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POSSE E PORTE DA ARMA DE FOGO NO BRASIL
JEFFERSON Alves dos Santos Batista[footnoteRef:1] [1: Discente no 10º período do Curso de Direito da Universidade Santa Cruz, de Curitiba-PR. jeffersoncwb.adv@gmail.com. Artigo protocolado no dia 16/11/2022, como Trabalho de conclusão de Curso de Direito, sob orientação do Professor Mestre Israel Rute.
] 
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo estudar a posse e o porte de arma de fogo no Brasil. A metodologia utilizada é a pesquisa e a compilação de conteúdo bibliográfico. Está dividida didaticamente em quatro capítulos. Inicialmente, tratar-se-á do Estatuto do Desarmamento analisando o propósito da Lei e seus efeitos ao longo dos anos. O segundo capítulo ocupa-se em expor os tipos penais do Estatuto do Desarmamento. O terceiro capítulo dedicar-se-á sobre os novos decretos armamentistas, tendo como base o fato de que no ano de 2003 o Estatuto do Desarmamento regulamentou o porte e a posse de arma de fogo no Brasil. O quarto capítulo trata sobre a inversão da curva da taxa de homicídios no Brasil a partir de 2018. 
PALAVRAS-CHAVES: Estatuto do desarmamento. Porte de arma de fogo. Posse de arma de fogo. Taxa de homicídios no Brasil.
INTRODUÇÃO
Nos últimos 20 (vinte) anos o tema proposto neste artigo vem sendo amplamente discutido nas esferas dos três poderes do Brasil, Legislativo, Executivo e Judiciário. Essa discussão, em sua grande parte, tenta centralizar o tema se o direito a possuir ou portar arma de fogo no Brasil é um direito básico, fundamental ou necessário.
Para os seus defensores, o direito do cidadão de ter o porte de arma de fogo é levantado como um direito fundamental, à luz do expresso no artigo 5º CF. Tal direito não é claramente distinguido no caput do artigo 5º, mas pode ser interpretado como implícito, de modo que o porte da arma de fogo é um instrumento de defesa a vida ou a sua propriedade, entre outros. “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.” (BRASIL, 1988, [s/p]).
O conceito de arma de fogo nada mais é do que um dispositivo que impele um ou vários projéteis através de um cano pela pressão de gases em expansão produzidos por uma carga propelente em combustão. 
No artigo 5º da Constituição Federal de 1988, apresenta uma série de direitos e garantias reconhecidos para o efeito de assegurar e proclamar o seu pleno exercício e condições necessárias que permitam ao indivíduo ao respeito pela sua dignidade humana. (BRASIL, 1988, [s/p]).
Ao mesmo tempo, visa proteger essas condições mínimas de vida, que garantem o respeito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como limitar as restrições que o Estado pode efetivamente lhes impor.
	Em contra partida com essa discussão, foi sancionado Lei Nº 10.826/2003, o Estatuto do desarmamento, que teve como principal foco o desarmamento da população com o propósito de diminuir a taxa de homicídios no Brasil. 
	Enquanto os defensores da arma de fogo acreditam que o instrumento é item essencial para a garantia à tutela do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, os legisladores não entenderam desta forma e consideraram o artefato como principal motivo do elevado número de homicídios no Brasil.
	Já no ano de 2019, houve uma grande flexibilização para aquisição da arma de fogo em todo território brasileiro, através dos chamados “decretos armamentistas” que serão apresentados nos capítulos a seguir. 
	Sendo assim, a pesquisa desenvolvida pretende clarear de fato os efeitos do desarmamento no país, desde a sanção da Lei no ano de 2003 até os dias atuais, bem como o que temos de novo no cenário legislativo/jurídico relacionado ao tema.
O ESTATUTO DO DESARMAMENTO
ESBOÇO HISTÓRICO DO ESTATUTO
No ano de 1997, teve início a história do desarmamento no Brasil. Muitos estudiosos e entes da segurança pública começaram a debater o tema quanto ao controle de armas de fogo através do Decreto Nº 2222/1997. A partir daí, começaram a relacionar o aumento de homicídios no país com o fácil acesso às armas de fogo. (BLUME, 2016).
Somente no ano de 2003, após comissão mista formada por senadores e deputados federais, ambos os projetos que tramitavam nas respectivas casas foram analisados com finalidade de reescrever uma lei conjunta, da qual, nasceu o Estatuto do Desarmamento (Lei Nº 10.826/2003). (BRASIL, [s/p]).
No dia 23 de outubro de 2005 a população foi consultada através de referendo sobre a proibição do comercio de armas de fogo e munições no país.
O artigo 35 da lei 10.826/2003 apresentava a seguinte redação: “É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei". (BRASIL, [s/p]).
Sendo assim, a população foi consultada sobre a possibilidade de proibir ou não as vendas de armas de fogo e munições no Brasil. A pergunta realizada pelo referendo foi: “O comércio de armas de fogo e munição dever ser proibido no Brasil?”. Os eleitores puderam optar pela simples resposta “sim” ou “não”, ou pelo voto branco ou nulo. O resultado final foi de 59.109.265 votos respondendo "não" (63,94%), enquanto 33.333.045 votaram pelo "sim" (36,06%). (BARBOSA & QUINTELA, 2015).
O referendo funcionou de acordo com uma eleição normal. A população votou em suas respectivas seções eleitorais através das urnas eletrônicas.
A única exceção foi dos brasileiros que moravam no exterior não puderam votar pois não houve votação nas representações diplomáticas brasileiras. Os brasileiros residentes no Brasil que se encontravam no exterior na data da votação, foram obrigados a justificar a ausência, junto à zona eleitoral, em um prazo de 30 (trinta) dias após o seu retorno ao Brasil. (FOLHA,2022)
Apesar do referendo tratar de pergunta única sobre a proibição ou não da comercialização da arma de fogo no Brasil, subentende-se que o povo além de não querer a proibição da comercialização, também não queria ser desarmado, pois a arma de fogo é um meio para garantir a tutela à vida, à segurança e à propriedade privada, já que o estado não consegue de forma eficiente fazê-lo.
Nesta perspectiva e com o acréscimo de estatísticas relacionadas ao aumento dos homicídios, da criminalidade, emergem vários questionamentos sobre se a lei do desarmamento foi realmente uma boa escolha para o Brasil.
 REGULAMENTAÇÃO DO ESTATUTO
A Lei Federal Nº 10.826, de 2003, estabelece certas condições notórias, como ter mais de 25 (vinte cinco) anos de idade, comprovar ocupação lícita e comprovação de residência, além de comprovar capacitância técnica, mental e psicológica para o uso do equipamento (arma de fogo), declarar necessidade efetiva e não ter sido sentenciado criminalmente ou responder inquérito policial. (BRASIL, 2003, [s/p])
A Polícia Federal faz a análise do preenchimento dos requisitos legais sobre a concessão do porte/posse da arma de fogo aos cidadãos, a entidade federal, tem a discricionariedade de conceder ou não o acesso as armas aos cidadãos comuns. 
Não se pode confundir a posse com o porte da arma de fogo no Brasil. A posse de arma é a autorização legal para o cidadão adquirir e mantê-la em determinado local, como sua propriedade, seja uma casa, uma chácara ou um local de trabalho, sem retirá-la do mesmo. 
Já porte é a permissão legal para poder trazer consigo uma arma de fogo fora de sua residência ou local de trabalho e até poder adentrar em locais públicos como shoppings e restaurantes sem qualquer restrição.
Como citado acima, de acordo com a Lei do Desarmamento, é preciso cumprir vários requisitos para a concessão do porte/posse no Brasil.
Art. 4º. para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos: 
I- Comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela justiça federal,estadual, militar e eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos; 
II- Apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa; 
III- comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta lei. (BRASIL, [s/p]).
	Os requisitos acima apresentados não garantem o direito ao cidadão comum ter o direito de possuir ou portar uma arma de fogo, ainda sim terá seu pedido avaliado pela Polícia Federal, que avaliará a efetiva necessidade do pedido. 
Após o referendo de 2005, o Ministério da Justiça junto com a Polícia Federal lançou campanha para indenizar quem, de forma voluntária, entregasse sua(s) arma(s).
Uma segunda campanha foi produzida em 2008. A mobilização acumulou cerca de 570.000 armas recolhidas. Foi o Estatuto que deu início à campanha de desarmamento e prévio pagamento de indenizações àqueles que voluntariamente cedessem suas armas à polícia Federal a qualquer momento, elevando o grau de dificuldade para o cidadão possuir uma arma e incentivou a população a se desarmar. (MINISTÉRIO DESCENDÊNCIA; ALVES; TAMEIRIO, 2017).
 ANÁLISE GERAL DA LEI 10.826/2003
Decorridos quase 20 (vinte) anos da sua sanção, ainda se questiona se a Lei é benéfica ou não à sociedade, pois os teóricos e as entidades de segurança fizeram correlação ao aumento dos homicídios no país devido ao fácil acesso a arma de fogo antes da virada do último século. 
Com o decréscimo do número de armas de fogo, havia uma forte expectativa que o índice de mortes decorrente do uso da arma de fogo diminuísse no Brasil, porém os números de homicídios nos anos que sucederam o Estatuto foram ainda piores, ultrapassando países que se encontram em estado de guerra.
Em 2016, 62.517 mil pessoas foram assassinadas no Brasil, o que equivale a uma taxa de 30,3 mortes para cada 100 (cem) mil habitantes. É o equivalente a 30 (trinta) vezes em comparação com a taxa da Europa. O Estatuto do Desarmamento não proporcionou uma queda, mas sim um aumento nas taxas de crimes violentos e por armas de fogo, o que demonstra a ineficácia de tal lei federal. (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2018).
O gráfico 1.3.1 mostra a evolução das 3 (três) taxas de homicídios calculadas mundialmente entre 2000 e 2013, de modo que podem ser notados 6 (seis) a 9 (nove) homicídios por 100.000 habitantes. É importante notar que desde 2007 houve uma convergência acentuada de taxas, especialmente entre a taxa de homicídios da Nações Unidas (ONU) e a taxa de homicídios de alta qualidade da OMS. (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2018).
Isso se deve principalmente ao fato de que o banco de dados ONU usado para assassinatos não incluía dados sobre o número de assassinatos cometidos no Brasil até 2007, que responde por uma proporção significante de incidentes em todo o mundo. Outro aspecto importante é o fato de o banco de dados ONU contém dados de homicídios até 2012, excluindo 2013. (ATLAS DA VIOLÊNCIA, 2018).
Gráfico 1.3.1 - Evolução da taxa de homicídios mundial (por 100 (cem) mil habitantes) (2000 a 2013).
FONTE: 
As tabelas a seguir 1.1 e 1.2 apresentam a evolução das taxas de homicídios entre os anos 2000 a 2013 nos 14 (quatorze) países com as maiores taxas calculadas do mundo.
Tabela 1.1- Evolução das taxas de homicídios dos países selecionados por 100 (cem) mil habitantes, segundo OMS alta qualidade (2000 a 2013)
FONTE: FMI/World Economic Outlook Database, ONU/Divisão Estatística, ONU/Office on Drugs and Crime e OMS/Mortality Database. O número de homicídios por pais foi obtido pela soma das seguintes CIDs 10: X85-Y09 e Y35-Y36, ou seja: óbitos causados por agressão mais intervenção legal. Elaboração Diest/Ipea e FBSP. T.
Tabela 1.2 - Evolução das taxas de homicídios dos países selecionados por 100 (cem) mil habitantes, segundo ONU (2000 a 2013)
FONTE: FMI/World Economic Outlook Database, ONU/Divisio Estatisticn, ONU/Office on Drugs and Crime e OMS/Mortality Database. O número de homicídios por país foi obtido pela soma das seguintes CIDs 10: X85-Y09 e Y35-Y36, ou seja: óbitos causados por agressão mais intervenção legal. Elaboração Diest/Ipea e FBSP.
De acordo com o Sistema de informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM / MS), houve 62.517 homicídios no Brasil em 2016. Isso implica que, pela primeira vez na história o país ultrapassou o patamar de trinta mortes por 100.000 habitantes (taxa igual a 30,3).
Esse número de casos consolida uma mudança no patamar desse indicador da ordem de 60.000 a 65.000 casos por ano e está longe dos 50.000 a 58.000 óbitos ocorridos entre 2008 e 2013, conforme mostra o gráfico 2.1.
Gráfico 2.1 Brasil: Número e taxa de homicídios (2006 a 2016)
FONTE: IBGE/Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Gerência de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica e MS/SVS/CGIAE - Sistema de Informações sobre Mortalidade - SIM. O número de homicídios na UF de residência da vítima foi obtido pela soma das seguintes CIDS 10: X85-Y09 e Y35-Y36, ou seja: óbitos causados por agressão mais intervenção legal. Elaboração List/Ipea e FBSP.
Após os números apresentados nos gráficos 1.1,1.2 e 2.1, é assustador pensar que se a intenção do Estatuto era reduzir o número de homicídios com correlação à arma de fogo, tal lei não teve a eficácia esperada e o resultado foi um aumento de quase 50% (cinquenta porcento) do número de homicídios em pouco mais de uma década, saltando de 45.000 mortes para 65.000 mortes por ano. 
TIPOS PENAIS NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO
O Estado deveria abster-se de interferir nas escolhas dos indivíduos no que diz respeito ao pleno desenvolvimento da liberdade individual, igualdade e segurança dos cidadãos, mas no que diz respeito ao porte de armas, há restrições impostas restritivas e burocráticas. A lei atual é a Lei nº 10.826/2003 (Lei do Desarmamento), sendo que a proibição do porte de arma de fogo foi institucionalizada no artigo 6º da referida lei.
Conforme o artigo 6º, “Art. 6o. É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para...” (BRASIL, 2003 [s/p]).
O legislador no referido artigo 6°, da Lei N°10.826/2003 normaliza a proibição do indivíduo de portar armas de fogo em todo o território nacional, salvo raras exceções.
O delito de porte ilegal de arma de fogo, previsto no artigo 12.º do referido diploma, consiste em manter arma de fogo no interior da residência (ou dependência da mesma) ou até mesmo no seu local de trabalho. Deste modo, o crime de porte ilegal está consagrado no artigo 14.º e pressupõe que a arma de fogo esteja a circular ou a ser encontrada fora da residência ou durante o seu trabalho. (BRASIL,2003 [s/p]).
O Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) (BRASIL 2003, [s/p]) prevê a posse e o porte irregular de arma de fogo e suas penas, conforme segue.
Posse ilegal de arma de fogo de uso permitido:
Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (BRASIL,2003 [s/p]).
Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido:
Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente. (BRASIL,2003).
Ainda no Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), tem-se no artigo 6º a previsão sobre quem lheé permitido o porte de arma de fogo que são:
I – Os integrantes das Forças Armadas;
II os integrantes de órgãos referidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput do art. 144 da Constituição Federal e os da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP);
III - os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço;
IV - Os agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do Departamento de Segurança do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República;
V - os integrantes dos órgãos policiais referidos no art. 51, IV, e no art. 52, XIII, da Constituição Federal;
VI - Os integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos e as guardas portuárias;
VII - as empresas de segurança privada e de transporte de valores constituídas, nos termos desta Lei;
VIII - integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de Auditoria-Fiscal do Trabalho, cargos de Auditor-Fiscal e Analista Tributário;
IX - Os tribunais do Poder Judiciário descritos no art. 92 da Constituição Federal e os Ministérios Públicos da União e dos Estados, para uso exclusivo de servidores de seus quadros pessoais que efetivamente estejam no exercício de funções de segurança, na forma de regulamento a ser emitido pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP. (BRASIL,2003 [s/p]).
Sendo assim, nota-se que o tema foi taxado de forma proibitiva no que tange ao Estatuto do Desarmamento, regulando e restringindo o acesso a arma de fogo para a grande maioria da população, com exceções expressamente previstas como as citadas acima. 
DOS DECRETOS ARMAMENTISTAS
O candidato à presidência no ano de 2018, Jair Messias Bolsonaro, tomou como promessa de campanha a facilitação da aquisição de armas de munições para os caçadores, colecionadores e atiradores, conhecidos como CAC’s. Naquele mesmo ano foi eleito como presidente do Brasil.
Foi então que através do Decreto Nº 9846/19 veio a primeira regulamentação para a aquisição das armas de fogo no Brasil para os CAC’s. Tal regulamentação, apesar de já prevista no Estatuto do Desarmamento, não avançou e os legisladores desde então evitaram tratar sobre o tema. Vários projetos Lei foram protocolados nas casas legislativas, porém sem nenhum avanço sobre o tema. 
Basicamente, o CAC teria direito de portar uma arma de fogo de calibre curta, municiada, alimentada e carregada, pertencente ao seu acervo e cadastrada no Sinarm ou Sigma, nas ocasiões que estiverem se deslocando para treinamento ou participando de competições ou retornando destas para sua residência ou local de cadastro do armamento. (MARTINEZ, 2020, [s/p]). 
O Decreto Nº 9846/19 trouxe objetivos específicos tais como: estabelecer regras e procedimentos de registro, o cadastro e aquisição das armas e de munições por CAC’s.
Suas principais atribuições seriam que as armas de fogo deveriam ser cadastradas no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas, o Sigma, gerenciado pelo Exército brasileiro. O Certificado de Registro emitido ao CAC teria validade de 10 anos. 
Para obtenção do Certificado de Registro ao CAC, comumente chamado de “CR” pelos praticantes de Tiro Desportivo, deveria respeitar alguns requisitos tais como:
a. Ter no mínimo 25 (vinte cinco) anos de idade;
b. Comprovar idoneidade moral e a inexistência de inquérito policial criminal, por meio de certidões de antecedentes criminais;
c. Comprovar ocupação lícita e residência fixa;
d. Comprovar periodicamente, a capacidade técnica para manuseio da arma de fogo;
e. Comprovar aptidão psicológica para o manuseio da arma de fogo, atestada através de laudo fornecido por psicólogo com registro profissional ativo em Conselho Regional de Psicologia. (BRASIL,2019).
Já no ano de 2021, através do Decreto Nº 10.629/21 foram feitas algumas alterações na regulamentação trazida pelo Decreto Nº 9,846/19 que passou a vigorar no dia 12 de fevereiro de 2021.
Algumas dessas alterações foram devido a situação de pandemia do Corona Vírus que o país enfrentava, flexibilizando cada vez mais a compra de insumos, munições, materiais e ferramentas de recarga de munição entre outros. 
O novo decreto trouxe a possibilidade de que lojistas pudessem comercializar armas de pressão ou “airsoft” sem ter a necessidade de ter o “CR”. 
Também se flexibilizou a possibilidade de que pessoas pudessem praticar o tiro recreativo, não desportivo e sem habitualidade, dentro dos estandes sem a necessidade de ter o “CR”, sempre acompanhado de instrutor de tiro, sendo de inteira responsabilidade do proprietário do estande a instrução, manuseio, prevenção e acompanhamento deste praticante. (BRASIL,2021) 
Um avanço na legislação foi a possibilidade de os clubes de tiro importarem armas, munições e demais produtos controlados diretamente dos fabricantes para fins de comercialização ou para seu uso dentro do clube de tiro. (BRASIL,2021)
É também um consenso entre os atiradores desportivos, que a modalidade, contribui para a proteção patrimonial e permite que o mesmo se capacite para atuar em situações de legítima defesa. 
De acordo com Rogério Greco (2015, p.402), a legítima defesa é o meio empregado capaz de cessar a injusta agressão:
Meios necessários são todos aqueles eficazes e suficientes à repulsa da agressão que está sendo praticada ou que está prestes a acontecer. Costuma-se falar, ainda, que meio necessário é ‘aquele que o agente dispõe no momento em que rechaça a agressão, podendo ser até mesmo desproporcional com o utilizado no ataque, desde que seja o único à sua disposição no momento’. Com a devida vênia daqueles que adotam este último posicionamento, entendemos que para que se possa falar em meio necessário é preciso que haja proporcionalidade entre o bem que se quer proteger e a repulsa contra o agressor. (GRECO, 2015, p.402).
Para os policiais que tem o porte por prerrogativa de função poderá utilizar as suas armas registradas no Sigma para defesa pessoal no dia a dia. 
Estima-se que já existe mais de 1 (um) milhão de armas registradas no país e que, existem aproximadamente 600 (seiscentos) mil CAC’s com registro regular em todos o território nacional. 
E, por fim, vale destacar que o Laudo de capacidade técnica para o manuseio da arma de fogo que antes deveria ser comprovado anualmente, poderá ser substituído por atestado de habitualidade emitido pela entidade de tiro ou agremiação com comprovação mínima de 6 (seis) jornadas no estande de tiro, em dias alternados, para treinamento ou participação de competições.
INVERSÃO DA CURVA DE HOMICÍDIOS NO BRASIL
Sestrem (2022, p.9) ressalta que: “A partir do ano de 2018, a taxa de homicídios que chegou a patamares de 65.000 mortes por ano, começa a regredir, atingindo em 2021 o menor patamar dos últimos 10 (dez) anos com 47.500 mortes”.
Para os especialistas, há diferentes variáveis que devem ser consideradas para a inversão da curva de homicídios no Brasil das quais, a principal, seria a diminuição nos conflitos entre facções criminosas. 
O Gráfico 3 (três) apresenta a evolução das taxas de homicídio (Tx.Homic), das taxas de homicídios por arma de fogo (Tx. Homic.PAF) e das taxas de Crimes Violentos Letais Intencionais (Tx.Cvli) no Brasil entre 2008 e 2021 . (CERQUEIRA, LIS KHAN, BUENO, 2022, p. 9).
Gráfico 3– Evolução das taxas de Letalidade no Brasil, 2008 a 2021
Fonte: (Cerqueira, Lis Khan, Bueno, 2022, p.9).
O gráfico revela uma forte correlação temporal entre os indicadores e também mostra uma queda acentuada nos óbitos em 2018 e 2019. Em 2020 e 2021 houve um aumento e depois uma diminuição da letalidade, em magnitude proporcional entre esses 2 (dois) anos e menor intensidade que o observado nos 2 (dois) anos anteriores. (CERQUEIRA, LIS KHAN, BUENO, 2022, p.9).
Um aumento de homicídios durante a pandemia de COVID 19 tem sido observado em muitos países, sendo a interpretação mais aceita a redução da vigilância em espaços públicos,a convivência forçada durante a quarentena e as disputas por mercados ilegais. (CERQUEIRA, LIS KHAN, BUENO, 2022, p.9).
Assim, conforme demonstrado no gráfico apresentado, percebe-se que a queda acentuada dos homicídios se inicia um ano antes do Governo Bolsonaro e, consequentemente, antes do afrouxamento da legislação armamentista (CERQUEIRA, LIS KHAN, BUENO, 2022, p.9).
Segundo Flavio Quintela e Bene Barbosa (2015, p.71), existem outras maneiras que poderiam reduzir ainda mais essa alta taxa de homicídios que comparado com países da Europa, é muito elevado. Medidas como:
a. Reformar o sistema judiciário para garantir celeridade nos julgamentos e impedir os subterfúgios legais que geram impunidade;
b. Reformar o sistema correcional, abolindo excrescências como os indultos e as visitas conjugais, construindo vagas para abrigar toda a população carcerária do Brasil de forma segura;
c. Extinguir a figura da menoridade penal, que permite hoje que criminosos saiam impunes depois de cometer crimes hediondos como assassinatos, estupros e sequestros, às vezes porque estão a alguns dias de completar 18 anos de idade;
d. Punir policiais corruptos e criar um plano de carreira para os policiais honestos, baseado na meritocracia, e integrar as bases de dados de todas as polícias do país para facilitar a identificação de criminosos;
e. Desenvolver as carreiras de perito criminal, atraindo profissionais de alta capacitação técnica, e construir laboratórios de análise criminal com capacidades tecnológicas modernas;
f. Equipar a polícia com armamento que faça frente ao dos criminosos, que chegam ao cúmulo de possuir artilharia antiaérea própria de forças militares, e que são frequentemente desviados das forças de segurança de países como Bolívia, Venezuela e Paraguai;
g. Reforçar todo o policiamento das fronteiras, por onde entram as armas contrabandeadas. 
Portanto, é cedo para assegurar que os decretos armamentistas que facilitaram a aquisição da arma de fogo no país, contribuíram ou não, para a diminuição da taxa de homicídios nos últimos anos, entretanto não podemos desconsiderar que o cidadão está cada vez mais buscando a aquisição do porte/posse para sua auto proteção, de sua família e da propriedade privada, que deveria ser em tese, garantida pelo Estado.
CONCLUSÃO
Pelo que foi analisado neste artigo, o Estatuto do Desarmamento que trata da matéria de segurança pública, não surtiu o efeito esperado, pois se esperava uma redução da taxa de homicídios com a proibição do porte/posse de arma de fogo. 
No primeiro capítulo, podemos verificar a questão histórica do Estatuto do desarmamento, Lei Nº10.826 de 22 de dezembro de 2003, foi apresentado que sua origem se deu através de estudos de especialistas juntamente com entes da segurança pública e também da vontade popular. Percebe-se, todavia, que após o referendo de 2005 a população votou contra a proibição da comercialização da arma de fogo e munições no país. O Estatuto tinha objetivo de reduzir a taxa de homicídio e criminalidade, porém não surtiu o efeito esperado. 
Já no segundo capítulo, analisamos os tipos penais e as imposições legais que o Estatuto trouxe, de forma proibitiva, a posse/porte de arma de fogo no país, resguardado raríssimos casos. O processo de obtenção da posse/porte de arma de fogo se tornou exageradamente burocrático ao cidadão comum. 
Entretanto, no terceiro capítulo, foi apresentado os novos decretos, chamados como “decretos armamentistas” que flexibilizaram a compra e venda da arma de fogo e insumos em todo território nacional, bastando o cidadão cumprir com os requisitos básicos exigidos pela lei para aquisição, registro, permissão, bem como o porte de trânsito para a arma de fogo. Hoje estima-se que já existem mais de 1 (um) milhão de armas registradas no Brasil e mais de 600 mil CAC’s com permissão das autoridades para obter arma de fogo. 
No quarto capítulo, analisamos a curva da queda da taxa de homicídios a partir de ano de 2018 que, coincidiu com o mesmo período da flexibilização da aquisição de armas de fogo, entretanto existem outros fatores que devem ser considerados como a Pandemia do Corona Vírus e diminuição das brigas entre facções criminosas. 
Concluímos que o Estatuto não foi plenamente eficaz em seu proposito inicial em desarmar a população, pois as taxas de homicídios tiveram comportamento oposto e continuaram aumentando absurdamente nos anos que se seguiram. 
Na mesma linha de conclusão, entendemos que ainda é cedo, para afirmar, que os decretos armamentistas contribuíram para a redução da taxa de homicídio dos últimos 4 (quatro) anos no Brasil, período que, houve a inversão da taxa de homicídios, porém coincidiu com outros fatores como Pandemia do Corona Vírus e diminuição entre facções criminosas.
REFERÊNCIAS 
BARBOSA, Bene., QUINTELA, Flavio. Mentiram para mim sobre o desarmamento.1ª Edição. Brasil: CEDET, 2015.
BLUME, Bruno André. O Estatuto do Desarmamento deve ser revisto? Disponível em:<https://www.politize.com.br/o-estatuto-do-desarmamento-deve-ser-revisto/>. Acesso em 25 out. 2022.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Constituição/Constituiçao.htm>. Acesso em: 1 mai. 2022.
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