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ATIVIDADE vocabulário de Ergonomia

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Texto traduzido para estudo, por membros do Grupo de Pesquisa Actividade / CNPq (coord. por Milton Athayde), vedado seu uso comercial
Verbetes presentes no livro VOCABULAIRE d’ERGONOMIE, org. por Maurice de MONTMOLLIN, publicado em Toulouse - França, pela ed. Octarès, considerando a 2ª edição revista e ampliada, de 1997.
Tradução do francês por Vladimir Athayde, com revisão técnica e notas de Milton Athayde / UERJ, efetuadas no Rio de Janeiro, em 2006. 
ATIVIDADE
(pp. 26-29)
Exercício da capacidade que todo ser vivo possui de agir sobre seu ambiente e de reagir às estimulações que dele recebe. Entretanto, atividade não é comportamento*
; ela é o processo* pelo qual o comportamento é engendrado. Ela pode ser puramente mental ou comportar também elementos motores observáveis (ver Ação*). Em geral, somos levados a especificá-la: assim, vai-se falar de atividade oculomotriz – que rege a percepção visual; ou ainda, ela será especificada em função de um fim a atingir ou de efeitos esperados: a atividade de conduta (de um ônibus ou de um trem).
Em Ergonomia este termo se refere a um vasto campo conceitual. Pode-se distinguir:
1 – A atividade como comportamentos
Não se privilegia somente os desempenhos finais (produção, defeitos...), inclui-se também na descrição o detalhe das sequências de comportamentos, gestos (e os “traços” que eles deixam), posturas, olhares e verbalizações* dos operadores. A análise da atividade como comportamentos permite assim a reconstituição fina das sequências de ação que conduzem à realização das tarefas*. Ela introduz uma primeira visada dos aspectos coletivos do trabalho (por via da análise das interações).
Uma variante da análise da atividade como comportamentos utiliza o modelo da tarefa prescrita para descrever a atividade, aqui então concebida como “realização da tarefa”. Todavia este procedimento redutor é perigoso, pois com ele se impede considerar a atividade como processo específico, autônomo, e surpreendente.
2 – A atividade como lógicas de ação
Restringir a análise apenas aos comportamentos revelou-se insuficiente para explicar as atividades em que os componentes cognitivos são predominantes. Daí a análise da atividade como lógicas de ação é hoje, sem dúvida, o domínio mais estudado. Trata-se de buscar reconstituir os encadeamentos (os “cursos da ação”*, as “histórias”*) que preparam, disparam, conduzem e, portanto, explicam as ações dos operadores. Encontra-se na maior parte das análises das lógicas de ação o conceito comum de significações para a ação. Deve-se aí ser mais preciso: para e pela ação.
A concepção da atividade como criatividade, ou enação
, prolonga e enriquece a precedente. Este modelo de análise considera o operador-ator em sua “acoplagem estrutural” com a situação, que ele cria tanto quanto ela o constrange
. Esta concepção é próxima à da corrente da atividade situada (Suchman) e da cognição situada. Ela se opõe a uma concepção da atividade como realização da tarefa (ou atividade como finalizada por um alvo).
3 - A atividade como vivido
As situações de trabalho que comportam perigos, ou interações afetivas (neste caso, particularmente no setor de serviços: cuidados médicos, atendimentos em guichês, por exemplo) exigem que os ergonomistas concebam modelos e métodos que levem em conta as emoções, os sentimentos, as manifestações no campo da afetividade, da subjetividade, do “psiquismo”. Isso coloca para a Ergonomia difíceis problemas metodológicos e deontológicos.
4 - A atividade como processos biológicos 
Em paralelo às sequências de comportamentos e de lógicas de ação, e à medida que isto se revela necessário para sua explicação, o ergonomista pode analisar os ritmos cardíacos, o diâmetro pupilar, as secreções hormonais, etc.
Os modelos* de análise do trabalho* que privilegiam as atividades (mais que as estruturas e as tarefas) caracterizam a Ergonomia denominada “centrada na atividade”, por oposição à Ergonomia “clássica”, ou “do componente humano” (que parte, por um lado de taxonomias preestabelecidas de “características e limites” dos seres humanos, por outro lado de “exigências da tarefa”). (ver Ergonomias*).
MM & GPLB
A ATIVIDADE PARA VYGOTSKY
Foi L. S. Vygotsky (1896-1934) que propôs à Psicologia o estudo da atividade
, tendo sido recentemente redescoberto graças aos antropólogos cognitivos norte-americanos.
Para Vygotsky, as funções psíquicas superiores
 não podem ser explicadas pela fórmula reducionista que remete aos processos elementares; existem diferentes níveis de funcionamento psicológico, cada um tendo características específicas e irredutíveis. Para o conhecimento destas funções psíquicas superiores, Vygotsky propôs uma abordagem que insiste sobre seu aspecto consciente e histórico, tomando por objeto a atividade e por noção central a mediação simbólica: « Na medida em que a Psicologia ignora o problema da consciêcia, ela se impede de ter acesso à investigação dos problemas complicados do comportamento humano, e a eliminação da consciêcia da esfera da Psicologia científica tem como consequência maior a manutenção de todo dualismo e espiritualismo da Psicologia subjectiva antiga» (Vygotsky, 1985, p. VI).
O pensamento e a consciência não constituem, após Vygotsky, uma emanação de características estruturais ou funcionais internas (ou seja, “situadas no interior da pele”, segundo a fórmula de Watson, fundador do Behaviorismo). Ao contrário, elas são determinadas pelas atividades externas e objetivos realizados com os congêneres, em um ambiente social determinado. Daí a idéia de uma gênese social do pensamento, que liga cognição, percepção, ação* e comunicação, em uma “história do desenvolvimento das funções psíquicas superiores”. Daí também o desenvolvimento de uma metodologia que busca articular experimentação em laboratório e estudo de campo, e mesmo estudos históricos de produtos culturais, tais como os contos folclóricos, os costumes e a linguagem.
Isto porque Vygotsky considera a atividade como objeto central da Psicologia. Ela é entendida como a unidade de análise, integrando as características sociais – interativas e individuais – cognitivas das condutas. Esta atividade religa ações, comunicações e discursos privados: «Nossas experimentações demonstram dois fatos importantes:
· O discurso da criança é tão importante quanto o papel da ação no alcance do alvo. Não somente as crianças falam do que elas estão por fazer, mas seu discurso e sua ação fazem parte desta mesma função psíquica complexa, dirigida para a solução do problema.
· Mais a ação exigida pela situação é complexa, e menos direta é sua solução, maior é a importância que representa o discurso na operação como todo. Algumas vezes o discurso assume uma importância tão vital que, se não lhe é permitido utilizá-lo, as crianças mais jovens não podem dar conta da tarefa que lhe é dada. Estas observações têm me levado à conclusão que as crianças resolvem as tarefas práticas com a ajuda de seu discurso, tanto quanto de seus olhos e suas mãos. [Há] unidade da percepção, do discurso e da ação... » (Vygotsky, 1985, p. 25).
Vê-se logo o interesse de tal reflexão no que concerne à atividade de um operador – que se desenvolve tanto em ações quanto em comunicações – cuja aprendizagem é mediada pela linguagem: tanto seu discurso interno como o discurso que lhe é dirigido pelos especialistas.
Jacques Theureau (CNRS-COSTECH, Campiègne)
Bibliografia
Schneuly B. & Bronckart J. P. (Eds.) (1985). Vigotsky aujourd’hui. Neuchâtel / Paris : Delachaux & Niestlé.
Vygotsky L. S. (1985). Pensée et langage. Paris : Editions Sociales
. 
ATO
(p.25)
Unidade isolável no curso do desenrolar de um comportamento*. O problema do recorte da atividade* em atos é delicado; é a significação do ato que dá ao recorte sua legitimidade. 
Gilberte Piéraut - Le Bonniec (Laboratório LPBD, CNRS-EPHE, Paris)
AÇÃO
(p. 26)
Intervenção com a meta de modificar um estado de coisas. Seja para iniciar uma transformação, deter uma transformação em curso, ou impedir umatransformação que correria o risco de se produzir caso não se interviesse. Uma ação comporta geralmente vários atos que constituem unidades isoláveis da ação (ver, na análise do trabalho*, o problema colocado pelo recorte em unidades). Uma ação pode ser planificada (ver planificação*) em função das exigências (contraintes) da situação*: objetivos a atingir e meios disponíveis, normas que devem ser levadas em conta. Porisso pode-se falar de uma lógica da ação. O lógico Von Wright (1963), a este respeito, distingue três tipos de normas: as prescrições, que têm sua fonte na vontade de uma autoridade; as regras, que são convenções que permitem a um sistema funcionar; e as diretrizes, ou normas técnicas, que indicam como certas ações permitem atingir um certo alvo.
Gilberte Piéraut-Le Bonniec (Laboratório LPBD, CNRS-EPHE, Paris)
Bibliografia
Von Wright, G. H. (1963). Norm and Action. Londres: Paul Kegan.
� O asterisco indica que o vocábulo poderá ser acessado no Vocabulário. [Nota do tradutor].
� Vamos alterar o texto original inserindo vários itálicos, para efeito didático. [Nota de M. Athayde].
� Enação: conceito criado pelos biólogos chilenos Humberto Maturana (embora conhecido por Maturana, seu sobrenome completo é Maturana Romesín) e Francisco Varela (idem, neste caso Varela García), a partir da expressão espanhola en acción, ou do inglês enaction, no sentido de ‘trazer à mão’ ou ‘fazer emergir’. Encontramos nesta abordagem também denominada “Biologia do Conhecimento” a busca por superar o modelo “forte” de representação (no qual se considera haver um mundo prévio que serve de fundamento, viabilizando um conhecimento objetivo ele correspondente), conservando o sentido “fraco” e pragmático (que resulta da experiência tida como sem fundamentos, em que a interpretação se dá num modo particular de conhecer: o ser humano não é um agente que ‘descobre’ o mundo, mas um ser que o constitui). Critica-se o pressuposto de que conhecer é o mesmo que representar (o conhecimento operaria por representação do mundo exterior), pensando a cognição como invenção, intrinsecamente atrelada ao mundo, em uma relação de co-especificação mútua, em que sujeito que conhece e objeto conhecido especificam-se mutuamente. Ou seja, trata-se de uma cognição corporificada, entendendo que o conhecimento é incorporado, pois somos corpo, com uma infinidade de possibilidades sensório-motoras e estamos imersos em contextos múltiplos. Ela depende da experiência que ocorre na ação corporal – os processos sensoriomotores, percepção e ação são essencialmente inseparáveis da cognição, é a estrutura sensório-motora a maneira através da qual o sujeito que percebe está inscrito num corpo, e que determina como o sujeito pode agir e ser modulado pelos acontecimentos do meio. Seu princípio lógico é a recursividade, transcendendo o limite da linearidade, garantindo a dinâmica das interações entre o todo e as partes, capaz de gerar autonomia, característica marcante dos sistemas  que Maturana denominou “autopoiéticos”. A abordagem da enação é, portanto, atuacionista: o conhecimento não está “lá fora”, dado e acabado, pronto para ser processado; ele é dependente da atuação do agente, em uma história de acoplamentos estruturais cujo efeito sistêmico é a produção de um mundo. A ação do “sujeito” é pensada enquanto participante de uma rede complexa constituída em níveis múltiplos de sub-redes interconectadas que supera a dicotomia indivíduo/interno versus meio/externo. O sistema cognitivo do sujeito será parte integrante de um mundo existente, durável porém cambiante, no qual indivíduo e meio são instâncias que se co-implicam, ou se co-especificam. Não se trata de conhecimento como computação formal de símbolos, via transferência de informação do remetente para o destinatário, e sim via modelagem mútua de um mundo comum por meio de uma ação conjugada. Neste caso a mente não espelha a natureza, ela não é um aparelho de captar e processar informações em um mundo exterior, ela se acopla ao seu mundo – concreto, material, encarnado, daí emergindo fenômenos de conhecer. Sim, entende-se que não podemos nos excluir do mundo para comparar o seu conteúdo com as suas representações, estamos sempre imersos neste mundo. Esta concepção enativa de Varela (no início dos anos 90) era o terceiro momento no desenvolvimento das ciências cognitivas (o cognitivismo e o conexionismo correspondiam aos anteriores), pretendendo inverter os 2 primeiros projetos e tratar o saber como algo dependente do contexto (e não como um artefato residual que poderá ser eliminado. Enfim, desloca-se da concepção de um ambiente independente, já dado, e insiste-se que a noção de meio não pode ser separada do que os organismos são e do que eles fazem. [Nota de M. Athayde].
� Contrainte, em francês. Trata-se de um conceito da Ergonomia, traduzido na maioria das vezes por exigência, pressão, etc. Na verdade sua tradução mais precisa é difícil, daí há quem entenda que o melhor é criar um neologismo – contrante (é o caso de Mario Vidal/Grupo Gente/Coppe-UFRJ), ou mantê-la em francês contrainte (fórmula muitas vezes empregada por mim). [Nota de M. Athayde]. 
� No Brasil foi mais freqüente registrar o conceito de atividade na autoria de A. Leontiev, componente do grupo de Vigotski. [nota de M. Athayde].
� Esta é uma clássica expressão utilizada por Vigotski. [Nota de M. Athayde].
� Este livro foi publicado em 1934 (meses após a morte do autor), juntando ensaios avulsos em um todo coerente, condensando uma fase destacada da obra do autor, apresentando de forma bem fundamentada uma teoria original acerca do desenvolvimento “intelectual”. Encontramos em português duas versões do livro, ambas publicadas pela editora Martins Fontes (São Paulo). Cronologicamente a primeira foi publicada em 1987, reproduzindo em português a versão em língua inglesa, só que a nosso ver escandalosamente alterada (cortando dois terços do livro original), pois “simplificada”, com a pretensão de “tornar mais claro o estilo de Vigostski”, nas palavras dos que elaboraram o prefácio. Uma segunda tradução, agora da obra completa, diretamente do russo, foi enfim publicada em 2001, embora com problemas (o título original foi alterado para A construção do pensamento e linguagem, certamente com o objetivo comercial de manter ambos à venda; o conceito que até então em português aparecia como “zona de desenvolvimento proximal” o tradutor do russo muda para “zona de desenvolvimento imediato”, o que não nos parece resolver o problema, criando outro). [Nota de M. Athayde].

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