Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
109 ANATOMOFISIOLOGIA Unidade II 5 SISTEMA RESPIRATÓRIO 5.1 Vias aéreas: porção condutora e respiratória A função básica do sistema respiratório é suprir o organismo com oxigênio (O2) e remover dele o produto gasoso do metabolismo celular, o gás carbônico (CO2). Nos mamíferos, os pulmões são os órgãos encarregados de realizar esses processos. Para tanto, nos seres humanos, a superfície pulmonar encarregada das trocas gasosas é de 70 m2 a 100 m2. Essa enorme superfície fica contida no interior do tórax, distribuída por 480 milhões de alvéolos pulmonares, variando entre 270‑790 milhões, com base na altura e no volume pulmonar do indivíduo. O pulmão direito apresenta três lobos, já o pulmão esquerdo apresenta apenas dois; isso ocorre pois entre eles está situado o coração, ocupando um espaço denominado mediastino. 2 lobos3 lobos Diafragma Figura 56 – Pulmões direito (com 3 lobos) e esquerdo (com 2 lobos) Acervo Unip/Objetivo. Os pulmões, todavia, não são apenas órgãos respiratórios; participam do equilíbrio térmico, pois com o aumento da ventilação pulmonar há maior perda de calor e água. Auxiliam também na manutenção do pH plasmático na faixa fisiológica, regulando a eliminação de ácido carbônico (na forma de CO2). A circulação pulmonar desempenha o papel fundamental de filtrar eventuais êmbolos trazidos pela circulação venosa de outros órgãos vitais ao organismo. O homem também utiliza seu aparelho respiratório para outros fins, como a defesa contra agentes agressores e a fonação (AIRES, 2012). O sistema respiratório dos mamíferos está constituído pela porção condutora, formada pelas vias aéreas superiores e árvore traqueobrônquica, encarregadas de acondicionar e conduzir o ar até o interior dos pulmões; pela porção respiratória, em que efetivamente se realizam as trocas gasosas; e, por uma porção de transição, interposta entre as duas primeiras, em que começam a ocorrer trocas gasosas, porém em níveis não significativos (AIRES, 2012; CURI; PROCOPIO, 2009). 110 Unidade II Quando o ar é inspirado passa pelo nariz ou pela boca e vai para a orofaringe. Em seu trajeto pelas vias aéreas superiores, o ar é filtrado, umidificado e aquecido até entrar em equilíbrio com a temperatura corporal. Isso decorre de seu contato turbulento com a mucosa úmida que reveste as fossas nasais, faringe e laringe. Além disso, nessa região, também se dá a filtração das partículas de maior tamanho que estão suspensas no ar. As vias aéreas superiores atuam, por conseguinte, acondicionando o ar, protegendo do ressecamento, do desequilíbrio térmico e da agressão por partículas poluentes de grande tamanho às regiões mais internas do sistema. A respiração nasal é a mais comum e tem duas vantagens sobre a respiração pela boca: filtração e umidificação do ar inspirado. Entretanto, em casos em que há obstrução nasal, como em casos de congestão da mucosa nasal, a boca oferece menor resistência à passagem de ar que o nariz. Durante o exercício, pode ser efetivada respiração bucal junto à nasal (AIRES, 2012; CURI; PROCOPIO, 2009; KOEPPEN; STANTON, 2009). A porção condutora é formada pelas vias respiratórias superiores (nariz e/ou boca, cavidade nasal/ oral, naso e orofaringe e laringe) e pela árvore traqueobrônquica, até os bronquíolos terminais. As principais estruturas da laringe incluem a epiglote e as pregas vocais. Em algumas infecções, essas estruturas podem ficar edemaciadas (inchadas), contribuindo significativamente para a resistência ao fluxo do ar. A traqueia bifurca‑se assimetricamente, e o brônquio principal direito apresenta menor ângulo com a traqueia em relação ao esquerdo. Logo, a inalação de corpos estranhos vai preferencialmente para o brônquio principal direito. A partir da traqueia, a árvore traqueobrônquica divide‑se progressivamente, em geral por dicotomia, podendo ocorrer a tricotomia a partir da sexta geração das vias aéreas. Os brônquios principais são considerados como a primeira geração ou subdivisão da árvore traqueobrônquica. A segunda geração corresponde aos brônquios lobares, em seguida vêm os segmentares e subsegmentares até os bronquíolos terminais (16ª geração). A remoção de partículas poluentes, contudo, não se faz somente nas vias aéreas superiores. A cada bifurcação do sistema de condução há geração de turbulência. Também com a progressiva bifurcação do sistema de condução ocorre o aumento da área de seção transversa total do sistema tubular, e a consequente diminuição da velocidade do ar conduzido (AIRES, 2012; CURI; PROCOPIO, 2009; GUYTON; HALL, 2011; KOEPPEN; STANTON, 2009). Cavidade nasal Cavidade bucal Epiglote Glote Esôfago Laringe Faringe Figura 57 – Vias respiratórias superiores Acervo Unip/Objetivo. 111 ANATOMOFISIOLOGIA As partículas removidas do ar por esses processos caem sobre a camada de muco que recobre o sistema de condução, e com o muco são removidas em direção à glote pelos batimentos ciliares das células que formam o epitélio dessa região. Um dos problemas mais importantes em todas as vias respiratórias consiste em mantê‑las abertas para permitir a fácil passagem de ar para dentro e fora dos alvéolos. Para impedir o colapso da traqueia, múltiplos anéis cartilaginosos estendem‑se de forma incompleta pela circunferência da traqueia. Nas paredes dos brônquios, existem placas cartilaginosas menos extensas que também conferem rigidez a essas estruturas, permitindo ao mesmo tempo o movimento suficiente para a expansão e contração dos pulmões. Essas lâminas de cartilagem ficam menos extensas nas últimas gerações de brônquios e desaparecem por completo nos bronquíolos. Por outro lado, o colapso dos bronquíolos não é impedido pela rigidez da parede. Pelo contrário, são expandidos pelas mesmas pressões transpulmonares que expandem os alvéolos, ou seja, à medida que os alvéolos aumentam, os bronquíolos também o fazem (AIRES, 2012; CURI; PROCOPIO, 2009; GUYTON; HALL, 2011; KOEPPEN; STANTON, 2009). Pomo de adão Traqueia Brônquio direito Brônquio esquerdo Bronquíolo Artéria Alvéolo Veia BronquíoloPulmão direito Pulmão esquerdo Figura 58 – Traqueia, pulmões, brônquio, bronquíolo e alvéolo Acervo Unip/Objetivo. 112 Unidade II Observação Por um movimento reflexo coordenado, a epiglote “encapa” as pregas vocais durante a deglutição, impedindo assim a aspiração de comida e líquidos para o trato respiratório inferior. A porção de transição está compreendida entre as porções de condução e a respiratória. Inicia‑se no bronquíolo respiratório, que se caracteriza pelo aparecimento de sacos alveolares esparsos em sua parede e pelo desaparecimento das células ciliadas do epitélio bronquiolar. Também se observam os canais de Lambert, pequenos orifícios que permitem a comunicação entre os bronquíolos e os alvéolos adjacentes (AIRES, 2012; CURI; PROCOPIO, 2009). A partir do último ramo do bronquíolo respiratório surgem os ductos alveolares, que, por sua vez, terminam em um conjunto de alvéolos, os sacos alveolares. A porção respiratória, então, está formada pelos ductos e sacos alveolares e os alvéolos. A unidade alvéolo‑capilar é o principal sítio de trocas gasosas (hematose) em nível pulmonar, sendo composta de alvéolo, septo alveolar e rede capilar. Os alvéolos são pequenas dilatações revestidas por uma camada de células. Nos seres humanos, a superfície pulmonar encarregada pela hematose é de 70 m2 a 100 m2 (sendo essa a maior área de contato do organismo com o meio ambiente). Essa superfície fica contida no interior do tórax, em um volume de aproximadamente 4 L, distribuída por centenas de milhões de alvéolos pulmonares. Para que a hematose se efetue adequadamente, a circulação pulmonar precisa ser muito rica em vasos sanguíneos (cerca de 280 bilhões de capilares). O espaço entre a membrana epitelial alveolar e o endotélio capilar é chamado interstício. O septo alveolar é constituído por vasos sanguíneos e fibras elásticas, colágenas e terminações nervosas. A superfície alveolaré constituída por três tipos de células: • o pneumócito tipo I, ou célula alveolar escamosa, que é a mais frequente e recobre a superfície alveolar; • o pneumócito tipo II, ou célula alveolar granular, que armazena e secreta a substância surfactante, que reduz a tensão superficial entre as moléculas de água que recobrem o alvéolo internamente, agindo como um agente anticolabante; • os macrófagos alveolares, uma pequena porção das células alveolares. Os macrófagos passam livremente da circulação para o espaço intersticial e, a seguir, passam pelos espaços entre as células epiteliais e se localizam na superfície alveolar (AIRES, 2012; CURI; PROCOPIO, 2009; KOEPPEN; STANTON, 2009). Os macrófagos são células do sistema imune que têm função de fagocitar corpos estranhos, partículas poluentes e bactérias, constituindo uma barreira com o meio externo. 113 ANATOMOFISIOLOGIA Saiba mais Dando continuidade ao assunto abordado, leia o artigo a seguir: FREDDI, N. A.; PROENÇA FILHO, J. O.; FIORI, H. H. Terapia com surfactante pulmonar exógeno em pediatria. Jornal de Pediatria, v. 79, supl. 2, p. S205‑S212, 2003. Disponível em: https://bit.ly/3Jjouzt. Acesso em: 29 jul. 2022. 5.2 Mecânica ventilatória, volumes e capacidades pulmonares A ventilação pulmonar envolve a movimentação do sistema respiratório, que requer a realização de um trabalho mecânico para vencer forças de oposição: forças elásticas dos tecidos pulmonares e da parede torácica; forças resistivas resultantes do fluxo de gás pelas vias respiratórias; e a movimentação dos tecidos do pulmão e da parede torácica. Denomina‑se parede torácica o conjunto de estruturas que se movem durante o ciclo respiratório, à exceção dos pulmões (CURI; PROCOPIO, 2009). Os pulmões são separados da parede torácica pelo espaço pleural. Cada pulmão tem acoplado a si a pleura visceral e a pleura parietal, que recobre o mediastino (região onde se localiza o coração), o diafragma e a face interna da caixa torácica. Durante o ciclo respiratório, as duas pleuras não se afastam porque a cavidade pleural é fechada, e existe em seu interior uma película líquida que as une, permitindo que se deslizem uma sobre a outra, similarmente ao que ocorre quando uma gota de água é colocada entre duas lâminas de vidro (AIRES, 2012; CURI; PROCOPIO, 2009). A renovação constante do gás alveolar é assegurada pelos movimentos do tórax. Na inspiração, a cavidade torácica aumenta de volume, e os pulmões expandem‑se para preencher o espaço deixado. Com o aumento da capacidade pulmonar e a queda da pressão no interior do sistema, o ar do ambiente é sugado para dentro dos pulmões. A inspiração é seguida imediatamente pela expiração, que provoca diminuição do volume pulmonar e expulsão do gás (figura a seguir). A expiração normalmente tem uma duração correspondente de 1,3 a 1,4 vez a da inspiração. À expiração, segue‑se, normalmente sem pausa, a inspiração. Ela se faz pela contração da musculatura inspiratória, e a expiração em condições de repouso é passiva, isto é, não há contração da musculatura expiratória. No entanto, ao longo da expiração ocorre uma desativação paulatina da musculatura inspiratória, que contribui para que a expulsão do ar dos pulmões seja suave. A contração dos músculos respiratórios depende de impulsos nervosos originados dos centros respiratórios (localizados no tronco cerebral), às vezes diretamente de áreas corticais superiores, também da medula (em resposta a estímulos reflexos originados nos músculos). O automatismo do centro respiratório mantém o ritmo normal da respiração, que pode ser modificado por estímulos de centros locais do sistema nervoso, bem como por alterações químicas no sangue e/ou no líquido cefalorraquidiano. Portanto, os movimentos respiratórios estão, até certo ponto, sob o controle volitivo, embora normalmente se processem de forma automática, sem a participação consciente do indivíduo. Durante certo tempo, a respiração pode ser intencionalmente acelerada, letificada ou mesmo 114 Unidade II interrompida. Essas modificações, entretanto, não se manterão por muito tempo, pois que induzirão um distúrbio na homeostase, e o centro respiratório comandará respostas compensatórias, que suplantarão os estímulos corticais (AIRES, 2012). ar ar Diafragma Inspiração Expiração Figura 59 – Mecanismos de inspiração e expiração Acervo Unip/Objetivo. Os principais músculos da respiração incluem o diafragma, os intercostais externos e o escaleno, todos eles músculos esqueléticos. Os músculos esqueléticos produzem a força motriz para a ventilação; a força da contração aumenta quando eles são estirados e diminui quando eles se encurtam. A força da contração dos músculos respiratórios aumenta quando o pulmão está em seus maiores volumes (KOEPPEN; STANTON, 2009). Lembrete A musculatura estriada esquelética está presa aos ossos e apresenta contração voluntária. O diafragma, principal músculo da inspiração, é inervado pelo nervo frênico e controlado pelo centro respiratório no SNC. O processo da respiração começa com o ato da inspiração, que é desencadeada pela contração do diafragma. Ao se contrair, o diafragma desloca‑se para a cavidade abdominal, removendo o abdome para fora e criando pressão negativa no interior do tórax. A abertura da glote, nas vias aéreas superiores, conecta o mundo exterior ao sistema respiratório. Como os gases fluem da maior para a menor pressão, o ar move‑se para os pulmões, vindo do meio externo, de forma muito semelhante ao modo como o aspirador de pó suga ar para seu interior. O volume do pulmão aumenta na inspiração, e o oxigênio (O2) é levado para o pulmão; enquanto, durante a expiração, o diafragma relaxa, a pressão no tórax aumenta, e o dióxido de carbono (CO2), além de outros gases, flui passivamente para fora dos pulmões (figura a seguir) (KOEPPEN; STANTON, 2009). 115 ANATOMOFISIOLOGIA Sino frontal Cavidade nasal Cavidade oral Ar oxigênio CO2 gás carbônico Ar oxigênio Epiglote Esôfago Pulmões Pleura Traqueia Pulmão BrônquiosO2 CO2 Coração Encaixe cardíaco Diafragma Ducto alveolar Entrada de oxigênio Saída de dióxido de carbono Vaso capilar Células alveolares (tipos 1 e 2) Alvéolo (seção transversal) Estrutura das vias aéreas intrapulmonares Bronquíolos respiratórios Ducto alveolar Saco alveolar Poro alveolar Uma camada de vasos capilares recobre toda a superfície dos alvéolos Músculos lisos Veia pulmonar Artéria pulmonar Alvéolos Figura 60 – Durante a inspiração ocorre a entrada de ar (O2) no sistema respiratório, durante a expiração ocorre a saída de ar (CO2) Acervo Unip/Objetivo. O diafragma é o principal músculo da respiração e separa a cavidade torácica da cavidade abdominal. A contração do diafragma força o conteúdo abdominal para baixo e para frente. Isso aumenta a dimensão vertical da cavidade torácica e cria diferença de pressão entre o tórax e o abdome. Durante a respiração, em repouso, o diafragma move‑se aproximadamente por 1 cm; no entanto, durante manobras de 116 Unidade II respiração profunda (capacidade vital) o diafragma pode mover‑se por até 10 cm. O diafragma é inervado pelos nervos frênicos direito e esquerdo, originados do terceiro ao quinto segmento cervical da medula espinhal (KOEPPEN; STANTON, 2009). Os outros músculos importantes da inspiração são os músculos intercostais externos, que puxam as costelas para cima e para frente durante a inspiração. Isso causa aumento nos diâmetros lateral e anteroposterior do tórax. A inervação dos músculos intercostais externos é pelos nervos intercostais com origem no mesmo nível da medula espinhal. A paralisia desses músculos não causa efeito significativo na respiração porque esta é, em sua maior parte, dependente do diafragma. É por isso que indivíduos com lesões altas da medula espinhal podem respirar espontaneamente. Quando a lesão está acima de C3 (terceira vértebra cervical), os indivíduos ficam completamente dependentes de um respirador(KOEPPEN; STANTON, 2009). Os músculos acessórios da inspiração (os músculos escalenos, que elevam o esternocleidomastóideo; o alar nasal, que causa o alargamento das narinas; e os pequenos músculos da cabeça e do pescoço) não se contraem durante a respiração normal, no entanto, eles se contraem vigorosamente no decorrer do exercício e, quando a obstrução das vias aéreas é significativa, eles, ativamente, puxam a caixa torácica para cima. Durante a respiração normal, eles fixam o esterno e as costelas superiores. A expiração durante a respiração normal é passiva, mas ela passa a ser ativa ao longo do exercício e da hiperventilação. Os músculos mais importantes na expiração são os da parede abdominal (reto abdominal, oblíquo interno e externo e transverso do abdome) e os músculos intercostais internos, que se opõem aos intercostais externos (isto é, eles puxam as costelas para baixo e para dentro). Os músculos inspiratórios fazem o trabalho da respiração. Durante a respiração normal, o trabalho é pouco, e os músculos inspiratórios têm reservas energéticas significativas. Os músculos respiratórios podem ser treinados a realizar mais trabalho, mas existe um limite finito para o trabalho que podem executar. A fraqueza dos músculos respiratórios pode comprometer o movimento da caixa torácica, e a fadiga dos músculos respiratórios é o principal fator no desenvolvimento da falência respiratória. A avaliação da função pulmonar e o estudo da mecânica estática do pulmão (as propriedades mecânicas de um pulmão cujo volume não está variando com o tempo) começam com a medida dos volumes pulmonares e dos fatores que determinam esses volumes. Os volumes pulmonares são convencionalmente divididos em quatro volumes primários e quatro capacidades. Os volumes primários não se sobrepõem, ao passo que as capacidades são formadas por dois ou mais volumes primários. O volume corrente (Vc) é o volume de ar movido em cada respiração calma. No ser humano, esse volume oscila entre 350 mL e 500 mL. O volume corrente aumenta com o metabolismo, como durante o exercício, nas sobrecargas ou nos processos febris. O volume de reserva inspiratório (VRI) é o máximo volume de gás que pode ser inspirado após uma inspiração máxima forçada, partindo de uma inspiração basal; em outras palavras, é a reserva disponível para o aumento do volume corrente – se o volume corrente exagera, a reserva disponível ou VRI diminui. Em condições de repouso, o VRI corresponde a cerca de 3.100 mL no adulto jovem. O volume de reserva expiratório (VRE) é o volume máximo de gás, que pode ser expirado após uma expiração basal. Mede a reserva de expiração e, também, diminui quando o volume corrente aumenta. Em condições de repouso, corresponde a 1.200 mL no adulto 117 ANATOMOFISIOLOGIA jovem. O volume residual (VR) é o volume de ar que permanece nos pulmões após uma expiração máxima forçada, ou seja, existe um volume de gás, contido nos pulmões, que não é expelido quando o pulmão e o tórax estão intactos. Esse volume corresponde a 1.200 mL no adulto jovem. A capacidade inspiratória (CI) corresponde ao volume máximo de gás, que pode ser inspirado após uma expiração basal. Corresponde, portanto, à soma dos volumes corrente e de reserva inspiratório, sendo seu valor aproximadamente de 3.600 mL. A capacidade residual funcional (CRF) iguala‑se ao volume de gás que permanece nos pulmões após uma expiração basal. Seu valor é de cerca de 2.400 mL. A capacidade vital (CV) é o maior volume de gás que pode ser mobilizado até atingir uma expiração máxima, de maneira forçada, após uma inspiração máxima. A CV corresponde à soma de VRI, VC e VRE e, portanto, tem seu valor ao redor de 4.800 mL. A capacidade pulmonar total (CPT) é a quantidade de gás contido nos pulmões ao final de uma inspiração máxima; portanto, é o maior volume de gás que os pulmões podem conter. É igual à soma de VRI, VC, VRE e VR ou à de CV e VR, ficando seu valor ao redor de 6.000 mL (AIRES, 2012; DOUGLAS, 2006; KOEPPEN; STANTON, 2009). Todos esses volumes e capacidades descritos não são imutáveis, variando conforme a situação fisiológica ou patológica. Como exemplo, pode‑se citar a capacidade vital, que é maior em homens do que em mulheres, aumenta com a altura e diminui com a idade. Também em um mesmo indivíduo os valores desses compartimentos podem diferir conforme a situação postural; assim, um indivíduo em posição ereta apresenta um aumento da CRF graças ao aumento do VRE em relação a quando ele fica deitado, devido ao deslocamento de sangue do tórax e à movimentação das vísceras abdominais; o VRI consequentemente diminui. O volume corrente corresponde a um volume de gás que não vai, em sua totalidade, penetrar nos alvéolos. Essa parte em que não penetra fica localizada nas vias aéreas (fossas nasais, boca, faringe, laringe, traqueia, brônquios e bronquíolos terminais), áreas em que não ocorrem trocas gasosas; por esse motivo, e compartimento é denominado espaço morto anatômico. O volume do espaço morto (VEM) corresponde a cerca de um terço do volume corrente basal. Pode ser calculado em indivíduos de estatura normal como aproximadamente 2,2 vezes o peso corporal em quilos. Entretanto, a aplicação desse cálculo para indivíduos obesos ou crianças foge ao valor real. O VEM pode variar; assim, pode diminuir após uma traqueostomia ou pneumonectomia, ou pode aumentar, por exemplo, em patologias nas quais os alvéolos são hiperventilados. Considerando‑se a ventilação necessária para a boa troca gasosa, o espaço morto fisiológico mede todo o volume de ar que não experimenta hematose. A ventilação do espaço morto fisiológico refere‑se à quantidade total de ventilação desperdiçada, incluindo a do espaço morto anatômico, assim como aquela não utilizada nos alvéolos com ventilação excessiva. A fração do volume corrente que penetra nos alvéolos e que, correspondentemente, sofrerá troca gasosa é denominada volume alveolar (VA) e é o volume que tem fundamental importância no processo de ventilação pulmonar. Portanto, o volume corrente é igual à soma de VA e VEM. Esse espaço corresponde àquele que determina a troca gasosa com o sangue circulante pulmonar. A respiração basal normal denomina‑se eupneia. Nesse caso, a ventilação pulmonar, ou volume corrente‑minuto (VCM), também é basal. VCM é definido como o volume de ar inspirado, ou expirado, em um minuto, sendo, portanto, igual ao volume corrente × frequência respiratória (FR) (DOUGLAS, 2006). 118 Unidade II A ventilação pulmonar é o processo por meio do qual o ar contido no interior dos pulmões é constante e periodicamente renovado. Por outro lado, denomina‑se perfusão o volume de sangue que irriga o alvéolo pulmonar. A relação entre esses dois parâmetros (ventilação e perfusão) é considerada fundamental na fisiologia respiratória, já que integra as funções ventilatória e circulatória, que devem estar harmoniosamente equilibradas. Essa relação mantém o fornecimento adequado de oxigênio para os tecidos. Em indivíduos normais, esse desacoplamento é a causa mais comum de hipoxemia (baixa concentração de oxigênio no sangue arterial) e está presente em quase todas as patologias pulmonares (DOUGLAS, 2006). 5.3 Difusão dos gases, transporte dos gases pelo sangue e pressões de trocas gasosas A troca de gases no organismo, movimentando‑se desde a atmosfera até os alvéolos, ou na direção contrária, é um processo passivo, pelo qual acontece a transferência de gás por meio da barreira sangue‑gás. As moléculas de qualquer gás permanecem em movimento constante e aleatório, tanto mais intenso quanto maior for a temperatura, acarretando colisões entre as diversas moléculas, e quanto maior for o número de moléculas e, portanto, maior a concentração de gás, maior será o número de colisões. Esse processo de movimentação do gás é chamado difusão e desloca as moléculas do gás do meio mais para o menos concentrado. Cabe ressaltar que a concentração de um gás deve ser levada em contano processo de difusão somente quando ele estiver livre (sem ter agido ou combinado com outras moléculas) e, assim, por meio de suas colisões, exerça pressão. Por esse motivo, pode‑se estabelecer que se difunde um gás quando há diferença de pressão. A lei de Dalton estabelece que, em uma mistura de gases, em qualquer volume, a pressão total equivale à soma das pressões desenvolvidas por cada gás componente da mistura. Nesse caso, a pressão de cada gás é denominada pressão parcial. Tal conceito é importante, pois a ação químico‑fisiológica de um gás depende de sua pressão parcial, a qual, por sua vez, depende do número de moléculas livres, em condições determinadas de pressão e temperatura, independentemente de outros gases que estejam simultaneamente ocupando o mesmo compartimento (DOUGLAS, 2006). A pressão atmosférica, ao nível do mar, é de 760 mmHg. Um recipiente que contenha somente nitrogênio, ao nível do mar, apresentará, segundo a lei de Dalton, uma pressão de 760 mmHg, o mesmo ocorrendo com a pressão exercida por qualquer mistura gasosa. Assim, se uma mistura gasosa, por exemplo, o ar seco, estiver ao nível do mar, sua pressão total será igual à soma das pressões parciais de cada gás: Ptotal = PO2 + PCO2 + PN2 + … = 760 mmHg Por outro lado, a pressão parcial de cada gás, em uma mescla gasosa, é igual à pressão total multiplicada pela porcentagem desse gás na mistura global. Assim, por exemplo, se a porcentagem de O2 no ar seco, ao nível do mar, é de 20,93%, sua pressão parcial será: PO2 = 760 x 20,93 = 159 mmHg 100 119 ANATOMOFISIOLOGIA O mesmo raciocínio aplica‑se para o CO2 (0,04%), para o N2 (79,03%), ou o equivalente para os componentes de qualquer outra mistura gasosa (DOUGLAS, 2006). A lei de Henry afirma que o volume de um gás solúvel que se dissolve em um líquido a certa temperatura é diretamente proporcional à pressão parcial desse gás, ou seja, a pressão parcial de um gás (Px) é igual à fração dele na mistura gasosa (Fx) multiplicada pela pressão total ou barométrica (PB): Px = Fx × PB Como a principal finalidade do processo ventilatório é a manutenção de uma adequada composição do gás alveolar, o sangue venoso que passa pelos alvéolos está constantemente retirando O2 e eliminando CO2 para essas estruturas; consequentemente, o ar inspirado encontrará, para misturar‑se, um gás alveolar com grande PCO2 e baixa PO2, resultante do metabolismo celular (DOUGLAS, 2006). O ar alveolar não tem as mesmas concentrações de gases que o ar atmosférico. Há várias razões para as diferenças observadas. Em primeiro lugar, o ar alveolar é substituído apenas parcialmente por ar atmosférico a cada respiração; o oxigênio é constantemente absorvido do ar alveolar; o dióxido de carbono sofre constante difusão do sangue pulmonar para os alvéolos. E, finalmente, o ar atmosférico seco que penetra nas vias respiratórias é umidificado mesmo antes de alcançar os alvéolos (GUYTON; HALL, 2011). O ar atmosférico é constituído quase totalmente por nitrogênio e oxigênio; em condições normais, quase não contém dióxido de carbono e só pouco vapor d’água. Todavia, tão logo o ar atmosférico penetra nas vias respiratórias, ele é exposto aos líquidos que recobrem as superfícies respiratórias. Mesmo antes de penetrar nos alvéolos, o ar fica totalmente umidificado. A pressão parcial de vapor d’água na temperatura corporal normal de 37 °C é de 47 mmHg, que, portanto, é a pressão parcial da água no ar alveolar. Como a pressão total nos alvéolos não pode aumentar mais do que a pressão atmosférica, esse vapor d’água simplesmente dilui todos os outros gases no ar inspirado. A umidificação do ar dilui a pressão parcial de oxigênio, ao nível do mar, de uma média de 159 mmHg no ar atmosférico para 149 mmHg no ar umidificado, enquanto diminui a pressão parcial de nitrogênio de 597 para 563 mmHg. Como foi discutido anteriormente, o volume residual dos pulmões, que se refere à quantidade de ar restante nos pulmões ao término da expiração normal, corresponde a cerca de 2.300 mL. Contudo, apenas 350 mL de ar novo é levado aos alvéolos a cada respiração normal, sendo expirada a mesma quantidade de ar alveolar. Por conseguinte, a quantidade de ar alveolar substituído por ar atmosférico novo a cada incursão respiratória representa apenas um sétimo do total, sendo, pois, necessárias muitas incursões respiratórias para substituir a maior parte do ar alveolar. Com a ventilação alveolar normal, cerca da metade do gás é removida em 17 segundos. Quando a frequência da ventilação alveolar da pessoa é apenas metade do normal, metade do gás é removida em 34 segundos, e, quando a frequência de ventilação é o dobro do normal, a metade é removida em cerca de 8 segundos. Essa lenta substituição do ar alveolar tem importância particular na prevenção de 120 Unidade II alterações súbitas das concentrações gasosas do sangue. Isso torna o mecanismo de controle respiratório muito mais estável do que normalmente seria e, também, ajuda a evitar aumentos e reduções excessivas da oxigenação tecidual, da concentração de dióxido de carbono e do pH nos tecidos quando a respiração é temporariamente interrompida. 5.4 Transporte de oxigênio no sangue O transporte de oxigênio no sangue depende que o mecanismo de troca seja rapidamente reversível, de modo que o oxigênio seja captado nos pulmões e difundido para os outros tecidos do corpo. A hemoglobina (Hb) tem uma estrutura singular que permite isso. Cada litro de sangue arterial contém aproximadamente 200 mL de oxigênio. Cerca de 3 mL desse oxigênio (1,5%) estão dissolvidos no plasma ou no citosol dos eritrócitos; somente esse oxigênio dissolvido contribui para a PO2 do sangue. Os 197 mL de O2 restantes (98,5%) são transportados ligados à hemoglobina. Embora o oxigênio ligado não contribua para a PO2, ele está em equilíbrio com o oxigênio dissolvido e, assim, a quantidade de oxigênio ligada à hemoglobina é uma função da PO2. A molécula de hemoglobina consiste em quatro subunidades – cada uma contendo uma globina (cadeia polipeptídica globular) – e um grupo heme – contendo ferro. Cada grupo heme tem a capacidade de ligar uma molécula de oxigênio; então, cada molécula de hemoglobina pode transportar um total de quatro moléculas de oxigênio. O complexo de hemoglobina e oxigênio ligado é denominado oxiemoglobina; a molécula de hemoglobina sem oxigênio é denominada desoxiemoglobina. Nos pulmões, quando as moléculas de oxigênio se movimentam do ar alveolar para o sangue capilar, elas se ligam à hemoglobina; quando o sangue chega aos tecidos‑alvo, as moléculas de oxigênio dissociam‑se da hemoglobina e se difundem para as células. Para a hemoglobina atuar no transporte de oxigênio, é crítico que a ligação ao oxigênio ocorra de forma reversível – ou seja, fortemente o suficiente para captar grandes quantidades de oxigênio nos pulmões, mas não tão forte que não seja possível a liberação do oxigênio nos tecidos consumidores. A ligação ou liberação de oxigênio depende da PO2 do líquido no qual está a hemoglobina. Uma alta PO2 facilita a ligação de oxigênio à hemoglobina, já uma baixa PO2 facilita a liberação de oxigênio da hemoglobina. A reação do oxigênio com a hemoglobina pode ser escrita como: Hb + O2 Hb × O2 na qual Hb é a desoxiemoglobina, O2 é o oxigênio dissolvido no sangue, e Hb × O2 a oxiemoglobina. A lei de ação das massas estabelece que um aumento da concentração dos reagentes desloca a reação para a direita, resultando na geração de mais produto. Desse modo, quando os níveis de oxigênio nos capilares pulmonares aumentam, mais oxiemoglobina é formada. Reciprocamente, quando os níveis de oxigênio nos capilares sistêmicos diminuem, a reação é deslocada para a esquerda, para liberar oxigênio da hemoglobina. 121 ANATOMOFISIOLOGIA Quanto mais oxigênio estiver disponível no sangue, mais oxiemoglobina será formada. Quando todos os sítios de ligação de oxigênio de uma molécula de hemoglobina estão ocupados,diz‑se que a molécula de hemoglobina está 100% saturada (STANFIELD, 2014). A relação entre PO2 e a saturação da hemoglobina pode ser resumida na curva de dissociação hemoglobina‑oxigênio. Embora a saturação percentual da hemoglobina aumente quando a PO2 aumenta, a curva que descreve a ligação do oxigênio à hemoglobina não é linear, porém tem forma de S (sigmoide), porque a capacidade da hemoglobina de ligar oxigênio depende de quantas moléculas de oxigênio já estão ligadas. Especificamente, a ligação de uma molécula de oxigênio à hemoglobina aumenta a afinidade da molécula pelo oxigênio e, assim, aumenta a probabilidade de outro oxigênio ligar‑se à hemoglobina. A ligação do oxigênio a uma das subunidades de uma molécula de hemoglobina induz a uma alteração na conformação da molécula, que aumenta a afinidade das demais subunidades pelo oxigênio (processo chamado cooperatividade positiva), uma vez que essa alteração da PO2 produz um aumento maior da saturação percentual. Em pressões parciais muito baixas (menos de 15 mmHg, um nível não habitualmente encontrado no sangue), a maior parte das moléculas de hemoglobina não tem oxigênio ligado a elas. Nessas condições, a afinidade da hemoglobina por oxigênio é relativamente baixa, e um dado aumento da PO2 produz um pequeno aumento da porcentagem de saturação. Quando a PO2 aumenta, mais moléculas de hemoglobina ligar‑se‑ão a pelo menos uma molécula de oxigênio, causando aumento da afinidade da hemoglobina por outras moléculas de oxigênio. Essa relação é observada na parte mais inclinada da curva de dissociação hemoglobina‑oxigênio a valores entre 15 mmHg e 60 mmHg. Com valores superiores a 60 mmHg, a inclinação da curva diminui, já que menos sítios de ligação estão disponíveis à medida que a saturação aumenta. Acima de uma PO2 de aproximadamente 80 mmHg, a curva torna‑se praticamente horizontal. Pode‑se relacionar a curva de dissociação hemoglobina‑oxigênio a eventos nos pulmões e outros tecidos. A PO2 nas artérias sistêmicas é de aproximadamente 100 mmHg e, a essa PO2, a hemoglobina está 98% saturada (atingir 100% de saturação exigiria uma PO2 de cerca de 250 mmHg). Nas veias sistêmicas, a PO2 é de aproximadamente 40 mmHg, e a hemoglobina está aproximadamente 75% saturada. Assim, em condição de repouso, os tecidos captam apenas 25% do oxigênio transportado no sangue, deixando uma grande reserva de oxigênio disponível para o caso de aumento das demandas. Existem pelo menos quatro outros fatores (temperatura, pH, PCO2 e 2,3‑bifosfatoglicerato) que afetam a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio. Alterações da afinidade da hemoglobina por oxigênio refletem‑se em deslocamentos da curva de dissociação hemoglobina‑oxigênio para a direita ou para a esquerda. Diminuições da afinidade fazem a curva deslocar‑se para a direita, indicando que uma PO2 maior é necessária para qualquer dado nível de saturação; um deslocamento para a direita também indica que o oxigênio é liberado mais facilmente pela hemoglobina, tornando‑se mais disponível para os tecidos. Aumentos da afinidade causam deslocamentos para a esquerda, indicando que uma menor PO2 é necessária para a obtenção de qualquer nível de saturação; um deslocamento para a esquerda também indica que o oxigênio é capturado mais facilmente pela hemoglobina. Em condições normais, uma PO2 de 45 mmHg produz 80% de saturação da hemoglobina. Com um deslocamento para a direita, uma PO2 menor que 45 mmHg pode produzir o mesmo nível de saturação. 122 Unidade II Considerando os quatro fatores mencionados anteriormente que afetam a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, os três primeiros – temperatura, pH e PCO2 – cooperam para promover a liberação de oxigênio da hemoglobina nos tecidos consumidores e a captura de oxigênio pela hemoglobina nos pulmões. A temperatura afeta a afinidade por oxigênio por meio da alteração da estrutura da molécula de hemoglobina. Esse fator é inespecífico, já que a temperatura afeta a estrutura de todas as proteínas. Contudo, essa alteração estrutural tem importantes consequências funcionais. Quando o metabolismo do tecido aumenta, a temperatura aumenta, diminuindo, assim, a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio. Como consequência, o oxigênio é liberado no tecido. Da mesma forma, a diminuição da temperatura do sangue quando entra nos pulmões aumenta a afinidade da hemoglobina por oxigênio, promovendo a captação de oxigênio. O efeito do pH sobre a curva de dissociação hemoglobina‑oxigênio é conhecido como efeito Bohr. Quando se liga o oxigênio à hemoglobina, certos aminoácidos da proteína liberam íons hidrogênio. Portanto o aumento da concentração dos íons hidrogênio (diminuição do pH) desloca a curva para a esquerda, fazendo com que alguns oxigênios se dissociem da hemoglobina, mesmo quando a PO2 se mantém constante. O efeito Bohr é importante porque, quando íons hidrogênio se ligam à hemoglobina, eles diminuem a afinidade ao oxigênio e, portanto, oxigênio é liberado. A concentração de íons hidrogênio tende a aumentar nos tecidos ativos, o que facilita a liberação de oxigênio. A PCO2 afeta a afinidade da hemoglobina pelo oxigênio porque o dióxido de carbono reage reversivelmente com certos grupos amino da hemoglobina, formando carbamino‑hemoglobina (HbCO2). Portanto, o aumento da PCO2 no sangue, como ocorre quando a atividade metabólica aumenta, leva ao aumento da concentração de carbamino‑hemoglobina. Quando se liga o dióxido de carbono à hemoglobina, altera a conformação dela e diminui sua afinidade ao oxigênio, fenômeno conhecido como efeito carbamino. O quarto fator, 2,3‑bifosfoglicerato (2,3‑BPG), é um composto químico produzido nos eritrócitos a partir de um composto intermediário da glicólise, a via anaeróbica pela qual os eritrócitos obtêm toda sua energia. Quando a concentração da oxiemoglobina está elevada, ela inibe a enzima que forma o 2,3‑BPG; dessa forma, os níveis de 2,3‑BPG são baixos e exercem pouco efeito sobre a afinidade da hemoglobina. Em contraste, se os níveis de oxiemoglobina estão baixos, como ocorre quando o suprimento de oxigênio é limitado, ocorre a síntese do 2,3‑BPG, e ele diminui a afinidade da hemoglobina por oxigênio. Esse efeito aumenta a liberação do oxigênio para os tecidos. As condições que aumentam o 2,3‑BPG incluem a anemia e as grandes altitudes (STANFIELD, 2014). Observação O monóxido de carbono (CO) liga‑se à hemoglobina com mais afinidade que o oxigênio e impede sua ligação, diminuindo o transporte de oxigênio no sangue, levando à morte por asfixia. 123 ANATOMOFISIOLOGIA A solubilidade do CO2 no sangue é de cerca de vinte vezes mais que o O2; portanto consideravelmente mais CO2 do que O2 está presente em uma solução simples a pressões parciais iguais. O CO2 que se difunde nos eritrócitos é rapidamente hidratado em H2CO3 devido à presença da enzima anidrase carbônica. Essa enzima é responsável por catalisar (permitir que a reação ocorra em tempos compatíveis com a fisiologia) a reação. O H2CO3 dissocia‑se em H + e HC, e o H+ é tamponado, principalmente pela hemoglobina, enquanto o HC entra no plasma. A seguinte equação ilustra o processo de difusão do que ocorre dentro de um eritrócito: CO2 + H2O ↔ H2CO3 ↔ H + + HC‑3 H+ + Hb− ↔ HHb Parte do CO2 nos eritrócitos reage com os aminogrupos de hemoglobina e outras proteínas, formando compostos carbamino. Observação Tamponamento é o mecanismo pelo qual ácidos ou bases fracas, com seus respectivos sais, impedem alterações drásticas no pH de uma solução por adição ou retirada de ácidos. Como a desoxiemoglobina liga mais H+ do que a oxiemoglobina e forma compostos carbamino mais prontamente, a ligação de O2 à hemoglobina reduz sua afinidade ao CO2. Esse fenômeno é conhecido como efeito Haldane. Consequentemente, o sangue venoso transporta mais CO2 do que o sangue arterial, a captação de CO2 é facilitada nos tecidos, e a liberação de CO2 é facilitada nos pulmões. Cerca de 11% do CO2 adicionado ao sanguenos capilares sistêmicos é transportado para os pulmões, como carbamino‑CO2. No plasma, o CO2 reage com as proteínas plasmáticas para formar pequenas quantidades de compostos carbamino, e pequenas quantidades de CO2 são hidratadas; mas a reação de hidratação é lenta na ausência da anidrase carbônica. Pelo fato do aumento do conteúdo de HCO3 nos eritrócitos ser muito maior do que no plasma, à medida que o sangue passa por meio dos capilares, cerca de 70% do HCO3 formado nos eritrócitos entra no plasma. O excesso de HCO3 deixa os eritrócitos por meio da troca por Cl − (íons cloreto). Esse processo é chamado desvio de cloretos. Devido a ele, o conteúdo de Cl− dos eritrócitos do sangue venoso é, portanto, significativamente maior do que no sangue arterial (GANONG, 2006). A cada molécula de CO2 adicionada a um eritrócito, aumenta‑se uma partícula osmoticamente ativa na célula (HCO3 ou Cl −). Consequentemente, os eritrócitos captam água e aumentam de tamanho. Por essa razão, mais o fato de que uma pequena quantidade de líquido no sangue arterial retorna por meio dos vasos linfáticos, e não das veias, o hematócrito do sangue venoso normalmente é 3% maior que o do sangue arterial. Nos pulmões, o Cl− sai das células junto a H2O e, então, elas encolhem. 124 Unidade II 5.5 Controle nervoso da respiração A respiração é um processo automático, rítmico e regulado centralmente por um controle voluntário. O SNC e, em particular, o tronco encefálico funcionam como o principal centro de controle da respiração. A regulação da respiração requer: • geração e manutenção do ritmo respiratório; • modulação desse ritmo por alças de retroalimentação sensorial e reflexos que permitem a adaptação a várias condições enquanto minimizam os custos energéticos; • recrutamento de músculos respiratórios que se podem contrair apropriadamente para a hematose (KOEPPEN; STANTON, 2009). O gerador central de padrões (GCP) é composto de muitos grupos de células com propriedades de marca‑passo. O GCP integra a entrada periférica de receptores de estiramento no pulmão e receptores de O2 no corpo carotídeo, com informação vinda do hipotálamo e da amígdala. Essa informação pode ser excitatória ou inibitória. Ainda mais, como os sinais do nervo frênico estão ausentes entre os esforços inspiratórios, uma chave inspiratória, tipo liga‑desliga, parece operar o sistema, e essa chave inibe o GCP durante a expiração. 6 SISTEMA DIGESTÓRIO 6.1 Estrutura geral do sistema digestório: processos de mastigação, deglutição, digestão, absorção e defecação O organismo está constantemente gastando energia para manter suas funções; isso significa um consumo metabólico de substâncias que devem ser recuperadas, principalmente por meio da captação de nutrientes e água do meio ambiente, assim como a eliminação de produtos residuais do metabolismo. Tais funções são cumpridas por órgãos especializados, cujas funções convergem, constituindo uma unidade funcional: o sistema gastrointestinal (DOUGLAS, 2006). O sistema gastrointestinal é formado por órgãos ocos dispostos em série que se comunicam nas duas extremidades (boca e ânus) com o meio ambiente, constituindo o denominado trato gastrointestinal (TGI), e pelas glândulas anexas, que lançam suas secreções na luz do TGI. Os órgãos que compõem o TGI são: a cavidade oral, a faringe (subdividida em nasofaringe, orofaringe e laringofaringe), o esôfago, o estômago, o intestino delgado (formado pelo duodeno, jejuno e íleo), o intestino grosso (formado por ceco e cólon, com suas porções ascendente, transversa, descendente e sigmoide, bem como pelo reto) e o ânus (figura a seguir). Esses órgãos são delimitados entre si por esfíncteres. O esfíncter esofágico superior (EES) ou cricofaríngeo delimita a faringe do corpo do esôfago, o qual é delimitado do estômago pelo esfíncter esofágico inferior (EEI). O estômago é delimitado do intestino delgado pelo piloro, e o intestino delgado é separado do intestino grosso pelo esfíncter ileocecal. A porção distal do intestino grosso diferencia‑se no reto e no ânus com seus dois esfíncteres, o interno e o externo. No sentido cefalocaudal, as glândulas anexas ao TGI são: as glândulas salivares, o pâncreas exócrino, o fígado e a 125 ANATOMOFISIOLOGIA vesícula biliar. A secreção das glândulas salivares é lançada na cavidade oral, e as secreções pancreática e biliar, no intestino delgado (AIRES, 2012). Glândulas salivares Esôfago Estômago Pâncreas Cólon transverso Jejuno Cólon descendente Íleo Reto Ânus Sigmoide Apêndice Ceco Cólon ascendente Duodeno Vesícula biliar Fígado Figura 61 – TGI e glândulas anexas (ou glândulas acessórias) Acervo Unip/Objetivo. As secreções lançadas na luz do TGI pelas glândulas anexas, junto às produzidas pelo estômago e pelos intestinos delgado e grosso, processam quimicamente o alimento ingerido na cavidade oral. Esse processamento é facilitado pela motilidade do TGI, que propicia a mistura, a trituração e a progressão do alimento no sentido cefalocaudal. O alimento é reduzido a moléculas que podem ser reabsorvidas, por meio do intestino delgado, para o sistema circulatório. O TGI promove a excreção anal dos resíduos alimentares que não foram processados ou absorvidos. Para cumprir suas funções de absorção de nutrientes e água, assim como excreção de produtos residuais, o TGI apresenta cinco processos fisiológicos básicos, altamente coordenados pelos sistemas neuroendócrinos intrínsecos do sistema gastrointestinal e do organismo como um todo: 126 Unidade II • A motilidade é efetuada pela musculatura do TGI e propicia a mistura dos alimentos com as secreções, a trituração e a progressão cefalocaudal dos nutrientes, além da excreção dos produtos não digeridos e não absorvidos. • As secreções enzimáticas sintetizadas nas glândulas anexas ao TGI, assim como as produzidas por estômago e intestino delgado, hidrolisam, enzimaticamente, os nutrientes, gerando ambientes de pH, de tonicidade e de composição eletrolítica adequados para a digestão dos nutrientes orgânicos. • A digestão refere‑se à hidrólise enzimática dos nutrientes, transformando‑os em moléculas que possam atravessar a parede do TGI e ser absorvidas através da mucosa do seu revestimento interno. • A absorção consiste no transporte de nutrientes hidrolisados, água, eletrólitos e vitaminas, da luz do TGI, por meio do epitélio intestinal, para a circulação linfática e sistêmica. A absorção ocorre, predominantemente, no intestino delgado, o qual absorve todos os produtos da hidrólise dos nutrientes orgânicos, as vitaminas e a maior parte de água e eletrólitos. • Finalmente, a matéria fecal formada pelos resíduos do metabolismo é eliminada pelo processo de excreção, saindo do corpo pelo ânus (AIRES, 2012). Outra função do TGI é a imunológica, por meio do denominado Galt (gut‑associated lymphoid tissue), representado por agregados de tecido linfoide, como as placas de Peyer e uma população difusa de células imunológicas. As placas de Peyer são folículos de tecido linfoide encontrados mais frequentemente nas porções distais do íleo. As células linfoides da mucosa, lâmina própria e submucosa são linfócitos, mastócitos, macrófagos, eosinófilos, leucócitos etc. Esse sistema imunológico é importante para o TGI, já que ele possui a maior área do organismo e tem contato direto com agentes infecciosos e tóxicos. O Galt não só protege contra agentes infecciosos exógenos, como bactérias, vírus e patógenos em geral, como também o protege imunologicamente de sua flora bacteriana, que normalmente se localiza no intestino grosso, sendo mais concentrada no ceco. Lembrete Os macrófagos são células do sistema imune que têm função de fagocitar corpos estranhos, partículas poluentes e bactérias, constituindo uma barreira com o meio externo. O suprimento sanguíneo do intestino é importante por transportar os nutrientes absorvidos para o restante do corpo. Ao contrário do que ocorre em outros sistemas de órgãosdo corpo, o sangue venoso proveniente do TGI não segue diretamente para o coração. Ele entra primeiro na circulação porta que o conduz ao fígado. Dessa forma, parte considerável do suprimento sanguíneo do fígado provém de outra fonte, e não da circulação arterial. O fluxo sanguíneo gastrointestinal também se destaca por sua regulação dinâmica: cerca de 25% do débito cardíaco dirige‑se aos vasos esplâncnicos, quantidade de sangue desproporcional à massa do TGI irrigada. Após uma refeição, o sangue também pode ser desviado 127 ANATOMOFISIOLOGIA dos músculos para o TGI, para servir às necessidades metabólicas, da parede intestinal e, também, para remover os nutrientes absorvidos (KOEPPEN; STANTON, 2009). O TGI superior é formado por cavidade oral, faringe, esôfago, estômago e duodeno (parte inicial do intestino delgado). De forma geral, quando o alimento entra na boca ocorre o processo de mastigação, que forma o bolo alimentício, produto da trituração do alimento e da secreção de saliva com enzimas digestivas que começam a digestão dos polissacarídeos. Na boca, o epitélio da camada mucosa é do tipo estratificado pavimentoso não queratinizado, do mesmo tipo que é encontrado na faringe e no esôfago. A lâmina própria da mucosa da boca apresenta papilas conjuntivas semelhantes às da pele, continuando‑se com a submucosa, onde encontram‑se as glândulas salivares. O teto da boca é formado pelos palatos duro e mole. Quando o bolo alimentício está pronto na cavidade oral (figura a seguir), acontece sua passagem para a faringe por meio do processo de deglutição. Durante esse processo, deve haver uma perfeita sincronização com a respiração, para evitar a passagem do conteúdo alimentar para as vias aéreas, dado que existe uma conexão entre as duas vias, respiratórias e digestivas (nasofaringe e orofaringe). A úvula, um apêndice muscular do palato mole, não permite que o alimento entre na cavidade nasal. Funciona como um alarme de que algo está passando pela faringe e, a partir disso, ocorre o fechamento das vias respiratórias. Outra estrutura que participa da separação dos sistemas digestório e respiratório é a epiglote, uma válvula localizada entre a faringe e a laringe (AIRES, 2012; CURI; PROCOPIO, 2009; DOUGLAS, 2006). Boca Palato mole Palato duro Lábios Faringe Língua Figura 62 – Cavidade oral Acervo Unip/Objetivo. 128 Unidade II A faringe é uma estrutura tubular que se estende da base do crânio até o esôfago, localizada posteriormente à cavidade nasal e à laringe. Essa estrutura participa do processo de deglutição que ocorre na cavidade oral (AIRES, 2012; CURI; PROCOPIO, 2009). Ao final da faringe, temos o esôfago (figura a seguir), que atravessa toda a cavidade torácica e conecta a faringe ao estômago. No homem, o esôfago cruza o diafragma, unindo‑se ao estômago poucos centímetros depois. Sua função é de transporte do bolo alimentício. Logo abaixo da faringe, os músculos esqueléticos que circundam o esôfago formam o esfíncter esofágico superior (EES). A camada muscular circular lisa da extremidade distal do esôfago possui uma função diferente e constitui o esfíncter esofágico inferior (EEI). A capacidade do esfíncter de manter uma barreira gastresofágica, impedindo o refluxo, deve‑se também ao fato da última porção do esôfago encontrar‑se abaixo do diafragma, estando submetida, portanto, às mesmas pressões intra‑abdominais do estômago (AIRES, 2012; CURI; PROCOPIO, 2009). De frente Cartilagem cricoide da laringe Traqueia Esôfago Estômago Laringe Brônquios (esquerdo e direito) Cartilagem tireoide da laringe Artéria aorta Diafragma (músculo) Figura 63 – Esôfago: atravessa toda a cavidade torácica e conecta a faringe ao estômago Acervo Unip/Objetivo. O estômago é dividido em três regiões: a cárdia, o corpo (também conhecido como fundo ou corpus) e o antro ou piloro (figura a seguir). Funcionalmente, é dividido em duas regiões: as partes proximal e distal do estômago, tendo funções diferentes na resposta à refeição (KOEPPEN; STANTON, 2009). 129 ANATOMOFISIOLOGIA Estômago Esôfago Músculos longitudinais Músculos circulares Rugosidades Piloro Duodeno Corpo Cárdia Figura 64 – Partes do estômago e sua musculatura Acervo Unip/Objetivo. Entre as funções do estômago, está a de armazenamento, atuando como um reservatório temporário para o alimento; ali ocorre a secreção de ácido clorídrico (H+ e Cl−) para matar micro‑organismos e converter o pepsinogênio em sua forma ativa (pepsina), uma enzima que começa a digestão das proteínas; a secreção do fator intrínseco, que absorve vitamina B12, indispensável para a formação de glóbulos vermelhos; a secreção de muco e bicarbonato, para proteger a mucosa gástrica da ação dos ácidos; e a secreção de água para lubrificação e para prover suspensão aquosa aos nutrientes. No estômago, também ocorre atividade motora para misturar as secreções (H+ e pepsina) com o alimento digerido e atividade motora coordenada que regula o esvaziamento do conteúdo para o interior do duodeno. Na região da cárdia, ocorre a secreção de muco e de bicarbonato. Essa região tem a função de prevenir o refluxo (a partir do fechamento do EEI) e permitir a entrada do alimento, assim como regular a saída de gases (eructação). Na região do fundo ou corpo do estômago, ocorre a secreção de H+, do fator intrínseco, de muco, de bicarbonato, de pepsinogênios e da enzima lipase gástrica. Essa região funciona como um reservatório do alimento, e é a responsável por gerar a força tônica durante o esvaziamento gástrico. Finalmente, na região do antro ou piloro, ocorre a secreção de muco e de bicarbonato. Essa região é responsável pela mistura, trituração e peneiramento do alimento, assim como da regulação do esvaziamento gástrico por meio do esfíncter pilórico, o qual impede que o bolo alimentício passe diretamente para o intestino (KOEPPEN; STANTON, 2009). O intestino delgado compreende a região imediatamente caudal ao esfíncter pilórico até o esfíncter ileocecal. É formado pelo duodeno, jejuno e íleo, que representam 5%, 40% e 55%, respectivamente, do comprimento total do intestino delgado. O intestino delgado é o local onde a maioria das enzimas digestivas atua sobre as substâncias provenientes dos alimentos. Aqui, ocorre a maior parte dos processos digestivos e absortivos (principalmente do duodeno até a metade do 130 Unidade II jejuno), assim como alguns processos de controle endócrino, pois ele produz e secreta hormônios que são liberados na circulação. O jejuno e o íleo são diferentes, mas normalmente descritos juntos, porque não existe delimitação nítida entre eles. O jejuno é mais vascularizado e possui uma parede mais espessa; o íleo é o último segmento do intestino delgado e possui menor vascularização. Desemboca no intestino grosso em um orifício chamado óstio ileocecal (ou junção ileocecal) (CURI; PROCOPIO, 2009). Com um diâmetro maior que o intestino delgado, o intestino grosso compõe, aproximadamente, os últimos 100 cm do TGI. Ele tem início após a válvula ileocecal e abrange o ceco, o apêndice vermiforme, o cólon (ascendente, transverso, descendente e sigmoide), o reto e o canal anal. A estrutura do intestino grosso é relativamente homogênea ao longo do seu comprimento, desempenhando as funções de: • absorção de água e eletrólitos (removendo até 90% do líquido do conteúdo intestinal proveniente do íleo); • produção de muco; • formação do bolo fecal (CURI; PROCOPIO, 2009). Em sua superfície, não se encontram vilosidades, no entanto, há uma delgada borda estriada de microvilosidades que proporciona maior superfície absortiva. A diversidade e riqueza da população bacteriana do intestino grosso funcionam como uma barreira complementando a ação do sistema imune. O canal anal fecha‑se pela contração dos esfíncteres interno e externo. O intestino grosso possui grande peristaltismo, que são ondas peristálticas intermitentes e bem espaçadas. Essas ondas movem o material fecal do cecopara o cólon ascendente, transverso e descendente. À medida que o material fecal circula pelo intestino grosso, água é constantemente reabsorvida pelas paredes do intestino para os capilares. Se as fezes ficam muito tempo no intestino grosso, perdem muita água, o que leva ao quadro de constipação; no caso contrário, quando ocorrem movimentos rápidos do intestino grosso, não é permitido o processo de reabsorção de água, o que leva ao quadro de diarreia (CURI; PROCOPIO, 2009). O tecido de revestimento do TGI é composto de camadas constituídas de células especializadas. A camada mucosa é a camada mais interna (luminal) do TGI e é composta de epitélio, lâmina própria e lâmina muscular da mucosa. O epitélio é uma camada simples de células especializadas, que reveste o lúmen do TGI. Forma uma camada contínua ao longo do tubo com as glândulas e os órgãos que drenam seu conteúdo para o lúmen do tubo. No interior dessa camada, existem várias células especializadas, sendo as mais abundantes os enterócitos absortivos, que expressam proteínas importantes para a digestão e absorção dos macronutrientes. As células enteroendócrinas contêm grânulos de secreção que liberam aminas e peptídeos, que ajudam a regular o funcionamento do TGI. As células da mucosa gástrica também são especializadas na produção de H+, e as células produtoras de muco produzem a glicoproteína mucina, que ajuda a proteger o trato e lubrificar o lúmen (AIRES, 2012; KOEPPEN; STANTON, 2009). 131 ANATOMOFISIOLOGIA A natureza do epitélio varia muito de uma parte do TGI para outra e depende da função que predomina em cada região. Por exemplo, o epitélio intestinal está projetado para absorção; suas células medeiam a captação seletiva de nutrientes, de íons e de água. Em contrapartida, o esôfago tem um epitélio escamoso, sem função absortiva. É um conduto especializado em transporte do alimento engolido, por isso necessita de proteção contra alimentos ásperos, como as fibras, que é fornecida pelo epitélio escamoso (KOEPPEN; STANTON, 2009). Musculatura circular Musculatura longitudinal Es ôf ag o Es tô m ag o In te st in o de lg ad o In te st in o gr os so Capa submucosa Capa mucosa Capa muscular Capa serosa Figura 65 – Revestimento do TGI Acervo Unip/Objetivo. A superfície do epitélio é formada por vilosidades e criptas. As vilosidades são projeções semelhantes a dedos que aumentam a área da mucosa, já as criptas são invaginações ou pregas do epitélio. O epitélio que reveste o TGI é continuamente renovado e substituído por células em divisão, processo que dura em torno de três dias nos humanos (KOEPPEN; STANTON, 2009). 132 Unidade II A lâmina própria, situada diretamente abaixo do epitélio, é constituída, em grande parte, por tecido conjuntivo frouxo, que contém fibrilas de colágeno e de elastina. É rica em vários tipos de glândulas e contém vasos linfáticos, linfonodos, capilares e fibras nervosas. A lâmina muscular da mucosa é fina e é a camada mais interna de músculo liso do intestino (AIRES, 2012; KOEPPEN; STANTON, 2009). A camada seguinte é a submucosa, constituída em grande parte por tecido conjuntivo frouxo com fibrilas de colágeno e elastina. Em algumas regiões do TGI, existem glândulas (invaginações ou pregas da mucosa) na submucosa. Os troncos nervosos, os vasos sanguíneos e os vasos linfáticos de maior calibre, da parede intestinal, estão na mucosa junto a um dos plexos do sistema nervoso entérico (SNE), o plexo submucoso ou plexo de Meissner (AIRES, 2012; KOEPPEN; STANTON, 2009). A camada muscular externa ou camada muscular própria consiste, geralmente, em duas camadas de células musculares lisas: a camada circular interna e a camada longitudinal externa. As fibras musculares da camada muscular circular estão orientadas de modo concêntrico, enquanto as fibras musculares da camada muscular longitudinal estão orientadas segundo o eixo longitudinal do tubo. Entre essas camadas musculares, está o outro plexo do SNE, o plexo mioentérico, ou plexo de Auerbach. Esses dois plexos constituem o SNE, que auxilia a integrar as atividades motora e secretora do TGI. A camada serosa ou adventícia é a camada mais externa do TGI e consiste em uma camada de células mesoteliais escamosas. Trata‑se de uma parte do mesentério que reveste a superfície da parede do abdome e suspende os órgãos, na cavidade abdominal. As membranas mesentéricas secretam um líquido transparente e viscoso que auxilia na lubrificação dos órgãos da cavidade abdominal, de modo que os órgãos possam movimentar‑se quando as camadas musculares se contraem e relaxam (AIRES, 2012; KOEPPEN; STANTON, 2009). 6.2 Resposta integrada a uma refeição A resposta a uma refeição é dividida em várias fases. A fase cefálica compreende os fenômenos fisiológicos de preparação do TGI para a digestão e absorção dos alimentos. A principal característica dessa fase é a ativação do TGI em prontidão para a refeição. Os estímulos envolvidos são cognitivos e incluem a antecipação e o pensamento sobre o consumo da comida, o estímulo olfatório, o estímulo visual (cheirar e ver uma comida apetitosa, quando se está com fome) e, inclusive, estímulos auditivos. Os estímulos auditivos se demonstraram eficazes na ativação do TGI em experimentos clássicos de condicionamento com cães, desenvolvidos por um pesquisador chamado Pavlov. O pesquisador associou estímulos auditivos (sino) à apresentação de comida ao cachorro, ou seja, toda vez que tocava o sino, o cachorro recebia alimento, até que, por fim, apenas os estímulos auditivos eram capazes de ativar a salivação no cão, sem a necessidade dos visuais ou olfativos. A equivalência nos seres humanos é, presumivelmente, por exemplo, ouvir que o jantar está pronto. 133 ANATOMOFISIOLOGIA Todos esses estímulos sensoriais resultam no aumento do fluxo parassimpático excitatório neural para o TGI. O fluxo parassimpático aumentado estimula a secreção salivar, de ácido gástrico, a secreção enzimática do pâncreas, a contração da bexiga e o relaxamento do esfíncter de Oddi (localizado entre o ducto comum da vesícula biliar e o duodeno). Todas essas respostas melhoram a capacidade do TGI de receber e digerir o alimento consumido. A resposta salivar é mediada pelo IX nervo craniano, e as respostas remanescentes são mediadas pelo nervo vago (KOEPPEN; STANTON, 2009). Saiba mais A síndrome de Sjögren é uma doença inflamatória sistêmica e autoimune; leia mais sobre esse assunto, de alta relevância, em: FREITAS, T. M. C. et al. Síndrome de Sjögren: revisão de literatura e acompanhamento de um caso clínico. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, v. 70, n. 2, p. 283‑288, 2004. Disponível em: https://bit.ly/3OLISdL. Acesso em: 29 jul. 2022. Quando o alimento é colocado na boca, inicia‑se a fase oral. Na boca, são gerados alguns estímulos sensoriais adicionais, tanto mecânicos como químicos (sabor); entretanto, muitas das respostas que são iniciadas pela presença do alimento na cavidade oral são idênticas àquelas geradas na fase cefálica; isso ocorre porque a via eferente é a mesma. A boca é importante para que ocorra a quebra mecânica do alimento e o início da digestão. A mastigação tritura e mistura o alimento com as enzimas amilase salivar e lipase lingual, além de lubrificar o alimento, misturando‑o com o muco, para que seja deglutido. Na boca, a absorção de nutrientes é mínima, embora o álcool e alguns fármacos sejam absorvidos na cavidade oral, sendo importante para a clínica. A presença do alimento na cavidade oral inicia respostas mais distais no TGI, incluindo a secreção aumentada de ácido gástrico, a secreção aumentada das enzimas pancreáticas, a contração da vesícula biliar e o relaxamento do esfíncter de Oddi, mediado pela via eferente vagal. As secreções do TGI e das glândulas associadas incluem água, eletrólitos, proteínas e agentes humorais. A água é essencial para gerar um ambiente aquoso, para a ação eficiente das enzimas. A secreção de eletrólitosé importante para a geração de gradientes osmóticos que direcionam o movimento da água. As enzimas digestivas, no fluido secretado, catalisam a quebra de macronutrientes no alimento digerido. Além do mais, muitas proteínas adicionais secretadas ao longo do TGI têm funções especializadas, como a mucina e as imunoglobulinas. A secreção é iniciada por sinais múltiplos, associados à refeição, incluindo os componentes químicos, osmóticos e mecânicos. A secreção é provocada pela ação de substâncias efetoras específicas chamadas secretagogos, atuando sobre as células secretoras. Eles podem agir pelas três vias conhecidas: endócrina, parácrina e neuroendócrina. Os componentes secretores inorgânicos são específicos de regiões ou de glândulas dependendo das condições particulares requeridas nessa parte do TGI. Os componentes inorgânicos são eletrólitos, 134 Unidade II incluindo H+ e bicarbonato. Dois exemplos de secreções diferentes incluem o ácido clorídrico (HCl), no estômago, que é importante para ativar a pepsina e começar a digestão de proteínas, e o bicarbonato, no duodeno, que neutraliza o ácido gástrico e fornece condições ótimas para a ação de enzimas digestivas no intestino delgado (KOEPPEN; STANTON, 2009). Na boca, existem três pares de glândulas salivares: parótida, submandibular e sublingual (figura a seguir). Todas têm a estrutura típica tubuloalveolar, e a parte acinar da glândula é classificada segundo suas maiores secreções: serosa (aquosa), mucosa ou mista. A glândula parótida produz, principalmente, secreção serosa, a glândula sublingual secreta, na maior parte, muco, e a glândula submandibular produz secreção mista. Submaxilar Sublingual Parótida Figura 66 – Glândulas salivares Acervo Unip/Objetivo. A composição inorgânica é inteiramente dependente do estímulo e da intensidade do fluxo salivar. Nos humanos, a secreção salivar é sempre hipotônica e levemente alcalina. Os principais componentes são: sódio, potássio, bicarbonato, cálcio, magnésio e cloreto. A concentração dos íons varia com a intensidade da secreção, que é estimulada durante o período pós‑prandial. A alcalinidade da saliva é, provavelmente, importante para a restrição do crescimento da microbiota na boca e para a neutralização do refluxo de ácido gástrico quando a saliva é deglutida. Os constituintes orgânicos da saliva, proteínas e glicoproteínas são sintetizados, armazenados e secretados pelas células acinares. Os principais produtos são a amilase (uma enzima que inicia a digestão do amido), a lipase (importante para a digestão lipídica), glicoproteínas (mucina, que forma muco quando hidratada) e 135 ANATOMOFISIOLOGIA lisozimas (atacam as paredes de células bacterianas para limitar a colonização bacteriana na boca). Embora a amilase salivar comece o processo de digestão dos carboidratos, não é necessária em adultos saudáveis, devido ao excesso de amilase pancreática. O controle da secreção salivar é exclusivamente neural. Em contrapartida, o controle da maioria das outras secreções do TGI é, em sua maior parte, hormonal. A secreção salivar é estimulada pelas duas subdivisões, simpática e parassimpática, do sistema nervoso autônomo. O controle fisiológico primário das glândulas salivares é feito pelo parassimpático. As fibras simpáticas que inervam as glândulas salivares ramificam‑se do gânglio cervical superior. As fibras parassimpáticas pré‑ganglionares cursam via ramos dos nervos facial (nervo craniano VII) e glossofaríngeo (nervo craniano IX) e fazem sinapses com neurônios pós‑ganglionares, nos gânglios das glândulas salivares ou próximas a elas. As células acinares e os ductos são supridos com terminações nervosas parassimpáticas. A estimulação parassimpática aumenta a síntese e secreção de amilase salivar e de mucina, melhora o transporte do ducto, aumenta o fluxo sanguíneo para as glândulas e estimula o metabolismo glandular e seu crescimento (KOEPPEN; STANTON, 2009). A deglutição pode ser iniciada voluntariamente, mas a continuação fica quase totalmente sob o controle reflexo. O reflexo da deglutição é uma sequência rigidamente coordenada de eventos que levam o alimento da boca para a faringe e da faringe para o estômago, passando pelo esôfago. Esse reflexo também inibe a respiração e impede a entrada do alimento na traqueia durante a deglutição. A via aferente do reflexo da deglutição começa quando os receptores de estiramento, em particular aqueles próximos à abertura da faringe, são estimulados. Impulsos sensoriais (aferências) desses receptores são transmitidos para o centro da deglutição, localizado no bulbo e na ponte inferior. As respostas motoras (eferências) passam do centro da deglutição para a musculatura da faringe e do esôfago superior via nervos cranianos e para o restante do esôfago por neurônios motores vagais. A fase voluntária da deglutição é iniciada quando a ponta da língua separa um bolo de massa de alimento da boca e, então, move o bolo para cima e para trás da boca. O bolo é forçado para a faringe, que estimula receptores de tato, e estes iniciam o reflexo da deglutição. A fase faríngea da deglutição envolve a seguinte sequência de eventos, ocorrendo em menos de um segundo: • o palato mole é puxado para cima, e as dobras palatofaríngeas movimentam‑se para dentro, uma em direção à outra; esses movimentos evitam o refluxo do alimento para a nasofaringe e abrem uma estreita passagem pela qual o alimento se move para a faringe; • as cordas vocais aproximam‑se, e a laringe é movida para trás e para cima, contra a epiglote; essas ações evitam que o alimento entre na traqueia e ajudam a abrir o EES; • o EES relaxa para receber o bolo alimentício; • os músculos constritores superiores da faringe contraem‑se fortemente para forçar o bolo profundamente na faringe. Inicia‑se uma onda peristáltica (figura a seguir), com as 136 Unidade II contrações desses músculos, que força o bolo de comida por meio do EES relaxado. Durante o estágio faríngeo da deglutição, a respiração também é inibida por um reflexo. Após o bolo alimentício passar pelo EES, uma ação reflexa faz com que ele se contraia novamente (KOEPPEN; STANTON, 2009). Músculo relaxado Músculo contraído Parede muscular Bolo alimentar Peristalse Figura 67 – Onda peristáltica Acervo Unip/Objetivo. Durante a fase esofágica, o esôfago, o EES e o EEI executam duas funções principais. Primeiro, impulsionam o alimento da boca para o estômago. Segundo, os esfíncteres protegem as vias aéreas durante a deglutição, protegendo o esôfago do refluxo das secreções gástricas ácidas (KOEPPEN; STANTON, 2009). Os estímulos que iniciam as variações de atividade do músculo liso, que resultam nas suas funções propulsoras e protetoras, são mecânicos e consistem em um estímulo faringeano, durante a deglutição, e em distensão da parede esofágica. As vias são exclusivamente neurais e envolvem reflexos extrínsecos e intrínsecos que respondem à distensão do esôfago. As variações da função resultante dos estímulos mecânicos e da ativação das vias reflexas são o peristaltismo do músculo estriado e liso, o relaxamento do EEI e da porção proximal do estômago. O EES, o esôfago e o EEI atuam de modo coordenado para impulsionar o material da faringe para o estômago. Ao final da deglutição, o bolo alimentar passa pelo EES, e a sua presença inicia, pela estimulação de mecanorreceptores e de vias reflexas, uma onda peristáltica ao longo do esôfago chamada peristaltismo primário. Essa onda se desloca pelo esôfago para baixo, lentamente (3‑5 cm/s). A distensão do esôfago pelo movimento do bolo desencadeia outra onda, chamada de peristaltismo secundário. Frequentemente, esse peristaltismo secundário repetitivo é necessário para retirar o bolo 137 ANATOMOFISIOLOGIA do esôfago. Dessa forma, quando o bolo atinge o EEI, ele está relaxado para permitir a passagem do bolo, assim como a cárdia, a porção do estômago que vai recebê‑lo. Isso ocorre a cada deglutição, e sua funçãoé permitir ao estômago acomodar grandes volumes com um aumento mínimo da pressão intragástrica (relaxamento receptivo). A fase gástrica começa quando o alimento chega ao estômago. Esse alimento produz a estimulação mecânica da parede gástrica, pela distensão e pelo estiramento do músculo liso. Diversos nutrientes, predominantemente oligopeptídeos e aminoácidos, também provocam estimulação química quando presentes no lúmen gástrico. A regulação da função do estômago, durante a fase gástrica, é dependente de fatores endócrinos, parácrinos e neurais. Neurônios aferentes, que se dirigem do TGI para o SNC via nervo vago, respondem a esses estímulos mecânicos e químicos, e ativam o sistema parassimpático. As vias endócrinas incluem a liberação de gastrina, que estimula a secreção gástrica, e a liberação de somatostatina, que inibe a secreção gástrica. Importantes vias parácrinas incluem a histamina, que estimula a secreção gástrica ácida. As respostas causadas pela ativação dessas vias podem ser secretoras e motoras; as respostas secretoras incluem a secreção de ácido, pepsinogênio, muco, fator intrínseco, gastrina, lipase e bicarbonato. Em geral, essas secreções iniciam a digestão proteica e protegem a mucosa gástrica. As respostas motoras (variações da atividade da musculatura lisa) podem ser inibição da motilidade da parte proximal do estômago (relaxamento receptivo) e estimulação da motilidade da parte distal do estômago, que causa peristaltismo do antro. Essas alterações da motilidade desempenham importantes papéis no armazenamento e na mistura do alimento com as secreções, e estão envolvidas na regulação da saída do conteúdo estomacal para o intestino delgado (KOEPPEN; STANTON, 2009). O revestimento interno do estômago é recoberto por um epitélio colunar dobrado para formar as criptas gástricas; cada cripta (ou fosseta) é a abertura do ducto, no qual uma ou mais glândulas gástricas lançam suas secreções. A mucosa gástrica é dividida em três regiões distintas. A pequena região glandular da cárdia se localiza logo abaixo do EEI, que contém, principalmente, células glandulares de secreção de muco. O restante da mucosa gástrica é dividido na região glandular oxíntica ou parietal (secretora de ácido), localizada acima da incisura gástrica (a parte proximal do estômago), e na região glandular pilórica, localizada abaixo da incisura (a parte distal do estômago). As células epiteliais localizadas na superfície da glândula gástrica estendem‑se para o interior da abertura do ducto, chamado istmo. As células parietais, secretoras de HCl e fator intrínseco (envolvido na absorção da vitamina B12), e as células principais ou pépticas, que produzem pepsinogênio, estão localizadas na profundidade da glândula. Nessas glândulas também se encontram as células semelhantes a células enterocromafins (ECL) e as células D, que secretam histamina e somatostatina, respectivamente. As células parietais são particularmente numerosas na região do fundo, já as células mucosas (produtoras de muco) são mais numerosas nas glândulas da região pilórica (KOEPPEN; STANTON, 2009). O fluido produzido pelo estômago é chamado suco gástrico, e é uma mistura das secreções de todas as células gástricas. Um dos componentes mais importantes é o íon H+, que forma o HCL, e sua 138 Unidade II liberação ocorre em presença de um gradiente de concentração muito acentuado. A principal função do ácido é a conversão do pepsinogênio inativo (a principal enzima do estômago) em pepsinas, que iniciam a digestão proteica. Quanto menor o pH do suco gástrico, mais rápida a conversão de pepsinogênio para pepsina, e as pepsinas também atuam sobre os pepsinogênios para formar mais pepsinas. Outra função dos íons H+ é a de impedir a invasão e colonização do intestino por bactérias e outros patógenos que podem ser ingeridos com o alimento. O estômago também sintetiza quantidades significativas de bicarbonato e muco, importantes para a proteção da mucosa gástrica contra o ambiente luminal ácido. No entanto, em humanos saudáveis, a única secreção gástrica essencial é o fator intrínseco, que é necessário para a absorção de vitamina B12. A composição iônica do suco gástrico depende da intensidade de sua produção: quanto maior a intensidade secretória, maior a concentração de ácido. A concentração de potássio é sempre maior no suco gástrico que no plasma. Por isso, vômitos prolongados podem levar à hipocalemia. Existe também uma variação considerável na quantidade de ácido produzido entre os indivíduos, sendo sempre maior durante a noite. As células epiteliais superficiais também secretam um fluido aquoso que contém sódio e cloreto em concentrações similares às do plasma, mas com maior concentração de potássio e de bicarbonato. O bicarbonato fica retido no muco viscoso que recobre a superfície do estômago; dessa forma, o muco produzido pela célula mucosa recobre o estômago com uma camada pegajosa e alcalina. Quando o alimento é ingerido, a secreção de muco e de bicarbonato aumenta ainda mais (KOEPPEN; STANTON, 2009). As secreções que contêm as proteínas mucinas são viscosas e pegajosas e, coletivamente, são referidas como muco. As mucinas são sintetizadas por células mucosas das glândulas gástricas e pelas células epiteliais superficiais do estômago. O muco é armazenado em grandes grânulos no citoplasma das células produtoras, e são liberados por exocitose. Essas mucinas formam um gel pegajoso que adere à superfície do estômago. No entanto, esse gel está sujeito a degradação (proteólise) pelas pepsinas. A proteólise libera fragmentos que não formam géis e, então, dissolvem a camada protetora de muco. A manutenção da camada de muco protetor requer a síntese contínua de novas mucinas para repor as mucinas clivadas pelas pepsinas. O muco é produzido em intensidade significativa no estômago em repouso. Sua liberação ocorre através dos mesmos estímulos que aumentam as secreções ácidas e de pepsinogênio. O principal estímulo é a acetilcolina liberada pelas terminações parassimpáticas, próximas às glândulas gástricas. Se a mucosa gástrica é mecanicamente deformada, reflexos nervosos são evocados para aumentar a secreção mucosa. A inervação parassimpática pelo nervo vago é a grande responsável pelas secreções gástricas. Fibras eferentes extrínsecas terminam em neurônios intrínsecos que inervam as células parietais, as células ECL e as células endócrinas (que produzem o hormônio gastrina). A estimulação vagal leva à liberação de pepsinogênio, ácido, muco, bicarbonato e fator intrínseco. A estimulação do sistema nervoso parassimpático também ocorre durante as fases cefálica e oral, mas a fase gástrica é a que tem a maior estimulação da secreção gástrica após a refeição. 139 ANATOMOFISIOLOGIA A estimulação neural via nervo vago resulta na liberação de acetilcolina que ativa as células do epitélio gástrico. As células parietais liberam H+ em resposta à atividade nervosa do vago. Além disso, frente à ativação parassimpática, os neurônios intrínsecos estimulam, por meio do peptídeo liberador de gastrina, as células G a secretar gastrina. A gastrina, liberada na corrente sanguínea, age nas células parietais, estimulando ainda mais a produção H+. A histamina também é liberada em resposta à estimulação vagal, e as células ECL também respondem à gastrina. Dessa forma, a gastrina e a atividade vagal levam à liberação de histamina, que potencializa os efeitos da gastrina e da acetilcolina sobre as células parietais. A presença do alimento no estômago leva à distensão e ao estiramento, que são detectados por terminações sensoriais na parede gástrica. Por fim, a digestão de proteínas aumenta a concentração de oligopeptídeos e aminoácidos livres no lúmen, que são detectados por quimiossensores na mucosa gástrica. A presença de ácido na parte distal do estômago ativa mecanismos de inibição das células parietais, de forma que a produção de H+, estimulada pelo alimento, não prossiga. Quando o pH
Compartilhar