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O confronto do Serviço Social da década de 90 com as novas configurações e manifestações da questão social

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O confronto do Serviço Social da década de 
90 com as novas configurações e 
manifestações da questão social
APRESENTAÇÃO
A compreensão das manifestações da questão social e suas expressões diante de um cenário de p
rimazia pela lógica neoliberalista vivenciada no Brasil nos anos 1990 traz a necessidade de estud
ar aprofundadamente os conceitos de trabalho, meios de produção, precarização e outros tópicos 
relacionados a esse modelo econômico-social que segue, ainda hoje, em muitos projetos de Esta
do. 
As expressões do sistema neoliberal ocasionaram no país um cenário de pobreza, subalternidade 
e precarização dos trabalhadores, de benefício do capital financeiro em detrimento do aparelho e
statal, em especial das políticas públicas.
Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai conhecer os desafios do Serviço Social diante dessa 
problemática, bem como algumas reflexões acerca de superações necessárias para o enfrentame
nto de situações que se configuram como manifestações da questão social na contemporaneidad
e.
Bons estudos.
Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
Reconhecer os desafios impostos ao Serviço Social pela precarização do trabalho e a penal
ização dos trabalhadores.
•
Identificar as tantas questões relacionadas à pobreza, à subalternidade e à exclusão com as 
suas múltiplas faces.
•
Analisar os processos desestruturantes dos sistemas de proteção social e sua influência na 
atuação do assistente social.
•
DESAFIO
Em um cenário de desresponsabilização do Estado e de redução dos investimentos em políticas 
públicas, muitos profissionais do Serviço Social optam por buscar novas formas de inserção no 
mercado de trabalho. Alguns deles escolhem atuar de forma autônoma, trabalhando na área de p
restação de serviços e de consultoria.
Imagine que você é um profissional autônomo da área de Serviço Social e presta serviços para p
refeituras, empresas e demais interessados. Em uma de suas demandas de serviço, você é contrat
ado por uma organização do terceiro setor para realizar um levantamento em determinada cidade 
para verificar o número aproximado de crianças e adolescentes com deficiência física. A finalida
de dessa demanda é averiguar a necessidade de desenvolver ações nesse município para tratar de
ssa problemática.
Quais estratégias você poderá utilizar para realizar essa atividade?
INFOGRÁFICO
A partir dos anos 1990, o Brasil adotou fortemente o sistema neoliberal. A implantação dessa po
lítica se intensificou nos governos de Fernando Collor de Mello e, depois, de Fernando Henrique 
Cardoso, com a adoção do chamado receituário neoliberal, que inclui, dentre outros processos, a 
redução do aparato estatal por meio da prática de privatizações com o discurso de torná-lo mais 
ágil e autônomo.
O Infográfico a seguir apresenta um resumo das principais privatizações ocorridas no Brasil apó
s a década de 1990. Confira.
CONTEÚDO DO LIVRO
O Serviço Social, em seu processo histórico, atua em consonância com manifestações da questã
o social que são expressadas por determinado momento histórico do meio social no qual a profis
são se insere. A evolução do sistema capitalista culminou no início da década de 1990 em novas 
formas de organização do trabalho que acarretaram em um agravamento das formas de exploraç
ão da classe trabalhadora.
No capítulo O confronto do Serviço Social da década de 1990 com as novas configurações e ma
nifestações da questão social, da obra Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Serviço Social 
III e IV, você vai compreender alguns conceitos básicos a essa discussão, como o de trabalho, m
eios de produção, precarização, que irão ajudar na construção de uma análise crítica acerca das 
manifestações da questão social que emergem diante das problemáticas apresentadas na socieda
de moderna. Você terá acesso, ainda, a algumas considerações sobre a precarização das relações 
de trabalho consequentes da lógica neoliberal desencadeada na década de 1990.
Boa leitura.
FUNDAMENTOS 
TEÓRICOS E 
METODOLÓGICOS 
DO SERVIÇO 
SOCIAL III E IV
Anderson Barbosa 
Scheifler
O confronto do Serviço 
Social da década de 1990 
com as novas configurações 
e manifestações da 
questão social
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
  Apreender os desafios impostos ao serviço social pela precarização 
do trabalho e a penalização dos trabalhadores.
  Identificar as tantas questões relacionadas à pobreza, à subalternidade 
e à exclusão com as suas múltiplas faces.
  Analisar os processos desestruturantes dos sistemas de proteção social 
e sua influência na atuação do assistente social.
Introdução
Neste capítulo, vamos analisar alguns conceitos que são determinantes 
para que possamos ter uma melhor compreensão das problemáticas 
relacionadas aos desafios do Serviço Social na década de 1990 e seus 
reflexos nos dias atuais. O conceito de trabalho, relações sociais, pre-
carização do trabalho, neoliberalismo e outros são abordados com o 
intuito de estabelecer a ligação dessas questões com as expressões da 
questão social, que é objeto de trabalho do Serviço Social. Para isto, vamos 
estabelecer algumas ponderações acerca do papel do assistente social 
em meio a um cenário de desresponsabilização do Estado e crescente 
exploração da classe trabalhadora.
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Trabalho, precarização e Serviço Social
No Serviço Social, trabalho remete ao conceito de exploração, que nos leva 
ao sistema capitalista dominante nos tempos modernos. Para compreender o 
trabalho, suas transformações, processos e meios, é necessário rever o seu surgi-
mento na literatura e suas defi nições básicas por meio dos autores que analisam 
a categoria. O trabalho e suas relações respondem pela divisão de classes, formas 
de produção, exploração do trabalho, emprego, renda, economia, prosperidade, 
crise e riqueza de uma sociedade capitalista. Marx conceitua trabalho como:
[...] um processo entre homem e a natureza, um processo em que o homem, por 
sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. 
[...] Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, 
braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa 
forma útil para sua vida (MARX, 1983, p. 149).
É pelo trabalho que o ser humano se distingue dos outros animais. Adquire 
uma forma corporal própria, modifica e domina a natureza, obrigando-a a 
servi-lo, imprimindo a seus recursos forma útil à vida humana. Neste processo 
de modificação da natureza externa para atender as suas necessidades, mediante 
a produção de seus meios de subsistência, o ser humano modifica sua própria 
natureza, desenvolvendo as potencialidades nela existentes e adormecidas. A 
produção desses meios de subsistência repercute na reprodução de sua vida 
material e, dessa forma, em seu modo de pensar e viver. (MARX; ENGELS, 
2002 apud SILVA, 2009, p. 38).
Silva (2009) define nas palavras de Marx meios de produção como sendo 
as condições materiais necessárias para a realização do processo de trabalho, 
os meios de trabalho, os instrumentos e o objeto e a matéria a que se aplica. 
A autora distingue as épocas econômicas não pelo o que estas produzem, 
mas como são produzidas às diferentes necessidades do homem. São estes os 
meios de trabalho que são responsáveis por diagnosticar as condições sociais 
em que o trabalho se realiza. 
O grau de desenvolvimento das forças produtivas, por sua vez, implica a 
divisão social do trabalho, cujos estágios diferentes representam formas diver-
sas de relações entre os indivíduos no tocante à matéria, aos instrumentos e 
produtos de trabalho, isto é, formas diferentes de propriedade: tribal, comunal, 
feudal, capitalista etc. (MARX 1983 apud SILVA, 2009, p. 39).
Iamamoto (2002, p.40) define o trabalho como uma atividade racional 
orientada para um fim objetivandoa produção de bens e valores de uso. É a 
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transformação da natureza e suas matérias disponíveis em bens de uso para o 
ser humano, a dominação e apropriação das forças e qualidades existentes na 
natureza voltadas para o trabalho: “[...] o trabalho concreto formador de valores 
de uso, é condição humana, independente de todas as formas de sociedade. É 
a atividade existencial do homem, sua atividade livre e consciente”.
A autora ainda descreve sobre as características do trabalho humano, 
diferenciando o homem de outras espécies, seria esta a dimensão teleológica 
que é a capacidade de prever suas ações, planejá-las e executá-las prevendo o 
resultado alcançado pelo trabalho. É a capacidade de uso e criação de meios 
de trabalho que se colocam entre homem e objeto, são formas que o homem 
utiliza para alcançar o resultado final do objeto pré-concebido na forma te-
leológica. Os meios de trabalho sempre estão conectados às condições de 
trabalho, diferenciando e definindo determinadas “[...] épocas econômicas”, 
estas caracterizadas por “como se produz algo” em determinado período, 
caracterizam a economia, relações de trabalho e sociais de cada tempo (IA-
MAMOTO, 2002).
Trabalho também é a criação de novas necessidades além das básicas 
características ao ser humano, portanto impulsionador do consumo. Com 
novas criações e invenções o homem se torna cada vez mais dependente de 
novos bens de consumo, antes não necessários à sua sobrevivência. Esse é um 
processo gradativo e contínuo impulsionado pelo sistema capitalista.
A criação de novas necessidades se dá pela mão do homem através da 
apropriação de novas faculdades, as aspirações religiosas, estéticas e científicas 
deste homem dotado de curiosidade. O resultado do trabalho a partir destas 
características é responsável pela evolução humana, ou seja, sua história.
Para Marx (1983, p.153), no processo de trabalho o homem realiza a trans-
formação do objeto de trabalho em produto, ação esta pretendida desde o 
princípio. O processo extingue-se no produto, este passa a ser um valor de 
uso pelo qual irá suprir as necessidades humanas. É união do trabalho com 
seu objetivo, o resultado do processo de trabalho do homem. Este processo, 
portanto, é a atividade orientada a produzir valores de uso necessários para 
satisfazer as necessidades humanas, condição universal do “metabolismo entre 
homem e natureza”, processo este comum a todas as formas sociais.
O processo de trabalho sob a dominação e exploração do sistema capitalista 
mostra duas características. O trabalho do empregado pertence ao capitalista, 
este possui o controle sobre o trabalhador fiscalizando que o trabalho seja 
realizado em ordem, sem desperdício de matéria prima e preservação dos 
meios de produção. Além disso, o produto gerado pela exploração da mão 
de obra também é propriedade do empregador. A partir do momento que o 
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trabalhador vende sua força de trabalho para o capitalista, este acrescenta o 
valor da mão de obra junto às demais despesas da produção. O “fermento vivo” 
em meio “aos elementos mortos”. O processo de trabalho torna-se o consumo 
da mercadoria força de trabalho (MARX, 1983, p.154).
Antunes (2008, p. 126) se refere às dimensões do trabalho propostas pelo 
método marxiano, uma relativa ao indivíduo social e a outra, ao capital, sendo 
trabalho como processo de humanização do ser social, e no capitalismo o 
trabalho perde este sentido, sendo “degradado e aviltado. Torna-se estranho”. 
O processo de trabalho torna-se mero meio de subsistência, a força deste 
uma mercadoria com finalidade única de produzir outras mercadorias. Esse 
trabalho, segundo o método marxista, seria a “[...] forma humana de realização 
do indivíduo, reduz-se à única possibilidade de subsistência do despossuído” 
(ANTUNES, 2008, p. 126). O autor enfatiza as transformações do trabalho 
no mundo contemporâneo, tecendo uma análise sobre a inter-relação ente as 
atividades produtivas e improdutivas, as atividades fabris e de serviços, as 
atividades laborativas e de concepção, estas se interligando e expandindo no 
processo de reestruturação do capital (ANTUNES, 2008). 
Pobreza, subalternidade e exclusão
As diferentes formas de trabalho e suas transformações ao longo dos anos 
vêm trazendo à tona um cenário de precarização. As mudanças e crises do 
modo de produção capitalista transformaram as formas de gestão da força de 
trabalho alterando os métodos e formas de acumulação capitalista transfor-
mando o mercado.
Se por um lado, podemos considerar o trabalho como um momento fundante 
da vida humana, ponto de partida no processo de humanização, por outro lado, 
a sociedade capitalista transformou em trabalho assalariado, alienado, fetichi-
zado. O que era uma finalidade central do ser social, converte-se em meio de 
subsistência. A força de trabalho torna-se uma mercadoria, ainda que especial, 
cuja finalidade é criar novas mercadorias e valorizar o capital. Converte-se em 
meio e não primeira necessidade de realização humana (ANTUNES, 2008, p. 03).
[...] A globalização neoliberal e a internacionalização dos processos produ-
tivos estão acompanhadas da realidade de centenas de centenas de milhões 
de trabalhadores desempregados e precarizados no mundo inteiro. Agora, ao 
contrário. Um grande número de trabalhadores pode ser alugado por algumas 
ou poucas horas ao dia, por cinco dias da semana ou por poucas horas em dois 
ou três dias da semana (VASOPOLLO, 2005 apud ANTUNES, 2008, p. 07).
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Silva (2009) analisa a reestruturação produtiva a partir do processo de 
reorganização das forças produtivas para a reorganização do ciclo de repro-
dução do sistema capitalista abalado pela crise de acumulação da década de 
1970 que atingiu tantos países da Europa e outros periféricos como o Brasil. 
No Brasil, esse processo se inicia por volta da década de 1980, tendo como 
pioneiro o setor automobilístico que implementou mudanças nos modos de 
produção como adoção de programas de qualidade total, envolvimento e 
capacitação de funcionários para que estes fossem qualificados a atuar em 
todos os processos da fábrica, aperfeiçoamento tecnológico e outros.
Todas estas mudanças foram necessárias para ampliar a capacidade compe-
titiva das empresas nacionais perante as empresas multinacionais, enquadrando 
as empresas brasileiras em um mercado internacional de forte concorrência. 
Esta reestruturação produtiva tinha por objetivo a redução de custos e elevação 
da produtividade das empresas nacionais. Este processo, portanto, ocasionou 
alterações no mercado de trabalho e na representação política dos trabalhadores 
(SILVA, 2009).
Apesar das mudanças da década de 1980, somente a partir dos anos 1990 foi 
que o Brasil adotou legitimamente o sistema neoliberal. Antunes (2008) refere 
algumas considerações sobre a implantação desta política que se intensificou 
nos governos de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso 
com a adoção do chamado “receituário neoliberal”, que inclui um aumento na 
exploração da força de trabalho, enxugamento nos postos de emprego, mudan-
ças nos processos tecnológicos, flexibilização e desregulamentação e novas 
formas de gestão produtiva. Esses processos indicam que o sistema fordista, 
ainda dominante, começou a se mesclar com os novos processos produtivos e 
formas de acumulação flexível características marcantes do toyotismo.
Nas últimas décadas, grandes transformações vêm ocorrendo na socie-
dade moderna, o sistema neoliberal e a reestruturação produtiva na era de 
acumulaçãoflexível têm trazido inúmeras mazelas decorrentes do processo de 
acumulação do capital. Dentre estas destacamos o desemprego, a precarização 
do trabalho, a exclusão social e a desresponsabilização do Estado para com 
os sistemas de proteção social.
A história apresenta o relato e a análise das transformações do sistema 
capitalista, suas estratégias para manter a hegemonia e as mudanças que 
ocorrem na vida dos trabalhadores do mundo todo que se adaptam às novas 
formas de trabalho, em que se destacam as formas de trabalho precarizadas 
e o trabalho informal.
A compreensão sobre a análise histórica do processo de trabalho do Serviço 
Social perpassa por uma análise do papel da profissão frente à sociedade capi-
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talista e sua participação em meio ao processo de reprodução das relações de 
classes e suas contradições. O contexto da profissão está historicamente ligado 
à especialização do trabalho coletivo em meio a uma sociedade industrial.
No Brasil, a partir dos anos 1990, o receituário neoliberal torna-se hegemônico, e a 
reestruturação produtiva se aprofunda com a finalidade de enfrentar a guerra de com-
petitividade numa economia cada vez mais globalizada e recuperar a taxa de lucro 
do capital. Se nos países desenvolvidos as tentativas de superação da crise do capital 
também ocorreram às custas do corte de empregos e benefícios sociais, num país que 
não chegou nem perto do Estado de Bem-Estar, as consequências para os trabalhadores 
foram devastadoras. Uma leitura dialética da realidade, porém, permite perceber que o 
problema (e também a solução), é que, se por um lado, o sistema se alimenta, tal como 
abutre, da miséria crescente e degradação do tecido social, por outro lado, o alastramento 
de uma realidade cada vez mais caótica amplia e multiplica uma sequência de crises 
que parece não ter fim. Com efeito, nunca foi tão visível a contradição — cuja tendência 
à agudização fora prevista por Marx desde o século XIX — entre o enorme avanço da 
capacidade de produção e geração de riquezas, ao mesmo tempo em que aumentam 
as dificuldades da força de trabalho para usufruir dessa abundância. Dificuldades geradas 
pelas próprias relações estabelecidas no modo de produção capitalista, cuja limitação 
dos empregos e salários, travando o consumo e, consequentemente, os investimentos na 
produção, acaba desencadeando crises e voltando-se contra a própria “ordem” do capital.
Fonte: Grazia (2007, p. 78).
Processos desestruturantes dos sistemas 
de proteção social: influências na atuação 
do assistente social
Para que possamos obter uma compreensão sobre como ocorre o enfrentamento 
do Serviço Social frente a essas confi gurações do mundo do trabalho, faz-se 
necessário conceituar sobre a questão social. Ela é concebida como sendo o 
conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, 
que tem por base a produção social coletiva e a apropriação destes frutos pelo 
setor privado. Conforme aponta Iamamoto: 
Essa contradição fundamental da sociedade capitalista — entre o trabalho 
coletivo e a apropriação privada da atividade, das condições e frutos do tra-
balho — está na origem do fato de que o desenvolvimento desta sociedade 
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redunda, de um lado, em uma enorme possibilidade de o homem ter acesso 
à natureza, à cultura, à ciência, enfim, desenvolver as forças produtivas do 
trabalho social; porém, de outro lado e na sua contraface, faz crescer a distância 
entre concentração/acumulação de capital e a produção crescente da miséria, 
da pauperização que atinge a maioria da população nos vários países, inclusive 
naqueles considerados de “primeiro mundo” (IAMAMOTO, 2002, p. 28).
A gênese da questão social encontra-se, portanto, enraizada na contradição 
maior que é característica do modelo neoliberal e desta época: a produção, 
cada vez mais social, contraposta à apropriação dos frutos dessa produção, 
cada vez mais privados. Uma sociedade em que a igualdade jurídica preva-
lece, ao menos em tese, convive com a desigualdade cada vez maior de seus 
cidadãos. Essas contradições, não tão raramente, tendem a gerar revoltas em 
meio às populações mais carentes. Cabe aos profissionais do Serviço Social 
compreender a nova questão social, que ascende por meio das desigualdades 
sociais em seus recortes de gênero, raça, etnia, religião, nacionalidade, meio 
ambiente, entre outros. 
Os processos desestruturantes que desencadearam a atuação do profis-
sional assistente social na década de 1990, e hoje, expressam-se por meio 
do desemprego e da ampliação da precarização das relações de trabalho. As 
raízes do crescimento do desemprego estão em grande parte relacionadas ao 
processo de globalização financeira, que fazem com que a lógica da valorização 
financeira predomine nas decisões do empresariado, que passa a atuar não 
somente sob a ótica do lucro operacional, mas sim, pela variação cambial e 
dos juros internacionais. O predomínio do capital financeiro sobre o capital 
produtivo estabelecido entre as elites dominantes em detrimento da classe 
trabalhadora (IAMAMOTO, 2002, p. 116-117).
Ainda nos anos 1990, quando, no início do governo de Fernando Henrique 
Cardoso, uma das primeiras medidas adotadas pelo novo presidente foi a 
extinção da antiga Legião Brasileira de Assistência — LBA, substituindo 
pelo programa Comunidade Solidária de viés claramente assistencialista e 
clientelista, ainda pior do que criticada a LBA. Para dar estabilidade econô-
mica, o governo tratou de submeter a população a enormes sacrifícios como 
um aumento da recessão, do desemprego em massa, do arrocho no crédito 
e salários. 
A equipe econômica do governo, atendendo aos preceitos do consenso de 
Washington, tratou logo de trabalhar no sentido de buscar de uma estabilidade 
financeira com uma redução do aparato estatal por meio de privatizações com 
o discurso de torná-lo mais ágil e autônomo. Com o objetivo de atender aos 
interesses do mercado financeiro e dos países centrais, o governo se moderniza 
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de acordo com preceitos neoliberais. Esse projeto, no entanto, é na verdade a 
representação do movimento articulado das elites brasileiras, que sempre tiveram 
por objetivo manter a história de exclusão das grandes massas da população 
(SERRA, 2000, p. 80-81).
A década de 1990 caracterizou-se por uma elevada oscilação no nível de 
atividade e taxas de expansão da economia próximas do ritmo de variação 
da população. Apesar de o Brasil ter conseguido ser um celeiro de bons ne-
gócios capitalistas no período de 1994-1997, como atestam os balanços das 
empresas, uma análise dos indicadores do mercado de trabalho demonstrou, 
por outro lado, uma perda cumulativa de postos de trabalho na indústria, como 
demonstra o crescimento persistente do desemprego aberto e da precarização 
de estatutos salariais, principalmente nos “núcleos modernos” do mundo 
do trabalho (POCHMANN, 1999 apud ALVES, 2003, documento on-line).
Na década de 1990, com a eleição de Fernando Collor, inicia-se concretamente o processo 
de privatização brasileiro, mas é justamente com Fernando Henrique Cardoso que esse 
programa é intensificado, tanto é que “rendeu” aos cofres públicos entre 1995 a 2002 
US$ 93 bilhões, nesse processo foram privatizados bancos como o Banerj e o Banespa, 
a Vale do Rio do Doce, a Usiminas, a CSN, o sistema de telecomunicações e elétrico.
A partir de 1994, o plano Real estrutura-se em um dos principais pilares; o ajuste 
fiscal, ou seja, privatização, enxugamento da máquina administrativa e redução dos 
gastos públicos,principalmente em investimentos de infraestrutura, sucateando ainda 
mais o Estado brasileiro.
A lógica neoliberal, iniciada no governo Collor e consolidada no governo FHC, é 
de que o Estado não mais produza para gerar emprego e renda, mas sim economize 
(superávit primário e nominal) para pagamento de juros da dívida pública. 
O processo de privatização brasileiro, como em qualquer país da América Latina, 
representa concentração de renda e riqueza, desnacionalização de nossas empresas, 
redução e má qualidade dos serviços prestados; uma comprovação disso, basta observar o 
sistema de telecomunicações brasileiro, o gasto em telefonia praticamente triplicou entre 
1998 e 2010, as tarifas de energia elétrica sobem sempre acima da inflação e as rodovias, 
principalmente as paulistas, a cada dia têm mais pedágios e ficam cada vez mais caros.
Fonte: Daniel (2010).
Feita a análise das consequências da política neoliberal dos anos 1990 e 
seus rebatimentos até hoje, podemos considerar que as mudanças ocorridas 
no decorrer dos anos acabaram por precarizar e fragilizar cada vez mais o 
trabalhador. As vagas de trabalho no mercado formal são insuficientes para 
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atender a toda a população, isto ocasiona o aumento das atividades informais 
e precárias, consequentemente sem direitos ou garantias. Estas características 
transformam uma parcela da população em excedente no mercado de trabalho. 
Cabe a nós, assistentes sociais, primar pela criação e garantia de políticas 
públicas efetivas, estruturadas e de enfretamento às demandas apresentadas 
pela população mais necessitada.
A classe profissional não detém o poder de eleger as políticas adotadas por 
determinado governo, no entanto, temos o compromisso ético e profissional 
de buscar alternativas para emancipação dos nossos usuários e de realizar um 
trabalho de base com estes e de compreensão das diversas expressões da questão 
social para adotar as estratégias necessárias para o rompimento de determinada 
situação de vulnerabilidade encontrada em nosso fazer profissional.
A perda de postos de trabalho, por conta do novo complexo de reestruturação produtiva, 
atingiu vários setores industriais (por exemplo, o setor do aço possuía em 1996, cerca 
de 65.227 trabalhadores. Em 2000, caiu para 50.365 trabalhadores, mesmo tendo sido 
verificado aumento da produção). O desemprego cresceu em setores da indústria e dos 
serviços atingidos pelo desmonte de cadeias produtivas em virtude da perda de mercado, 
decorrente da abertura comercial. A redução das tarifas de 50% em média e as baixas 
taxas de juros externas favoreceram as importações de produtos prontos para o consumo, 
em prejuízo da produção interna com reflexos diretos no emprego formal brasileiro.
Fonte: Alves (2003, p. 20).
ALVES, G. Trabalho e desigualdade social na reestruturação capitalista: um balanço 
da “década neoliberal” no Brasil. Revista de Políticas Públicas, v. 7, n. 2, 2003. Disponí-
vel em: <http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/rppublica/article/
view/3736>. Acesso em: 27 jun. 2018.
ANTUNES, R. Século XXI: nova era da precarização estrutural do trabalho? In: SEMINÁ-
RIO NACIONAL DE SAÚDE MENTAL E TRABALHO. São Paulo, 2008. Palestras... Brasília, 
DF: FUNDACENTRO, 2008. Disponível em: <http://www.fundacentro.gov.br/Arquivos/
sis/EventoPortal/AnexoPalestraEvento/Mesa%201%20-%20Ricardo%20Antunes%20
texto.pdf>. Acesso em: 27 jun. 2018.
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IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na contemporaneidade: trabalho e formação pro-
fissional. São Paulo: Cortez, 2002.
MARX, K. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
SERRA, R. M. S. Crise de materialidade no Serviço Social: repercussões no mercado 
profissional. São Paulo: Cortez, 2000.
SILVA, M. L. L. Trabalho e produção em situação de rua no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009.
Leituras recomendadas
BRASIL. Norma Operacional Básica NOB/SUAS: construindo as bases para a implanta-
ção do Sistema Único de Assistência Social. Brasília, DF: SUAS, 2005. Disponível em: 
<http://www.assistenciasocial.al.gov.br/sala-de-imprensa/arquivos/NOB-SUAS.pdf>. 
Acesso em: 25 jun. 2018.
CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. Legislação e resoluções sobre o trabalho do/a 
Assistente Social. Brasília, DF: CFESS, 2011. Disponível em: <http://www.cfess.org.br/
arquivos/LEGISLACAO_E_RESOLUCOES_AS.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2018.
DANIEL, P. O significado da privatização. 15 out. 2010. Disponível em: <https://www.
cartacapital.com.br/economia/o-significado-da-privatizacao>. Acesso em: 27 jun. 2018.
GRAZIA, G. R. De trabalhador a pedinte. Revista Katálysis, v. 10, n. 1, p. 75-85, 2007. 
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-
-49802007000100009&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 27 jun. 2018.
MARX, K. Manuscritos económicos-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.
VASOPOLLO, L. O trabalho atípico e a precariedade. São Paulo: Expressão Popular, 2005.
O confronto do Serviço Social da década de 1990 com as novas configurações e manifestações... 10
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Conteúdo:
DICA DO PROFESSOR
Marx conceitua trabalho como um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o 
homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele põe 
em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mã
o, a fim de apropriar-se da matéria natural em uma forma útil para sua vida.
Nesta Dica do Professor, confira alguns dos principais conceitos desenvolvidos pelo grande filós
ofo alemão Karl Marx.
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NA PRÁTICA
A história recente brasileira demonstra as transformações do sistema capitalista, suas estratégias 
para manutenção de sua hegemonia e as mudanças ocorridas na vida dos trabalhadores que se ad
aptam às novas formas de trabalho. Dentre elas, estão as formas de trabalho precarizadas, o trab
alho informal e o trabalho associativo ou cooperativo. Um exemplo disso são as associações de t
rabalhadores de um determinado ramo, que emergem nas cidades com a finalidade de prover a s
ubsistência desses indivíduos e de suas famílias.
A seguir, você terá acesso a algumas das atribuições de um profissional assistente social que tra
balha com a supervisão e a organização de associações de trabalhadores organizados. Observe N
a Prática.
Conteúdo interativo disponível na plataforma de ensino!
 
SAIBA +
Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professo
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Crise do capital e desmonte da seguridade social: desafios (im)postos ao Serviço Social
As contrarreformas implementadas no Brasil, na década de 1990, promoveram sucessivos ataqu
es às políticas de seguridade social no país, que foram resultantes da crise do capital sobre o mu
ndo do trabalho. O artigo a seguir faz uma reflexão crítica sobre essas questões e uma análise do
s desafios postos aos profissionais de Serviço Social diante desse contexto de precarização. Aco
mpanhe.
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O impacto das reformas econômicas neoliberais na América Latina: desemprego e pobrez
a
Entender o impacto das reformas econômicas neoliberais na América Latina é de suma importân
cia para que você compreenda melhor parte da história do país. O artigo a seguir analisa a realid
ade produzida e reproduzida pelas políticas econômicas neoliberais na década de 1990 na Améri
ca Latina.São abordadas duas de suas mais graves consequências: o desemprego e a pobreza e s
uas relações com as reformas econômicas. Acesse e boa leitura.
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Privatizações: a distopia do capital
Para conhecer mais sobre privatizações, assista ao vídeo a seguir. Por meio dele, você encontrar
á um rico conteúdo que trata sobre a visão do Estado mínimo, a venda de ativos públicos ao seto
r privado, o ônus decorrente das políticas de desestatização, assuntos que constituem em uma ve
rdadeira aula sobre a história recente do Brasil. Confira.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-66282017000300447&lang=pt
http://www.scielo.cl/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0718-65682017000200329&lang=pt
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