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VIVENCIANDO APLICAÇÃO DO CONTEÚDO INCIDÊNCIA DO TEMA NAS PRINCIPAIS PROVAS ÁREAS DE CONHECiMENTO DO ENEM TEORIA MULTiMÍDiA CONEXÃO ENTRE DiSCiPLiNAS DiAGRAMA DE iDEiAS HERLAN FELLiNi Caro aluno Ao elaborar o seu material inovador, completo e moderno, o Hexag considerou como principal diferencial sua exclu- siva metodologia em período integral, com aulas e Estudo Orientado (E.O.), e seu plantão de dúvidas personalizado. O material didático é composto por 6 cadernos de aula e 107 livros, totalizando uma coleção com 113 exemplares. O conteúdo dos livros é organizado por aulas temáticas. Cada assunto contém uma rica teoria que contempla, de forma objetiva e transversal, as reais necessidades dos alunos, dispensando qualquer tipo de material alternativo complementar. Para melhorar a aprendizagem, as aulas possuem seções específicas com determinadas finalidades. A seguir, apresentamos cada seção: No decorrer das teorias apresentadas, oferecemos uma cuidado- sa seleção de conteúdos multimídia para complementar o reper- tório do aluno, apresentada em boxes para facilitar a compreen- são, com indicação de vídeos, sites, filmes, músicas, livros, etc. Tudo isso é encontrado em subcategorias que facilitam o apro- fundamento nos temas estudados – há obras de arte, poemas, imagens, artigos e até sugestões de aplicativos que facilitam os estudos, com conteúdos essenciais para ampliar as habilidades de análise e reflexão crítica, em uma seleção realizada com finos critérios para apurar ainda mais o conhecimento do nosso aluno. Um dos grandes problemas do conhecimento acadêmico é o seu distanciamento da realidade cotidiana, o que dificulta a compreen- são de determinados conceitos e impede o aprofundamento nos temas para além da superficial memorização de fórmulas ou regras. Para evitar bloqueios na aprendizagem dos conteúdos, foi desenvol- vida a seção “Vivenciando“. Como o próprio nome já aponta, há uma preocupação em levar aos nossos alunos a clareza das relações entre aquilo que eles aprendem e aquilo com que eles têm contato em seu dia a dia. Sabendo que o Enem tem o objetivo de avaliar o desempenho ao fim da escolaridade básica, organizamos essa seção para que o aluno conheça as diversas habilidades e competências abordadas na prova. Os livros da “Coleção Vestibulares de Medicina” contêm, a cada aula, algumas dessas habilidades. No compilado “Áreas de Conhecimento do Enem” há modelos de exercícios que não são apenas resolvidos, mas também analisados de maneira expositiva e descritos passo a passo à luz das habilidades estudadas no dia. Esse recurso constrói para o estudante um roteiro para ajudá-lo a apurar as questões na prática, a identificá-las na prova e a resol- vê-las com tranquilidade. Cada pessoa tem sua própria forma de aprendizado. Por isso, cria- mos para os nossos alunos o máximo de recursos para orientá-los em suas trajetórias. Um deles é o ”Diagrama de Ideias”, para aqueles que aprendem visualmente os conteúdos e processos por meio de esquemas cognitivos, mapas mentais e fluxogramas. Além disso, esse compilado é um resumo de todo o conteúdo da aula. Por meio dele, pode-se fazer uma rápida consulta aos princi- pais conteúdos ensinados no dia, o que facilita a organização dos estudos e até a resolução dos exercícios. Atento às constantes mudanças dos grandes vestibulares, é ela- borada, a cada aula e sempre que possível, uma seção que trata de interdisciplinaridade. As questões dos vestibulares atuais não exigem mais dos candidatos apenas o puro conhecimento dos conteúdos de cada área, de cada disciplina. Atualmente há muitas perguntas interdisciplinares que abran- gem conteúdos de diferentes áreas em uma mesma questão, como Biologia e Química, História e Geografia, Biologia e Mate- mática, entre outras. Nesse espaço, o aluno inicia o contato com essa realidade por meio de explicações que relacionam a aula do dia com aulas de outras disciplinas e conteúdos de outros livros, sempre utilizando temas da atualidade. Assim, o aluno consegue entender que cada disciplina não existe de forma isolada, mas faz parte de uma grande engrenagem no mundo em que ele vive. De forma simples, resumida e dinâmica, essa seção foi desenvol- vida para sinalizar os assuntos mais abordados no Enem e nos principais vestibulares voltados para o curso de Medicina em todo o território nacional. Todo o desenvolvimento dos conteúdos teóricos de cada coleção tem como principal objetivo apoiar o aluno na resolução das ques- tões propostas. Os textos dos livros são de fácil compreensão, com- pletos e organizados. Além disso, contam com imagens ilustrativas que complementam as explicações dadas em sala de aula. Qua- dros, mapas e organogramas, em cores nítidas, também são usados e compõem um conjunto abrangente de informações para o aluno que vai se dedicar à rotina intensa de estudos. Essa seção foi desenvolvida com foco nas disciplinas que fazem parte das Ciências da Natureza e da Matemática. Nos compila- dos, deparamos-nos com modelos de exercícios resolvidos e co- mentados, fazendo com que aquilo que pareça abstrato e de difí- cil compreensão torne-se mais acessível e de bom entendimento aos olhos do aluno. Por meio dessas resoluções, é possível rever, a qualquer momento, as explicações dadas em sala de aula. © Hexag Sistema de Ensino, 2018 Direitos desta edição: Hexag Sistema de Ensino, São Paulo, 2021 Todos os direitos reservados. Autor Lucas Limbert Rodrigo Martins Diretor-geral Herlan Fellini Diretor editorial Pedro Tadeu Vader Batista Coordenado-geral Raphael de Souza Motta Responsabilidade editorial, programação visual, revisão e pesquisa iconográfica Hexag Sistema de Ensino Editoração eletrônica Arthur Tahan Miguel Torres Matheus Franco da Silveira Raphael de Souza Motta Raphael Campos Silva Projeto gráfico e capa Raphael Campos Silva Imagens Freepik (https://www.freepik.com) Shutterstock (https://www.shutterstock.com) ISBN: 978-65-88825-22-8 Todas as citações de textos contidas neste livro didático estão de acordo com a legis- lação, tendo por fim único e exclusivo o ensino. Caso exista algum texto a respeito do qual seja necessária a inclusão de informação adicional, ficamos à disposição para o contato pertinente. Do mesmo modo, fizemos todos os esforços para identificar e localizar os titulares dos direitos sobre as imagens publicadas e estamos à disposição para suprir eventual omissão de crédito em futuras edições. O material de publicidade e propaganda reproduzido nesta obra é usado apenas para fins didáticos, não representando qualquer tipo de recomendação de produtos ou empresas por parte do(s) autor(es) e da editora. 2021 Todos os direitos reservados para Hexag Sistema de Ensino. Rua Luís Góis, 853 – Mirandópolis – São Paulo – SP CEP: 04043-300 Telefone: (11) 3259-5005 www.hexag.com.br contato@hexag.com.br ENTRE ASPAS Obra 1: Poemas escolhidos: Gregório de Matos Guerra 4 Obra 2: Quincas Borba: Machado de Assis 13 Obra 3: Alguma poesia: Carlos Drummond de Andrade 22 Obra 4: Mensagem: Fernando Pessoa 27 Obra 5: Angústia: Graciliano Ramos 36 Obra 6: Romanceiro da inconfidência: Cecília Meireles 46 SUMÁRIO 4 1. Gregório de Matos Guerra, o primeiro poeta Gregório de Matos nasceu em Salvador, então capital do Brasil, em 1636. É considerado o primeiro poeta do Brasil e o maior poeta barroco da literatura brasileira. Ainda criança, estudou com os Jesuítas na Bahia e, em 1650, aos 14 anos, foi para Portugal, onde se formou em Direito pela Universidade de Coimbra em 1661. Começou a escre- ver os seus primeiros poemas satíricos. Depois de formado, foi nomeado juiz de Alcácer do Sal, na região do Alentejo. Em 1678, ficou viúvo e recorreu ao arcebispo da Bahia pe- dindo para voltar ao Brasil. Em Portugal, a acidez de seus versos já incomodava autoridades e pessoas importantes. Em 1682, Gregório voltou para sua terra natal, Salvador, e foi nomeado Desembargador da Relação Eclesiástica eTesoureiro-Mor da Sé baiana. O arcebispo dom Gaspar Barata tornou-o vigário-geral da Bahia. A intenção era tentar melhorar a imagem do poeta, uma vez que seus versos satíricos, que incomodavam muita gente, inclusive o governador baiano Antônio de Souza Menezes, o Braço de Prata, justificavam a alcunha pela qual ele se tornaria conhecido: Boca do Inferno. O poeta não obedecia a todas as ordens da instituição reli- giosa e se negava a usar o vestuário exigido por seu cargo. Assim, foi retirado de suas funções e, devido a suas opiniões polêmicas e a seus poemas irreverentes, foi denunciado ao Tribunal da Inquisição em Lisboa. Gregório passou a exercer a função de advogado e se ca- sou com a viúva Maria dos Povos. Nesse período, levando uma vida boêmia, escreveu muitas sátiras e poemas eróti- cos repletos de provocações e ironia. Algumas autoridades não suportavam a língua venenosa do poeta, e ele acabou sendo deportado para Angola. No país africano, Gregório ajudou a conter uma revolta militar local e, em retribuição aos serviços prestados, obteve autorização para voltar ao Brasil. Proibido de retornar a Salvador, instalou-se em Reci- fe, onde morreu em 1695. O poeta viveu durante o ciclo da cana-de-açúcar no Nordes- te brasileiro. Filho de um português que se tornou senhor de engenho, Gregório fez parte da elite que ele mesmo negou ao se indignar com as injustiças da sociedade patriarcal. Gregório nada publicou em vida, e seus poemas foram trans- mitidos oralmente. Até o século XVIII, os registros escritos de sua obra foram realizados por copistas, que reuniam os tex- tos em códices. Um desses códices trazia na capa o brasão da coroa portuguesa abaixo da frase: "Ineditas poezias do douto Gregorio de Mattos Guerra". POEMAS ESCOLHIDOS: GREGÓRIO DE MATOS GUERRA OBRA 1 5 Os copistas não seguiam critérios científicos para a re- alização do trabalho, e, por isso, há controvérsias sobre a autoria de alguns dos poemas atribuídos a Gregório de Matos. Além disso, os poemas podem apresentar pe- quenas variações de vocabulário ou de sintaxe, depen- dendo da edição consultada. Foi somente em meados do século XIX que seus poemas foram reunidos em livro pelo historiador Francisco Adolfo de Varnhagen. Apesar dessas dificuldades históricas, a obra de Gregório de Matos vem sendo reconhecida como pio- neira e iniciadora de uma tradição entre nós, capaz de su- perar os limites do próprio Barroco. É possível dizer que, em pleno século XVII, o poeta chegou a ser um dos precursores da poesia moderna brasileira do século XX. 1.1. Linha do tempo 1636 – em 20 de dezembro nasceu em Salvador, Bahia, Gregório de Matos Guerra; 1650 – aos 14 anos, viajou para Portugal; 1652 – matriculou-se, por incentivo de seu pai, na Universidade de Coimbra; 1661 – formou-se na universidade e se casou com dona Michaela de Andrade; 1662 – concluiu o bacharelado, em Coimbra; 1663 – foi nomeado juiz de fora, em Alcácer do Sal, no Alentejo; 1672 – foi nomeado procurador da Bahia; 1674 – deixou o cargo de procurador; 1678 – ficou viúvo; 1682/1683 – volta ao Brasil; 1691 – casou-se pela segunda vez, com Maria dos Povos; 1694 – foi degredado para Angola; 1695 – Morreu em Pernambuco, depois de ser proi- bido de voltar a Salvador. 1.2. O “Boca do Inferno” O apelido atribuído a Gregório de Matos pode ser com- preendido como de duplo sentido: se de sua boca saíam imoralidades e indecências, também saíam acusações dos pecados da humanidade. Gregório foi irreverente como poeta ao ridicularizar os valores arcaicos, a hipocrisia so- cial e a falsa moral da sociedade de seu tempo, e também como pessoa, devido ao seu comportamento, considerado por vezes indecoroso. Como poeta satírico, criticou todas as classes sociais, da elite ao povo, denunciando as contradições da sociedade de seu tempo. Foi na sátira, por exemplo, que ele encontrou a ferramenta para ridicularizar os políticos corruptos que go- vernavam a Bahia. Observe, no trecho abaixo, como ele critica a falta de princípios dos políticos de sua cidade. [...] na política de estado nunca houve princípios certos, [...] Eia! Estamos na Bahia, onde agrada a adulação, onde a verdade é baldão, e a virtude hipocrisia: sigamos esta harmonia de tão fátua consonância, e inda que seja ignorância seguir erros conhecidos, sejam-me a mim permitidos, se em ser besta está a ganância. [...] MATOS, GREGÓRIO DE. IN: WISNIK, JOSÉ MIGUEL [SEL. E ORG.]. POEMAS ESCOLHIDOS. SÃO PAULO: COMPANHIA DAS LETRAS, 2010, P. 70-71. Apesar de ser quase sempre associado à sátira, Gregório de Matos foi um grande poeta lírico – lirismo religioso ou amoroso –, pois criou um estilo próprio de reflexão sobre a condição humana, com matizes locais, ao mes- mo tempo imitando e quebrando os modelos do Barroco europeu. Do ponto de vista formal, sua poesia apresenta recursos de linguagem muito utilizados na poesia barro- ca, como o paradoxo, a antítese, a hipérbole etc., como veremos adiante. 6 1.3. O Barroco chega ao Brasil ESCULTURA DE ALEIJADINHO (ANTONIO FRANCISCO LISBOA, 1738-1814), OURO PRETO/MG. 1.3.1. O princípio Em 1601, o poeta português Bento Teixeira publicou no Brasil o poema épico Prosopopeia, inaugurando o Bar- roco em terras brasileiras. O poema, com estrofes em oi- tava rima e versos decassílabos, seguia o modelo de Os Lusíadas, de Camões. No entanto, trata-se de uma obra encomiástica, ou seja, foi escrita em louvação ao dona- tário da capitania de Pernambuco, Jorge de Albuquerque Coelho. O Barroco estendeu-se por todo o século XVII e entrou pelo século XVIII. No período colonial, não havia um público leitor significativo no Brasil, e, entre os anos de 1720 e 1750, a poesia barroca ganhou sobrevida com a fundação das academias literárias. Contudo, a funda- ção da academia Arcádia Ultramarina, em 1768, marca a decadência do Barroco e a ascensão do Arcadismo. 1.3.2. Conflitos e contrastes No Barroco, são evidenciadas as forças contraditórias que constituem o homem. O conflito constante entre opostos faz do Barroco uma escola literária fundamentada no de- sequilíbrio e no exagero. A tentativa de aproximar opostos faz a literatura barroca ser, ao mesmo tempo, mística e sensual, religiosa e profana, espi- ritual e carnal. Há nas manifestações barrocas um dualismo que evidencia um conflito entre o homem e o mundo. Para traduzir esse conflito, são utilizados certos recursos de lin- guagem, como antíteses, metáforas, hiperbatos e hipérboles. 1.3.3. Rebuscamento formal e atenção aos detalhes Linguagem Em sua poesia, Gregório de Matos busca legitimar a cultu- ra brasileira por meio de um processo criativo que agluti- na ao código da língua portuguesa vocábulos indígenas e africanos, além de palavras de baixo calão e léxico oriundo do erotismo. Outras características técnicas do ponto de vista da lin- guagem podem ser elencadas a fim de facilitar a compre- ensão da maneira com que o poeta lida com o manejo da palavra. Veja: Paradoxo: aspecto da linguagem que apresenta opo- sição de ideias em um único pensamento, o que leva a um absurdo ou contrassenso. Ardor em firme coração nascido; pranto por belos olhos derramado; incêndio em mares de água disfarçado; rio de neve em fogo convertido. Antítese: jogo de palavras opostas, como "noite" e "dia"; reflete o dualismo presente no Barroco. "Nasce o sol e não dura mais que um dia. Depois da luz se segue a noite escura" Metáfora: figura de linguagem que apresenta uma relação implícita de semelhança. “Se és fogo, como passas brandamente? Se és neve, como queimas com porfia?“ Hipérbato: inversão da ordem dos termos da oração. “Em tristres sombras morre a formosura [...]" Hipérbole: figura de linguagem que apresenta um exagero com finalidade expressiva; exprime a desme- dida e a grandiosidade da arte barroca. “É a vaidade, Fábio, nesta vida, Rosa, que da manhã lisonjeada, Púrpuras mil, com ambição dourada, Airosa rompe, arrasta presumida.” Prosopopeiaou personificação: atribuição de carac- terísticas, ações ou sentimentos humanos a objetos 7 inanimados ou seres irracionais. Observe um trecho escrito pelo padre Antonio Vieira: “No diamante agradou-me o forte, no cedro o incorruptível, na águia o sublime, no Leão o ge- neroso, no Sol o excesso de Luz.” Além da linguagem rebuscada e do vasto uso de figuras de linguagem, é possível identificar na poesia barroca de Gregório de Matos o conceito do soneto fusionista, sobre- tudo por conta da relação entre forma e conteúdo, em que ideias contraditórias se fundem no desenvolvimento do poema. Assim, os 14 versos do soneto se estruturam em: Tese: apresentação de um determinado tema. Antítese: apresentação de uma progressão semântica contraditória em relação ao proposto na tese. Síntese: conclusão que representa uma fusão entre os aspectos contrários anteriormente apresentados. Cultismo e conceptismo A arte barroca, de um modo geral, valoriza o cuidado com os detalhes. Nas artes plásticas, por exemplo, as obras se caracterizam pelo excesso de ornamentação. Na literatura, por sua vez, proliferam os jogos de palavras, o uso de figu- ras de linguagem e as sutilezas de raciocínio. Nesse sentido, dois estilos convivem no Barroco literário: o cultismo e o conceptismo. O estilo cultista ou cultismo, inspirado no poeta espanhol Luis de Gongora (1561-1627), é caracterizado pela lingua- gem rebuscada, culta, extravagante, que supervaloriza os jogos de palavras e o uso de metáforas, hipérbatos e hi- pérboles. O poema a seguir, de Gregório de Matos, é um exemplo do emprego do estilo cultista: O todo sem a parte não é todo, A parte sem o todo não é parte, Mas se a parte o faz todo, sendo parte, Não se diga, que é parte, sendo todo. Em todo Sacramento esta Deus todo, E todo assiste inteiro em qualquer parte, E feito em partes todo em toda a parte, Em qualquer parte sempre fica o todo. O braço de Jesus não seja parte, Pois que feito Jesus em parte todo, Assiste cada parte em sua parte. Não se sabendo parte deste todo, Um braço, que lhe acharam, sendo parte, Nos disse as partes todas deste todo. O estilo conceptista ou conceptismo, mais utilizado na pro- sa, valoriza o raciocínio lógico e a agudeza de pensamento. A ideia é exposta por meio de conceitos, analogias, histó- rias paralelas que facilitam o entendimento. WISNIK, J. M. (ORG.). GREGÓRIO DE MATOS. POEMAS ESCOLHIDOS DE GREGÓRIO DE MATOS. SÃO PAULO: CULTRIX, 1976. 2. Poemas escolhidos O livro é uma coletânea de poemas selecionados pelo pro- fessor José Miguel Wisnik nos anos 1970. Recentemente, ganhou uma nova edição revisada pelo próprio organiza- dor. A obra apresenta poemas de Gregório de Matos nas diversas modalidades que o poeta cultivou. A organização dos poemas no livro ajuda a compreender a lógica produtiva de Gregório de Matos: poesia de circunstância – Satírica – Encomiástica poesia amorosa – Lírica – Erótico-irônica poesia religiosa 2.1. Poesia de circunstância Criticar o sistema e as autoridades de sua época transformou Gregório de Matos em um "poeta maldito". A perspicácia com que provocava políticos e ridicularizava poderosos e seus bajuladores contribuiu para o “abrasileiramento” do Barroco importado da Europa. O crítico social mordaz, que aponta a sociedade de compe- tição, em que vence quem for mais esperto e/ou desonesto, apresenta-se no soneto abaixo. CONTEMPLANDO NAS COISAS DO MUNDO DESDE O SEU RETIRO, LHE ATIRA COM SEU ÁPAGE, COMO QUEM A NADO ESCAPOU DA TORMENTA. Neste mundo é mais rico o que mais rapa: Quem mais limpo se faz, tem mais carepa 8 Com sua língua, ao nobre o vil decepa: O velhaco maior sempre tem capa. Mostra o patife da nobreza o mapa: Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa: Quem menos falar pode, mais increpa: Quem dinheiro tiver, pode ser Papa. A flor baixa se inculca por tulipa: Bengala hoje na mão, ontem garlopa: Mais isento se mostra o que mais chupa. Para a tropa do trapo vazo a tripa, E mais não digo, porque a musa topa Em apa, epa, ipa, opa, upa. ápage: desaprovação, raiva increpa: censura carepa: caspa, sujeira inculca: finge, insinuas vil: reles, ordinário garlopa: trabalhador braçal decepa: destrói “Para a tropa do trapo vazo a tripa” é uma expres- são idiomática que se aproxima de “não quero mais dar importância a esse bando de miseráveis”. No poema a seguir, o autor critica, de forma impiedosa, a incompetência, a promiscuidade e a desonestidade. TORNA A DEFINIR O POETA OS MAUS MODOS DE OBRAR NA GOVERNANÇA DA BAHIA, PRINCIPALMENTE NAQUELA UNIVERSAL FOME, QUE PADECIA A CIDADE. Epílogos Que falta nesta cidade?..... Verdade. Que mais por sua desonra?..... Honra. Falta mais que se lhe ponha?..... Vergonha. O demo a viver se exponha, Por mais que a fama a exalta, Nesta cidade onde falta Verdade, honra, vergonha. [...] E que justiça a resguarda?..... Bastarda. É grátis distribuída?..... Vendida. Que tem, que a todos assusta?..... Injusta. Valha-nos Deus, o que custa O que El-Rei nos dá de graça, Que anda a justa na praça Bastarda, vendida, injusta. [...] O açúcar já se acabou?..... Baixou. E o dinheiro se extinguiu?..... Subiu. Logo já convalesceu?..... Morreu. À Bahia aconteceu O que a um doente acontece, Cai na cama, o mal lhe cresce, Baixou, subiu, morreu. A câmara não acode?..... Não pode. Pois não tem todo o poder?..... Não quer. É que o governo a convence?..... Não vence. Quem haverá que tal pense, Que uma câmara tão nobre, Por ver-se mísera e pobre, Não pode, não quer, não vence. Em ritmo de perguntas e repostas, a estrutura dos versos se assemelha aos modelos da tradição oral. O espaço é a Bahia, em que o eu poemático critica os desmandos de sua cidade, a degradação moral e religiosa, bem como os aspectos econômicos. Os oportunistas da sociedade são os detentores do poder, enquanto os trabalhadores honestos encontram-se na pobreza. Os poemas satíricos de Gregório de Matos são marcados por essa divisão entre uma sociedade do homem bem-nas- cido, dita “normal”, e outra, considerada “absurda”, que é composta por pessoas oportunistas, mas que estão instau- radas no poder. No entanto, no caso de Gregório de Matos, a “sociedade absurda” é real, pois é a Bahia onde ele vive e, pela lógica aplicada, inverte-se o conceito apreendido. Logo, tanto uma como outra são consideradas absurdas, pois o impasse está na realidade histórica; um mesmo lo- cal, duas Bahias: uma “normal”, que é vista com ar nostál- gico, e outra “absurda” e amaldiçoada. Os poemas laudatórios, ou seja, de elogio, são chama- dos também de poemas encomiásticos. Um exemplo é o poema em homenagem ao desembargador Belchior da Cunha Brochado: O típico jogo de palavras do Barroco é a marca predomi- nante do poema. Em cada um dos pares de versos, há ter- minações das palavras em comum, como: Douto, prudente, nobre humano, afável, Reto, ciente, benigno e aprazível Tal esquema justifica o uso inusitado da palavra nos espa- ços em branco do papel. 2.2. Poesia amorosa A poesia lírico-amorosa de Gregório de Matos se desenvol- ve por meio de contradições e pares de opostos, utilizando figuras de linguagem como a antítese, que reforça essas contradições. Deve-se ter em mente que essas contradições não se anulam, e a mensagem final que o poeta passa é a de que a “diferença é identidade”. O lirismo amoroso é contraditório, fortemente marcado pela ambiguidade da mulher, vista a partir de uma dualidade en- tre a matéria e o espírito. No soneto dedicado a dona Ângela 9 de Souza Paredes, o eu lírico está diante de um dilema sobre a finalidade da beleza, uma vez que ela leva à perdição. Não vira em minha vida a formosura, Ouvia falar dela a cada dia E ouvida, me incitava e me movia A querer ver tão bela arquitetura: Ontem a vi, por minha desventura Na cara, no bom ar, na galhardia De uma mulher, que em Anjo se mentia De um Sol, que se trajava em criatura: Matem-me, disse eu vendo abrasar-me, Se esta a coisa não é, que encarecer-meSabia o mundo e tanto exagerar-me: Olhos meus, disse então por defender-me, Se a beleza heis de ver para matar-me, Antes olhos cegueis, do que eu perder-me A poesia erótico-irônica também pode ser chamada de poesia profana, em que o poeta exalta a sensualidade dos amantes na Bahia, além dos escândalos sexuais envolvendo as personagens que existiam nos conventos de Salvador. Necessidades forçosas da natureza humana Descarto-me da tronga, que me chupa, Corro por um conchego todo o mapa, O ar da feia me arrebata a capa, O gadanho da limpa até a garupa. Busco uma freira, que me desentupa A via, que o desuso às vezes tapa, Topo-a, topando-a todo o bolo rapa, Que as cartas lhe dão sempre com chalupa. Que hei de fazer, se sou de boa cepa, E na hora de ver repleta a tripa, Darei por quem mo vase toda Europa? Amigo, quem se alimpa da carepa, Ou sofre uma muchacha, que o dissipa, Ou faz da mão sua cachopa. 2.3. Poesia religiosa No conjunto da obra de Gregório de Matos, a poesia lírica é idealista, às vezes emocional, às vezes conceitual, mas quase sempre preocupada com a busca de entender con- tradições. No poema a seguir, o choque entre as temáticas controversas da “culpa" e do"perdão” ganha forma no soneto fusionista. O eu lírico se vale da linguagem para conseguir seu perdão e salvação ao enfrentar o poder divi- no. Logo, da mesma forma como o poder divino, colocado aqui na figura de Jesus, precisa perdoar, o pecador precisa pecar para poder ser perdoado. O conflito de ordem espiritual é típico do período Barro- co: de um lado, o teocentrismo (Deus é o centro do Uni- verso) e, por outro lado, o antropocentrismo (o homem é o centro do universo). Apresenta versos decassílabos (versos com dez sílabas poéti- cas), rimas regulares, ou seja, rimas opostas ou interpoladas nos dois quartetos (ABBA-ABBA) e rimas mistas nos dois tercetos (CDE-CDE). Ressalta-se na lírica sacra o senso do pecado, ao lado do desejo do perdão, como se pode verificar: A Jesus Cristo Nosso Senhor Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado, Da vossa alta clemência me despido; Porque, quanto mais tenho delinquido, Vos tenho a perdoar mais empenhado. Se basta a vos irar tanto pecado, A abrandar-vos sobeja um só gemido: Que a mesma culpa, que vos há ofendido, Vos tem para o perdão lisonjeado. Se uma ovelha perdida e já cobrada Glória tal e prazer tão repentino Vos deu, como afirmais na Sacra História: Eu sou, senhor, a ovelha desgarrada, Cobrai-a; e a não queirais, Pastor divino Perder na vossa ovelha a vossa glória. despido: despeço delinquido: cometido delito empenhado: comprometido A lírica filosófica de Gregório de Matos evidência um po- eta que, tal qual os clássicos, transmite um forte senso do “desconcerto do mundo” e preocupa-se com a transitorie- dade da vida, o escoamento do tempo e a fragilidade do ser humano, como se pode perceber no soneto que segue. À instabilidade das coisas no mundo Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, Depois da luz se segue a noite escura, Em tristes sombras morre a formosura, Em contínuas tristezas, a alegria. Porém, se acaba o Sol, por que nascia? Se é tão formosa a Luz, por que não dura? Como a beleza assim se transfigura? Como o gosto da pena assim se fia? Mas no Sol, e na Luz falta a firmeza, Na formosura não dê Constância, E na alegria sinta-se a tristeza, Começa o mundo enfim pela ignorância, E tem qualquer dos bens por natureza. A firmeza somente na inconstância. Esse soneto exemplifica, pelo tema desenvolvido, o estado transitório da condição humana. Ao longo do poema, re- pete-se a utilização da antítese pela aproximação de duas ideias naturalmente opostas. Na segunda estrofe, o elemento comum a todos os versos é o ponto de interrogação, que representa não só o questiona- 10 mento do eu poético como também sua perplexidade diante do mistério insolúvel do Universo. Essa visão de mundo corresponde à da arte barroca, que vê o homem como um ser instável diante da realidade que lhe faz apelos opostos, ora dirigidos aos sentidos, ora dirigidos ao espírito. FONTE: YOUTUBE Gregório de Mattos, 2002, dirigido por Ana Carolina Em pleno século XVII, surge na Bahia o poeta Gregório de Mattos (Waly Salomão), que, com sua obra e vida trágica, anuncia o perfil tenso e dividido do povo brasileiro. Com sua produção literária, o poeta cria situações desconfor- táveis aos poderosos da época, que passam a combatê-lo até transformar sua vida em um verdadeiro inferno. F Y multimídia: vídeo Aplicando para aprender (A.P.A.) 1. (UEPA) Nasce o Sol, e não dura mais que um dia, Depois da luz se segue a noite escura, Em tristes sombras morre a formosura, Em contínuas tristezas a alegria. GREGÓRIO DE MATOS GUERRA Assinale a alternativa que contém uma característica da comunicação poética, típica do estilo Barroco, existente no quarteto acima. a) Reflexão sobre o caráter humano da divindade. b) Associação da natureza com a permanência da re- alidade espiritual. c) Presença da irreverência satírica do poeta com base no paradoxo. d) Utilização do pleonasmo para reforçar a superiorida- de do cristianismo sobre o protestantismo. e) Uso de ideias contrastantes com base no recurso da antítese. 2. (IFSP) Leia o soneto do escritor barroco Gregório de Matos. Descrição da cidade de Sergipe d’El-Rei Três dúzias de casebres remendados, Seis becos, de 1mentrastos entupidos, Quinze soldados, rotos e despidos, Doze porcos na praça bem criados. Dois conventos, seis frades, três letrados, Um juiz, com bigodes, sem ouvidos, Três presos de piolhos carcomidos, Por comer dois meirinhos esfaimados. As damas com sapatos de 2baeta, Palmilha de tamanca como frade, Saia de 3chita, cinta de raqueta. O feijão, que só faz 4ventosidade Farinha de pipoca, pão que greta, De Sergipe d’El-Rei esta é a cidade. DIMAS, ANTÔNIO. LITERATURA COMENTADA - GREGÓRIO DE MATOS. SÃO PAULO: NOVA CULTURAL, 1988. ____________________________________ 1mentrasto: tipo de erva 2baeta: tecido felpudo 3chita: tecido de algodão de pouco valor 4ventosidade: que provoca flatulência Pela leitura do soneto, é correto afirmar que o poeta: a) critica veladamente o governo português por ter escolhido essa cidade para ser a sede administrativa da colônia. b) escreve esse poema para expor as angústias vividas durante o período em que cumpria a primeira ordem de desterro. c) comenta a elegância e a sensualidade das damas, vis- to que sempre apreciou as mulheres brasileiras. d) lamenta a inexistência de instituições religiosas, pois elas organizariam moralmente a cidade. e) descreve as condições do local, mostrando que os ha- bitantes vivem rusticamente e com poucos recursos. 3. (UCS) As obras literárias marcam diferentes visões de mundo, não apenas dos autores, mas também de épo- cas históricas distintas. Reflita sobre isso e leia os frag- mentos dos poemas de Gregório de Matos e de Tomás Antônio Gonzaga. Arrependido estou de coração, de coração vos busco, dai-me abraços, abraços, que me rendem vossa luz. Luz, que claro me mostra a salvação, a salvação pretendo em tais abraços, misericórdia, amor, Jesus, Jesus! (MATOS, GREGÓRIO. PECADOR CONTRITO AOS PÉS DO CRISTO CRUCIFICADO. IN: TUFANO, DOUGLAS. ESTUDOS DE LITERATURA BRASILEIRA. 4 ED. REV. E AMPL. SÃO PAULO: MODERNA, 1988. P. 66.) Minha bela Marília, tudo passa; a sorte deste mundo é mal segura; se vem depois dos males a ventura, vem depois dos prazeres a desgraça. Estão os mesmos deuses sujeitos ao poder do ímpio fado: Apolo já fugiu do céu brilhante, já foi pastor de gado. (GONZAGA, TOMÁS ANTÓNIO. LIRA XIV. IN: TUFANO, DOUGLAS. ESTUDOS DE LITERATURA BRASILEIRA. 4 ED. REV. E AMPL. SÃO PAULO: MODERNA, 1988. P. 77.) 11 Em relação aos poemas, analise a veracidade (V) ou a falsidade (F) das proposições abaixo. ( ) O poema de Gregório de Matos apresenta um sujei- to lírico torturado pelo peso de seus pecados e desejo- so de aproximar-se do Divino. ( ) Tomás Antônio Gonzaga, embora pertença ao mesmo períodoliterário de Gregório de Matos, revela neste po- ema um sujeito lírico consciente da brevidade da vida. ( ) Em relação às marcas de religiosidade, a visão an- tagônica que se coloca entre os dois poemas reflete, no Barroco, a influência do cristianismo e, no Arcadismo, a da mitologia grega. Assinale a alternativa que preenche corretamente os parênteses, de cima para baixo. a) V – V – V b) V – F – F c) V – F – V d) F – F – F e) F – V – F 4. (UFPR) Considerando a poesia de Gregório de Matos e o momento literário em que sua obra se insere, avalie as seguintes afirmativas: I. Apresentando a luta do homem no embate entre a carne e o espírito, a terra e o céu, o presente e a eter- nidade, os poemas religiosos do autor correspondem à sensibilidade da época e encontram paralelo na obra de um seu contemporâneo, Padre Antônio Vieira. II. Os poemas erótico-irônicos são um exemplo da ver- satilidade do poeta, mas não são representativos da melhor poesia do autor, por não apresentarem a mes- ma sofisticação e riqueza de recursos poéticos que os poemas líricos ou religiosos apresentam. III. Como bom exemplo da poesia barroca, a poesia do autor incrementa e exagera alguns recursos poéticos, deixando sua linguagem mais rebuscada e enredada pelo uso de figuras de linguagem raras e de resultados tortuosos. IV. A presença do elemento mulato nessa poesia resga- ta para a literatura uma dimensão social problemática da sociedade baiana da época: num país de escravos, o mestiço é um ser em conflito, vítima e algoz em uma sociedade violentamente desigual. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são verdadeiras. b) Somente as afirmativas I, II e III são verdadeiras. c) Somente as afirmativas I, III e IV são verdadeiras. d) Somente as afirmativas II e IV são verdadeiras. e) Somente as afirmativas III e IV são verdadeiras. Leia o texto a seguir para responder à questão 5. Senhora Dona Bahia, nobre e opulenta cidade, madrasta dos naturais, e dos estrangeiros madre: Dizei-me por vida vossa em que fundais o ditame de exaltar os que aqui vêm, e abater os que aqui nascem? Se o fazeis pelo interesse de que os estranhos vos gabem, isso os paisanos fariam com conhecidas vantagens. E suposto que os louvores em boca própria não valem, se tem força esta sentença, mor força terá a verdade. O certo é, pátria minha, que fostes terra de alarves, e inda os ressábios vos duram desse tempo e dessa idade. Haverá duzentos anos, nem tantos podem contar-se, que éreis uma aldeia pobre e hoje sois rica cidade. Então vos pisavam índios, e vos habitavam cafres, hoje chispais fidalguias, arrojando personagens. ____________________________________ 1Nota: entenda-se “Bahia” como cidade. 2Vocabulário: alarves – que ou quem é rústico, abrutado, grosseiro, ignorante – que ou o que é tolo, parvo, estúpido. ressábios – sabor; gosto que se tem depois. cafres – indivíduo de raça negra. a) Existem antíteses, características de textos no pe- ríodo barroco. b) Há uma personificação, pois a Bahia, ser inanima- do, é tratada como ser vivo. c) A ausência de métrica aproxima o poema do Mo- dernismo. d) O eu lírico usa o vocativo, transformando a Bahia em sua interlocutora. e) Há diferença de tratamento para os habitantes lo- cais e os estrangeiros Leia o texto a seguir para responder às questões 6 a 8. 1 Triste Bahia! Oh quão dessemelhante 2 Estás, e estou do nosso antigo estado! 3 Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado, 4 Rica te vejo eu já, tu a mi abundante. 5 A ti trocou-te a máquina mercante, 6 Que em tua larga barra tem entrado, 7 A mim foi-me trocando, e tem trocado 8 Tanto negócio, e tanto negociante. 9 Deste em dar tanto açúcar excelente 10 Pelas drogas inúteis, que abelhuda 11 Simples aceitas do sagaz Brichote. 12 Oh se quisera Deus, que de repente 13 Um dia amanheceras tão sisuda 14 Que fora de algodão o teu capote! (MATOS, GREGÓRIO DE. POESIAS SELECIONADAS. 3. ED. SÃO PAULO: FTD, 1998. P. 141.) 12 6. (UEL) No que diz respeito à relação entre o eu lírico e a Bahia, considere as afirmativas a seguir. I. Na primeira estrofe, o eu lírico identifica-se com a Bahia, pois ambos sofrem a perda de um antigo estado. II. Na primeira estrofe, a Bahia aparece personificada, fato confirmado no momento em que ela e o eu lírico se olham. III. Na terceira estrofe, constata-se que a Bahia não está isenta da culpa pela perda de seu antigo estado. IV. Na quarta estrofe, o eu lírico conclui que a lamen- tável situação da Bahia está em conformidade com a vontade divina. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) Somente as afirmativas II e IV são corretas. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. e) Somente as afirmativas I, III e IV são corretas. 7. (UEL) A partir da leitura do texto, considere as afir- mativas a seguir. I. O poema faz parte da produção de Gregório de Matos caracterizada pelo cunho satírico, visto que ridiculariza vícios e imperfeições e assume um tom de censura. II. As figuras do desconsolado poeta, da triste Bahia e do sagaz Brichote são imagens poéticas utilizadas para expressar a existência de um triângulo amoroso. III. O poema apresenta a degradação da Bahia e do eu lírico, em virtude do sistema de trocas imposto à co- lônia, o qual privilegiava os comerciantes estrangeiros. IV. Os versos “Que em tua larga barra tem entrado” e “Deste em dar tanto açúcar excelente” conferem ao po- ema um tom erótico, pois, simbolicamente, sugerem a ideia de solicitação ao prazer. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) Somente as afirmativas I e III são corretas. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e IV são corretas. e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. 8. (UEL) Sobre figuras de linguagem no poema, conside- re as afirmativas a seguir. I. A descrição do eu lírico e da Bahia configura uma antí- tese entre o estado antigo e o atual de ambos. II. A antítese é verificada na oposição entre as expres- sões “máquina mercante” e “drogas inúteis”, embora ambas se refiram à Bahia. III. Os versos 3 e 4 são exemplos do papel relevante da gradação no conjunto do poema, pois enumeram esta- dos de espírito do eu lírico. IV. Os versos “Um dia amanheceras tão sisuda/ Que fora de algodão o teu capote!” configuram exemplos de personificação e metáfora, respectivamente. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e IV são corretas. b) Somente as afirmativas II e III são corretas. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. e) Somente as afirmativas I, II e IV são corretas. 9. (G1 CFT-MG) O poeta Gregório de Matos tornou-se importante na representação da literatura barroca bra- sileira porque: ALEIJADINHO, CRISTO DO CARREGAMENTO DA CRUZ. 1998. a) enfatizou a produção poética satírica em detrimen- to da religiosa. b) pautou sua vida pelo respeito às normas e costu- mes sociais e estéticos. c) criticou membros do clero e do poder político e exaltou índios e mulatos. d) apropriou-se de formas e temas do barroco euro- peu, adequando-os ao contexto local. 10. (UEG) Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado, Da vossa alta clemência me despido; Porque quanto mais tenho delinquido, Vos tenho a perdoar mais empenhado. OBRA POÉTICA DE GREGÓRIO DE MATOS. RIO DE JANEIRO: RECORD, 1990. Durante o período colonial brasileiro, as principais mani- festações artísticas, populares ou eruditas, foram, assim como nos demais aspectos da vida cotidiana, marcadas pela influência da religiosidade. Nesse sentido, com base na análise da presença da religiosidade na obra de Aleija- dinho e Gregório de Matos, é correto afirmar: a) Ambas são modelos da arte barroca, uma vez que se inspiram mais na temática cristã do que em ele- mentos oriundos damitologia greco-romana. b) A presença da temática religiosa em ambos deve- -se à influência protestante holandesa na região da Bahia e de Minas Gerais. c) No trecho do poema, tem-se a expressão de um pecador que, embora creia em Deus, não tem certeza de que obterá o perdão divino. d) A pobreza estética da obra de Aleijadinho e Matos deriva da censura promovida pela Santa Inquisição às obras artísticas no Brasil. Gabarito 1. E 2. E 3. C 4. C 5. C 6. D 7. B 8. A 9. D 10. A 13 1. Machado de Assis Joaquim Maria Machado de Assis nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839. Era mestiço, filho do pintor Francisco José de Assis e de Maria Leopoldina Ma- chado de Assis, portuguesa dos Açores. Perdeu a mãe muito cedo e foi criado pela madrinha no Morro do Livramento. Sem meios para cursos regulares, estudou sempre como um autodidata. Com apenas 15 anos incompletos, publicou um soneto no Periódico dos Pobres, em 1854. Foi jornalista, con- tista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo. Em 1856, entrou para a Imprensa Nacional como aprendiz de tipógrafo. Em 1858, tornou-se revisor e colaborador no Correio Mercantil e, em 1860, foi para a redação do Diário do Rio de Janeiro. Escreveu para a revista O Espelho, onde estreou como crítico teatral, para a Semana Ilustrada e para o Jornal das Famílias, no qual publicou contos. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, que presidiu por mais de dez anos. Casou-se com Carolina Augusta Xa- vier de Novais, que foi sua companheira durante 35 anos. A obra de Machado de Assis abrange diversos gêneros li- terários. Na poesia, inicia com o romantismo de Crisálidas (1864) e Falenas (1870), passando pelo Indianismo em Americanas (1875) e pelo Parnasianismo em Ocidentais (1901). Paralelamente, apareciam as coletâneas de Con- tos fluminenses (1870) e Histórias da meia-noite (1873); os romances Ressurreição (1872), A mão e a luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878) são considerados como pertencentes ao seu período romântico. A partir daí, Machado de Assis entrou na fase das obras-pri- mas que o tornaram o maior escritor da literatura brasileira e um dos maiores autores da literatura de língua portuguesa. Machado publicou na Gazeta de Notícias, de 1881 a 1897, diversos textos, mas, principalmente, suas melhores crôni- cas. Em 1881, saiu o livro que daria uma nova direção à sua carreira literária: Memórias póstumas de Brás Cubas. A data se tornou o marco inicial do Realismo no Brasil. A partir de 1881, ao remodelar a literatura e trazer conceitos que negavam os princípios românticos, suas obras se tornaram as representantes máximas do Realismo brasileiro. Os ou- tros romances dessa fase são: Casa Velha (1885), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908). Como contista, publicou Papéis avulsos (1882), Histórias sem data (1884), Várias histórias (1896), Páginas recolhi- das (1899) e Relíquias de Casa Velha (1906) Em 1889, foi promovido a diretor da Diretoria do Comércio no Ministério. Para se compreender as inovações do "Bruxo do Cosme Velho", como Machado ficou conhecido, é preciso consi- derar que ele começou a escrever inspirado no molde de José de Alencar, ou seja, publicou inicialmente romances românticos, como as já citadas obras Ressurreição, A mão e a luva, Helena e Iaiá Garcia. Entretanto, seu reconheci- mento e consagração ocorre pelas obras realistas. O diálogo com o leitor, a digressão, a metalinguagem e o mergulho na psicologia humana compõem o conjunto de genialidade temperada por ironia refinada, estilo que desnuda as aparências da sociedade burguesa com um cinismo elegante e que faz de Machado de Assis um dos maiores nomes da literatura mundial. OBRA 2 QUINCAS BORBA: MACHADO DE ASSIS 14 1.1. Linha do tempo 1839 – Nasce Joaquim Maria Machado de Assis, no dia 21 de junho, no Rio de Janeiro. Filho do brasileiro Fran- cisco José de Assis e da portuguesa Maria Leopoldina Machado de Assis, moradores do Morro do Livramento. 1849 – Depois do falecimento de sua mãe e de sua única irmã, Machado é cuidado por sua madrinha 1854 – Seu pai casa-se com Maria Inês da Silva, com quem Machado continuará vivendo depois da morte do pai. 1855 – Publica “A palmeira”, seu primeiro trabalho, e “Ela”, seu primeiro poema, no periódico Marmota Fluminense. 1856 – Entra para a Tipografia Nacional como aprendiz. 1858 – Estuda francês e latim com o professor padre Antônio José da Silveira Sarmento. Torna-se revisor de provas de tipografia e da livraria do jornalista Paula Bri- to. Nesse período, conhece membros da Sociedade Pe- talógica, como Manuel Antônio de Almeida e Joaquim Manoel de Macedo. Escreve para os jornais O Paraíba e Correio Mercantil. 1864 – Publica o volume de poesias Crisálidas, seu primeiro livro. 1867 – É nomeado ajudante do diretor no Diário Oficial. 1869 – Casa-se com Carolina Augusta Xavier de Novaes. 1873 – É nomeado o primeiro-oficial da Secretaria do Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. 1878 – Passa uma temporada em Friburgo para cuidar da saúde. 1881 – Torna-se oficial de gabinete do ministro da Agricultura, Pedro Luis. 1888 – Torna-se oficial da Ordem da Rosa por decreto do imperador. 1889 – É nomeado diretor na Diretoria do Comércio. 1897 – É eleito presidente da Academia Brasileira de Le- tras, da qual, um ano antes, havia sido um dos fundadores. 1904 – Torna-se membro da Academia das Ciências de Lisboa. Morre sua mulher, Carolina Xavier. 1908 – Falece no Rio de Janeiro em 29 de setembro. 1.2. Tempo de mudanças Na segunda metade do século XIX, Inglaterra e França de- tinham o controle administrativo, econômico e militar do mundo capitalista e buscavam ampliar o número de consu- midores para seus produtos industrializados. O Brasil conso- lidava o Império apoiado no sistema escravista e com algum encaminhamento de modernização. Machado de Assis viveu momentos importantes da história do Brasil, como a Guerra do Paraguai, a luta abolicionista e a constituição da República, que repercutiram em sua produção literária. A segunda metade do século XIX foi, de fato, um período de intensas transformações na sociedade brasileira. O que é possível perceber no romance Quincas Borba, em que o Rio de Janeiro, por ser a corte, era um espaço onde surgiam os enganadores e suas falcatruas. 2. Quincas Borba Na obra de Machado de Assis, o personagem Quincas Borba aparece pela primeira vez no livro Memórias póstumas de Brás Cubas. No romance de 1891, por sua vez, o título da obra faz referência direta ao filósofo Quincas Borba, que morre logo no início da história. Depois de sua morte, Pedro Rubião de Alvarenga, que era seu discípulo e enfermeiro par- ticular, é beneficiado com uma grande herança. Com o dinheiro da herança, Rubião, ex-professor primá- rio e enfermeiro, muda-se da fazenda que vivia na cidade de Barbacena, em Minas Gerais, para a cidade do Rio de Janeiro, e passa a viver em um palacete no bairro de Bo- tafogo. Rubião fica encarregado de cuidar do cão de seu amigo, que, ironicamente, chama-se Quincas Borba. 15 Na mudança de sua vida provinciana para a vida na cidade, Rubião conhece o casal Palha: Sofia e Cristiano. A partir daí, ele começa a ter contato com diversas caracte- rísticas que o levam a se tornar um “professor capitalista”. No Rio de Janeiro, Rubião foi visto como uma pessoa que poderia ser facilmente enganada, dada a sua ingenuidade e vida simples que levava em Minas Gerais. Então, Rubião passa a conviver com o casal Palha, seus supostos novos “amigos”, e acaba se interessando pela beleza e meiguice de Sofia. Em certo ponto da história, Rubião resolve declarar seu amor, mas é rejeitado pela moça, que é fiel a seu marido. Sofia conta o ocorrido a Cristiano, que, mesmo sabendo dos intentos de Rubião, continua a relação com ele, uma vez que está interessado em sua fortuna. Rubiãoe Cristiano se tor- nam sócios em uma importadora, Palha & Cia Rubião, aos poucos, vai perdendo a razão devido à rejeição de Sofia. Ele acredita ser Napoleão III e repete aos quatro cantos a máxima de seu falecido amigo Quincas Borba: “Ao vencedor, as batatas”. Fala de Quincas Borba: “Não há morte. O encontro de ditas expansões, ou a ex- pansão de duas formas, pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é a condição da sobrevivência da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do cam- po, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.” No fim da história, Rubião foge para Barbacena com o cachor- ro, onde morre. O casal Palha, por outro lado, torna-se rico. 2.1. Personagens Rubião: enfermeiro, ex-professor do primário na cida- de de Barbacena e protagonista da narrativa. De origem humilde, muda radicalmente de vida quando conhece o filósofo Quincas Borba e se torna seu herdeiro. Rubião demonstra descontrole em relação à fortuna, além de se mostrar ingênuo. Apaixona-se por Sofia, mulher de seu mais novo amigo, Cristiano Palha. “Um criado trouxe o café. Rubião pegou na xícara e, en- quanto lhe deitava açúcar, ia disfarçadamente mirando a bandeja, que era de prata lavrada. Prata, ouro, eram os metais que amava de coração; não gostava de bronze, mas o amigo Palha disse-lhe que era matéria de preço, e assim se explica este par de figuras que aqui está na sala, um Mefistófeles e um Fausto.” Cristiano Palha: marido de Sofia e suposto amigo de Rubião, mas que está interessado somente em sua fortu- na. Cristiano rompe a sociedade com Rubião, alegando a necessidade de se afastar da empresa para assumir cargos no sistema financeiro. Na verdade, já estabeleci- do, Cristiano quer continuar a conduzir sozinho os seus negócios. Sofia também se afasta de Rubião, recusando seus insistentes convites para passeios. “Chegados à estação da corte, despediram-se quase fa- miliarmente (...). No dia seguinte, estava Rubião ansioso por ter ao pé de si o recente amigo da estrada de ferro, e determinou ir a Santa Teresa, à tarde; mas foi o próprio Palha que o procurou logo de manhã.” Sofia Palha: esposa de Cristiano, que por sua vez, fica interessada em Carlos Maria. Ela apoia o marido em suas ações. “As senhoras casadas eram bonitas; a mesma solteira não devia ter sido feia, aos vinte e cinco anos; mas Sofia primava entre todas elas. Não seria tudo o que o nos- so amigo sentia, mas era muito. Era daquela casta de mulheres que o tempo, como um escultor vagaroso, não acaba logo, e vai polindo ao passar dos longos dias. Es- sas esculturas lentas são miraculosas; Sofia rastejava os vinte e oito anos; estava mais bela que aos vinte e sete; era de supor que só aos trinta desse o escultor os últimos retoques, se não quisesse prolongar ainda o trabalho, por dois ou três anos.” Carlos Maria: homem que desperta o interesse de Sofia e que, por fim, casa-se com a prima dela. Torna-se amigo de Rubião. Trata-se de um rapaz que exala prepotência. “Queres o avesso disso, leitor curioso? Vê este outro convidado para o almoço, Carlos Maria. Se aquele tem os modos “expansivos e francos”, – no bom sentido laudatório, – claro é que ele os tem contrários. Assim, não te custará nada vê-lo entrar na sala, lento, frio e superior, ser apresentado ao Freitas, olhando para outra parte. Freitas que já o mandou cordialmente ao diabo por causa da demora (é perto do meio-dia), corteja-o agora rasgadamente, com grandes aleluias íntimas.” Maria Benedita: prima de Sofia e esposa de Carlos Maria. Trata-se de uma personagem secundária da obra. No livro, há o relato de que o nome “Maria Benedita” a incomodava, por ser um nome de velha. É uma mulher prendada, que aprende bons costumes com sua prima. “Maria Benedita, nome que a fechava, por ser de ve- lha, dizia ela; mas a mãe retorquia-lhe que as velhas foram algum dia moça as meninas, e que os nomes 16 adequados às pessoas eram imaginações de poetas e contadores de histórias.” Camacho: advogado, político e falso jornalista, figura que vai se aproveitar da fortuna de Rubião. “Ao mesmo tempo entrou no gabinete, onde os dez homens tratavam de política, porque este baile, ia-me esquecendo dizê-lo, era dado em casa de Camacho, a propósito dos anos da mulher.” D. Fernanda: a personagem nasceu em Porto Alegre e possuía pouco mais de trinta anos. Era jovem, expansi- va, corada e robusta. “Sofia organizou a comissão, que trouxe novas relações à família Palha. Incluída entre as senhoras que forma- vam uma das subcomissões, Maria Benedita trabalhou com todas, mas granjeou em especial a estima de uma delas, D. Fernanda, esposa de um deputado. D. Fernanda se casara com um bacharel das Alagoas, deputado agora por outra província, e, segundo corria, prestes a ser mi- nistro de Estado.” Dona Tônica: é personagem secundária. D. Tônica é filha do Major Siqueira. Ela é caracterizada por ser uma “solteirona” desesperada para se casar. Quincas Borba (o cão): teve esse nome dado pelo seu dono, também chamado Quincas Borba e, mais tar- de, vem a ter outro dono: Rubião. Ao longo da narrativa, o cão mostra-se amável e fiel. As atitudes do cão faziam com que Rubião achasse que ele recebera a alma do filósofo morto. 2.2. Análise 2.2.1. Espaço e tempo O livro foi publicado em 1891, mas a narrativa começa em 1867, em Barbacena, Minas Gerais, estendendo-se para o Rio de Janeiro a partir de 1870. Toda a história se passa em Barbacena, devido à universalidade do texto, poderia ser em qualquer lugar do mundo. Fora isso, os fatos intermedi- ários acontecem na Corte (RJ). 2.2.2. O narrador O narrado da obra, em terceira pessoa, possui uma posição imparcial sobre os fatos. O narrador de Quincas Borba é, em certa medida, o próprio Machado de Assis. É importante res- saltar que não se deve confundir o narrador com o escritor. Machado de Assis assume a postura de escritor/narrador. A passagem a seguir, como outras da obra, quebra a objetivi- dade do narrador em terceira pessoa: Este Quincas Borba, se acaso me fizeste o favor de ler Me- mórias Póstumas de Brás Cubas, é aquele mesmo náufrago da existência, que ali aparece, mendigo, herdeiro inopinado e inventor de uma filosofia. Aqui o tens agora, em Barbacena.” 2.2.3. Temas: filósofo ou cachorro? A principal característica do romance é o foco nas relações sociais de seu tempo. Machado faz fortes críticas às rela- ções humanas. Temas como herança, traição, poder, apa- rência, loucura, ironia, imoralidade e falsidade são recor- rentes na obra de Machado. O adultério, temática sempre presente nas obras macha- dianas da fase resalista, é insinuada no interesse que Sofia manifesta pelos homens que a cortejam: vale mencionar os personagens Rubião e Carlos Maria. A traição não chega a acontecer de fato, talvez porque a moça tenha no marido o seu melhor parceiro na enganação, sendo esta, afinal, a temática central da obra. O engodo sugere a existência de uma sociedade improdu- tiva e parasitária, que age sempre sob máscaras que dis-simulam duvidosas transações financeiras e falsos elogios nos jornais. O jogo de aparências revela a verdadeira face da sociedade: um diretor de banco é humilhado em uma visita ao ministro e desconta em Cristiano Palha, tratando- -o da mesma forma. O próprio Rubião, senhor de sua for- tuna, sente-se pequeno ao se deparar com a suntuosidade de uma baronesa do Império. Nesse sentido, a demonstra- ção de poder é sempre mais importante que o poder em si, que permanece mascarado. No desenrolar do enredo, o leitor pode questionar as razões do título dado ao livro. Seria uma referência ao filósofo que 17 morre logo na abertura ou ao cachorro que fica de herança? A resposta não pode ser dada antes da reflexão de que am- bas as respostas estão certas. Segundo a filosofia criada por Quincas Borba, Humanitas é o princípio da existência que se manifestaria em todo ser vivente, podendo também existir no cão. E talvez esteja nesse princípio a verdadeira razão do título: ele pode ser uma referência ao Humanitismo. A história de Rubião confirma a filosofia de Quincas Borba. Sofia e seu marido não fazem mais do que seguir a máxima segundo a qual “Humanitas precisa comer”. Eles seguem à risca essa prescrição, alimentando-se da fortuna e da in- genuidade de Rubião. Segundo outra máxima da filosofia de Quincas e que aparece na fala de Rubião antes de mor- rer: “Ao vencedor, as batatas”. Os espólios da guerra se destinam aos vitoriosos. Rubião é o derrotado justamente por representar o anti-Humanitas, uma vez que nada em sua vida foi conquistado com luta, mas por mera condição do acaso. Sua loucura gradativa – aproximada da loucura que atinge Quincas Borba – é a confirmação do destino de quem acreditou excessivamente na aparência. Ironicamen- te Rubião morreu acreditando ser Napoleão III. Nesse sentido, Quincas Borba simboliza a reafirmação dos princípios humanitistas, livres de moralidade, em que tudo é permitido, porque tudo se faz em nome da substância original. A filosofia se enquadra perfeitamente no jogo de fingimento das relações sociais – a moralidade aparente es- conde a imoralidade da essência dessas relações. 2.2.4. A filosofia: Humanitismo Na obra Memórias póstumas de Brás Cubas, o personagem Quincas Borba é citado pelo autor. Por isso, o livro Quincas Borba pode ser considerado (em partes) uma continuação de Brás Cubas. As narrativas de Memórias póstumas de Brás Cubas e de Quincas Borba tocam-se no início do capítulo IV, sendo uma espécie de continuação daquela. Mas a história de Quincas Borba é completamente outra. Quincas Borba retrata a jornada de Rubião rumo à loucu- ra. Assim, o verdadeiro elo entre os romances é apenas o Humanitismo, filosofia com a qual Quincas Borba marcou sensivelmente Brás Cubas, mas que, apesar de seus esfor- ços, não conseguiu transmitir a Rubião. Nas duas obras, Machado trata da teoria filosófica do Hu- manitismo criada por Quincas. Segundo o filósofo, esse conceito está relacionado com a exploração das pessoas e a falta de humanismo na cons- trução das relações sociais. Assim, nessa luta incessante pela sobrevivência, os ingênu- os são manipulados pelos espertos, os fracos padecem, e os fortes permanecem vivos e manipulando outros. O livro retrata a filosofia inventada por Quincas Borba, de que a vida é um campo de batalha no qual só os mais for- tes sobrevivem, e em que fracos e ingênuos, como Rubião, são manipulados e aniquilados pelos fortes e espertos, como Palha e Sofia, que terminam vivos e ricos. “Nunca há morte. Há encontro de duas expansões, ou ex- pansão de duas formas”, diz a frase com que Quincas Bor- ba criou sua filosofia. E, ao tentar explicá-la melhor, acabou formulando a célebre máxima: "Ao vencedor, as batatas". Esse é o princípio que rege a lógica constitutiva da obra. Assim, é importante que o aluno entenda a explicação nas palavras do próprio Quincas: “Supõem-se em um capo de duas tribos famintas. As bata- tas apenas chegavam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrerão de inanição. A paz, neste caso, é a destruição; a guerra, é a esperança. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí, a alegria da vitória, os hinos, as aclamações. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se. Ao vencido, o ódio ou compaixão. Ao vencedor, as batatas!” Esta tal “filosofia” se enquadra no jogo de fingimento das relações sociais em que a aparente moralidade esconde a imoralidade dessas relações. 18 2.3. O romance machadiano 2.3.1. Estilo O estilo machadiano pode ser definido como elegância e certa contenção ao escrever, rápidas pinceladas na compo- sição da personagem e muita discrição. O autor sempre foi adepto de personagens fortes. A sua enorme capacidade de observação do ser humano e da sociedade não é um privilégio da fase realista e está presente desde o início. Machado de Assis organizou seus personagens de modo diverso ao dos românticos, ainda que tivesse aproveita- do as lições que aprendeu na leitura de grandes mestres, como José de Alencar, o português Almeida Garrett, o fran- cês Victor Hugo e o inglês Swift. Nos romances iniciais, Machado é um romântico um pouco diferente: já é marcante a crítica que haveria de constituir sua característica singular. Em sua obra, o casamento não era a cura para todos males (como acreditavam os românti- cos), mas um tipo de comércio, uma certa troca de favores. Nos romances escritos depois de 1880, Machado intensifi- cou essa crítica social, assumindo uma fina ironia ao foca- lizar questões delicadas como o casamento, o adultério, a exploração do homem pelo homem, entre outros. Notabi- lizou-se por olhar além das máscaras sociais a fim de des- mascarar o jogo das relações e de compreender a natureza humana, focalizando personagens com espírito de análise. Em outras palavras, Machado de Assis acreditava que nos indivíduos existem sempre intenções supostas para objeti- vos reais. É disso que resultam os atos, os quais se dirigem para a satisfação pessoal de quem os prática. De acordo com o crítico literário Roberto Schwarz, nos ro- mances machadianos quase todas as frases possuem se- gunda intenção ou propósito espirituoso: A prosa é detalhista ao extremo, sempre à cata de efeitos imediatos, o que amarra a leitura ao pormenor e dificul- ta a imaginação do panorama. Em consequência, e por causa também da campanha do narrador para chamar a atenção sobre si mesmo, a composição do conjunto pouco aparece.” (SCHWARZ, ROBERTO. IN: UM MESTRE NA PERIFERIA DO CAPITALISMO – MACHADO DE ASSIS. P. 18) Outro elemento do estilo machadiano é a digressão, que o autor empregava com maestria. De acordo com o crítico Massaud Moisés: Própria do discurso oratório, a digressão pode apresen- tar qualquer medida, aparecer em qualquer parte do texto e em obras de qualquer outra natureza, sobretudo a poesia épica, o romance e o ensaio. Empregada desde a antiguidade greco-latina, constitui expediente difícil de manejar, uma vez que pode comprometer a integridade da obra em que se insere. Por isso, hoje em dia, tende a ostentar sentido pejorativo, equivalente a “desvio”, “di- vagação”, “subterfúgio”. (MOISÉS, MASSAUD. 2004, P. 125) 2.3.2. Crítica “Seja no plano da forma, através das interrupções, seja no plano do conteúdo, através de anedotas e apólo- gos sobre a vaidade humana, a experiência visada não muda, (...) Machado carrega a tinta com maestria – são formas fechadas em si mesmo, e neste sentido, matéria romanesca de segunda classe, estranha ao movimento global própria ao grande romance oitocentista.” (SCHWARZ, ROBERTO. UM MESTRE NA PERIFERIA DO CAPITALISMO. P. 51.) 2.4. Trechos da obra Acompanhe alguns trechos para compreender melhor a linguagem utilizada no livro. Confira abaixo:2.4.1. Prólogo da 3ª edição A segunda edição deste livro acabou mais depressa que a primeira. Aqui sai ele em terceira, sem outra alteração além da emenda de alguns erros tipográficos, tais e tão poucos que, ainda conservados, não encobririam o sentido. Um amigo e confrade ilustre tem teimado comigo para que dê a este livro o seguimento de outro. “Com as Memórias 19 Póstumas de Brás Cubas, donde este proveio, fará você uma trilogia, e a Sofia de Quincas Borba ocupará exclusiva- mente a terceira parte.” Algum tempo cuidei que podia ser, mas relendo agora estas páginas concluo que não. A Sofia está aqui toda. Continuá-la seria repeti-la, e acaso repetir o mesmo seria pecado. Creio que foi assim que me tacharam este e alguns outros dos livros que vim compondo pelo tempo fora no silêncio da minha vida. Vozes houve, gene- rosas e fortes, que então me defenderam; já lhes agradeci em particular; agora o faço cordial e publicamente. 1899 – M. DE A. 2.4.2. Capítulo II Que abismo que há entre o espírito e o coração! O espírito do ex-professor, vexado daquele pensamento, arrepiou ca- minho, buscou outro assunto, uma canoa que ia passando; o coração, porém, deixou-se estar a bater de alegria. Que lhe importa a canoa nem o canoeiro, que os olhos de Ru- bião acompanham, arregalados? Ele, coração, vai dizendo que, uma vez que a mana Piedade tinha de morrer, foi bom que não casasse; podia vir um filho ou uma filha... – Bonita canoa! – Antes assim! – Como obedece bem aos remos do homem! – O certo é que eles estão no céu! 2.4.3. Capítulo XCV Vou agarrá-la antes de chegar ao Catete, disse Rubião su- bindo pela Rua do Príncipe. Calculou que a costureira teria ido por ali. Ao longe, des- cobriu alguns vultos de um e outro lado; um deles pare- ceu-lhe de mulher. Há de ser ela, pensou; e picou o passo. Entende-se naturalmente que levava a cabeça atordoada: Rua da Harmonia, costureira, uma dama, e todas as rótu- las abertas. Não admira que, fora de si, e andando rápido, desse um encontrão em certo homem que ia devagar, ca- bisbaixo. Nem lhe pediu desculpa; alargou o passo, vendo que a mulher também andava depressa. 2.4.4. Capítulo CCI Queria dizer aqui o fim do Quincas Borba, que adoeceu também, ganiu infinitamente, fugiu desvairado em busca do dono, e amanheceu morto na rua, três dias depois. Mas, ven- do a morte do cão narrada em capítulo especial, é provável que me perguntes se ele, se o seu defunto homônimo é que dá o titulo ao livro, e por que antes um que outro, – questão prenhe de questões, que nos levariam longe. Eia! chora os dois recentes mortos, se tens lágrimas. Se só tens riso, ri-te! É a mesma coisa. O Cruzeiro, que a linda Sofia não quis fitar, como lhe pedia Rubião, está assaz alto para não discernir os risos e as lágrimas dos homens. FONTE: YOUTUBE Quincas Borba, 1987, dirigido por Roberto Santos Releitura do clássico de Machado de Assis. Rubião sai do interior de Minas Gerais com apenas um objetivo em mente: aproveitar ao máximo todos os prazeres que uma cidade como o Rio de Janeiro pode lhe oferecer, em uma viagem patrocinada pelo dinheiro que seu mestre, o filósofo Quincas Borba, lhe deixou como herança. No entanto, assim que Rubião chega à Cidade Maravilhosa, as coisas começam a se complicar. F Y multimídia: vídeo Aplicando para aprender (A.P.A.) 1. (ITA) Em 1891, Machado de Assis publicou o roman- ce Quincas Borba, no qual um dos temas centrais do Realismo, o triângulo amoroso (formado, a princípio, pelas personagens Palha–Sofia–Rubião), cede lugar a uma equação dramática mais complexa e com diversos desdobramentos. Isso se explica porque: a) o que levava Sofia a trair Palha era apenas o interesse na fortuna de Rubião, pois ela amava muito o marido. b) Palha sabia que Sofia era amante de Rubião, mas fingia não saber, pois dependia financeiramente dela. c) Sofia não era amante de Rubião, como pensava seu marido, mas sim de Carlos Maria, de quem Pal- ha não tinha suspeita alguma. d) Sofia não era amante de Rubião, mas se interessou por Carlos Maria, casado com uma prima de Sofia, e este por Sofia. e) Sofia não se envolvia efetivamente com Rubião, pois se sentia atraída por Carlos Maria, que a seduziu e de- pois a rejeitou. 2. (PUC-RS) No início de Quincas Borba, a personagem Rubião avalia sua trajetória, enquanto olha para o mar, para os morros, para o céu, da janela de sua casa, em Botafogo. Passara de _______________ a capitalista ao _______________. Mas, no final do romance, o persona- gem acaba morrendo na miséria. As lacunas podem ser correta e respectivamente pre- enchidas por: a) jornalista – receber um prêmio b) professor – receber uma herança c) enfermeiro – se tornar comerciante 20 d) filósofo – investir em terras e) enfermeiro – se casar com Sofia 3. (UFRGS) Assinale a alternativa correta em relação a Quincas Borba, de Machado de Assis. a) O título do livro, como esclarece o narrador, refere-se ao filósofo Quincas Borba, criador do “Humanitismo”. b) Quincas Borba é apenas um interiorano milionário explorado por parasitas sociais como Palha e Camacho. c) Rubião é objeto de disputa amorosa entre a bela Sofia e dona Tonica, filha do major Siqueira. d) Rubião, sócio do marido de Sofia, comete adultério com ela sem levantar suspeitas. e) Ao fugir do hospital, Rubião retorna com Quincas Borba à sua cidade de origem, Barbacena. As questões 4 e 5 referem-se ao texto a seguir, extraído do sexto capítulo de Quincas Borba (1892), de Machado de Assis (1839-1908). “Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As ba- tatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficiente- mente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e reco- lhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, re- compensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.” (ASSIS, JOAQUIM MARIA MACHADO DE. QUINCAS BORBA. RIO DE JANEIRO: NOVA AGUILAR, 1997, P. 648-649.) 4. Com base nas palavras de Quincas Borba, considere as afirmativas a seguir: I. As duas tribos existem separadamente uma da outra. II. A necessidade de alimentação determina os termos do relacionamento entre as duas tribos. III. O relacionamento entre as duas tribos pode ser amistoso (“dividem entre si as batatas”) ou competiti- vo (“uma das tribos extermina a outra”). IV. O campo de batatas determina a vitória ou a derrota de cada uma das tribos. Estão corretas apenas as afirmativas: a) I e IV. b) II e III. c) III e IV. d) I, II e III. e) I, II e IV. 5. (UEL) O Humanitismo, filosofia criada por Quincas Borba, é revelador: a) do posicionamento crítico de Machado de Assis aos muitos “ismos” surgidos no século XIX: darwinis- mo, positivismo, evolucionismo. b) da admiração de Machado de Assis pelos muitos “ismos” surgidos no início do século XX: futurismo, impressionismo, dadaísmo. c) da capacidade de Machado de Assis em antever os muitos “ismos” que surgiriam no século XIX: darwi- nismo, positivismo, evolucionismo. d) da preocupação didática de Machado de Assis com a transmissão de conhecimentos filosóficos consoli- dados na época. e) da competência de Machado de Assis em antecipar a estética surrealista surgida no século XX. 6. (CEFET-PR) A filosofia de Quincas Borba é explicada nos primeiros capítulos do romance. Posteriormente, em alguns momentos de delírio, Rubião recorda-se dos ensi- namentos do mestre e os sintetiza na frase: “Ao vencedor, as batatas”. Aversão completa da máxima, enunciada por Quincas a Rubião no capítulo 6, é esta: “Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”. A filosofia inventada por Quincas Borba pode ser com- provada com os seguintes acontecimentos do romance, exceto: a) a organização da comissão das Alagoas. b) a morte da avó de Quincas, atropelada por carro puxa- do a cavalos. c) o tipo de relação estabelecida entre Camacho e Rubião. d) o empenho de D. Fernanda em casar Maria Benedita. e) o gesto de Rubião de salvar de um atropelamento o menino Deolindo. 7. (FATEC) Leia o texto. Capítulo CC Poucos dias depois, [Rubião] morreu... Não morreu súbdito nem vencido. Antes de principiar a agonia, que foi curta, pôs a coroa na cabeça, — uma coroa que não era, ao menos, um chapéu velho ou uma bacia, onde os espectadores palpassem a ilusão. Não, senhor; ele pegou em nada, levantou nada e cingiu nada; só ele via a insígnia imperial, pesada de ouro, rútila de brilhantes e outras pedras preciosas. O esforço que fizera para erguer meio corpo não durou muito; o corpo caiu outra vez; o rosto conservou porventura uma expressão gloriosa. — Guardem a minha coroa, murmurou. Ao vencedor... A cara ficou séria porque a morte é séria; dous minutos de ago- nia, um trejeito horrível, e estava assinada a abdicação. Capitulo CCI Queria dizer aqui o fim do Quincas Borba, que adoeceu também, ganiu infinitamente, fugiu desvairado em busca do dono, e ama- nheceu morto na rua, três dias depois. Mas, vendo a morte do cão narrada em capítulo especial, é provável que me perguntes se ele, se o seu defunto homônimo é que dá titulo ao livro, e por que antes um que outro, – questão prenhe de questões, que nos levariam longe... Eia! chora os dous recentes mortos, se tens lá- grimas. Se só tens riso, ri-te! É a mesma cousa. O Cruzeiro que a linda Sofia não quis fitar, como lhe pedia Rubião, está assaz alto para não discernir os risos e as lágrimas dos homens. (MACHADO DE ASSIS. QUINCAS BORBA.) 21 Depreende-se do texto que: a) ao narrar a agonia de Rubião, o narrador deixa implícito que aquele merecia as honrarias de um rei. b) a ambiguidade no título do romance, Quincas Bor- ba, justifica-se pelo fato de o autor não conseguir de- finir-se por homenagear o filósofo ou seu cão. c) a afirmação que encerra o capítulo CC revela um traço machadiano característico: a ironia. d) a declaração de que Sofia não quis fitar o Cruzeiro revela a indiferença como matriz do estilo do autor. e) a linguagem empregada para descrever a morte de Quincas Borba revela tendência do narrador a dar mais importância ao cão do que a Rubião. Gabarito 1. D 2. B 3. E 4. D 5. A (CÓD.1.1) 6. D 7. E 22 1. Carlos Drummond de Andrade 1.1. A vida do poeta e cronista Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, em 31 de outubro de 1902. De uma família de fazendeiros, estu- dou em Belo Horizonte, onde também começou a carreira de escritor como colaborador do Diário de Minas, que reu- nia conhecidos jornalistas e escritores mineiros expoentes do movimento modernista. Pressionado pela família, Drummond formou-se em far- mácia na cidade de Ouro Preto, em 1925. Não seguiu a carreira. Ingressou no serviço público e, em 1934, mudou- -se para o Rio de Janeiro, onde foi chefe de gabinete do amigo Gustavo Capanema, então ministro da Educação. Em 1945, passou a trabalhar no Serviço do Patrimônio His- tórico e Artístico Nacional até se aposentar em 1962. “Se eu gosto de poesia? Gosto de gente, bichos, plantas, lugares, chocolate, vinho, papos amenos, amizade, amor. Acho que a poesia está contida nisso tudo” (CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE EM 'PROCURA DA POESIA') Ao longo de sua carreira como escritor, lançou dezenas de livros de prosa, verso, contos e ensaios. Teve seu título traduzido para diversas línguas e levou a poesia mineira para muito além das fronteiras brasileiras. Drummond foi seguramente, por muitas décadas, o poeta mais influen- te da literatura brasileira em seu tempo. Além disso, foi tradutor de autores estrangeiros: Balzac, Marcel Proust, García Lorca e Molière. Carlos Drummond de Andrade morreu no Rio de Janeiro RJ, no dia 17 de agosto de 1987, 12 dias após a morte de sua filha única, a cronista Maria Julieta Drummond de Andrade DISPONÍVEL EM: <HTTP://STATIC.AGENCIAMINAS.MG.GOV.BR/NOTICIA/ HOMENAGENS-A-CARLOS-DRUMMOND-DE-ANDRADE-MARCAM- O-DIA-NACIONAL-DA-POESIA>. ACESSO EM: JAN.2021 2. Alguma Poesia Meu primeiro livro, Alguma poesia (1930), traduz uma grande inexperiência do sofrimento e uma deleitação ingênua com o próprio indivíduo. Já em Brejo das al- mas (1934) alguma coisa se compôs, se organizou; o individualismo será mais exacerbado, mas há também uma consciência crescente de sua precariedade e uma desaprovação tácita da conduta (ou falta de conduta) espiritual do autor. DRUMMOND DE ANDRADE, CARLOS. "AUTOBIOGRAFIA PARA UMA REVISTA". CONFISSÕES DE MINAS. POESIA E PROSA. RIO DE JANEIRO: NOVA AGUILAR, 1992. Alguma Poesia é o livro de estreia do poeta de Itabira. Uma obra ímpar para compreensão da Literatura no Brasil hoje e sempre, o livro é, também, uma chave importante no auxílio à percepção crítica do que foi o movimento mo- dernista. Dedicado a Mário de Andrade, amigo do autor e outro grande escritor brasileiro, a obra capta e trabalha sobre os influxos da semana de 22, reunindo a "grande inexperiência", como diz o próprio Drummond, e uma sin- cera vontade de escrita. Definindo o primeiro momento do modernismo como uma busca não apenas pelo rompimento e pela iden- tidade nacional, mas também como um marco para a apropriação de uma linguagem que fosse real, o livro de Drummond, datado de 1930, figura bem na transi- ção desse referido período para um segundo momento, a fase em que a linguagem está em posse dos escritores, o momento de consolidar os ideais. Alguma poesia, portan- to, traz em seus 49 um olhar irreverente para a tradição literária, na mesma medida em que propõe com enorme autenticidade atenção para importantes questões sobre o indivíduo, o Brasil e a própria poesia. ALGUMA POESIA: CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE OBRA 3 23 Aspectos gerais Otto Maria Carpeaux define o conjunto como: “no- tações sensíveis, descontínuas, características do impressionismo sentimental.”; Sensação de incompletude; Significações para as impotências existenciais e poéticas: “Tinha uma pedra no meio do caminho” O sujeito moderno e a autoidentificação; Possibilidades do humor e da confidência prosaica; Legado, desarranjado, do Modernismo de 22 . 2.1. A Modernidade A obra de Drummond é carregada por tensões dialéticas que vez ou outra privilegiam uma face em detrimento da outra – o destaque na expressão do privilégio aqui diz res- peito ao fato de tal tensão jamais encontrar solução. Nessa direção, o poeta que vem de Itabira, o mineiro no Rio, ex- plora a modernidade como o indivíduo que se apresenta enquanto faces de uma "vida besta" e de um "mundo torto". Há impotência em modificar o último. No entanto, ainda assim, há no fazer poético certo aclaramento sobre as questões que turvam este mesmo mundo. Figura que sintetiza a leitura da modernidade nessa obra aparentemente descontínua é o gauche, indicado no fa- moso Poema de sete faces. A figura desse passante (pelas ruas, pela vida) remete também aos movimentos moder- nos de Baudelaire. Enquanto seja a modernidade a busca por um abandono do arcaico e do provinciano, há a tenta- tiva de encontro e conciliação com modos de estar nesse novo mundo. O gauche de Drummond, contudo, atualiza o pessimismo do poeta francês, trazendo irreverência ao soturno e humor como forma de identificação ao sujeito moderno no Brasil. Poema de Sete Faces Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. As casas espiam os homens que correm atrás de mulheres. A tarde talvez fosse azul, não houvesse tantos desejos. O bonde passa cheio de pernas: pernas brancas pretas amarelas.Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. Porém meus olhos não perguntam nada. O homem atrás do bigode é sério, simples e forte. Quase não conversa. Tem poucos, raros amigos o homem atrás dos óculos e do -bigode, Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era Deus se sabias que eu era fraco. Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração. Eu não devia te dizer mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo. O gauche drummondiano foi bastante estudado por Alci- des Villaça, professor doutor na Universidade de São Paulo, e, em seu livro, Passos de Drummond (2006), desenvolve: Por ocasião do "Poema de Sete Faces", o estreante Drum- mond está ainda num primeiro passo da perplexidade: o gauche se mostra sobretudo na insuficiência psicológica para a ação dentro de um mundo de movimentos rápidos e de excessivos convites. A primeira tarefa, para o poeta, é ter consciência disso, é iluminar a timidez na praça antes que seja acusada pelo outro – sempre um virtual demolidor. Assim, o poeta assume uma posição de tocaia, como quem adapta o voyeurismo de Baudelaire. Essa tocaia, no entan- to, não deixa de expor percepções e de retorcer sentidos do fazer poético, da autoidentificação e do projeto nacional do modernismo de 22. Resumo do tópico Entre “a expressão humana e a angulação geométrica” Consciência moderna múltipla e dinâmica Apresentada em discurso poético O gauche e o desajuste Refinamento irônico da própria condição A condição de voyeur A existência e a movimentação pelos desejos Responsabilização humorística da investigação do sujeito 2.2. Poemas Cidadezinha qualquer Casas entre bananeiras mulheres entre laranjeiras pomar amor cantar. 24 Um homem vai devagar. Um cachorro vai devagar. Um burro vai devagar. Devagar... as janelas olham. Eta vida besta, meu Deus. Anedota búlgara Era uma vez um czar naturalista que caçava homens. Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e an- dorinhas, ficou muito espantado e achou uma barbaridade Quadrilha João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história A rua diferente Na minha rua estão cortando árvores botando trilhos construindo casas. Minha rua acordou mudada. Os vizinhos não se conformam. Eles não sabem que a vida tem dessas exigências brutas. Só minha filha goza o espetáculo e se diverte com os andaimes, a luz da solda autógena e o cimento escorrendo nas formas. Sobrevivente Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade. Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia. O último trovador morreu em 1914. Tinha um nome de que ninguém se lembra mais. Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples. Se quer fumar um charuto aperte um botão. Paletós abotoam-se por eletricidade. Amor se faz pelo sem-fio. Não precisa estômago para digestão. Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta muito para atingirmos um nível razoável de cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto. Os homens não melhoram e matam-se como percevejos. Os percevejos heróicos renascem. Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado. E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio. Desconfio que escrevi um poema FONTE: YOUTUBE O SOBREVIVENTE - ZÉ MIGUEL WISNIK declama CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE F Y multimídia: vídeo Aplicando para aprender (A.P.A.) Leia o poema "Sentimental". Sentimental Ponho-me a escrever teu nome com letras de macarrão. No prato, a sopa esfria, cheia de escamas e debruçados na mesa todos contemplam esse romântico trabalho. Desgraçadamente falta uma letra, uma letra somente para acabar teu nome! - Está sonhando? Olhe que a sopa esfria! Eu estava sonhando... E há em todas as consciências um cartaz amarelo: "Neste país é proibido sonhar." – ALGUMA POESIA 1. Da leitura do poema, é coerente afirmar que: a) Drummond recupera o sonho adolescente do me- nino que se distrai, brincando de estar apaixonado, durante a ceia. b) Drummond evoca um amor que se manifesta di- retamente na figura do sonho, trabalhando o incons- ciente, o onírico. c) O discurso direto configura um rompimento poé- tico elaborado por Drummond, sendo uma inovação característica do modernismo. d) A ideia do eu lírico extremamente apaixonado contrasta com o restante da obra, na qual o eu lírico aparece sempre maduro e realista. e) Drummond explora uma temática que só é possível dentro do modernismo, o amor nos gestos cotidianos da figura do adolescente. Leia um trecho de “Lanterna mágica”, poema de Carlos 25 Drummond de Andrade, que tem como foco a cidade de Itabira, onde o poeta nasceu. Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê. Na cidade toda de ferro as ferraduras batem como sinos. Os meninos seguem para a escola. Os homens olham para o chão. Os ingleses compram a mina. Só, na porta da venda, Tutu Caramujo cisma na derrota in- comparável. 2. A partir da análise do trecho, assinale a alternativa correta: a) No poema, por meio do primeiro verso do trecho, há uma reivindicação da divisão igualitária dos bens naturais da cidade de Itabira. b) Ao caracterizar Itabira como “cidade toda de fer- ro”, o eu lírico apresenta um cenário em que não há possibilidade nenhuma para a experiência de senti- mentos e emoções. c) Ao encerrar o trecho do poema dizendo que “Tutu Caramujo cisma na derrota incomparável”, o eu lírico quer demonstrar uma perspectiva positiva do proces- so histórico de transformou Itabira no século XX. d) Com os versos “Os meninos seguem para a escola/ Os homens olham para o chão”, o eu lírico apreende a banalidade dos dias e está interessado em demons- trar os ciclos da vida humana. e) No verso “Os ingleses compram a mina”, o eu lírico faz um flagrante do processo histórico de exploração dos bens naturais de Itabira. 3. Assinale a alternativa que melhor apresenta a relação existente entre o primeiro livro de poesias de Drummond, Alguma poesia, com a primeira geração modernista: a) Nos poemas, há uma avaliação positiva do desen- volvimento urbano. b) O poeta, na maior parte dos poemas, assim como Mário de Andrade, busca dar conta das diferentes cul- turas que estruturam a identidade brasileira. c) Os poemas observam, a partir de um prisma sub- jetivo, as experiências cotidianas modernas, apresen- tando, a partir delas, significações mais profundas sobre a existência humana e apontamentos políticos. d) A poesia é apresentada como a possibilidade de alcançar um estado sublime. e) Assim como Oswald de Andrade, Drummond, na maioria das vezes, opta por poemas bastante curtos, já que considera esta a forma adequada à modernidade. Leia o poema “Cota zero” de Carlos Drummond de Andrade Stop. A vida parou. Ou foi o automóvel? 4. Assinale a alternativa correta: a) O poema, ao optar pela síntese extrema, apresenta uma visão positiva do desenvolvimento tecnológico na modernidade. b) A linguagem adotada no poema recupera a tra- dição da poesia clássica e, por esse motivo, adota o estrangeirismo “Stop”. c) Para o eu lírico, a invenção do automóvel é uma possi- bilidade da humanidade dominar completamente o uso do tempo e, portanto, ser mais produtivo e mais feliz. d) Já que o poema fala sobre o automóvel, é possível analisarmos as referências do futurismo no texto de Drummond. e) A partir da concisão, o poema discute como a vida moderna parece se paralisar frente às invenções tec- nológicas. Leia o poema “Cidadezinha qualquer”, de Carlos Drum- mond de Andrade. Casas entre bananeiras Mulheres entre laranjeiras Pomar amor cantar. Um homem vai devagar. Um cachorro vai devagar. Um burro vai devagar. Devagar… as janelasolham. Eta vida besta, meu Deus. 5. Da leitura do poema, pode-se afirmar que: a) O poema expõe um olhar de ternura frente à condi- ção de desajuste do ser humano no mundo moderno. b) O poema focaliza as experiências de desventuras amorosas do eu lírico. c) A partir de uma linguagem bastante simples, o eu lírico expõe um sentimento nostálgico da sua infân- cia, que é apresentada enquanto um momento feliz da sua trajetória. d) O poema capta a monotonia e o tédio que parece estruturar as vidas dos habitantes das pequenas cidades. e) Há, no poema, um posicionamento político do eu lírico que encara de forma negativa as mudanças na sua cidade de infância. 6. A partir da leitura integral da obra Alguma poesia, é possível dizer que: a) O desajuste no mundo que é característica do eu lírico do livro é também uma posição política. b) O livro analisa, de diferentes perspectivas, a rela- ção entre o sujeito e o mundo. c) Não há no livro uma preocupação com a forma dos poemas, já que está inserido no contexto da primeira geração modernista. d) Os poemas metalinguísticos reforçam a perspectiva de que o poeta não busca diálogo com o grande público. e) O uso do tom irônico e humorístico é uma estra- tégia comercial para que a poesia tivesse uma maior circulação no Brasil. 7. Sobre as características principais de Alguma poesia, livro de estreia de Carlos Drummond de Andrade, pode- -se dizer que a) O livro apresenta uma ampla crítica a todas as ins- tituições sociais. 26 b) Os poemas de Alguma poesia recuperam os mode- los clássicos da literatura brasileira. c) Alguma poesia é o livro em que a literatura en- gajada de Drummond se apresenta de forma mais acentuada. d) O eu lírico dos poemas do livro, apesar de enfrentar situações adversas, confere um sentido à sua própria existência. e) Grande parte dos poemas do livro trabalham com a inadequação do sujeito. Leia um trecho do “Poema de sete faces” Meu Deus, por que me abandonaste Se sabias que eu não era Deus Se sabias que eu era fraco Mundo mundo vasto mundo Se eu me chamasse Raimundo Seria uma rima, não seria uma solução Mundo mundo vasto mundo Mais vasto é meu coração 8. Da leitura do poema, é correto concluir que: a) As duas estrofes trabalham com uma perspectiva de mundo desencantada, já que o autor apresenta o seu desamparo. b) No poema, o eu lírico recusa completamente a perspectiva religiosa e, por isso, reclama de seu aban- dono no mundo. c) Na segunda estrofe do trecho, há uma perspectiva positiva do mundo pela afirmação a subjetividade do eu lírico: “Mais vasto é meu coração” d) Drummond utiliza das rimas como uma forma de demonstrar que a poesia, para alcançar uma perspec- tiva sublime do mundo, tem que se preocupar com a questão sonora do texto. e) A autodeclaração do eu lírico, “se sabias que eu era fraco”, demonstra que o autor segue as propostas veiculadas pelo Ultrarromantismo. 9. Já no primeiro poema de Alguma poesia, o eu lírico é caracterizado como gauche. Sobre esse aspecto na obra de Drummond, assinale a alternativa INCORRETA a) Mesmo em meio ao contexto familiar, o eu lírico dos poemas de Alguma poesia se sente desajustado e, portanto, destoante. b) O fato de o eu lírico ser um gauche relaciona-o a toda uma tradição poética de desajustes frente à sociedade, como no caso dos poetas considerados “malditos”. c) Há uma desconfiança do eu lírico em relação aos comportamentos cotidianos e, por isso, em muitos poemas focaliza fatos aparentemente banais da vida. d) Mesmo sentimento amoroso é tratado por Drum- mond como algo desajustado, já que o eu lírico dos poemas não concebe, no amor, um sentido para a vida. e) O eu lírico explora a sua situação de desajustado e, a partir disso, posiciona-se junto aos explorados e marginalizados, explorando, nos poemas, as situa- ções de pobreza e de opressão. Leia o poema “Política literária”. O poeta municipal discute com o poeta estadual qual deles é capaz de bater o poeta federal. Enquanto isso o poeta federal tira ouro do nariz 10. Levando em consideração a leitura do poema, faz-se correta a afirmação presente na alternativa: a) O poema, ao tematizar o confronto entre os poe- tas estadual e municipal, está tratando, unicamente, sobre as divergências políticas que estruturam os di- ferentes governos. b) O poema defende que toda produção artística deve, necessariamente, tematizar os conflitos polí- ticos e sociais. c) A tentativa de “bater o poeta federal” representa o desejo de aprimorar os conhecimentos literários por parte dos poetas municipal e estadual. d) O ouro que é tirado pelo poeta federal de seu pró- prio nariz representa as qualidades da poesia brasileira. e) O poema demonstra que, assim como a política, a literatura também é influenciada por divergência de ideias e antagonismos. 11. O poema que tornou famoso Carlos Drummond de An- drade foi “No meio do caminho” de 1928. Leia-o a seguir. No meio do caminho tinha uma pedra Tinha uma pedra no meio do caminho Tinha uma pedra No meio do caminho tinha uma pedra Nunca me esquecerei desse acontecimento Na vida de minhas retinas tão fatigadas Nunca me esquecerei que no meio do caminho Tinha uma pedra Tinha uma pedra no meio do caminho No meio do caminho tinha uma pedra Sobre o poema, é possível afirmar que: a) O poema, ao repetir as mesmas sentenças, de- monstra que a poesia, no mundo moderno, não tem espaço para a inventividade. b) É possível perceber no poema uma ausência completa da figura do eu lírico, o que pode representar o mundo em que os objetos são mais importantes que as pessoas. c) O impasse “encenado” no poema permite uma refle- xão sobre a própria subjetividade do poeta e também das condições socioculturais em que estava inserido. d) A questão do impasse, simbolizada pela pedra no meio do caminho, é uma forma de representar a crise criativa do autor. e) A imagem das “retinas tão fatigadas” é uma forma do autor tematizar a sua própria maturidade. Gabarito 1. A 2. E 3. C 4. E 5. D 6. B 7. E 8. A 9. E 10. E 11. C 27 1. Fernando Pessoa Desejo ser um criador de mitos, que é o mistério mais alto que pode obrar alguém da humanidade. – PÁGINAS ÍNTIMAS E DE AUTO-INTERPRETAÇÃO. FERNANDO PESSOA. (TEXTOS ESTABELECIDOS E PREFACIADOS POR GEORG RUDOLF LIND E JACINTO DO PRADO COELHO.) LISBOA: ÁTICA, 1966. - 100. Fernando Pessoa foi um escritor português de importân- cia ímpar na história da literatura em língua portuguesa. Pessoa nasceu a 13 de Junho, em uma casa do Largo de São Carlos, em Lisboa. Aos cinco anos morreu-lhe o pai, vi- timado pela tuberculose, e, no ano seguinte, o irmão, Jorge. Devido ao segundo casamento da mãe, em 1896, com o cônsul português em Durban, na África do Sul, viveu nesse país entre 1895 e 1905, aí seguindo, no Liceu de Durban, os estudos secundários. Frequentou, durante um ano, uma escola comercial e a Durban High School e concluiu, ainda, o Intermediate Examination in Arts, na Universidade do Cabo (onde obteve o Queen Victoria Memorial Prize, pelo melhor ensaio de estilo inglês), finalizando os seus estudos na África do Sul. No tempo em que viveu no continente africano, passou um ano de férias (entre 1901 e 1902), em Portugal, tendo residido em Lisboa e viajado para Tavira, na intenção de contatar a família paterna, e para a Ilha Ter- ceira, onde vivia a família materna. Já nesse tempo redigiu, sozinho, vários jornais, assinados com diferentes nomes. De regresso definitivo a Lisboa, em 1905, frequentou, por um período breve (1906-1907), o Curso Superior de Letras. Após uma tentativa falhada de montar uma tipografia e editora, Empresa Íbis — Tipográfica e Editora, dedicou-se, a partir de 1908, e a tempo parcial, à tradução de corres- pondência estrangeira de várias casas comerciais, sendo o restante tempo dedicado à escrita e ao estudo de filosofia (grega e alemã), ciências humanas e políticas, teosofia e literatura moderna, temas que acrescentavam à sua for- mação cultural anglo-saxónica, determinantena sua per- sonalidade. Em 1920, ano em que a mãe, viúva, regressou a Portugal com os irmãos e em que Fernando Pessoa foi viver de novo com a família, iniciou uma relação sentimen- tal com Ophélia Queiroz (interrompida nesse mesmo ano e retomada, para rápido e definitivo término, em 1929). A relação de Fernando e Ophélia é testemunhada pelas Car- tas de Amor de Pessoa, organizadas e anotadas por David Mourão-Ferreira, e editadas em 1978. Em 1925, ocorreria a morte da mãe. Fernando Pessoa viria a morrer uma década depois, a 30 de Novembro de 1935 no Hospital de S. Luís dos Franceses, onde foi internado com uma cólica hepática, causada provavelmente pelo consumo excessivo de álcool. ADAPTADO DE: <HTTPS://ESCRITAS.ORG/PT/BIO/ FERNANDO-PESSOA>. ACESSO EM: JAN 2021. 2. Mensagem Mensagem foi um dos poucos livros publicados por Fer- nando Pessoa em vida e o único em língua portuguesa. Nele. o autor, estudioso declarado do ocultismo, faz com que os elementos mais sobressalentes sejam os símbolos. A partir desse "monte e desmonte" dos símbolos, o que veremos é uma poesia que transcende a própria matéria. O significado do termo torna-se incapaz de expressar a essência daquilo que comunica, os símbolos, por sua vez, apresentam um tom mais abrangente. Pensemos que para definir o perigo, seriam necessárias uma série de palavras que, por sua vez, aparecem dentro e de forma genérica de um simples sinal de alerta. Um sím- OBRA 4 MENSAGEM: FERNANDO PESSOA 28 bolo é, portanto, uma forma de tratar de algo que não é totalmente conhecido ou que as palavras não dão conta de definir da melhor maneira possível. Para Fernando, as palavras foram transformadas em símbolos. Noções sobre o gênero épico Ilíada e Odisséia: apresentação e representação de valores culturais e crença religiosa Epopeias naturais/espontâneas - realidade mítica Ulisses enquanto sábio grego Os lusíadas, de Luís Vaz de Camões Poema épico de enaltecimento de Portugal - re- alidade histórica Figura histórica: Vasco da Gama Mensagem enquanto modelo épico moderno O vazio do mito do Quinto Império - dimensão transcendente Falência do discurso épico: sujeito fragmentário 2.1. Quinto império O Quinto Império aparece como uma referência bíblica re- cuperada na tradição literária e, também, por Pessoa, em Mensagem. 1541: Bandarra, o primeiro profeta, é julgado pela Inquisição 1578: Batalha de Alcácer-Quibir Sumiço de D. Sebastião 1688: Sermão de Acção de Graças pelo nasci- mento do príncipe D. João, Padre Antonio Vieira Condenado pela Inquisição 1896: fim da Guerra de Canudos 1934: Mensagem, Fernando Pessoa O próprio Pessoa, em seus escritos, comenta o mito do Quinto império: Ser português, no sentido decente da palavra, é ser euro- peu sem a má-criação de nacionalidade. Arte portuguesa será aquela em que a Europa - entendendo por Europa principalmente a Grécia antiga e o universo inteiro - se mire e se reconheça sem se lembrar do espelho. Só duas nações - a Grécia passada e Portugal futuro - receberam dos deuses a concessão de serem não só elas mas tam- bém todas as outras. Chamo a sua atenção para o facto, mais importante que geográfico, de que Lisboa e Atenas estão quase na mesma latitude. [...] O Quinto Império. O futuro de Portugal —que não cal- culo mas sei —está escrito já, para quem saiba lê-lo, nas trovas do Bandarra, e também nas quadras de Nostra- damo. Esse futuro é sermos tudo. Quem, que seja portu- guês, pode viver a estreiteza de uma só personalidade, de uma só nação, de uma só fé? Conquistámos já o Mar: resta que conquistemos o Céu, ficando a terra para os Outros, os eternamente Outros, os Outros de nascen- ça, os europeus que não são europeus porque não são portugueses. Ser tudo, de todas as maneiras, porque a verdade não pode estar em faltar ainda alguma coisa! Criemos assim o Paganismo Superior, o Politeismo Su- premo! Na eterna mentira de todos os deuses, só os deuses todos são verdade. ULTIMATUM E PÁGINAS DE SOCIOLOGIA POLÍTICA . FERNANDO PESSOA. (RECOLHA DE TEXTOS DE MARIA ISABEL ROCHETA E MARIA PAULA MORÃO. INTRODUÇÃO E ORGANIZAÇÃO DE JOEL SERRÃO.) LISBOA: ÁTICA, 1980. 2.2. Estrutura Geral de Mensagem Título: inicialmente “Portugal” Mens Agitat Molem: a mente move a matéria Epígrafe: “Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis signum” Bendito sejas Deus nosso Senhor, que nos deu sinal Estrutura tripartida “Brasão”, “Mar português” e “O encoberto” Ciclo da vida/nação 2.2.1. Brasão A primeira parte da obra tem no uso do brasão de Portugal uma forma de evocar a origem do país. Os elementos do símbolo são transformados em poemas, que se destinam a falar dos mitos fundadores do país. Desde o primeiro poema, O dos Castelos, fica evidente a relação entre passado e futuro que Pessoa irá desenvolver. Nele, a Europa é simbolizada como o corpo de uma mulher, a partir do qual uma profecia sobre o futuro da civilização se faz presente. Tomando os castelos como pedras fundamentais da nação, Pessoa estabelece relação entre eles e os personagens histó- ricos pertinentes à formação de Portugal. Respectivamente, temos Ulisses, Viriato (um herói celta que lutou contra os ro- manos), conde dom Henrique, Dona Tareja, rei Dom Afonso Henriques (primeiro rei de Portugal) e Dom Diniz (fundador da Universidade de Lisboa) habitando do primeiro ao sexto castelo. O sétimo é habitado por Dom João I (Mestre de Avis) e Dona Filipa de Lencastre (princesa do Santo Gral). Em seguida, as cinco Quinas do Brasão aparecem como con- solidadoras da glória do império português. Elas são repre- 29 sentadas pelas figuras de Dom Duarte décimo primeiro rei de Portugal), Dom Fernando, Dom Pedro (um dos oito filhos de Dom João I e Dona Filipa de Lencastre), Dom João e Dom Sebastião (o desaparecido da batalha de Alcácer-Qibir). Sobre o Brasão, há, ainda, dois importantes símbolos: a co- roa e o grifo. Para simbolizar a coroa, Pessoa evoca Nunál- vares Pereira, apoiador de Dom João, Mestre de Avis e um dos maiores generais portugueses, uma vez que derrotou o exército de Castela, cinco vezes maior do que o seu. Nu- nálvares se torna o Santo Condestável, isto é, uma figura canonizada. É na mão do santo que Pessoa irá colocar a espada mítica Excalibur. O grifo, por sua vez, híbrido de águia, leão e outros ani- mais, é o timbre do Brasão. É uma forma de conotar poder sobre o ar, a terra e a água. Pessoa o divide em três per- sonagens: a cabeça é atribuida ao Infante Dom Henrique (fundador e mantenedor da escola de Sagres); uma das asas é atribuída a Dom João II (responsável por descobrir o caminho para as Índias); e a outra é atribuída a Afonso de Albuquerque (assegurou a ocupação militar das terras além-mar orientais). BRASÃO REAL DE PORTUGAL NO SÉC XV. 2.2.1.1. Estrutura Interna 1ª parte – “Brasão”(19 poemas) I – Os Campos 1º “O dos Castellos” 2º “O das Quinas” II – Os Castellos 1º “Ulysses” 2º “Viriato” 3º “Conde D. Henrique” 4º “D. Tareja” 5º “D. Afonso Henriques” 6º “D. Diniz” 7º I “D. João, o Primeiro” 8º II “D. Filipa de Lencastre” III – As Quinas 1º “D. Duarte, Rei de Portugal” 2º “D. Fernando, Infante de Portugal” 3º “D. Pedro, Regente de Portugal” 4º “D. João, Infante de Portugal” 5º “D. Sebastião, rei de Portugual” IV – A coroa 1º “Nuno Álvares Pereira” V – O timbre 1º “A Cabeça do Grypho/ O Infante de D. Henrique” 2º “Uma asa do Grypho/ D. João, o Segundo” 3º “A outra asa do Grypho/ Afonso de Albu- querque” 2.2.1.2. Características Epígrafe: Bellum sine bello - Guerra sem guerrear A preparação para a difusão cultural das Grandes Navegações Recriação histórica da fundação do país Apresentação de figuras históricas importantes na fundação do país Apresenta figuras históricas anteriores ao empreendi- mento marítimo 2.2.1.3. Organização Os campos: apresentação do destino histórico e da espiritualidade portuguesa Os castelos: criação e espacialização de Portugal (1º rei) As quinas:ínclita geração, vitória sobre os mouros, D. Sebastião A coroa: O santo condestável e Excalibur O timbre (grifo): os domínios da terra, ar e água – encaminhamento para as Grandes Navegações. 2.2.1.4. Poemas O dos castelos A Europa jaz, posta nos cotovelos: 30 De Oriente a Ocidente jaz, fitando, E toldam-lhe românticos cabelos Olhos gregos, lembrando. O cotovelo esquerdo é recuado; O direito é em ângulo disposto. Aquele diz Itália onde é pousado; Este diz Inglaterra onde, afastado, A mão sustenta, em que se apoia o rosto. Fita, com olhar sphyngico e fatal, O Ocidente, futuro do passado. O rosto com que fita é Portugal. O das quinas Os Deuses vendem quando dão. Compra-se a glória com desgraça. Ai dos felizes, porque são Só o que passa! Baste a quem baste o que Ihe basta O bastante de Ihe bastar! A vida é breve, a alma é vasta: Ter é tardar. Foi com desgraça e com vileza Que Deus ao Cristo definiu: Assim o opôs à Natureza E Filho o ungiu. Ulisses O mito é o nada que é tudo. O mesmo sol que abre os céus É um mito brilhante e mudo — O corpo morto de Deus, Vivo e desnudo. Este, que aqui aportou, Foi por não ser existindo. Sem existir nos bastou. Por não ter vindo foi vindo E nos criou. Assim a lenda se escorre A entrar na realidade, E a fecundá-la decorre. Em baixo, a vida, metade De nada, morre. D. Sebastião, Rei de Portugal Louco, sim, louco, porque quis grandeza Qual a Sorte a não dá. Não coube em mim minha certeza; Por isso onde o areal está Ficou meu ser que houve, não o que há. Minha loucura, outros que me a tomem Com o que nela ia. Sem a loucura que é o homem Mais que a besta sadia, Cadáver adiado que procria? 2.2.2. O mar português A segunda parte do livro traz à tona as conquistas maríti- mas de Portugal. Simultaneamente, há uma busca espiritual que demonstram a ambição pelo conhecimento de si. Nessa parte da obra, Pessoa liga o destino de Portugal à vontade divina, como se fosse missão de Portugal ser o protagonista da Era das Descobertas e o transformador do mundo. Como na primeira parte, vemos a mitificação de persona- gens importantes do momento descrito, como Fernão de Magalhães e Vasco da Gama; D. Sebastião reaparece no penúltimo poema. ARMADA PORTUGUESA, LIVRO DE LISUARTE DE ABREU, 1565. 2.2.2.1. Estrutura Interna Segunda parte: Mar português – 12 poemas I. O Infante II. Horizonte III. Padrão IV. O Mostrengo IX. Ascensão De Vasco Da Gama V. Epitáfio De Bartolomeu Dias VI. Os Colombos VII. Ocidente VIII. Fernão De Magalhães 31 X. Mar Português XI. A Última Nau XII. Prece 2.2.2.2. Características Epígrafe: Possessio maris - A posse do mar Traça o período histórico das Grandes Navegações A participação pioneira de Portugal no século XV e XVI O “espírito” que busca a Verdade Apresenta os aspectos subjetivos das navegações Coragem, braveza, triunfo, etc. 2.2.2.3. Poemas O infante Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse. Sagrou-te, e foste desvendando a espuma. E a orla branca foi de ilha em continente, Clareou, correndo, até ao fim do mundo, E viu-se a terra inteira, de repente, Surgir, redonda, do azul profundo. Quem te sagrou criou-te português. Do mar e nós em ti nos deu sinal. Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal! Ascensão de Vasco da Gama Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra Suspendem de repente o ódio da sua guerra E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os véus, Primeiro um movimento e depois um assombro. Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro, E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões. Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovões, O céu abrir o abismo à alma do Argonauta. Mar Português Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu. A última nau Levando a bordo El-Rei D. Sebastião, E erguendo, como um nome, alto o pendão Do Império, Foi-se a última nau, ao sol aziago Erma, e entre choros de ânsia e de pressago Mistério. Não voltou mais. A que ilha indescoberta Aportou? Voltará da sorte incerta Que teve? Deus guarda o corpo e a forma do futuro, Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro E breve. Ah, quanto mais ao povo a alma falta, Mais a minha alma atlântica se exalta E entorna, E em mim, num mar que não tem tempo ou espaço. Vejo entre a cerração teu vulto baço Que torna. Não sei a hora, mas sei que há a hora, Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora Mistério. Surges ao sol em mim, e a névoa finda: A mesma, e trazes o pendão ainda Do Império. 2.2.3. O encoberto A última parte do livro é dedicada ao oculto e ao místico, aquilo que não conhecemos. Contudo, o "encoberto" é também um título dado ao desaparecido D. Sebastião e, como vemos, a terça parte do livro apresenta, também, um caráter sebastianista. Essa parte é também tripartida em: Os símbolos, Os avisos e Os tempos. Em Os símbolos, Pessoa trabalha com a temática sabas- tianista, a conquista marítima e o mito do Quinto Império – que deveria se fazer maior do que todos os anteriores (Assírios, persa, Grego e Romano). Pessoa renova o mito. Já na segunda parte de O encoberto, três poemas de- senvolvem o mito sebastianista na literatura. Primeiro, a profecia de Bandarra, depois, a elevação ao patamar de Mito por Antonio VIeira e, por fim, um terceiro poeta não identificado, mas que pode ser lido como próprio Pessoa, que o continua. Na finalização do texto, em Os tempos, temos cinco po- emas, sendo que três deles são situações climáticas pre- judiciais às navegações. A última delas fecha a obra e se chama O nevoeiro, nele, Pessoa brada que é chegada a hora de dissipar a névoa que tanto já encobriu. 32 Terceira parte: O Encoberto – 13 poemas I - Os Símbolos Primeiro: D. Sebastião Segundo: O Quinto Império Terceiro: O Desejado Quarto: As Ilhas Afortunadas Quinto: O Encoberto II - Os Avisos Primeiro: O Bandarra Segundo: António Vieira Terceiro: Escrevo Meu Livro À Beira-mágoa. III - Os Tempos Primeiro: Noite Segundo: Tormenta Terceiro: Calma Quarto: Antemanhã Quinto: Nevoeiro Poemas O quinto império Triste de quem vive em casa, Contente com o seu lar, Sem que um sonho, no erguer de asa, Faça até mais rubra a brasa Da lareira a abandonar! Triste de quem é feliz! Vive porque a vida dura. Nada na alma lhe diz Mais que a lição da raiz — Ter por vida a sepultura. Eras sobre eras se somem No tempo que em eras vem. Ser descontente é ser homem. Que as forças cegas se domem Pela visão que a alma tem! E assim, passados os quatro Tempos do ser que sonhou, A terra será teatro Do dia claro, que no atro Da erma noite começou. Grécia, Roma, Cristandade, Europa — os quatro se vão Para onde vai toda idade. Quem vem viver a verdade Que morreu D. Sebastião? O encoberto Que símbolo fecundo Vem na aurora ansiosa? Na Cruz Morta do Mundo A Vida, que é a Rosa. Que símbolo divino Traz o dia já visto? Na Cruz, que é o Destino, A Rosa, que é o Cristo. Que símbolo final Mostra o sol já desperto? Na Cruz morta e fatal A Rosa do Encoberto. O Bandarra Sonhava, anónimo e disperso, O Império por Deus mesmo visto, Confuso como o Universo E plebeu como Jesus Cristo. Não foi nem santo nem herói, Mas Deus sagrou com Seu sinal Este, cujo coração foi Não português mas Portugal. Nevoeiro Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, Define com perfil e ser Este fulgor baço da terra Que é Portugal a entristecer — Brilho sem luz e sem arder Como o que o fogo-fátuo encerra. Ninguém sabe que coisa quer. Ninguém conhece que alma tem, Nem o que é mal nem o que é bem. (Que ânsia distante perto chora?)Tudo é incerto e derradeiro. Tudo é disperso, nada é inteiro. Ó Portugal, hoje és nevoeiro... É a hora! VALETE, FRATRES. 33 Aplicando para aprender (A.P.A.) 1. Leia o poema “Tormenta” pertencente à terceira par- te do livro Mensagem de Fernando Pessoa. TORMENTA Que jaz no abismo sob o mar que se ergue? Nós, Portugal, o poder ser. Que inquietação do fundo nos soergue? O desejar poder querer. Isto, e o mistério de que a noite é o fausto... Mas súbito, onde o vento ruge, O relâmpago, farol de Deus, um hausto Brilha, e o mar escuro estruge. Pode-se dizer que: a) O poema, pela grandiosa imagem do mar ao final, denota um sentido violento e necessário para o soer- guimento da pátria. b) É pela situação de “poder ser/poder querer” que Portugal pode se retirar do fundo do abismo em que se encontra. c) O mistério da própria vida se apresenta enquanto insolucionável e, portanto, as possibilidades de soer- guimento são todas anuladas. d) O título do poema apresenta uma condição de ques- tionamento social - dada pelo neocolonialismo - que estrutura a obra e reflete a organização social da época. e) O “farol de Deus”, ao promover uma relação do divino com o mundo concreto demonstra o comporta- mento cético do autor em relação às religiões. 2. A obra Mensagem, de Fernando Pessoa, ao apresen- tar diferentes aspectos históricos de Portugal, permite uma identificação da especificidade do espírito portu- guês. Nesse sentido, qual das alternativas melhor apre- sentam o indivíduo português delineado na obra poéti- ca de Fernando Pessoa? a) Há uma preocupação, exclusiva, com a postura de Portugal na modernidade do século XX. b) Há uma análise da história no seu aspecto político- -social, apresentando as contradiçõe sociais de Portugal. c) Reconstituição da história portuguesa desde a figu- ra lendária de Dom Sebastião. d) Denotação do impacto da religião católica na alma portuguesa como força exclusiva e determinante. e) Apresentação recorrente de elementos culturais portugueses, como o messianismo e o empreendi- mento marítimo 3. Leia o poema abaixo e responda ao que se pede. AS ILHAS AFORTUNADAS Que voz vem no som das ondas Que não é a voz do mar? É a voz de alguém que nos fala, Mas que, se escutamos, cala, Por ter havido escutar. E só se, meio dormindo, Sem saber de ouvir ouvimos, Que ela nos diz a esperança A que, como uma criança Dormente, a dormir sorrimos. São ilhas afortunadas, São terras sem ter lugar, Onde o Rei mora esperando. Mas, se vamos despertando, Cala a voz, e há só o mar. Mensagem, livro de poesias de Fernando Pessoa, tem a sua terceira e última parte nomeada de O encoberto. O poema “As ilhas afortunadas” pertence à primeira subdivisão, “Os símbolos”, desta terceira parte. Como é possível, portanto, interpretar a relação do poema com este momento da obra de Fernando Pessoa? a) Ao retomar as figurações das ilhas, o eu lírico retoma o passado glorioso dos empreendimentos marítimos. Por esta recuperação, é possível perceber que o passa- do de Portugal é glorioso, porém, o futuro não o será. b) A noção de espera no verso “Onde o Rei mora es- perando” demonstra a impossibilidade portuguesa de acreditar em um futuro melhor para a nação c) As diversas imagens que misturam a presença e a ausência, como a voz que “se escutamos, cala”, apre- sentam o aspecto messiânico do livro que crê na volta de D. Sebastião. d) O mar é a figura final do poema, uma vez que o eu lírico entende o empreendimento marítimo como um dos aspectos problemáticos da história portuguesa. e) O verso “Dormente, a dormir sorrimos” demonstra que a glória portuguesa está invariavelmente na fic- cionalização da sua própria história, partindo de uma reconstituição das suas principais figuras. 4. Leia um trecho do poema Screvo meu livro à beira- -mágoa e responda ao que se pede. Quando virás, ó Encoberto, Sonho das eras português, Tornar-me mais que o sopro incerto De um grande anseio que Deus fez? De que forma, neste poema, o empreendimento poéti- co se relaciona ao anseio sebastianista? a) O poema, ao prenunciar a volta de D. Sebastião, demonstra que a poesia é o elemento capaz de transformar os aspectos problemáticas da realidade portuguesa. b) O eu lírico, ao se questionar sobre o momento da volta de D. Sebastião, demonstra que o próprio proje- to do seu livro necessita desse retorno para assegurar a glória portuguesa e do empreendimento poético que o anunciava. c) A literatura, pelo seu aspecto imaginativo, não se relaciona com a realidade e, portanto, o sebastianis- mo é apenas um “Sonho das eras português”. 34 d) O aspecto religioso é colocado como o grande res- ponsável por toda a transformação do país e a poesia não estabelece nenhuma relação com a mudança pela presença de D. Sebastião. e) D. Sebastião pode ser compreendido como a pró- pria figura do poeta, ou seja, aqui Fernando Pessoa se considera o próprio salvador da glória portuguesa. 5. Leia o poema Prece, de Fernando Pessoa. Senhor, a noite veio e a alma é vil. Tanta foi a tormenta e a vontade! Restam-nos hoje, no silêncio hostil, O mar universal e a saudade. Mas a chama, que a vida em nós criou, Se ainda há vida ainda não é finda. O frio morto em cinzas a ocultou: A mão do vento pode ergué-ía ainda. Dá o sopro, a aragem - ou desgraça ou ânsia -, Com que a chama do esforço se remoça, E outra vez conquistaremos a Distância - Do mar ou outra, mas que seja nossa! (FERNANDO PESSOA. MENSAGEM, 1995.) Mensagem é o único livro, em língua portuguesa, publi- cado em vida por Fernando Pessoa. Pode-se dizer que o livro assume um caráter nacionalista pois: a) Portugal é apresentado, unicamente, como uma nação decadente, que não se relaciona ao seu passa- do de heroísmo e glórias. b) o passado heróico do povo português é esquecido na atualidade. c) busca reviver o sonho de uma da nação em ruínas, pelo qual Portugal almeja os feitos gloriosos dos pa- íses vizinhos. d) formula o desejo do povo português glorificar seus heróis, atitude, até então, inédita na literatura do país. e) promove uma recuperação histórica de aspectos heróicos e vislumbra um potencial de grandiosidade para a nação. 6. Leia os seguintes versos: O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. (FERNANDO PESSOA) Verifique a veracidade das sentenças a seguir em rela- ção ao autor dos versos acima: I. O poeta promove uma ruptura com as noções ideali- zadas da pátria em que nascera. II. Esse poeta criou uma obra que, além do fenômeno heteronímico, sintetiza uma crise de identidade de Por- tugal com sua própria história. III. O poeta foi um dos responsáveis pelo Modernismo em Portugal. A seguir, assinale a alternativa a) se apenas I estiver correta. b) se apenas II estiver correta. c) se apenas III estiver correta. d) se I, II e III estiverem corretas. e) se II e III estiverem corretas. 7. Leia o poema e responda ao que se pede. D. Duarte, Rei de Portugal Meu dever fez-me, como Deus ao mundo. A regra de ser Rei almou meu ser, Em dia e letra escrupuloso e fundo. Firme em minha tristeza, tal vivi. Cumpri contra o Destino o meu dever. Inutilmente? Não, porque o cumpri. Pensando na estrutura do livro Mensagem de Fernan- do Pessoa, não é possível dizer que a sua primeira par- te, Brasão: a) refere-se às principais figuras representativas da fundação do país. b) apresenta, pela história de Portugal, um país já há muito tempo representativo do futuro da civilização Ocidental. c) apresenta, pela primeira vez, a figura de Dom Se- bastião - figura histórica que se fará presente nas três partes do livro e que tem sua importância histórica reverberada por todas as composições. d) apresenta na subdivisão “O Timbre” figuras de grande importância para o desenvolvimento do em- preendimento marítimo do país. e) promove um retorno histórico à fundação do país que serve de comparação com o presente português também muito glorioso. 8. Leia o poema “Ocidente”pertencente à segunda par- te do livro Mensagem de Fernando Pessoa. OCIDENTE Com duas mãos — o Acto e o Destino — Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu Uma ergue o facho trémulo e divino E a outra afasta o véu. Fosse a hora que haver ou a que havia A mão que ao Ocidente o véu rasgou, Foi alma a Ciência e corpo a Ousadia Da mão que desvendou. Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal A mão que ergueu o facho que luziu, Foi Deus a alma e o corpo Portugal Da mão que o conduziu. Pode-se dizer que: a) O destino glorioso português vislumbrado pelo eu lírico é um fato a ser concretizado independente das próprias atitudes do povo. 35 b) A união entre a imagem divina e Portugal é a forma compreendida pelo eu lírico para o avanço e a consti- tuição do novo império do Ocidente. c) O “Acaso” e o “Temporal” são representações da força portuguesa no projeto conquistador. d) A “Ciência” e a “Ousadia” são apresentados enquan- to propostas negativas que invalidam o empreendimen- to conquistador e a glorificação da pátria portuguesa. e) A figuração religiosa no poema prescreve a inexis- tência de atitude desbravadora, ou seja, entende-se, no poema, que é necessário um respeito total às de- signações divinas. Gabarito 1. B 2. E 3. C 4. B 5. E 6. E 7. E 8. B 36 1. Graciliano Ramos Graciliano Ramos nasceu em 1892, na cidade de Quebran- gulo (AL). Morou com sua família em diversas cidades do in- terior de Alagoas e de Pernambuco. Quando menino, gostava de contar histórias para os frequentadores da venda do pai. Sua família era de classe média e Graciliano teve o privilé- gio de estudar. A vivência no sertão nordestino se tornaria uma inspiração para suas obras. Graciliano acabaria abor- dando em sua literatura temas e situações que pertenciam ao seu cotidiano. Viveu grande perte de sua infância na cidade de Buíque (PE) e também residiu em Viçosa (AL). No entanto, concluiu seus estudos em Maceió, a capital alagoana, sem cursar o Ensino Superior. Em 1927, Graciliano Ramos tornou-se prefeito de Palmei- ra dos Índios (AL) e, em 1933, estreou na literatura com a publicação da obra Caetés. Em 1936, foi preso em Maceió e levado para o Rio de Janeiro acusado de ser comunista. Na então capital do país, não recebeu acusação formal ou julgamento, mas sofreu diversas privações que abalaram sua saúde. Ficou 9 meses na prisão. Nessa época, escreveu a obra de denúncia à ditadura de Getúlio Vargas, bem como de sua experiência como preso político: Memórias do cárcere (publicado só em 1953). Depois de solto, quase como uma provocação, filiou-se ao Partido Comunista. Graciliano per- maneceu no Rio de Janeiro, mas se manteve fiel ao cenário regional do Nordeste. Não descreveu qualquer paisagem do Rio durante dezessete anos. Depois de descobrir que estava com câncer, chegou a operar em Buenos Aires, mas não se curou e morreu em 1953. O célebre romance Vidas secas, considerado a sua obra mais importante, foi escrito e publicado em 1938. Conta a história de uma família de retirantes nordestinos que, atin- gida pela seca, é obrigada a perambular pelo sertão em busca de melhores condições de vida. Do ponto de vista técnico e da profundidade psicológica, An- gústia (publicado em 1936) se destaca entre todas as obras de Graciliano Ramos, pois é considerado o seu romance mais complexo e inovador. A narrativa conta a história de um frus- trado, Luís da Silva, homem tímido e solitário, que vive entre dois mundos com os quais não se identifica. Produto de uma sociedade rural em decadência, Luís da Silva alimenta um nojo impotente dos outros e de si mesmo. Apaixonado por uma vizinha, Marina, pede-a em casamento e lhe entrega as parcas economias para um enxoval hipotético. Surge Julião Tavares, que tem tudo o que falta a Luís: ousadia, dinheiro, posição social, euforia e uma tranquila inconsciência. A fútil Marina se deixa seduzir sem dificuldades, e Luís, amargura- do, vai nutrindo impulsos de assassino que o levam, de fato, a estrangular o rival. 1.1. Características de sua obra Além de abordar as relações humanas e reafirmar fortes crí- ticas sobre o descaso com o sertão nordestino, suas obras tinham outras características: Identidade nacional. ANGÚSTIA: GRACILIANO RAMOS OBRA 5 37 Contexto biográfico: aspectos vivenciados no nordeste brasileiro. Prosa “seca”, firme e crítica. Antropomorfização e humanização de personagens não humanas, como a cadela Baleia, em Vidas secas. Em um primeiro momento, dá voz às relações humanas, e, num segundo momento, às paisagens retratadas. 2. Angústia 2.1. Contexto Angústia é um romance publicado por Graciliano Ramos, em 1936, e que pertence à segunda geração modernista, conhecida como “Regionalista” ou “Geração de 30”. Nes- se período, Graciliano estava preso pelo governo de Vargas e contou com a ajuda de amigos, como o escritor José Lins do Rego, para a publicação do livro. Apesar de Vidas secas ser considerado o grande marco da obra do autor, Angústia, romance ignorado por parte da crítica na época do lançamento, é considerado uma das obras-primas de Graciliano, que entrega ao leitor uma lei- tura densa sob o ponto de vista do narrador Luís da Silva. Para auxiliar na compreensão do romance, alguns dados são fundamentais, como os questionamentos abordados na narrativa de Luís da Silva. O existencialismo, uma corrente filosófica e literária que destaca a liberdade individual, a responsabilidade e a subjetividade do ser humano. O existencialismo con- sidera cada homem como um ser único, que é mestre dos seus atos e do seu destino. Durante a existência, à medida que se experimentam novas vivências, redefine-se o próprio pensamento (a sede intelectual, tida como a alma para os clássicos), adquirindo-se novos conhecimentos a respeito da pró- pria essência, caracterizando-a sucessivamente. Depois da Segunda Guerra Mundial, uma corrente li- terária existencialista contou com autores como Albert Camus, Boris Vian e Jean-Paul Sartre. É importante ob- servar que Albert Camus era contrário ao existencialis- mo, sendo este somente uma característica de sua obra literária. Vian definia-se como patafísico. Vale ressaltar que Graciliano Ramos vai manter conta- to com a literatura de Camus ao traduzir um dos seus romances. Na leitura de Angústia, é possível perceber claramente que Luís da Silva enxerga a vida como uma série de lutas. No existencialismo (e no romance), o in- divíduo é forçado a tomar decisões, e, frequentemente, as escolhas são ruins. 2.2. Intertextualidade A crítica aponta uma interessante intertextualidade em An- gústia, e o leitor certamente poderá fazer uma associação com o livro Crime e castigo, do escritor russo Fiódor Dos- toiévski. De fato, nas duas obras é possível identificar as angústias de um crime e o medo de ser descoberto. Em Angústia, o crime é o clímax; em Crime e castigo, é o ponto de partida para a história, e o personagem consegue a redenção. Outra influência marcante é a dos naturalistas brasileiros, especialmente a de Aluízio Azevedo, com o de- terminismo e a animalização do homem. O narrador não quer ser um rato e luta contra isso. Durante diversas pas- sagens da narrativa, os homens são comparados a bichos, como porcos, formigas e ratos; além disso, são utilizados verbos de animais para as reações humanas. 2.3. Temas e principais conflitos O realismo de Graciliano Ramos – considerado o ficcionista mais importante da Geração de 30 – tem sempre caráter crítico. Nesse sentido, o herói é sempre problemático e não aceita o mundo, nem os outros e nem a si mesmo. Romance de confissão – livro escuro e sombrio. Economia vocabular – a palavra que corta como faca. Estudo completo da frustração. 38 Sem predomínio de regionalismo. A paisagem interessa à medida que interage com o psicológico. “Ainda não disse que moro na rua do Macena, perto da usina elétrica. Ocupado em várias coisas, frequente- mente esqueço o essencial. Que, para mim, a casa ondemoramos não tem importância grande demais. Tenho vivido em numerosos chiqueiros. Provavelmente esses imóveis influíram no meu caráter, mas sou incapaz de re- cordar-me das divisões de qualquer deles. Não esperem a descrição destas paredes velhas que Dr. Gouveia me aluga, sem remorso, por cento e vinte mil-réis mensais, fora a pena de água.“ 2.4. Simbologia Angústia pode ser resumido como o relato de um crime cometido por um intelectual, Luís da Silva, um homicídio contra o rival Julião Tavares, que lhe roubara a mulher ama- da, Marina, às vésperas de um casamento planejado. Há alguns símbolos citados com frequência no romance, como a corda, a cobra e os ratos. De acordo com pesquisas no Dicionário de Símbolos Literários: a cobra, além de representar o fálico, simboliza fusão, sedução e asfixia, um constante confronto pessoal do personagem protagonista; na obra, simboliza também a falsidade; a corda, assim como a cobra, representa, de certa for- ma, o fálico, portanto, fornece também uma ideia de busca de redenção e salvação; os ratos representam a sujeira que o personagem enx- erga à sua volta e a necessidade de uso da água para lavar a sujeira que o toma. 2.5. Foco narrativo A obra apresenta um narrador em primeira pessoa, Luís da Silva, funcionário público de 35 anos, solitário, desgostoso, que mescla fatos do passado e do presente, num ritmo rápi- do, o que pode ser considerado um grande monólogo interior. A princípio, a narrativa de Angústia pode causar estra- nhamento: trata-se de um romance que requer bastante atenção e cautela do leitor, visto que há fluxo de consciên- cia em boa parte da história, além das diversas temáticas existentes na trama, que passeiam desde o existencialismo aos constantes símbolos, que abrem espaço para uma nar- rativa primorosamente cinematográfica. O romance é narrado em tom confessional e memorialista. Alguns críticos atribuem-lhe um lugar na trilogia densa e fortemente existencialista, completada por Caetés (1933) e São Bernardo (1938). Os três romances, narrados em pri- meira pessoa, apresentam personagens em intenso conflito interior, buscando respostas para seus atos e indagando o porquê dos acontecimentos que os afligem. Essas narrativas são semelhantes a diários íntimos. Em cada uma delas, o narrador se desnuda e se desvenda expondo as dolorosas confissões de culpas dramáticas. 2.6. Memória O romance parece ser pura memória, uma espécie de diário no qual se registram, de modo caótico, alucinado e aleatório, os fatos que marcaram o narrador. Some-se a isso a culpa que ele sente pelo ato cometido e, por fim, acrescente-se a 39 tudo a mágoa que, pouco a pouco, transforma-se em rancor contra a mulher que um dia amou e desejou. O que Gracilia- no Ramos capta em seus livros em primeira pessoa não é a ambiência do nordeste ressequido, é o interior dos seres em conflito, seus desajustes com o mundo que lhes deve algo que procuram como resposta a si mesmos. Em Angústia, o centro de onde procede a descrição e a com- preensão dos demais personagens é evidentemente Luís da Silva. Esses personagens são compreendidos a partir do pensamento dele, em cujo íntimo o leitor se coloca desde o início da narrativa. Para justificar essas afirmações, pode-se tomar como exemplo a descrição de Marina, a vizinha nova do narrador, por quem ele vai se apaixonar: “Era uma sujeitinha vermelhaça, de olhos azuis e cabe- los tão amarelos que pareciam oxigenados”. (ANGÚSTIA, 1996, P. 120) No decorrer da narrativa, Luís da Silva vai caracterizando Marina como uma mulher vulgar, muito jovem e extrema- mente ambiciosa. Marina existe apenas em imagem, o que significa que a descrição dela faz parte essencialmente da construção realizada por Luís da Silva. O leitor adquire a respeito dela um conhecimento que é fruto das informa- ções relatadas pelo narrador. Luís da Silva vê Marina senti- mentalmente, ou seja, em função do sentimento que nutre por ela. O leitor vê Marina “com” ele. Quando o narrador analisa um determinado personagem ou uma determinada situação, não se trata de uma análise im- pessoal, mas sim de uma análise impactada por sua interiori- dade; nesse sentido, o leitor recebe a imagem que o narrador concebe dos outros e do mundo. O modo como Luís da Silva analisa Julião Tavares, Marina, seu Ramalho, dona Adélia, seu Ivo, o pai, o avô, entre outros personagens, é sempre afe- tado pela sua subjetividade: o leitor vê os outros “com” ele e a partir dele. Em Angústia, quando o narrador-personagem se encontra com outro personagem, tudo o que é narrado faz parte da compreensão do narrador. Num romance com a visão “com” (analisando a relação narrador-personagem), um único personagem constitui o centro da narrativa (em primeira ou terceira pessoa), que fica limitada ao campo mental de um só personagem. É o caso de Luís da Silva, com suas inúmeras impressões que norteiam a narrativa. É possível classificar o narrador como narrador-protago- nista, pois aparece representado por um personagem que conta sua própria história, em primeira pessoa, de um cen- tro fixo e, por não ter acesso ao estado mental das demais personagens, fica limitado exclusivamente às suas percep- ções, pensamentos e sentimentos. Diante disso, identifica- -se no romance uma abordagem interna, pois Luís da Silva conta sua própria história, o que faz com que seja repre- sentada na obra uma visão mais restrita, tendo em vista que a finalidade do narrador é narrar a si mesmo. Angústia é um relato desesperado, cuja tentativa do narra- dor é colocar em ordem os fatos da vida, que está estilha- çada, sem rumo e objetivos. É um grito de dor: a decepção amorosa, o ciúme, o desejo contido e humilhado e a mu- lher escolhida pertencendo a outro ser. O ódio pela perda gera o crime, o assassinato transtorna o narrador e o deixa doente depois de matar o oponente: ”Retirei a corda do bolso e em alguns saltos, silencio- sos como os das onças de José Bahia, estava ao pé de Julião Tavares. Tudo isto é absurdo, é incrível, mas realizou-se naturalmente. A corda enlaçou o pescoço do homem, e as minhas mãos apertadas afastaram-se. Houve uma luta rápida, um gorgolejo, braços a deba- ter-se. Exatamente o que eu havia imaginado. O corpo de Julião Tavares ora tombava para a frente e ameaça- va arrastar-me, ora se inclinava”. (ANGÚSTIA, 1936, P. 188) 2.7. Espaço Em geral, a obra de Graciliano Ramos apresenta espaços que envolvem a seca, os retirantes, o latifúndio e a caatin- ga. Sua condição social fez com que ele fosse um artista empenhado na vida e no registro histórico de seu tempo. Em Angústia, a cidade de Maceió é escolhida como o palco onde se desenvolve a história sob a égide de duas pecu- liaridades, ou seja, as realidades humana e social. Com a percepção do que acontece nas mais diversas camadas so- ciais, a literatura de Graciliano reproduz o dinamismo inte- rior de uma ação. Assim, o personagem Luís da Silva revela a forma como o romancista via a sociedade; no entanto, o pior lugar para Luís da Silva sempre foi dentro dele mesmo. Apesar de tudo, foram reunidas, dentro de um máximo de compreensão, suas lembranças, ainda que vindas da me- mória de um ser cuja alma estava a caminho da essência. 2.8. Tempo O tempo da narrativa é o século XX, especificamente os anos 1930, logo depois do início do primeiro governo de Getúlio Vargas. Contudo, prevalece o tempo psicológico, a ação interior por meio do fluxo das ideias e dos pensamen- 40 tos de Luís da Silva. A ação se desenvolve nas frinchas do labirinto composto pelo incessante ir e vir do pensar do personagem narrador. 2.9. Personagens Luís da Silva O narrador da história, apesar de oprimido, mostra-se incon- formado, rude, amargo e decepcionado com o meio em que vive. Sua preocupação com a justiça social é pela inconformi- dade com sua própria vida, e não com a dos outros. “Um homem emocionalmente de nervos estilhaçados, 35 anos, funcionário público, homem deocupações marcadas pelo regulamento [...] Um sujeito feio: olhos baços, o nariz grosso, um sorriso besta e a atrapalhação, o encolhimento que é mesmo uma desgraça.[...] Habi- tuei-me a escrever, como já disse. Nunca estudei, sou um ignorante, e julgo que os meus escritos não prestam. [...] Trabalho num jornal. À noite dou um salto por lá, escrevo umas linhas. [...]“ A personalidade de Luís da Silva é marcada por tudo o que vivera. Seu histórico de vida, sua precária e pressio- nada criação e toda a opressão que o cercava não o fi- zeram um homem submisso, que simplesmente abaixaria a cabeça para os contratempos da vida, sem questionar os motivos pelos quais vivia daquela maneira. Seu desejo íntimo era de também oprimir, tanto quanto era oprimido. Quando expressava opiniões sobre pessoas ou mesmo sobre outro assunto, revelava um caráter amargurado e rude, como se durante toda a vida remoesse e ruminasse suas decepções e tristezas. A sua existência poderia ser considerada ordinária, não era relevante para os outros, para a sociedade e nem para si próprio, mas seu interior era deveras perturbador, sempre se atormentando por lembranças da infância e frustrações intelectuais. O emprego o faz conseguir ter uma vida razoável, e, de- vido ao baixo salário, as dívidas se acumulam. Ele vive de forma precária numa casa simples. A vizinhança sempre cuidando da vida alheia. É apaixonado por Marina, que é sua vizinha, e começa um namoro com ela, logo ficando noivos. A parte financeira do personagem começa a pio- rar ainda mais, sobretudo pelo fato de agora ter de gastar com o enxoval do casamento. “Trabalho num jornal. À noite dou um salto por lá, escre- vo umas linhas. Os chefes políticos do interior brigam de- mais. Procuram-me, explicam os acontecimentos locais, e faço diatribes medonhas que, assinadas por eles, vão para a matéria paga. Ganho pela redação e ganho uns tantos por cento pela publicação.” Luís mergulha cada vez mais no pessimismo, desejando vingança quando descobre que Marina foi seduzida por Tavares. Ela havia sido utilizada como um objeto fútil e abandonada grávida, enquanto Julião já estava em outro relacionamento. A mágoa, a decepção e o ódio que nutria aumentavam cada dia mais, fazendo crescer em Luís um espírito de vingança. Assassinar seu concorrente passou a ser para ele um fluxo do qual ele não podia mais escapar. Para ele seria uma questão de honra. Dessa forma, começa a alimentar in- cessantemente a ideia de matar Tavares, até concretizá-la estrangulando-o com uma corda. Para simular um suicídio, Luís o pendura pela corda em um galho. Narrando a própria história, Luís confessa no fim da obra que cometeu o assassinato, não apenas pelo ódio contra o concorrente, mas também por toda a angústia de sua vida – libertando-se do rival ao matá-lo – e pelas decepções que o rondavam. Um narrador emocionalmente abalado, assustado com a dimensão de seus próprios atos, um de- lírio que, na estrutura, configura-se como desordenação e fragmentação de ideias, tempo que se entrelaça, sem indi- cação de passado e presente. Luís da Silva é, enfim, um frustrado violento e cruel que traz em si amargura e negação. Esse sentimento volta-se contra ele próprio pela autopunição, e ele só consegue equilibrar- -se assassinando o rival. Um equilíbrio precário que o deixa arrasado, mas que passa a ser a única maneira de sua afir- mação no mundo. “Alguns dias depois, achava-me no banheiro, nu, fuman- do... Abro a torneira, molho os pés. [...]“ “O banheiro da casa de seu Ramalho é junto, separado do meu por unia parede estreita. [...])“ “Lá estava Marina outra vez nova e fresca, enchendo a boca e atirando bochechos nas paredes. [...]“ Marina Marina é um estereótipo das mulheres da época, tão bem retratadas por outros autores. Ela se caracteriza por cer- ta futilidade devido às leituras que faz. De personalidade 41 fraca, deixa-se levar pelas situações e pelos interesses. É representada mais como alvo, prêmio ou posse de Julião e de Luís do que como mulher. “Se aquela tonta prestasse, estaria ajudando a mãe, en- saboando panos. Preguiça. Estava era lendo besteiras, arrancando cabelos das sobrancelhas com a pinça ou raspando os sovacos. A princípio ainda tratara dos can- teiros. Habituara-se depois a levar para ali um romance, que não abria. Conversava. E eu me zangava com as conversas dela, que, como já disse, eram malucas. Zan- gava-me de verdade. Mas estava ali com os olhos meio fechados, espiando os canteiros e esperando que a mu- lherinha chegasse.” Jovem bonita, sensual, vaidosa, volúvel e superficial, além de indolente. Gasta as economias de Luís da Silva a títu- lo de preparar-se para se casar com ele. Entretanto, com grande facilidade, é seduzida por Julião Tavares e esque- ce Luís. Grávida de Julião, é abandonada por ele. Aborta clandestinamente, sendo tratada muito mal, ridicularizada e chamada de “puta” e ameaçada por Luís de ser denun- ciada à polícia. “Cabelos de milho, unhas pintadas, beiços vermelhos e o pernão aparecendo.“ “Era uma sujeitinha vermelhaça, de olhos azuis e cabe- los tão amarelos que pareciam oxigenados.“ Julião Tavares Personagem que possui linguajar rebuscado, com certo exagero na formalidade, fazendo referência à classe social à qual pertence. Além disso, mostra-se um patriota vazio e sem ideais políticos. Ele é considerado o antagonista de Luís da Silva. Do pon- to de vista físico, é descrito como um tipo forte e gordo, sempre suado e vestido com roupas caras. É bacharel, de razoável cultura, tem veleidades de poeta. Filho de comerciantes, procura se mostrar satisfeito socialmente, sem a rebeldia de Luís da Silva, já que tem interesse pes- soal em que as instituições funcionem; afinal de contas, pertence a uma família capitalista, logo, é conservador, católico e reacionário. Individualista, consequentemente egoísta, só age em função de seu interesse pessoal, tanto que seduz várias jovens, que nada podem fazer contra ele, pois são mulheres de famílias pobres que acreditam em suas promessas de bem-estar, através de sua riqueza. No máximo, ele lhes dá uma pequena quantia de dinhei- ro para que se calem. Assim acontece também com Mari- na, namorada de Luís. “Tudo nele era postiço, tudo dos outros.“ “Conversa vai, conversa vem, fiquei sabendo por alto a vida, o nome e as intenções do homem. Família rica. Ta- vares & Cia., negociantes de secos e molhados, donos de prédios, membros influentes da Associação Comercial, eram uns ratos. Quando eu passava pela Rua do Comér- cio, via-os por detrás do balcão, dois sujeitos papudos, carrancudos, vestidos de linho pardo e absolutamente iguais. Esse Julião, literato e bacharel, filho de um de- les, tinha os dentes miúdos, afiados, e devia ser um rato, como o pai. Reacionário e católico. – Por disciplina, en- tende? Considero a religião um sustentáculo da ordem, uma necessidade social.” Dona Adélia É a mãe de Marina. Queixa-se de tudo e é a responsável, pela “perdição da filha“. Estimula a filha a casar-se, como se fora um arranjo, e joga-a de encontro a Julião, quando descobre que ele é rico, aceitando comida e presentes. Seu Ramalho Pai de Marina, um velho decente e sistemático, avisa Luís de que a filha não é lá grande coisa. Torna-se amigo de Luís da Silva quando Marina o abandona para ficar com Julião. Seu Ivo Seu Ivo é considerado uma alma infeliz que bebe o tempo inteiro e vaga pela rua. Ele sempre vai comer na casa de Luís. É dele que o narrador recebe como presente a corda que enforcará Julião Tavares. Moisés É um judeu corcunda, amigo de Luís, porém envergonha-se de cobrar o amigo e evita de encontrá-lo na rua. Quan- do o encontra, recebe uma prestação e diz que elas já se acabaram e restabelece a amizade, estando junto com ele para discutir assuntos, beber e frequentar a casa. Moisés é socialista, fala pausadamente e é um pessimista invetera- do. É poliglota, inteligente e lê jornais com muita rapidez. Temum tio judeu, dono de loja, com quem trabalha. Vende fiado para Luís, que vai lhe pagando quando pode. Vitória Empregada e agregada de Luís. Aparentemente distraída, mas percebe tudo o que se passa a seu redor. Tem o hábito de enterrar suas economias em buracos feitos no quintal, às vezes “roubando” algum dinheiro de Luís, mas devol- vendo-o posteriormente, num gesto sem explicação. Tem, ainda, o hábito de ler a seção dos jornais em que se noti- ciam chegadas e partidas de navios. Através desse hábito, de alguma forma, queria dizer para o patrão Luís que ele deveria mudar de vida, viajar, ir para outro lugar. Pimentel É um amigo de Luís e, como ele, é jornalista e socialista. Muito prático, só conversa ou escreve sobre o que é de fato útil, necessário; portanto é uma pessoa quieta, de pouquís- simas palavras. Faz sempre críticas sérias em suas escritas sobre a sociedade, a política e a sociedade em geral. 42 Camilo Pereira da Silva Pai de Luís. Passa dias deitado preguiçosamente em redes, às vezes lendo, outras vezes preparando palha para futuros cigarros. Acaba por dilapidar os poucos bens que sobraram da decadente herança que seu pai Trajano, avô de Luís, dei- xara. Durante a morte e velório de Camilo, percebe-se o abandono em que fora criado Luís. Esse momento é uma das mais tocantes situações narradas no livro. Trajano Pereira de Aquino Cavalcante e Silva Pai de Camilo e avô de Luís. Fazendeiro rico, porém, já de- cadente. É um homem de personalidade forte, na contra- mão do filho Camilo e do neto Luís. Ele não tem inveja e envergonha-se diante de lembranças de certas ações cora- josas. Acaba seus dias pobre e esclerosado. 2.10. Enredo ”Sou um bípede, é preciso ter a dignidade dos bípedes.” O narrador da história é Luís da Silva, um funcionário público que escreve para jornais locais, lê muito e ganha pouco, mas, a rigor, profissionalmente também produz pouco, já que lhe é comum a perda de razoável parte do seu tempo com re- flexões sobre sua vida e sobre a de outras pessoas, com idas e vindas pela casa ou pela cidade, sem objetivo concreto ou útil. É razoavelmente culto, até considerado intelectual, ten- do em vista a limitação cultural do meio em que atua, mas extremamente frustrado e revoltado com sua situação. Vive numa moradia simples e suja em um bairro de classe média, convivendo com uma vizinhança constituída de pessoas sim- ples, que o tratam com respeito e com alguma solenidade, por entenderem que ele lhes é superior, considerando-se seu trabalho e o fato de que é um homem que lê. Apesar de ser um sujeito tímido, inicia um relacionamen- to com Marina, sua vizinha, jovem, sensual e volúvel. No início da relação, Luís sente algum desprezo por ela por causa da ignorância e dos valores fúteis da moça, porém, aos poucos, ela passa a ter muita importância para ele, não só por representar uma conquista rara no parco cenário de sua trajetória amorosa, em razão da sua timidez e do seu “desajeito” com mulheres, mas principalmente pela atração física que ela exerce sobre “o solitário Luís”; afinal, trata-se de uma mulher bonita, aparentemente fácil e, pro- vavelmente, sexualmente acessível. “Marina tinha deixado de ver-me à tarde, mas todas as noites a gente se reunia no fundo do quintal. Ela passava pelo buraco da cerca, encostava-se ao tronco da man- gueira, e eram beijos, amolegações que nos enervavam. — Vamos entrar, descansar um bocado, Marina. Já que chegou aqui, dê mais uns passos. — Você está maluco? Eu vou dar o fora. Qualquer dia a gente mete o rabo na ratoeira. Os velhos descobrem tudo, estrilam, e é um fuzuê da desgraça. — Deixa disso, Marina, vamos lá para dentro. — Good bye. — Vem cá, Marina. — Vai-te embora, Lobisomem.” Num dado momento de sua vida, Luís conhece Julião Ta- vares, advogado e de família rica. Esse contato, já no início, não agrada a Luís, que de hábito é avesso a contatos so- ciais, e ele não entende por que não afasta Julião do seu convívio, como já fizera com outras pessoas. Aos poucos e cada vez mais, o narrador vai sentindo aver- são pelo novo “amigo”, pois Julião concentra todas as ca- racterísticas e conceitos detestados pelo narrador, ou seja, é exatamente o oposto daquilo que Luís sente e pensa sobre sociedade, religião, política, literatura e demais assuntos. Além disso, Julião Tavares é rico, capitalista, o que contraria a ideologia social de Luís da Silva. Como se não bastasse, Julião trata todos com uma compreensão condescenden- te, magnânima, como se estivesse fazendo favor em dar atenção aos outros, quando, na verdade, está concentrado em si mesmo, pois se trata de indivíduo egoísta, sente-se poderoso e se dá grande importância. É conservador, como consequência das atividades comerciais de sua família, já que o status quo social e econômico tem conveniências para os negócios de sua família. Enquanto os valores de Luís são ditados por um sentir idealista, logo, mais autêntico e desin- teressado pessoalmente, ao menos de acordo com o que ele transparece para o leitor. Como se não fosse o suficiente essas diferenças, Julião acaba por conquistar Marina pelo fascínio que o seu poder econô- mico exerce. Porém, Luís já se preparava para casar com a moça, tendo gastado suas poucas economias para que ela comprasse o enxoval. Luís se sente humilhado, entre tantas já vividas, e seu ódio por Julião toma forma definitiva. “Ao chegar à rua do Macena recebi um choque tremen- do. Foi a decepção maior que já experimentei. À janela da minha casa, caído para fora, vermelho, papudo, Julião Tavares pregava os olhos em Marina, que, da casa vi- zinha, se derretia para ele, tão embebida que não per- cebeu a minha chegada. Empurrei a porta brutalmente, o coração estalando de raiva, e fiquei em pé diante de Julião Tavares, sentindo um desejo enorme de apertar- 43 -lhe as goelas. O homem perturbou-se, sorriu amarelo, esgueirou-se para o sofá, onde se abateu.” Alguns meses depois, Julião abandona Marina e ela se dá conta que está grávida do mesmo. Ela fica desesperada e vai até uma parteira e provoca o aborto. Luís descobre, pois a viu entrar e sair na casa da parteira. Luís, que já não se apresenta muito constante e racional por causa da somatória desses fatores, desequilibrado, decide matar Julião. Luís talvez não tenha consciência, todavia, a morte de Julião poderia fazê- -lo readquirir seu próprio equilíbrio anterior a esses últimos acontecimentos, ainda que esse equilíbrio precário o fizesse voltar ao eixo da rotina entediante e mesquinha de até en- tão. Tanto isso é verdadeiro que, durante o assassinato, Luís sente-se forte e importante, desmentindo a própria autoava- liação que sempre se fazia, no sentido de que ele era pessoa insignificante. Luís assassina Julião por enforcamento, de madrugada, numa rua deserta, esperando-o na escuridão e enlaçando-o pelo pescoço com uma corda. Com enorme esforço, por culpa do peso do morto, consegue levantá-lo por um galho de uma árvore, deixando-o pendurado pela corda, com o intuito de simular suicídio. Ferido nas mãos, cansado, sujo e rasgado, lentamente volta para casa. Pede à empre- gada Vitória que ligue para a “Repartição” avisando que ele não está bem e que não vai trabalhar. Moisés e Pimentel, que são seus dois únicos amigos, vêm visitá-lo, uma vez que ele fica jogado na cama vivendo in- tensa angústia, com medo da possibilidade de seu crime ser descoberto e, o pior, ele vir a ser preso e julgado como culpado. Entra em algumas paranoias, como por começar a desconfiar de que está sendo vigiado por quase todos, e, em sua cabeça, o passado e o presente começam a ficar confusos e a se misturar. É um processo doloroso para ele, porque, acima de todo esse embaralhar de ideias, sobre- leva a síndrome de vir a ser descoberto, preso e conde- nado; mas ele precisa descansar. Numa espécie de delírio, pessoas com quem ele convivera no passado chegam, e ele as convida para se deitarem com ele em sua cama e descansaremjuntos. Luís precisa descansar de seus ódios e humilhações morais, medos e frustrações. 2.11. Análise e resumo da obra ”Lá estão novamente gritando os meus desejos. Calam- -se acovardados, tornam-se inofensivos, transformam-se, correm para a vila recomposta. Um arrepio atravessa-me a espinha, inteiriça-me os dedos sobre o papel. Natural- mente são os desejos que fazem isto, mas atribuo a coi- sa à chuva que bate no telhado e à recordação daquela peneira ranzinza que descia do céu todos os dias.” (ANGÚSTIA, DE GRACILIANO RAMOS) 2.11.1. A obra Angústia é o segundo romance do que chamamos ”ciclo memorialista” de Graciliano Ramos; inesquecível e pertur- bador, não há nele divisão estrutural em capítulos: é escrito como um fluxo confessional de um homem desesperado. 2. 11. 2. O protagonista Luís da Silva, protagonista do romance, veio do mundo rural para a capital. Ele é um anônimo qualquer na cidade. Em seu cotidiano medíocre, escreve para o jornal o que lhe pedem, atendendo a encomendas, de forma quase robótica. Ele se considera um intelectual fracassado num mundo sem lugar na prateleira de heróis: vive mediocremente, engaveta escri- tos, não progride nem em sua vida profissional – carregando o fardo de ser um reles funcionário público –, nem em sua vida afetiva – mantendo um noivado prolongado pela fal- ta de condições para a efetivação do casamento. Marina, a noiva, acaba se envolvendo com outro homem, fato que vai desencadear um pesadelo na vida do protagonista. 2.11.3. Interesses sociais Inserido num mundo onde a voz do dinheiro fala mais alto, afunda-se em dívidas, aluguéis atrasados e empréstimos to- mados no intuito de agradar a amada, Marina. Ele a pede 44 em casamento, mas ela o deixa por outro mais bem-suce- dido, Julião Tavares. Este sim, filho de comerciantes ricos, audacioso e competente na arte de ganhar dinheiro. Julião Tavares possui cacife para comprar Marina com todas as di- tas que ela deseja: joias, sedas, idas ao cinema e ao teatro. 2.11.4. Ciúmes O protagonista, Luís da Silva, vê-se impossibilitado de conviver com sua rotina desmotivada e passa a sentir um ciúme cres- cente que o leva a cometer um crime num forte clima de an- gústia. Luís acompanha como uma sombra a vida de Marina, principalmente depois que Julião Tavares a abandona grávida. 2.11.5. Vingança e ódio Luís vai nutrir um ódio mortal contra Julião, plantando a ideia crescente de que só a morte iria terminar com seu sofrimen- to e angústia. Julião Tavares representa aquilo que ele não podia ser e, com isso, surge como uma grande ameaça. Luís da Silva, oprimido pelos acontecimentos, persegue seu rival, uma vez que seu oponente anda às voltas com nova amante. Seu drama interior faz com ele se sinta diminuído diante da prepotência de Julião Tavares. 2.11.6. Psicologia humana Após ter cometido o crime, Luís da Silva entra em uma crise psicológica que o angustia. Surge, então, um efeito de circularidade em que o fluxo de consciência vai e vem, fazendo com que o narrador pense de maneira aleatória, indo e vindo de forma não ordenada. A morte de Julião Ta- vares representa para Luís da Silva uma grande vitória num primeiro momento, porém, em seguida, perde o aparente significado de vitória: “Tive um deslumbramento. O homenzinho da repartição e do jornal não era eu. Esta convicção afastou qualquer receio de perigo. Uma alegria enorme encheu-me. Pes- soas que aparecessem ali seriam figurinhas insignifi- cantes, todos os moradores da cidade seriam figurinhas insignificantes. Tinham-me enganado. Em trinta e cinco anos haviam-me convencido de que só me podia mexer pela vontade dos outros. Os mergulhos que meu pai me dava no poço da pedra, a palmatória de mestre Antônio Justino, os berros do sargento, a grosseria do chefe da revisão, a impertinência macia do diretor; tudo virou fu- maça. Julião Tavares estrebuchava.” Aplicando para aprender (A.P.A.) 1. (Fuvest) (...) Sem dúvida o meu aspecto era desagradável, ins- pirava repugnância. E a gente da casa se impacientava. Minha mãe tinha a franqueza de manifestar-me viva antipatia. Dava-me dois apelidos: bezerro-encourado e cabra-cega. (...) Devo o apodo ao meu desarranjo, à feiúra, ao desen- gonço. Não havia roupa que me assentasse no corpo: a camisa tufava na barriga, as mangas se encurtavam ou alongavam, o paletó se alargava nas costas, enchia-se como um balão. (...) Zanguei-me permanecendo exteriormente calmo, depois serenei. Ninguém tinha culpa do meu desalinho, daque- les modos horríveis de cambembe. Censurando-me a inferioridade, talvez quisessem corrigir-me. (...) O trecho acima, narrado em 1.ª pessoa, foi extraído do livro Infância, de Graciliano Ramos. O autorretrato lido permite identificarmos uma das personagens importan- tes do livro Angústia, do mesmo autor. Indique-a. a) Camilo Pereira da Silva b) Moisés c) Seu Ivo d) Julião Tavares e) Luís da Silva 2. Aponte a alternativa em que se encontra uma carac- terística modernista presente no livro Angústia, de Gra- ciliano Ramos. a) Atitude crítica em relação a certos valores sociais, como o provincianismo e a falta de cultura. b) Ênfase a aspectos regionais e a tradições populares. c) Clara aversão a comportamentos ditados pelo mo- dismo estrangeiro. d) Violações gramaticais sistemáticas, como forma de desprezo pela língua padrão. e) Opção pela narrativa linear, cronológica, evitando flash-backs. 3. (Unicamp) Leia o seguinte trecho extraído do romance Angústia. Onde andariam os outros vagabundos daquele tempo? Naturalmente a fome antiga me enfraqueceu a memória. Lembro-me de vultos bisonhos que se arrastavam como bichos, remoendo pragas. Que fim teriam levado? Mortos nos hospitais, nas cadeias, debaixo dos bondes, nos rolos sangrentos das favelas. Alguns, raros, teriam conseguido, como eu, um emprego público, seriam parafusos insignifi- cantes na máquina do Estado e estariam visitando outras favelas, desajeitados, ignorando tudo, olhando com as- sombro as pessoas e as coisas. Teriam as suas pequeninas almas de parafusos fazendo voltas num lugar só. RAMOS, GRACILIANO. ANGÚSTIA. 56. ED. RIO DE JANEIRO: RECORD, 2003, P. 140-141. a) No momento da narração, a posição social do nar- rador personagem difere de sua condição de origem? Responda sim ou não e justifique. b) Na citação acima, o termo “parafusos” remete ao ver- bo “parafusar” que, além do significado mais conhecido, também tem o sentido de “pensar”, “cismar”, “refletir”, 45 “matutar”. Como esses dois sentidos podem ser relacio- nados ao modo de ser do narrador personagem? c) De que maneira o segundo sentido do verbo “para- fusar” está expresso na técnica narrativa de Angústia? 4. (UFPR) A respeito de Angústia, de Graciliano Ramos, é correto afirmar: 01) Este é um volume do famoso ciclo da cana-de-açú- car, em que se narra a vinda de um rapaz do engenho falido do avô, onde fora criado, para a cidade. 02) O crime de Luís da Silva nos é apresentado como passional, mas é possível dizer que ele também repre- senta uma desforra social. 04) Trata-se de um romance regionalista típico, já que sua ação, passada no sertão alagoano, gira em torno de um crime político muito comum no Nordeste brasileiro. 08) Luís da Silva, oriundo de uma família de proprie- tários rurais, sente-se isolado na cidade, não se en- quadrando bem em nenhum círculo social. 16) O narrador onisciente em 3.ª pessoa permite a ex- ploração psicológica de um crime tanto por parte do assassino, Luís da Silva, quanto da vítima, Julião Tavares. 32) Em várias ocasiões, a forma escolhida por Luís da Silva para cometer o assassinato – o enforcamento – é anteci- pada. Exemplo disso é a semelhança que ele vê entre um cano exposto na cozinha de sua casa e uma corda. 64) A personagem principal, Luís da Silva, deseja uma revolução socialista, pois essa revolução pode transfor- má-lo em alguém mais importante que Julião Tavares. 5. De forma sucinta, destaque as principais diferenças so- ciais e de personalidadeentre Luís da Silva e Julião Tavares. 6. (UDF) Aponte o item que melhor conceitua a obra An- gústia, de Graciliano Ramos. a) Essa obra complementa Memórias do cárcere, do mesmo autor, relativamente às suas memórias, mas sem o seu envolvimento político. b) Narrativa ficcional de forte tendência psicológica, se- guindo o fluxo do pensamento do narrador em 1.ª pessoa. c) A exemplo das narrativas de Jorge Amado e Erico Ve- ríssimo, em Angústia, Graciliano Ramos privilegia a ação, de forma a registrar o universo das tradições nordestinas. d) Em Angústia, o autor movimenta as personagens em ações que lhe permitem registrar as relações ex- teriores entre pessoas de diferentes crenças e origens, como num painel ou palco teatral. e) Os contos reunidos no volume Angústia, de interação psicológica, assemelham-se aos de Insônia, do mesmo autor, e a algumas coletâneas de Clarice Lispector. 7. Quatro das frases abaixo são de Luís da Silva, prota- gonista do livro Angústia, de Graciliano Ramos, e, ainda que fragmentadamente, ajudam a compor sua reali- dade psicológica e social. A quinta frase foi dita pelo antagonista Julião Tavares e mostra uma faceta de sua personalidade. Marque-a. a) À noite fecho as portas, sento-me à mesa da sala de jantar, a munheca emperrada, o pensamento va- dio, longe do artigo que me pediram para o jornal. b) Agarrava a papelada com entusiasmo de fogo de palha. Tempo perdido. c) Afinal, para a minha história, o quintal vale mais do que a casa. Era ali, debaixo da mangueira, que, de volta da repartição, me sentava todas as tardes, com um livro. d) Por disciplina, entende? Considero a religião um sustentáculo da ordem, uma necessidade social. e) A corda enlaçou o pescoço do homem, e as minhas mãos apertadas afastaram-se. Gabarito 1. E 2. A 3. a) Antes do momento narrado no trecho, Luís fora neto de proprietário rural decadente e filho de peque- no comerciante. Órfão, foi socorrido por conhecidos, também pobres. Posteriormente, chegou a ser pedin- te, serviu ao Exército, foi mestre-escola, trabalhou como revisor, além de fazer poesias para vender para estudantes, acabando por chegar a funcionário públi- co e redator de jornal. Essas duas últimas atividades compunham a sua situação social no momento re- gistrado pelo texto e lhe davam alguma estabilidade. b) O primeiro significado tem o sentido de mera peça de um mecanismo maior, ou seja, insignificância. O segundo uso remete à estagnação social em que vivia o narrador: girava à volta do seu próprio eixo sem sair do lugar, sem evoluir na escala social, atormentado pelas suas reflexões repetidas sobre seus ódios, res- sentimentos e culpas. c) O pensamento de Luís gira em torno praticamente das mesmas coisas, e uma delas é verdadeiramente uma obsessão, como se fosse uma “ideia-parafuso”: o assassinato de Julião Tavares. Essa ideia vai e volta constantemente, até que ele a realiza, o que lhe dá a sensação de algum poder, de não ser, afinal, tão insignificante; quem sabe assim tenha saído do lugar, do buraco em que fora colocado para ficar girando em torno de si mesmo. 4. 02 + 08 + 32 = 42 5. Luís é pobre, sente-se fracassado e humilhado diante da sociedade; desenvolve rancor e pessimismo em relação a todos que, socialmente, estão em melhor condição que ele, além de criticar quase tudo na sociedade. Ao contrário dele, Julião tem dinheiro e é egoísta, não tendo nenhuma preocupação social em relação aos outros, pois, para ele, conta apenas o seu próprio interesse. 6. C 7. B 46 1. Cecília Meireles Cecília Benevides de Carvalho Meireles (1901-1964), nasci- da no Rio de Janeiro, foi poetisa, professora, jornalista, pin- tora e a primeira voz feminina de grande expressão na Lite- ratura Brasileira, com mais de 50 obras publicadas. Embora seja mais conhecida como poetisa, deixou contribuições nos domínios do conto, da crônica, da literatura infantil e do fol- clore. Perdeu o pai poucos meses antes de seu nascimento e a mãe logo depois de completar três anos, sendo criada por sua avó materna, a portuguesa Jacinta Garcia Benevides. Fez o curso primário na Escola Estácio de Sá, onde recebeu das mãos de Olavo Bilac a medalha de ouro por louvor e distinção. Em 1917, formou-se professora na Escola Nor- mal do Rio de janeiro, passando a exercer o magistério em escolas oficiais da cidade. Estudou música e línguas. Aos 18 anos de idade, estreou na literatura com o livro de poemas Espectros, que possuía 17 sonetos de temas histó- ricos. Em 1922, por ocasião da Semana de Arte Moderna, participou – ao lado de Tasso da Silveira, Andrade Muricy e outros – do grupo literário, católico e conservador da revista Festa, que defendia o universalismo e a preservação de certos valores tradicionais da poesia, e dessa vinculação herdou a tendência espiritualista que percorre seus trabalhos com fre- quência. Nesse mesmo ano, casou-se com o artista plástico português Fernando Correia Dias, com quem teve três filhas. Cecília Meireles estudou literatura, folclore e teoria educa- cional. Colaborou na imprensa carioca escrevendo sobre folclore e atuou como jornalista (1930-1931) publicando vários artigos sobre educação. Fundou, em 1934, a primeira biblioteca infantil no Rio de Janeiro – seu interesse pela edu- cação se transformou em livros didáticos e poemas infantis. Ainda em 1934, a convite do governo português, viajou para Portugal, onde proferiu conferências divulgando a literatura e o folclore brasileiros. No ano seguinte, morria seu marido. Entre 1936 e 1938, Cecília lecionou Literatura Luso-Brasileira na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 1938, seu livro de poemas Viagem recebeu o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras. Em 1940, casou-se com o pro- fessor e engenheiro agrônomo Heitor Grilo. Nesse mesmo ano, lecionou Literatura e Cultura Brasileiras na Universidade do Texas, proferiu conferência sobre Literatura Brasileira, em Lisboa e Coimbra, e publicou, em Lisboa, o ensaio Batuque, samba e macumba, com ilustrações de sua autoria. Em 1942, tornou-se sócia honorária do Real Gabinete Por- tuguês de Leitura do Rio de Janeiro. Realizou várias viagens aos Estados Unidos, Europa, Ásia e África, fazendo confe- rências sobre literatura, educação e folclore. 1.1. Características Cecília Meireles é o retrato da poesia de sua época. O grande destaque de sua poesia é a projeção de vozes que se frag- mentam em várias possibilidades líricas. Tais possibilidades de constituições de vozes surgem, por exemplo, com a recupe- ração da estética simbolista, em que os temas abstratos são ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA: CECÍLIA MEIRELES OBRA 6 47 tratados por intermédio dos estímulos sensoriais como a mu- sicalidade, entre outros. Também trabalhou com a temática social, como era característica de muitos poetas de seu tem- po, ou seja, da segunda geração modernista (1930-1945). O interessante da lírica desenvolvida por Cecília Meireles é justamente o fato de que sua versatilidade e pluralidade discursivas e temática – religiosidade, desespero, individua- lismo e misticismo no campo da solidão – fazem dela única na poesia de língua portuguesa, mas existe a consciência de seus dons e seu destino. Talvez uma das mais belas pro- duções de caráter metalinguístico de sua poética se dá com o poema “Motivo”, a seguir. Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem sou triste: sou poeta. Irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento. Atravesso noites e dias no vento. Se desmorono ou se edifico, se permaneço ou me desfaço, — não sei, não sei. Não sei se fico ou passo. Sei que canto. E a canção é tudo. Tem sangue eterno a asa ritmada. E um dia sei que estarei mudo: — mais nada. 1.1.1. Poesia histórica A obra máxima de Cecília Meireles foi o poema épico-lírico “Romanceiro da Inconfidência”, no qual se encontram os maiores valores de sua poética. Trata-se de uma narrativa rimada escrita em homenagem aos heróis quelutaram e morreram pela Pátria. Romanceiro da Inconfidência Atrás de portas fechadas, à luz de velas acesas, entre sigilo e espionagem acontece a Inconfidência. E diz o vigário ao Poeta: “Escreva-me aquela letra do versinho de Virgílio...” E dá-lhe o papel e a pena. E diz o Poeta ao Vigário, Com dramática prudência: “Tenha meus dedos cortados, antes que tal verso escrevam...” Liberdade, Ainda que Tarde, (...) Para que se tenha uma dimensão geral da poética da au- tora, vale a pena mencionar que, para além da poesia his- tórica (“Romanceiro da Inconfidência”), surge a dimensão simbolista ou neossimbolista na qual fará o uso frequente de elementos como vento, água, mar, ar, tempo, espaço, solidão e música. Das palavras aéreas Ai, palavras, ai, palavras, que estranha potência, a vossa! Ai, palavras, ai, palavras, sois de vento, ides no vento, no vento que não retorna, e, em tão rápida existência, tudo se forma e transforma! (...) 1.1.2. Poesia reflexiva O caráter filosófico é outro aspecto de suma importância, pois é um tema que perpassa por toda a sua obra. Cecília Meireles vai trazer em sua poesia de caráter reflexivo as mais diversas temáticas, como o efêmero e a transitoriedade da vida, a natureza, o tempo, o amor e o infinito (como não poderia deixar de ser, este tema sempre permeou a poética dos grandes escritores). A intuição sempre foi um ponto fun- damental na poética de Cecília Meireles e vale ressaltar que ela sempre procurou entender e questionar o mundo a partir das próprias experiências. Uma série de cinco poemas, todos intitulados “Motivo da rosa”, da obra Mar absoluto, trata do tema da passagem da vida e do tempo efêmero: 1º Motivo da rosa Vejo-te em seda e nácar, e tão de orvalho trêmula, 48 que penso ver, efêmera, toda a Beleza em lágrimas por ser bela e ser frágil. (...) Apenas em 1939, com a publicação da obra Viagem, é que a autora iniciou de fato seu mergulho no famoso espírito mo- dernista enquanto estética, escola e poesia. A escolha lexical continua inclinada para a musicalidade; o verso, compacto e denso e as intertextualidades, com outros autores e períodos, como é o caso da poesia medieval portuguesa: Música Noite perdida Não te lamento: embarco a vida No pensamento, busco a alvorada do sonho isento, Puro e sem nada, – rosa encarnada, intacta, ao vento. Noite perdida, noite encontrada, morta, vivida 1.2. Contexto de publicação e estilo de época Partindo da linha de raciocínio em que a percepção da literatura moderna valoriza a linguagem simples, porém com elevado grau de arte, Cecília Meireles situa-se ca- nonicamente na chamada segunda fase do Modernismo brasileiro, que compreende o período entre 1930 e 1945. A segunda fase da poesia moderna é marcada por uma ló- gica de consolidação dos valores heroicos da primeira fase (1922-1930), buscando de maneira crítica nacionalizar a literatura brasileira do século XX. Com intensa variedade temática e, no caso específico da autora, também uma pluralidade formal, num primeiro mo- mento, foi caracterizada numa chave de análise que a coloca junto aos espiritualistas de influência católica, como é o caso de Murilo Mendes e, principalmente, Jorge de Lima. Tal ten- dência, que se agrupou em torno da revista Festa, no ano de 1927, no Rio de Janeiro (RJ), mostra clara influência do lirismo católico francês e das marcas dessa influência, que se fazem sentir na tendência introspectiva, intimista e na musi- calidade que marca a maior parte das obras da autora. As reflexões sobre “quem sou eu?” e “o que estou fazendo aqui?” foram marcas e questões trabalhadas pelos poetas na geração de 1930. Foi da oscilação entre o fechamento e a abertura do “eu” à sociedade e à natureza que nasceu a poesia que vai do “eu” (intimismo) ao “mundo” (univer- sal). Todavia, Cecília Meireles foi única, e sua poesia mais do que nunca deve ser estudada e contemplada. 2. Romanceiro da Inconfidência “Todo o presente emudeceu, como plateia humilde, e os antigos atores tomaram suas posições no palco. Vim com o modesto propósito jornalístico de descrever as co- memorações de uma Semana Santa; porém os homens de outrora misturaram-se às figuras eternas dos ando- res; (...) na procissão dos vivos caminhava uma procis- são de fantasmas (...). Era, na verdade, a última Semana Santa dos inconfidentes: a do ano de 1789”. (CECÍLIA MEIRELES) Cecília Meireles vai até Ouro Preto e, como muitos moder- nistas contemporâneos a ela, tematizou o espaço numa proposta de ressignificar de alguma forma o projeto de literatura nacional de José de Alencar (Romantismo), com- pondo estes poemas de temática social, que evocam a luta pela liberdade no Brasil do século XVIII, incorporando ele- mentos de ordens lírica, dramática e épica. Pela primeira vez, utilizou a temática social, de interesse histórico e nacional, enfatizando a luta pela liberdade. Romanceiro da Inconfidência passou a ser uma das obras mais conhecidas da autora, que com muita sensibilidade 49 traz uma visão mais humana dos heróis e protagonistas daquele que foi o primeiro movimento de grande porte em prol da independência do Brasil – a Inconfidência Mineira. Do ponto de vista da linguagem, é possível observar uma clareza maior em relação às suas demais obras – a comuni- cação se faz de maneira a se tornar algo mais familiar, imagi- nativo aos interlocutores, sobretudo por se tratar de poesia. 2.1. Contexto e projeção histórica Romanceiro da Inconfidência marca um contexto de cará- ter épico, todavia pode ser lido de maneira lírica e reflexiva. A Inconfidência Mineira será o pano de fundo histórico escolhido por Cecília Meireles para compor sua obra. A autora leva em consideração os acontecidos no ano de 1789 quando, inspirados pelas ideias iluministas europeias e pela independência dos Estados Unidos, alguns homens – os inconfidentes –, organizaram um movimento de liber- tação da colônia brasileira em detrimento da metrópole, ou seja, da coroa portuguesa. As ações da coroa, seus altos impostos sobre a extração do ouro e os interesses de classe dos inconfidentes fomentaram a constituição deste movimento importante e histórico para a pavimentação do processo de libertação e independên- cia do Brasil. Logo, os donos de minas, profissionais liberais como advogados e juízes formados em Coimbra, Portugal, entre os quais se destacam diversos poetas árcades, aliás a maioria, – começaram a conspirar contra Portugal. Porém, a insurgência do movimento foi denunciada, numa delação em que os envolvidos foram perseguidos, presos, exilados e mortos. Tiradentes foi escolhido para dar de exemplo e foi executado na forca, em 21 de abril de 1792. 2.1.1. Personagens Na constituição dos romanceiros, Cecília Meireles trará à baila conhecidos personagens da Inconfidência Mineira. Podemos citar: Cláudio Manuel da Costa e as circunstâncias miste- riosas envolvendo sua morte; Tomás Antônio Gonzaga, o poeta árcade, e sua ama- da Marília de Dirceu (Maria Doroteia Seixas); José de Alvarenga Peixoto, minerador e poeta, jun- to a sua esposa Bárbara; 50 Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes – o enfor- cado que se tornaria mártir. 2.1.2. Espaço A gênese da obra ocorreu, de acordo com depoimento da escritora, quando foi pela primeira vez à cidade de Ouro Preto, local onde se organizou o movimento de Tiradentes e seus companheiros. As alusões que Cecília Meireles faz não são consideradas diretas ao espaço geográfico evoca- do na narrativa, uma vez que o objetivo é apenas ambien- tar e valorizar a ação das personagens da história. Porém, o espaço aparece como uma espécie de personagem secun- dário de luxo, pois não é possível entender a história bem como os poemas, sem dominar plenamente os acontecidos naquelas ladeiras pedregosas, nas minas de ouro, o pal- co de acontecimentos que foi a cidade de Vila Rica, atual Ouro Preto, centro do poder da então capitania de Minas Gerais. Hoje considerada um patrimônio histórico mundial e resguardadapor todos em suas estruturas arquitetônicas e urbanísticas, museus, ateliês de escultura inspirados no famoso aleijadinho e estudantes das mais variadas ordens, como é o caso da própria literatura, que vão desfrutar des- se cenário histórico e artístico de nosso país. 2.1.3. Tempo Cecília Meireles opta por não fazer uma marcação cronológi- ca no desenvolvimento de seus poemas – romanceiros –, to- davia, é sabido que a obra situa-se no século XVIII e abrange o período do ciclo do ouro (Brasil colônia), desde o período que antecede a revolta até a morte dos inconfidentes, em que a autora homenageará os heróis da tragédia mineira. 2.2. Gênero: romanceiro O vestibulando precisa dar atenção especial ao gênero esco- lhido por Cecília Meireles, pois, quando se trata desta obra aqui analisada, é muito comum que os vestibulares cobrem o aspecto formal, ou seja, o conceito do “romanceiro”. A primeira grande questão que se deve ter atenção é o fato de que não se pode confundir com a denominação do atual gênero em prosa, o romance. O gênero “romanceiro” é poesia e se estrutura num tipo de forma poemática de origem medieval na península Ibérica. Além disso, assume um caráter narrativo em que fatos he- roicos e históricos são contados a um determinado povo. É considerado na tradição como uma junção de poesias ou canções de caráter popular. Em geral, a narrativa se de- bruça sobre tema central, no caso aqui da Inconfidência Mineira e seus personagens. 51 São narrativas breves e rimadas sob a forma de poemas épico-líricos e que originalmente surgiram cantadas em função da tradição oral (contexto de analfabetismo). Com 85 “romances” (romanceiro), publicado em 1953, Cecília Meireles mergulha na História do Brasil no século XVIII. Os episódios narrados relacionam-se com a ambientação da mineração e do ciclo do ouro, passando desde Chica da Silva, a da Inconfidência Mineira (Vila Rica) até o enforca- mento de Tiradentes. 2.3. Estrutura Nessa obra de Cecília Meireles, há 85 romances, além de outros poemas, como os que retratam os cenários/espaços e pelas falas: romances: narrativas em versos relacionadas aos fa- tos ligados à Inconfidência Mineira; cenário/espaço: as descrições dos cenários onde se desenrolaram os fatos; falas: os comentários feitos pela narradora a respeito dos fatos narrados. 2.3.1. Os romances A autora faz uma aprofundada pesquisa histórica para es- crever seu Romanceiro da Inconfidência. Nesse livro, por meio de uma hábil síntese entre o dramático, o épico e o lírico, há um retrato da sociedade de Minas Gerais do sé- culo XVIII, principalmente dos personagens envolvidos na Inconfidência Mineira, abortada pela traição de Joaquim Silvério dos Reis, que culminou na execução de Tiradentes. A ambientação da narrativa aparece nos primeiros 19 ro- mances. A questão da descoberta do ouro e a estrutura- ção de ordem social que se estabelece a partir deste novo contexto econômico. Esta configuração social se dá com a vinda dos mineradores, seus costumes e aspectos culturais, como se vê nos “causos”: Romance IV: A donzela morta por uma punhalada desferida pelo próprio pai. Romance VI ou os cantos dos negros nas catas. Romances XIII a XIX: Surge o folclore, a história do contratador João Fernandes e de sua amante Chica da Silva e o alerta sobre a traição do conde de Valada- res. O foco se desenvolve acerca da questão da am- bição das pessoas circunscritas a esse ambiente, onde a possibilidade de enriquecer via descoberta do ouro ou exploração do mesmo era muito grande. E, é claro, a cobiça em torno do ouro torna as pessoas cada vez mais inescrupulosas. Romance XXI: Neste interessante romance, começam a surgir e circular naquelas passagens as primeiras ideias de liberdade do País em ralação à coroa portuguesa. Além disso, a Vila Rica será chamada de “país das Ar- cádias”, uma menção direta a influências iluministas em terras brasilis e que constituem o Neoclassicismo brasi- leiro, com seus principais poetas e suas pastoras: cita- -se Dirceu e Marília (Tomás Antônio Gonzaga), além de Glauceste Satúrnio e Nise (Cláudio Manuel da Costa). Romance XXIV: É a partir deste romance que a insa- tisfação começa a ficar cada vez mais latente entre os insurgentes, a revolta contra os portugueses explora- dores toma forma com a confecção de uma bandeira: Libertas quae sera tamen. Romances XXVII ao XLVII: Neste conjunto de roman- ces, surge mais claramente e especificada a atuação de Tiradentes, apelido do alferes Joaquim José da Silva Xa- vier. Sua atuação buscava atrair cada vez mais adeptos 52 para sua causa e ideologia de libertação, atraindo cons- piradores em suas longas cavalgadas pelos caminhos e estradas que, inclusive, o levavam para o Rio de Janeiro. Romance XXVIII: Os planos libertários de Tiradentes serão freados antes mesmo de serem colocados em prática, sobretudo por conta da ação de seus delatores, em especial a figura de Joaquim Silvério dos Reis. Romance XLIX: Os ataques da coroa são cada vez mais ferrenhos, começa uma perseguição violenta a todos os integrantes do movimento de libertação com confisco de bens, prisões, falsos testemunhos e a morte de Glauceste Satúrnio (pseudônimo de Cláudio Manuel da Costa), sob condições misteriosas. Uma carta suicida é colocada ao lado de seu corpo assassinado na cadeia. Romance LII: Antecipação da execução de Tiradentes, por intermédio da fala do carcereiro. Romances LVI a LXIII: Explicitação da morte de Ti- radentes. Romances LIV e LV: Julgamento e exílio de Tomás Antônio Gonzaga para Moçambique (África). Romance LXXIII: Sem a presença de seu amado Tomás Antônio Gonzaga, sua ex-noiva, Maria Doroteia Joaqui- na de Seixas (Marília), fica completamente inconsolada. Romance LXXI: Tomás Antônio Gonzaga se casa com Juliana de Mascarenhas, filha de um traficante de es- cravos em Moçambique. Romances LXXV a LXXX: Estes últimos romances narram aspectos relativos à vida do poeta Alvarenga Peixoto e de sua família: sua esposa, Bárbara Heliodo- ra, e sua filha, Maria Ifigênia. Surge também o retrato de Marília idosa. Romances LXXXII e LXXXIII: Nestes romances, sur- gem os lamentos pela situação calamitosa em que se encontra Vila Rica e Minas Gerais como um todo, bem como a morte de D. Maria, a Louca. Romance XXIV: A obra é concluída com a “Fala aos Inconfidentes Mortos”. Segundo a crítica, este é consi- derado um dos romances mais importantes, simboliza- do pela confecção da bandeira dos inconfidentes com todo o movimento que eles preparavam em Vila Rica. 2.3.2. Métrica utilizada Em sua composição, é utilizada principalmente a medida velha, ou seja, a redondilha menor, verso de cinco sílabas poéticas (pentassílabo) e, predominantemente, a redondi- lha maior, verso de sete sílabas (heptassílabo). Este tipo de verso é típico da poesia popular, como ocorre no poema intitulado “Fala Inicial”: Não posso mover meus passos por esse atroz labirinto de esquecimento e cegueira em que amores e ódios vão: (…) No entanto, vale observar que Cecília não se prende total- mente a esse modelo, como uma boa escritora modernista. O texto vai girar em torno de outras perspectivas formais, com versos mais curtos – de quatro sílabas (como em “Fala aos Inconfidentes Mortos”) –, e mais longos, como é o caso dos decassílabos que podemos observar no poema “Cenário”. 2.3.3. Rimas Imperfeitas: No que diz respeito às rimas, a autora utiliza as chamadas imperfeitas, cuja determinação se vale de terminações de versos semelhantes, como se observa no Romance XIII. Eis que chega ao Serro Frio, à terra dos diamantes, o Conde de Valadares, fidalgo de nome e sangue, José Luís de Meneses de Castelo Branco e Abranches. Ordens traz do grão Ministro de perseguir João Fernandes. (…) Perfeitas: A escritora faz uso, ainda, de rimas perfei- tas, que são as terminações em sons vocálicos e conso- nantais idênticos, como se vê no Romance VI. Já se preparam as festas para os famososnoivados que entre Portugal e Espanha breve serão celebrados. Ai, quantas cartas e acordos redigidos e assinados! (…) 2.3.4. Temas De maneira geral, o grande tema desse livro é o valor his- tórico que a Inconfidência trouxe para o processo de inde- pendência do Brasil. Os heróis e os símbolos da liberdade que fazem parte de história nacional e que, muitas vezes, é esquecida por aqueles que desconsideram a importância de se entender o passado para ressignificar o futuro. Inconfidência Mineira: O tema central da obra Ro- manceiro da Inconfidência é, como o próprio título in- dica, a Inconfidência ou Conjuração Mineira, episódio histórico ocorrido em 1789, que culminou com a morte de Tiradentes, apelido de Joaquim José da Silva Xavier, além da perseguição, prisão e morte de tantos outros inconfidentes. 53 Heroísmo e ousadia: A ousadia fica por conta do he- rói do poema, Tiradentes, que ousava sair pelos campos ou pelos quartéis bradando em nome da liberdade do País e falando contra a ambição da coroa portuguesa, que estava sempre a exigir mais dinheiro de todos. Tira- dentes surge como um símbolo do heroísmo dos incon- fidentes. Além disso, vale ressaltar que Cecília Meireles também mostra o lado humano do inconfidente mais famoso: sua profissão, sua origem humilde, seu cargo militar, sua utopia de liberdade. Relata também a trai- ção de que foi vítima, seu isolamento e execução. Não se pode esquecer também dos outros inconfidentes e dos heróis anônimos. Morte de Tiradentes: A morte de Tiradentes surge como uma centralização temática, no entanto, outros temas giram em torno de sua execução. Podemos citar, por exemplo, os fatores históricos do episódio, a trai- ção, a ambição desmedida e a tal “febre do ouro”. Traição e covardia: A traição e a covardia são temas abordados nos romances, em função da busca desme- dida pelo ouro em que muitos delataram os inconfiden- tes, movidos por interesse econômico, como é o caso de Joaquim Silvério dos Reis – delator de Tiradentes –, ou por medo das ações do governador da capitania de Minas. Muitos dos delatores, inclusive, inventavam histórias para se beneficiar das recompensas e nem sequer viram ou ouviram qualquer coisa que pudesse servir de fato como prova contra os acusados. Ambição: Deixando de lado qualquer escrúpulo ou ideia de amizade, a ambição está presente nas atitudes do próprio Joaquim Silvério dos Reis ou do conde de Valadares, que se vendem por dinheiro e ouro. Loucura: O tema loucura vai figurar em caráter dra- mático com a figura da rainha D. Maria I, uma vez que é sabido de suas características históricas, bem como a menção ao fato de que ela se via condenada ao Infer- no. Outra circunstância vinculada à temática da loucura se dá em relação à figura de Bárbara Heliodora, que so- fre muito em função do exílio de seu marido, o poeta e inconfidente Alvarenga Peixoto, somado à tragédia da morte de sua filha Ifigênia, ficando louca e morrendo. Corrupção: O tema da corrupção, tão recorrente em nosso País até hoje, já nessa época dava a sua cara, sobretudo num lugar onde circulava tanto dinheiro e estruturas de poder. A corrupção vai entremear as rela- ções de poder entre governadores, fiscais, magistrados e funcionários da coroa portuguesa. O amor: Num contexto de tanta violência, revolta e cor- rupção, ainda é possível perceber a resistência do amor. O tema surge nos versos dos poetas árcades Tomás Antônio Gonzaga ou Cláudio Manuel da Costa, ao recordarem em suas liras as pastoras Marília, Nise ou Anarda. Arcadismo: A escola literária do Arcadismo também será abordada por Cecília Meireles, no sentido de ser uma vanguarda em relação ao pensamento iluminista dos inconfidentes que encabeçaram a estética artística, pois foram buscar suas utopias liberais na Europa, so- bretudo em seus estudos de Direito na famosa Univer- sidade de Coimbra (Portugal). A experiência aparecerá como tema em diversos momentos da obra, em que as pastoras, as ovelhinhas e a natureza bucólica irão contrapor-se ao clima de violência e insurreição que dominará a ação narrativa. 2.4. Leia alguns poemas Fala inicial Não posso mover meus passos. Batem patas de cavalos por esse atroz labirinto Suam soldados imóveis, de esquecimento e cegueira. Na frente dos oratórios, em que amores e ódios vãos; que vale mais a oração? – Pois sinto bater os sinos, vale a voz do Brigadeiro. Percebo o roçar das rezas, sobre o povo e sobre a tropa, vejo o arrepio da morte, louvando a augusta Rainha à voz da condenação; – já louca e fora do trono – – avisto a negra masmorra na sua proclamação. e a sombra do carcereiro que transita sobre angústias Ó meio-dia confuso, com chaves no coração; ó vinte-e-um de abril sinistro, – descubro as altas madeiras que intrigas de ouro e de sonho do excessivo cadafalso houve em tua formação? e, por muros e janelas, o pasmo da multidão. Romance XIV ou da Chica da Silva Que andor se atavia naquela varanda? É a Chica da Silva: é a Chica-que-manda! Cara cor da noite, olhos cor de estrela. Vem gente de longe Para conhecê-la. 54 Romance LX ou do caminho da forca Os militares, o clero, os meirinhos, os fidalgos [Águas, montanhas, florestas, que o conheciam das ruas, negros nas minhas, exaustos... das igrejas e do teatro, – bem podíeis ser, caminhos, das lojas dos mercadores de diamante ladrilhados...] e até da sala do Paço; Tudo leva na memória: e as donas mais as donzelas em campos longos e vagos que nunca o tinham mirado, tristes mulheres que ocultam os meninos e os ciganos, seus filhos desamparados... as mulatas e os escravos, Longe, longe, longe, longe, os cirurgiões e algebristas, no mais profundo passado... leprosos e encarangados, – pois agora é quase um morto, e aqueles que foram doentes que caminha sem cansaço, e que ele havia curado que por seu pé sobe à forca, – agora estão vendo ao longe, diante daquele aparato... de longe escutando o passo dos Alferes que vai à forca, Pois agora é quase um morto, levando ao peito o braço, partindo em quatro pedaços, levando no pensamento e – para que Deus o aviste – caras, palavras e fatos; levantado em postes altos. as promessas, as mentiras, línguas vis, amigos falsos [Caminha a Bandeira coronéis, contrabandistas, de Misericórdia. ermitões e potentados, Caminho, piedosa, estalagens, vozes, sombras, mais alta que a tropa. adeuses, rios, cavalos... Da forca se avista a Santa Bandeira Tudo leva nos seus olhos, da Misericórdia.] nos seus olhos espantados, o Alferes que vai passando para o imenso cadafalso, onde morrerá sozinho por todos os condenados. Aplicando para aprender Leia o texto a seguir para responder às questões 1 e 2. Romance XXXIV ou de Joaquim Silvério Melhor negócio que Judas fazes tu, Joaquim Silvério: que ele traiu Jesus Cristo, tu trais um simples Alferes. Recebeu trinta dinheiros... -- e tu muitas coisas pedes: pensão para toda a vida, perdão para quanto deves, comenda para o pescoço, honras, glória, privilégios. E andas tão bem na cobrança que quase tudo recebes! Melhor negócio que Judas fazes tu, Joaquim Silvério! Pois ele encontra remorso, coisa que não te acomete. Ele topa uma figueira, tu calmamente envelheces, orgulhoso impenitente, com teus sombrios mistérios. (Pelos caminhos do mundo, nenhum destino se perde: há os grandes sonhos dos homens, e a surda força dos vermes.) (CECÍLIA MEIRELES, ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA) 1. (Fatec) Considere as seguintes afirmações sobre o texto. I. O emissor assume postura argumentativa ao exprimir juízos de valor sobre as ações de ambos os traidores célebres. II. A significação do texto constrói-se com base numa ampla comparação, na qual se destaca crítica mais con- tundente à traição praticada por Joaquim Silvério. III. O emissor enfatiza as vantagens obtidas pelos atos de Joaquim Silvério, como forma de expor sua vileza. IV. Os versos finais, postos entre parênteses, contêm um comentário de natureza ética e generalizante que ex- pressa o tema do texto. Estão corretas as afirmações:a) I e III, apenas. b) II e IV, apenas. c) I, III e IV, apenas. d) II, III e IV, apenas. e) I, II, III e IV. 2. (Fatec) À vista dos traços estilísticos, é correto afirmar que o texto de Cecília Meireles: a) representa grande inovação na construção dos versos, marcando-se sua obra por experimentalismo radical da linguagem e referência a fontes vivas da língua popular. b) é despida de sentimentalismo e pautada pelo culto formal expresso na riqueza das rimas e na temática de cunho social. c) simula um diálogo, adotando linguagem na qual pre- domina a função apelativa, e opta por versos brancos, de ritmo popular (caso dos versos de sete sílabas métricas). d) expressa sua eloquência na escolha de temática greco-romana e nas tendências conservadoras típicas do rigor formal de sua linguagem. e) é de tendência descritiva e heroica, adotando a sáti- ra para expressar a crítica às instituições sociais falidas. 3. (Fuvest) Como o próprio título indica, no Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles, os romances têm como referência nuclear a já frustrada rebelião na Vila Rica do século XVIII. No entanto, deve-se reconhecer que: a) a base histórica utilizada no poema converte-se no lirismo transcendente e amargo que caracteriza as outras obras da autora. b) as intenções ideológicas da autora e a estrutura narrativa do poema emprestam ao texto as virtudes de uma elaborada prosa poética. 55 c) a imaginação poética dá à autora a possibilidade de interferir no curso dos episódios essenciais da re- belião, alterando-lhes o rumo. d) a matéria histórica tanto alimenta a expressão po- ética no desenvolvimento dos fatos centrais quanto motiva o lirismo reflexivo. e) a preocupação com a fidedignidade histórica e com o tom épico atenua o sentimento dramático da vida, habitual na poesia da autora. 4. (UFPR) Sobre o livro Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles, considere as afirmativas a seguir. I. Os documentos históricos legados à posteridade não esclarecem de fato certos episódios relacionados à Inconfidência Mineira. Em face dessa situação, Cecília Meireles optou por apresentar os acontecimentos e as personagens a partir de uma perspectiva lírica que prescinde de nitidez e definição. II. O poema contém partes de elaboração clássica, me- trificadas em versos longos e outras mais próximas das composições populares, em versos curtos. III. Além das personagens diretamente envolvidas no movimento sedicioso do título, o poema também trata de outras, como Chica da Silva, que embora não este- jam diretamente envolvidas, ajudam a compor o am- biente histórico do texto. IV. Tiradentes, o alferes que a história transformou em he- rói, é apresentado na obra como indivíduo ambíguo e de moral discutível, numa clara contraposição literária à ima- gem apresentada pelos historiadores mais conservadores. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I, II e III são verdadeiras. b) Somente as afirmativas I, II e IV são verdadeiras. c) Somente as afirmativas II e IV são verdadeiras. d) Somente as afirmativas II, III e IV são verdadeiras. e) Somente as afirmativas III e IV são verdadeiras. 5. (Ufrgs) Considere as seguintes afirmações sobre o Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. I. O Romanceiro é narrativo e lírico ao mesmo tempo, apresentando uma sequência de poemas, através dos quais a autora realiza uma comovente reflexão sobre um momento da história do Brasil. II. A obra vale-se dos acontecimentos da Inconfidência Mineira para expor a constituição da sociedade e a atu- ação do homem, e, a partir deles, traçar um retrato da condição humana. III. O Romanceiro recria a cidade de Vila Rica durante o episódio da Inconfidência, procurando dar voz tanto às figuras conhecidas da história quanto ao povo que assistiu perplexo ao desenrolar dos acontecimentos. Quais estão corretas? a) Apenas I. b) Apenas II. c) Apenas I e III. d) Apenas II e III. e) I, II e III. 6. (UFG) No Romanceiro da Inconfidência, Cecília Meire- les mescla os três gêneros literários, entre os quais o lí- rico e o épico podem ser identificados, respectivamente: a) nos trechos referentes ao amor de Marília por Dir- ceu e no fio narrativo da obra. b) na descrição objetiva dos fatos e na manifestação da imparcialidade dos protagonistas. c) na escolha da forma romance e na marcação do tempo nas partes intituladas de Cenários. d) na grandiloquência da linguagem e na fala dramá- tica das personagens. e) nos monólogos e diálogos expressos em versos e na fusão do narrador com o mundo narrado. 7. (UFG) “Calabar”, de Chico Buarque e Ruy Guerra, e “Romanceiro da Inconfidência”, de Cecília Meireles, trazem episódios da História do Brasil para o plano lite- rário e, nessa releitura: a) o tópico da traição é relativizado e exposto de for- ma poética. b) o açúcar e o ouro constituem temas secundários desenvolvidos alegoricamente. c) os negros e as mulheres são subjugados e excluí- dos das cenas dramáticas. d) a consolidação dos heróis da Independência rece- be tratamento irônico. e) o fracasso dos primeiros ideais de brasilidade é mostrado por diversas vozes. 8. (Ufrgs) Considere o enunciado a seguir e as três pro- postas para completá-lo. No “Romanceiro da Inconfidência”, Cecília Meireles... I. recria a paisagem física e humana da Vila Rica dos inconfidentes, dando voz a figuras centrais dos aconte- cimentos políticos da época. II. recupera uma forma poética de origem medieval, proveniente da literatura oral ibérica, o que favorece a inserção de vozes populares. III. retoma, em muitos “romances”, episódios da vida de Tomás Antônio Gonzaga, relatando sua prisão, seu exílio e seus amores. Quais propostas estão corretas? a) Apenas I. b) Apenas II. c) Apenas I e III. d) Apenas II e III. e) I, II e III. 9. (Fuvest) O verso “Só se estivesse alienado”, que fun- ciona como um refrão no “Romance LXXIII ou da incon- formada Marília”, registra a reação desta personagem do Romanceiro da Inconfidência à informação de que: a) seu amado, o inconfidente e poeta Cláudio Manuel da Costa, se suicidara na prisão. b) seu primo-irmão, o inconfidente Joaquim Silvério dos Reis, traíra os companheiros de conjura, delatando-os. c) seu noivo, o poeta e inconfidente Tomás Antônio Gonzaga, se casara em África. 56 d) seu prometido, o árcade e inconfidente Dirceu, se suicidara na prisão. e) seu companheiro na Inconfidência, o alferes Tira- dentes, assumira sozinho toda a culpa da conjuração. 10. (UFG) Leia o poema que segue. Romance XXXV ou do suspiroso alferes Terra de tantas lagoas! Terra de tantas colinas! No fundo das águas podres, o turvo reino das febres... “Ah! se eu me apanhasse em Minas...” Nos palácios, vãos fidalgos. Santos vãos, pelas esquinas. Pelas portas e janelas, as bocas murmuradoras... “Ah! se eu me apanhasse em Minas...” Rios inchados de chuva, serra fusca de neblinas... Quem tivera uma canoa, quem correra, quem remara... “Ah! se eu me apanhasse em Minas...” (Que vens tu fazer, Alferes, com tuas loucas doutrinas? Todos querem liberdade, mas quem por ela trabalha?) “Ah! se eu me apanhasse em Minas...” (O humano resgate custa pesadas carnificinas! Quem morre, para dar vida? Quem quer arriscar seu sangue?) “Ah! se eu me apanhasse em Minas...” Minas das altas montanhas, das infinitas campinas... Quem galopara essas léguas! Quem batera àquelas portas! “Ah! se eu me apanhasse em Minas...” Mas os traidores labutam nas funestas oficinas: vão e vêm as sentinelas, passam cartas de denúncia... “Ah! se eu me apanhasse em Minas...” (E tudo é tão diferente do que em saudade imaginas! Onde estão os teus amigos? Quem te ampara? Quem te salva, mesmo em Minas? mesmo em Minas?) MEIRELES, CECÍLIA. ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA. RIO DE JANEIRO: NOVA FRONTEIRA, 1999. P. 135-136. Com base no poema “Romance XXXV ou do suspiroso alferes”: a) Explique a ironia presente no poema. b) Identifique o momento histórico que esse poema re- toma e explicite duas características da linguagem usadapela poetisa para transformar o documental em lírico. c) Esclareça a divergência entre a voz do narrador e a do alferes. Gabarito 1. E 2. C 3. D 4. A 5. E 6. A 7. E 8. E 9. C 10. a) A ironia está em querer a revolução e não fazer nada, ou seja, não lutar por ela. b) O alferes está preso no Rio de Janeiro, traído e desejando retornar para Minas Gerais. Presença de recursos estilísticos, entre eles: poema, verso, estrofe, rima, refrão, presença de voz lírica, metáfora, repe- tição, alegoria, reticências, interrogação, exclamação, anáfora, aliteração, hipérbole. c) O narrador é realista, cético. O alferes é sonhador, idealista.