Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO Cristiane Maria Magalhães A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever o contexto e os usos da mão de obra escrava no Brasil. � Identificar os princípios da Lei Bill Aberdeen e seus impactos no abas- tecimento de escravos no Brasil. � Reconhecer os diferentes arranjos e as características do tráfico interno de escravos. Introdução “Nos cubículos dos negros, jamais vi uma flor: é que lá não existem nem esperanças nem recordações [...]” (SLENES, 1999, p. 26): foi com esta frase que Robert Slenes iniciou o seu livro clássico sobre a história da escravidão no século XIX, “na senzala, uma flor”, citando o viajante Charles Ribeyrolles (1812–1860). No silêncio das senzalas, longe da terra natal e de tudo que remetia às suas raízes, o africano precisou aprender a se adaptar no Brasil. Nas senzalas, não havia esperança, tampouco futuro; o presente era de trabalho e de castigos, de fome e de doenças. Não havia horizontes nas senzalas, e o que dizer de algo tão delicado quanto uma flor. Antes de iniciarmos o capítulo, precisamos repensar maneira como a escravidão africana no Brasil (e no mundo) tem sido abordada. Em geral, os africanos trazidos à força ao longo de mais de três séculos em travessias longínquas são referenciados de modo reducionista apenas como “escravos”. Porém, se refletirmos, veremos que os negros africanos não eram “escravos”, pois não nasceram assim. Escravo não é uma raça ou origem étnica de nenhum povo. Os africanos eram seres humanos — assim como eu e você —, que foram escravizados pelos europeus que acreditavam ser superiores a outros povos, pelo uso da força. Neste capítulo, portanto, referenciaremos esses seres humanos que foram cruelmente arrancados de sua terra, suas gentes e suas origens e raízes para serem vendidos como mercadorias e trabalhar incessan- temente até a morte como “pessoas escravizadas” ou “escravizados”, e não “escravos”: isso para nos lembrarmos dessa condição desumana e não normalizarmos uma situação que não tinha nada de normalidade. Neste capítulo, você conhecerá os contextos e os usos da mão de obra escrava no Brasil, no século XIX, além de compreender os princípios da Lei Bill Aberdeen e seus impactos no abastecimento de pessoas escravizadas no país. Com a proibição da importação de mão de obra escrava, foram necessários diferentes arranjos, com características distintas, para o tráfico interno de escravizados, como veremos a seguir. 1 Contextos e usos da mão de obra escrava no Brasil no século XIX No início do século XIX, o deslocamento da família Real portuguesa e de sua comitiva para a cidade do Rio de Janeiro, em 1808, impulsionou a urbanização não apenas da capital da Corte, mas também das principais capitais brasileiras, permitindo, ainda, a Abertura dos Portos às Nações Amigas, autorizada por Dom João de Bragança (Dom João VI) no dia 28 de janeiro de 1808. Esse evento possibilitou a entrada no Brasil de diversos profissionais estrangeiros, como botânicos, engenheiros, etc., entre os quais estavam os artistas que vieram a partir de 1816, com a criação da Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), no Rio de Janeiro. Esses profissionais, como o botânico Auguste de Saint-Hilaire (1779–1853), produziram interessantes narrativas sociais e do cotidiano do Brasil, escassas antes do século XIX, como inúmeros desenhos, que nos permitiram conhecer as paisagens e as gentes daquele momento da história. Entre esses viajan- tes, estavam Jean-Baptiste Debret (1768–1848) e Johann Moritz Rugendas (1802–1858), assim como Charles Ribeyrolles, citado no início do capítulo. Ao observar o cotidiano brasileiros na primeira metade do século XIX, o francês Debret (1979, p. 85) escreveu que: A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão2 [...] tudo assenta pois, neste país, no escravo negro; na roça, ele rega com seu suor as plantações do agricultor; na cidade, o comerciante fá-lo carregar pesados fardos; se pertence ao capitalista é como operário ou na qualidade de moço de recados que aumenta a renda senhor [...]. Em todo o território colonial, o uso da mão de obra escrava era majoritário e os escravizados trabalhavam em distintas ocupações (BOULOS JÚNIOR, 2016); onde houvesse trabalho, ali também estaria um negro escravizado. Estima-se que cerca de 11 milhões de africanos deixaram a costa da África rumo à América entre 1500 e 1867, dos quais 4,8 milhões desembarcaram no Brasil (BOULOS JÚNIOR, 2016). Para Mattos e Grinberg (2015), a criação do rentável comércio de tráfico atlântico de escravizados foi responsável pela migração forçada de, no mí- nimo, 11 milhões de africanos para o continente americano. Esse modelo de escravidão humana teria provocado uma modificação radical na organização da escravidão africana que existia antes da chegada dos europeus, e, ao mesmo tempo, possibilitou a criação da escravidão moderna nas Américas. Para as autoras, as formas de escravidão anteriormente existentes na África, nas socie- dades muçulmanas ou nas tradicionais africanas, eram, entretanto, diferentes do regime de trabalho escravo criado pelos europeus, após o estabelecimento das primeiras plantations de açúcar pelos portugueses nas ilhas do Atlântico e, depois, nas Américas (GRINBERG; MATTOS, 2012). A migração forçada de africanos para o Brasil, em termos de idade e gênero, foi principalmente de homens adultos, já que cerca de dois terços dos escravizados que chegaram eram do sexo masculino, três quartos dos quais adultos (SCHWARCZ; GOMES, 2018). Na base desse sistema de escravidão humana, estava a necessidade do “[...] colonialismo europeu de alavancar a mineração e a agricultura comercial nas colônias espanholas e portuguesas [...]” (SCHWARCZ; GOMES, 2018, p. 50). Desse modo, não se pode dissociar o tráfico atlântico da demanda por mão de obra, sobretudo depois do declínio demográfico dos povos originários dos territórios ocupados pelos europeus na América, com sua exterminação em massa. De acordo com Klein (2018), o Brasil foi o maior receptor de africanos a serem escravizados na América, tendo somado pelo menos 4,8 milhões de pessoas até 1850. No século XVI, havia, para o autor, um pequeno fluxo de africanos trazidos por traficantes portugueses: a média anual elevou-se, 3A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão progressivamente, de cerca de mil no século XVII para 13 mil no XVIII, alcan- çando a média de 35 mil pessoas na primeira metade do XIX (SCHWARCZ; GOMES, 2018). E foi justamente quando a média de entrada de africanos atingiu seu ápice que leis internacionais passaram a proibir o trânsito atlântico de pessoas a serem escravizadas, como veremos adiante. Nas terríveis viagens de travessia, que duravam não menos que 40 dias, muitos morriam no trajeto, de inanição ou desidratação, pelas péssimas con- dições da viagem nos navios. Considerando o porto da cidade do Rio de Janeiro, partindo da Costa da Mina, as viagens duravam 45 dias, de 33 a 40 dias a partir das regiões do Congo-Angola e cerca de 75 dias partindo de Moçambique (BOULOS JÚNIOR, 2016). Os escravizados, que eram vendidos como mercadorias nas feiras e distribuídos para todo o território colonial, traziam consigo saudades, mas também parte de sua cultura, religiosidade, conhecimentos do trabalho, modos de viver e de expressar, como palavras, gingado e danças e a força de trabalho tão necessária em um continente inteiro a ser explorado e res- significado pelo europeu. Vale ressaltar que a intensa utilização da mão de obra de negros escravizados no Brasil levou a uma inversão de valores, visto que o trabalho passou a ser visto como desonroso e inferior pelas pessoas livres, tornando-se algo que o “escravo” fazia (BOULOS JÚNIOR, 2016). Boulos Júnior (2016) ainda destaca a alimentação queera destinada aos negros, escassa e pobre em proteínas. Diariamente, eles recebiam uma cuia de feijão com gordura ou toucinho com uma porção de farinha de milho ou de trigo, mas não eram oferecidas frutas. Em algumas propriedades, os negros podiam cultivar seus próprios alimentos e negociar as sobras. O excesso de trabalho aliado aos maus-tratos e à alimentação precária fazia com que sérios problemas de saúde afetassem os escravizados, como anemias, diabetes, hipertensão e envelhecimento precoce (BOULOS JÚNIOR, 2016), resultando em uma baixa expectativa para um negro escravizado. A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão4 Usos da mão de obra escravizada no Brasil Podemos dividir a utilização da mão de obra escrava em dois momentos da história colonial no Brasil: o antes e o depois das descobertas das minas no atual estado de Minas Gerais. No primeiro momento, como Salvador era a capital do país, a grande maioria dos africanos chegava ao porto da cidade, do qual eram vendidos e distribuídos para o Nordeste, principalmente para trabalhar nos engenhos de cana-de-açúcar. Segundo Boulos Júnior (2016), na época do plantio, os escravizados trabalhavam geralmente das 5 da manhã às 6 horas da tarde, e, na época da safra, durante as colheitas, chegavam a trabalhar 18 horas por dia. Na época da safra, as mulheres que eram escra- vizadas ajudavam os homens no cultivo da terra, na colheita e no transporte da cana-de-açúcar, além de empregadas no serviço doméstico, no cuidado com dos doentes e das crianças, na realização de partos e como amas de leite (BOULOS JÚNIOR, 2016). No segundo momento, a partir do final do século XVII e mais intensamente durante o século XVIII, a mão de obra escrava foi deslocada em grande medida para o Sudeste. Nas minerações de ouro e de diamante da Província das Minas Gerais, eram os negros que faziam todo o trabalho de minerar para encontrar os metais preciosos. Em uma cena desenhada por Rugendas, de uma mineração de ouro próxima ao Pico do Itacolomi, em Ouro Preto (MG), os negros são os protagonistas (Figura 1): vários homens e duas mulheres realizam a lavagem do minério para a obtenção do ouro. Eduardo França Paiva (2002), analisando o mesmo desenho, afirmou que, na cena, o couro de boi a contrapelo, a técnica das canoas e as bateias tinham migrados do universo do trabalho na África para o Brasil e integraram-se à administração, às técnicas de engenharia e ao sistema de premiação luso-brasileiros, como signos emblemáticos do encontro e da coexistência de culturas. Ainda, podemos ver as negras com os tabuleiros comercializando suas quitandas, mulheres que, segundo Paiva (2002), também eram interlocutoras de redes de informação, solidariedade e intrigas e que se transformaram em poderosas mediadoras culturais. 5A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão Figura 1. “Lavagem do minério de ouro próximo a montanha do Itacolomi (Ouro Preto)”, de Rugendas (1835). Fonte: Domingues (2016, documento on-line). Nas zonas urbanas, principalmente a partir do século XIX, homens e mu- lheres vendiam para seus donos as mais variadas mercadorias. Boulos Júnior (2016) escreveu que muitas das mulheres negras que vemos comercializando mercadorias nos desenhos de Debret e de Rugendas eram originárias de regiões da África com um grande número de comerciantes do sexo feminino, ou seja, houve uma transposição dos conhecimentos praticados na África para o Brasil, saber anterior que, conforme diversos estudos, como os de Paiva (2002), condicionou a utilização da mão de obra escravizada no país. A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão6 “Escravos de ganho” No século XIX, popularizou-se o uso da expressão “escravos de ganho”, que se referiam ao escravizado que atuava nas cidades e fazia todo tipo de trabalho (podiam ser carregadores, cesteiros, curadores e barbeiros), além de vender de tudo (leite, capim, quitandas, entre outras inúmeras mercadorias). Podiam ser alugados, emprestados ou realizar trabalhos por jornada (SCHWARCZ; GOMES, 2018). Nas cenas urbanas (Figura 2), os negros estavam em toda parte e em todos os lugares. Figura 2. “Pretos de ganho”, de Henry Chamberlain, 1822, Coleção Brasiliana Iconográfica. Fonte: Wikimedia (2019, documento on-line). Mesmo as pessoas mais pobres do início do século XIX das zonas urbani- zadas podiam ter um “escravo de ganho” para vender algo ou realizar tarefas a partir das quais o dono podia lucrar. 7A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão Nesse sentido, Alberto da Costa e Silva apontou que o regime escravista soube mudar de forma e adaptou-se a novas circunstâncias econômicas, já que em um mesmo espaço e momento histórico: [...] podia apresentar múltiplas feições, pois podiam ser diferentes os trabalhos, as condições de vida e as aflições dos que, escravizados, serviam na fazenda de café e na casa da cidade do senhor. E podia haver o caso de este ampliar suas rendas urbanas com escravos de ganho. Lembre-se ainda que ser cozinheira ou babá na casa de uma baronesa era diferente de pertencer a uma doceira cujas guloseimas ela vendia no mercado. Uma coisa era ser escravo de rico; outra, ser escravo de pobre (SCHWARCZ; GOMES, 2018, p. 12). Muitos escravizados conseguiram comprar sua alforria com a realização desses trabalhos nas zonas urbanas, a chamada coartação. Os “escravos de ganho”, as negras do tabuleiro, os jornaleiros e os demais escravizados que trabalhavam nas ruas das cidades experimentaram autonomia relativa, acumularam pecúlio e muitos, assim, conseguiram comprar suas alforrias e as de seus familiares (SCHWARCZ; GOMES, 2018). Coartação ou compra de alforria De acordo com Eduardo França Paiva (2018), a coartação era um antigo costume com força de lei que já vigorava na América espanhola desde o século XVI. A partir de um acordo negociado diretamente entre o escravo e seu senhor, acertava-se o valor da alforria, que seria pago em parcelas semestrais ou anuais, durante 3 ou 4 anos em média. Nesse período, o senhor se comprometia a não o vender, o alugar ou o reduzir ao cativeiro, permitindo-lhe andar pela região procurando trabalho e sendo remunerado por isso, como se fosse forro ou livre, embora permanecesse juridicamente escravo. O acerto poderia ser oral, baseado na confiança, constar em testamento ou, ainda, ser descrito detalhadamente em uma “carta de corte” assinada pelo senhor. As coartações resultaram em um grande número de alforrias, embora não se conheçam com precisão essas cifras. Ainda de acordo com Paiva (2018), nas áreas de mineração de Minas Gerais, houve alforrias concedidas como recompensa. Achados significativos de ouro e pedras preciosas foram agraciados com a libertação, e outros a receberam depois de delatar contrabandistas ou sonegadores de tributos. Fonte: Schwarcz e Gomes (2018). A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão8 Conforme Schwarcz e Gomes (2018), o século XIX caracterizou-se por uma escravidão urbana. E o que isso significa? Para os autores, a escravidão urbana representou no Brasil um capítulo à parte, visto que as especificidades da escravidão urbana, em termos da cultura material e social, criaram uma cultura urbana escravocrata, como no Rio de Janeiro, em que se construíram grandes e pequenas Áfricas ao longo do século XIX e até mesmo nas primeiras décadas republicanas. Em outras palavras, não existia nenhuma cidade no Brasil somente constituída por colonos europeus e brancos, mas, desde sempre, uma considerável incidência de população negra de muitas origens — basicamente africanos —, que marcaram o espaço urbano com suas identidades, linguajar, roupas e costumes (SCHWARCZ; GOMES, 2018). Os escravizados ocuparam as mais diferentes formas de trabalho para além dos grandes latifúndios de engenhos de cana-de-açúcar ou da cafeicultura. Nas cidades, eram mensageiros, carregadores,cozinheiros, quituteiros, bar- beiros, ferreiros, catadores de piolho, curandeiros, vendedores de comidas e bebidas (SCHWARCZ; GOMES, 2018); onde havia uma forma de trabalho, existia um negro para executá-la. 2 Princípios da Lei Bill Aberdeen e seus impactos no abastecimento de mão de obra escrava no Brasil Ao analisar o fim do tráfico de escravizados da África para a América, no século XIX, o professor Araújo (2018) concluiu que a Lei nº. 581, de 4 de setembro de 1850, que estabeleceu “medidas para a repressão do tráfico de africanos” no Império, representou o ápice de um longo processo (SCHWARCZ; GOMES, 2018). Para Araújo (2018), esse processo do fim do tráfico de africanos teria se iniciado em 26 de fevereiro de 1810, quando o então príncipe regente Dom João VI ratificou o Tratado de Amizade e Aliança com o Reino Unido. Des- favorável ao império luso, tal acordo inseria-se em um contexto de expan- são francesa no continente europeu, que resultou na invasão napoleônica de Portugal e na consequente vinda da família real para o Brasil, sob proteção inglesa (SCHWARCZ; GOMES, 2018). 9A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão No artigo X, do Tratado de Amizade e Aliança, Dom João VI se dizia “[...] plenamente convencido da injustiça e má política do comércio de escravos, e da grande desvantagem que nasce[ia] da necessidade de introduzir, e conti- nuamente renovar uma estranha, e factícia população para entreter o trabalho e indústria dos seus domínios do sul da américa [...]” (SCHWARCZ; GOMES, 2018, p. 241), ou seja, o Tratado contrariava os anseios dos escravocratas brasileiros, que utilizavam maciçamente a mão de obra escrava. Pelo fato de os interesses serem claramente conflitantes, o monarca escreveu no Tratado que utilizaria “[...] os mais eficazes meios para conseguir em toda a extensão de Seus Domínios uma gradual abolição do comércio de escravos [...]” (SCHWARCZ; GOMES, 2018, p. 242). Tratava-se de uma tentativa de balancear a expectativa dos ingleses para o fim da escravidão africana nas Américas e os interesses locais. Na prática, porém, o Tratado não eliminou o tráfico e o comércio de cativos, visto que, de acordo com Araújo (2018), entre 1810 e 1812 diversos navios negreiros pertencentes a negociantes estabelecidos na Bahia foram apreendidos pela marinha britânica. Uma nota do jornal Idade d’Ouro do Brazil, em sua edição de 22 de maio de 1812, publicou que: “[...] pela última embarcação, que chegou aqui da Costa da Mina sabemos, que os ingleses fazem boa presa em qualquer sítio da Costa sobre os nossos navios, que vão ao negócio dos escravos [...]” (SCHWARCZ; GOMES, 2018, p. 242). Em julho de 1817, novamente outro tratado foi assinado entre o monarca português e os britânicos, ratificando o que havia sido determinado anos antes, em 1815: o comércio de cativos só poderia ser desenvolvido ao sul da linha do Equador. No entanto, as constantes capturas de navios negreiros e os julgamentos ocorridos nos tribunais de Serra Leoa, de Londres e do Rio de Janeiro geraram mais protestos dos traficantes situados no Rio e na Bahia (SCHWARCZ; GOMES, 2018). Em 1822, o Brasil tornou-se independente de Portugal, com a instituição posterior de um Império sob o comando de Dom Pedro I. A partir disso, os antigos tratados metropolitanos foram desconsiderados, como os firmados com o Reino Unido, embora esse entendimento tenha sido contestado por britânicos e pelas demais autoridades envolvidas no combate ao comércio de africanos (SCHWARCZ; GOMES, 2018). De acordo com Araújo (2018), a despeito da grande pressão britânica, as negociações se arrastaram até 1825, quando o novo Império foi reconhecido como nação independente por Portugal. Em 1826, o Brasil aceitou as condições impostas pela Convenção Adicional de 1817, que decretava o fim do tráfico de cativos africanos a partir de 1830 (SCHWARCZ; GOMES, 2018). A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão10 A primeira lei que aprovou a proibição do tráfico de africanos para o Brasil no Parlamento brasileiro foi promulgada em 7 de novembro de 1831, contudo Araújo (2018) relata que estimativas contabilizam a entrada de cerca de 470 mil africanos, via tráfico ilegal, no período de 1831 a 1845. Quando esses africanos eram capturados pelas autoridades, eram considerados “africanos livres”. De acordo com a Lei de 1831, foi criada uma categoria especial de trabalhadores, os quais não eram cativos nem livres de fato, que, embora considerados “livres”, foram tutelados pelo governo brasileiro, que explorou compulsoriamente seus serviços até 1864 (SCHWARCZ; GOMES, 2018). Conforme Araújo (2018), para que esse comércio clandestino e ilegal se efetivasse, havia uma rede de proteção ao comércio negreiro, que contava com a conivência das autoridades responsáveis por sua repressão, além da aceitação e da ajuda da população local. Para o autor, no Brasil a manutenção do comércio de escravizados era imprescindível para o bom funcionamento da economia (SCHWARCZ; GOMES, 2018). Segundo Queiroz (1981), no fim da década de 1840, o tráfico atingiu níveis sem precedentes. A procura por africanos não dava sinais de diminuir e, com o alto preço que alcançavam, o negócio tornou-se mais lucrativo que nunca. Lei Bill Aberdeen, de 1845 Com todos os impedimentos legais descritos, que não se efetivaram para im- pedir o trânsito atlântico de negros africanos a serem escravizados no Brasil, chegamos aos meados do século XIX. As discussões entre os abolicionistas e aqueles que não aceitavam o fim da escravidão se acaloravam, aumentando a tensão. Araújo (2018) relata que, a partir de 1845, a luta dos britânicos contra o comércio de africanos perdeu força. De acordo com o tratado de 1817, ratificado em 1826, a marinha britânica e suas comissões mistas não tinham mais com- petência para apreender e julgar embarcações de escravizados com a bandeira brasileira. Em março de 1845, a subcomissão de Assuntos Estrangeiros do Conselho de Estado, composta pelo marquês de Monte Alegre, Bernardo Pereira de Vasconcelos, e Hermeto Carneiro Leão, decidiu, de maneira unilateral, que o tratado de 1817 se extinguira e que o Brasil ficava fora da interferência britânica (SCHWARCZ; GOMES, 2018). Em 1845, Lord Aberdeen, secretário de Assuntos Estrangeiros, conseguiu aprovar no Parlamento Britânico a Lei Bill Aberdeen, que concedia à marinha britânica poderes para aprisionar navios negreiros brasileiros em qualquer lugar do Atlântico, inclusive em águas nacionais, e de julgá-los como piratas 11A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão nos tribunais ingleses (SCHWARCZ; GOMES, 2018). Em agosto de 1845, a Lei Bill Aberdeen entrou em vigor. Entre 1808 e 1860, o West African Squadron capturaria aproximadamente 1.600 navios negreiros, libertando cerca de 150 mil escravizados encontrados a bordo dos navios. Sob pressão britânica, foi declarada a abolição do tráfico africano para o Império Otomano (LAGO, 2014). Segundo Lago (2014), na década de 1840, e, com mais vigor, a partir da Lei Bill Aberdeen, o tráfico de escravizados se intensificou: durante a década de 1840, entraram no porto do Rio de Janeiro e em áreas vizinhas mais de 200 mil escravizados, cujo destino era a própria capital ou as províncias do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais. De acordo com Lago (2014, p. 80): […] em 1850-1, segundo números oficiais reportados pelo Secretário da Le- gação Britânica, a província do Rio de Janeiro contava 556.080 habitantes, dos quais 293.554 eram listados como escravos. Esses números podem estar um pouco exagerados, mas indicam um aumento notável do número absoluto da população escrava da província desde a Independência, confirmado por dados de 1856. Diante desses números e dados, podemos concordar que, mesmo com as proibições internacionais e a pressão da Reino Unido, o Brasil mantinha o tráfico de africanos de modo a atendera demanda interna por esse tipo de mão de obra. Para Lago (2014), a proibição do tráfico de escravizados africanos se deu em uma época de rápida expansão do setor cafeeiro. Embora tenha ocorrido grande importação de africanos no final da década de 1840, um de seus primeiros efeitos foi o aumento do preço dos escravizados, que, após 1854, em termos nominais, chegou a 2,5 vezes seu nível de 1850 (LAGO, 2014). Lei Eusébio de Queiroz — Lei nº. 581, de 4 de setembro de 1850 Diante do contexto da pressão inglesa sobre o Brasil, do aumento do tráfico ilegal e da demanda interna por mão de obra escrava, foi promulgada, em 4 de setembro de 1850, a Lei nº. 581, conhecida como Lei Eusébio de Queiroz. A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão12 De acordo com Grinberg e Mattos (2012), o quadro da promulgação dessa lei era de tensão internacional crescente. Além de extinguir definitiva- mente o comércio de africanos e reprimir as tentativas de burlar a proibição, embora existam registros da entrada ilegal de embarcações até 1856, a intenção principal da lei era legitimar a entrada de todos os africanos trazidos após 1831, estimados em mais de 1 milhão de pessoas, que haviam chegado depois da proibição de manter o tráfico atlântico (GRINBERG; MATTOS, 2012). Para Araújo (2018), além da questão da soberania, o governo jamais se “esqueceu” de dar guarida aos interesses senhoriais na manutenção da es- cravidão, insistindo na legalidade da posse de cativos que entraram no país após a Lei de 1831, motivo pelo qual o então ministro da Justiça, Eusébio de Queirós Coutinho Mattoso da Câmara, propôs a retomada da discussão. O que estava em jogo era garantir a posse dos escravizados entrados no Brasil ilegalmente a partir de 1831 (SCHWARCZ; GOMES, 2018). Eusébio de Queiroz Coutinho Mattoso da Câmara (1812–1868) Nascido em São Paulo de Luanda, Angola, em 27 de dezembro de 1812, e filho de Catarina Mattoso de Queirós Câmara e Eusébio de Queirós Coutinho e Silva, ouvidor- -geral da comarca de Luanda, mudou-se para o Rio de Janeiro em 1815 com sua família e, depois, para Pernambuco em 1821, onde frequentou o Seminário de São José (1826–1827) e a Faculdade de Olinda, formando-se em direito em 1832. Segundo Araújo (2018), Eusébio de Queirós já havia exercido o cargo de chefe de polícia da corte entre 1833 e 1844 (com breve interrupção em 1840). Durante a sua gestão, houve inúmeros desembarques clandestinos de africanos no litoral do Rio de Janeiro. Inclusive, a correspondência trocada entre Queirós e o ministro da Justiça Bernardo Pereira de Vasconcelos comprova a naturalidade com que as autoridades brasileiras burlavam as determinações, com a conivência de todos. Sem nenhum disfarce, admitiam que mais de 90 navios vindos da costa africana teriam entrado na capital do Império somente no ano de 1837. Já o secretário de Assuntos Estrangeiros da Reino Unido, Lord Palmerston, denunciava que na província do Rio de Janeiro, apenas naquele ano, aportaram clandestinamente 46 mil africanos. Fonte: Schwarcz e Gomes (2018). 13A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão Ainda conforme Araújo (2018), após a promulgação da Lei de 1850, o governo imperial estabeleceu uma rede de repressão aos desembarques clandestinos que se mostrou eficaz. Mas, mesmo diante dessa nova conjuntura, a marinha britânica continuou a fiscalizar as águas territoriais brasileiras. Entre 1850 e 1856, ano da última apreensão de que se tem registro, ainda entraram no país mais de 38 mil africanos, que correspondem a cerca de 5% das mais de 700 mil pessoas entradas ilegalmente no Brasil entre 1831 e 1849 (SCHWARCZ; GOMES, 2018). A Lei de 1850 promoveu mudanças significativas na economia do Império brasileiro e no sistema escravista. Os capitais antes concentrados no “infame comércio” migraram para investimentos em títulos, ações, empreendimentos imobiliários e na expansão de diversos processos produtivos, como a lavoura cafeeira, provocando o deslocamento do eixo econômico do Nordeste para o Sudeste. Assim, tais mudanças desenvolveram um tráfico interno de escravi- zados: o assim chamado tráfico interprovincial (SCHWARCZ; GOMES, 2018). 3 Diferentes arranjos e características do tráfico interno de escravizados Após a promulgação da Lei de 1850, o sistema escravista no Brasil ainda duraria 38 anos. Segundo Schwarcz e Gomes (2018), até 1850 o tráfico de almas permaneceu regular, porém, depois dessa data e passados alguns anos de comércio ilegal, a entrada de africanos finalmente se restringiu — no en- tanto, o tráfico interno de escravizados continuou a funcionar, e a todo vapor. Para Lago (2014), o fim do tráfico da África para o Brasil trouxe consequ- ências para o Nordeste brasileiro, levando a um crescente emprego de mão de obra livre na produção de açúcar e de algodão e a significativas exportações interprovinciais de escravizados, principalmente para a região cafeeira, na região Sudeste. A cafeicultura mudaria a paisagem geográfica e cultural, com a riqueza agora se concentrando no Sudeste e tendo o Rio de Janeiro como capital não somente política, mas também social e cultural (SCHWARCZ; GOMES, 2018). Nesse cenário, os cafeicultores necessitavam da mão de obra escrava para tocar seus empreendimentos operados em latifúndios. A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão14 O tráfico interno ou interprovincial no Brasil redistribuiu a mão de obra escrava em volumes significativos durante todo o século XIX (ALPERS, 2018). A nova demanda por mão de obra escrava nas fazendas de café no interior do Rio e de São Paulo e nas minas de Minas Gerais deslocou os escravizados no território nacional (SCHWARCZ; GOMES, 2018), sobretudo do Nordeste para o Sudeste, mas também para o Sul, região onde estavam em menor quantidade. Ainda, segundo Alpers (2018), essa dispersão interna ocorrida no século XIX explica a presença de uma dança folclórica chamada “moçambique”, intimamente associada ao Dia de São Benedito (1524–1589, beatificado em 1763), em São Paulo, onde parece ter surgido, e depois se difundindo para Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Rio Grande do Sul (SCHWARCZ; GOMES, 2018). Lago (2014, p. 311), citando Robert Slenes, referenciou que “[...] o impacto do tráfico inter-regional sobre as populações escravas do Centro-Sul e de outras regiões do Brasil foi [...] consideravelmente menor nas décadas de 1850 e de 1860 do que na década de 1870 [...]”, com a estimativa de que cerca de 110 mil escravizados entraram no “Centro-Sul” (que corresponde à região cafeeira do Sudeste) no período de 1851 a 1872, além de 90 mil de 1873 a 1881, perfazendo um total de 200 mil escravizados no período entre 1851 e 1881 (LAGO, 2014). Segundo Grinberg e Mattos (2012), a extinção do tráfico desencadeou profundas mudanças nas estruturas demográficas, políticas, sociais e econô- micas brasileiras, com efeitos diretos no processo de abolição da escravidão no Brasil, em 1888. A principal delas foi o incremento do tráfico interno (ou tráfico interprovincial), com a venda em massa de escravizados das pro- víncias do Nordeste, em decadência econômica, para a região do Centro-Sul, em plena expansão cafeeira, que, inclusive, provocou desequilíbrio entre as províncias no que se refere ao próprio apoio à ordem escravista (GRINBERG; MATTOS, 2012). Características e arranjos do tráfico interno Na década de 1830, a produção cafeeira passou a ser a mais lucrativa exportação do país, exigindo uma crescente reserva de mão de obra (QUEIROZ, 1981). Mas, como a Lei Eusébio de Queiroz deteve de súbito a entrada anual de mi- lhares de indivíduos no país, o preço dos escravizados subiu vertiginosamente. No Nordeste, em crise constante pela aguda competição que sofria no exterior, a solução foi começar a vender os cativos para os locais onde havia demanda, o Sudeste (QUEIROZ, 1981). 15A proibição do tráfico no Atlânticoe a manutenção da escravidão Desse modo, intensificou-se o comércio interno, e o Nordeste tornou- -se o grande centro abastecedor de negros escravizados (QUEIROZ, 1981). Em 1874, mais da metade de todos os cativos do Brasil vivia nas províncias do café, proporção que seria de dois terços 10 anos depois (1884). O tráfico interno provincial criou rapidamente uma vasta rede de interesses e, embora não haja muitas pesquisas sobre o assunto, as raras descrições a res- peito sugerem a continuidade de muitas das brutais características do comércio negreiro com a África: maridos foram separados de suas mulheres e filhos, as famílias que tinham se constituído nos cativeiros foram desagregadas, os arranjos familiares entre os cativos foram brutalmente afetados, e, quando transportados por mar, eram amontoados nas proas dos navios, expostos ao sol e à chuva (QUEIROZ, 1981). Conforme Chalhoub (1990), o tráfico interno deslocou para o Sudeste milhares de escravizados que se viram bruscamente arrancados de seus locais de origem, da companhia de seus familiares e do desempenho das tarefas as quais estavam acostumados. Em contrapartida, muitos desses negros reagiram agredindo seus novos senhores, atacando os donos das casas de comissões (lojas de compra e venda de escravizados), provocando brigas ou desordens que impedissem sua ida para as fazendas de café, bem como outros fugiram procurando retornar à sua província de origem (CHALHOUB, 1990). No entendimento de Chalhoub (1990), a transferência em peso de escravi- zados por meio do tráfico interprovincial, especialmente na década de 1870, aumentou bastante a tensão social nas províncias do Sudeste. Muitos dos negros transferidos, em geral jovens e nascidos no Brasil, com no máximo filhos ou netos de africanos que haviam sofrido a experiência do tráfico transatlântico, estavam passando por uma primeira experiência mais traumática dentro da escravidão. Ao serem separados de familiares e amigos e de suas comunidades de origem, esses escravizados teriam provavelmente de se habituar ainda com tipos e ritmos de trabalho que lhes eram desconhecidos (CHALHOUB, 1990). A maioria dos cativos vendidos no tráfico interprovincial não provinha de áreas de plantation do Nordeste, e sim de áreas urbanas ou de regiões de atividades agrícolas não voltadas para a exportação, contexto em que as experiências e informações circulavam entre os cativos (CHALHOUB, 1990). Analisando a documentação do período, sobretudo os processos cíveis e criminais, Chalhoub (1990) afirma que, a julgar pela presença constante de negros provenientes de outras províncias na Corte, muitos escravizados conseguiram permanecer na cidade e impedir ou inverter parte do percurso que os colocaria sob o domínio dos feitores das fazendas de café do interior (CHALHOUB, 1990). A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão16 Como os preços dos escravizados subiram rapidamente com a proibição efetiva da importação de africanos, se, até 1850, a propriedade escrava era acessível ao conjunto da população livre, incluindo até mesmo libertos e lavradores pobres, a partir de então o acesso à posse de escravizados ficou restrito aos grandes proprietários, que se dedicavam à agricultura de expor- tação (GRINBERG; MATTOS, 2012). Nesse sentido, podemos notar como a configuração da distribuição dos escravizados foi se alterando em meados do século XIX e décadas anteriores à abolição (1888). Nas décadas de 1870/1880, segundo Queiroz (1981), começa a haver um esgotamento dos escravizados transferidos de outras províncias para o Su- deste. Com isso, a população escravizada começou a diminuir rapidamente, ora ceifada pelo tempo, ora pela baixa expectativa de vida e pelas práticas cruéis que a escravidão exercia. Ainda, o número de homens era maior que o de mulheres e não lhes sobrava estímulo algum para se reproduzirem nas condições em que viviam (QUEIROZ, 1981). Segundo Grinberg e Mattos (2012), a legitimidade do regime de trabalho escravo foi fortemente abalada em 1850, intensificando-se, assim, os protestos internos para a abolição do sistema de escravidão. Uma cisão estava desenhada: o Nordeste não dispunha mais de uma significativa mão de obra escrava, motivo pelo qual passou a apoiar a abolição; já os cafeicultores eram ferrenhos defensores do sistema, para a manutenção de sua atividade. Lei do Ventre Livre, 1871 Nesse cenário de tráfico interprovincial, em 1871 foi instituída a Lei do Ventre Livre, que determinou que, a partir de então, ninguém mais nascia escravo no país. A Lei nº. 2.040, de 28 de setembro de 1871, também chamada Lei Rio Branco ou “Lei do Ventre Livre”, declarou livres os filhos de mulheres escravizadas nascidos após aquela data e determinava o registro dos escra- vizados (LAGO, 2014). Segundo Grinberg e Mattos (2012), naquele momento a legitimidade da escravidão teria caído definitivamente por terra. No contexto internacional, a guerra civil norte-americana tinha chegado ao fim, com a aprovação da emenda para libertação de todos os escravizados (1865), isolando o Brasil como a única nação escravista das Américas. 17A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão O primeiro grande censo nacional, de 1872, estimou a população brasi- leira total em 10,1 milhões de habitantes, sendo pouco mais de 1,5 milhão de escravizados, cerca de 15% da população total. O Rio de Janeiro tinha 275 mil habitantes, Salvador, 129 mil, e Recife, 117 mil (LAGO, 2014), dados que nos dão uma dimensão da população e da configuração dessa população no Brasil da segunda metade do século XIX. A Lei do Ventre Livre foi seguida pela lei que libertava os Sexagená- rios — em 28 de setembro de 1885, aniversário da Lei do Ventre Livre, que ainda não tinha sido plenamente implementada, aprovou-se a Lei nº. 3.270, a Saraiva-Cotegipe, a Lei dos Sexagenários (GRINBERG; MATTOS, 2012). O fim do tráfico interno de escravizados se deu na década de 1880, quando pesados impostos foram instituídos para proibir o comércio dos cativos. Para Chalhoub (1990), um dos argumentos residia no fato de que seria preciso evitar o crescente desequilíbrio entre as províncias do Norte e do Sul no que diz respeito à presença da escravidão (CHALHOUB, 1990). Nesse período, na província de São Paulo, um grupo de fazendeiros novos e progressistas resolveu acabar com o comércio interprovincial de escravizados porque estava decidido a rejeitar a escravidão em favor do trabalho livre, contudo esse argumento tem sido relativizado pela historio- grafia (CHALHOUB, 1990). ALPERS, E. Africanos orientais. In: SCHWARCZ, L. M.; GOMES, F. (org.). Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. ARAÚJO, C. E. M. Fim do tráfico. In: SCHWARCZ, L. M.; GOMES, F. (org.). Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. BOULOS JÚNIOR, A. História, sociedade e cidadania. São Paulo: FTD, 2016. v. 2. CHALHOUB, S. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. DEBRET, J. B. Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. São Paulo: Livraria Martins, 1979. DOMINGUES, J. E. A mineração sob o olhar de Rugendas: leitura de imagem. 2016. Dis- ponível em: https://ensinarhistoriajoelza.com.br/mineracao-sob-olhar-de-rugendas/. Acesso em: 16 jul. 2020. GRINBERG, K.; MATTOS, H. Escravidão e tráfico de escravizados. São Paulo: Secretaria de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores, 2012. A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão18 KLEIN, H. S. Demografia da escravidão. In: SCHWARCZ, L. M.; GOMES, F. (org.). Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. LAGO, L. A. C. Da escravidão ao trabalho livre: Brasil, 1550-1900. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. MATTOS, H.; GRINBERG, K. O comércio ilegal de africanos escravizados.[2015]. Disponível em: http://www.pensario.uff.br/mapa/comercio-ilegal-de-africanos-escravizados. Acesso em: 16 jul. 2020. PAIVA, E. F. Bateias, carumbés, tabuleiros: mineração africana e mestiçagem no Novo Mundo. In: PAIVA, E. F.; ANASTASIA, C. M. J. (org.). O trabalho mestiço: maneiras de pensar e formas de viver: séculos XVI a XIX. São Paulo: Annablume, 2002. QUEIROZ, S. R. R. A abolição da escravidão. São Paulo: Brasiliense, 1981. (Coleção Tudo é História). SCHWARCZ, L. M.; GOMES, F. (org.). Dicionário da escravidão e liberdade: 50 textos críticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. SLENES, R. Na senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava: Brasil Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. WIKIMEDIA. Pretos de ganho. 2019. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/ File:Pretos_de_Ganho_(1),_da_Cole%C3%A7%C3%A3o_Brasiliana_Iconogr%C3%A1fica. jpg. Acesso em: 16 jul. 2020. Leituras recomendadas AZEVEDO, C. M. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites (século XIX). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. BARATA, A. M. Maçonaria, sociabilidade ilustrada e independência (Brasil, 1790-1822). São Paulo: Annablume, 2006. CASTRO, H. M. M. Ao sul da história: lavradores pobres na crise do trabalho escravo. São Paulo: Brasiliense, 1987. CHALHOUB, S. A força da escravidão: ilegalidade e costume no Brasil Oitocentista. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. CONRAD, R. Os últimos anos da escravatura no Brasil: 1850-1888. Rio de Janeiro: Civili- zação Brasileira, 1978. COSTA, E. V. Da monarquia à república: momentos decisivos. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1979. COSTA, E. V. Da senzala à colônia. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1982. COSTA, W. P. C.; OLIVEIRA, C. H. S. (org.). De um império a outro: formação do Brasil, séculos XVIII e XIX. São Paulo: Hucitec, 2007. 19A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. EISENBERG, P. Homens esquecidos: escravos e trabalhadores livres no Brasil: séculos XIX e XX. Campinas: UNICAMP, 1989. GOMES, F. Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro: século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1993. GORENDER, J. A escravidão reabilitada. São Paulo: Ática, 1990. GORENDER, J. O escravismo colonial. 6. ed. São Paulo: Ática, 2004. JANCSÓ, I. (org.). Independência: história e historiografia. São Paulo: Hucitec, 2005. LABORATÓRIO DE HISTÓRIA ORAL E IMAGEM. Memórias, África, escravidão. [2020]. Dis- ponível em: http://www.labhoi.uff.br/linha-de-pesquisa/memoria-africas-escravidao. Acesso em: 16 jul. 2020. LEITE, R. L. Republicanos e libertários: pensadores radicais no Rio de Janeiro (1822). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000. MAGAHÃES, C. M. Escravos e libertos: homens de ocupações no século XIX. O Olho da História, [s. l.], n. 10, p. 1–12, 2008. MALERBA, J. (org.). A independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro: FGV, 2006 MALERBA, J. A corte no exílio: interpretação do Brasil Joanino (1808-1821). São Paulo: Companhia das Letras, 2000. PIMENTA, J. P. Estado e Nação no fim dos Impérios Ibéricos no Prata (1808-1828). São Paulo: Hucitec, 2002. PROENÇA, M. C. A Independência do Brasil. Lisboa: Colibri, 1999. A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão20
Compartilhar