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O pêndulo da democracia LEONARDO AVRITZER 2020

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O pêndulo da democracia – Leonardo Avritzer (Todavia, 2019)
Leonardo Avritzer, nesta obra, argumenta a existência de um Brasil com democracia de estrutura pendular, que se caracteriza pela alternância entre períodos de expansão democrática e momentos de regressão dos valores democráticos. Entender as transformações ocorridas no ambiente político do país a partir de junho de 2013 até o ano de 2019 é, para o autor, tão importante quanto desafiador. Eventos significativos como os protestos históricos por centenas de milhares de brasileiros em junho de 2013, o início da maior operação anticorrupção, a Lava Jato em 2014, o impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016 e a eleição de um presidente que defende torturadores em 2018, o então candidato Jair Bolsonaro ajudam nos esforços do autor de compreender essas mudanças sob um horizonte histórico mais amplo.
INTRODUÇÃO
O autor inicia a introdução reavivando o ataque sofrido pelo então candidato Jair Bolsonaro em Juiz de Fora, Minas Gerais. Defende que a partir desse inesperado ataque a Bolsonaro, o espectro da violência que rondava a política brasileira desde 2013, tornar-se-ia real, o que levou o eleitorado a legitimar nas urnas a candidatura de cujas hostes essa violência exalava abertamente.
Avritzer declara o fim da Nova República a partir de 3 fatores: I) da interferência radical do Poder Judiciário no processo de determinação da soberania política por meio das eleições; II) da perda de influência dos mecanismos tradicionais encarregados de tornar a campanha eleitoral um debate público, a partir da supremacia das redes sociais e dos aplicativos de troca de mensagens sobre os debates e a propaganda gratuita dos partidos na televisão; III) a relativização da negatividade associada ao período autoritário (a partir do golpe de 1964).
O autor deixa claro que na votação do impeachment de Dilma Rousseff já foi possível perceber a ruptura do consenso em torno da democracia. Exemplo disso foi o voto emblemático dessa ruptura, o do deputado Jair Bolsonaro homenageando a memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o mais conhecido torturador do período autoritário em nosso país.
Leonardo Avritzer diz ser obrigado a incluir a Polícia Federal, o Ministério Público e a Advocacia-Geral da União entre as elites com frágeis convicções democráticas.
Avritzer afirma perceber que desde 2014 observa no Brasil um processo contínuo de degradação institucional semelhante ao discutido por Levitsky e Ziblatt em como as democracias morrem. E o seu auge foi a eleição de Jair Bolsonaro em outubro de 2018.
p. 13 O escritor arriscou em afirmar que o discurso antipetista, processado por meio do Poder Judiciário, e ampliado por uma parcela da classe média, se tornou mais importante que a manutenção das instituições democráticas ou de uma estrutura de direitos.
E prossegue prometendo analisar a conjuntura 2013-18 como um momento turbulento de degradação institucional contínua e de movimentação da elite e da classe média contra a soberania popular e a ordem democrática. Para ele, em abril de 2016, com o impeachment de Dilma, de fato o pêndulo se move. E pontua que a diminuição da importância das eleições na discussão sobre o impeachment mais o alinhamento judicial contra o governo eleito são as principais características dessa conjuntura, realçadas com a eleição de Bolsonaro.
A essa tendência antidemocrática são adicionados elementos tais como o ataque do Poder Judiciário e das instituições de controle sobre o sistema político, a intervenção no Rio de Janeiro e a tentativa de uso das Forças Armadas na greve dos caminhoneiros (maio de 2018).
Avritzer ostenta críticas ao poder judiciário, afirma que o comportamento anticidadão do Judiciário persiste desde os anos de 1950, e fundamenta a afirmação em autores como José Murilo de Carvalho e Graciliano Ramos.
Recapitulemos que o livro é de 2019, o autor parece estar certo ao terminar a introdução afirmando que o Bolsonarismo é sintoma dos elementos não democráticos da ordem política brasileira, sintoma esse com dificuldade de se tornar hegemônico, o que aponta para um país ambíguo... E termina: mas democrático.
CAPÍTULO 1 – A LONGUE DURÉE DA DEMOCRACIA E ANTIDEMOCRACIA NO BRASIL
“Como entender as regressões pelas quais a democracia brasileira tem passado entre 2013 e 2018? Elas constituíram apenas uma derrapada em um longo processo de construção democrática, como aconteceu nos Estados Unidos durante o macarthismo ou na Itália durante o período de enfrentamento das Brigadas Vermelhas?”
Afirmar que países passam por regressões democráticas é fato. Mas tais países logo voltam, em alguns anos, a uma trajetória democrática normal, na qual prevalece o pluralismo de ideias. Já para o nosso autor, o Brasil tem uma democracia de estrutura pendular que alterna momentos de forte expansão democrática com momentos de regressão democrática. Nesses acordos (momentos democráticos), tem-se que aspectos fundamentais da nossa estrutura de poder permanecem intactos, tantos como um grupamento econômico interposto por privilégios políticos, um Judiciário impenetrável à renovação democrática, um arranjo de polícias militares que não consente a generalização de direitos civis, para não falar das forças armadas que, na visão de Avritzer ao se apartarem do poder, substituíram a interferência direta na política pelo corporativismo e alguns projetos militares estratégicos sem qualquer transparência. Nosso escritor segue o argumento de Levitsky e Ziblatt, afirmando que existem atores no Brasil com um compromisso democrático facilmente relativizável. 
Caminhos tortuosos na produção de igualdade civil no Brasil
p. 25 – ele contradiz a tese de Sérgio Buarque de Holanda ?????????????
p. 27 – Um dos motivos para a instabilidade é que depois de certo período democrático gera-se um período antidemocrático, de tonalidade autoritária. Decorre, em primeiro lugar, do fato de nossa tradição liberal não ter sido capaz de alinhar o judiciário na estrutura de divisão de poderes. Buarque de Holanda (1948) descreveu esses momentos. Passaram-se 70 anos, mas o processo de formação de uma tradição de direitos é ainda problemático. O primeiro momento, bem descrito por Buarque de Holanda, é de tangenciamento do constitucionalismo liberal durante o fim do século XIX e de construção de uma tradição de tolerância possível, mas problemática. “Problemática porque o Brasil não constitucionalizou limites para a ação do Judiciário e dos órgãos policiais ou, quando o fez, isso não se tornou efetivo no sentido da criação de uma tradição de garantias individuais.” 
Um argumento arguto do autor é o de que temos uma classe média que usufruiu a estratégia de acesso privado a serviços sociais e a estruturas dos Estado ao longo de todo o período recente dos anos 1930 ao início do século XXI. Todavia, agora se revolta com a possibilidade de ter que se submeter a estruturas igualitárias, do aeroporto ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Elites, Judiciário, militares e eleições no Brasil (1946-2018)
Avritzer expõe que para entendermos o movimento de Pêndulo Democrático precisamos entender o processo de formação e as práticas das elites no Brasil, o que é um problema um pouco mais complexo. Pois precisamos saber de que tipo de elites estamos falando para então entende-lo. Necessitamos fazer um exercício comparativo além da oposição entre elites e massas. Só então seremos capazes de compreender o papel problemático das elites na construção da democracia. 
Merece atenção o paralelo traçado entre as democracias do hemisfério Norte e as do Sul, especialmente da América Latina. As mais avançadas, forneceram para as suas populações uma solução distributiva de acesso à renda, aos bens e aos serviços públicos desde o pós-guerra. Isso não ocorreu na América Latina até muito recentemente. Esta política distributiva está ligada claramente a componentes eleitorais. “Na situação brasileira, ao contrário, constatamos uma forte oposição a essa formulação das políticas públicas precisamente no instante em quecomeçávamos mais um ciclo de democracia. Ou de afinidade maior ou até definitiva com os países “mais” democráticos na obrigação produção da igualdade social por meio de políticas compensatórias.” 
A eleição de Bolsonaro consolida, pela via eleitoral, um conjunto de políticas estabelecidas pela via não eleitoral. Ao pensar a longue durée da relação entre as elites e a democracia no Brasil, o autor deixa que dois elementos sobressaiam: 1º uma democratização insuficiente, que não atinge todos os poderes, em especial o Judiciário. Em outros países ainda há o checks and balances. O poder militar se organiza a partir de prerrogativas semelhantes. Há uma impermeabilização pela via dos tribunais militares, que excluem os membros das Forças Armadas de julgamento pautados no estado de direito. 
Avritzer cita o cientista político Elmer Eric Schattschneider (1961), a quem coube a definição de “poder semissoberano” – Para o autor, a questão envolve a presença de um conjunto de mecanismos que distanciam a cidadania do poder de decisão política ou que engendram estruturas que tornam a democracia distante até mesmo da ideia de semissoberania (Mair, 2013, p. 2).” (p. 39)
Nosso escritor compara como parecidos os períodos de 1985-2013 e de 1946-64. Contexto marcado inicialmente por um amplo otimismo devido a volta do poder às mãos dos civis, independentemente do fato de o Brasil, ao lado do Chile, ter tido a transição mais conservadora da América do Sul. É de grande importância deixar ressaltado que, diferente do Chile, Argentina e Uruguai, no Brasil houve maior continuidade entre autoritarismo e democracia. Também não houve justiça de transição nem expurgos do Poder Judiciário, como ocorreu imediatamente na Argentina e, tempos depois, no Chile. 
Avrizter deixa assinalado que a Constituição de 1988 universalizou o acesso à saúde e criou as condições para o primeiro benefício universal para a população mais pobre, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), abrindo caminho para novas políticas sociais e urbanas. Os governos posteriores, especialmente o de Lula, ampliaram fortemente o acesso da população de baixa renda ao ensino superior, além de terem aumentado sistematicamente o salário mínimo. Desse modo, não há como discordar do autor de que estabeleceu-se até 2013, uma sensação de forte sucesso da experiência democrática pós CF-1988.
O autor fala do forte otimismo em relação à vocação democrática brasileira, mas ressalta que essa vocação é frágil. São três os elementos da contrademocracia: 1) a Lei do Impeachment; 2) o modelo paternalista da Justiça Eleitoral; 3) a prerrogativa dos militares de intervir em questões internas. Elementos que se expressaram no início da conjuntura de 1946-64 e voltam à carga durante a elaboração da Constituição de 1988.
Uma característica importante da organização pendular apontada por Avritzer é que essas estruturas não são utilizadas tão logo são criadas, elas apenas são inseridas na institucionalidade legal para serem usadas posteriormente.
Em todas as eleições pós 1988 (1989, 1994, 1998, 2002, 2006 e 2010) – todos os atores envolvidos esperaram o resultado antes de se posicionar em relação ao 2º turno. Ou seja, confiaram no processo. 
JUSTIÇA ELEITORAL – a Justiça Eleitoral no Brasil é uma instituição com traços fortemente locais e diversos aspectos positivos, dos quais cabe destacar o trabalho não político e civil dos voluntários nas eleições e até mesmo certa padronização de processos (...). No entanto, pós-1988, a Justiça Eleitoral vem passando por um processo de mudança, na qual se inclui um sistema de julgamento político baseado na noção de hipossuficiência, isto é, a de que o eleitor não tem a mesma capacidade de percepção ou de julgar DAS diversas instituições do sistema de Justiça. A Justiça Eleitoral passa a atuar na chave culpado/inocente, pois assume a capacidade de remover políticos eleitos com base em princípios altamente antissoberanos, já que ela muda resultados eleitorais a partir de princípios judiciais. A Justiça Eleitoral no Brasil constitui a expressão do liberalismo paternalista. Tão grave quanto o fato de mandatos serem suspensos judicialmente é o nível de intervenção no resultado eleitoral que os Trib. Regionais Eleitorais e o TSE se permitem realizar. Ex.: caso Jackson Lago (2009) – deslegitimação do processo eleitoral.
“Com isso, ele (TSE) reforçou a mudança de concepção que aponta na direção da superioridade da Justiça em relação à soberania popular vigente no país.” (p. 43)
Quanto AOS MILITARES: art. 142 da CF (fala das forças armadas) (...). “o Brasil não apenas foge das tradições mais democráticas no que se refere à vigência dos direitos, mas também expressa um detour no que diz respeito às formas de controle dos militares.” O autor lembra que a estabilização de um poder civil sem interferência militar ocorreu ainda no início da Nova República. Ressalta que as Forças Armadas conservariam prerrogativas diversas e privilégios ao longo da Nova República. Afirma que a partir de 2010, observa-se uma mudança na frágil correlação de forças em relação à política de segurança dos país. “Essa mudança se expressa com o envolvimento das Forças Armadas no combate ao crime no Rio de Janeiro, passa pela extensão das prerrogativas dos tribunais militares em relação a crimes cometidos contra civis e alcança o seu clímax com a campanha de 2018, na qual voltamos a assistir a declarações políticas e ameaças de militares ao sistema político. (pp. 44-45)
Avritzer lança uma hipótese: “A eleição de Jair Bolsonaro para presidência promete elevar a um novo patamar a questão do conflito entre Executivo, Judiciário e instituições de controle. Esse conflito poderá eventualmente contar com a ameaça de utilização de formas de coerção não previstas no ordenamento democrático.” (p. 45)
Todos os governos de 1994 para frente, todos gozaram de uma autonomia bastante ampla em relação ao mercado. O governo Lula foi de maior fortalecimento dessa agenda com a expansão das políticas de redução da pobreza e desigualdades (a partir de 2003), Bolsa Família e aumentos reais do salário mínimo, que se iniciaram ainda no governo FHC. A partir de 2014, foram se potencializando os elementos antidemocráticos e antieleitorais das forças de mercado. Foi justamente em relação à política econômica que ocorreram os maiores conflitos entre mercado e Estado. Avritzer cita como exemplo a EC 95 e a Reforma da Previdência como propostas com o objetivo fundamental que move o mercado – a desvinculação completa entre eleições e políticas públicas. Tal desvinculação se expressa no questionamento do papel das eleições por agentes do mercado OU POR MEIO de um apoio decisivo a um candidato que, no limite, se coloca fora do campo democrático.
Avritzer conclui o capítulo 1 falando que a ideia de tangenciamento da democracia por uma construção não liberal, sugerida por Sérgio Buarque de Holanda, não permite a constituição de uma via democrática estável setenta anos depois de sua formulação. O motivo reside na ausência de instituições que estabilizem a democracia a longo prazo. A presença de elites não liberais e não democráticas no caso brasileiro envolve uma via de institucionalização da contrademocracia que retorna periodicamente e compromete as próprias instituições democráticas.
CAPÍTULO 2. As instituições do pêndulo democrático: 1946-2018 (pp. 49-71)
Para se entender o movimento pendular defendido pelo autor, ele argumenta que no conceito de pêndulo está implicado fortes elementos antieleitorais e antidireitos em funcionamento no interior de uma estrutura democrática. “argumenta que a ausência de uma estrutura de direitos civis constitui o principal déficit do processo de construção democrática no país” (p. 49)
Avritzer mostrou que a instituição do impeachment, a Justiça Eleitoral e as formas de intervenção militar na política operam ciclicamente em relação à legitimidade dos resultados eleitorais e dos mandatos.
Ao final da eleição de 2014, a partir do não reconhecimento da derrota e do questionamento do resultadono TSE, tivemos todos os episódios possíveis de questionamento da soberania do eleitor e do processo eleitoral. (p. 51)
O argumento que Avritzer utiliza no capítulo 2 é o de que a institucionalidade brasileira possui amplas vias não eleitorais ou contraeleitorais que são utilizadas de tempos em tempos. (p. 52)
Elites, eleições e crise política (p. 53)
Tanto no período entre 1945 e 1964 quanto no de 2013-8 percebe-se marcas de instabilidade questionando-se a relação entre a eleição e a soberania popular. (p. 54)
Ressalta-se que o impeachment continuou sendo um elemento fortemente político na tradição da Nova República, e todos os presidentes do período, com exceção de Itamar Franco e Lula, sofreram processos de impeachment.
Ao longo da Nova República, assistiu-se a um fortalecimento paulatino da Justiça Eleitoral, que inicia o período como uma instituição reguladora das eleições para coibir fraudes e por fim se torna um órgão que se coloca acima da soberania do eleitor. (p. 56)
O autor afirma ter motivos históricos fortes o suficiente para afirmar que o Brasil não chegou completamente ao final do processo de transformar as eleições na única forma de indicação dos presidentes. Afirma ainda ter bons argumentos para supor que 2 elementos não estão claramente instituídos no Brasil: nem a eleição constitui o único método de formação de governo e nem vencer as eleições é a única forma de determinar as políticas públicas no Brasil. (p. 56-57)
A crise de 2014-18 e seus elementos antieleitorais e antissoberanos (p. 57)
As eleições de 2014 representam um profundo retrocesso político já anunciado desde 2013. A hostilização aberta de membros dos governos de esquerda e o desrespeito aberto à figura do presidente, insultada abertamente no Maracanã durante os jogos da Copa (2014) expressam o que Levitsky e Ziblatt denominam de comportamentos antidemocráticos (no livro como as democracias morrem, 2018). Essa crise desdobrou-se em 3 formas de questionamento do mandato da presidente eleita: 1) questionamento jurídico – feito imediatamente após as eleições pela representação do PSDB no TSE; 2) questionamento político – fortalecido com a eleição de Eduardo Cunha para presidência da Câmara; 3) pedido de impeachment nas ruas – enormes manifestações públicas a partir de março de 2015, 90 dias após a reeleição. (pp. 57-59)
Avritzer fala que a partir de um delito, mesmo que tal delito não tenha interferido no resultado das urnas, é possível que um mandatário eleito seja removido do cargo. “o que significa que a Justiça Eleitoral brasileira tem a prerrogativa, talvez a única no mundo, de indicar e empossar um candidato que tenha chegado apenas em segundo ou terceiro lugar”. Assim, os últimos elementos soberanos eleitorais do sistema político brasileiro são fragilizados. (p. 61)
Impeachment e crise política (p. 62)
O Judiciário se tornou parceiro de um processo de degradação institucional e eleitoral, pois de um lado o TSE impugnou a candidatura do ex-presidente Lula e, de outro, mostrou-se completamente incapaz de coibir notícias falsas ou de pautar o debate público durante o processo eleitoral. Portanto, temos no resultado da eleição de 2018 estranha mistura entre soberania e antissoberania, “por meio da qual o eleitorado se manifesta em circunstâncias em que as regras públicas do debate eleitoral foram rompidas” (p. 62)
O mais importante no caso da ex-presidente Dilma é que houve a politização do TCU. (p. 63). Mais a frente, Avritzer afirma que neste caso Dilma, as decisões do TSE e do Congresso Nacional tiveram um componente claramente político, tornando o impeachment política normal. O período posterior ao impeachment é de aprofundamento da crise política: discussões sobre o golpe enfraqueceram a presidência de Temer, diversas intervenções dos poderes judicial e militar no processo eleitoral desde a suspensão da candidatura do primeiro colocado nas pesquisas, o disparo de fake News, todos esses movimentos reforçam a ideia de uma oscilação do pêndulo na direção da contrademocracia, em que instituições de controle se colocam acima da soberania popular. (p. 64-65) 
Democracia e liberalismo econômico jabuticaba (p. 66)
A disjunção entre eleições e políticas públicas, em especial quanto a política econômica e em algumas áreas sociais, é uma das características do pêndulo oscilando na direção da contrademocracia. O modelo econômico desenvolvimentista brasileiro recebeu críticas desde o período Vargas (1930-1945), sem conquanto ser resolvido. Importante para o argumento do autor são os elementos políticos que as forças econômicas ditas liberais utilizam. Entre 2003 e 2015, principalmente entre 2008 e 2015 novos arranjos particularistas foram estabelecidos levando a crise, cujo espectro dela levou a uma rearticulação política das forças liberais no Brasil. “O sistema financeiro foi privilegiado politicamente em quase todo esse período até que, no início de 2012, o governo de esquerda e os desenvolvimentistas se voltaram contra esse arranjo, fazendo com que esse sistema financeiro reagisse.” A partir de 2015, o mercado financeiro assume a hegemonia da condução da economia, optando pela destruição de amplos setores industriais e pela imposição da austeridade ao Estado, gerando uma crise sem precedentes no setor público e cuja responsabilidade o sistema financeiro não assume. (p. 66)
De forma inédita, prevalece uma completa ruptura entre eleições, representação e política pública, com a adaptação do Estado a um novo patamar de gastos, colocado na agenda do Estado de forma não eleitoral, a redução de gastos fundamentais nas áreas de saúde, educação, ciência e tecnologia e Previdência Social, ao mesmo tempo em que se preserva os gastos e os salários das corporações judiciais. A manifestação dessas formas semidemocráticas ou antidemocráticas só se torna possível devido a uma institucionalidade que conecta as elites contra a democracia. (p. 67-71)
CAPÍTULO 3 – A crise da solução dos dois Estados (pp. 73 a 109)
Neste capítulo Avritzer defende a ideia de que essa crise tem origem no modelo nacional que enseja 2 Estados, ou seja, um pacto político constitucional que optou por manter estruturas de um Estado patrimonial e, ao mesmo tempo, construir um Estado Social.
O autor critica Faoro (Os donos do poder, 1958) na conceituação de Estado patrimonial. Para Avritzer, o problema da tese de Faoro reside em usa ancoragem excessiva em um conceito de Estado patrimonial mal-entendido, porque supõe a reprodução das características do Estado patrimonial português de forma automática por quase mil anos. Alega, Avritzer, que isso não existe em Max Weber, no qual a reprodução do Estado patrimonial depende da relação entre atores e interesses. Em que pese tais críticas, o autor reconhece a existência de um processo histórico de apropriação do Estado brasileiro por diferentes grupos estatais ou paraestatais pelo menos desde 1930. (pp. 73-76)
“Como conciliar estruturas modernas de um Estado burocrático com um sistema político patrimonialista, que precisa inserir interesses privados de forma não moderna?” (p. 75)
Avritzer lembra que a CF1988 e os governos entre 1994 e 2014 reorganizaram completamente as políticas sociais no Brasil, estabelecendo uma estrutura mínima de Estado social. (p. 76)
São 2 os aspectos argumentados pelo autor nesse capítulo 3: 1º) a continuidade de práticas históricas de espoliação do Estado e dos recursos públicos, desde 1930, defendidas tanto por desenvolvimentistas quanto por liberais; 2º) Desde 1988, construiu-se no Brasil um setor de políticas sociais muito eficiente, mas que absorve significativos recursos. A crise brasileira se dá na intersecção entre esses dois modelos de Estado, o patrimonial e o social, e se agrava com a forma de organização das obras de infraestrutura, sustentação do sistema político. (p. 76)
Desenvolvimentismo, patrimonialismo e Estado (p. 77)
A opção de Vargas está na raiz do que o Estado brasileiro é hoje. Vargas organizou a estrutura desenvolvimentista do Brasil e, ao mesmo tempo, de uma burocraciaestatal moderna com a criação do DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público). Na organização do Estado desenvolvimentista, Vargas criou uma série de agências estatais e empresas, estabelecendo uma lógica dupla de “economização do patrimonialismo”, que persiste até hoje. (pp. 77-78)
Outras características são apontadas por Avritzer como desdobramentos do longo desenvolvimento de Vargas até os anos 1980, dentre as quais destacam-se a origem extrativista das elites brasileiras e a maneira como elas se apropiam de novas estruturas econômicas. As mudanças introduzidas por JK nos anos 1950, são abordadas por Avritzer como último aspecto da formação de um Estado moderno/patrimonialista no fim do 1º período democrático (1946-64). E o 3º pilar do Estado brasileiro dos anos 1946-64 foi ancorado na relação direta entre Estado e empresário na área de infraestrutura.
Os anos 1990 e a nova estrutura do Estado brasileiro (p. 81)
No governo FHC ocorreu um “consenso liberal” caracterizado pelo fim do Estado desenvolvimentista, que coincide com a crise da dívida externa e com a redução significativa do tamanho do Estado brasileiro. Para Avritzer, o Brasil tem uma relação sui generis com o liberalismo desde o século XIX. O liberalismo brasileiro jamais aceitou a inovação econômica, que não aceita a regulação da propriedade. FHC fez a estrutura do Estado brasileiro mudar em sua relação com a economia, mas ainda assim promoveu um processo limitado de privatizações, mantendo sob controle do Estado praticamente toda a área de energia (setores petrolífero e elétrico), assim como a totalidade de bancos públicos. 
O Estado brasileiro passou de produtor a um Estado controlador das empresas. As privatizações do governo FHC visaram menos o desenvolvimento econômico nacional e mais as relações privadas já estabelecidas.
Em paralelo, as empreiteiras expandiram o poder de suas estruturas através de um arranjo, mudando a relação das grandes empresas partícipes da ordenação paralela do Estado. Ou seja, embora o Estado desenvolvimentista tenha mudado, ele manteve os seus elementos patrimonialistas. Avritzer chama de “novo desenvolvimentismo” o período do início do primeiro governo Lula, em que ocorre a expansão e ampliação da cadeia de produção da Petrobras. 
FHC tentou resolver o arranjo político-patrimonialista pela ótica de certa modernização, do controle via fundos de pensão e controle na bolsa de valores. Lula tentou aprofundar a inserção do Estado por meio de cadeias produtivas, como a do petróleo, mas não modernizou seus fornecedores. O governo Temer a submeteu a uma dinâmica completamente internacionalizada. Ou seja, esses 3 governos enfrentaram problemas na gestão da Petrobras. E é de se esperar o mesmo do governo Bolsonaro.
A jabuticaba brasileira: Patrimonialismo financeiro-liberal (p. 88)
No fim do regime autoritário, o centro da elaboração de políticas liberais migrou para o Banco Central. E a crítica à industrialização brasileira foi hegemonizada pelo papel do sistema financeiro, não se preocupando com o crescimento econômico ou a organização da economia no Estado nacional.
O Banco Central, mesmo nos momentos de crise, tem como missão o controle da inflação, ou seja, um descompromisso com a ideia de crescimento econômico. Dilma Rousseff impôs uma queda na taxa de juros, desfazendo a aliança entre governo de esquerda e setor financeiro, gerando custos políticos altíssimos.
Dois aspectos são observados por Avritzer para afirmar que o Banco Central tem um compromisso com o mercado financeiro. O 1º são as chamadas “liquidações extrajudiciais”, em que os ativos liquidados continuam pertencendo aos donos das instituições financeiras, podendo elas beneficiarem-se da sua valorização posterior para acertar suas contas com o Banco Central. O 2º é que o Banco Central passou a ter autorização para assinar acordos de leniência com instituições financeiras envolvidas em caso de corrupção.
A nova estrutura patriminial (p. 92)
Entre todos os setores do funcionalismo no Brasil, nenhum outro teve aumento de salários e benefícios indiretos quanto as corporações judiciais. A CF1988 é a única a reconhecer a profissão dos advogados e sua associação de classe, a OAB. E na estrutura de divisão dos poderes, a CF ampliou enormemente o poder do STF, tornando-o Corte Constitucional e instância máxima de apelação e foro especial para julgamento de políticos. Com o tempo, consolidou-se regras e tetos de despesas para órgãos dos poderes Executivo e Legislativo, regras essas não seguidas pelo Poder Judiciário. A partir daí surgiu uma nova estrutura de apropriação privada do Estado brasileiro ligada às corporações judiciais. Não há dúvida, portanto, de que o Estado patrimonial sobreviveu, renovou-se e continua encastelado no centro da estrutura estatal. (p. 95)
A novidade de 1988: O surgimento do Estado social (p. 95)
Devemos levar em conta a expansão das políticas sociais na década de 1990 e primeira década do século XXI, pois até a democratização, o Brasil contava com um Estado Social complementar aos Estados patrimonial e desenvolvimentista. Até que foram criadas estruturas especiais de proteção social nos grandes núcleos do Estado. As políticas de inclusão social aprofundadas em 2003 constituíram uma rede de proteção social mínima no Brasil com impacto importante na redução da pobreza.
O Brasil arrecada cerca de 35% do PIB em impostos e gasta em torno de 10% dele em políticas sociais. Tal panorama mudou o mapa da desigualdade no país, que diminuiu bastante, principalmente no nível local.
VER GRÁFICO p. 99 (BOTAR GRÁFICO AQUI!!!!)
Na era Vargas foram criados diversos institutos que ofereciam acesso específico à aposentadoria e às demais formas de proteção social. Assim, a origem da Previdência Social brasileira é uma forma segmentada de previdência com contribuições diferentes, que excluíam 3 setores: os trabalhadores rurais, os trabalhadores autônomos e os empregados domésticos, situando-se desde os seus primórdios, na intersecção entre direito segmentado e benefício estatal. A CF1988 incorporou os trabalhadores rurais e os empregados domésticos no sistema de previdência. Coube, portanto, à previdência social criar a estrutura mínima de bem-estar no Brasil, e também manter e/ou renovar as estruturas do Estado patrimonialista.
A disputa pelo Estado: 2014-8 (p. 102)
A crise vivida no Brasil a partir de 2014, tornou explícita a impossibilidade de continuação do arranjo de 2 Estados. Essa disputa fundamental está entre o novo Estado clientelista/patrimonial e o Estado Social. Ou seja, é uma crise de um padrão de dominação oligárquica de longo prazo do Estado revestida apenas parcialmente pela CF1988. A partir da crise de 2008, pela primeira vez, o governo teve a necessidade de optar por 1 dos lados do modelo de 2 Estados simultâneos. A solução incluiria a opção por uma política de redução de juros, mas a opção por retardar o ajuste opôs pela 1ª vez o governo Lula e o presidente do Banco Central. Economistas passaram a se posicionar a favor de um choque ortodoxo, o da austeridade, com resultados sociais devastadores.
Com a posse de Dilma Rousseff, em 2011, o enfrentamento acerca do modelo de 2 Estados se acirrou. Nas eleições de 2014 há um ambiente de forte enfrentamento em relação ao modelo do Estado. E as corporações judiciais assumiram nessas eleições, um ativismo político e corporativismo sem precedentes. (p. 106)
A inflexão liberal iniciada no 2º governo Dilma fez voltar a vigorar um tripé centrado nos juros altos e no controle da inflação, na diminuição das despesas do setor público e, no caso do petróleo, num choque de preços aliado a vários ajustes na Petrobras.
Veio a 2ª fase do choque liberal, com uma política específica de Estado, a radicalização incluindo a EC95 e a Reforma da Previdência. A EC95 expressou muito bem essa radicalização das forças liberais de mercado. Dessa forma, conclui-se que ao final de um período de expansão dual do Estado, a proposta do governo Temer, cuja continuidade se vê no governo Bolsonaro, apoiada pelasforças do mercado, é o desmonte do Estado social e a preservação do Estado patrimonialista.
 
CAPÍTULO 4 – VIOLÊNCIA NO BRASIL: DO HOMEM CORDIAL AO ÓDIO CIBERNÉTICO (pp. 111-140)
Avritizer cita Carl Schmitt e Hannah Arendt como 2 autores fundamentais para a discussão acerca da violência no século XX.
No Brasil, o outro é o diferente da tradição brasileira, geralmente o negro e o pobre, a quem não lhe cabem os mesmos direitos destinados aos indivíduos da elite. Na atual conjuntura brasileira, temos a violação de direitos e atentados contra a liberdade de expressão realizados pelo assim chamado “homem comum” (vizinhos, médicos, membros da justiça – responsáveis por forte intolerância existente na sociedade brasileira. Ou seja, p. 114
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