acima da média nacional, 18,6%, 12,6% e 9,7% respectivamente. No Estado de Roraima, em 2002, 25,1% das crianças e adolescente ocupados eram trabalhadores domésticos. No Amapá eram 23,5% e no Pará 19,6%. Entre as Regiões Metropolitanas, a de Belém se destaca com 22,6% de crianças e adolescentes trabalhadores domésticos. 16 G ráfico 2 - P ercen tagem de c rianças e ado lescen tes de 5 a 17 anos de idade ocupadas , traba lhadores dom ésticos , segundo U n idades da Fede ração - 2002 4,8 5 ,6 5 ,6 5 ,9 5 ,9 7 ,5 8 8 ,4 8 ,6 8 ,7 8 ,8 9 ,7 10 10,1 10,3 11 11,5 11,9 12 ,5 13 ,6 14 ,8 16 ,3 17 ,6 17 ,6 19 ,6 23 ,5 25 ,1 0 5 10 15 20 25 30 R io G ra nd e do S ul Pa ra íb a Pe rn am bu co Se rg ip e Sa nt a C at ar in a C ea rá Ba hi a Pi au í Sã o Pa ul o Al ag oa s M ar an hã o Pa ra ná Es pí rit o Sa nt o M in as G er ai s R io G ra nd e do N or te M at o G ro ss o R on dô ni a R io d e Ja ne iro G oi ás M at o G ro ss o do S ul Ac re Am az on as To ca nt in s D is tri to F ed er al Pa rá Am ap á R or ai m a Fonte: IBGE - PNAD – 2002 • Gravidez na Adolescência O comportamento reprodutivo das mulheres brasileiras vem mudando nos últimos anos, com aumento da participação das mulheres mais jovens no padrão de fecundidade do país. Chama a atenção o aumento da proporção de mães com idades abaixo dos 20 anos. Este aumento é verificado tanto na faixa de 15 a 19 anos de idade como na de 10 a 14 anos de idade da mãe. A gravidez na adolescência é considerada de alto risco, com taxas elevadas de mortalidade materna e infantil. Tabela 6 Concentração de mulheres de 15 a 17 anos com filhos - 2000 Municípios classificados pela população Total de municípios Mulheres de 15 a 17 anos Mulheres de 15 a 17 anos com filhos Média de concentração de Mulheres de 15 a 17 anos com filhos Percentagem de mulheres de 15 a 17 anos com filhos pequenos I (até 20.000 hab) 4.018 1.083.706 98.529 25 9,09 pequenos II (de 20.001 a 50.000 hab) 964 957.365 93.881 97 9,81 médios (de 50.001 a 100.000 hab) 301 671.147 60.867 202 9,07 grandes (de 100.001 a 900.000 hab) 209 1.553.736 121.008 579 7,79 Metrópoles (mais de 900.000 hab) 15 1.057.563 75.295 5.020 7,12 TOTAL 5.5075.323.517 449.580 82 8,45 Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano, 2002. Do ponto de vista percentual a distância entre os tamanhos dos municípios aparenta não ser significativa quanto à concentração de adolescentes mães entre 15 a 17 anos no Brasil, variando entre 7 a 9% do total dessa faixa etária. Porém, em concentração absoluta distribuída pelo total de municípios classificados pelo grupo populacional, o quadro é bem diferente, ficando 200 vezes maior a presença de adolescentes mães nas metrópoles do que nos municípios pequenos. Já o segundo grupo de municípios 17 pequenos (entre 20.000 a 50.000 habitantes) apresenta 4 vezes mais adolescentes mães do que o primeiro grupo de municípios pequenos (até 20.000 habitantes). EEqqüüiiddaaddee • Idosos Segundo a PNAD - 2002, a população idosa (pessoas com 60 ou mais anos de idade) era aproximadamente de 16 milhões de pessoas, correspondendo a 9,3% da população brasileira. Considerando o aumento da expectativa de vida, as projeções apontam para uma população de idosos, em 2020, de 25 milhões de pessoas, representando 11,4% da população total brasileira. Esse aumento considerável da participação da população idosa, produzirá importantes impactos e transformações nas políticas públicas, principalmente saúde, previdência e assistência social. A distribuição da população com mais de 65 anos nos municípios brasileiros, apresenta uma média percentual equilibrada em torno de 6%, não havendo discrepância sob esse ponto de vista entre os tamanhos dos municípios. Em termos absolutos, embora também fiquem na totalidade em torno de 2 milhões de pessoas nos grupos dos municípios, quando se distribui essa concentração por unidade municipal, a maior variação fica entre uma média de 545 idosos nos municípios pequenos até 149.000 idosos nas metrópoles. Tabela 7 Concentração da população com mais de 65 anos nos municípios - 2000 Municípios classificados pela população Total de municípios População de 65 anos ou mais Concentração média de População de 65 anos ou mais nos municípios Percentagem de 65 anos ou mais pequenos I (até 20.000 hab) 4.018 2.189.438 545 6,55 pequenos II (de 20.001 a 50.000 hab) 964 1.726.727 1.791 5,99 médios (de 50.001 a 100.000 hab) 301 1.179.214 3.918 5,63 grandes (de 100.001 a 900.000 hab) 209 2.605.869 12.468 5,18 Metrópoles (mais de 900.000 hab) 15 2.233.852 148.923 6,16 TOTAL 5.507 9.935.100 1.804 5,85 Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano , 2002 Em 2002, a maioria dos idosos brasileiros era de aposentados ou pensionistas, 77,7%. Muitos ainda trabalham, 30,4%, desempenhando um papel importante para a manutenção da família. No Brasil, das pessoas com idade de 60 ou mais anos, 64,6% eram referências para as famílias. Destes, 61,5% eram homens e 38,5% mulheres. Um dado preocupante refere-se ao tipo de família dos idosos. No Brasil, 12,1% dos idosos faziam parte de famílias unipessoais, ou seja, moravam sozinhos. • Pessoas com deficiência Os dados aqui apresentados são baseados na publicação Retratos da Deficiência no Brasil, elaborado em 2003 pelo Centro de Políticas Sociais do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, com base nas informações do Censo Demográfico de 2000. Segundo este censo, o Brasil possuía, em 2000, aproximadamente 24,6 milhões de pessoas com alguma deficiência, correspondendo a 18 14,48% do total da população. A região nordeste possuía a maior porcentagem de deficientes, 16,8%. O Sudeste, a menor, 13,06% (Tabela 8). Tabela 8 Estimativa da população com algum tipo de deficiência, e distribuição percentual por grande região - 2000 Grandes Regiões Total da População Estimativa de Deficientes % Norte 12.911.170 1.901.892 14,73 Nordeste 47.782.488 8.025.536 16,80 Sudeste 72.430.194 9.459.596 13,06 Sul 25.110.349 3.595.028 14,32 Centro-Oeste 11.638.658 1.618.203 13,90 Total 169.872.859 24.600.255 14,48 Fonte: Censo Demográfico 2000 – IBGE Diferentemente dos censos realizados anteriormente, o Censo Demográfico de 2000, elaborou um levantamento mais detalhado dos universos das pessoas com deficiência, introduzindo graus diversos de severidade das deficiências, incluindo na análise pessoas com alguma dificuldade, grande dificuldade e incapacidade de ouvir, enxergar e andar, bem como as pessoas com limitações mentais e físicas. Considerando as deficiências em geral, sua incidência está mais associada aos ciclos de vida, enquanto as incapacidades, as doenças mentais, paraplegias e as mutilações estão mais relacionadas aos problemas de nascença, acidentes e violência urbana, mais prevalente entre homens jovens. Segundo o Censo Demográfico de 2000, 32,02% da população estava abaixo da linha de pobreza, ou seja, tinham rendimento familiar per capita inferior a 1/2 salário mínimo. Entre as PPDs, 29,05% estavam abaixo da linha da pobreza. Preocupante era a situação das PPIs, com 41,62% em situação de pobreza. Entre as PPDs a taxa de pobreza é inferior à da população total. Este resultado pode estar associado à atuação do Estado, pela transferência de renda oriundas da assistência social e da previdência social. Ainda na perspectiva da equidade, a política de assistência social atua com outros segmentos sujeitos a maiores graus de riscos sociais, como a população em situação de rua, indígenas, quilombolas, adolescentes em conflito com a lei, os quais ainda não fazem parte de uma visão de totalidade da sociedade brasileira. Tal ocultamento dificulta a construção de uma real perspectiva de sua presença no território brasileiro, no sentido de subsidiar o direcionamento de metas das políticas públicas. • Investimento da assistência social na esfera pública2 Com base nas informações disponibilizadas pelo Tesouro Nacional3, considerando somente o financiamento público nas ações de Assistência Social no Brasil, seguem os números agregados por entes federativos. 2 Informações retiradas de estudo “Assistência Social no Brasil”, Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. 3 Informações que podem ser acessadas através do endereço eletrônico da Secretaria do Tesouro Nacional – STN – do Ministério da Fazenda (www.stn.fazenda.gov.br), 19 http://www.stn.fazenda.gov.br/ Em 2002, foram investidos R$ 9,9 bilhões de recursos públicos classificados na função orçamentária de código 08 - “Assistência Social”4. Destes, os Municípios participaram com R$ 3,1 bilhões, incluídos aqui R$ 1 bilhão que o Fundo Nacional de Assistência Social - FNAS transferiu para os Municípios. Os Estados e o Distrito Federal declararam5 gastos da ordem de R$ 2 bilhões, sendo que, destes, R$ 611 milhões foram recursos recebidos do FNAS. O Governo Federal realizou uma execução orçamentária de R$ 6,5 bilhões com Assistência Social. Mas como repassou R$ 1,6 bilhões aos Estados, ao Distrito Federal e Municípios, a União gastou diretamente R$ 4,9 bilhões na função 08. Em 2003, foram investidos R$ 12,3 bilhões de recursos públicos classificados na mesma função orçamentária. Destes, os Municípios participaram com R$ 3,6 bilhões, incluídos aqui R$ 1 bilhão repassado pelo FNAS. Os Estados e o Distrito Federal declararam ter gasto R$ 2,2 bilhões, sendo que, destes, R$ 800 milhões foram recursos recebidos do FNAS. O Governo Federal executou R$ 8,4 bilhões, dos quais gastou diretamente R$ 6,6 bilhões na função 08, tendo repassado R$ 1,8 bilhões a Estados, Distrito Federal e Municípios. Portanto, em termos nominais, os Estados (incluindo o Distrito Federal - DF) ampliaram em 10% as despesas com Assistência Social. Os Municípios, por sua vez, elevaram em 16% seus gastos; e a União, desconsiderando as transferências, despendeu 35% a mais em 2003, comparando-se com 2002. Quanto às transferências do FNAS, houve um crescimento de 11% de um ano para o outro.A participação relativa dos entes federados nos gastos com Assistência Social em 2002 e 2003 variou da seguinte forma: a União ampliou sua participação de 49,3% para 53,6%; as Unidades da Federação reduziram de 19,7% para 17,5%; e os Municípios de 31% em 2002 para 28,9% em 2003. A tabela e as representações gráficas a seguir se referem a essas informações: Tabela 9 – Participação dos Entes nos Gastos com a Função Assistência Social – 2002/2003 em R$ milhões 2002 % 2003 % União + transferências do FNAS 6.513 8.416 União 4.883 49% 6.605 54% Estados 1.955 20% 2.159 18% Transferências do FNAS aos Estados 611 800 Municípios 3.074 31% 3.561 29% Transferências do FNAS aos Municípios 1.019 1.011 Total 9.912 100% 12.325 100% 4 De acordo com a Portaria nº 42, de 14 de abril de 1999, publicada no Diário Oficial da União de 15 de abril de 1999, que estabelece os conceitos de função, subfunção, programa, projeto, atividade, operações especiais, e dá outras providências. 5 Declaração a ser feita pelos entes da federação (Estados, Distrito Federal e Municípios) à STN/MF, em conformidade com o art. 1º da Portaria Interministerial nº 163, de 04 de maio de 2001, publicada no Diário Oficial da União nº 87-E, de 07 de maio de 2001 – Seção 1, páginas 15 a 20. 20 Participação dos Entes nos Gastos com Assistência Social 2002 União 49% Estados 20% Municípios 31% Fonte: STN Elaboração: CGPA/SPOA/SE/MDS Participação dos Entes nos Gastos com Assistência Social 2003 União 53% Estados 18% Municípios 29% Com relação ao co-financiamento das despesas com assistência social, observa-se que a participação da União (transferências do FNAS) nas despesas municipais foi de 33,1% em 2002 e de 28,4% em 2003, em média. Nota-se que a participação dos recursos federais é maior nos Municípios do Nordeste e menor nos Municípios dos Estados da Região Sudeste. Já a participação da União no financiamento das despesas estaduais (incluindo-se o Distrito Federal) com Assistência Social foi, em média, de 31,2% em 2002 e de 37,1% em 2003. Deve-se ressaltar uma constatação, fruto da análise dos balanços orçamentários dos entes federados enviados à Secretaria do Tesouro Nacional (STN), referente à discriminação das receitas orçamentárias: os entes federados devem declarar uma receita denominada “Transferências de Recursos do Fundo Nacional de Assistência Social”, entretanto, apenas cinco Estados registraram receitas dessa natureza em 2002 e 2003, apesar de a União ter repassado recursos para todas as Unidades da Federação. Esta discrepância também acontece quando se analisa o balanço dos Municípios. Em 2002, de 4.825 Municípios que apresentaram as contas ao Tesouro Nacional, apenas 1.952 apontaram receitas dessa natureza, enquanto o FNAS transferiu recursos para 4.913 Municípios (88% dos Municípios brasileiros). Em 2003, esse número foi de 4.856 21 (87% de todos os Municípios), mas somente 2.499 Municípios (dos 4.769 declarantes) registraram ter recebido recursos do FNAS. Se compararmos os gastos públicos com a função Assistência Social em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) medido a preços de mercado pelo IBGE, notaremos uma ampliação significativa da participação. Em 2002, o PIB medido foi de R$ 1.346.028 milhões, dos quais 0,74% refere-se a essa área. Em 2003, o PIB alcançou R$ 1.514.924 milhões, sendo 0,81% relativo aos gastos dos governos com a política de Assistência Social. Quando se compara as despesas com Assistência Social em relação ao total gasto com a Seguridade Social, em cada esfera de governo, que inclui os totais de despesas com Saúde, Previdência e Assistência Social, efetuada em cada âmbito, observa-se que nos Estados e Distrito Federal, a média foi de 5,50% em 2002 e 5,38% em 2003. Entretanto variou entre os Estados o Distrito Federal de 1,2% a 25,3%, em 2002, e de 0,75% a 34,9%, em 2003. Nos Municípios, agregados por Estados Distrito Federal, a média foi de 10,86% em 2002 e 10,81% em 2003. Gráfico 3 – Participação relativa das despesas estaduais com assistência social sobre orçamento da seguridade social 0,00% 5,00% 10,00% 15,00% 20,00% 25,00% 30,00% 35,00% ES MG RO SC PR AM AL DF RJ PE MA BA PA MT SP SE BR AC RS PB CE AP TO RN RR GO MS PI % d e de sp es as % em 2002 % em 2003 Fonte: STN Elaboração: CGPA/SPOA/SE/MDS Já no âmbito da União, a participação das despesas com Assistência Social na execução6 orçamentária da Seguridade Social, aumentou de 3,7% para 4,1%, de 2002 para 2003. Em 2004, esse percentual deverá atingir o valor de 5%, que foi recomendado pelas últimas Conferências Nacionais da Assistência Social, cabendo ressaltar que, para o Orçamento 2005, o Governo Federal propôs despesas que ultrapassam um percentual de 6% do total da Seguridade Social. 6 O termo execução expressa a efetiva aplicação financeira dos recursos, além da previsão orçamentária. 22 Tabela 10 – Participação relativa das despesas com Assistência Social na execução orçamentária dos entes entes ano no total (%) na seguridade (%) 2002 0,97 3,70 União 2003 0,96 4,13 2002 1,01 5,50 Estados 2003 1,02 5,38 2002 3,04 10,86 Municípios 2003 3,12 10,81 Fonte: STN Elaboração: CGPA/SPOA/SE/MDS O Benefício de Prestação Continuada e a Renda Mensal Vitalícia (benefício configurado como direito adquirido a ser mantido pela assistência social até o momento de sua extinção7) tem participação expressiva no total desses orçamentos, representando cerca de 88% em 20048 e 87% em 2005. Vale ressaltar que tais benefícios têm seu custeio praticamente mantido com receitas advindas da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS (que representa cerca de 90,28% do total do orçamento do Fundo Nacional de Assistência Social no exercício de 2004). Outras fontes de financiamento compõem o orçamento desse fundo, a saber: Recursos Ordinários – 2,40%; Contribuições sobre Concursos de Prognósticos – 0,03%; Alienação de bens Apreendidos – 0,22%; Recursos próprios – Receita de Aluguéis – 0,69%; Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Pessoas Jurídicas – 0,01%; Outras Contribuições Sociais – 0,05% e Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza – 6,33%. Com relação às despesas municipais com assistência social, em comparação com o total de seu orçamento, verifica-se que a grande parte dos municípios dos Estados do Sul e Sudeste gastam percentuais abaixo da média nacional, que foi de 3,04% em 2002 e 3,12% em 2003. Destacam-se municípios de alguns Estados com despesas da ordem entre 5% a 7% de seus orçamentos nos dois anos pesquisados. Ressaltam-se negativamente outros com despesas de 1,70% em 2002 e 1,72% em 2003. A pesquisa Loas+10 também revela que os Estados e os Municípios majoritariamente alocam recursos próprios nas ações dessa política, em conformidade com as informações acima disponibilizadas pelo Tesouro Nacional. Os resultados dessa pesquisa apontam que a maioria dos Estados, Distrito Federal e Municípios tem recursos oriundos do orçamento próprio e do Fundo Nacional de Assistência Social, apesar de não ser freqüente o repasse dos recursos de seus orçamentos próprios para os respectivos fundos. Entretanto, ainda que haja a alocação de recursos das três esferas de governo, constata-se descaracterização da concepção relativa ao co-financiamento, à medida que muitos Fundos Municipais não recebem recursos das três esferas de 7 De acordo com o art. 40 da Lei nº 8742/93. 8 Cálculo efetuado com base na previsão da lei orçamentária de 2004, não computados os créditos adicionais necessários para o cumprimento das metas do ano. 23 governo. A esfera estadual é a esfera governamental que menos repassa recursos e, até o momento, todos os recursos da esfera federal são repassadospara ações definidas nacionalmente. Destaca-se também o fato da maior parte dos Estados, Distrito Federal e Municípios assegurar em legislação e nas leis orçamentárias locais as fontes de financiamento, embora poucos estabelecem um percentual do orçamento a ser aplicado na assistência social. Quanto ao financiamento indireto, segundo dados da Receita Federal e Previdência Social, dos R$2,4 bilhões correspondentes às isenções anuais concedidas pelo INSS - Instituto Nacional do Seguro Social relativas ao pagamento da cota patronal dos encargos sociais devidos a esse órgão e oportunizadas em razão da certificação com o CEAS - Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, 51% são de instituições de educação. Interessante notar que as instituições de assistência social são em maior número que as de educação e saúde. 24 2 POLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL De acordo com o artigo primeiro da LOAS, “a assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”. A Constituição Federal de 1988 traz uma nova concepção para a Assistência Social brasileira. Incluída no âmbito da Seguridade Social e regulamentada pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS – em dezembro de 1993, como política social pública, a assistência social inicia seu trânsito para um campo novo: o campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade estatal. A LOAS cria uma nova matriz para a política de assistência social, inserindo-a no sistema do bem-estar social brasileiro concebido como campo de Seguridade Social, configurando o triângulo juntamente com a saúde e a previdência social. A inserção na Seguridade Social aponta, também, para seu caráter de política de Proteção Social articulada a outras políticas do campo social voltadas à garantia de direitos e de condições dignas de vida. Segundo Di Giovanni (1998:10), entende-se por Proteção Social as formas "institucionalizadas que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros. Tais sistemas decorrem de certas vicissitudes da vida natural ou social, tais como a velhice, a doença, o infortúnio, as privações. (...) Neste conceito, também, tanto as formas seletivas de distribuição e redistribuição de bens materiais (como a comida e o dinheiro), quanto os bens culturais (como os saberes), que permitirão a sobrevivência e a integração, sob várias formas na vida social. Ainda, os princípios reguladores e as normas que, com intuito de proteção, fazem parte da vida das coletividades”. Desse modo, a assistência social configura-se como possibilidade de reconhecimento público da legitimidade das demandas de seus usuários e espaço de ampliação de seu protagonismo. A proteção social deve garantir as seguintes seguranças: segurança de sobrevivência (de rendimento e de autonomia); de acolhida; e, convívio ou vivência familiar. A segurança de rendimentos não é uma compensação do valor do salário-mínimo inadequado, mas a garantia de que todos tenham uma forma monetária de garantir sua sobrevivência, independentemente de suas limitações para o trabalho ou do desemprego. É o caso de pessoas com deficiência, idosos, desempregados, famílias numerosas, famílias desprovidas das condições básicas para sua reprodução social em padrão digno e cidadã. Por segurança da acolhida, entende-se como uma das seguranças primordiais da política de assistência social. Ela opera com a provisão de necessidades humanas que começa com os direitos à alimentação, ao vestuário, e ao abrigo, próprios à vida humana em sociedade. A conquista da autonomia na provisão dessas necessidades básicas é a orientação desta segurança da assistência social. É possível, todavia, que alguns indivíduos não conquistem por toda a sua vida, ou por um período dela, a autonomia destas provisões básicas, por exemplo, pela idade – uma criança ou um idoso –, por alguma deficiência ou por uma restrição momentânea ou contínua da saúde física ou mental. Outra situação que pode demandar acolhida, nos tempos atuais, é a necessidade de separação da família ou da parentela por múltiplas situações, como violência familiar ou social, drogadição, alcoolismo, desemprego prolongado e criminalidade. Podem ocorrer também situações de desastre ou acidentes naturais, além da profunda destituição e abandono que demandam tal provisão. 25 A segurança da vivência familiar ou a segurança do convívio é uma das necessidades a ser preenchida pela política de assistência social. Isto supõe a não aceitação de situações de reclusão, de situações de perda das relações. É próprio da natureza humana o comportamento gregário. É na relação que o ser cria sua identidade e reconhece a sua subjetividade. A dimensão societária da vida desenvolve potencialidades, subjetividades coletivas, construções culturais, políticas e, sobretudo, os processos civilizatórios. As barreiras relacionais criadas por questões individuais, grupais, sociais por discriminação ou múltiplas inaceitações ou intolerâncias estão no campo do convívio humano. A dimensão multicultural, intergeracional, interterritoriais, intersubjetivas, entre outras, devem ser ressaltadas na perspectiva do direito ao convívio. Nesse sentido a Política Pública de Assistência Social marca sua especificidade no campo das políticas sociais, pois configura responsabilidades de Estado próprias a serem asseguradas aos cidadãos brasileiros. Marcada pelo caráter civilizatório presente na consagração de direitos sociais, a LOAS exige que as provisões assistenciais sejam prioritariamente pensadas no âmbito das garantias de cidadania sob vigilância do Estado, cabendo a este a universalização da cobertura e a garantia de direitos e acesso para serviços, programas e projetos sob sua responsabilidade. 2.1. Princípios Em consonância com o disposto na LOAS, capítulo II, seção I, artigo 4º, a Política Nacional de Assistência Social rege-se pelos seguintes princípios democráticos: I – Supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; II - Universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; III - Respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; IV - Igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais; V – Divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão. 2.2. Diretrizes A organização da Assistência Social tem as seguintes diretrizes, baseadas na Constituição Federal de 1988 e na LOAS: I - Descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social, 26 garantindo o comando único das ações em cada esfera de governo, respeitando-se as diferenças e as características socioterritoriais locais; II - Participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis; III - Primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em cada esfera de governo; IV - Centralidade na família para concepção e implementação dos benefícios, serviços, programas e projetos. 2.3. Objetivos A Política Pública de Assistência Social realiza-se de forma integrada