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Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional Rua Conselheiro Nébias, 1384 – Campos Elíseos – 01203-904 – São Paulo – SP Tel.: (11) 5080-0770 / (21) 3543-0770 faleconosco@grupogen.com.br / www.grupogen.com.br O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível (art. 102 da Lei n. 9.610, de 19.02.1998). Quem vender, expuser à venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior (art. 104 da Lei n. 9.610/98). Capa: Saulo Schwartzmann Produção digital: Geethik Data de fechamento: 04.05.2018 CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ M439p Medeiros, João Bosco Português forense: língua portuguesa para curso de direito / João Bosco Medeiros, Carolina Tomasi. – 9. ed., rev. atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2018. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-97-01747-2 1. Direito – Brasil – Linguagem. 2. Língua portuguesa – Português técnico. I. Tomasi, Carolina. II. Título. 18-48726 CDU: 340.113 mailto:faleconosco@grupogen.com.br http://www.grupogen.com.br http://www.geethik.com A finalidade última de todo ato de comunicação não é informar, mas persuadir o outro a aceitar o que está sendo comunicado. Por isso, o ato de comunicação é um complexo jogo de manipulação com vistas a fazer o enunciatário crer naquilo que se transmite. A linguagem é sempre comunicação (e, portanto, persuasão), mas ela o é na medida em que é produção de sentido (FIORIN, 1989, p. 52). 1 1 2 3 4 5 6 6.1 6.2 6.3 7 2 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Introdução Língua, Variação e Preconceito Linguístico Linguagem Língua Sistema Norma Português brasileiro Variedades linguísticas Padrão vs. não padrão Variedades sociais Classificação das variedades Preconceito e intolerância linguística Exercícios Como a Linguagem Funciona Análise do discurso O estudo da linguagem O discurso Condições de produção Paráfrase e polissemia Formação discursiva Ideologia do sujeito Incompletude e ruptura O dito e o não dito Tipos de discurso 3 1 2 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 3 3.1 3.2 4 5 6 7 7.1 4 1 2 2.1 2.2 2.3 2.4 5 1 2 3 4 5 6 1 2 3 3.1 3.2 4 5 Exercícios Estudo das Palavras: o Sentido na Linguagem Jurídica Polissemia Estudo do léxico Sinonímia Antonímia Hiperonímia/hiponímia Meronímia Associação semântica Homonímia Homofonia Algumas considerações Denotação e conotação A função de coesão e coerência textual do vocabulário Competência lexical Semântica e pragmática Processos de formação de palavras Exercícios Coesão Textual Introdução Mecanismos de coesão textual Coesão referencial Coesão sequencial e recorrencial Sequenciação parafrástica Sequenciação frástica Exercícios Coerência Textual Necessidade de coerência Condições para a existência de um texto Competência textual Saber partilhado Boa formação e continuidade de sentido Exercícios A Produção do Sentido no Texto Conceito de texto Percurso gerativo do sentido Nível figurativo Isotopia Motivo Esquema narrativo canônico Actantes (unidade sintáxica de base da gramática narrativa) 6 7 1 2 3 3.1 3.2 4 5 6 7 8 9 10 11 12 8 1 2 3 4 4.1 5 6 7 8 9 10 11 11.1 11.2 11.3 12 12.1 12.2 13 13.1 14 15 Categorias Exercícios Argumentação Introdução Expedientes da argumentação Implícitos Pressupostos Subentendido Tipos de argumento Mecanismos de argumentação Estilo Teorias da linguagem Pragmática Procedimentos de persuasão: a argumentação Relações instauradas entre enunciação e enunciado Temporalização e espacialização Relações entre enunciador e enunciatário Exercícios Enunciação, Dialogismo, Polifonia e Intertextualidade Enunciação: conceito Enunciação, enunciado e enunciação enunciada Enuncividade Tempo Tempos enunciativos Espaço Debreagem e embreagem Os estudos de Bakhtin Dialogismo Polifonia Polifonia textual e discursiva Intertextualidade Citação Alusão Estilização Interdiscursividade Citação Alusão Paródia Diálogo intertextual Leitura polifônica Carnavalização 15.1 9 1 2 3 4 5 10 1 2 3 4 5 6 11 1 2 3 4 5 5.1 5.2 5.3 6 6.1 12 1 1.1 1.2 1.3 2 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 2.6 Signo como arena de classes Exercícios Ideologia Sistema × discurso Discurso: a autonomia e a determinação Temas e figuras Formações discursivas Texto e discurso Exercícios O Texto e suas Propriedades Conceito de texto Unidade Contextualização Referência e tematização Coerência Competência textual Exercícios Estilística Importância da estilística para o advogado Seleção e combinação Estilo de escrita e pensamento: coordenação e/ou subordinação? Colocação dos termos Tonalidade emotiva das palavras Palavras de significado afetivo Palavras que exprimem julgamento Avaliação Figuração e tematização Linguagem figurada Exercícios Gêneros Textuais Forenses e Sequências Textuais Conceito de gêneros textuais A perspectiva bakhtiniana Perspectiva de Bazerman, Corolyn Miller, Marcuschi Leitura e redação de gêneros Tipos textuais Sequência textual narrativa Sequência textual descritiva Sequência textual argumentativa Sequência textual expositiva/explicativa Sequência textual injuntiva Sequência textual dialogal 3 4 4.1 5 13 1 2 3 4 5 5.1 5.2 5.3 5.4 5.5 6 7 14 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 10.1 10.2 10.3 10.4 10.5 11 12 12.1 12.2 12.3 Funções da linguagem Procuração Substabelecimento Requerimento e petição Exercícios Leitura Noção de texto: o primeiro passo para a leitura As vozes de um texto: o segundo passo para a leitura Leitura: inúmeras possibilidades Leitura: texto dissertativo Divisão de um texto Divisão com base na oposição temporal Divisão com base na oposição espacial Divisão com base na oposição entre os vários personagens Divisão com base em oposições temáticas Leitura: alguns recadinhos para se tornar possível Cálculo do sentido Exercícios Leitura passionalizada do texto jurídico: o réu como vítima de julgamentos injustos Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) Introdução Iniciação científica Pesquisa científica Paradigmas científicos: métodos Revisão da literatura Redação do TCC Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) Passos Importância da comunicação científica Estrutura do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) Introdução Desenvolvimento Conclusão Bibliografia (referências) Anexos e apêndices Plano de trabalho escrito Articuladores textuais Articuladores de conteúdo proposicional Articuladores enunciativos ou discursivo-argumentativos Articuladores metaenunciativos Exercícios 15 1 2 3 3.1 4 16 1 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5 1.6 1.7 1.8 1.9 1.10 1.11 1.12 2 2.1 2.2 2.3 3 3.1 3.2 3.3 4 4.1 4.2 4.3 4.4 4.5 Aspectos Formais do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) Introdução Normas da ABNT para a elaboração de trabalhos acadêmicos: a NBR 14724:2011 Citações diretas e indiretas: a NBR 10520:2002 Regras gerais Normas para a elaboração de referênciasbibliográficas: a NBR 6023:2002 Exercícios Apresentação Gráfica do TCC Parte pré-textual Capa Lombada Folha de rosto Verso da folha de rosto Errata Folha de aprovação Dedicatória Agradecimento Inscrição e epígrafe Resumo xLista de ilustrações e outras Sumário Parte textual Introdução Desenvolvimento Conclusão do TCC Parte pós-textual do TCC Referências Apêndice e anexo Índices Assuntos complementares Títulos e seções Tipos e corpos: itálico, bold (negrito), sublinha, letras maiúsculas Numeração das folhas do TCC Parágrafo Considerações finais sobre a apresentação do TCC Exercícios Bibliografia Os estudos linguísticos conheceram nas últimas décadas enorme desenvolvimento ainda pouco contemplado nos manuais que atendem à área do Direito. Continuam eles, em sua maioria, a ocupar-se estritamente de uma língua idealmente padrão, entendendo que escrever bem é exclusivamente escrever segundo a norma gramatical. E, em virtude de tais posicionamentos, valorizam-se sobremaneira questões pouco relevantes para o conhecimento e uso da língua. Este livro, além de voltar-se para a compreensão dos elementos que produzem o sentido, proporciona uma opção que contempla aquisições modernas da ciência linguística, oferecendo matéria que objetiva isentar-se de preconceitos relativos a usos estigmatizados tão presentes nas concepções tradicionais que se apoiam em regras que determinam o que é certo e o que é errado em linguagem; concepções que veem a língua apenas sob o prisma da obediência a normas gramaticais estabelecidas por critérios nem sempre científicos. Diferentemente, pois, dessa visão, ocupamo-nos de municiar o leitor com informações sobre os mecanismos de constituição do sentido. A língua escrita é um registro formal que tem suas regras, mas de modo nenhum pode cristalizar-se, desconsiderando o uso que o povo faz dela. Este é seu guardião, o que a molda segundo sua cultura e interesses. Contrariá-lo é seguir o caminho de uma expressão burocrática, que pouco comunica nem chama a atenção. Isso não significa que conhecimentos morfossintáticos não sejam necessários no uso da língua sobretudo por profissionais de Direito. A aquisição de tais conhecimentos, no entanto, pode passar ao largo de preconceitos linguísticos impositivos de um modo de usar a língua que atende apenas a interesses de uma classe social, estabelecendo uma muralha que impede o acesso da maioria, particularmente, aos bens culturais. Vista dessa forma, a língua só serve para ampliar o fosso que separa a maioria das decisões que dão direcionamento histórico a um povo. Com base, pois, em tais ideias, o texto, dividido em 16 capítulos, oferece inicialmente ao leitor a possibilidade de confrontar alguns preconceitos sociais relativos ao uso da língua. Saber da existência de múltiplos registros, bem como ter conhecimento linguístico para adaptar-se às mais diversas situações, é uma necessidade elementar para quem se dispõe a escrever e a falar com o interlocutor. E o profissional do Direito é dessas pessoas que utilizam o código verbal tanto na modalidade escrita quanto na falada, e se coloca nas mais diversas situações que lhe exigem conhecimento de variedades adequadas para poder ser bem-sucedido. O Capítulo 1 trata ainda do preconceito e da intolerância linguística. Em seguida, um capítulo sobre o funcionamento da linguagem mostra quão complexa ela é, nunca podendo ser reduzida a questões apenas relativas a escrever bem segundo normas gramaticais desligadas do desenvolvimento científico dos estudos da língua. Saber como funciona a linguagem não apenas para produzir textos, mas também para entendê-los. E, em se falando de interpretações não apropriadas, o leitor já pôde ter contato com inúmeras delas. Como são frequentes interpretações duvidosas ou falhas, de jornalistas, sociólogos, psicólogos, enfim, de profissionais de todas as áreas, simplesmente por desconhecimento de como se produz o sentido! O profissional do Direito, no entanto, deve primar pela capacidade de entender os mais variados tipos de textos e interpretá-los com segurança. Um capítulo (3) dedicado à formação das palavras apresenta particularmente dois fenômenos linguísticos: a denotação e a conotação. Compreender como se dá a plurissignificação é exigência não só para a produção de textos, como também para o entendimento dos alheios. Dois outros capítulos contemplam temas de grande interesse para quem deseja aprender a produzir textos com coerência e coesão. Ocupam-se das questões mais problemáticas que atingem com frequência textos escritos ou falados por pessoas com pouca experiência com relação aos fatos linguísticos. Saber concatenar ideias, estabelecer passagens seguras de um pensamento a outro, de uma frase a outra, escrever de forma que as ideias contribuam para formar um todo único, sem brechas para incoerências, é um empreendimento que exige da parte do locutor domínio de alguns conhecimentos básicos. Ambos os capítulos apresentados (4 e 5) propõem-se oferecer tais informações. Com base nos estudos semióticos, o Capítulo 6 trata dos variados níveis de produção do sentido, instrumento dos mais valiosos tanto para a análise textual quanto para a elaboração de textos de todas as formas, visto que a característica fundamental de todo texto é a narratividade, e esta é vista no decorrer de todo o capítulo. Ainda foi objeto de exposição um capítulo (7) sobre argumentação, dessa feita compreendendo conhecimentos oriundos de pesquisa atual na área da Teoria do Discurso. Daí a preocupação em apresentar tópicos relativos ao uso de implícitos verbais, como os pressupostos e os subentendidos. Contribui também para superar a visão tradicional que se apoia especialmente em normas de “bem falar e escrever” a apresentação de matéria relativa à enunciação, ao dialogismo, à polifonia e à intertextualidade (Capítulo 8), tão necessária tanto para a compreensão do discurso do outro como para entender a ideologia presente em qualquer tipo de texto. No Capítulo 9, tratamos da ideologia, característica relevante de um texto. Em seguida, o Capítulo 10 apresenta as propriedades de um texto. Sua preocupação é oferecer ao leitor elementos apropriados para a redação de peças forenses. O Capítulo 11 cuida da estilística, seguindo, ainda, o interesse em oferecer ao leitor estímulo para a produção de uma locução ou escrita expressiva. Novamente, a preocupação não foi apresentar listas intermináveis de figuras de linguagem, mas mostrar como funciona a técnica da expressão, como se faz para dar ênfase às ideias. O Capítulo 12 é dedicado aos gêneros forenses, oferecendo ao leitor informações sobre como elaborar principalmente petições e procurações. Ao término do livro, há quatro capítulos endereçados à produção do Trabalho de Conclusão de Curso; um deles ocupa-se da leitura (13), e os outros três (14, 15 e 16), de metodologia e técnicas de elaboração dessa modalidade de trabalho científico. 1 Linguagem Entre as expressões linguísticas utilizadas normalmente que merecem cuidado com relação ao conceito, destacam-se: linguagem, sistema, língua, norma, variação, variedades, língua escrita, língua oral. Em primeiro lugar, LINGUAGEM é um sistema de signos utilizados para estabelecer uma comunicação. A linguagem humana seria de todos os sistemas de signos o mais complexo. Seu aparecimento e desenvolvimento devem-se à necessidade de comunicação dos seres humanos. Fruto de aprendizagem social e reflexo da cultura de uma comunidade, o domínio da linguagem é relevante na inserção do indivíduo na sociedade. Para Dubois (1988, p. 387), linguagem é a capacidade específica à espécie humana de comunicar por meio de um sistema de signos vocais, que coloca em jogo uma técnica corporal complexa e supõe a existência de uma função simbólica. A LINGUAGEM VERBAL é uma faculdade que o homem utiliza para exprimir seus estados mentais por meio de um sistema de sons vocais denominado língua. Esse sistema organiza os signos e estabelece regras para seu uso. Assim, pode-se afirmar que qualquer tipo delinguagem desenvolve-se com base no uso de um sistema ou código de comunicação, a língua. A LINGUAGEM é uma característica humana universal, enquanto a LÍNGUA é a linguagem particular de uma comunidade, um grupo, um povo. Embora a linguagem verbal seja a mais importante de que se utiliza o homem, a não verbal é largamente utilizada e não destituída de relevância, como gestos, postura, cores, vestuário. As LINGUAGENS NÃO VERBAIS oferecem maior dificuldade de interpretação, visto que seus significados não são universais. Por exemplo, um gesto como balançar a cabeça pode ter significados diferentes, conforme o lugar em que é feito; a figa, que no Brasil significa desejo de boa sorte, é entendida na Holanda e na Tunísia como um gesto de conotação fálica. 2 Língua LÍNGUA: considerando a língua em sua imanência, ela foi estudada particularmente no passado em sua realidade estrutural. Entendia-se, sob a variação constitutiva de uma língua, que havia uma unidade sistêmica. Como a linguística estrutural nasceu em solo europeu, ela reproduziu a concepção de língua que aí existia, em que se identificava a língua com a norma-padrão. Faraco (2008, p. 33) afirma que a língua tornou-se “assunto de Estado nos países europeus, que, como parte do processo de centralização característico daquela conjuntura histórica, desenvolveram políticas linguísticas homogeneizantes em seus territórios”. Daí advém a dificuldade da linguística em admitir em seus modelos teóricos a heterogeneidade que é característica de qualquer língua. Assim, enquanto a linguística segue o pressuposto teórico de língua homogênea, a outras disciplinas cabe o estudo da heterogeneidade, como a dialetologia, a sociolinguística, a linguística histórica. Saussure, com sua divisão entre langue e parole, entendia que língua é um sistema social uniforme que se materializa em usos individuais. Essa concepção sistêmica mostrou-se produtiva nos estudos fonológicos, mas insuficiente para a explicação da variabilidade linguística supraindividual. Caracteriza-se a FALA, na concepção de Saussure, como a atualização da língua pelo indivíduo. O uso individual é resultado da necessidade de comunicação. Em virtude de sua realização oral ocorrer sobretudo em situações informais em que normalmente não se pratica a norma-padrão (a língua modelar, abstrata), a LÍNGUA FALADA é mais dinâmica que a ESCRITA. A ausência de censura favorece o surgimento de uma variedade rica em possibilidades expressivas. A FALA é anterior à escrita, mas, ao longo dos tempos, tem sido relegada a uma condição de inferioridade por causa das circunstâncias modernas em que informações e documentos escritos constituem o mundo das relações humanas e de produção. As alterações que ocorrem na fala podem vir a tornar-se uso, desde que sejam experimentadas por um grupo de indivíduos. Ensina Saussure (1977, p. 196) que “nada entra na língua sem ter sido antes experimentado na fala, e todos os fenômenos evolutivos têm sua raiz na esfera do indivíduo”. Segundo o pensamento saussuriano, as características diferenciadoras entre LÍNGUA e FALA são: a língua é sistemática, tem certa regularidade, é potencial, coletiva; a fala é assistemática, nela se observa certa variedade, é concreta, real, individual. Para Oliveira (2011, p. 32), a forma como se vê a língua determina a maneira de ensinar português. Algumas teorias polarizam as discussões desde a segunda metade do século XX: a concepção estruturalista, representada por Ferdinand de Saussure, Leonard Bloomfield, Charles Fries, Noam Chomsky O estruturalismo entende que “a língua é um sistema formado por estruturas gramaticais inter-relacionadas”. Esse conceito de língua é problemático porque exclui o uso linguístico, o sujeito usuário da língua e as variações linguísticas que sujeitos diferentes produzem. Saussure não tratou da fala em sua pesquisa linguística porque entendia que a parte social e homogênea da língua seria o elemento que daria cientificidade à linguística. Chomsky, por sua vez, ocupou-se de dois conceitos: o de competência (conhecimento que o falante possui de sua língua) e o de desempenho (uso efetivo da língua). Também excluiu de sua pesquisa o desempenho, por entender que o uso da língua, que conta com a influência de fatores psicológicos e físicos, como cansaço, irritação, sono, não reflete sua competência. Fundamentou sua pesquisa em um falante ideal que vive em uma comunidade linguística homogênea. Saussure compreendia a língua como um código e um sistema de signos, o que o levava a interessar-se apenas pelo sistema e pela forma, e não por sua realização na fala nem por seu funcionamento em textos. A visão funcionalista da linguagem tem como representantes: Nikolai Trubetzkoy, Robman Jakobson, John Firth, Halliday, autores que se ocuparam sobretudo com aspectos funcionais, situacionais, contextuais e comunicacionais no uso da língua, e não apenas com o sistema. A concepção de língua sociointeracionista ou interacionista entende a língua como meio de interação sociocultural e compreende elementos como: sujeito que fala ou escreve, sujeito que ouve ou lê, especificidades culturais desses sujeitos, contexto de produção e recepção do texto, elementos que não fazem parte do conceito estruturalista de língua. Segundo a concepção pragmática, não bastam conhecimentos estruturais da língua, regras gramaticais, para o uso competente da língua. Dell Hymes seria o autor do conceito de competência comunicativa, segundo o qual o falante-ouvinte, para ser competente em sua língua, precisa não apenas ter conhecimento das regras gramaticais, mas também a habilidade de usar essas regras, adequando-as às situações sociais em que se encontra no momento em que usa a língua (OLIVEIRA, 2011, p. 35). Para Marcuschi (2011, p. 19 s), o contexto atual dos estudos de linguística enunciativa vê a “língua como um conjunto de práticas enunciativas e não como forma descarnada”. Toda e qualquer enunciação humana é organizada fora do indivíduo, é sempre um ato social. A substância constitutiva da língua não é um sistema abstrato de formas linguísticas, nem uma enunciação individual isolada, mas um fenômeno social de interação verbal realizado por meio de enunciações, em que a realidade da língua se manifesta na interação verbal. Marcuschi chama ainda a atenção para o que afirmam Bakhtin e Voloshinov, em Marxismo e filosofia da linguagem (1997, p. 124): A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes. Bakhtin entende que fala (os enunciados) não é ato individual, mas sempre um ato social. Se fosse individual, a compreensão seria impossível. A noção de dialogismo seria o princípio fundador da linguagem, visto que todo enunciado é um enunciado de alguém para outra pessoa. E conclui Marcuschi à página 21: pensar a língua como interação “retira a reflexão sobre a língua do campo da estrutura para situá-la no campo do discurso em seu contexto sociointerativo”. Essa concepção de linguagem como atividade social e interativa tem consequências relevantes para a visão do texto como unidade de interação, para entender a compreensão como atividade de construção do sentido promovida por um eu situado em relação com um tu igualmente situado, ambos mediados pela noção de gênero textual (ver Capítulo 12), que é uma forma de ação social. Não é, pois, a língua uma entidade linguística apenas formalmente constituída. Essa concepção, no entanto, não nos deve levar a entender a linguagem como resultado de determinismos externos, assim como não é estrutura tão somente: ela é vista pelos interacionistas como forma de ação. Daí Marcuschi (2011, p. 22) afirmar que o uso e o funcionamento da linguagem dão-se “em textos e discursos produzidos e recebidos em situações enunciativas ligadas a domínios discursivos da vida cotidiana e realizados em gêneros que circulam na sociedade”. E, adiante, enfatiza: “não existe um uso significativo da língua fora das inter-relaçõespessoais e sociais situadas”. Assim, o uso autêntico da língua ocorre em textos realizados por sujeitos históricos e sociais “de carne e osso”, que apresentam alguma relação entre si e tenham algum um objetivo comum. Outros estudiosos que introduziram o uso em suas pesquisas linguísticas foram: William Labov, que se ocupou da sociolinguística, John Austin e John Searle, que se dedicaram aos atos de fala, Robert-Alain de Beaugrande e Wolfang Dressler, que contribuíram decisivamente para os estudos da produção textual e da leitura como atividades de interação sociocultural. Koch (2002, p. 14) entende que à concepção de língua como estrutura “corresponde a de sujeito determinado, assujeitado pelo sistema, caracterizado por uma espécie de ‘não consciência’”. Em relação ao sujeito, teríamos de considerar as seguintes posições: 1. Predomínio da consciência individual no uso da língua. Nesse caso, o sujeito da enunciação é responsável pela produção dos efeitos de sentido dos enunciados. A língua seria um código à disposição do indivíduo, que o utiliza como se não fosse um ente histórico. É o sujeito dono de suas palavras. A interpretação de seu texto implicaria tão somente descobrir suas intenções. Koch (2002, p. 14) afirma: “Compreender um enunciado constitui, pois, um evento mental que se realiza quando o ouvinte deriva do enunciado o pensamento que o falante pretendia veicular”. Para essa concepção de língua, há predomínio da consciência individual no uso da língua. 2. A segunda posição de sujeito é de assujeitamento e, nesse caso, o indivíduo não é senhor de seu discurso nem de sua vontade. Aquele que fala é um sujeito anônimo, social; o locutor dependeria desse sujeito social, seria um repetidor dele, mas teria a ilusão de que seus enunciados são originais e de que é livre para fazer e dizer o que deseja. Todavia, só diz o que lhe é permitido dizer na posição em que está, pois está inserido em uma instituição e em uma ideologia; ele seria apenas um porta-voz dessa outra voz. Há sempre um discurso anterior que fala por meio do indivíduo. O sentido de um enunciado depende da formação discursiva a que pertence, entendendo-se por formação discursiva o que, em uma formação ideológica dada, determina o que pode e o que deve ser dito. Nesse caso, não se admite que um sujeito psicológico seja responsável pelos enunciados, pois o sujeito do enunciado não controla o sentido do que diz. Possenti, citado por Koch (p. 15), não aceita essa tese in totum, visto que, “para que o sujeito possa ser concebido como algo mais que um lugar por onde o discurso passa, vindo das estruturas, é necessário fazer a hipótese mínima de que ele age [...]. Para a compreensão de textos, são necessários, além do conhecimento linguístico, conhecimentos, experiências etc. que são classicamente analisados relativamente a sujeitos psicológicos, e não a posições e vetores. Penso que a Análise do Discurso ganharia se propusesse uma teoria psicológica, na qual o sujeito fosse ‘clivado pelo inconsciente’, mas não fosse reduzido a uma peça que apenas sofre efeitos”. 3. Uma terceira posição do sujeito advém da concepção de língua como lugar de interação. E esta vê o sujeito como ativo, participante; um sujeito social, histórica e ideologicamente situado, que se constitui na interação com o outro. Essa concepção de língua é fundamental para o conceito de texto e de sentido. Se a língua é vista como representação do pensamento e o sujeito é senhor absoluto de suas ações e de seu dizer, o texto é meramente um produto do pensamento do autor. Ao leitor ou ouvinte não cabe senão captar essa representação mental, bem como as intenções do autor. A ele caberia apenas um papel passivo. Se vejo a língua como instrumento de comunicação, como código, e o sujeito é determinado pelo sistema, o texto falado ou escrito é resultado da codificação que implicará um leitor ou ouvinte que o decodificará. Basta-lhe possuir a chave do código, o conhecimento do código, para ter acesso ao sentido. Portanto, um papel de interlocutor que também se revela passivo. Finalmente, na concepção interacionista da língua, ou dialógica, locutor e interlocutor são vistos como sujeitos, responsáveis pela produção do sentido. Afirma Koch (2002, p. 17): Os sujeitos são vistos como atores/construtores sociais, o texto passa a ser considerado o próprio lugar da interação e os interlocutores, como sujeitos ativos que – dialogicamente – nele se constroem e são construídos. Essa concepção de língua, de texto e de sujeito rejeita o entendimento de que a compreensão é simples 3 4 decodificação de uma mensagem codificada por um emissor. A compreensão é uma atividade interativa complexa, realizada com base em elementos linguísticos da superfície do texto, mas que implica a mobilização de um conjunto amplo de saberes (conhecimento de mundo, conhecimento enciclopédico). Sistema SISTEMA é uma organização que rege a estrutura de uma língua. Para Dubois (1988, p. 560), sistema é um conjunto de termos estreitamente correlacionados entre si no interior do sistema geral da língua. Fala-se, assim, do sistema do número no português (singular vs. plural), do sistema fonológico, do sistema vocálico etc. Bechara (2015, p. 44) opõe sistema e norma usual (uso): O sistema contém apenas as oposições funcionais, isto é, contém unicamente os traços distintivos necessários e indispensáveis para que uma unidade da língua (quer no plano da expressão, quer no plano do conteúdo) não se confunda com outra unidade. Assim, no sistema dos relativos em português, que e o qual se opõem ambos a quem e cujo, por exemplo; mas a norma usual da língua prefere unicamente o qual, e não que, depois de preposição com mais de duas sílabas: Os caminhos de que (dos quais) lhe falei... Mas: As razões segundo as quais (e não segundo que). Outros exemplos incluem o sistema verbal português que utiliza o morfema -o para marcar a primeira pessoa do singular do presente do indicativo: canto, vendo, parto, e utiliza também o sufixo -ção para formar substantivos geralmente denotadores de ação, oriundos de verbos: povoar – povoação, alegar – alegação. A norma, no entanto, prefere casamento, tratamento. No domínio da sintaxe, Bechara (2015, p. 45) apresenta exemplo que comprova a diferença entre sistema e norma: Os chamados complementos verbais quando constituídos por substantivos normalmente se dispõem na ordem direto + indireto (Dei um livro ao primo), mas quando aparece, numa dessas funções ou nas duas, pronome pessoal, a norma é vir primeiro o indireto: (Dei -lhe um livro)/Dei-lho (lhe + o). Na fala prestigiada, hoje se diz: dei um livro para ele. E conclui o gramático citado que o domínio da norma é muito complexo “e exige do falante uma aprendizagem por toda a vida”. Norma Enquanto a oposição língua/fala é de Saussure (1977), o conceito tripartite de SISTEMA/NORMA/FALA é de Coseriu (1979). Para este último autor, o falante, ao utilizar a língua (sistema) e sua fala, seleciona modelos de enunciação que são retirados da norma. Entende Faraco (2009, p. 34) que, sob o olhar estruturalista sussuriano, a norma pode ser vista como “cada um dos diferentes modos de realizar os grandes esquemas de relações do sistema”. Assim, cada norma se organiza dentro das possibilidades que lhe permite o sistema, e cada uma dessas organizações se apoia no uso corrente de um grupo de falantes socialmente definido. Dessa forma, ainda segundo Coseriu, uma norma não indica o que se pode dizer, que é tarefa do sistema, mas o que tradicionalmente se diz na comunidade. A NORMA varia segundo a influência do tempo, espaço geográfico, classe social ou profissional, nível cultural do falante. A diversidade de normas, visto que há tantas quantos os indivíduos, não afeta a unidade da língua, que contém a soma de todas as normas (isso na concepção tradicional da existência de língua homogênea). Por isso, Camara Jr. (1975, p. 9) afirma que a língua é uma unidade, uma estrutura ideal, que apresenta “os traços básicos comuns a todas as suasvariedades”. Segundo Bechara (2015, p. 44), a norma contém tudo o que na língua não é funcional, mas que é tradicional, comum e constante, ou, em outras palavras, tudo o que se diz “assim, e não de outra maneira”. É o plano de estruturação do saber idiomático que está mais próximo das realizações concretas. O sistema e a norma de uma língua funcional refletem a sua estrutura. Mattoso Camara Jr., em Dicionário de linguística e gramática (1978a, p. 177), afirma que norma é “conjunto de hábitos linguísticos vigentes no lugar ou na classe social mais prestigiosa do país”. Faraco (2009, p. 35) não vê na norma essa restrição de Mattoso Camara, uma vez que entende norma como determinado conjunto de fenômenos linguísticos (fonológicos, morfológicos, sintáticos e lexicais) que são correntes, costumeiros, habituais numa dada [observe que não diz “na classe social mais prestigiosa do país”] comunidade de fala. Norma nesse sentido se identifica com normalidade, ou seja, com o que é corriqueiro, usual, habitual, recorrente (“normal”) numa certa comunidade de fala [destaque nosso]. Em nota de rodapé da p. 35, Faraco chama a atenção para o fato de que uma norma não comporta tão somente fenômenos fixos, mas também fenômenos em variação. E, adiante, à página 37, complementa seu argumento, afirmando que uma comunidade linguística é formada por um conjunto de normas: “cada comunidade linguística tem várias normas (e não apenas uma)”. E exemplifica: tia, dia conhecem em algumas comunidades brasileiras a pronúncia africada (tchia, djia); em outras, a pronúncia não africada. Uma norma convive ao lado de outra sem nenhum problema, como é o caso do uso do pronome pessoal tu que é normalmente usado no Brasil com o verbo sem s: tu vai, tu pode. Em situações mais monitoradas, no entanto, podemos ouvir: tu vais, tu podes. Da mesma forma, temos comumente a mistura de você com teu, em algumas situações (“você não viu a mancha na tua blusa?”; em situações mais monitoradas podemos encontrar: “você não viu a mancha na sua blusa?”. Outro exemplo comum no Brasil é o uso de ter no sentido existencial: “não tem problema”, “não tem ninguém na sala”; em situações mais monitoradas (muitíssimo raramente), poderíamos ter: “não há problema”, “não há ninguém na sala”. O uso de ter nessas situações é generalizado de Norte a Sul, sem distinção de categoria social, da mesma forma como já faz parte de nosso cotidiano o uso de pega ele, veja ele, sem distinção de classe social. É comum no Jornal Nacional ouvirmos esse tipo de construção. O uso de a gente no lugar de nós também já está generalizado de Norte a Sul: “a gente pode sair da sala?”, mas também se ouve: “nós podemos sair da sala?”. Outra variação comum em nosso meio é a substituição do futuro do presente por dois verbos: “você vai estar presente na reunião amanhã? ” (forma mais corriqueira que “você estará presente na reunião amanhã?”). Enfim, paulatinamente a variedade da fala prestigiada vai provocando mudança no uso de uma norma anterior. Faraco (2009, p. 41) chama a atenção para o fato de que, qualquer que seja a norma, ela não se constitui apenas de um conjunto de formas linguísticas; ela é também “um agregado de valores socioculturais articulados com aquelas formas”. Verifique-se, por exemplo, que as normas que organizam as variedades estigmatizadas na sociedade brasileira são vistas como “introdutoras de erros linguísticos” e os falantes dessas variedades são considerados ignorantes. E, como se trata de valores, há formas que são consideradas mais erradas que outras. Quando os mais escolarizados e os que gozam de status social prestigiado usam determinadas formas, elas não são estigmatizadas; quando não usam, as formas usadas pelos menos escolarizados e colocados à margem da sociedade são vistas como erradas. Norma é, pois, um conjunto de regras que regulam as relações linguísticas. A norma sofre afrontas ou é contrariada devido a vários fatores: alterações devidas às classes sociais diferentes, alterações devidas aos vários indivíduos que utilizam a língua. Resumindo, norma designa os fatos de língua usuais, correntes, em uma comunidade de fala. Ela designa os fatos linguísticos que caracterizam a fala de pessoas de uma comunidade, incluindo os fenômenos em variação. A norma pode ser coletiva ou individual. Com base no sistema coletivo, o usuário procura fazer uma adaptação individual. A norma social considera o que é comum a uma comunidade (língua) e o que é comum a uma região (dialeto). Ainda é necessário esclarecer dois conceitos que adiante trataremos mais minuciosamente: NORMA CULTA e NORMA-PADRÃO, que têm sido vistos de forma confusa: “a expressão norma culta/comum/standard designa o conjunto de fenômenos linguísticos que ocorrem habitualmente no uso dos falantes letrados em situações mais monitoradas de fala e escrita” (FARACO, 2009, p. 71). A NORMA CULTA é a linguagem praticada pela classe social de prestígio, que é identificada com a da chamada classe social cujos indivíduos têm escolaridade superior (graduação completa em alguma faculdade) e possuem antecedentes biográficos culturais urbanos, isto é, nasceram, cresceram e sempre viveram em ambiente urbano. Trata-se de uma variedade social que nada tem de melhor em relação às outras. Seu prestígio decorre da importância da classe social a que corresponde. Bagno (2015, p. 157-158), discutindo a confusão entre norma culta e norma-padrão, afirma: O dilema relativo à norma-padrão se prende ao fato de que esse termo (às vezes sob a forma enganosa e imprecisa de “norma culta”) é usado pela tradição gramatical conservadora para designar uma modalidade de língua que [...] não corresponde à língua efetivamente usada pelas pessoas cultas do Brasil nos dias de hoje, mas sim um ideal linguístico inspirado no português literário de Portugal, nas opções dos grandes escritores do passado, nas regras sintáticas que mais se aproximam dos modelos da gramática latina, ou simplesmente no gosto pessoal do gramático – para Napoleão Mendes de Almeida, por exemplo, o “certo” é dizer eu odio e não EU ODEIO. Já a expressão norma-padrão designa não propriamente uma variedade da língua, mas um constructo sócio-histórico que serve de referência para estimular um processo de uniformização. Enquanto a norma culta/comum/standard é a expressão viva de certos segmentos sociais em determinadas situações, a norma-padrão é uma codificação relativamente abstrata (FARACO, 2009, p. 73). A norma-padrão é a norma gramatical. Não há, propriamente, falantes que a utilizam tal como ela se apresenta nos manuais, mesmo porque há divergência entre os gramáticos e, muitas vezes, o que ali se encontra não é seguido 5 sequer pelos literatos. Para Bagno (203, p. 43), há confusão entre a língua que falamos e a língua escrita. A própria gramática se apoia em um tipo específico de atividade linguística, a língua escrita: de um grupo muito especial e seleto de cidadãos, os grandes estilistas da língua, que também costumam ser chamados de “os clássicos”. Inspirados nos usos que aparecem nas grandes obras literárias, sobretudo do passado, os gramáticos tentam preservar esses usos compondo com eles um modelo de língua, um padrão a ser observado por todo e qualquer falante que deseje usar a língua de maneira “correta”, “civilizada”, “elegante” etc. Faraco (In: ZILLES; FARACO, 2015, p. 21-22), depois de afirmar que não se nega “em nenhum momento a necessidade de garantir a todos o acesso à expressão culta”, questiona o que o se deve entender por “expressão culta”: A questão normativa emergiu com força no Brasil na segunda metade do século XIX. Surgiu como uma reação ao ideário de nossos autores românticos. Defendiam eles um projeto que desse forma literária às nossas paisagens e às nossas realidades socioculturais. Em outros termos, eles batalhavam por uma independência literária e cultural como desdobramento da independência política. [...] No século XIX, eram já bem distintos o português europeu e o português brasileiro, seja na pronúncia, sejana sintaxe, seja ainda no vocabulário. E as nossas características, quando transpostas para a língua escrita, foram, então – ao cabo de um conjunto de pesadas polêmicas –, inadequadamente classificadas como erros. Espalhou-se entre nós, em consequência, o discurso de que nosso português é cheio de erros, de que não sabemos português, de que escrevemos mal a língua. E difundiu-se, nas últimas três décadas do século XIX, um discurso normativo que recusou as características do português culto brasileiro e defendeu a adoção e o ensino das características do português culto europeu como norma de referência. Português brasileiro O Português Brasileiro é um sistema linguístico que abrange o conjunto das normas que se concretiza por meio dos atos individuais de fala. Ele é um dos sistemas linguísticos existentes dentro do conceito geral de língua e compreende variações diversas devidas a locais, fatores históricos e socioculturais, estilo, que levam à criação de variados modos de usar a língua. Em 1500, a língua que aqui chegou não foi a língua literária de Gil Vicente, Camões, Fernão Lopes ou do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, mas a língua falada pelos colonizadores que iniciaram o povoamento do Brasil a partir de 1532, com a divisão do Brasil em 15 capitanias hereditárias. De início, pelas diferenças de língua que falavam e de interesses, portugueses e índios tiveram dificuldade de relacionamento. O interesse dos portugueses pelas novas terras, no entanto, só se concretizaria após 1550. A partir de 1590, os colonos começaram a substituir o trabalho escravo do índio pelo africano. Durante o primeiro século após o Descobrimento, nessa sociedade de brancos, índios e negros predominou a língua geral, não obstante os esforços da metrópole pelo uso do português. A LÍNGUA GERAL era um veículo de comunicação entre os nativos e os portugueses. Após a segunda metade do século XVIII, a língua geral foi paulatinamente deixando de ser utilizada, assim como os dialetos falados pelos negros, e a língua portuguesa impôs-se. A língua geral foi proibida e obrigado o uso da língua portuguesa pelo Marquês de Pombal, em 3 de maio de 1757, em Portugal; em 17 de agosto de 1758, no Brasil. Outro fato que contribuiu para a difusão do português no Brasil foi a expulsão dos jesuítas (1759) de nosso solo. Eles eram os principais defensores da língua geral. Além disso, a língua portuguesa manteve seu prestígio mesmo durante o predomínio da língua geral, sobretudo nos contratos, nos atos administrativos, nos casamentos. Ao final do século XVIII, o domínio da cultura dos brancos consolidou-se. Surgiram as Academias, de 1724 a 1758. No início do século XIX, a vinda da Família Real para o Brasil constituiu-se um fato relevante para a vida social e cultural do país. Nesse tempo, o padrão lusitano foi tido como ideal linguístico, tanto na língua oral, como na escrita literária. Todavia, com a Independência do Brasil em 1822, passou-se a valorizar tudo o que nos distanciasse de Portugal. Com o Romantismo, toma vulto a questão da língua brasileira, que reivindicava para o Brasil uma língua própria. A segunda metade do século XIX conheceria ainda a chegada dos imigrantes italianos e alemães. No início do século XX, o Modernismo (1922) novamente proporia a questão da língua brasileira, associado à oralidade da língua, à diferença entre língua escrita e língua falada. Como recebeu muitas contribuições, a língua nacional é o português brasileiro, uma língua que alcançou independência linguística e cultural em relação a Portugal. Assim, pelos fatos apresentados verifica-se que o percurso da língua portuguesa em Portugal e no Brasil é muito diverso. Embora a língua de portugueses e a de brasileiros utilizem o mesmo código linguístico e o mesmo sistema, elas apresentam diferenças na norma usual (uso). Bortoni-Ricardo e Rocha (In: MARTINS; VIEIRA; TAVARES, 2014, p. 37-38) entendem que o português do Brasil é uma língua transplantada e, como tal, tende a ser mais conservadora que a língua no seu nascedouro. Comparada ao português europeu, as variedades brasileiras são faladas com ritmo relativamente mais lento, que alguns estudiosos consideram uma preservação de um traço arcaico do português. O gramático pioneiro Fernão de Oliveira, descrevendo a língua falada em Lisboa no século XVI, disse: “mas nós falamos com grande repouso, como homens assentados”. Silva Neto, Mattoso Camara e Naro referem-se a profundas mudanças fonéticas no português da metrópole, ocorridas no último quartel do século XVII e no primeiro do século XVIII, que teriam conferido à língua um ritmo em allegro. Essas mudanças não chegaram ao Brasil, ou pelo menos não chegaram de forma consistente e generalizada no repertório dos colonizadores ao longo dos primeiros séculos de colonização e não se consolidaram aqui. Ademais, os colonos provinham de diferentes regiões na metrópole, e, portanto, em seu repertório linguístico, as mudanças em curso estavam em estágios distintos. Ao se encontrarem no Brasil, esses repertórios tenderam a um amálgama mais conservador em prejuízo das novas variantes. Para Andrade e Medeiros (1997, p. 43), o português do Brasil atual apresenta traços conservadores e inovadores. Os conservadores são notados, principalmente, nas linguagens regionais, que preservam arcaísmos e formas desusadas até nas linguagens regionais de Portugal. Os estudiosos do assunto afirmam que há, nas linguagens regionais do Brasil, um substrato comum do português do século XVII. As inovações correm por conta das linguagens urbanas, fortemente influenciadas pelos meios de comunicação, por isso mais abertas aos processos de transformação, e da linguagem literária. Quanto às diferenças da norma escrita e falada no Brasil e em Portugal, podem ser apontadas distinções em vários níveis: fonético e fonológico; morfológico e sintático e, sobretudo, no vocabulário. 6 6.1 Considerando a diferença entre a língua portuguesa falada em Portugal e a falada no Brasil, destaca-se que a prosódia portuguesa difere bastante da que vigora por aqui. Enquanto os brasileiros falam morrer, correr, bondade, forçoso, corado, os portugueses falam murrer, currer, bundade, furçoso, curado. Portugueses suprimem vogais mediais: c’roa (coroa), impr’ador (imperador); brasileiros usam /e/ e /o/ fechados em Antônio, demônio, gênio; portugueses falam: António, demónio, génio. Em Portugal, morfologicamente falando, é comum madeiro, lenho, horto, fruto , enquanto no Brasil prevalece madeira, lenha, horta, fruta. Há diferenças também num e noutro país em relação ao uso de diminutivos. Em Portugal, fala-se dormindinho, saudezinha, pueirama, oirama. Os brasileiros preferem o gerúndio no lugar de infinitivo regido de preposição, como em estava a redigir , chegou a falar, está a dormir, que são comuns em Portugal, e estava redigindo, chegou falando, está dormindo, que são comuns no Brasil. Na sintaxe, a colocação pronominal tem sido campeã de discussões. Enquanto portugueses preferem a ênclise (diga-me), os brasileiros gostam da próclise (me diga). No vocabulário, difere bastante a língua falada aqui e lá: Brasil Portugal Bala Confeito Banheiro Casa de banhos Calcinha Cueca Carona Boleia Carpete Alcatifa Chiclete Pastilha elástica Crianças Putos Goleiro Guarda-redes Moça Rapariga Ônibus Autocarro Pernilongo Melga Trem Comboio Xícara Chávena Variedades linguísticas Padrão vs. não padrão Segundo Tarallo (1994, p. 8), “em toda comunidade são frequentes as formas linguísticas em variação”. A essas formas em variação dá-se o nome de variedades.1 As variedades de uma comunidade de fala estão sempre em relação de concorrência: 6.2 Padrão vs. não padrão; conservadoras vs. inovadoras; de prestígio vs. estigmatizadas. Em geral, a variante considerada padrão é, ao mesmo tempo, conservadora e aquela que goza de prestígio sociolinguístico na comunidade. As variantes inovadoras, por outro lado, são quase sempre não padrão e estigmatizadas pelos membros da comunidade. Por exemplo, no casoda marcação de plural no português do Brasil, a variante [s] é padrão, conservadora e de prestígio; a variante [0], por outro lado, é inovadora, estigmatizada e não padrão (TARALLO, 1994, p. 12). Duas são, portanto, as variedades fundamentais: a língua-padrão em oposição à língua não padrão. Em relação à primeira, impera um conservadorismo injustificável do ponto de vista da ciência linguística. Um ideário elitista e excludente sobre língua, norma, gramática, variação e mudança domina o cenário nacional (mídia, sala de professores, sala de aula, reunião de professores, bem como conversa sobre língua em qualquer instância social). Para Zilles (In: FARACO, 2009, p. 10-11): Há, ainda, muito trabalho analítico e político a fazer diante dessa postura muito discutível, que privilegia uma variedade de língua sobre as demais, sem levar em conta se esta variedade representa uma escolha adequada pra a sociedade brasileira como um todo, e não apenas para a classe dominante. O ônus dessa postura está também em estigmatizar os falantes que não dominam essa variedade e impô-la como língua legítima da escola, entre outras violências simbólicas. A introdução desses temas sociolinguísticos tem provocado discussões acaloradas, particularmente na mídia (impressa e eletrônica). Os mais conservadores acusam os professores linguistas de desleixarem no ensino da língua “culta”, mas, em geral, não atentam para duas realidades distintas: as variedades “cultas” (designadas pela expressão genérica norma “culta”) e a norma-padrão. Variedades sociais No estudo da variação sociolinguística, os linguistas observam a existência de variedades sociais a que atribuem o adjetivo cultas. A variedade “culta” pode ser assim definida: é aquela que ocorre em usos da língua de forma mais monitorada, que são realizados por segmentos urbanos, que estão no meio para cima na hierarquia econômica e com amplo acesso aos bens culturais, particularmente a educação formal, e à cultura escrita. Trata-se de uma variedade que é recorrente na expressão linguística desses segmentos sociais, em situações de maior monitoração. Por isso, recorre-se muitas vezes à expressão norma culta real. Essas variedades sociais, no entanto, não são homogêneas (é de lembrar que não há uma variedade “culta”, mas várias), embora apresentem traços comuns, difundidos quer pela televisão, rádio, jornais impressos, bem como pela escolarização de longo alcance. A variedade “culta” falada difere da variedade “culta” escrita; a escrita é sempre mais conservadora que a fala, ainda que se possa verificar na escrita a presença de estruturas provenientes da fala “culta”. Com base nesses conceitos, salienta-se então que, como as variedades “cultas” são manifestações do uso normal (no sentido de regular, comum, corriqueiro) da língua, a norma-padrão – quando existe em determinada sociedade – é um constructo idealizado (não é um “dialeto” ou um conjunto de “dialetos”, como o é a norma culta, mas uma codificação taxonômica, de formas tomadas como um modelo linguístico ideal) (FARACO, 2009, p. 172). A fixação de um padrão é resultado de um projeto político que objetiva impor uniformidade onde a heterogeneidade é sentida como negativa (como “ameaçadora de uma certa ordem”). Foi esse o caso do Brasil no século XIX em que certa elite letrada, diante das variedades populares (em particular do que se veio a chamar pejorativamente de “pretoguês”) e face a um complexo jogo ideológico (em boa parte assentado em seu projeto de construir um país branco e europeizado) trabalhou pela fixação de uma norma-padrão (p. 172). Foi, para o linguista, o desejo de construir uma sociedade branca e europeizada que levou a elite a renegar as características linguísticas do País. Inicialmente, impedindo, no século XVIII, o uso das línguas indígenas e da língua geral e, posteriormente, na segunda metade do século XX, impondo à sociedade uma norma-padrão artificial que atormenta os brasileiros. Embora mostre uma relativa unidade linguística, o Brasil tem dificuldade de reconhecer sua cara linguística: não admitimos que somos um país multilíngue, pois há centenas de línguas indígenas e dezenas de línguas de imigração, que são minoritárias, mas significativas para nosso patrimônio cultural. Além disso, o que se observa no português falado pela maioria dos brasileiros é que se trata de uma língua não uniforme, mas diversificada tanto no espaço geográfico quanto no espaço social. Essa diversidade não constitui problema, mas uma riqueza cultural de que temos de nos orgulhar, e não de nos envergonhar: “o problema está nas formas como lidamos com essa diversidade [...]. O problema está nas imagens saturadas de valores negativos que temos de nós como falantes” (FARACO, 2009, p. 181). A norma-padrão é uma norma distante das variedades “cultas” praticadas no Brasil. Em seu nome, têm-se praticado uma violência simbólica e uma discriminação sociocultural. Diante desses fatos, os linguistas entendem que não há por que ocupar-se de uma norma que não é utilizada e que é preciso defender o acesso escolar às variedades “cultas”. Defendem que à norma-padrão sejam incorporados, em gramáticas e dicionários, os fenômenos característicos das variedades “cultas”, ou seja, é necessário que a norma-padrão seja um reflexo da norma “culta” praticada no Brasil. Há algum sentido, já entrado o século XXI, em continuarmos nos ocupando da norma-padrão, visto não haver consenso sobre a expressão falada padrão? Temos mesmo necessidade de fixar uma norma-padrão brasileira? A diversidade linguística nacional põe algum risco à unidade das variedades “cultas” faladas? Evidentemente, a essas perguntas retóricas cabe uma resposta: não. Conclui Faraco (2009, p. 174): Diante desses fatos, talvez possamos mesmo abrir mão de projetos padronizadores, direcionando nossas energias para o que efetivamente interessa: de um lado, a descrição e a difusão das variedades cultas faladas e escritas; e, de outro, o combate sistemático aos preceitos da norma curta que, em nome de uma norma-padrão artificialmente fixada, ainda circulam entre nós quer na desqualificação da língua portuguesa do Brasil, quer na desqualificação dos seus falantes. Para Zilles, no prefácio à obra de Faraco (2009, p. 15), sofremos, de fato, uma esquizofrenia linguística, pois amargamos uma dura dissociação entre a ação (o modo como falamos) e o pensamento (o modo como representamos o modo como falamos). Essa dissociação, contudo, não é endógena como a patologia cujo nome tomamos emprestado acima, pois seu arcabouço é sócio-histórico, e, portanto, passível de ser conhecido, explicado e quiçá modificado. Mas é preciso querer fazê-lo. É preciso vontade política. Segundo Zilles, ainda, a norma linguística modelar recebe diversas denominações: norma culta, norma-padrão, norma gramatical, gramática, língua culta, língua-padrão, língua certa, língua cuidada, língua literária, entre tantas outras. Bagno (In: ZILLES; FARACO, 2015, p. 193), examinando a falsa sinonímia norma-padrão = norma culta, fez levantamento dos autores de livros didáticos e encontrou as seguintes expressões: língua culta, língua formal, língua oficial, língua-padrão, linguagem formal, modalidade culta, norma culta, norma-padrão, padrão culto, padrão formal, português-padrão, pronúncia-padrão, uso culto, uso formal, variação-padrão, variante culta, variante-padrão, variedade culta, variedade formal, variedade-padrão, variedades de prestígio. Até mesmo no ENEM, Bagno (p. 197-198) identificou imprecisão terminológica em relação à “norma culta”, que é tratada como modalidade culta, modalidade culta escrita, modalidade-padrão, norma culta escrita, norma- padrão. E, adiante (p. 210), volta a insistir que, quando se usa a terminologia norma culta nas provas do ENEM, o que está em jogo é a variação social da língua, isto é, as diferenças que a língua apresenta de acordo com variáveis sociais como classe socioeconômica, grau de escolarização, idade, sexo, ambiente rural ou urbano etc. Quando se usa, por outro lado,a escala de formalidade (ou de monitoramento) para avaliar determinado uso da língua, o que está em jogo é a variação estilística. Ora, a falta de precisão com relação à nomenclatura revela que o que está no centro das discussões é mal compreendido e mal avaliado pela sociedade brasileira. Faraco (2009, p. 121), com base nas acusações de puristas que viam erros nos clássicos, “sempre que seus usos desmentiam as regras agora inventadas” (p. 120), afirma que é certamente esse vício de origem a causa principal do desenvolvimento da norma curta entre nós – essa coleção de preceitos categóricos que se autojustificam, que recusam a norma real, que desmerecem o trabalho dos escritores, dos bons dicionaristas e gramáticos e que excluem qualquer diversificação de suas fontes. Essas críticas à postura purista e conservadora no uso da língua, no entanto, não devem ser entendidas como uma postura relativista no estudo do português brasileiro. Em relação ao ensino da língua materna, Bagno (In: ZILLES; FARACO, 2015, p. 200) endossa o pensamento de Magda Soares, para quem as camadas populares têm o direito “de apropriar-se do dialeto de prestígio”. O objetivo desse tipo de ensino seria levar os alunos pertencentes a essas camadas a dominá-lo, não para que se adaptem às exigências de uma sociedade que divide e discrimina, mas para que adquiram um instrumento fundamental para a participação política e a luta contra as desigualdades sociais. Não se trata, pois, de abandonar o ensino exclusivo de uma norma, mas de “assumir a responsabilidade de letrar os aprendizes, isto é, inserir os cidadãos na cultura eminentemente letrada que domina a sociedade em que vivem, familiarizando-os com os mais diversos tipos e gêneros discursivos, falados e escritos, que circulam na sociedade” (BAGNO In: ZILLES; FARACO, 2015, p. 201). A questão da língua no Brasil, para os linguistas, não é apenas linguística, mas, antes de tudo, política, no sentido de que a variedade prestigiada é que deveria ser ensinada na escola, e não a norma-padrão, variedade abstrata, que não é falada na sociedade brasileira. A relevância do tema pode ser observada sobretudo quando se depara com efeitos deletérios que o preconceito linguístico produz, principalmente a intolerância linguística, notável em expressões que diminuem pessoas que dominam outras variedades linguísticas, as não prestigiadas socialmente: ignorante, estúpido, desqualificado, idiota e outras que aproximam seres humanos do mundo animal. Toda língua é heterogênea, isto é, é constituída por um conjunto de variedades; a realidade das línguas não é a unidade homogênea. Segundo Castilho (2010, p. 197), as línguas, além de heterogêneas, são voltadas para a mudança. Não há, pois, senão variedades linguísticas e não, propriamente, uma língua superior às variedades, visto que são estas que lhe dão sustentação, que a fazem ser uma língua; nem há língua de um lado e variedades de outro; língua é o conjunto das variedades. Faraco define então língua não como entidade linguística, mas como entidade cultural e política, ou seja, critérios puramente linguísticos não são adequados para definir língua, pois ela comporta tanto a dimensão política quanto a cultural. Cada variedade segue uma norma. Ora, como toda norma apresenta uma organização estrutural, não há consistência em afirmar a existência de erro em língua. Isso significa que toda variedade possui uma gramática. Falar em erro seria aplicar a organização estrutural de uma variedade a outra variedade. E é por querer aplicar a estrutura da variedade prestigiada à variedade não prestigiada (estigmatizada) que são comuns, na sociedade brasileira, juízos depreciativos sobre esta última: identifica-se erro quando se trata tão somente de diversidade. E, em geral, apenas são percebidas como erro as formas não usadas pela classe que desfruta de prestígio. Toda realidade linguística organiza formas heterogêneas, híbridas e mutantes. Essa a razão por que Faraco utiliza a expressão norma curta para referir-se aos que se valem de uma norma supostamente “culta” para discriminar outras variedades linguísticas. A norma culta é uma norma estreita, particularmente porque desconsidera o que já está registrado em dicionários e até em determinadas gramáticas. Esse é o caso, por exemplo, da regência do verbo assistir como transitivo direto, que alguns puristas teimam em considerar como errônea (“ele assistiu o programa Roda Viva”), mas que já é usada corriqueiramente por pessoas de educação superior e de status social de prestígio; a despeito do desagrado dos puristas, essa forma já está registrada em dicionário: “na literatura contemporânea, a tendência, ao que parece, é para o complemento direto” (LUFT, 1999, p. 79). Cunha (1985, p. 508) também é assertivo em relação a tal uso: Na linguagem coloquial brasileira, o verbo constrói-se, em tal acepção [“estar presente, presenciar”], de preferência com objeto direto (cf.: assistir o jogo, um filme), e escritores modernos têm dado acolhida à regência gramaticalmente condenada. Norma culta, portanto, porque nela cabem apenas condenações a formas que indistintamente os brasileiros usam no seu dia a dia; norma em que não cabe nada além de preconceitos linguísticos, tachando de ignorantes os que se utilizam de variedades menos prestigiadas. O uso da expressão norma culta, ultrapassando os muros da universidade, tornou-se comum no discurso da mídia, mas perdeu a precisão semântica. E mesmo no discurso universitário a expressão apresentava imprecisão, confundindo-se com norma-padrão, que é outro conceito distinto. Norma culta também é identificada com norma gramatical, uma norma que se distancia e às vezes conflita com o uso culto efetivo que ocorre no Brasil. Nos estudos linguísticos, considera-se culto o uso da língua praticado por pessoas de escolarização superior (os que fizeram universidade), têm acesso a bens culturais, como jornais, livros, teatro, cinema, nasceram, cresceram e sempre viveram em ambiente urbano, como já afirmamos. Tradicionalmente, quando se fala em estudar ou ensinar português, vem à mente o ensino da gramática; daí a sinonímia, em nossa sociedade, entre ensinar gramática e ensinar português. E ensinar gramática também nunca esteve livre de distorções: entendia-se ora que se tratava de ensinar nomenclatura, conceitos, classificações, ora ensinar usos que os gramáticos entendiam ser o “correto”. A escola tradicional negava a variação linguística em seu ensino. Ela entendia que variação é equivalente a erro e lhe caberia corrigir os desvios. Ora, embora o tema da variação tenha sido ultimamente objeto do discurso pedagógico, ainda não conseguimos “construir uma pedagogia adequada a essa área”. Em vez da preocupação com projetos padronizadores do português brasileiro, poderíamos dedicar esforços no sentido da descrição e difusão das “variedades cultas faladas e escritas” e combater sistematicamente os “preceitos da norma curta que, em nome de uma norma-padrão artificialmente fixada, ainda circulam entre nós quer na desqualificação da língua portuguesa do Brasil, quer na desqualificação dos seus falantes” (FARACO, 2009, p. 174). E, citando Lucchesi, afirma que o combate é de natureza política: o estigma ainda recai pesadamente sobre as variantes mais características da norma popular, fortalecendo-se a cada dia [...] um preconceito que, sem fundamento linguístico, nada mais é do que a crua manifestação da discriminação econômica e da ideologia da exclusão social (p. 174). Um dos projetos padronizadores é o da pronúncia brasileira, que ocupou a intelectualidade nas décadas de 1930- 1950, mas foi abandonado. Entendia-se que a pronúncia carioca seria a padrão para o teatro, o canto, os meios de comunicação social. Conclui Faraco: “O Brasil passa muito bem sem uma norma-padrão para a pronúncia: ela não se mostra nem necessária, nem conveniente” (p. 175). Em relação à escrita, afirma a necessidade de uma grafia- padrão, a do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa , da Academia Brasileirade Letras. Todavia, com relação à regulamentação dos fenômenos sintáticos, com objetivo de padronização, questiona:“não basta deixar que o normal seja o normativo para a fala e para a escrita?” (p. 175). Tudo isso parece de difícil assimilação, porque ainda nos assombra a norma-padrão escrita fixada no século XIX. Em vez de nos ocuparmos com uma gramática que não corresponde aos nossos usos linguísticos, precisamos é nos familiarizar com diferentes gêneros discursivos, e não apenas com textos literários; o domínio da leitura e a produção textual de outros tipos de textos são igualmente necessários; entre eles, podemos citar: os textos jornalísticos, os de divulgação científica, os textos argumentativos, a propaganda, os textos administrativos (oficiais, comerciais) e técnicos. Já não cabe à escola ocupar-se do gênero redação escolar , ou seja, aquela produção artificial, sem respaldo social e apenas com a preocupação com notas escolares. A produção de textos precisa ter funcionalidade, atender a efetivos eventos comunicativos. Há certa ilusão na escola tradicional de que a correção de regência verbal e nominal, concordância verbal e nominal, eliminação de mistura pronominal, colocação pronominal à moda portuguesa seja suficiente para que o aprendiz tenha acesso à expressão “culta” da língua e a seu domínio. Se pretendemos firmar o uso da variedade prestigiada, precisamos despertar a consciência para a variação linguística. Só assim se perceberá a distância entre as variedades e se poderá vir a usar aquela que funciona melhor em determinadas situações. A expressão norma culta passou a designar os preceitos da tradição conservadora e pseudopurista e, prosopopeicamente, ganhou vida de ser humano: “a norma culta não aceita tal uso”; “a norma culta rejeita esse uso”; “a norma culta não admite”; “a norma culta condena”; “a norma culta proíbe”. Faraco (2009, p. 25) conclui: Basta, em nome desse ente etéreo – a Sra. Dona Norma Culta – asseverar categoricamente o que se imagina ser o certo e o errado, como se houvesse indiscutível consenso sobre o assunto e fossem claras e precisas as linhas divisórias entre o “condenável” e o “aceitável”, entre o que a Sra. Dona Norma Culta “aceita”, “admite”, “exige” e o que ela “condena”, “proíbe”, “não aceita”, “não admite”. Há ainda os que adotam um discurso supostamente mais “moderno”, admitindo determinados usos, mas sempre ressalvando tratar-se de usos informais, bem como os que veem decadência e degradação em determinados usos que ocorrem no Brasil; usos que refletiriam desleixo e ignorância dos falantes. A essa postura conservadora a mídia ofereceu espaços generosos para os chamados por Bagno (2015, p. 116, 148, 164) de “comandos paragramaticais”. Também, as grandes empresas jornalísticas têm criado manuais de redação em que apresentam um conjunto de normas rígidas nem sempre seguidas por seus próprios jornalistas. A expressão norma culta ainda se confunde com língua escrita. Embora haja gêneros em que se espera o uso de uma variedade que goza de prestígio social, não se pode afirmar que a língua escrita só utiliza essa variedade. Há inúmeras situações em que utilizamos na língua escrita outras variedades não prestigiadas, como em um bilhete 6.3 familiar ou entre amigos, em um e-mail entre colegas de classe, em um blog, em um chat. E que dizer de inúmeras canções que se valem de variedades até estigmatizadas, ou de textos literários que estrategicamente se valem de variedades múltiplas que dão feição estética ao texto? Lembremo-nos de que há no Brasil um grande contingente de alfabetizados que são funcionais: apenas sabem escrever o próprio nome, ou leem e escrevem com muita dificuldade, mas não são capazes de entender o que leem. Daí Faraco (2009, p. 27) afirmar que continuamos uma sociedade perdida em confusão em matéria de língua: temos dificuldades para reconhecer nossa cara linguística, para delimitar nossa(s) norma(s) culta(s) efetiva(s) e, por consequência, para dar referências consistentes e seguras aos falantes em geral e ao ensino de português em particular. Em lugar da cultura linguística negativa do erro, é preciso estabelecer uma cultura linguística positiva. E, embora haja algum progresso em relação ao tema da variação, ainda predominam as preocupações com a variação geográfica, que envolve preconceito; em geral, ela ainda é vista de um ponto de vista anedótico (às vezes, brincadeiras com o r retroflexo, por exemplo, ou variações de vocabulário). No estudo da variação rural, sobejam os exemplos da fala de Chico Bento, que, como sabemos, reflete uma elaboração estereotipada da fala rural. Em relação à variação estilística, há livros didáticos que ainda insistem na inadequação de determinados usos em situações formais: por exemplo, entendem que a única variedade a ser utilizada seria a prestigiada, desconsiderando as estratégias que o locutor pode vir a utilizar para a produção de sentido. Imagine-se, por exemplo, uma pessoa, numa rodinha de amigos, utilizando um português altamente monitorado, simplesmente para provocar riso entre os companheiros. Os recursos para a variação estilística diferem de indivíduo para indivíduo, segundo seu grau de letramento. Se mais letrado, o indivíduo dispõe de mais estilos que se aproximam da norma idealizada da língua escrita formal, mais monitorada. Bagno (In: ZILLES; FARACO, 2015, p. 210) afirma ser uma falácia definir a norma culta ou norma-padrão como linguagem formal: a (in)formalidade de uma situação não se vincula exclusivamente ao emprego (ou não) de formas gramaticais normatizadas ou de uma pronúncia “culta”: há muitos outros elementos verbais e não verbais que colaboram para conferir maior ou menor formalidade a um evento comunicativo. Raramente tratam os livros didáticos da variação social, dos conflitos, das aproximações e distanciamentos, entre norma “culta”, aquela que as pessoas de educação superior utilizam, e as outras, pois é aí que residem os piores estigmas de nossa sociedade. E é a cultura do erro no Brasil que impede uma discussão aberta e não preconceituosa do português falado pelos brasileiros. Mesmo os exames de avaliação do sistema escolar, como SAEB e ENEM, são ainda muito pouco abrangentes e não saem dos dois eixos rural/urbano e formal/informal. [...] Não encaram a variação como um contínuo (o que aparece é, no geral, uma concepção estanque da relação da variação com o contexto) e, por nunca chegarem à variação social, não alcançam o julgamento de atitudes estigmatizadoras (FARACO, 2009, p. 179). Classificação das variedades A língua permite que os membros de uma sociedade se comuniquem e estabeleçam relações humanas. Assim, entre língua e sociedade a relação não é de mera casualidade. A vida social supõe sempre o intercâmbio comunicacional que se realiza sobretudo pela língua. Para William Bright, segundo Preti (1977, p. 6), a Sociolinguística objetiva comparar a estrutura linguística com a 6.3.1 estrutura social, ou seja, varia sistematicamente a estrutura linguística conforme a estrutura social a que pertencem os usuários dela. A Sociolinguística trata, portanto, da diversidade linguística condicionada por fatores sociais, como emissor, receptor, contexto. Os habitantes de uma região (cidade, vila) desenvolvem formas de atuação linguística que lhes são peculiares e que os tornam distintos de outras regiões. E mesmo na variedade utilizada na cidade (urbana) não há uniformidade, assim como na variedade rural também não há apenas uma norma. Assim, são várias as variedades urbanas e várias as rurais. Segundo Carvalho (1967, v. 1, p. 297), a diversidade provém ou de fator de ordem geográfica (ou local), ou de ordem social (ou cultural). Não se resume, pois, a diversidade a fatores regionais, pois a variedade pode ocorrer até mesmo dentro de uma mesma região ou localidade. Ela pode apoiar-se também em elementos sociais. O homem aprende a falar no meio familiar e social em que vive; esse ambiente é caracterizado por normas e costumes linguísticos diferentes daquelesque regem pessoas de outros ambientes. Enfim, a diversidade ou uniformidade de uma língua está condicionada por fatores extralinguísticos. A diversidade linguística, no entanto, não apenas advém de um agrupamento geográfico para outro ou de um indivíduo para outro (variante sociocultural), mas também pode nascer do comportamento linguístico de um mesmo indivíduo. Este não utiliza a mesma variedade em todas as suas manifestações linguísticas: em conversa com amigos poderá utilizar uma variedade (prestigiada ou não prestigiada, conforme o efeito de sentido que deseja produzir) e outra em sua atividade profissional. Por exemplo, usar um vocabulário requintado, bem como utilizar expressões como V. Sa ., V. Exa., ou estruturas sintáticas altamente elaboradas, para chamar a atenção ou provocar riso. Assim, as variedades contextuais dependem das circunstâncias em que ocorre a comunicação. Um mesmo falante pode valer- se de diversas variedades linguísticas, dependendo da situação. As variações quanto ao uso da linguagem pelo mesmo falante, determinadas pela diversidade de situação, recebem o nome de REGISTRO, ou níveis de fala. Pode- se dizer que todo ato de fala tem um estilo próprio. Para Carvalho (1967, v. 1, p. 302): Tais variações observadas de momento para momento na atividade linguística de um único sujeito devem interpretar-se como o resultado da adequação que o mesmo realiza das formas que constituem o inventário da sua técnica de falar às finalidades específicas, isto é, à satisfação das necessidades cognitivas e manifestativas próprias de cada um dos seus atos verbais, das necessidades que momentaneamente os condicionam ou determinam. Classificação de Pretti As variedades linguísticas em uso no Brasil têm sido objeto de variadas classificações. Vejamos primeiramente a de Preti (2000, p. 39), que admite um nível intermediário entre o padrão e o não padrão: 6.3.2 Preti (2000, p. 30) salienta que os limites entre os níveis de linguagem são precários, “havendo, constantemente, a superposição dos dialetos, a contínua troca de um pelo outro”. Classificação de Castilho No estudo do variacionismo, Castilho (2010, p. 87) parte de Spir, para quem a variação linguística leva à mudança: havendo duas ou mais formas em competição, uma acabará por vencer a outra e ocorrerá a mudança na língua. E foi com base em tal afirmação que William Labov elaborou a teoria da variação e mudança. Qualquer que seja a comunidade, há sempre uma variedade social que goza de maior prestígio. Essa norma recebe o nome de norma-padrão. Para Castilho (p. 90), três são os tipos de norma: a norma objetiva (seria o padrão real no uso da língua, o uso linguístico concreto praticado pela classe social que goza de prestígio); a norma subjetiva (que seria o padrão idealizado; uso que se espera que as pessoas realizem em determinadas situações) e a norma pedagógica (que seria o padrão escolar, uma mistura de realismo com idealismo em relações aos fenômenos linguísticos). Por obedecerem a uma sistematicidade e a uma regularidade (norma), a variação e a mudança, no entanto, não impedem a intercompreensão. Considerando a discriminação comum em nossa sociedade com relação a pessoas que praticam variedades estigmatizadas, Castilho (1978, p. 33, 34) afirma que uma série de desinteligências tem assinalado em nossos meios a compreensão do que seja a norma prescritiva. [...] Na verdade, não há português errado, e sim modalidades de prestígio e modalidades desprestigiadas, cada qual correspondendo ao meio em que se acha o falante. Há certas causas que desencadearam preconceitos linguísticos, principalmente o desprestígio da variedade não monitorada. Uma de tais causas é a anterioridade da gramática normativa em relação à Linguística: A Gramática Normativa é uma disciplina que antecedeu largamente a Linguística. Ela se fundamentava em critérios inconsistentes, pois misturava argumentos propriamente linguísticos a argumentos de natureza estética, política e historicista. É singular a resistência dessas ideias tradicionalistas, as quais atravessam as idades como verdades sólidas, evidentes por si sós (CASTILHO, 1978, p. 36). Critérios extralinguísticos atribuem à gramática normativa adjetivos como “bela”, “elegante”, a língua da classe “elevada”, “clássica” etc. O que ocorre, entretanto, é a necessidade de entendermos o que é diglossia. Castilho (1978, p. 41) afirma: Trata-se de duas variedades da mesma língua que escolhemos alternativamente, tendo em vista a situação em que nos encontramos. Difere portanto do bilinguismo, hipótese em que duas línguas são disponíveis, e a escolha de cada qual depende da que é falada pelo interlocutor. Se o professor, que por sua formação domina a língua culta, vai ter alunos falantes de uma modalidade desprestigiada, entre ele e sua classe vai instalar-se uma situação de diglossia. Não há, por exemplo, diglossia somente entre o professor e o aluno, mas também entre o advogado e a pessoa que ele defende, o juiz e a vítima, caso esta seja de uma classe desprestigiada. Se a variação linguística ocorre entre períodos de tempo, recebe o nome de diacrônica; se ocorre em espaços geográficos diversos, recebe o nome de variação diatópica, frequentemente conhecida pelo nome de dialeto. Borba (1976, p. 63) ensina que um dialeto apresenta “desvio em todos os planos da língua: fônico, gramatical e vocabular”. Para Jota (1981, p. 104), o dialeto caracteriza uma “variedade regional de uma língua”. Ensina ainda que um dialeto2 pode constituir nova língua e que, “modernamente, se conceitua dialeto como um conjunto de isoglossas”. Para Castilho (2010, p. 198, 204-209, 211-213, 223), as variedades linguísticas do português brasileiro organizam-se segundo os seguintes eixos: 1. Variação geográfica: compreende variações regionais. Indivíduos de diferentes regiões tendem a apresentar diversidade no uso da língua, particularmente com relação à realização fonética, escolhas morfológicas (por exemplo, uso de tu ou de você), realização ou não de plurais (“os meninos”, “os menino”), conjugações verbais: “você pode”, “tu podes”, “tu pode”, “a gente pode”), uso de lhe como objeto direto (“não lhe vejo há muito tempo”), uso do pronome ele como objeto direto (“olhe ele aí”), uso de vocabulário e expressões idiomáticas. 2. Variação sociocultural: originada por idade, sexo, profissão, nível de estudo, classe social. Pessoas altamente escolarizadas fazem uso da variedade “culta”, mais prestigiada, aprendida na escola; já as pessoas da área rural ou que praticam a variedade rurbana (mistura de rural com urbano) praticam uma variedade estigmatizada, mas é de lembrar que os colonos portugueses introduziram no Brasil tanto a modalidade prestigiada quanto a não prestigiada; predominaram “os falantes do português popular” (CASTILHO, 2010, p. 204). Seriam exemplos das variedades não prestigiadas para Castilho: ditongação das vogais tônicas seguidas de sibilantes: mêis (mês), luiz (luz); perda da vogal átona inicial: marelo (amarelo) ; nasalização das átonas iniciais: indentidade (identidade), inzame (exame); queda das vogais átonas pós-tônicas nas proparoxítonas: oclos (óculos), arvre (árvore), cosca (cócega); monotongação: pexe (peixe), bejo (beijo); ditongação: bandeija (bandeja); perda da nasalidade : viági (viagem), os homi (os homens), reciclági (reciclagem) ; monotongação de ditongos crescentes: ciença (ciência) negoço (negócio). Em relação às consoantes, Castilho (2010, p. 206) relaciona: troca do [l] pelo [r]: marvado (malvado), pranta (planta); iodização da palatal lh: veyu (velho), o’reya (orelha); perda da consoante [d] quando precedida de vogal nasal: andano (andando). Morfologicamente, teríamos as seguintes realizações: perda do s final indicativo de plural, que passa a ser marcado pelo artigo: as pessoa (as pessoas); utilização do advérbio mais nos comparativos de superioridade: mais mió, (melhor), mais pió (pior); alteração no quadro dos pronomes pessoais: uso de você no lugar de tu em quase todo o País; substituição
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