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Autoras: Profa. Daniella do Carmo Buonfiglio Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Colaboradoras: Profa. Cristiane Jaciana Furlaneto Profa. Claudia Ferreira dos Santos Ruiz Figueiredo Anatomofisiologia Professoras conteudistas: Daniella do Carmo Buonfiglio/ Laura Cristina da Cruz Dominciano Daniella do Carmo Buonfiglio Licenciada e bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Metodista de São Paulo (2004) e doutora em Ciências (na área de fisiologia humana) pela Universidade de São Paulo – USP (2011), onde desenvolveu um projeto paralelo como parte de um estágio na Université Louis Pasteur, em Strasbourg, França. Já pós-graduada, continuou sua linha de pesquisa sobre os ritmos circadianos na retina de animais diabéticos, aprofundando-se em mecanismos de ação. E durante seu pós-doutorado (2013), no Instituto de Ciências Biomédicas da USP, começou a experiência docente com a orientação de alunos de iniciação científica. Atualmente, ministra aulas de fisiologia humana, citologia e histologia na Universidade Paulista (UNIP), para os cursos de graduação em Biologia, Farmácia e Biomedicina. Recentemente, retornou à pesquisa, realizando um novo pós-doutorado na USP, estudando o impacto da obesidade no comportamento maternal e lactação. Laura Cristina da Cruz Dominciano Graduada em Ciências Biológicas pela Uniararas (1995), mestre em Biologia Comparada pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto – USP (2001) e doutora em Ciências pela Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos de Pirassununga – USP (2015). Leciona na Universidade Paulista (UNIP), campus de São José do Rio Pardo, desde 2002, nos cursos de Enfermagem, Nutrição e Biomedicina, nas disciplinas de Biologia e áreas afins, e é coordenadora auxiliar e docente do curso de Ciências Biológicas da UNIP, campus Vargas, Ribeirão Preto, desde 2012. Também atua como docente na pós-graduação em Gestão Ambiental na disciplina Fundamentos de Ecologia, Ecossistemas, Saúde Pública e Meio Ambiente e é coordenadora da pós-graduação MBA em Sistemas Ambientais: do Micro ao Macro na Sustentabilidade. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) B944a Buonfiglio, Daniella do Carmo. Anatomofisiologia / Daniella do Carmo Buonfiglio, Laura Cristina da Cruz Dominciano. – São Paulo: Editora Sol, 2022. 238 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Anatomia. 2. Fisiologia. 3. Sistemas. I. Buonfiglio, Daniella do Carmo. II. Dominciano, Laura Cristina da Cruz. III. Título. CDU 611/612 U516.30 – 22 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Sandra Miessa Reitora em Exercício Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades do Interior Unip Interativa Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Jaci Albuquerque Caio Ramalho Sumário Anatomofisiologia APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 INTRODUÇÃO À ANATOMIA HUMANA ................................................................................................... 11 1.1 Anatomia sistêmica ............................................................................................................................. 11 1.2 Anatomia topográfica ........................................................................................................................ 12 1.3 Divisão do corpo humano................................................................................................................. 12 1.4 Variações anatômicas e nomenclatura ....................................................................................... 13 1.5 Posição anatômica, planos e eixos ................................................................................................ 16 1.6 Introdução à fisiologia humana ..................................................................................................... 19 1.7 Organização funcional do corpo humano ................................................................................. 19 1.8 Controle do meio interno e homeostase .................................................................................... 20 1.9 Transporte de substâncias por meio da membrana celular ................................................ 22 1.9.1 Composição química das membranas biológicas ...................................................................... 22 1.9.2 Transporte por meio das membranas celulares .......................................................................... 23 2 NEUROFISIOLOGIA .......................................................................................................................................... 28 2.1 Organização do sistema nervoso ................................................................................................... 29 2.2 Aspectos gerais e funcionais dos neurônios e das neuroglias ........................................... 31 2.3 Potencial de ação ................................................................................................................................. 38 2.3.1 Mecanismos iônicos do potencial de ação ................................................................................... 41 2.4 Transmissão sináptica: sinapses elétrica e química ................................................................ 43 2.5 Neurônios sensoriais ........................................................................................................................... 45 2.5.1 Tato e os mecanorreceptores da pele ............................................................................................. 47 2.5.2 Campo receptivo ..................................................................................................................................... 49 2.5.3 Processamento da informação sensorial ...................................................................................... 50 2.6 Neurônios motores .............................................................................................................................. 51 2.7 Sistema nervoso autonômico .......................................................................................................... 53 2.7.1 Sistema simpático .................................................................................................................................. 54 2.7.2 Sistema parassimpático........................................................................................................................ 55 2.7.3 Sistema neurovegetativo entérico ................................................................................................... 57 3 SISTEMA MUSCULAR .....................................................................................................................................58 3.1 Tipos de músculos ................................................................................................................................ 58 3.2 Elementos que participam da contração e ausência de contração muscular ............. 60 3.3 Mecanismos da contração muscular esquelética ................................................................... 63 3.4 Placa motora .......................................................................................................................................... 65 4 SISTEMA CARDIOVASCULAR ....................................................................................................................... 67 4.1 Circulação do sangue (circulação pulmonar e sistêmica) ................................................... 70 4.2 Ciclo cardíaco ......................................................................................................................................... 72 4.2.1 Bulhas cardíacas ...................................................................................................................................... 74 4.3 Débito cardíaco ..................................................................................................................................... 74 4.4 Automatismo cardíaco ....................................................................................................................... 75 4.5 Potencial de ação cardíaco ............................................................................................................... 76 4.6 Ritmicidade cardíaca e o sistema de condução ....................................................................... 79 4.7 Eletrocardiograma (ECG) ................................................................................................................... 80 4.8 Regulação da pressão arterial ......................................................................................................... 81 4.9 Regulação neural da pressão arterial ........................................................................................... 83 4.10 Regulação humoral da pressão arterial .................................................................................... 85 4.11 Sistema sanguíneo ............................................................................................................................. 87 4.11.1 Composição do sangue (porção líquida e celular) .................................................................. 87 4.11.2 Funções dos eritrócitos, leucócitos e plaquetas ....................................................................... 91 4.11.3 Tipos sanguíneos ................................................................................................................................... 96 4.11.4 Hemostasia .............................................................................................................................................. 99 Unidade II 5 SISTEMA RESPIRATÓRIO .............................................................................................................................109 5.1 Vias aéreas: porção condutora e respiratória .........................................................................109 5.2 Mecânica ventilatória, volumes e capacidades pulmonares ............................................113 5.3 Difusão dos gases, transporte dos gases pelo sangue e pressões de trocas gasosas .............................................................................................................................................118 5.4 Transporte de oxigênio no sangue ..............................................................................................120 5.5 Controle nervoso da respiração ....................................................................................................124 6 SISTEMA DIGESTÓRIO ..................................................................................................................................124 6.1 Estrutura geral do sistema digestório: processos de mastigação, deglutição, digestão, absorção e defecação ...................................................................................124 6.2 Resposta integrada a uma refeição ............................................................................................132 6.3 Glândulas anexas: fígado e pâncreas .........................................................................................144 6.4 Digestão e absorção dos carboidratos .......................................................................................148 6.5 Digestão e absorção das proteínas .............................................................................................149 6.6 Digestão e absorção dos lipídios ..................................................................................................150 6.7 Secreção e absorção de água e eletrólitos ...............................................................................151 Unidade III 7 SISTEMA RENAL .............................................................................................................................................160 7.1 Morfologia funcional do rim .........................................................................................................160 7.2 Filtração glomerular ..........................................................................................................................166 7.3 Absorção, excreção e formação da urina .................................................................................169 7.4 Túbulo proximal ..................................................................................................................................170 7.5 Alça de Henle .......................................................................................................................................172 7.6 Túbulo distal e túbulo coletor .......................................................................................................173 7.7 Regulação da reabsorção de NaCl e água ................................................................................174 7.8 Regulação de volume e osmolaridade pelo rim ....................................................................175 8 SISTEMA ENDÓCRINO .................................................................................................................................180 8.1 Classificação dos hormônios .........................................................................................................180 8.2 Regulação da secreção hormonal ...............................................................................................183 8.3 Sistema hipotálamo-hipófise ........................................................................................................184 8.4 Neuro-hipófise (posterior) ..............................................................................................................185 8.5 Adeno-hipófise (anterior) ...............................................................................................................186 8.6 Glândula tireoide ................................................................................................................................193 8.6.1 Síntese dos hormônios tireoidianos ............................................................................................. 194 8.6.2 Secreção dos hormônios tireoidianos ......................................................................................... 195 8.6.3 Funções dos hormônios tireoidianos ........................................................................................... 196 8.7 Glândula paratireoide .......................................................................................................................198 8.8 Pâncreas endócrino ...........................................................................................................................1998.9 Glândula adrenal ................................................................................................................................202 8.9.1 Medula adrenal ..................................................................................................................................... 203 8.10 Gônadas: sistemas reprodutores masculino e feminino ..................................................207 8.10.1 Sistema reprodutor masculino ..................................................................................................... 208 8.10.2 Sistema reprodutor feminino ........................................................................................................213 9 APRESENTAÇÃO Esta disciplina visa construir com o aluno uma base adequada de conhecimentos anatômicos e fisiológicos sobre o funcionamento de órgãos e sistemas do corpo humano. A disciplina aborda os aspectos anatomofisiológicos dos sistemas nervoso, muscular, cardiovascular, sanguíneo, digestório, respiratório, renal e endócrino. A disciplina pretende demonstrar o desempenho e a disposição dos diversos órgãos, abordando aspectos fisiológicos e anatômicos de cada sistema estudado, para que o aluno possa integrar esse conhecimento a sua área de atuação profissional. Inicialmente, faremos uma introdução à anatomia e à fisiologia, apresentando ao aluno os conceitos básicos, iniciando a investigação da localização, da atividade e do equilíbrio do corpo humano. Em seguida, será abordado o sistema nervoso, que é o grande centro integrador e regulador de todas as nossas funções, assim como o sistema muscular, que é o sistema efetor controlado pelo sistema nervoso. Na sequência serão estudados os sistemas cardiovascular e sanguíneo, responsáveis pelo transporte e pela distribuição de substâncias para todo o organismo. Em seguida, analisaremos dois sistemas, mostrando a fisiologia e a anatomia do sistema respiratório, especializado na captação do oxigênio (O2) e na eliminação do gás carbônico (CO2), sendo um órgão excretor, assim como o sistema digestório, que trata dos eventos relacionados à mastigação, à digestão e à absorção dos nutrientes oriundos da alimentação, também excretando resíduos não reutilizados por nosso corpo. Por último, abordaremos outro órgão excretor, que é o sistema renal, responsável pela depuração do organismo, em que mostraremos as partes anatômicas e suas funções de filtração, reabsorção e regulação de pressão arterial, osmótica e eritrócitos, para manter nossa vitalidade. E finalizaremos estudando o sistema endócrino, o qual, por meio dos hormônios, modula e integra todas as funções do organismo. INTRODUÇÃO A palavra anatomia tem sua origem grega ana e significa cortar em partes. Já o termo fisiologia tem sua origem em dois termos gregos: physis (natureza) e logos (estudo). Os termos se referem aos estudos dos fenômenos naturais de origens biológicas, tanto animal quanto vegetal. O presente livro abordará a anatomia e a fisiologia humana, sendo estes os alicerces para a compreensão das patologias e do funcionamento do corpo que nos governa. Para um profissional da área das ciências biológicas, seja no bacharelado, seja na licenciatura, é fundamental a compreensão das partes que compõem o corpo humano, para assim efetivar o conhecimento da biologia comparada aos demais seres vivos, sejam eles animais ou vegetais. Para que o corpo humano funcione adequadamente, é necessário que todos os sistemas (nervoso, muscular, cardiovascular, respiratório, digestório, urinário, renal e endócrino) trabalhem de forma 10 integrada, mantendo o equilíbrio do meio interno, também chamado homeostase. Quando um dos sistemas deixa de funcionar de forma natural, ou seja, não fisiologicamente, determinado sistema pode perder total ou parcialmente a função; nesse momento, entramos em outro campo de estudo: a patofisiologia. Porém, para entendermos os mecanismos das doenças, antes, precisamos entender como é o funcionamento de um organismo saudável, e isso é responsabilidade da anatomofisiologia. Aluno(a), no decorrer das unidades, você perceberá que diversos eventos anatômicos e fisiológicos, aqui descritos, são observáveis em seu dia a dia. Você entenderá, por exemplo, por que salivamos quando sentimos o cheiro de uma comida apetitosa ou por que nossas avós estavam corretas quando diziam que, para crescer, precisávamos dormir. O corpo funciona a partir de diversos processos complexos, que serão abordados neste livro-texto de forma clara e bastante harmoniosa para facilitar a sua aprendizagem. Pretendemos, com este livro, não apenas contribuir para a formação de futuros profissionais da área de ciências biológicas, mas também despertar a disposição, em cada aluno, ao aprofundamento na investigação dessa poderosa máquina que é o corpo humano. 11 ANATOMOFISIOLOGIA Unidade I 1 INTRODUÇÃO À ANATOMIA HUMANA A anatomia é a ciência que estuda a constituição e o desenvolvimento dos seres organizados e se origina da palavra grega anatome, cujo significado é cortar em partes, cortar separado, sem destruir os elementos componentes, ou seja, dissecar, sendo, portanto, a parte da biologia que estuda a morfologia ou a estrutura dos seres vivos. A todos nós que lidamos com o ensino da biologia humana, o conhecimento da organização do corpo humano e suas diversas estruturas é extremamente importante, pois estamos investigando o terreno da área onde atuamos. Seu estudo tem uma longa e interessante história, desde os primórdios da civilização humana. Inicialmente limitada ao observável a olho nu e pela manipulação dos corpos, expandiu-se, ao longo do tempo, graças à aquisição de tecnologias inovadoras. O primeiro manuscrito publicado sobre a anatomia recebeu o nome de De Humani Corporis Fabrica, produzido no ano de 1543 por Andreas Vesalius, que é atualmente tido como o “pai da anatomia moderna”. O livro colocou por terra alguns conceitos falsos e auxiliou estudos mais aprofundados nessa área, e foi assim que começaram a ser disseminados cada vez mais estudos acerca da anatomia humana. Você já pensou sobre a sua estruturação física, ou seja, sobre a sua anatomia? Sobre a sua simetria ou sobre a sua capacidade de andar ou respirar? Este tópico lhe habilitará conceituar anatomia e suas subdivisões. Você será capaz de descrever a posição anatômica e a divisão do corpo humano por sistemas e regiões; os planos e o eixo do corpo humano e a localização dos órgãos, usando os termos de posição e direção das estruturas do corpo humano. Você irá, ainda, conhecer os tipos constitucionais dos indivíduos e citar suas características morfológicas e os princípios de construção do corpo humano, e poderá conceituar normalidade e alterações da normalidade. 1.1 Anatomia sistêmica A anatomia sistêmica é a parte que estuda os sistemas do nosso corpo, tais como o sistema tegumentar, o sistema esquelético, o sistema muscular, o sistema nervoso, o sistema respiratório, o sistema cardiovascular, o sistema urinário, o sistema endócrino, o sistema digestivo e o sistema reprodutor. Para aprender sobre os sistemas e o funcionamento do corpo humano, é necessário entender o que é homeostase e a sua importância. Juntamente à anatomia se estuda também a fisiologia, ou seja, o funcionamento dos sistemas. A fisiologia é uma ciência que pesquisa as funções dos seres vivos. A fisiologia humana estuda a função de cada parte do corpo, por isso tem uma grande ligação com a anatomia humana. 12 Unidade I No nosso corpo, existem órgãos e complexos sistemas que interagem uns com os outros, de forma a garantir que as funções vitais do organismo estejam em funcionamento. Homeostase é o equilíbrio que esses sistemas devem ter para a realização dessas funções. Veremos mais sobre isso a seguir. 1.2 Anatomia topográfica Anatomia topográfica é um método de estudo do corpo humano por regiões: cabeça, pescoço, tórax, abdome, dorso, membros, pelve e períneo. O objetivodesse estudo é conhecer os conceitos básicos dessas regiões. Por isso pode-se definir a anatomia topográfica como sendo o estudo da topografia geral dos órgãos. Entende-se por topografia, em primeiro lugar, a relação do órgão ao corpo todo, isto é, sua situação no corpo, conhecida como holotopia; já a relação imediata do órgão com os vizinhos próximos é a sintopia; a relação particular do órgão ao esqueleto é a esqueletotopia; e, finalmente, a relação recíproca das partes de um mesmo órgão é a idiotopia. Portanto, a holotopia, a sintopia, a esqueletotopia e a idiotopia integram o conceito geral de topografia. No estudo da anatomia topográfica vários são os processos utilizados. Em primeiro lugar, como meio de fazer um estudo fundamental e básico, utiliza-se a dissecção do cadáver, sendo este o processo que fornece a maior soma de conhecimentos. Entretanto, aqui, a técnica de dissecação difere um pouco daquela seguida para o estudo da anatomia sistêmica, porque a anatomia topográfica não considera os sistemas e aparelhos, mas sim as regiões do corpo humano e em cada uma delas estuda todos os sistemas orgânicos. 1.3 Divisão do corpo humano Classicamente o corpo humano é dividido em: cabeça, pescoço, tronco e membros. Cada uma dessas partes se subdivide, conforme exemplificado na figura a seguir. A cabeça está na extremidade superior do corpo, unida ao tronco pelo pescoço. O tronco se subdivide em tórax e abdome. Os membros são órgãos pares e se subdividem em superiores (torácicos) e inferiores (pélvicos). Os membros possuem uma raiz (cintura), que se une ao tronco, e uma parte livre. Nos membros superiores, a raiz (cintura escapular) é o ombro, e a parte livre se subdivide em braço, antebraço e mão. Entre o braço e o antebraço tem-se o cotovelo, e entre o antebraço e a mão, o punho. Nos membros inferiores, a raiz (cintura pélvica) é o quadril, e a parte livre se subdivide em coxa, perna e pé. Entre a coxa e a perna tem-se o joelho, e entre a perna e o pé, o tornozelo. Na versão posterior da posição anatômica, temos, na parte posterior do corpo, o pescoço, que recebe o nome de nuca; o tronco, que recebe o nome de dorso; e as nádegas, que correspondem à região glútea. 13 ANATOMOFISIOLOGIA Fronte ou “testa” (frontal) Nariz (nasal) Olho (orbital ou ocular) Orelha (ótico: auricular) Bochecha Pescoço (cervical) Tórax (torácico) Mama (mamário) Abdome (abdominal) Umbigo (umbilical) Pelve (pélvico) Mão (da mão) Região inguinal ou “virilha” Púbis (púbico) Fêmur (osso da coxa) (femoral) Pé (podálico) A) B) Hálux Dedos do pé (falanges ) (digital) Tarso ou “tornozelo” (tarsal) Perna (crural) Patela ou “rótula” (patelar) Polegar Palma (palmar) Carpo ou “punho” (carpal) Antebraço (antebraquial) Fossa cubital Braço (braquial) Axila (axilar) Mento ou “queixo” (mentual) Boca (oral) Cabeça (cefálico) Crânio (cranial) face (facial) Planta do pé (plantar) Calcanhar (região calcânea) Sura (sural) Fossa poplítea Nádegas (região glútea) Lombo (lombar) Cotovelo (olécrano=osso do cotovelo) (cubital) Tronco Dorso (dorsal) Acrômio (acromial) Cabeça (cefálico) Pescoço (cervical) Membro superior Membro inferior Dedos da mão (falanges) (digital) Figura 1 – Divisões do corpo humano: vista anterior (A) e vista posterior (B) Fonte: Martini, Timmons e Tallitsch (2009, p. 14). 1.4 Variações anatômicas e nomenclatura Nos agrupamentos humanos, há evidentes diferenças morfológicas, denominadas variações anatômicas, que aparecem em qualquer um dos sistemas do organismo, sem prejuízo funcional. Por exemplo, um estômago de um indivíduo pode ser diferente em sua forma quando comparado ao de outro, podendo um ser alongado, com grande eixo vertical, e o outro mais horizontal, mas mesmo assim os dois estômagos executam os fenômenos digestivos normalmente; ou seja, existe uma variação na forma, sem alterar a função dos órgãos. Assim como em organismos humanos distintos, em um indivíduo uma artéria pode se dividir em duas ao nível da fossa do cotovelo e em outro ao nível da axila, mas a função da artéria de irrigar o membro superior continua preservada em ambos. 14 Unidade I Devido a essas variações, o estudante deve considerar que os indivíduos que ele observa podem ser diferentes daqueles representados nos atlas de anatomia. As descrições anatômicas dos atlas obedecem a um padrão sem variações. Quando as variações morfológicas têm perturbação funcional, são denominadas de anomalia. Por exemplo, o indivíduo que nasce sem um olho, além de ter variado a forma, ainda perdeu a função que o olho desempenharia. Outro exemplo pode ser a polidactilia (figura a seguir), considerada uma anomalia, em que o indivíduo nasce com um sexto dedo (ou mais) e há prejuízo da função, porém é compatível com a vida. Figura 2 – Polidactilia em um bebê Disponível em: https://bit.ly/3PV7YI9. Acesso em: 26 jul. 2022. Quando as anomalias são muito acentuadas, deformando profundamente o corpo do indivíduo, a ponto de ser incompatível com a vida, são chamadas de monstruosidade, como no caso na anencefalia (figura a seguir). Figura 3 – Ilustração de indivíduo anencefálico Disponível em: https://bit.ly/3owmWbL. Acesso em: 26 jul. 2022. 15 ANATOMOFISIOLOGIA A anencefalia, por exemplo, é uma condição caracterizada pela má-formação ou ausência do cérebro e/ou da calota craniana (os rudimentos de cérebro, se existem, não são cobertos por ossos). Embora o termo sugira a falta total de cérebro, nem sempre é isso que acontece; muitas vezes há falta de partes importantes do cérebro, mas há a presença de algumas estruturas do tronco cerebral, o que sustenta a sobrevivência do feto. Contudo, a expectativa de vida de bebês nascidos com anencefalia é muito curta, e ela é sempre uma patologia letal a curtíssimo prazo. Trata-se de ocorrência rara (1/1.000 ou 1/10.000, conforme as estatísticas), mais comum em fetos femininos e em mães nos extremos da faixa reprodutiva, muito jovens ou muito idosas. A incidência, na verdade, pode ser maior que essa porque ocorrem muitos casos de abortos espontâneos em que a condição não é diagnosticada. Temos ainda variações anatômicas individuais que decorrem de fatores como: idade, sexo, raça, tipo constitucional e evolução. A idade é responsável por alterações anatômicas evidentes. Desde a fase intrauterina até a velhice nosso corpo passa por inúmeras transformações. Pelo fator sexo (masculino ou feminino) é possível diferenciar indivíduos devido às características especiais, muito além da simples diferença de órgãos genitais. Pela raça, um grupo humano se distingue de outro devido a características físicas, como, por exemplo, pela cor da pele. Na grande variabilidade morfológica humana há possibilidade de reconhecer várias formas constitucionais, do tipo médio aos tipos extremos e mistos. Os tipos são chamados de brevilíneo, mediolíneo e longilíneo, conforme exemplificado na figura a seguir. Mediolíneo BrevilíneoLongilíneo Figura 4 – Variabilidade morfológica humana Adaptada de: https://bit.ly/3BfnL0p. Acesso em: 26 jul. 2022. 16 Unidade I Os brevilíneos são indivíduos “atarracados”, em geral baixos, com pescoço curto, tórax de grande diâmetro anteroposteriormente e membros curtos em relação à altura do tronco. Os mediolíneos apresentam caracteres intermediários aos tipos extremos. Os longilíneos são indivíduos magros, em geral mais altos, com pescoço longo, tórax muito achatado anteroposteriormente, com membros longos em relação à altura do tronco. A nomenclatura é o conjunto de termos empregados para designar e descrever o organismo ou suas partes. Os termos indicam: • Forma: por exemplo, músculo trapézio (do formato de um trapézio). • Posição ou situação: por exemplo, nervo mediano (localizado no meio do membro superior). • Trajeto: por exemplo, artéria circunflexa da escápula (que faz uma curva em torno da escápula). • Conexões ou inter-relações: por exemplo, ligamento sacroilíaco(que liga o osso sacro ao osso ilíaco). • Relação com o esqueleto: por exemplo, artéria radial (localizada sobre a porção distal do osso rádio). • Função: por exemplo, músculo levantador da escápula (músculo que levanta a escápula). • Critério misto: por exemplo, músculo flexor (função) superficial (situação) dos dedos. 1.5 Posição anatômica, planos e eixos A posição anatômica (figura a seguir) é uma posição padronizada e de referência, que dá significado aos termos direcionais utilizados na descrição de partes e regiões do corpo. As discussões sobre o corpo, o modo como se ele movimenta, sua postura ou a relação entre uma e outra área assumem que o corpo como um todo está numa posição específica. Desse modo, os anatomistas, quando escrevem seus textos, referem-se ao objeto de descrição considerando o indivíduo como se estivesse sempre na posição padronizada. O corpo está numa postura ereta (em pé, posição ortostática ou bípede) com os membros superiores estendidos ao lado do tronco e as palmas das mãos voltadas para frente. A cabeça e os pés também estão apontados para frente e o olhar para o horizonte. 17 ANATOMOFISIOLOGIA Superior Direito Esquerdo Cranial Medial Lateral Proximal DistalProximal Caudal Inferior Distal Figura 5 – Posição anatômica humana Adaptada de: https://bit.ly/3cKhUpm. Acesso em: 26 jul. 2022. Na anatomia, o corpo é dividido por meio de planos, de delimitações e secção: • Plano mediano: é um plano vertical que passa longitudinalmente através do corpo, dividindo-o em metades direita e esquerda. Também pode ser chamado plano sagital mediano. • Planos sagitais: são planos verticais que passam através do corpo, paralelos ao plano mediano. • Planos frontais: são planos verticais que passam através do corpo em ângulos retos com o plano mediano, dividindo o corpo em partes anterior (frente) e posterior (de trás). • Planos transversais ou horizontais: são planos que passam através do corpo em ângulos retos com os planos coronal e mediano. Dividem o corpo em partes superior e inferior. 18 Unidade I Os eixos principais seguem três direções ortogonais: • Direção anteroposterior: é o eixo sagital, que vai do centro do corpo ao plano ventral e do centro ao plano dorsal, ou seja, é o eixo que vai do ventre ao dorso. • Direção cefalocaudal ou craniocaudal: é o eixo longitudinal, que vai do centro do corpo ao plano superior e do centro ao plano inferior, ou seja, é o eixo que vai da cabeça aos pés. • Direção laterolateral: é o eixo transversal, que vai do centro do corpo à lateral esquerda e do centro à lateral direita, ou seja, é o eixo que vai de um lado ao outro do corpo. Ao estudar o corpo, a anatomia faz comparação entre a forma dos órgãos com as formas geométricas. Por isso, descreve as estruturas com faces, margens, extremidades e ângulos, de acordo com as referências para as quais estão voltadas. Exemplos: se a face de uma estrutura está voltada para o plano mediano é medial, se está para os lados é lateral. Eixo craniocaudal Plano transversal Plano sagital Plano fron tal (coro nal) Eixo latero latera l Eixo anteroposterior Figura 6 – Planos e eixos Adaptada de: https://bit.ly/3JlXC25. Acesso em: 26 jul. 2022. 19 ANATOMOFISIOLOGIA Observação O osso esterno e as cartilagens costais encontram-se anteriormente em relação ao coração. Já os grandes vasos e a coluna vertebral localizam-se posteriormente em relação ao coração. 1.6 Introdução à fisiologia humana A fisiologia humana é um ramo de estudo sobre os principais processos que se passam no interior do organismo humano. O entendimento desse ramo é o que traz ao estudioso da área o conhecimento sobre como os processos fisiológicos influenciam no funcionamento de sistemas e processos do corpo humano. 1.7 Organização funcional do corpo humano Em organismos unicelulares, todos os processos vitais ocorrem em uma única célula. O processo evolutivo dos seres pluricelulares permitiu que vários grupos de células, dentro desse organismo, desenvolvessem funções específicas. O corpo humano é composto de bilhões de células, cada uma delas com diferentes funções, por exemplo: existem grupos de células especializadas na digestão dos alimentos e absorção dos nutrientes, que juntas formam o sistema gastrointestinal; os grupos de células especializadas na captação do oxigênio (O2) e na eliminação do gás carbônico (CO2) formam o sistema respiratório; grupos de células responsáveis pela remoção dos detritos formam o sistema renal; as células encarregadas da distribuição de nutrientes, O2 e produtos do metabolismo formam o sistema cardiovascular; os grupos de células envolvidas na perpetuação da espécie formam o sistema reprodutor; e, por fim, os grupos celulares envolvidos com a coordenação, integração e o funcionamento de todos os sistemas formam os sistemas nervoso e endócrino. Para que funcionem adequadamente, as células que compõem os tecidos de todos os animais multicelulares, a composição intracelular de íons, água (H2O), diversas outras substâncias e o valor do pH precisam ser mantidos dentro de um valor ideal com um limite estreito de variação. Todas as células são banhadas por um meio interno, chamado líquido extracelular (LEC). É a partir do LEC que as células captam O2 e nutrientes necessários, e nele descarregam os produtos resultantes do metabolismo celular, mantendo um ambiente intracelular (líquido intracelular – LIC) constante e ideal para seu funcionamento apropriado. O LEC fornece todos os elementos essenciais para as células, garantindo seu funcionamento. Observação Em meados do século XIX, o termo meio interno (milieu intérieur) foi designado pelo fisiologista francês Claude Bernard. Ele reconheceu que a manutenção de sua constituição é fundamental à vida. 20 Unidade I A água é o componente mais importante do meio interno. O LIC e o LEC juntos correspondem à água corporal total (ACT), que constitui, aproximadamente, 60% do peso corporal; a variabilidade desse valor entre as pessoas depende da idade e da quantidade de tecido adiposo. O LIC representa cerca de 40% da ACT, o LEC representa cerca de 20% (GANONG, 2006; KOEPPEN; STANTON, 2009). O LEC é dividido em dois compartimentos: o líquido intersticial e o plasma sanguíneo circulante. O líquido intersticial é a parte do LEC que se situa fora do sistema vascular (vasos), banhando as células dos diversos tecidos do corpo, e corresponde a três quartos do volume total do LEC, já o plasma sanguíneo representa o quarto restante do LEC e preenche o sistema vascular banhando os elementos celulares do sangue (eritrócitos e leucócitos). A composição do plasma e do líquido intersticial é semelhante, pois são separados apenas pelo endotélio capilar, uma barreira livremente permeável aos íons e moléculas pequenas. A principal diferença entre o líquido intersticial e o plasma é o fato de o plasma conter quantidade significativamente maior de proteínas. A capacidade do organismo de manter constantes o volume e a composição de LIC e LEC constitui um processo complexo que envolve todos os sistemas orgânicos do organismo (GANONG, 2006; KOEPPEN; STANTON, 2009). 1.8 Controle do meio interno e homeostase O termo homeostase significa estado de equilíbrio, designado pelo fisiologista Walter Cannon (1871-1945), e refere-se ao estado de equilíbrio do meio interno, que é um pré-requisito para o funcionamento adequado dos fenômenos fisiológicos. Pequenas alterações do meio interno desencadeiam mecanismos homeostáticos que restabelecem o estado de equilíbrio, conservando a estabilidade do meio interno (DOUGLAS, 2006). Para que os sistemas orgânicos possam funcionar adequadamente, existe um ponto de ajuste, ou seja, um valor determinado que garante o bom funcionamento do sistema. Quase todas as substâncias do organismo, cujas concentrações ou quantidades devem ser mantidas dentro de limites estreitos, têm um ponto de ajuste, e existem mecanismos que monitoram desvios a partir detal ponto; então, mecanismos homeostáticos são recrutados para reestabelecer as quantidades ou concentrações dessas substâncias no organismo, ou seja, mantê-las no estado estável balanceado (KOEPPEN; STANTON, 2009). Lembrete No nosso corpo, existem órgãos e complexos sistemas que interagem uns com os outros, de forma a garantir que as funções vitais do organismo estejam em funcionamento. Homeostase é o equilíbrio que esses sistemas devem ter para a realização dessas funções. Como exemplo, considere a manutenção da quantidade de água em seres humanos. A cada dia, nós ingerimos volumes diversos de líquido e água; além disso, a água também é produzida pelo metabolismo celular. Nota-se que a quantidade de água adicionada ao organismo a cada dia não é constante, embora possa ser regulada pelo mecanismo que provoca a sede. Além disso, perdemos água por respiração, 21 ANATOMOFISIOLOGIA suor e fezes; e a quantidade de água perdida por essas vias também não é constante, dependendo de fatores como frequência respiratória, temperatura ambiental, atividade física e presença ou ausência de diarreia. O corpo mantém o equilíbrio da quantidade de água assegurando-se de que o volume de água adicionada ao organismo a cada dia seja precisamente balanceado pelo volume de água perdida, mantendo um estado constante de quantidade de água no organismo (KOEPPEN; STANTON, 2009). O monitoramento da quantidade de água no organismo se dá por meio das variações da osmolaridade do LEC. Observação A osmolaridade é o número de osmoles por litro da solução (por exemplo, plasma). É afetada pelo volume dos diversos solutos em solução e, também, pela temperatura. Por um lado, quando ingerimos grande quantidade de água, a osmolaridade do LEC diminui; por outro, quando perdemos água em excesso, a osmolaridade aumenta. Algumas células do nosso cérebro, mais precisamente na região do hipotálamo, monitoram as variações da osmolaridade, e, quando ocorrem desvios a partir do ponto de ajuste, são ativados mecanismos neurais e hormonais (mecanismos homeostáticos) que irão regular as osmolaridade do LEC. Por exemplo, quando a osmolaridade do LEC aumenta (houve perda de água em excesso), as células do hipotálamo detectam esse aumento e mandam sinais neurais para outra região do hipotálamo, que desencadeia a sensação de sede. Ao mesmo tempo, a hipófise posterior – localizada abaixo do hipotálamo – secreta o hormônio antidiurético (ADH), que atua nos rins reduzindo a perda de água por meio da urina. Assim, a ingestão de água é aumentada ao mesmo tempo em que se reduz sua perda no organismo e, consequentemente, a osmolaridade do LEC retorna ao ponto de ajuste. Quando a osmolaridade do LEC diminui, o comportamento de sede é inibido, assim como a secreção de ADH, resultando na redução da ingesta de água e no aumento de sua excreção pelos rins. Novamente, essas ações fazem com que a osmolaridade do LEC retorne ao ponto de ajuste (KOEPPEN; STANTON, 2009). Saiba mais Para ampliar as inter-relações entre os conteúdos até aqui mencionados, leia o artigo a seguir: NAVES, L. A. et al. Distúrbios na secreção e ação do hormônio antidiurético. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, v. 47, n. 4, p. 467-481, ago. 2003. Disponível em: https://bit.ly/3oG7CJW. Acesso em: 29 jul. 2022. 22 Unidade I 1.9 Transporte de substâncias por meio da membrana celular Uma característica comum a todos os sistemas biológicos – sejam eles seres procariotos ou eucariotos, unicelulares ou pluricelulares – é a presença de uma membrana que define os limites do que é a célula, separando-a do meio interno (o ambiente em que ela se encontra). Essa membrana é chamada de membrana celular ou membrana plasmática. Ela delimita a célula, podendo ser compreendida como uma fronteira que separa o LIC do LEC, e funciona como uma barreira seletiva para a passagem de substâncias entre o interior e o exterior da célula (CURI; PROCOPIO, 2009). A membrana plasmática funciona como uma barreira seletiva para o transporte de substâncias entre o citoplasma e o meio extracelular; no caso de organismos pluricelulares, também é uma região de troca de informações entre células. Essas funções da membrana estão relacionadas a sua composição química e a como esses componentes se distribuem (CURI; PROCOPIO, 2009). Antes de estudarmos de fato o tópico transporte de substâncias por meio da membrana celular, discutiremos a composição química das membranas biológicas. 1.9.1 Composição química das membranas biológicas A membrana plasmática não é a única membrana das células. No citoplasma da célula estão presentes diversas organelas e vesículas que também são delimitadas por membranas. Neste tópico, falaremos da composição química das membranas biológicas em geral, incluindo a membrana plasmática. As membranas biológicas são lipoproteicas, isto é, formadas pelas macromoléculas lipídios e proteínas. O termo lipídio tem origem grega e significa gordura. De forma geral, as moléculas que compõem as gorduras são lipídios (CURI; PROCOPIO, 2009). Como sabemos, as gorduras não se dissolvem na água, por isso é tão difícil lavar uma panela suja de óleo apenas com água, sendo necessário o uso de um agente emulsificador (o detergente), para que se misture a gordura com a água. Observação Moléculas insolúveis em água são chamadas moléculas hidrofóbicas, já as solúveis em água são chamadas hidrofílicas. As membranas dos eucariotos são formadas basicamente por dois tipos de lipídios: os fosfolipídios e os esteroides. Os fosfolipídios são moléculas grandes e alongadas, com uma região grande apolar e hidrofóbica, formada por duas moléculas de ácidos graxos, e uma região pequena polar e hidrofílica que apresenta um grupo fosfato, daí a denominação de fosfolipídio. Entre os esteroides, o colesterol é o principal localizado na membrana, que também dispõe de uma grande região apolar e uma pequena região polar. A água é uma molécula polar; portanto qualquer outra molécula polar terá afinidade por água (hidrofílica) e será considerada hidrossolúvel. Vamos lembrar que a água sendo presente tanto no LIC quanto no LEC, para considerar, então, o que ocorre com os fosfolipídios quando colocados em um meio 23 ANATOMOFISIOLOGIA aquoso. A tendência é que as moléculas de água interajam com a extremidade polar dos fosfolipídios, mas evitem qualquer contato com a grande porção apolar dos fosfolipídios. Isso é conseguido pois os fosfolipídios são organizados – por uma ação da repulsão da água pelas regiões apolares – em uma estrutura denominada bicamada lipídica. Na bicamada lipídica, existem duas camadas de fosfolipídios, cada uma constituída por uma sucessão de moléculas de fosfolipídios justapostas. As duas camadas estão arranjadas de tal forma que as extremidades polares dos fosfolipídios ficam voltadas para o meio aquoso, e as porções apolares são excluídas de qualquer contato com a água, formando o interior da bicamada. Assim, o interior da bicamada é um meio hidrofóbico, pelo qual água, íons e outras moléculas polares dificilmente podem passar, constituindo uma barreira para o transporte dessas substâncias. O colesterol, por sua vez, está disperso entre os fosfolipídios, com seu pequeno grupo polar voltado para o meio aquoso (CURI; PROCOPIO, 2009). As proteínas são outro tipo de macromoléculas que formam a membrana. Proteínas são moléculas grandes formadas pela ligação de muitos aminoácidos. Diz-se, então, que são polímeros de aminoácidos unidos por ligações peptídicas. As proteínas que estão inseridas na bicamada lipídica podem atravessar inteiramente a bicamada lipídica (transmembrana), penetrar somente no folheto interno (face citoplasmática) ou no folheto externo (face extracelular) de fosfolipídios; ambas as classes são denominadas de proteínas integrais de membrana. As proteínas periféricas ou extrínsecas situam-se fracamente aderidas à superfície da membrana. Proteína Lípides Figura 7 – Modelo mosaico fluidoda membrana plasmática Acervo Unip/Objetivo. 1.9.2 Transporte por meio das membranas celulares Vimos, anteriormente, que os lipídios presentes na membrana plasmática formam uma bicamada lipídica, que é uma barreira hidrofóbica para o transporte de água e substâncias hidrofílicas entre o citoplasma e o meio extracelular. 24 Unidade I Mas como as células podem intercambiar com o meio extracelular, a água e os outros compostos polares que são essenciais para seu funcionamento, se os lipídios são impermeáveis a essas substâncias? Muitas das proteínas de membrana têm a função de mediar o transporte de compostos hidrofílicos por meio da membrana, e essas proteínas formam vias para o trânsito de substâncias insolúveis (CURI; PROCÓPIO, 2009). Esses sistemas de transporte são importantes para regular o volume das células, manter a composição iônica e o pH dos meios intra e extracelular, captar nutrientes e compostos biologicamente importantes, eliminar produtos finais do metabolismo para o meio extracelular e gerar gradientes iônicos e acoplá-los a outros transportes. Os sistemas de transporte de solutos são classificados em transporte passivo, quando o transporte de solutos ocorre sem gasto energético, compreendendo as difusões simples e facilitada; e transporte ativo, quando o transporte de solutos ocorre com gasto energético. Já difusão de água (solvente, e não soluto!) é chamada de osmose (CURI; PROCOPIO, 2009). A difusão simples (figura a seguir) é um transporte passivo não mediado, ou seja, o soluto não precisa de uma proteína transportadora para atravessar a membrana plasmática. Recebe o nome transporte passivo, pois não há gasto de energia para transportar esse soluto, ocorrendo a favor do gradiente de concentração. Isso significa que o soluto migra do compartimento mais concentrado (o qual tem maior número de moléculas) para o menos concentrado (o qual tem menor número de moléculas), até atingir o equilíbrio eletroquímico (o mesmo número de moléculas em ambos os compartimentos). Meio extracelular Gradiente de concentração Citoplasma Membrana plasmática Figura 8 – Difusão simples: o soluto se movimenta a favor do seu gradiente de concentração Acervo Unip/Objetivo. Na difusão simples, a interação da molécula com a membrana plasmática ocorre de modo aleatório. Pequenas moléculas, como o oxigênio (O2) e o dióxido de carbono (CO2), podem atravessar diretamente a membrana plasmática a favor de seu gradiente de concentração, já moléculas polares (hidrofílicas) não atravessam diretamente a membrana plasmática, pois necessitam de proteínas transportadoras especiais que facilitam o transporte por meio da membrana – nesse caso, trata-se da difusão facilitada (CURI; PROCOPIO, 2009). 25 ANATOMOFISIOLOGIA Muitos nutrientes essenciais para a célula (açúcares, aminoácidos, nucleotídeos etc.) são moléculas polares, por isso não conseguem atravessar a membrana plasmática diretamente por difusão simples, mas sim por difusão facilitada. Nesse tipo de transporte, a molécula a ser transportada liga-se necessariamente a uma proteína carregadora. As proteínas que têm essa função são chamadas transportadoras ou permeases. Uma das características desse transporte é o acoplamento do transportador à molécula transportada, por meio de ligações fracas não covalentes. A difusão facilitada pode ser mediada por uma proteína carregadora ou por proteínas que formam um canal (figura a seguir). Uma das diferenças entre canais e carregadores é que os canais formam vias permanentes de comunicação entre os dois lados da membrana, e os carregadores expõem, alternadamente, sítios de ligação para a molécula, de um ou outro lado da membrana. Outra diferença é o fato dos canais apresentarem taxas de transporte maiores que os carregadores. Íons Fechado Aberto Passagem através do canal Figura 9 – Difusão facilitada mediada por um canal Acervo Unip/Objetivo. O transporte mediado por carregadores pode ser dos tipos: uniporte, em que o transportador movimenta apenas um tipo de molécula; simporte (cotransporte), em que o transportador movimenta dois tipos (em alguns casos, três) de moléculas, porém com fluxo no mesmo sentido; ou antiporte (contratransporte), em que o transportador movimenta dois tipos de moléculas em sentidos opostos (figura a seguir) (CURI; PROCOPIO, 2009). 26 Unidade I Molécula transportadora Íon cotransportado Bicamada lipídica Íon cotransportado Uniporte Simporte Antiporte Transporte acoplado Figura 10 – Transporte uniporte, simporte e antiporte Fonte: Morandini, Bellinello e Carnelos (2014, p. 9). Um exemplo clássico de difusão facilitada é o transporte de glicose para dentro da célula (figura a seguir). A glicose é transportada para o interior da célula por meio de proteínas transportadoras específicas denominadas GLUT (glucose transporter). Os GLUTs são proteínas integrais de membrana, e foram descobertas pelo menos sete isoformas (do GLUT1 ao GLUT7) dessas proteínas transportadoras, as quais diferem entre si pela expressão nos diferentes tecidos e respostas à regulação metabólica e hormonal (CURI; PROCOPIO, 2009). O GLUT4 é o principal transportador de glicose regulado pela insulina; na ausência da insulina ou com o mau funcionamento de seu receptor, o GLUT4 deixa de ser expresso na membrana plasmática e, consequentemente, deixa de transportar glicose para dentro da célula, resultando no excesso de glicose na corrente sanguínea (hiperglicemia). Glicose Meio extracelular Meio intracelular Permease Figura 11 – Difusão facilitada mediada por uma permease, transporte de glicose para o meio intracelular Acervo Unip/Objetivo. 27 ANATOMOFISIOLOGIA O transporte ativo (figura a seguir) consiste no movimento do soluto contra o gradiente de concentração, ou seja, do compartimento com menor número de moléculas para o compartimento com maior número de moléculas. Para realizar o transporte contra o gradiente de concentração, é necessária a utilização de energia, no caso da célula, ATP (adenosina trifosfato). O ATP é hidrolisado em ADP (adenosina difosfato) e Pi (fosfato inorgânico) por uma enzima com atividade ATPase. A quebra do Pi libera uma grande quantidade de energia de que se pode valer a célula. Esse tipo de transporte ativo, que gasta energia proveniente do ATP para realizar a movimentação do soluto, é chamado transporte ativo primário; já o transporte ativo secundário envolve o movimento de uma substância contra seu próprio gradiente de concentração, mas acoplado ao fluxo de uma segunda substância que se move a favor de seu gradiente eletroquímico (CURI; PROCOPIO, 2009). O exemplo clássico de transporte ativo primário é a bomba de sódio (Na+) e potássio (K+). Essa proteína, presente na membrana plasmática de todas as células, transporta três íons Na+ para fora da célula e dois íons K+ para dentro da célula. Devido a essa proporção de troca, a bomba tende a acumular íons de Na+ no meio extracelular e acumular íons K+ no meio intracelular. No entanto, graças à presença de canais de Na+ e de K+ inseridos na membrana plasmática, os íons de K+ migram para o meio extracelular e os íons de Na+ para o meio intracelular, mantendo-se, no citoplasma, um estado estável em que as concentrações de Na+ e K+ permanecem constantes. Em condições normais, a concentração de K+ é maior dentro da célula que nos fluidos extracelulares, e a concentração de Na+ é maior nos fluidos extracelulares que no interior da célula. A energia necessária para mover o Na+ e o K+ contra seus gradientes de concentração vem da hidrólise do ATP, como já explicado anteriormente. 5 6 1 2 3 4 Citoplasma Solução extracelular ADP Figura 12 – Transporte ativo, bomba de sódio e potássio Fonte: Morandini, Bellinello e Carnelos (2014, p. 9). 28 Unidade I Agora, iremos estudar a osmose, que é o processo de difusão da água (figura a seguir). Quando uma substância está dissolvida em água, a concentração das moléculas de água nessa solução émenor que a da água pura, visto que o acréscimo de um soluto à água resulta em uma solução que ocupa um volume maior que aquele ocupado apenas pela água. Imagine se houvesse uma membrana permeável somente à água, e não ao soluto, separando dois recipientes, A e B. O recipiente A possui uma solução que contém uma quantidade pequena de soluto dissolvido na água (solução hipotônica), o recipiente B possui uma solução de água com bastante soluto dissolvido (solução hipertônica), ambos com o mesmo volume. Podemos afirmar que o recipiente B possui menos moléculas de água que o recipiente A, pois este contém água quase pura, e aquele possui água e uma grande quantidade de soluto. Logo, as moléculas de água irão difundir-se a favor de seu gradiente de concentração, indo do recipiente A para B. Esse processo – a difusão de moléculas de água do recipiente hipotônico A para uma região em que existe maior concentração de um soluto, o recipiente hipertônico B – é denominado osmose (GANONG, 2006). Água Solução hipotônica Açúcar Solução hipertônica R Bˆ ˆ ∆t H2O Membrana semipermeável Figura 13 – Osmose: a passagem de água da solução hipotônica (A) para a hipertônica (B) Acervo Unip/Objetivo. 2 NEUROFISIOLOGIA O objetivo da neurociência é compreender os processos mentais pelos quais nós percebemos, agimos, aprendemos e lembramos. O encéfalo humano é uma rede de mais de 100 bilhões de células nervosas individuais interconectadas em sistemas que constroem nossas percepções sobre o mundo externo, fixam nossa atenção e controlam o mecanismo de nossas ações. A primeira etapa para se compreender a mente consiste em aprender como os neurônios estão organizados e como se comunicam por meio das sinapses (KANDEL et al., 2003). Então, começaremos estudando a organização do sistema nervoso. 29 ANATOMOFISIOLOGIA 2.1 Organização do sistema nervoso Em termos anatômicos e funcionais, o sistema nervoso é dividido em duas porções: sistema nervoso central (SNC), formado essencialmente pelo encéfalo e pela medula espinhal; e sistema nervoso periférico (SNP), formado pelos nervos que levam e trazem informações do SNC para a periferia e da periferia para o SNC (figura a seguir) (CURI; PROCOPIO, 2009; KANDEL et al., 2003). 1 Hemisfério cerebral 2 Diencéfalo 3 Mesencéfalo 4 Ponte 5 Cerebelo 6 Bulbo 7 Medula espinhal A) B) C) Figura 14 – (A) SNC e SNP; (B) encéfalo e medula vistos lateralmente; (C) as divisões do SNC Fonte: McShane e Von Glinow (2014, p. 10). O SNC contém, aproximadamente, 100 bilhões de neurônios e, também, de 10 a 50 vezes esse número em células gliais. O encéfalo é formado pelo cérebro, uma estrutura bilateral essencialmente simétrica, pelo cerebelo e pelo tronco encefálico, este subdividido em mesencéfalo, ponte e bulbo (ou medula oblonga) (GANONG, 2006; KANDEL et al., 2003). A medula espinhal (figura a seguir) é a parte mais caudal do SNC, recebe e processa as informações sensoriais de pele, articulações, músculos e vísceras. Ela é subdividida em região cervical, torácica, lombar e sacral. A medula espinhal continua rostralmente como tronco encefálico, que conduz sua informação até o cérebro e, inversamente, do cérebro para a medula espinhal (KANDEL et al., 2003). 30 Unidade I Dorsal (sensorial) Ventral (motora) Figura 15 – Corte transversal da medula espinhal: a medula é um órgão com forma cilíndrica que se estende do bulbo até as vértebras sacrais Acervo Unip/Objetivo. Anatomicamente, quando a medula espinhal termina, iniciando o tronco encefálico, vê-se o bulbo, ou medula oblonga, que fica diretamente acima da medula espinhal. O bulbo é responsável por diversas funções vegetativas vitais, como digestão, respiração e controle do ritmo cardíaco. Acima do bulbo, situa-se a ponte, que leva informações sobre os movimentos dos hemisférios cerebrais até o cerebelo. O cerebelo localiza-se atrás da ponte e é ligado ao tronco encefálico por tratos importantes denominados pedúnculos. O cerebelo modula a força e o alcance do movimento, está envolvido na aprendizagem das habilidades motoras e ao equilíbrio. Já o mesencéfalo, situado rostralmente à ponte, é responsável por controlar muitas funções sensoriais e motoras, incluindo a movimentação ocular e a coordenação dos reflexos visuais e auditivos. Já no cérebro há o diencéfalo, que se situa rostralmente ao mesencéfalo e contém duas estruturas: o tálamo e o hipotálamo. O tálamo processa a maior parte das informações que chegam ao córtex cerebral e que são oriundas do resto do SNC. O hipotálamo (localizado abaixo do tálamo) regula as funções vegetativa, endócrina e visceral. Os hemisférios cerebrais constam de uma camada exterior bastante pregueada – o córtex cerebral – e três estruturas profundas: os núcleos da base, o hipocampo e o núcleo amigdaloide. Os núcleos da base participam da regulação do desempenho motor; o hipocampo está envolvido com aspectos do armazenamento da memória; e o núcleo amigdaloide coordena as respostas vegetativas e endócrinas dos estados emocionais. O córtex cerebral é dividido em quatro lobos: frontal, parietal, temporal e occipital (figura a seguir). Esses lobos possuem funções especializadas. O lobo frontal está amplamente relacionado ao planejamento de ações futuras e ao controle do movimento; o lobo parietal, à sensação somática, à formação da imagem do corpo e à relação da imagem do corpo com o espaço extrapessoal; o lobo occipital, à visão; e o lobo temporal, tanto à audição quanto, por meio de suas estruturas mais profundas – o hipocampo e o núcleo amigdaloide –, a aspectos de aprendizagem, memória e emoção. Cada lobo apresenta várias circunvoluções (pregas) profundas, que representam uma estratégia evolucionária propícia ao acúmulo de mais células em um espaço limitado (KANDEL et al., 2003). 31 ANATOMOFISIOLOGIA Lobo parietal Lobo occipitalLobo temporal Lobo frontal Figura 16 – Vista lateral do cérebro humano e dos quatro lobos cerebrais Adaptada de: Purves et al. (2001). A organização do córtex cerebral tem duas características muito importantes: • Primeira: cada hemisfério está relacionado com processos motores e sensórios do lado contralateral (oposto) do corpo. Assim, as informações que chegam à medula espinhal provenientes do lado esquerdo do corpo – da mão esquerda, por exemplo – cruzam para o lado direito do sistema nervoso (dentro da medula espinhal ou no tronco encefálico) a caminho do córtex cerebral. De forma semelhante, as áreas motoras no hemisfério direito exercem controle sobre os movimentos do lado esquerdo do corpo. Assim, a mão direita, que nos destros é mais acionada para escrever, entre outros movimentos que exigem habilidades específicas, é controlada pelo hemisfério esquerdo, o mesmo hemisfério que controla a fala. Na maioria das pessoas, portanto, o hemisfério esquerdo é considerado dominante. • Segunda: embora os hemisférios sejam similares na aparência, suas estruturas não são completamente simétricas, tampouco têm funções equivalentes (KANDEL et al., 2003). 2.2 Aspectos gerais e funcionais dos neurônios e das neuroglias O sistema nervoso tem duas classes de células: os neurônios (células nervosas) e as células da glia, que dispõem de grande diversidade de tipos celulares. Essas células, muito mais numerosas que os neurônios, são as de suporte que circundam os corpos celulares, os axônios e os dendritos dos neurônios. Elas não estão diretamente envolvidas no processamento da informação, ou seja, não participam diretamente da sinalização elétrica, porém desempenham funções vitais aos neurônios e ao funcionamento adequado do sistema nervoso. 32 Unidade I As células gliais no sistema nervoso de vertebrados são divididas em duas classes principais: a micróglia e a macroglia (figura a seguir). As micróglias, células que possuem função de fagocitose, são mobilizadas após lesão, infecção ou doença. Existe alguma controvérsia quanto à origem neural delas: alguns autores sugerem que, em condiçõesbasais, a micróglia é praticamente inexistente no sistema nervoso, aumentando rapidamente em número apenas em resposta à lesão – nesse sentido, a micróglia se originaria de macrófagos de fora do sistema nervoso, e não são fisiológica e embriologicamente relacionadas a outros tipos celulares do sistema nervoso; já outros autores, como alternativa intermediária, consideram que possivelmente exista uma pequena população de micróglias residentes no sistema nervoso. Pouco se sabe o que a micróglia faz no estado de repouso, mas ela é ativada e recrutada durante infecções, lesões e convulsões (CURI; PROCOPIO, 2009; KANDEL et al., 2003). Três tipos de macroglia predominam no sistema nervoso dos vertebrados: oligodendrócitos, células de Schwann e astrócitos. Astrócito Oligodendrócitos Microglia A) B) C) Figura 17 – Células da glia (neuroglia) Acervo Unip/Objetivo. Os oligodendrócitos e as células de Schwann são células produtoras de mielina e exercem o importante papel de isolar eletricamente partes do axônio dos neurônios. Essas células envolvem firmemente seus processos membranosos ao redor do axônio em uma espiral, formando uma camada de mielina denominada bainha de mielina. Os oligodendrócitos são encontrados apenas no SNC. Um único oligodendrócito pode envolver seus processos membranosos ao redor de muitos axônios, isolando-os com um envoltório de mielina. Por outro lado, as células de Schwann estão presentes apenas no SNP, fornecendo envoltórios de mielina que isolam os axônios dos neurônios periféricos. Cada uma das várias células de Schwann, posicionadas ao longo de um único axônio, forma um segmento de envoltório de mielina de cerca de 1 mm de comprimento. O envoltório assume sua forma assim que a extremidade interna da célula de Schwann enrola-se ao redor do axônio várias vezes, embrulhando-o em camadas concêntricas de membrana. Os intervalos entre os segmentos de mielina são conhecidos como nodos de Ranvier (KANDEL et al., 2003). 33 ANATOMOFISIOLOGIA A) B) Bainha de mielina Camadas de mielina Núcleo Axônio Nodos de Ranvier 1 mm Axônio Axônio 1µm Figura 18 – (A) Esquema de um axônio mielinizado de um nervo periférico; (B) micrografia eletrônica do nervo da perna de um rato jovem: podem-se observar duas células de Schwann, cada uma ao redor de seu axônio Adaptada de: Alberts, Bray e Lewis (1994, n.p.). Saiba mais Você pode ampliar seus conhecimentos sobre esse assunto assistindo ao filme: O ÓLEO de Lorenzo. Direção: George Miller. EUA: Universal Pictures, 1992. 136 min. Os astrócitos são as células gliais mais numerosas no SNC. Assim são chamadas devido a seus corpos celulares irregulares, que lembram estrelas. Os astrócitos tendem a ter processos longos, alguns dos quais terminando em estruturas conhecidas como pés terminais. Alguns astrócitos, por meio de seus pés terminais, fazem contato com vasos sanguíneos e com neurônios, funcionando como um intermediário no suprimento de nutrientes para essas células, tendo em vista que neurônios, em geral, não têm acesso direto aos vasos sanguíneos. Os astrócitos também ajudam a manter a concentração iônica de potássio correta no espaço extracelular entre os neurônios. Além disso, captam neurotransmissores das áreas sinápticas após a liberação e, portanto, ajudam a regular as atividades sinápticas pela remoção dos transmissores. São responsáveis também pela formação do tecido cicatricial e têm papel importante na formação da barreira hematoencefálica. Mas o papel dos astrócitos é principalmente o de suporte neuronal, e eles fornecem suporte estrutural para a migração neuronal. De forma geral, os astrócitos desempenham 34 Unidade I funções tróficas e de nutrição essenciais para os neurônios. O conhecimento sobre as funções astrocitárias vem sendo constantemente ampliado, e hoje vislumbra-se a possibilidade de os astrócitos contarem com capacidades e propriedades relacionadas às diferentes estruturas do sistema nervoso (CURI; PROCOPIO, 2009; KANDEL et al., 2003). As células nervosas (neurônios) são as unidades básicas de sinalização do sistema nervoso. Um neurônio típico possui quatro regiões definidas morfologicamente: • corpo celular; • dendritos; • axônio; • terminais pré-sinápticos (telodendro). Cada uma dessas regiões desempenha um papel distinto na geração de sinais e na comunicação entre as células nervosas (KANDEL et al., 2003). Neurilema Substância de Nissl Dendritos Núcleo Corpo celular Axônio Bainha de mielina Núcleo de célula de Shawnn Neurofibrilas Nódulo de Ranvier Telodendro Figura 19 – Esquema de um neurônio Acervo Unip/Objetivo. 35 ANATOMOFISIOLOGIA O corpo celular, também chamado soma, é o centro metabólico do neurônio. É ali que está localizado o núcleo da célula, que armazena a informação genética, bem como outras organelas responsáveis pelo funcionamento celular. Do corpo celular, geralmente, originam-se dois tipos de processos: vários dendritos curtos e um único axônio longo e tubular. Os dendritos ramificam-se em um padrão semelhante a uma árvore – daí o termo árvore dendrítica –, e são o principal elemento para receber sinais que chegam de outras células nervosas. Já o axônio estende-se para além do corpo celular, sendo a principal unidade condutora para a transmissão de sinais a outros neurônios. Portanto, os dendritos recebem os sinais, enquanto o axônio conduz esses sinais. Um axônio pode transmitir sinais elétricos por distâncias que variam de 0,1 mm até 3 m. Esses sinais elétricos, chamados potenciais de ação, são impulsos nervosos rápidos, transientes, do tipo tudo ou nada, com amplitude de 100 mV e duração de cerca de 1 ms (KANDEL et al., 2003). Os potenciais de ação constituem os sinais pelos quais o sistema nervoso recebe, analisa e transmite informações. São iniciados em uma região específica de disparo localizada na origem do axônio, chamada cone de implantação; de lá eles são conduzidos pelo axônio, sem falha ou distorção, a uma velocidade que varia de 1 a 100 m/s. A amplitude de um potencial de ação que trafega pelo axônio permanece constante, pois o potencial de ação é um impulso do tipo tudo ou nada, que é regenerado em intervalos regulares ao longo do axônio. Esses sinais são altamente estereotipados ao longo do sistema nervoso, embora sejam iniciados por uma variedade enorme de estímulos ambientais que vão desde a luz até o contato mecânico e de odores até ondas de pressão. Dessa forma, os sinais que transmitem informações sobre a visão são idênticos aos que transmitem informações sobre odores; o que diferencia um do outro é a via neural pela qual a informação transmitida trafega no encéfalo. O encéfalo analisa e interpreta padrões de sinais elétricos que chegam e, desse modo, cria nossas sensações de visão, tato, paladar, olfato e som. Para aumentar a velocidade de condução dos potenciais de ação, grandes axônios são envolvidos pela bainha de mielina, que é uma camada lipídica e isolante, com interrupções em intervalos regulares, os nodos de Ranvier. É nesses pontos não isolados do axônio que o potencial de ação se regenera, aumentando a velocidade de condução do potencial de ação (KANDEL et al., 2003). Mais adiante, estudaremos com mais cuidado a mielinização e os potenciais de ação. Próximo à sua extremidade, o axônio divide-se em ramos mais finos que formam locais de comunicação com outros neurônios. O ponto no qual dois neurônios se comunicam é chamado sinapse (figura a seguir). A célula nervosa que transmite o sinal é chamada célula pré-sináptica. O sinal é recebido pelos dendritos ou corpo da célula pós-sináptica. A célula pré-sináptica transmite os sinais pelas dilatações de seus ramos axonais, chamadas terminais pré-sinápticos. No entanto, uma célula pré-sináptica não se comunica anatomicamente com a célula pós-sináptica, não há contato físico. As duas células estão separadas por um espaço chamado fenda sináptica. A maioria dos terminais pré-sinápticos termina nos dendritos deneurônios pós-sinápticos, mas também pode terminar no corpo celular ou, mais raramente, no início ou no fim do axônio da célula receptora. Os ramos de um único axônio podem formar sinapses com até outros mil neurônios (KANDEL et al., 2003). 36 Unidade I Estímulo Impulso nervoso Sinapse Neurônio Impulso nervoso Neurônio Vesículas com acetilcolina Figura 20 – Sinapse, no caso sinapse química Acervo Unip/Objetivo. Baseando-se na quantidade de projeções que saem do corpo celular, os neurônios são classificados em três grandes grupos: unipolares, bipolares e multipolares (figura a seguir). Os neurônios unipolares são as células nervosas mais simples, pois apresentam uma única projeção que deixa o corpo celular. Geralmente, esse processo primário pode originar muitos ramos. Há ramos que funcionam como axônio; outros, como estruturas dendríticas receptoras de informação. Essas células são predominantes no sistema nervoso de invertebrados; nos vertebrados, elas aparecem no sistema nervoso autônomo. Os neurônios bipolares têm um corpo em forma oval que origina dois processos: um dendrito que recebe a informação e um axônio que transmite tal informação em direção ao SNC. Muitas células sensoriais são bipolares, por exemplo, as células presentes na retina e no epitélio olfativo. Existe uma variante de células bipolares, chamadas células pseudounipolares. Essas células, inicialmente, desenvolvem-se como células bipolares; posteriormente, as duas projeções dessas células fundem-se para formar um pequeno axônio que emerge do corpo celular. O axônio, então, divide-se em dois: um ramo dirige-se à periferia (aos receptores sensoriais na pele, articulações e músculo), e o outro, à medula espinhal; ambos funcionam como axônios. Os neurônios multipolares têm um único axônio e muitos dendritos que emergem de vários pontos em torno do corpo celular, predominam no sistema nervoso dos vertebrados e são do tipo mais comum no sistema nervoso de mamíferos. Geralmente, o número e a extensão de seus dendritos estão relacionados ao número de contatos sinápticos que outros neurônios estabelecem com eles. A árvore dendrítica de uma célula de Purkinje, no cerebelo, recebe aproximadamente 150 mil contatos (KANDEL et al., 2003). 37 ANATOMOFISIOLOGIA A) Célula unipolar B) Célula bipolar C) Célula pseudounipolar Dendrito Axônio Dendritos Corpo celular Neurônio de invertebrado Célula bipolar da retina Célula ganglionar da raiz dorsal Terminais axônicos Axônio periférico para pele e músculo D) Três tipos de células multipolares Dendrito apical Corpo celular Corpo celular Dendritos Dendrito basal Neurônio motor da medula espinhal Célula piramidal do hipocampo Célula de Purkinje do cerebelo Processo único bifurcado Axônio central Axônio Corpo celular Dendritos Axônio Corpo celular Corpo celular Axônio Axônio Figura 21 – Tipos de neurônios: unipolares, bipolares ou multipolares Fonte: Kandel et al. (2003. p. 24). Os neurônios também são classificados de acordo com sua função; os três principais grupos funcionais são: sensoriais, motores e interneurônios. Os neurônios sensoriais transmitem a informação da periferia (pele, articulações, músculos etc.) do corpo até o SNC (medula espinhal ou encéfalo) com o propósito tanto de percepção como de coordenação motora. Os neurônios motores transmitem os comandos do cérebro ou da medula espinhal (SNC) para músculos e glândulas (periferia). Os neurônios motor e sensorial são representados no arco reflexo patelar (figura a seguir). Observação No arco reflexo patelar, o neurônio sensorial leva a informação de estiramento do músculo para o SNC, por meio da raiz dorsal da medula; já o neurônio motor conduz a ordem de ação para contração da musculatura, por meio da raiz ventral da medula. Os corpos celulares dos neurônios sensoriais estão localizados nos gânglios raquidianos, enquanto os corpos dos neurônios motores estão localizados no corno ventral da medula. Os interneurônios constituem, de longe, a maior classe de neurônios, compreendendo todas as células nervosas que não são especificamente sensoriais ou motoras. Os interneurônios são subdivididos em duas classes: 38 Unidade I • os do tipo relê ou de projeção, que possuem axônios longos e transmitem sinais de uma região do sistema nervoso a outra, percorrendo distâncias consideráveis; • os interneurônios locais, que têm axônios curtos e processam a informação dentro de circuitos locais (KANDEL et al., 2003). A) B) Efetor Raiz dorsal Gânglio Receptor Raiz ventral Neurônio motorSensorial Figura 22 – (A) Método de obtenção do reflexo patelar: a linha pontilhada indica o movimento que segue o golpe no tendão patelar; (B) arco reflexo patelar (A) Adaptada de: https://bityli.com/saUqwHd. Acesso em: 17 ago. 2022; (B) acervo Unip/Objetivo. 2.3 Potencial de ação A atividade coordenada de dezenas de bilhões de neurônios é o que determina o funcionamento do sistema nervoso, desde funções primitivas, como reações reflexas a estímulos simples do ambiente, até a complexa percepção do meio externo, mecanismos de atenção e controle de movimentos delicados e precisos. Os neurônios dispõem-se em cadeias celulares que transmitem e processam as informações que são captadas por células especializadas. A todo momento, estamos sendo expostos a diversas modalidades de estímulos – fóticos, sonoros, mecânicos, térmicos etc. –, e os neurônios não são capazes de transmitir ondas sonoras nem radiações eletromagnéticas. São necessárias, portanto, estruturas especializadas na transformação dessas formas de estímulos em sinais neurais, por meio da codificação das informações em uma linguagem comum ao sistema nervoso (AIRES, 2012). 39 ANATOMOFISIOLOGIA As membranas neuronais são especializadas na geração de sinais elétricos, assim as informações veiculadas por todas as formas de energia devem ser transduzidas em sinais elétricos. Essa tarefa é cumprida por receptores sensoriais, terminações nervosas ou células particularmente diferenciadas que possuem a capacidade de perceber estímulos específicos e transformá-los em sinais elétricos (AIRES, 2012). A sinalização neural envolve variações do potencial elétrico de membrana. A membrana neuronal em repouso apresenta uma diferença de potencial elétrico de −70 mV, e o interior da célula é negativo. Esse potencial de repouso pode ser modulado com aplicação de pulsos de corrente. Pulsos de baixa intensidade produzem variações de potencial proporcionais à intensidade da corrente, cuja polaridade depende do sinal da corrente aplicada. Uma corrente aplicada que aumenta a diferença de potencial e torna o interior da célula mais negativo é chamada hiperpolarização. Já uma corrente aplicada que diminui a diferença de potencial e torna o interior da célula mais positivo é chamada despolarização. No caso de pulsos de correntes despolarizantes, o aumento da intensidade da corrente aplicada pode, se for forte o suficiente, criar uma variação de potencial rápida, de grande amplitude, cerca de 120 mV no total, de curta duração, de 1 a 2 ms, que constitui um impulso nervoso ou potencial de ação (figura a seguir). Durante o potencial de ação, o potencial de membrana atinge cerca de +50 mV, ou seja, o interior da célula fica positivo, ocorrendo assim uma inversão na polaridade da membrana. Esse tipo de resposta só aparece para pulsos despolarizantes. Nem todo pulso de corrente despolarizante desencadeia um potencial de ação: o pulso precisa ter intensidade suficiente (ser supralimiar) para atingir o limiar de excitabilidade e, então, desencadear o potencial de ação. Caso não seja forte o suficiente, ele será um estímulo sublimiar que não é capaz de desencadear um potencial de ação (um impulso nervoso). +40 +20 0 -20 -40 -60 -80 Po te nc ia l d e m em br an a (m ili vo lts ) A) +40 +20 0 -20 -40 -60 -80 Po te nc ia l d e m em br an a (m ili vo lts ) C) Potencial refratário
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