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Autoria: Ma. Anay Cardoso Miranda Revisão técnica: Ma. Raquel Rossini Martins Cardoso LITERATURA NORTE-AMERICANA PRIMEIRAS MANIFESTAÇÕES DA LITERATURA NORTE- AMERICANA Introdução Caro(a) estudante, você já ouviu falar sobre os povos colonizados e sobre a fascinante saga dos americanos que habitam os Estados Unidos? Você sabia que muito do que se conhece historicamente sobre esses povos foi expresso na literatura? Desde a colonização do país até a Revolução Americana, muitos foram os textos que demonstraram o espírito extremamente �el e comprometido dos habitantes locais com os valores religiosos e idealistas. Nesta unidade, você irá compreender os aspectos mais peculiares a respeito da literatura norte-americana a partir do povo americano, bem como poderá identi�car as características das obras dos primeiros períodos de produção literária. Assim, como você verá, o período colonial e o revolucionário abrem uma tradição de muitos escritos signi�cativos, para os quais houve um olhar atento quando os estados americanos se uniram e proclamaram a independência do colonizador britânico. Com isso se �zeram muitas narrativas interessantes, muitos poemas repletos de emoção e vastos documentos de diferentes ordens, nos quais se imprimiu a vida desse povo nos séculos XVII e XVIII. Ao �nal da unidade, você terá veri�cado os fatos acima mencionados, como também poderá analisar a produção literária dos períodos descritos. Leia tudo com muito interesse a �m de desbravar um território repleto de muitas histórias! Bons estudos! Tempo estimado de leitura: 44 minutos. A colonização dos Estados Unidos, ocorrida no século XVII, revelou o nascimento de uma tradição literária com a marca de um povo que lutou por liberdade desde a Inglaterra. Nesse sentido, a literatura dos primeiros anos daquele século manifestou a religiosidade e a devoção a Deus advindas do puritanismo, que tomou conta dos �éis britânicos que chegaram à América do 1.1 Primeiras manifestações da literatura norte- americana Norte. Esses peregrinos que vieram no May�ower em 1620 enfrentaram muitas adversidades antes de se consolidarem como colonos realmente motivados a lutar para formar uma nação. Assim, conforme você verá ao longo deste tópico, os primeiros autores da literatura norte-americana compuseram documentos importantes de registros políticos e pessoais a partir da fé puritana e do ideal de criar um novo mundo com liberdade. A história da América do Norte, um subcontinente onde se encontram o Canadá, o México, a Groenlândia e os Estados Unidos, apresentou um quadro estrutural e constituinte a partir de populações autóctones, que se mudaram para a região em tempos remotos e iniciaram um processo de assentamento, e de colonizadores de diferentes partes do planeta, em sua grande maioria vindos da Europa. Dessa forma, não foi somente com o colonizador que se iniciou o povoamento do território; muito pelo contrário: os primeiros europeus a chegarem à América descobriram que havia nativos que habitavam o continente. A esse respeito, quando surgiram na costa leste da América do Norte, local que hoje conhecemos como os Estados Unidos, os primeiros colonizadores britânicos veri�caram que não estavam sozinhos, pois já havia muitos povos indígenas habitando aquela região e, além disso, esses povos já mantinham, em nível de oralidade, o repasse da tradição cultural de seus ancestrais para as novas gerações. Para Vanspanckeren (1995, p. 5), os povos que habitavam o território onde aportaram os britânicos “[...] mantinham sua própria religião [...]. Os sistemas de governo incluíam democracias, conselhos de anciãos e até teocracias. Essas variações tribais aparecem também na literatura oral”. Portanto, a tradição literária e a cultura dos Estados Unidos não iniciaram com a colonização, tendo sido constituídas, na verdade, com os povos indígenas autóctones, com os escravizados que chegaram com os europeus e até com os povos colonizadores que em diferentes épocas contribuíram para a formação dessa nação. 1.1.1 Introdução à literatura norte-americana Figura 1 - Selo comemorativo da chegada do Mayflower Fonte: chrisdorney, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Imagem contendo um selo comemorativo da chegada do Mayflower e dos pilgrims (peregrinos) a Plymouth, no atual estado de Massachusetts, Estados Unidos, no ano de 1620. No selo, à esquerda, estão sete peregrinos, sendo duas mulheres, dois homens, uma criança e dois bebês de colo. À esquerda, está o Mayflower, navio que aportou no país naquele ano. Embora a colonização dos Estados Unidos tenha sido marcada por povos distintos, como pelos franceses, pelos holandeses e pelos espanhóis, a chegada dos britânicos foi signi�cativa porque estes saíram da Inglaterra para povoar as colônias naquele Novo Mundo e para cultivar a liberdade de profetizar sua religião. Por perseguição dos Reis James I e Charles I, alguns britânicos decidiram partir de seu país natal para enfrentar, mesmo com adversidades, os perigos do mar e o desconhecido em uma nova terra. A seguir, observe a cronologia dos assentamentos britânicos nos Estados Unidos. Figura 2 - Cronologia dos assentamentos britânicos Fonte: Elaborada pela autora, 2021. #PraCegoVer Esquema apresentando a cronologia dos primeiros assentamentos estabelecidos nos atuais Estados Unidos. Da esquerda para a direita, constam o assentamento de Roanoke, de 1585; o assentamento de Jamestown, de 1607; e o assentamento de Plymouth Colony, de 1620. Cada um dos primeiros assentamentos teve uma história distinta. No assentamento da Ilha Roanoke (1585), os colonos desapareceram ou sofreram assimilação por povos indígenas, como indica Vanspanckeren (1995). O fato é que não há registros su�cientes que possam comprovar uma ou outra hipótese. Já no caso do assentamento de Jamestown (1607), veri�cam-se registros menos controversos, uma vez que o Capitão John Smith e seus antecessores descreviam os fatos que se seguiam no assentamento, como a passagem do cultivo de milho para a cultura de tabaco. É dessa época também a conhecida história de Pocahontas, �lha do chefe Powhatan, que se casou com um dos colonos chamado John Rolfe em 1614, convertendo-se ao catolicismo e favorecendo um tempo de paz entre indígenas e colonos brancos. Finalmente, o assentamento dos peregrinos (pilgrims), Plymouth Colony, foi o segundo mais importante após o de Jamestown, bem como será realmente decisivo para constituição de uma produtiva parte da história do povo americano. 1.2 Período colonial A partir da concessão de fretamentos, empreendida desde 1606 pelo Rei James I da Inglaterra, houve muitas viagens até o denominado Novo Mundo, o que provocou uma crescente movimentação de pessoas e circulação de textos escritos, fossem eles de ordem política ou literária, em seu sentido amplo e restrito. O chamado período colonial se estende, portanto, desde a chegada dos primeiros colonos, efetivada pelas companhias Plymouth Company e London Company, entre os séculos XVI, XVII e XVIII, até a Independência dos Estados Unidos, idealizada por intelectuais que foram não apenas políticos, mas também, em parte, literatos. Para compreender como se deu a produção literária nos Estados Unidos, ainda em tempos em que não existia um país, é fundamental saber que antes da chegada dos colonos pelo May�ower (1620), eles haviam assinado, a caminho do Novo Mundo, um documento denominado May�ower compact, no qual se estabelecia uma ordem governamental a �m de que todos que aportassem estivessem cientes dos termos de�nidos por eles em viagem. Tal documento, bem como inúmeros outros, participaram da constituição da literatura colonial, produzida por homens e mulheres. Assim, com o passar dos anos, outros escritos foram aparecendo com um tom, inicialmente, de literatura de exploração, associada às impressões dos autores, e de relatos pessoais, escritos em diários. Além disso, foram produzidos relatórios de viagens empreendidas nas colônias ou mesmo relatos para celebrar a fé em Deus ou para evidenciara vida dos peregrinos puritanos. 1.2.1 Literatura de exploração Autores como John Smith (1580-1631) e William Bradford (1590-1657) produziram uma literatura de propaganda como descrito por High (2000), no sentido de que esses autores apresentavam fatos reais e, às vezes, fantasiosos sobre o Novo Mundo. Foi por meio do legado de ambos que a produção artística se confundiu com a produção cotidiana, posto que nesse período veri�camos uma escrita voltada para documentar, narrar e orientar sobre como era a vida nas colônias. A produção escrita nas colônias da Nova Inglaterra (área nordeste) representou um grande avanço para a constituição da literatura norte-americana. Tanto nos relatos de John Smith — The general history of Virginia, A description of New England e The summer isles, publicados juntos em 1624 — e de William Bradford — que escreveu Of Plymouth plantation, em 1651, obra composta de diários produzidos em um espaço de anos de observação e de vivências na colônia —, como também na elaboração do May�ower compact, demonstrou-se já a grande força das colônias do norte, o que corrobora com o exposto por Vanspanckeren (1995): muitos colonos que habitavam a região buscavam a instrução a ponto de serem tão intelectualizados quanto os que viviam na própria Inglaterra. Entretanto, não houve apenas homens a produzirem escritos na Nova Inglaterra. Anne Bradstreet (1612-1672), inglesa, puritana e poeta, teve uma grande importância para a literatura, deixando uma produção voltada ao amor a Deus e 1.2.2 A produção literária nas colônias da Nova Inglaterra O puritanismo se refere a um movimento de reforma da fé. Entre meados do século XVI até o início do século XVII, os ingleses renovaram a crença em Deus por meio de uma orientação Calvinista e pela devoção à Bíblia Sagrada, considerando-a, muitas vezes, literalmente. A disciplina, a conversão, a autorregulação, o zelo religioso e a veemência de uma teocracia (poder político nas mãos da religião) puritana a �m de puri�car a Igreja inglesa foram decisivos para que o puritanismo se estabelecesse entre grupos de religiosos que, frente a questões políticas, decidiram praticar suas crenças e levá-las para o Novo Mundo. VOCÊ SABIA? ao marido e que versava, além disso, sobre sua vida pessoal. Um dos episódios narrados por ela se refere ao incêndio ocorrido em sua casa: And when I could no longer look, I blest His grace that gave and took, That laid my goods now in the dust. Yea, so it was, and so 'twas just. It was his own; it was not mine. Far be it that I should repine. (E quando eu não mais conseguira olhar Honrei Tua graça que me deu e me tomou, Que dispôs de meus bens ora em cinzas. Sim, assim se deu, e assim foi justo. Não era nem dele, não era nem meu. Longe de mim lamentar). (BRADSTREET, 1666, on-line, tradução nossa). Muitos outros autores, citados por High (2000), trataram sobre New England, sobre a vida religiosa do �el, sobre a devoção às leis puritanas, sobre a teocracia puritana e muito se escreveu, ainda, sobre a libertação por meio da fé desatrelada à política ou que a fé estava ameaçada pela bruxaria e pela superstição. Nomes como John Winthrop (1587/8-1649), Edward Johnson (1598-1672), Thomas Hooker (1586-1647), John Cotton (1585-1652), Roger Williams (1603- 1683), William Peen (1644-1718), Richard Mather (1596-1669), Cotton Mather (1663-1728), Michael Wigglesworth (1631-1705) e Edward Taylor (1645-1729) produziram diários (journals), declarações (statements), trabalhos completos (works), livros religiosos (religious books) e sermões (sermons), nos quais foram abordadas as temáticas anteriormente mencionadas em um espaço de tempo de mais de cinquenta anos. Nas produções das colônias, foram os sermões que se destacaram, em especial nas colônias do norte. Já nas colônias do sul, como a�rma High (2000), essas produções tiveram um menor destaque. Isso porque nestas havia muito mais interesse pelo trabalho agrícola, com grandes propriedades de terra e com um grande número de trabalhadores escravizados. Jonathan Edwards (1703-1758) foi um pregador, �lósofo e missionário puritano que, diferentemente de todos os autores anteriormente citados, nasceu no Novo Mundo. Filho de religiosos fervorosos, o jovem Edwards cursou a universidade muito cedo, passando em seguida a um mestrado e, posteriormente, a ministrar aulas, juntamente com as atividades da vida religiosa como pastor da Igreja Congregacional (de gerência autônoma e independente). Foi por meio de sermões e de pregações que ele participou de um movimento denominado The Great Awakening (O Grande Despertar/Grande Avivamento, em português). Um dos sermões mais famosos desse autor se chama Sinners in the hand of an angry God (Pecadores nas mãos de um Deus irado, em português), de 1741, no qual ele apresenta as imagens infernais a que o ser humano está sujeito quando se afasta do amor e da disciplina de Deus. VOCÊ O CONHECE? Nesse contexto, foram também os sermões que alavancaram a propagação da concepção puritana, ou seja, com o crescimento econômico das áreas colonizadas, com o intenso �uxo de pessoas chegando e saindo, e, evidentemente, com a criação dos núcleos de educação (como os colleges, a exemplo do Harvard College, criado em 1638), a partir de 1636, as concepções puritanas foram se fortalecendo. Contudo, é preciso observar que, por outro lado, com todo esse crescimento, também se tornaram mais evidentes as fragilidades dos sistemas religiosos, visto que as pessoas �caram mais críticas e passaram a identi�car esses problemas com maior seguridade. A crescente disseminação dos sermões e das pregações, muitas vezes realizados ao ar livre, bem como a divisão crucial dos religiosos entre new lights (de novas luzes, ou awakening, renovadores ou despertados) e old lights (de velhas luzes), gerou, entre os anos de 1730 e 1740, uma liberdade de proliferação de grupos religiosos. O movimento de avivamento fomentou a popularização da fé cristã, o que permitiu que houvesse uma grande produção escrita voltada à religião nas colônias do norte e do sul, de�nindo a literatura da época como relativa à conversão do ser humano e da puri�cação deste frente ao desenvolvimento da ciência e da política e economia do século XVIII. “O grande modelo de escrita, fé e conduta era a Bíblia, numa tradução inglesa autorizada já há muito desatualizada quando foi �nalmente divulgada. A idade da Bíblia, maior que da Igreja Romana, dava a ela autoridade aos olhos puritanos. Os puritanos da Nova Inglaterra apegavam-se às histórias dos judeus do Velho Testamento, crendo que eles, como os judeus, eram perseguidos por sua fé, eram os únicos a conhecerem o Deus verdadeiro e eram os eleitos para fundar a Nova Jerusalém – o paraíso na Terra. [...]. Os mundos coloniais tendem a ser arcaicos e a Nova Inglaterra certamente não foi exceção. Seus puritanos eram arcaicos por opção, convicção e circunstância”. (ATIVIDADE NÃO PONTUADA) TESTE SEUS CONHECIMENTOS Para os puritanos, era voluntário viver naquela terra distante, e a literatura norte- americana manteve, em grande aspecto, no período colonial, a in�uência das vitórias e derrotas desses �éis, bem como suas vivências e suas convicções impressas nas páginas produzidas por seres humanos de grande religiosidade. É fundamental compreender também que os puritanos liam muito e que a VANSPANCKEREN, K. Per�l da literatura americana. [S. l.]: Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, 1994. p. 10-11. Considerando essas informações e seus estudos sobre o tema, analise as asserções a seguir e a relação proposta entre elas. I. Os puritanos criaram escritos, leis e formas de governo baseados na fé por seu Criador. PORQUE II. Os puritanos sentiam que eram os eleitos para salvar o povo de Deus. Agora, assinale a alternativa correta. a) As asserções I e II são proposições falsas. b) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa. c) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposiçãoverdadeira. d) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justi�cativa da I. e) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justi�cativa da I. VERIFICAR impressão de livros estrangeiros era permitida no Novo Mundo, desde 1630. Porém, o que era lido passava por líderes que buscavam conduzir a leitura dos habitantes das colônias. Desse modo, tanto aqueles que eram denominados de pilgrims (peregrinos), que chegaram a partir de 1620, quanto os puritanos que se instalaram na Baía de Massachusetts, a partir de 1630, abraçaram uma vida rigorosa no Novo Mundo, pois devido à grande apreensão pela qual passaram na terra natal, suas inclinações agora demandavam tão pouco, e, ainda, embora houvesse grandes adversidades, aos poucos, a vida nas colônias passou a ser mais aprazível. Havia muitas peculiaridades no estilo de vida dos colonos do norte, do centro e do sul, de modo que, com os passar das décadas do século XVIII, houve um distanciamento de interesses. Nesse contexto, Vanspanckeren (1995) a�rma que, em alguns locais, o foco das produções recaiu sobre os padrões aristocráticos britânicos do sul, parâmetros trabalhados na Europa, enquanto em outras colônias escrevia-se sobre o trabalho duro, a devoção e a natureza. Exemplos das escolhas distintas de temas podem ser observados em William Byrd (1674-1744), autor que satirizou a vida na Nova Inglaterra, e em John Woolman (1720-1772), habitante do norte que decidiu escrever seus ensaios com temáticas contra a escravidão. O �lme As bruxas de Salém, inspirado na peça do teatrólogo americano Arthur Miller (1915-2005), apresenta uma visão interessante e bem retratada do período colonial. Ele revela como se deu o episódio de Salém, em Massachusetts, no ano de 1692, quando jovens acusavam pessoas de bruxaria em um tempo em que tal prática levaria à execução. Foi um dos piores eventos registrados na história americana. O �lme foi dirigido por Nicholas Hytner e exibido em 1996. Vale a pena conferi-lo e veri�car fatos signi�cativos a respeito dos puritanos e de sua vida nas colônias, bem como sobre quais foram as circunstâncias que levaram aos julgamentos por bruxaria naquele lugar. VOCÊ QUER VER? Essas peculiaridades, as inúmeras restrições impostas aos colonos, o regime de imposição de taxas impagáveis e a difusão de ideias sobre o materialismo mundano em contraposição à espiritualidade casta provocou a efervescência de um ambiente propício para um processo de revolução e de independência, conforme veremos com mais detalhes na sequência. Nas últimas décadas do século XVIII, cresceu a revolta dos colonos contra o colonizador britânico a ponto de provocar inúmeros episódios sangrentos. De igual modo, os interesses distintos das colônias provocaram brigas internas, o que também di�cultava a luta contra os franceses e espanhóis que também habitavam as regiões ocupadas pelos colonos. Assim, a coroa britânica enviou mais efetivo militar para as áreas em con�ito, aumentando ainda mais a animosidade. A partir de então, veri�ca-se um desa�ador quadro estrutural que irá provocar a iniciativa de homens de grande saber �losó�co, político, econômico e revolucionário para o bem não só de seus interesses pessoais, mas também para a contemplação de uma nova realidade advinda da intolerância da presença do colonizador. Denominado American Enlightenment, o Iluminismo Americano se estendeu pelos séculos XVII, XVIII e XIX e teve grande in�uência do Iluminismo Europeu, em voga a partir do século XVII. Nesses séculos, houve ênfase à razão em contraposição à fé cega, uma vez que as ideias de Isaac Newton (1643-1727) e de John Locke (1632-1704) chegaram com grande energia nas colônias do sul e do centro. Diferentemente do que ocorria nas colônias do norte, havia, no sul e no centro, muito maior abertura para novos preceitos. Assim, a entrada dessas ideias e dos ideais de liberdade já pensados por líderes intelectuais culminaram em uma forte resistência à coroa britânica, pois já não se podia aceitar suas imposições. 1.3 Período revolucionário 1.3.1 O Iluminismo Assim, as ideias de John Locke, relacionadas ao liberalismo, bem como as ideias de John Adams, referentes ao republicanismo, edi�caram as produções escritas que conduziram os autores anteriormente mencionados a elaborarem a Declaração de Independência (1776). Desse modo, ambos, cada um em seu tempo e espaço — uma vez que John Locke era inglês e John Adams era americano —, contribuíram para in�uenciar outros pensadores a imaginar a liberdade e os direitos dos cidadãos. Juntam-se também aos “pais fundadores” os iluministas Hector St. John de Crèvecoeur (1735-1813) e Thomas Paine (1737-1809). O primeiro pintou uma imagem importante de que todos os povos caberiam nas colônias, porque não haveria um lugar de tanta diversidade cultural como a América do Norte. Já o segundo, com sua produção pan�etária, foi responsável por levar ao movimento de independência o fervor da escrita de fato revolucionária. São dele as palavras a seguir: O Iluminismo Americano teve suas raízes nos colleges e em universidades criadas nas colônias, a saber, King’s College, The College of New Jersey, Harvard College, College of William and Mary e University of Pennsylvania. Seus principais representantes são chamados por muitos autores de “os pais fundadores”, visto que basearam seus escritos e críticas no aprofundamento da condição dos moradores das colônias e iniciaram o processo de independência do colonizador. São considerados “pais fundadores” pensadores como John Adams (1735-1826), Benjamin Franklin (1706-1790), Alexander Hamilton (1755-1804), John Jay (1745-1829), Thomas Jefferson (1743-1826), James Madison (1751-1836) e George Washington (1732-1799). Entretanto, foi Benjamin Franklin quem mais se destacou, juntamente com Thomas Jefferson, nesse período. Franklin foi inventor, �lósofo e escritor, tendo deixado ensaios voltados à disciplina e à rigidez da proposição, ou seja, à grande resolução de o ser humano deixar a preguiça e a ignorância. Em termos literários mais restritos, é em seu livro intitulado Autobiography (1791) que Franklin apresentou razões para se tornar uma pessoa virtuosa, motivada, organizada e participativa. Tal produção é considerada uma obra literária, pois se trata de um relato autobiográ�co, gênero da literatura assim como outras autobiogra�as que se encontram descritas. Thomas Jefferson, por sua vez, foi o grande responsável pela Declaração de Independência dos Estados Unidos, região que a partir de então já pode ser denominada como uma nação. Jefferson, ao escrever a declaração, deixou A autoridade da Grã-Bretanha sobre esse continente é uma forma de governo que mais cedo ou mais tarde deve ter um fim: e uma mente séria não pode extrair qualquer prazer verdadeiro em olhar para frente, sob dolorosa e positiva convicção que possa denominar de “a presente constituição” que é meramente temporária (PAINE, 1776, on-line, tradução nossa). aspectos literários muito de�nidos, relacionados a apelos emocionais, demonstrando clareza e racionalidade, de modo a conferir ao documento uma grande importância documental e artística. Figura 3 - Benjamin Franklin (1706-1790) em uma imagem do experimento da pipa, realizado em 1752 Fonte: Everett Collection, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Ilustração colorida de Benjamin Franklin junto de uma criança. Ambos estão à frente de uma casa do campo e o céu está nublado. Franklin empina uma pipa, ação que fez parte de seus experimentos para a invenção do para-raios. Embora a escrita política estivesse fortemente presente no período revolucionário, também foi possível veri�car, naquele momento, uma produção literária na épica e na poesia. Entre os representantes da produção épica, destaca-se a obra The conquest of Canaan (1785), de Timothy Dwight (1752- 1817), que traz, em uma narrativa poética, George Washington na �gura de Josué durante as empreitadas combativas. Também é possível mencionar Philip Freneau (1752-1832),que produziu poemas sobre liberdade e fazendo menção a ideias democráticas. Freneau ainda escreveu sobre a natureza e suas imagens ora expressivas, ora líricas, demonstrando grande sensibilidade. Com Thomas Jefferson, Benjamin Franklin e Jonathan Edwards, veri�camos a verdadeira identidade de um povo que erigiu de uma produção religiosa e que culminou em uma produção política madura e signi�cativa para a constituição de um país, que foi edi�cado, portanto, em alicerces construídos no decorrer de poucos séculos. Foi particularmente por causa de suas iniciativas que esses grandes homens de�niram o espírito norte-americano. A �cção após a Independência dos Estados Unidos foi estruturada com personagens que faziam parte de uma cultura mais representativa dos valores norte-americanos, isto é, a inspiração, em grande parte, foi retirada das próprias narrativas dos habitantes do país ou de suas superstições. Charles Brockden Brown (1771-1810) foi um romancista americano que escreveu muito em pouco tempo, muito provavelmente por questões �nanceiras. É particularmente importante tratar de sua obra, visto que ela antecipa uma escrita gótica que será muito característica do período romântico. Brown inseria seus personagens em cenários típicos locais, oferecendo também um retrato da cultura e das crenças do povo que habitou aquele país. Outro autor signi�cativo da cultura americana foi Washington Irving (1789-1859), que como Brown procurou viver de seus escritos e trabalhar com o imaginário americano para construir um universo �ccional muito voltado para as tradições dos povos que se estabeleceram nos Estados Unidos, embora de tradições europeias. São dele o conto Rip Van Winckle (1819) e a história do Cavaleiro sem Cabeça, descrita em The legend of sleepy hollow (1820). Como a�rma High (2000), esta produção de Irving buscou o folclore germânico como inspiração. 1.3.2 A obra de ficção e a revolução americana Um documento muito importante para a literatura e para a história dos Estados Unidos é a Declaração de Independência. Con�ra na íntegra esse documento acessando o site National Archives (2021). Acesse (https://www.archives.gov/founding-docs/declaration-transcript) VOCÊ QUER LER? https://www.archives.gov/founding-docs/declaration-transcript Assim, relacionando-a com o trabalho de Brown, observa-se nesses textos, além do cenário fantasioso, uma inclinação para descrições complexas dos personagens. Figura 4 - Rip Van Winkle, personagem de Washington Irving Fonte: Kyle Tunis, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Estátua de Rip Van Winkle deitada em um gramado. O personagem tem barbas longas e usa chapéu. A descrição fantasiosa de Irving vai determinar não apenas um gosto peculiar sobre o gênero, mas também vai acrescentar à literatura do país uma determinação típica da cultura americana: a ambientação de uma história estrangeira aos lugares comuns do país, criando uma adaptação feliz e apropriada para os leitores que viviam nos Estados Unidos no século XIX. Nesse sentido, o material que Irving utilizou em sua obra foi em parte estrangeiro, porém, revertido em uma espécie de composição arquitetônica e atmosférica local. Desse modo, personagens como Rip Van Winkle e o Cavaleiro sem Cabeça trazem para a literatura norte-americana um empréstimo interessante da cultura de outros países, nesse caso especí�co, da tradição alemã e da tradição holandesa. Observe a seguir mais detalhes sobre esses dois personagens. Washington Irving foi um dos primeiros autores americanos a viver de sua produção escrita, pois naquele século havia um público ainda muito parco e muitas obras estrangeiras ainda circulavam impressas nos Estados Unidos. Além disso, foi somente naquele momento, com as novas leis comerciais e autorais em vigor no país, que se começou a pensar em meios de�nitivos para uma produção literária séria. Rip van Winkle era um cidadão comum muito conhecido, porém, por estar sempre à disposição de todos, pouco se ajudava. Ao ajudar um homem que passava no vilarejo, Rip é presenteado com uma bebida; ao beber, ele sente sono e então dá-se início ao fantástico: Rip dorme por anos. Ao acordar, ele volta à vila e somente após falar com a �lha, ele é reconhecido. Nessa história, existe a referência ao primeiro explorador daquela terra, Henry Hudson, o qual descia de seu descanso para caminhar novamente pelas terras de 20 em 20 anos. O Cavaleiro sem Cabeça é uma entidade atormentada com a perda da cabeça em uma das batalhas da Guerra da Revolução. Nessa guerra, um canhão atinge o Cavaleiro e a perda da cabeça determina suas aparições, pois o personagem está sempre à procura dela. Ischabod Crane, protagonista da história, tem a função de entender e desvendar o mistério do Cavaleiro. Ele é um homem da ciência e se depara com algo realmente fantástico. Ao confrontar a entidade, Crane desaparece, o que faz com que os locais pensem que ele foi levado pelo Cavaleiro, seu antagonista na história. Rip van Winkle Cavaleiro sem Cabeça Figura 5 - Imagem do personagem de Washington Irving, presente em The legend of sleepy hollow<\i> Fonte: HelloSSTK, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Ilustração do Cavaleiro sem Cabeça. Ao fundo, está a Lua cheia ocupando boa parte da imagem. À frente da Lua, no alto de uma colina, está o Cavaleiro sem Cabeça, que veste uma capa e que está montado em um cavalo. Finalmente, em primeiro plano, estão lápides simulando um cemitério. As cores da ilustração são predominantemente escuras, à exceção da Lua, bastante iluminada. Se Irving contribuiu para a composição de uma cultura repleta de fantasia e fazendo uso de adaptações, James Fenimore Cooper (1789-1851) trouxe para a �cção a história e a leitura de como os povos indígenas americanos se organizavam. Na coleção intitulada (1823), Cooper escreveu romances que trataram dos índios e de um personagem muito importante da cultura americana, também Leatherstocking tales Leatherstocking tales Também é de Cooper um belíssimo romance intitulado The last of Mohicans (1826). Nessa história, as �lhas do coronel Munro, Alice e Cora, são levadas para o Fort William Henry, porém, no caminho, elas são capturadas pelos Hurões, povo feroz e combativo que faz resistência aos homens que transportam as moças, entre eles Natty Bumppo e os índios Chingachgook, rivais dos Hurões. Assim, na �cção de Cooper, existe a verossimilhança, característica muito presente na literatura, uma vez que aproxima a realidade e a construção �ccional. Além disso, sua produção também é um misto de historiogra�a e de registro geográ�co, pois a paisagem por ele retratada se confunde com a história do país. conhecido na Europa, denominado Natty Bumppo. Bumppo era um personagem que vivia na fronteira e que mantinha com os índios do Delaware uma relação muito estreita, algo que frequentemente ocorria nos séculos XVIII e XIX. Para escrever as histórias sobre Natty Bumppo, Cooper se utilizou de alguns traços de Daniel Boone, um homem que viveu na �oresta às margens do rio Cumberland. Ele também lutou na Guerra Revolucionária Americana no período de 1775 a 1783. Natty Bumppo Daniel Boone Figura 6 - Ilustração de Daniel Boone (1734-1820), que viveu no período colonial americano Fonte: Everett Collection, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Ilustração de Daniel Boone. Na imagem, Boone aparece em pé, com um pé em terra firme e com outro em uma canoa, entrando nela. Ele segura uma longa espingarda e olha para sua esquerda. Ao fundo, há uma paisagem verde e árvores. A psicologia, a história, a determinação e o imaginário são aspectos muito presentes na �cção desse período. É nesse cenário que encontramos um momento muito frutífero para compreender as raízes da produção artística e literária locais, uma vez que os autores da passagem do século XVIII para o século XIX compreenderam que viviam em um momento em que a composição própria passava a ser cada vez mais valorizada. Além disso, é a partir desse período que muitos leitores começaram a ser cativadosnão apenas em virtude da identi�cação que tinham com os lugares onde as histórias eram ambientadas, mas também passaram a considerar a qualidade da produção escrita. De acordo com High (2000, p. 35, tradução nossa), “Os índios de Cooper, mesmo os ‘maus’, são quase sempre bravos. Em geral, ele divide os índios em dois tipos. Seus índios ‘bons’ [...] são leais e afetuosos. Alguns críticos reclamam que eles são muito bons e que Cooper diz que eles, erroneamente, são ‘nobres selvagens’. Os ‘maus’ são cheios de maldade e não podem ser con�áveis [...]. Eles são uma raça em extinção, sacri�cada pelo avanço da cultura branca. Parece que Cooper está querendo alertar toda a humanidade que esse poderia ser o destino de outras raças”. HIGH, P. An outline of american literature. Londres: Longman, 2000. Considerando essas informações, sobre a �cção americana dos séculos XVIII e XIX, analise as a�rmativas a seguir. I. As aventuras são narradas de acordo apenas com os fatos reais da história dos Estados Unidos. II. As histórias fantasiosas podem conter elementos estrangeiros que cooperam para uma produção original. III. Os personagens são típicos dos Estados Unidos e não permutam características estrangeiras. IV. Os cenários guardam surpresas em um misto de factual e �ccional, trazendo ambos nas composições. V. As produções eram idealizadas para conter somente personagens de fontes históricas, uma vez que os leitores assim o sugeriam. Está correto o que se a�rma apenas em: (ATIVIDADE NÃO PONTUADA) TESTE SEUS CONHECIMENTOS Diante desse contexto, por todos os fatores mencionados ao longo desta unidade, bem como por haver, aos poucos, uma maior liberdade de produção, a �cção dos séculos XVIII e XIX guarda muitas características especí�cas que só poderão ser analisadas do ponto de vista da história, da geogra�a e da poética dos Estados Unidos, ou seja, nenhum desses fatores poderá ser negligenciado quando se veri�ca uma produção já se encaminhando para uma literatura realmente própria. a) I e V. b) II e IV. c) II, III e IV. d) I, II, III e V. e) I, III, IV e V. VERIFICAR A literatura norte-americana, posteriormente e popularmente reconhecida como literatura americana, deu vida, ao longo de seu desenvolvimento, a uma série de documentos, ensaios, artigos, poesias e narrativas que compõem um vasto arquivo. Esse arquivo evidencia a relação dessa literatura com suas origens mais distantes, expressando desde a viagem dos peregrinos ao Novo Mundo e a inclinação �el dos puritanos até a resolução dos revolucionários e a percepção dos �ccionistas sobre o território local. Seu grande valor reside, assim, nos aspectos históricos e culturais que traz em seu bojo. Compreender essa literatura requer do leitor uma grande parcimônia, na medida em que este deverá aceitar que ela foi esboçada por seres de sua época, que trabalhavam e que se esforçavam em deixar registrado um pouco de sua vida e de sua experiência. Por esse motivo, grandes obras foram compostas por seres humanos letrados e por pessoas que contribuíram para consolidar a circulação da economia e da política com o mesmo fervor com que desbravavam novas terras para alçar voos de liberdade. Nesta unidade, você teve a oportunidade de: CONCLUSÃO A partir das conquistas dos líderes do movimento de independência das colônias, foi possível descobrir que já havia no território diferentes formas de produção literária. Diante desse contexto, re�ita sobre o processo de constituição da nova nação e quais os tipos de produção escrita que foram adotados. VAMOS PRATICAR? identi�car os traços distintivos dos principais movimentos literários norte-americanos; compreender o contexto histórico dos períodos colonial e revolucionário; identi�car e reconhecer as características das expressões literárias dos períodos colonial e revolucionário; analisar as obras de autores representativos dos períodos colonial e revolucionário. Clique para baixar conteúdo deste tema. BRADSTREET, A. Verses upon the Burning of our House, July 10th, 1666. Poetry Fundation, Chicago, 2021. Disponível em: https://www.poetryfoundation.org/poems/43707/verses-upon-the- burning-of-our-house-july-10th-1666. Acesso em: 18 maio 2021. BRUXAS de Salém. Direção de Nicholas Hytner. Los Angeles: 20th Century Fox, 1996. 1 DVD (123 min), son., color. DECLARATION of Independence: a transcription. National Archives, College Park, 2021. Disponível em: https://www.archives.gov/founding- docs/declaration-transcript (https://www.archives.gov/founding- docs/declaration-transcript). Acesso em: 18 maio 2021. Referências https://www.archives.gov/founding-docs/declaration-transcript HIGH, P. An outline of american literature. Londres: Longman, 2000. PAINE, T. 1776: Paine, Common Sense (Pamphlet). Oll, Indianópolis, 2021. Disponível em: https://oll.libertyfund.org/page/1776-paine-common- sense-pamphlet (https://oll.libertyfund.org/page/1776-paine-common- sense-pamphlet). Acesso em: 18 maio 2021. VANSPANCKEREN, K. Per�l da literatura americana. [S. l.]: Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, 1994. https://oll.libertyfund.org/page/1776-paine-common-sense-pamphlet