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1 TEATRO DE MAMULENGO E A QUÍMICA: UMA ALTERNATIVA PARA LEVAR CIÊNCIA AO PÚBLICO Daniela S. Jesus, Ortência P. Santiago, Edenilza M. Santana, Fernando C. Santos, Everton S. Oliveira, Marcelo Leite dos Santos, Edson José Wartha e Erivanildo L. da Silva Resumo Neste trabalho são apresentadas de modo descritivo as atividades de divulgação e popularização da ciência desenvolvida por estudantes de Licenciatura em Química da Universidade Federal de Sergipe, utilizando como meio de divulgação o Teatro de Mamulengos. O projeto possibilitou relacionar saberes populares muitas vezes apresentados pelo público durante as apresentações, à saberes científicos através de apresentações teatrais, denominadas historietas, sendo essas atreladas a experimentação química. Palavras-Chave: Mamulengo, Ensino de Química, Popularização da Ciência. Introdução Neste trabalho apresenta-se um relato de parte das atividades desenvolvidas no âmbito da divulgação científica realizadas por professores e estudantes de graduação de Química da Universidade Federal de Sergipe. Como uma alternativa para abordar conhecimentos científicos, a iniciativa busca contribuir para a popularização e divulgação da ciência, apresentando em escolas e povoados o Teatro de Mamulengos. Essa abordagem artística permite romper com o isolamento do conhecimento científico, possibilitando que essa forma do conhecimento humano possa chegar ao público em geral de modo a permitir um diálogo entre ciência e sociedade (MARANDINO, 2003). A divulgação científica, por meio da abordagem do Teatro de Mamulengos, apresenta uma característica peculiar que é interpretar cientificamente o conhecimento popular do próprio público que interage com a encenação (GUINSBURG, FARIA e LIMA 2009). Considerando essas premissas, o grupo idealizou o projeto “Química também é cultura com teatro: show da química com teatro”, que contou com apoio financeiro da FAPITEC (Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe) e do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Para Oliveira (2011), o Teatro de Mamulengos é estruturalmente composto por pequenas cenas para a apresentação dos personagens, sendo o espetáculo apresentado em uma espécie de barraca (palco) revestida por tecidos 2 populares. Nesse espaço os criadores do espetáculo apresentam os bonecos de mamulengos que são conduzidos com o auxílio das mãos, de forma semelhante àquela que é utilizada pelos fantoches. Essa abordagem teatral não apresenta uma dramaturgia amarrada na escrita, contudo obedece a um padrão de transmissão oral, com histórias, lendas, linguagem própria, personagens fixos, brincadeiras, piadas, música, dança e até mesmo Ciências. Nas atividades do projeto existe o intuito de relacionar os saberes científicos e populares, principalmente destacando que os saberes populares se acumulam ao longo dos anos e são transmitidos de geração para geração, de indivíduo para indivíduo, ou até mesmo entre grupos sociais, por meio da linguagem falada, de gestos e atitudes e através de diversas influências do meio podem ser transformados (GONDIM e MÓL, 2009). Como forma de ocorrer à abordagem do conhecimento científico é acrescentado mais um componente em meio à atividade teatral, que é a figura de quem realiza e explica os experimentos, uma espécie de monitor que relaciona a parte científica à encenação dos mamulengos, ou seja, em meio aos atos são estabelecidas pausas para demonstrações experimentais relacionadas aos conceitos e seus respectivos saberes populares que estejam em discussão. A primeira historieta foi adaptada a partir de uma questão de vestibular e adaptada a um contexto nordestino relacionado ao cangaço. A segunda foi embasada a partir de uma sequência de experimentos encontrados na literatura que geravam conflitos de conceitos por parte do público (BRAATHEN, 2000; COFFEY, 2008; GALIAZZI, 2005). O processo de construção das duas últimas historietas buscou investigar saberes populares da região do Agreste sergipano e, a partir desses, procurou-se identificar possíveis relações com o conhecimento científico (BOHRER, KROB e KINDEL). Após esta etapa passou-se a confeccionar os bonecos relacionados aos personagens, os testes experimentais (que são realizados antes das apresentações) relacionados aos aspectos científicos das historietas, passando pela elaboração do roteiro de falas dos bonecos e, por último, a realização das apresentações para o público. Vale salientar que os bonecos de mamulengos são confeccionados pelos próprios integrantes do grupo, o que infere o processo de criação dos bonecos e confecção das roupas (Figuras 1 e 2). Figura 1: Confecção dos bonecos de mamulengo 3 Figura 2: Bonecos produzidos, estande das apresentações e roupas dos bonecos. Em doze meses de atividades, o projeto já atendeu a cerca de 1200 pessoas de um público diversificado, tendo essas apresentações ocorridas nas escolas públicas, feiras livres e praças públicas. As atividades ocorreram em 12 escolas e 4 praças públicas, além de três feiras livres, sendo todas essas ações em cidades do Agreste e Sertão sergipano. Descrição das Historietas Elaboradas Para a construção das apresentações teatrais com bonecos, que foram denominadas de historietas houve a investigação dos saberes populares presentes nas famílias que compõem parte do agreste sergipano por meio de conversas informais. A historieta pioneira surgiu através de uma questão de vestibular, que por sua vez, foi relacionada ao cangaço, este, é um aspecto cultural extremamente recorrente no cenário nordestino, tal cultura, por ser reconhecida nacionalmente, despertou o interesse dos monitores, por conta disso, a primeira historieta denominada “Corisco e Sabonete - Os químicos do Sertão”, surgiu sobre essa perspectiva e desencadeou o surgimento das demais historietas. Trabalhou-se com a apresentação de quatro historietas (a) Corisco e Sabonete - Os químicos do Sertão; (b) Aconchego da Vovó. (c) Ciência versus Religião; (d) A Química presente na água. Essas serão descritas a seguir. - Corisco e Sabonete - Os químicos do Sertão Na primeira das historietas elaboradas, “Corisco e Sabonete: os químicos do sertão” busca-se encenar um episódio fictício formado por três personagens: Maria Bonita, a mulher de Virgulino Ferreira, o Lampião; Corisco, o braço direto de Lampião e Sabonete, parceiro de Corisco. Cada personagem tem características definidas: Maria, uma mulher valente e determinada, Corisco um homem valente, com muitos princípios machistas e o Sabonete cangaceiro medroso, preguiçoso e muito atrapalhado. Tudo começa quando Maria Bonita, entediada com sua rotina, ordena que Corisco e Sabonete preparem os alimentos e realizem a devida salga da carne para conservação. Contudo, essa ordem não agrada aos dois cangaceiros, pois pensam nessa tarefa como sendo exclusivamente feminina. Nesse recorte, a narrativa visa abordar a temática do machismo, característica forte do povo nordestino, principalmente no tempo do cangaço. Como comenta Souza (2006), a classe feminina nordestina sofria muitos preconceitos em relação às mulheres das demais regiões do país. O enredo se desenrola com Maria Bonita fazendo ameaças de castigo aos homens e, 4 então, os dois cangaceiros receosos de uma punição por parte de Lampião começam a realizar a tarefa. A encenação transcorre com as brincadeiras e falas preconceituosas dos dois homens do cangaço, até que sabonete, de forma desastrosa, deixa cair todo sal na areia. Esse enredo possibilita introduzir a parte científica que envolve a separação do sal derrubado na areia. Na encenação, os dois cangaceiros iniciam uma discussão sobre as possibilidades de recuperar todo o sal derrubado,uma vez que este era o único sal que o bando trazia. Com as falas procura-se criar uma atmosfera tentando mostrar como os cangaceiros deveriam resolver o problema, ou seja, como os dois homens poderiam obter o sal novamente. Os mamulengos acabam questionando público sobre possíveis hipóteses, as quais remetem ao uso dos métodos de separação de mistura. O primeiro procedimento sugerido pelos personagens é recolher a mistura de sal com areia em uma cuia e adicionar água nesse recipiente. Corisco propõe o uso de um pano para separar os componentes. Contudo, Sabonete bastante curioso, acaba bebendo a água e descobrindo que ela ainda encontra-se salgada. No enredo, ambos não souberam criar uma alternativa para obter todo o sal, tendo em mãos apenas uma cuia contendo água salgada. Prevendo uma coça de Lampião os dois homens caem na caatinga e deixam a cuia com água salgada exposta ao sol. Horas depois ao perceberem que não poderiam ludibriar a todos, os dois resolvem contar a Maria Bonita que derrubaram todo o sal. E então, para surpresa dos cangaceiros eles encontram na cuia praticamente o sal que haviam derrubado. Após essa dramatização inicia-se de modo demonstrativo a etapa experimental. O monitor filtra a mistura de sal e areia acrescida de água e, após aquecimento da solução, apresenta o sal obtido no processo. O Procedimento segue o esquema ilustrado na Figura 3. Figura 3: Modelo esquemático da experimentação “Mistura do cangaço” Os monitores realizam alguns questionamentos visando o entendimento do público sobre a abordagem da historieta e, então, acabam apresentando os conceitos químicos de misturas heterogênea e homogênea. Como no contexto da historieta o processo de evaporação ocorre com contribuição solar, por motivos de tempo utilizamos o processo de ebulição por meio de uma fonte de calor introduzida, nesse caso o “candeeiro”. Essa adaptação é devidamente explicada ao público. 5 - Aconchego da Vovó Essa historieta tem como personagens Vitinho, um garoto levado, seu pai Antônio, um homem típico da cidade grande, e sua avó Dona Zefinha, uma senhora com raízes do interior nordestino. No enredo, Vitinho, enquanto almoça, deixa cair uma bala de menta no refrigerante causando maior confusão e sujeira na casa. O garoto logo pergunta ao pai o porquê daquilo e o pai promete uma explicação para o fato, mas logo após o almoço. Mais tarde, antes da explicação do pai para o evento anterior, Vitinho emenda outra pergunta: pai eu vi na escola que o professor conseguiu fazer água subir na garrafa apenas com ajuda de uma vela. Dessa forma, a historieta “Aconchego da Vovó”, apresenta duas práticas experimentais que fazem uso de materiais alternativos, são elas: erupção de refrigerante e a vela que se apaga na garrafa. Os monitores nessa historieta realizam a erupção de refrigerante que consiste na adição de três balas de Mentos® a uma garrafa de refrigerante de cola, Figura 4. Figura 4: Modelo esquemático da experimentação “Erupção de refrigerante”. Ao colocar as balas de Mentos® no refrigerante de cola, o equilíbrio do dióxido de carbono (CO2) dissolvido no refrigerante é perturbado, o que ocasiona a “expulsão” do refrigerante para fora do recipiente na forma de uma erupção. O principal fator para que a erupção ocorra decorre da superfície rugosa e irregular, do ponto de vista microscópico, da bala de Mentos®, conforme verificado por Coffey (2008). Essas “ranhuras microscópicas” possibilitam a rápida nucleação de bolhas do CO2 que estava solubilizado no refrigerante, provocando a impressionante erupção observada (PIRES e MACHADO, 2013). No segundo experimento dessa historieta os monitores fixam a vela ao prato fundo, acrescentam água e corante. Em seguida a vela é acesa e uma garrafa de vidro é posicionada de maneira que a vela acesa esteja em seu interior. A Figura 5 apresenta o esquema experimental. Figura 5: Modelo esquemático da experimentação “Vela do Cabrunco”. Após certo tempo a vela se apaga e o nível de água colorida dentro da garrafa aumenta. Na combustão, o dióxido de carbono (CO2) formado é aquecido e fica menos denso que o 6 gás oxigênio, concentrando-se na parte superior do recipiente. Com o decorrer da reação, uma quantidade de dióxido de carbono maior vai se acumulando na parte superior da garrafa, dificultando a chegada de oxigênio, o que faz com que a combustão se encerre. Enquanto a vela permanece acesa, o ar dentro da garrafa também fica quente. Como o sistema montado é aberto (permitindo a troca de matéria e energia), a garrafa e o ar aquecido tendem a entrar em equilíbrio térmico com sua vizinhança, cedendo calor. Com a diminuição da temperatura do sistema o gás também diminui sua temperatura, o que é acompanhado da compressão de seu volume o que, por sua vez, ocasiona o aumento do nível de água no interior da garrafa. Outro modelo explicativo para o mesmo fenômeno é o de Braathen (2000) em que o vapor d’água se condensa e o gás carbônico, por ser muito solúvel em água, dissolve-se rapidamente. Como consequência da remoção do gás oxigênio, a pressão dentro do cilindro diminui e a água do recipiente sobe pelo cilindro até uma altura que corresponde ao volume ocupado pelo gás oxigênio. Figura 6: Modelo esquemático da experimentação “Determinação da Vitamina C”. O objetivo deste experimento (Figura 6) é mostrar a diferença da concentração de Hipoclorito de Sódio (NaHClO), geralmente presente em diferentes amostras de água, buscando estabelecer um parâmetro da quantidade de material necessário para eliminar germes e bactérias. Para deixar evidente a diferença do teor de hipoclorito presente nas amostras, utilizou- se como método de determinação a titulação iodométrica, também empregada na determinação da Vitamina C, contudo para soluções de concentrações distintas de Hipoclorito de Sódio (HARRIS 2008). Realiza-se inicialmente a titulação de três soluções padrões, preparadas com concentrações diferentes, de modo que fique perceptível o fato de que quanto maior for a concentração de Hipoclorito de Sódio, maior é o consumo de iodo. Em seguida realiza-se o teste com a água da torneira e procura-se instigar o público sobre qual solução tem mais Hipoclorito de Sódio, a água da torneira ou a solução utilizada para lavar os alimentos, com base na quantidade de iodo utilizada. Após essa parte experimental, a historieta tem seu fechamento mostrando que é possível ter uma ideia da concentração adequada de Hipoclorito de Sódio presente na água para o uso nas atividades domésticas diárias e que somente reservar a água na moringa não é suficiente. 7 - Ciência versus Religião A segunda historieta, Ciência versus Religião, conta a história de Jurema, uma garotinha levada e sua mãe Faustina, uma beata conservadora e, simbolizando a ciência, juntos, um médico e um professor. A encenação inicia-se com Jurema um tanto gripada e sua mãe assinalando a necessidade de uma “benzedeira”. Faustina acredita que a reza vai solucionar o problema da gripe, contudo, Jurema, a filha, contrapõem-se a mãe, afirmando que a Ciência produziu os remédios para a cura das gripes. Após a pequena discussão dos personagens de mamulengos, a encenação traz o personagem médico receitando à menina uma medicação apropriada e alimentação rica em vitamina C. Assim, alguns dias passam e a medicação parece não fazer efeito e frente a isso, Faustina se mostra descrente com a indicação médica. Frente a descrença da Mãe a menina busca a resposta com seu professor, sendo essa a deixa para que os monitores apresentem a etapa experimental dessa historieta. Então é realizada a pergunta ao público, como saber qual alimento possui vitamina C? Na etapa experimental, segundo o esquema da Figura 7, os monitoresabordam que a vitamina C é essencial para os seres humanos, enfatizando que a sua deficiência pode trazer alguns males a saúde e que suas principais fontes resumem-se em frutas cítricas e vegetais. Figura 7: Modelo esquemático da experimentação “Iodométrica em amostras de água”. O principal objetivo do experimento é determinar o teor de vitamina C presente em dois tipos de sucos (acerola e laranja). A técnica experimental utilizada baseia-se na titulação complexométrica ou iodométrica que, como o próprio nome sugere, trata-se da formação de um complexo oriundo da adição de iodo como indicativo para quantificar a vitamina C. Na abordagem com o público os monitores argumentam que a vitamina C com certa quantidade de amido interage com a solução de iodo e que, enquanto existir traços dessa vitamina a solução aquosa permanece incolor. Após todo o consumo da vitamina C, a solução, por conta da presença de amido, torna- se azul. Logo, a conclusão formulada explica que, quanto maior o teor de vitamina C presente maior será a quantidade necessária de iodo para que a coloração azul promovida pelo complexo se estabeleça. Nas últimas cenas, com a resposta dada pelo professor em mãos, Jurema fala à mãe da quantidade de vitamina C nas frutas e que vai consumi-las no dia a dia. 8 - A Química presente na água A historieta “A Química presente na água” busca abordar a questão da qualidade da água utilizada para beber. A encenação retrata uma situação vivenciada em uma cidadezinha do interior, tendo como personagens Jocelina, uma senhora de velhos costumes locais, Dora, filha de Jocelina, que ao contrário de sua mãe, tem visão voltada à tecnologia e Livardina, a filha de Dora, que gosta de discutir em casa os conhecimentos apresentados na escola. Tudo começa quando Livardina reclama à mãe de uma dor na barriga e, então, Dora decide levar a garota ao médico, sendo essa decisão questionada por Jocelina, a avó, pois na visão dela bastava uma boa reza. Na consulta Dora recebe do médico um diagnóstico que a garota pode estar em um quadro de doença causada por verminose. Alguns poucos dias depois, após as etapas de diagnósticos precisos, o médico informa que a família deve estar consumindo água ou alimentos contaminados. Dora apresenta o diagnóstico para a avó de Livardina, que então passa a contrapor-se a filha. Nesse contexto do enredo algumas questões são apresentadas. Em que medida o que Dora viu na internet e o que Livardina aprendeu na escola poderá ajudar? Até onde as crenças da avó podem falar mais alto? É realmente necessário tratar a água? Essas perguntas são problematizadas para o público em geral, assim as pessoas são provocadas a pensar sobre o hábito nordestino. Livardina, considerando a fala do médico sobre a água contaminada, acaba lembrando sobre o trato da água em condições caseiras que o professor tinha abordado durante a aula. Com base nas informações a menina tenta convencer sua mãe e sua avó a adotarem cuidados possíveis com a água que elas bebem, já que aparentemente isso tenha sido o problema causador do mal da garota. Mas como tratar a água da moringa? Pergunta Jocelina. Após essa parte teatral tem-se início a etapa experimental da atividade, ressaltando a importância da adição de uma quantidade especifica de Hipoclorito de Sódio para cada litro de água como um método eficiente para eliminar germes e bactérias presentes nos alimentos. Ressaltando que, embora a água pareça potável, são necessários alguns cuidados para reservá-la na moringa. A Figura 7 apresenta um esquema ilustrativo do tratamento da água e identificação do hipoclorito. Discussão da Relação dos Saberes e a Divulgação Científica As duas primeiras historietas desenvolvidas foram utilizadas como teste para a metodologia, apesar das historietas possibilitarem a divulgação científica não foi possível estabelecer relação entre os saberes empregados. No entanto, com a apresentação das demais, esta relação foi significativa e perceptível, tais relações serão comentadas a seguir. Nas ideias de Bachelard (1996), devemos romper com o senso comum, o mesmo autor defende que na Ciência a opinião 9 não deve prevalecer. Pensando nesse viés, algumas indagações se colocam como podemos popularizar a Ciência se o conhecimento científico e o senso comum se opõem como afirma Bachelard? Como refazer um caminho que reaproxime o diálogo entre conhecimento científico e senso comum na perspectiva da popularização científica? Essas perguntas foram importantes na construção das histórias. Outro autor que comenta sobre conhecimento científico e senso comum é Germano (2011), o mesmo esclarece que a Ciência moderna em seu gênesis declarou guerra ao senso comum. Entretanto a ideia negativa do senso comum, nas palavras de Germano (2011) não ganhou forma no próprio senso comum, mas a partir da própria Ciência, pois, segundo o autor à medida que um conhecimento se especializa, este se afasta e começa a julgar outro saber. Essa discussão no que se refere a Ciência e o senso comum é pertinente, uma vez que, em nossas apresentações, o grande desafio era popularizar a Ciência, para uma parcela da população, em sua grande maioria, iletrada cientificamente. Eram indivíduos que tinham suas visões de mundo e suas explicações para os fenômenos do seu cotidiano e que de certa forma resistiam a mudanças de opiniões. O nosso papel não era suplantar os conhecimentos primeiros da população, mais sim mostrar outra vertente. A história em si mostra a questão do embate entre Ciência e senso comum, ensinando que cada forma de saber tem sua explicação de mundo, a qual devemos respeitar. Foi possível identificar que algumas historietas proporcionaram o estabelecimento de relações entre o conhecimento científico e o saber popular. Durante as apresentações da historieta “Ciência versus Religião” pode-se perceber no momento de indagações feitas ao público que para eles a fruta que contém mais vitamina C é a laranja, algo que já está enraizado no senso comum das pessoas. A concepção de que a vitamina C previne ou ajuda a combater a gripe também é outra ideia bem difundida pelo público. Entretanto quando algumas outras informações como a de que a falta de vitamina C no organismo causa o escorbuto, surpreende as pessoas pois é uma informação pouco dissemina, a compreensão das potencialidades dessa substancia são pouco exploradas pelas pessoas. O ponto mais impactante, entretanto, é quanto ao teor de vitamina C presente me algumas frutas, assim como a utilização de um método de análise para determinar seu teor, tendo como resultado a acerola tendo um maior teor de vitamina C é um dos pontos que causa impacto na concepção de senso comum das pessoas. E até mesmo a ideia de que frutas como a goiaba possuem vitamina C também vai contra as concepções iniciais do público. Muitos ao final da apresentação incorporam essas novas informações, talvez por considerarem o conhecimento científico como sendo o mais válido, tendo em vista a concepção de ciência que é transmitida no ambiente escolar, espaço onde se desenvolveram boa parte das apresentações. A historieta “A química presente na água” promoveu a junção de fatos populares com conhecimentos científicos, proporcionando a ocorrência de uma discussão do público a respeito das concepções prévias que esses possuem e do 10 entendimento obtido a partir da apresentação da historieta e do experimento abordado, e assim identificar contribuições que estes puderam proporcionar. Conseguimos captar a atenção do público e provoca-los a pensarem sobre o hábito comum que é a importância do preparo da solução para lavagem dos alimentos contendo uma concentração ideal de hipoclorito de sódio, e que tal procedimento traz benefícios a saúde.Em via de regra, a discussão gira acerca dos elementos que podem ser prejudiciais à saúde causando verminoses, diarreias, caso da historieta onde a menina está com dor na barriga devido ao uso de alimentos contaminados, e que é importante seguir os conselhos médicos para solucionar muitas questões, complementando assim a cultura popular com base no conhecimento cientifico. Durante as apresentações há o relato das pessoas que consomem os alimentos sem a devida lavagem, muitas vezes, adquiridos em feiras livres, onde estão ainda mais “sujos”. Muitas ressaltavam não saber como lavar corretamente e nem os danos que poderia causar. Após as informações dadas sobre o uso da água as pessoas disseram que começarão a tomar mais cuidados. E que depois de termos ensinado como se deve fazer, e o que isso pode causar, ficou bem mais fácil. Outro relato frequente é que alguns utilizavam vinagre para lavagem dos alimentos, porem esse material não é tão eficiente na lavagem dos alimentos como o hipoclorito, já que ele não mata os germes, apenas ajudam a remoção, que pode não ocorrer completamente. Um fato também observado é que os alunos pensam que o na água existe o cloro, e não o hipoclorito de sódio. Isso se justifica, talvez, porque que eles compram alvejantes comerciais com o nome de cloro, achando essa ser a real composição dos alvejantes, ou que os dois seriam a mesma coisa. Assim procuramos mostrar que em condições ambientais o cloro é simplesmente o gás cloro “Cl2” não sendo está a espécie presente na água utilizada para o seu tratamento, mas sim o Hipoclorito de Sódio (NaHClO). Considerações Finais Para realização do projeto “Química também é cultura: show da química com teatro” pôde-se levar para a população em geral os conhecimentos químicos de forma descontraída, usando mamulengos típicos da cultura nordestina sergipana como forma de ensino e aprendizagem, além de abordar conceitos básicos, mostrando que saberes populares apresentam uma contribuição nas concepções científicas e que as concepções que são transmitidas pelas gerações anteriores podem não estar equivocadas, precisando apenas ser complementadas, assim como é apresentado por Marandino (2003). Foi possível evidenciar que a Química também pode ajudar a solucionar os problemas presentes no cotidiano demonstrando que saberes populares podem contribuir para o conhecimento científico e que essas tradições da cultura popular podem ser complementadas pelo uso da Ciência, que tende a aperfeiçoar técnicas antigas, em particular o uso e o tratamento da água no nosso dia-a-dia, que pode ter contribuições tanto de conhecimentos populares quanto científicos. 11 Referências Bibliográficas BACHELARD, G. A formação do espírito ceintífico: Contribuições para uma psicanálise do conhecimento. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. BOHRER, P. V.; KROB, A. J. D.; KINDEL, A. Trocas de saberes cruzando o conhecimento científico e o popular na construção de novas perspectivas regionais de sustentabilidade. Curica. BRAATHEN, P. C. Desfazendo o mito da combustão da vela para medir o teor de oxigênio do ar. Química nova na escola. n. 12, 2000. COFFEY, T. S. 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Jesus Mestranda em Ensino de Ciências e Matemática no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (NPGECIMA) da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: dane.olhinhos@hotmail.com Ortência P. Santiago Mestranda em Ensino de Ciências e Matemática no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (NPGECIMA) da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: ortencia_rm@hotmail.com Edenilza M. Santana Mestranda em Ensino de Ciências e Matemática no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (NPGECIMA) da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: denny.ems@gmail.com Fernando C. Santos Mestrando em Ensino de Ciências e Matemática no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (NPGECIMA) da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: fernando.ufs.ita@gmail.com Everton S. Oliveira Mestrando em Ensino de Ciências e Matemática no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (NPGECIMA) da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: everton.quimica2011@gmail.com Erivanildo Lopes da Silva Coordenador do projeto, doutor em Filosofia, História e Ensino de Ciências na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professor doutor do Campus Prof. Alberto Carvalho – Universidade Federal de Sergipe (UFS). E-mail: erivanildolopes@gmail.com Edson José Wartha Doutor em Ensino de Ciências pela Universidade de São Paulo (USP) e professor doutor do Campus Prof. Alberto Carvalho – Universidade Federal de Sergipe (UFS). E-mail: ejwartha@gmail.com Marcelo Leite dos Santos Doutor em Ciências pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e professor doutor do Campus Prof. Alberto Carvalho – Universidade Federal de Sergipe (UFS). E-mail: mleitesantos@hotmail.com 13 MAMULENGO THEATER AND THE CHEMISTRY: AN ALTERNATIVE FOR BRINGING SCIENCE TO THE PUBLIC Abstract In this work are presented descriptively the outreach activities and popularization of science developed by undergraduate students of the Chemistry from the Federal University of Sergipe, using as a means of disseminating the Mamulengos Theatre. The project made it possible to relate popular knowledge often made by the public during the presentations, the scientific knowledge through theatrical performances, called comic strips, and those linked to chemical experimentation. Key words: Mamulengo, Chemistry teaching, Popularization of Science
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