Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
AULA 6 ENSINO DA FLORA BRASILEIRA Prof.ª Letícia Estela Cavichiolo 2 INTRODUÇÃO Anteriormente, estudamos o bioma conhecido como Cerrado, cuja complexidade de habitats favoreceu o desenvolvimento de diferentes fitofisionomias. Sob o clima estacional predominantemente seco e com alta luminosidade, desenvolveram-se muitas espécies xerófitas adaptadas aos seus solos ácidos ricos em alumínio. Observamos que o Cerrado é um bioma rico em espécies endêmicas ameaçadas, destacando-o como um hotspot mundial. Nesta aula, estudaremos a flora dos Pampas e da Caatinga (Figura 1), que, assim como o Cerrado, são conhecidos por suas formações vegetais mais abertas e pela presença de espécies xerófitas. Figura 1 – Mapa dos biomas brasileiros Fonte: IBGE, 2020. TEMA 1 – CARACTERÍSTICAS Em comparação com os demais biomas, a Caatinga e o Pampa ocupam áreas menores do território brasileiro (Figura 1). No entanto, isso não significa que tenham menor importância para a flora nacional, como estudaremos nas características de cada um desses biomas. 1.1 Caatinga A Caatinga é um bioma cuja totalidade encontra-se dentro do território brasileiro, ou seja, toda a sua riqueza e diversidade não podem ser encontradas 3 em nenhum outro local do mundo. Abrangendo cerca de 10% do território nacional e 70% do Nordeste, a Caatinga é um bioma cujos limites se estendem até a Amazônia, o Cerrado e a Mata Atlântica, compreendendo os estados de Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e norte de Minas Gerais. O termo “Caatinga” significa mata branca (caa, mata; tinga, branca) em tupi, porque a sua vegetação perde as folhas na estação seca, expondo seus ramos esbranquiçados, voltando ao verde na época das chuvas (Sena, 2011, p. 12-13). Segundo o Ministério do Meio Ambiente – MMA (Brasil-a, on-line) o bioma Caatinga apresenta uma área de cobertura vegetal nativa da ordem de 518.635 Km2, sendo que 35,9% correspondem à Savana Estépica, 8,43% a encraves mapeáveis de fitofisionomias de Cerrado e de Mata Atlântica e 18% à área de tensão ecológica (ecótonos e encraves não mapeáveis). A sua caracterização por região fitoecológica agrupada se encontra na Tabela 1. O clima da região é semiárido, com pluviosidade anual média de 800 mm concentrada na estação chuvosa de janeiro a maio. A temperatura varia de 25 ºC a 30 ºC, acompanhada de forte luminosidade (Sena, 2011, p. 14). Segundo Alves et al. (2009, p. 127), a região se caracteriza por apresentar terrenos cristalinos praticamente impermeáveis e terrenos sedimentares que se apresentam com boa reserva de água subterrânea. Os solos, com raras exceções, são pouco desenvolvidos, mineralmente ricos, pedregosos e pouco espessos e com fraca capacidade de retenção da água, fator limitante à produção primária nessa região. Tabela 1 – Caracterização do bioma caatinga por região fitoecológica agrupada Região Fitoecológica Agrupada Área (Km2) % Vegetação Nativa Florestal 201.428,00 24,39 Vegetação Nativa Não Florestal 316.889,00 38,38 Áreas Antrópicas 299.616,00 36,28 Água 7.817,00 0,95 Total 825.750,00 100,00 Fonte: Brasil-a (on-line). 1.2 Pampa O bioma conhecido como “Pampa” ocupa uma área de 176.496 km² (IBGE, 2004), ou seja 2,07% do território brasileiro (Figura 1). Encontra-se restrito ao Rio 4 Grande do Sul, do qual ocupa 63% do território. Apesar de ser caracterizado pelo predomínio de campos, esse bioma também apresenta “[...] matas ciliares, matas de encosta, matas de pau-ferro, formações arbustivas, butiazais, banhados, afloramentos rochosos” (Brasil-c, on-line). Segundo Pillar e Lange (2015, p. 36), a amplitude térmica anual do Pampa é grande, com curtos períodos de seca no verão. Os valores de precipitação residem em torno de 1.300 mm, diminuindo em direção ao Sul e interior do continente. Já as regiões da borda leste do Planalto têm 1.500 a 2.000 mm de precipitação anuais, com chuvas bem distribuídas ao longo do ano. As variações na precipitação aliadas a diferentes tipos de solo condicionam a distribuição da flora do Pampa: Chama-nos à atenção o aumento das gramíneas com rota fotossintética C3, em direção ao Sul, à medida que o clima se torna mais temperado. No sentido leste a oeste, há redução da precipitação média e aumento dos períodos mais secos no verão, que causam a maior participação das espécies adaptadas às condições de seca. No entanto, os fatores climáticos não agem isolados, e sim em conjunto com os fatores de solo; os últimos podem influenciar claramente a vegetação campestre na escala regional, e às vezes mascaram os efeitos da variação climática. (Pillar; Lange, 2015, p. 36) De acordo com o mapeamento da cobertura vegetal do Pampa segundo o MMA (Brasil-d, on-line), esse bioma tem três tipos de formações vegetais: Campestre, Florestal e Área de Transição, além de forte antropização (Tabela 2). Tabela 2 – Caracterização do bioma pampa por região fitoecológica agrupada Região Fitoecológica Agrupada Área (km2) % Vegetação Nativa Florestal 9.591,05 5,38 Vegetação Nativa Campestre 41.054,61 23,03 Vegetação Nativa – Transição 23.004,08 12,91 Áreas Antrópicas 86.788,70 48,70 Água 17.804,57 9,98 Total 178.243,01 100,00 Fonte: Brasil-d (on-line). 5 TEMA 2 – HISTÓRIA 2.1 Caatinga No passado, chegou-se a acreditar que a Caatinga resultava da degradação de formações vegetais mais exuberantes, como a Mata Atlântica ou a Floresta Amazônica. Segundo Alves et al. (2009), esse pensamento produziu conclusões errôneas, como a ideia de que o bioma seria homogêneo, com biota pobre em espécies e em endemismos, estando pouco alterada ou ameaçada, desde o início da colonização do Brasil. No sentido oposto, estudos mais atuais apontam a Caatinga como bioma heterogêneo, rico em biodiversidade e endemismos e, consequentemente, como um bioma extremamente frágil. Segundo o MMA (Brasil-a, on-line), a perda de cobertura vegetal da Caatinga é estimada em cerca de 500 mil ha por ano. Para Alves et al. (2009, p. 127), uma das principais pressões antrópicas exercidas sobre esse bioma consiste na utilização da Caatinga como pastagem extensiva, o que vem causando degradações fortes e por vezes irreversíveis nesse ecossistema; já existem extensas áreas cuja vegetação se encontra muito empobrecida, tendo perdido a diversificação florística que lhe é peculiar. A aceleração do desmatamento da Caatinga nos últimos anos também se deve à forte exploração ilegal e insustentável da lenha nativa como carvão e à conversão para pastagens e agricultura (Brasil-a, on-line). O uso e a ocupação histórica da Caatinga são descritos por Alves et al. (2009, p. 133): O processo de ocupação do Nordeste brasileiro iniciou-se a partir do litoral e interiorizou a partir do desenvolvimento das atividades extrativas e da produção agrícola voltada para a exportação. Foi no século XVII que se deu a ocupação do sertão pelo gado, e das fazendas e currais dos bois originaram-se os primeiros núcleos urbanos. Atualmente o sertão se caracteriza por atividades econômicas ligadas à pecuária e ao extrativismo minerais, ambas as atividades caracterizadas pela forma extensiva de produção. Com relação à agricultura tradicional, esta continua sujeita às vicissitudes climáticas e apresenta problemas de rendimentos e de mercado. A criação do gado tem sido praticada extensivamente, levando, com a utilização de pastos melhorados e da cultura de plantas forrageiras, a uma forte concentração de terras. Com frequência, as atividades econômicas estão acompanhadas de desmatamentos indiscriminados, comprometendo recursos hídricos e fragilizando ainda mais esse bioma pela erosão, salinização e compactação dos solos, reduzindo a diversidadebiológica e a produção primária. 6 De modo mais recente, num esforço para contribuir para o conhecimento da biodiversidade da Caatinga e do seu nível de degradação, a Embrapa e o Ministério do Meio Ambiente (Brasil-a, on-line) têm atuado por meio do Programa Nacional da Biodiversidade (Probio) nesse bioma único, historicamente fragilizado. 2.2 Pampa Conforme Chomenko e Bencke (2016, p. 17), na história do globo terrestre os campos temperados chegaram a cobrir uma área de 9 milhões de km2, ou 8% da superfície. Porém, após uma série de mudanças naturais, essa área foi reduzida, e a pressão antrópica transformou o Pampa em um dos biomas mais alterados, mais ameaçados e menos protegidos do planeta. Isso se deu devido ao fato de os Pampas serem favoráveis ao estabelecimento humano e também mais produtivos desde o início da colonização do Sul do Brasil. Seus pastos favorecerem historicamente o desenvolvimento de grandes concentrações de herbívoros (tanto selvagens quanto domésticos), além de muitas espécies de gramíneas, milho, trigo, arroz e cana-de-açúcar, que continuam provendo uma importante base alimentar ao ser humano. A maior parte desses ecossistemas foi profundamente modificada pela atividade humana. O Pampa tem 2,7% de sua extensão protegida, e apenas 0,3% se enquadram na categoria de “proteção integral”, o que representa a menor porcentagem dentre todos os biomas (Brasil, 2016, p. 115). A história da conservação do Pampa esbarra em seu reconhecimento oficial tardio, conforme destacam Chomenko e Bencke (2016, p. 17): No Brasil, o Pampa foi oficialmente reconhecido como bioma apenas em 2004, alcançando status equivalente ao da Mata Atlântica, Caatinga, Pantanal, Cerrado e Amazônia. Até então, estava vinculado aos chamados Campos Sulinos, como parte do Bioma Mata Atlântica. Essa distinção inseriu formalmente o Pampa na agenda ambiental nacional, contribuindo para a conservação do rico patrimônio natural e cultural da região e permitindo destacar, inclusive no âmbito da legislação, a importância, a singularidade e as potencialidades desse ambiente campestre único no mundo. O Pampa também sofre uma intensa modificação de habitats como consequência da introdução de espécies exóticas invasoras, o que pode transformar grandes áreas de paisagens. Segundo o MMA (Brasil, 2016, p. 155), esse é o caso das espécies de Pinus que estão substituindo os habitats de campos naturais (estepe) no Sul do Brasil por habitats de florestas simplificadas 7 e desfavoráveis ao desenvolvimento de muitas das espécies nativas. Do mesmo modo, várias espécies de gramíneas exóticas foram introduzidas intencionalmente nas pastagens do bioma Pampa, sem que a inadequação de muitas delas como forragem para o gado fosse comprovada. A introdução do capim Eragostis plana, inadequado como forragem para o gado, resultou na invasão estimada atual de mais de três milhões de hectares dos 15 milhões de hectares existentes de pastagens naturais do Rio Grande do Sul, causando uma perda econômica de US$75 milhões por ano para os pecuaristas. No Brasil, o setor produtivo estima uma perda anual de US$43 bilhões como resultado da presença de espécies invasoras. (Brasil, 2016, p. 155) Desde a colonização ibérica, o Pampa sofre com a pecuária extensiva que se faz presente sobre os campos nativos e que até hoje tem sido a principal atividade econômica da região; associada à progressiva introdução e expansão das monoculturas e das pastagens com espécies exóticas, essa pecuária tem propiciado condições para uma rápida degradação e descaracterização das paisagens naturais do Pampa (Brasil-c, on-line). TEMA 3 – BIODIVERSIDADE 3.1 Caatinga Segundo Silva et al. (2003, p. 338), a Caatinga tem uma variedade de solos e relevos, o que contribui para a diversificação das suas espécies. As porções sedimentares tendem a se apresentar mais ricas que as porções de solo cristalino, assim como as maiores altitudes. Os solos mais férteis também são os de origem sedimentar, apresentando maiores riquezas e maiores números de indivíduos, demonstrando que as espécies se concentram de acordo com a geomorfologia do relevo e dos solos da região. Cerca de 5.200 espécies já foram descritas para a Caatinga, sendo 804 consideradas endêmicas (Tabela 4) (Brasil, 2010, p. 33). Contudo, Silva et al. (2003, p. 338) salientam que a Caatinga é um dos biomas menos estudados do Brasil, o que leva consequentemente a subestimar a sua diversidade biológica. Cerca de 41,1% da Caatinga ainda não foi amostrada e 80% da área está subamostrada, sendo as áreas menos perturbadas aquelas com menores esforços de coleta. A variedade de ambientes favorece a diversificação de espécies; a composição florística das caatingas não é uniforme, variando de acordo com o 8 volume das precipitações, da qualidade dos solos, da rede hidrológica e da atividade de seus habitantes. Araújo, Oliveira e Lima-Verde (2008, p. 663) relatam que há maior ocorrência de espécies da família Poaceae em solos mais secos, possivelmente associada a afloramentos rochosos, ao passo que nas regiões mais úmidas há predomínio de orquidáceas e bromeliáceas. O autor salienta que a vegetação sobre afloramentos rochosos do semiárido brasileiro apresenta alta riqueza de espécies, o que evidencia a importância de estudos fitogeográficos, da biologia e ecologia dessas espécies e de ações para a conservação dessas áreas. A cobertura vegetal típica da Caatinga, segundo Alves et al. (2009, p. 127), é representada por formações xerófilas muito diversificadas por razões climáticas, edáficas, topográficas e antrópicas que dominam esse bioma. Contudo, os autores destacam que também há ocorrência de florestas perenifólias e subperenifólias nos brejos de altitude e encostas expostas aos fluxos úmidos de ar, bem como nas florestas ripárias e sob influência dos cerrados. Tabela 3 – Número total de espécies nos biomas brasileiros Fungos Algas Briófitas Samambaias e licófitas Gimnos- permas Angios- permas Total Mata Atlântica 1.664 1.545 1.333 834 7 13.972 19.355 Amazônia 519 444 561 428 16 11.349 13.317 Cerrado 291 308 433 245 8 11.384 12.669 Caatinga 734 44 93 25 2 4.320 5.218 Pampa 1 505 107 5 1 1.345 1.964 Pantanal 28 130 179 18 0 885 1.240 Fonte: Brasil, 2010. Tabela 4 – Número e porcentagem de espécies endêmicas da flora brasileira nos diferentes biomas Fungos Algas Briófitas Samambaias e licófitas Fanerógamas Total Mata Atlântica 100 (50,5%) 22 (61,1%) 189 (83,3%) 321 (79,7%) 7.014 (50,2%) 7.646 Cerrado 7 (3,5%) 0 9 (4%) 48 (11,9%) 4.151 (29,7%) 4.215 Amazônia 35 (17,7%) 8 (22,2%) 24 (10,6%) 31 (7,7%) 1.948 (13,9%) 2.046 Caatinga 56 (28,3%) 0 2 (0,9%) 2 (0,5%) 744 (5,3%) 804 Pampa 0 6 (16,7%) 2 (0,9%) 0 76 (90,5%) 84 Pantanal 0 0 1 (0,4%) 1 (0,2%) 46 (0,3%) 48 Fonte: Brasil, 2010, p. 33. Segundo Prado (2003, p. 23), a flora da Caatinga compreende florestas arbóreas ou arbustivas, formadas principalmente por árvores e arbustos baixos, 9 frequentemente microfilos e com espinhos, dentre outras características xerofíticas. A suculência é principalmente observada em Cactaceae e Bromeliaceae, sendo rara a presença de lianas. Algumas das espécies lenhosas mais típicas da vegetação das Caatingas são: Amburana cearenses (Fr.All.) A. C. Smith, (“imburana de cheiro”, Fabaceae – Papilionoideae), Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan var. cebil (Griseb.) Altschul (“angico”, Fabaceae – Mimosoideae), Aspidosperma pyrifolium Mart. (“pau-pereiro”, Apocynaceae), Caesalpinia pyramidalis Tul. (“catingueira”, Fabaceae- Caesalpinioideae), Cnidoscolus phyllacanthus (Müll. Arg.) Pax & Hoffm. (“faveleira”, Euphorbiaceae), Commiphora leptophloeos (Mart.) Gillet (“imburana”, Burseraceae, também conhecida como Bursera leptophloeos Mart.), várias espécies de Croton (“marmeleiros”e“velames”, Euphorbiaceae) e de Mimosa (“calumbíes” e “juremas”, Fabaceae-Mimosoideae), Myracrodruon urundeuva Fr. All., (“aroeira”, Anacardiaceae), Schinopsis brasiliensis Engler (“baraúna”, Anacardiaceae), e Tabebuia impetiginosa (Mart. ex A. DC.) Standley (“pau d’arco roxo”, Bignoniaceae). (Prado, 2003, p. 23). 3.2 Pampa Segundo o MMA (Brasil-c, on-line), o Pampa apresenta flora de grande biodiversidade em decorrência do seu conjunto de ecossistemas antigos. Toda essa riqueza ainda não se encontra completamente descrita pela ciência, cujas estimativas indicam valores em torno de 3 mil espécies de plantas. Cerca de 2 mil espécies já foram descritas para o Pampa (Tabela 2), sendo 84 consideradas endêmicas (Tabela 4) (Brasil, 2010, p. 33). Devido ao predomínio de suas regiões campestres, é notável a diversidade de gramíneas: “[...] são mais de 450 espécies (campim-forquilha, grama-tapete, flechilhas, barbas-de-bode, cabelos de-porco, dentre outras)” e “[...] espécies de compostas e de leguminosas (150 espécies) como a babosa-do-campo, o amendoim-nativo e o trevo-nativo” (Brasil-c, on-line). Diversas espécies de cactáceas podem ser encontradas nos afloramentos rochosos. Entretanto, o Pampa sofre com a forte antropização. Espécies vegetais típicas, como o Algarrobo (Prosopis algorobilla) e o Nhandavaí (Acacia farnesiana), podem ser encontrados apenas em remanescentes no Parque Estadual do Espinilho (Brasil-c, on-line). 10 TEMA 4 – ADAPTAÇÕES DOS PRINCIPAIS GRUPOS TAXONÔMICOS 4.1 Caatinga Sena (2011, p. 24) destaca que, na flora da Caatinga, é comum a ocorrência de espécies xeromorfas, isto é, que apresentam adaptações morfológicas, anatômicas e fisiológicas ao ambiente semiárido. Isso ocorre porque, mesmo quando a água está disponível (o que acontece apenas no período das chuvas), muitos dos solos desse bioma são incapazes de armazená- la. A autora cita as seguintes adaptações à seca: • Presença de folhas reduzidas com cutícula espessa para evitar a perda excessiva de água. • Folhas adaptadas com espinhos, para evitar a transpiração excessiva e se configurar como defesa da herbivoria. Esse é o caso das cactáceas, como mandacaru e xique-xique. • Caule carnoso para armazenar água, como da coroa-de-frade. • Caule fotossintetizante permitindo a produção de fotoassimilados na ausência de folhas, como das embiratanhas. • Raízes tuberosas para o armazenamento de água e nutrientes, como do mamãozinho-de-veado. • Ciclo de vida adaptado à disponibilidade de água, como diversas espécies herbáceas e rasteiras que germinam, florescem e morrem dentro do período chuvoso. • Presença de flores pequenas e/ou de curta duração para evitar a perda de água. Araújo, Oliveira e Lima-Verde (2008, p. 663-667) relatam que ambientes semiáridos como o da Caatinga encontram-se sob forte incidência solar e de ventos, o que favoreceu a entrada e o estabelecimento de espécies com síndromes de dispersão abióticas, principalmente a anemocoria, adaptação frequentes nas espécies desse bioma. 4.2 Pampa Segundo Pillar e Lange (2015, p. 53), a vegetação campestre do bioma Pampa é formada por gramíneas tanto rasteiras quanto eretas; a maioria das espécies é perene. Porém, existe uma dinâmica temporal pronunciada entre 11 diversas plantas geofíticas (cujas estruturas de reserva como bulbos e outros órgãos se encontram sob o solo): elas florescem no início da primavera, como as iridáceas bibi-do-brejo (Herbertia lahue) e Calydorea crocoides. A paisagem pode mudar drasticamente nos campos sulinos do Pampa com a chegada da primavera. Isso ocorre porque o aumento das temperaturas permite o desenvolvimento de plantas hibernais com metabolismo fotossintético C3 e o florescimento de muitas gramíneas com metabolismo C4 (Pillar; Lange, 2015, p. 53), evidenciando a alternância de floração entre esses tipos de vegetais como adaptação em resposta à chegada da primavera. Assim como a temperatura, a disponibilidade de água decorrente de variações na pluviosidade e na estrutura do solo permitiu o desenvolvimento de diferentes adaptações. As condições hídricas mais extremas se dão nos solos mais rasos, sobretudo nos mais arenosos, devido à menor capacidade de armazenamento da água, principalmente no verão. Sob tais condições, muitas plantas apresentam adaptações típicas de plantas xerófitas, como a presença de folhas reduzidas e/ou pilosidade para evitar a perda de água. Já os solos com pouca drenagem apresentam o problema oposto: sob esse tipo de condição encontramos as espécies das famílias ciperáceas ou xiridáceas e a grama- boiadeira (Luziola peruviana), que têm adaptações ao excesso de água (Pillar; Lange, 2015, p. 36). Freitas (2006) observou a presença de vegetais com adaptações a ambientes de escassez hídrica se desenvolvendo em regiões cujas circunstâncias climáticas atuais da paisagem pampeana são de umidificação. Esse contraste pode ser explicado pela ocupação dos pampas por uma vegetação semidesértica proveniente do cretáceo superior, que permitiu o estabelecimento de plantas xerófilas, como as cactáceas nos arenais do Pampa; isso permitiu classificar esses ecossistemas como “janela temporal” ou “ecossistema testemunho” (Pillar et al., 2009, p. 47-48). Segundo Freitas (2006), são exemplos desse processo as cactáceas, que apresentam atrofia foliar, espinhos para a diminuição da área de evapotranspiração e funções fotossintéticas desempenhadas pelos tecidos clorofilianos; esses tecidos estão presentes no caule, como adaptações para evitar a perda de água e permitir o desenvolvimento em solos pobres como os arenais. Outras espécies apresentam ainda densa pilosidade da parte aérea e folhas coriáceas para proteção da alta incidência solar, com presença de órgãos 12 subterrâneos espessos armazenadores de nutrientes (como os xilopódios) em adaptação a solos pobres, como os arenosos. Essas características comprovam acoplamentos evolutivos da biota com seu meio em condições climáticas diferentes do presente, importantes no cenário de queimadas ocasionais e pastejo (Pillar et al., 2009, p. 47-48). TEMA 5 – IMPORTÂNCIA E PRESERVAÇÃO 5.1 Caatinga A Caatinga é um dos biomas menos estudados do Brasil, o que leva consequentemente a subestimar a sua diversidade biológica. “Segundo Tabarelli et al. (2000), 41,1% da Caatinga ainda não foi amostrada e 80% da área está subamostrada, sendo as áreas menos perturbadas aquelas com menores esforços de coleta” (Silva et al., 2003, p. 338). Apesar da sua importância, a Caatinga tem sido desmatada de forma acelerada. Segundo o MMA (Brasil-a, on-line), a perda de cobertura vegetal da Caatinga é estimada em cerca de 500 mil ha por ano. O quinto relatório da convecção sobre diversidade biológica registra que mais de 377 mil quilômetros quadrados já foram devastados até 2014 (Brasil, 2016, p. 22). A aceleração do seu desmatamento nos últimos anos se deve principalmente à exploração ilegal e insustentável da lenha nativa como carvão, além do sobrepastoreio e da conversão para pastagens e agricultura. A forma pela qual o bioma Caatinga é representado para o cidadão em geral e para os estudantes pode contribuir para a construção de uma concepção coletiva errônea, como destacado por Sena (2011, p. 8): Desde muito tempo, a Caatinga foi retratada somente como um ambiente pobre e avassalador, onde predominava o chão rachado e pedregoso, cactos, calangos e seca. Por falta de informações que pudessem reverter essa opinião sobre a Caatinga, os livros didáticos também reproduziam esta imagem, ajudando a reforçar a ideia errônea sobre a Caatinga aos estudantes. Essa falta de conhecimento contribui significativamente para a rápida degradação do solo e da vegetação, potencializando e intensificando os processos de desertificação (Sena, 2011, p. 8). Esse desmatamento intensoe avançado já atinge 46% da Caatinga, segundo o Ministério do Meio Ambiente, que destaca: “[...] o governo busca concretizar uma agenda de criação de mais unidades de conservação federais e estaduais no bioma, além de promover 13 alternativas para o uso sustentável da sua biodiversidade” (Brasil-a, on-line). O quinto relatório para a Convenção sobre Diversidade Biológica do Ministério do Meio Ambiente (Brasil, 2016, p. 83, 89) propõe diversas medidas para a conservação desse bioma: • Ações institucionais para fortalecer e/ou implementar processos de integração da biodiversidade em políticas públicas e para proporcionar espaços de diálogo vinculados ao desenvolvimento de novas políticas públicas. • Aumento da conscientização sobre a biodiversidade tradicional para a alimentação e nutrição, ao exemplo do uso do umbu (Spondias spp). • Fortalecimento das práticas indígenas para gestão, conservação e uso sustentável dos recursos naturais, bem como aumentar a inclusão social dos povos indígenas, o que deve consolidar a contribuição das terras indígenas como áreas essenciais para a conservação da diversidade biológica e cultural. • Busca de soluções, como o edital “Eficiência energética e uso sustentável da Caatinga” de 2011 do MMA e da Caixa Econômica Federal em relação ao desmatamento para produção de lenha para abastecer a indústria de gesso e cerâmica ou tijolos, bem como para o uso doméstico em três regiões críticas da Caatinga. Apenas 7,5% da Caatinga encontra-se protegido e apenas 1,2% enquadra- se como unidades de proteção integral, o que denota um longo caminho para cumprir a meta de 17% proposta para unidades de conservação no âmbito do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) (Brasil, 2016, p. 115). 5.2 Pampa Segundo o MMA (Brasil-c, on-line), o Pampa é considerado um patrimônio natural, genético e cultural de importância nacional e global, recebendo também destaque por ter a maior parte do Aquífero Guarani. Entretanto, desde a colonização ibérica, a pecuária extensiva se faz presente sobre os campos nativos, e até hoje tem sido a principal atividade econômica da região. Associada a essa atividade, existe uma progressiva introdução e expansão das monoculturas e das pastagens com espécies exóticas. Esse cenário tem propiciado condições para uma rápida degradação e descaracterização das paisagens naturais do Pampa (Brasil-c, on-line). 14 O desmatamento do Pampa se deu de forma muito diferente para cada tipo de formação vegetacional. Parte da perda ocorreu nas regiões cobertas por campos naturais, representando 27.350 km2 (ou 15,63% da cobertura vegetal original) convertidos para agricultura ao longo de um período de 27 anos, a uma taxa de 1.012 km2/ano. Segundo o quinto relatório para a Convenção sobre Diversidade Biológica, cerca de 97 mil quilômetros quadrados foram devastados no Pampa até 2009. Além da pressão da pecuária, o documento salienta que as espécies exóticas invasoras representam uma ameaça maior para o Pampa do que para outros biomas (Brasil, 2016, p. 22, 73, 128). Como fator agravante para a preservação desse bioma, cabe salientar a pífia participação do Pampa em relação às áreas naturais protegidas no Brasil no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC): apenas 0,4% da área continental brasileira é protegida por unidades de conservação. O Pampa tem 2,7% de sua extensão protegida, sendo que apenas 0,3% se enquadra na categoria de proteção integral, o que representa a menor porcentagem dentre todos os biomas (Brasil, 2016, p. 115). “A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), da qual o Brasil é signatário, em suas metas para 2020, prevê a proteção de pelo menos 17% de áreas terrestres representativas da heterogeneidade de cada bioma” (Brasil-c, on-line), evidenciando um longo caminho a ser percorrido no sentido da preservação do Pampa. Podemos perceber uma grande cegueira botânica no contexto dos diversos biomas brasileiros, ou seja, uma incapacidade de reconhecer a importância das plantas na biosfera e no cotidiano, acompanhada da dificuldade de perceber os aspectos estéticos e biológicos exclusivos das plantas, ou mesmo da ideia de que as plantas sejam seres inferiores aos animais, portanto não merecedoras de atenção equivalente, conforme o conceito proposto por Wandersee e Schussler (1999). É urgente a valorização do ensino de Botânica nos diferentes níveis de educação, para que os cidadãos enxerguem seu papel na manutenção dos serviços ambientais e da vida em nossos biomas, requerendo ações socioambientais coerentes com esse contexto. 15 REFERÊNCIAS ALVES, A. et al. Degradação da Caatinga: uma investigação ecogeográfica. Revista Caatinga, v. 22, n. 3, 2009. ARAÚJO, F. S.; OLIVEIRA, R. F.; LIMA-VERDE, L. W. Composição, espectro biológico e síndromes de dispersão da vegetação de um inselbergue no domínio da Caatinga, Ceará. Rodriguésia, v. 59, n. 4, p. 659-671, 2008. BRASIL. JBRJ. Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Catálogo de plantas e fungos do Brasil. v. 1. Organização: Rafaela Campostrini Forzza et al. Rio de Janeiro, 2010. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. 5º Relatório Nacional para a Convenção sobre Diversidade Biológica. Série Biodiversidade 50. Brasília, 2016. BRASIL-a. Ministério do Meio Ambiente. Caatinga. Disponível em: https://www.mma.gov.br/biomas/caatinga. Acesso em: 15 mar. 2020. BRASIL-b. Ministério do Meio Ambiente. Mapa de Cobertura Vegetal. Caatinga. Disponível em: https://www.mma.gov.br/biomas/caatinga/mapa-de-cobertura- vegetal.html. Acesso em: 15 mar. 2020. BRASIL-c. Ministério do Meio Ambiente. Pampa. Disponível em: https://www.mma.gov.br/biomas/pampa. Acesso em: 15 mar. 2020. BRASIL-d. Ministério do Meio Ambiente. Mapa de cobertura vegetal. Pampa. Disponível em: https://www.mma.gov.br/biomas/pampa/mapa-de-cobertura- vegetal.html. Acesso em: 15 mar. 2020. CHOMENKO, L.; BENCKE, G. A. Nosso Pampa desconhecido. Porto Alegre: Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, 2016. FREITAS, E. M. de. Arenização e fitossociologia da vegetação de campo no município de São Francisco de Assis. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2006. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mapa de Biomas do Brasil. Nota Técnica. Rio de Janeiro: IBGE. 2004. Disponível em: www.ibge.gov.br. Acesso em: 15 mar. 2020. PILLAR, V. de P.; LANGE, O. Os campos do Sul. Rede Campos Sulinos. UFRGS. Porto Alegre, 2015. 192 p. 16 PILLAR, V. de P. et al. As caatingas da América do Sul. In: Ecologia e conservação da Caatinga. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2009. PRADO, D. E. As caatingas da América do Sul. In: LEAL, I. R.; TABARELLI, M.; SILVA, J. M. C. (eds.). Ecologia e conservação da Caatinga. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2003. P. 3-73. SENA, L. M. M. de. Conheça e conserve a Caatinga: o bioma Caatinga. Fortaleza: Associação Caatinga, 2011. 54 p. SILVA, R. A. da et al. Riqueza e diversidade de Plantas lenhosas em cinco unidades de paisagem da Caatinga. In: Ecologia e Conservação da Caatinga. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2003. WANDERSEE, J. H.; SCHUSSLER, E. E. Preventing plant blindness. The American Biology Teacher, Oakland, v. 61, n. 2, p. 284-286, 1999.
Compartilhar