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Proibição do tráfico e manutenção da escravidão no Brasil Império

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HISTÓRIA DO BRASIL 
IMPÉRIO
Cristiane Maria Magalhães
A proibição do tráfico no 
Atlântico e a manutenção 
da escravidão
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
 � Descrever o contexto e os usos da mão de obra escrava no Brasil.
 � Identificar os princípios da Lei Bill Aberdeen e seus impactos no abas-
tecimento de escravos no Brasil.
 � Reconhecer os diferentes arranjos e as características do tráfico interno 
de escravos.
Introdução
“Nos cubículos dos negros, jamais vi uma flor: é que lá não existem nem 
esperanças nem recordações [...]” (SLENES, 1999, p. 26): foi com esta frase 
que Robert Slenes iniciou o seu livro clássico sobre a história da escravidão 
no século XIX, “na senzala, uma flor”, citando o viajante Charles Ribeyrolles 
(1812–1860). No silêncio das senzalas, longe da terra natal e de tudo que 
remetia às suas raízes, o africano precisou aprender a se adaptar no Brasil. 
Nas senzalas, não havia esperança, tampouco futuro; o presente era de 
trabalho e de castigos, de fome e de doenças. Não havia horizontes nas 
senzalas, e o que dizer de algo tão delicado quanto uma flor. 
Antes de iniciarmos o capítulo, precisamos repensar maneira 
como a escravidão africana no Brasil (e no mundo) tem sido abordada. 
Em geral, os africanos trazidos à força ao longo de mais de três séculos 
em travessias longínquas são referenciados de modo reducionista apenas 
como “escravos”. Porém, se refletirmos, veremos que os negros africanos 
não eram “escravos”, pois não nasceram assim. Escravo não é uma raça 
ou origem étnica de nenhum povo. Os africanos eram seres humanos — 
assim como eu e você —, que foram escravizados pelos europeus que 
acreditavam ser superiores a outros povos, pelo uso da força. 
Neste capítulo, portanto, referenciaremos esses seres humanos que 
foram cruelmente arrancados de sua terra, suas gentes e suas origens 
e raízes para serem vendidos como mercadorias e trabalhar incessan-
temente até a morte como “pessoas escravizadas” ou “escravizados”, 
e não “escravos”: isso para nos lembrarmos dessa condição desumana e 
não normalizarmos uma situação que não tinha nada de normalidade. 
Neste capítulo, você conhecerá os contextos e os usos da mão de obra 
escrava no Brasil, no século XIX, além de compreender os princípios da Lei 
Bill Aberdeen e seus impactos no abastecimento de pessoas escravizadas 
no país. Com a proibição da importação de mão de obra escrava, foram 
necessários diferentes arranjos, com características distintas, para o tráfico 
interno de escravizados, como veremos a seguir. 
1 Contextos e usos da mão de obra escrava 
no Brasil no século XIX
No início do século XIX, o deslocamento da família Real portuguesa e de sua 
comitiva para a cidade do Rio de Janeiro, em 1808, impulsionou a urbanização 
não apenas da capital da Corte, mas também das principais capitais brasileiras, 
permitindo, ainda, a Abertura dos Portos às Nações Amigas, autorizada por 
Dom João de Bragança (Dom João VI) no dia 28 de janeiro de 1808. Esse 
evento possibilitou a entrada no Brasil de diversos profissionais estrangeiros, 
como botânicos, engenheiros, etc., entre os quais estavam os artistas que 
vieram a partir de 1816, com a criação da Academia Imperial de Belas Artes 
(AIBA), no Rio de Janeiro. 
Esses profissionais, como o botânico Auguste de Saint-Hilaire (1779–1853), 
produziram interessantes narrativas sociais e do cotidiano do Brasil, escassas 
antes do século XIX, como inúmeros desenhos, que nos permitiram conhecer 
as paisagens e as gentes daquele momento da história. Entre esses viajan-
tes, estavam Jean-Baptiste Debret (1768–1848) e Johann Moritz Rugendas 
(1802–1858), assim como Charles Ribeyrolles, citado no início do capítulo. 
Ao observar o cotidiano brasileiros na primeira metade do século XIX, 
o francês Debret (1979, p. 85) escreveu que: 
A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão2
[...] tudo assenta pois, neste país, no escravo negro; na roça, ele rega com 
seu suor as plantações do agricultor; na cidade, o comerciante fá-lo carregar 
pesados fardos; se pertence ao capitalista é como operário ou na qualidade 
de moço de recados que aumenta a renda senhor [...].
Em todo o território colonial, o uso da mão de obra escrava era majoritário 
e os escravizados trabalhavam em distintas ocupações (BOULOS JÚNIOR, 
2016); onde houvesse trabalho, ali também estaria um negro escravizado. 
Estima-se que cerca de 11 milhões de africanos deixaram a costa da África 
rumo à América entre 1500 e 1867, dos quais 4,8 milhões desembarcaram no 
Brasil (BOULOS JÚNIOR, 2016). 
Para Mattos e Grinberg (2015), a criação do rentável comércio de tráfico 
atlântico de escravizados foi responsável pela migração forçada de, no mí-
nimo, 11 milhões de africanos para o continente americano. Esse modelo de 
escravidão humana teria provocado uma modificação radical na organização 
da escravidão africana que existia antes da chegada dos europeus, e, ao mesmo 
tempo, possibilitou a criação da escravidão moderna nas Américas. Para as 
autoras, as formas de escravidão anteriormente existentes na África, nas socie-
dades muçulmanas ou nas tradicionais africanas, eram, entretanto, diferentes 
do regime de trabalho escravo criado pelos europeus, após o estabelecimento 
das primeiras plantations de açúcar pelos portugueses nas ilhas do Atlântico 
e, depois, nas Américas (GRINBERG; MATTOS, 2012).
A migração forçada de africanos para o Brasil, em termos de idade e 
gênero, foi principalmente de homens adultos, já que cerca de dois terços dos 
escravizados que chegaram eram do sexo masculino, três quartos dos quais 
adultos (SCHWARCZ; GOMES, 2018). Na base desse sistema de escravidão 
humana, estava a necessidade do “[...] colonialismo europeu de alavancar a 
mineração e a agricultura comercial nas colônias espanholas e portuguesas 
[...]” (SCHWARCZ; GOMES, 2018, p. 50). Desse modo, não se pode dissociar 
o tráfico atlântico da demanda por mão de obra, sobretudo depois do declínio 
demográfico dos povos originários dos territórios ocupados pelos europeus 
na América, com sua exterminação em massa. 
De acordo com Klein (2018), o Brasil foi o maior receptor de africanos 
a serem escravizados na América, tendo somado pelo menos 4,8 milhões 
de pessoas até 1850. No século XVI, havia, para o autor, um pequeno fluxo 
de africanos trazidos por traficantes portugueses: a média anual elevou-se, 
3A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão
progressivamente, de cerca de mil no século XVII para 13 mil no XVIII, alcan-
çando a média de 35 mil pessoas na primeira metade do XIX (SCHWARCZ; 
GOMES, 2018). E foi justamente quando a média de entrada de africanos 
atingiu seu ápice que leis internacionais passaram a proibir o trânsito atlântico 
de pessoas a serem escravizadas, como veremos adiante. 
Nas terríveis viagens de travessia, que duravam não menos que 40 dias, 
muitos morriam no trajeto, de inanição ou desidratação, pelas péssimas con-
dições da viagem nos navios. Considerando o porto da cidade do Rio de 
Janeiro, partindo da Costa da Mina, as viagens duravam 45 dias, de 33 a 
40 dias a partir das regiões do Congo-Angola e cerca de 75 dias partindo de 
Moçambique (BOULOS JÚNIOR, 2016). 
Os escravizados, que eram vendidos como mercadorias nas feiras e 
distribuídos para todo o território colonial, traziam consigo saudades, mas 
também parte de sua cultura, religiosidade, conhecimentos do trabalho, 
modos de viver e de expressar, como palavras, gingado e danças e a força 
de trabalho tão necessária em um continente inteiro a ser explorado e res-
significado pelo europeu. 
Vale ressaltar que a intensa utilização da mão de obra de negros escravizados 
no Brasil levou a uma inversão de valores, visto que o trabalho passou a ser 
visto como desonroso e inferior pelas pessoas livres, tornando-se algo que o 
“escravo” fazia (BOULOS JÚNIOR, 2016). 
Boulos Júnior (2016) ainda destaca a alimentação queera destinada aos 
negros, escassa e pobre em proteínas. Diariamente, eles recebiam uma cuia 
de feijão com gordura ou toucinho com uma porção de farinha de milho ou de 
trigo, mas não eram oferecidas frutas. Em algumas propriedades, os negros 
podiam cultivar seus próprios alimentos e negociar as sobras. O excesso de 
trabalho aliado aos maus-tratos e à alimentação precária fazia com que sérios 
problemas de saúde afetassem os escravizados, como anemias, diabetes, 
hipertensão e envelhecimento precoce (BOULOS JÚNIOR, 2016), resultando 
em uma baixa expectativa para um negro escravizado. 
A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão4
Usos da mão de obra escravizada no Brasil 
Podemos dividir a utilização da mão de obra escrava em dois momentos da 
história colonial no Brasil: o antes e o depois das descobertas das minas no 
atual estado de Minas Gerais. No primeiro momento, como Salvador era a 
capital do país, a grande maioria dos africanos chegava ao porto da cidade, 
do qual eram vendidos e distribuídos para o Nordeste, principalmente para 
trabalhar nos engenhos de cana-de-açúcar. Segundo Boulos Júnior (2016), 
na época do plantio, os escravizados trabalhavam geralmente das 5 da manhã 
às 6 horas da tarde, e, na época da safra, durante as colheitas, chegavam a 
trabalhar 18 horas por dia. Na época da safra, as mulheres que eram escra-
vizadas ajudavam os homens no cultivo da terra, na colheita e no transporte 
da cana-de-açúcar, além de empregadas no serviço doméstico, no cuidado 
com dos doentes e das crianças, na realização de partos e como amas de leite 
(BOULOS JÚNIOR, 2016). 
No segundo momento, a partir do final do século XVII e mais intensamente 
durante o século XVIII, a mão de obra escrava foi deslocada em grande medida 
para o Sudeste. Nas minerações de ouro e de diamante da Província das Minas 
Gerais, eram os negros que faziam todo o trabalho de minerar para encontrar 
os metais preciosos. 
Em uma cena desenhada por Rugendas, de uma mineração de ouro próxima 
ao Pico do Itacolomi, em Ouro Preto (MG), os negros são os protagonistas 
(Figura 1): vários homens e duas mulheres realizam a lavagem do minério 
para a obtenção do ouro. Eduardo França Paiva (2002), analisando o mesmo 
desenho, afirmou que, na cena, o couro de boi a contrapelo, a técnica das 
canoas e as bateias tinham migrados do universo do trabalho na África para o 
Brasil e integraram-se à administração, às técnicas de engenharia e ao sistema 
de premiação luso-brasileiros, como signos emblemáticos do encontro e da 
coexistência de culturas. Ainda, podemos ver as negras com os tabuleiros 
comercializando suas quitandas, mulheres que, segundo Paiva (2002), também 
eram interlocutoras de redes de informação, solidariedade e intrigas e que se 
transformaram em poderosas mediadoras culturais. 
5A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão
Figura 1. “Lavagem do minério de ouro próximo a montanha do Itacolomi (Ouro 
Preto)”, de Rugendas (1835).
Fonte: Domingues (2016, documento on-line).
Nas zonas urbanas, principalmente a partir do século XIX, homens e mu-
lheres vendiam para seus donos as mais variadas mercadorias. Boulos Júnior 
(2016) escreveu que muitas das mulheres negras que vemos comercializando 
mercadorias nos desenhos de Debret e de Rugendas eram originárias de 
regiões da África com um grande número de comerciantes do sexo feminino, 
ou seja, houve uma transposição dos conhecimentos praticados na África para 
o Brasil, saber anterior que, conforme diversos estudos, como os de Paiva 
(2002), condicionou a utilização da mão de obra escravizada no país. 
A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão6
“Escravos de ganho”
No século XIX, popularizou-se o uso da expressão “escravos de ganho”, que 
se referiam ao escravizado que atuava nas cidades e fazia todo tipo de trabalho 
(podiam ser carregadores, cesteiros, curadores e barbeiros), além de vender 
de tudo (leite, capim, quitandas, entre outras inúmeras mercadorias). Podiam 
ser alugados, emprestados ou realizar trabalhos por jornada (SCHWARCZ; 
GOMES, 2018). Nas cenas urbanas (Figura 2), os negros estavam em toda 
parte e em todos os lugares. 
Figura 2. “Pretos de ganho”, de Henry Chamberlain, 1822, Coleção Brasiliana Iconográfica.
Fonte: Wikimedia (2019, documento on-line).
Mesmo as pessoas mais pobres do início do século XIX das zonas urbani-
zadas podiam ter um “escravo de ganho” para vender algo ou realizar tarefas 
a partir das quais o dono podia lucrar. 
7A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão
Nesse sentido, Alberto da Costa e Silva apontou que o regime escravista 
soube mudar de forma e adaptou-se a novas circunstâncias econômicas, 
já que em um mesmo espaço e momento histórico: 
[...] podia apresentar múltiplas feições, pois podiam ser diferentes os trabalhos, 
as condições de vida e as aflições dos que, escravizados, serviam na fazenda de 
café e na casa da cidade do senhor. E podia haver o caso de este ampliar suas 
rendas urbanas com escravos de ganho. Lembre-se ainda que ser cozinheira 
ou babá na casa de uma baronesa era diferente de pertencer a uma doceira 
cujas guloseimas ela vendia no mercado. Uma coisa era ser escravo de rico; 
outra, ser escravo de pobre (SCHWARCZ; GOMES, 2018, p. 12).
Muitos escravizados conseguiram comprar sua alforria com a realização 
desses trabalhos nas zonas urbanas, a chamada coartação. Os “escravos 
de ganho”, as negras do tabuleiro, os jornaleiros e os demais escravizados 
que trabalhavam nas ruas das cidades experimentaram autonomia relativa, 
acumularam pecúlio e muitos, assim, conseguiram comprar suas alforrias e 
as de seus familiares (SCHWARCZ; GOMES, 2018). 
Coartação ou compra de alforria 
De acordo com Eduardo França Paiva (2018), a coartação era um antigo costume 
com força de lei que já vigorava na América espanhola desde o século XVI. A partir 
de um acordo negociado diretamente entre o escravo e seu senhor, acertava-se o 
valor da alforria, que seria pago em parcelas semestrais ou anuais, durante 3 ou 4 anos 
em média. Nesse período, o senhor se comprometia a não o vender, o alugar ou o 
reduzir ao cativeiro, permitindo-lhe andar pela região procurando trabalho e sendo 
remunerado por isso, como se fosse forro ou livre, embora permanecesse juridicamente 
escravo. O acerto poderia ser oral, baseado na confiança, constar em testamento ou, 
ainda, ser descrito detalhadamente em uma “carta de corte” assinada pelo senhor. 
As coartações resultaram em um grande número de alforrias, embora não se conheçam 
com precisão essas cifras.
Ainda de acordo com Paiva (2018), nas áreas de mineração de Minas Gerais, houve 
alforrias concedidas como recompensa. Achados significativos de ouro e pedras 
preciosas foram agraciados com a libertação, e outros a receberam depois de delatar 
contrabandistas ou sonegadores de tributos. 
Fonte: Schwarcz e Gomes (2018).
A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão8
Conforme Schwarcz e Gomes (2018), o século XIX caracterizou-se por 
uma escravidão urbana. E o que isso significa?
Para os autores, a escravidão urbana representou no Brasil um capítulo à 
parte, visto que as especificidades da escravidão urbana, em termos da cultura 
material e social, criaram uma cultura urbana escravocrata, como no Rio de 
Janeiro, em que se construíram grandes e pequenas Áfricas ao longo do século 
XIX e até mesmo nas primeiras décadas republicanas. Em outras palavras, não 
existia nenhuma cidade no Brasil somente constituída por colonos europeus 
e brancos, mas, desde sempre, uma considerável incidência de população 
negra de muitas origens — basicamente africanos —, que marcaram o espaço 
urbano com suas identidades, linguajar, roupas e costumes (SCHWARCZ; 
GOMES, 2018). 
Os escravizados ocuparam as mais diferentes formas de trabalho para além 
dos grandes latifúndios de engenhos de cana-de-açúcar ou da cafeicultura. 
Nas cidades, eram mensageiros, carregadores,cozinheiros, quituteiros, bar-
beiros, ferreiros, catadores de piolho, curandeiros, vendedores de comidas e 
bebidas (SCHWARCZ; GOMES, 2018); onde havia uma forma de trabalho, 
existia um negro para executá-la. 
2 Princípios da Lei Bill Aberdeen e 
seus impactos no abastecimento 
de mão de obra escrava no Brasil
Ao analisar o fim do tráfico de escravizados da África para a América, no 
século XIX, o professor Araújo (2018) concluiu que a Lei nº. 581, de 4 de 
setembro de 1850, que estabeleceu “medidas para a repressão do tráfico de 
africanos” no Império, representou o ápice de um longo processo (SCHWARCZ; 
GOMES, 2018).
Para Araújo (2018), esse processo do fim do tráfico de africanos teria se 
iniciado em 26 de fevereiro de 1810, quando o então príncipe regente Dom 
João VI ratificou o Tratado de Amizade e Aliança com o Reino Unido. Des-
favorável ao império luso, tal acordo inseria-se em um contexto de expan-
são francesa no continente europeu, que resultou na invasão napoleônica de 
Portugal e na consequente vinda da família real para o Brasil, sob proteção 
inglesa (SCHWARCZ; GOMES, 2018). 
9A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão
No artigo X, do Tratado de Amizade e Aliança, Dom João VI se dizia 
“[...] plenamente convencido da injustiça e má política do comércio de escravos, 
e da grande desvantagem que nasce[ia] da necessidade de introduzir, e conti-
nuamente renovar uma estranha, e factícia população para entreter o trabalho 
e indústria dos seus domínios do sul da américa [...]” (SCHWARCZ; GOMES, 
2018, p. 241), ou seja, o Tratado contrariava os anseios dos escravocratas 
brasileiros, que utilizavam maciçamente a mão de obra escrava. 
Pelo fato de os interesses serem claramente conflitantes, o monarca escreveu 
no Tratado que utilizaria “[...] os mais eficazes meios para conseguir em toda 
a extensão de Seus Domínios uma gradual abolição do comércio de escravos 
[...]” (SCHWARCZ; GOMES, 2018, p. 242). Tratava-se de uma tentativa de 
balancear a expectativa dos ingleses para o fim da escravidão africana nas 
Américas e os interesses locais. 
Na prática, porém, o Tratado não eliminou o tráfico e o comércio de cativos, 
visto que, de acordo com Araújo (2018), entre 1810 e 1812 diversos navios 
negreiros pertencentes a negociantes estabelecidos na Bahia foram apreendidos 
pela marinha britânica. Uma nota do jornal Idade d’Ouro do Brazil, em sua 
edição de 22 de maio de 1812, publicou que: “[...] pela última embarcação, 
que chegou aqui da Costa da Mina sabemos, que os ingleses fazem boa presa 
em qualquer sítio da Costa sobre os nossos navios, que vão ao negócio dos 
escravos [...]” (SCHWARCZ; GOMES, 2018, p. 242).
Em julho de 1817, novamente outro tratado foi assinado entre o monarca 
português e os britânicos, ratificando o que havia sido determinado anos 
antes, em 1815: o comércio de cativos só poderia ser desenvolvido ao sul da 
linha do Equador. No entanto, as constantes capturas de navios negreiros e 
os julgamentos ocorridos nos tribunais de Serra Leoa, de Londres e do Rio 
de Janeiro geraram mais protestos dos traficantes situados no Rio e na Bahia 
(SCHWARCZ; GOMES, 2018).
Em 1822, o Brasil tornou-se independente de Portugal, com a instituição 
posterior de um Império sob o comando de Dom Pedro I. A partir disso, 
os antigos tratados metropolitanos foram desconsiderados, como os firmados 
com o Reino Unido, embora esse entendimento tenha sido contestado por 
britânicos e pelas demais autoridades envolvidas no combate ao comércio de 
africanos (SCHWARCZ; GOMES, 2018).
De acordo com Araújo (2018), a despeito da grande pressão britânica, 
as negociações se arrastaram até 1825, quando o novo Império foi reconhecido 
como nação independente por Portugal. Em 1826, o Brasil aceitou as condições 
impostas pela Convenção Adicional de 1817, que decretava o fim do tráfico 
de cativos africanos a partir de 1830 (SCHWARCZ; GOMES, 2018).
A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão10
A primeira lei que aprovou a proibição do tráfico de africanos para o 
Brasil no Parlamento brasileiro foi promulgada em 7 de novembro de 1831, 
contudo Araújo (2018) relata que estimativas contabilizam a entrada de cerca de 
470 mil africanos, via tráfico ilegal, no período de 1831 a 1845. Quando esses 
africanos eram capturados pelas autoridades, eram considerados “africanos 
livres”. De acordo com a Lei de 1831, foi criada uma categoria especial de 
trabalhadores, os quais não eram cativos nem livres de fato, que, embora 
considerados “livres”, foram tutelados pelo governo brasileiro, que explorou 
compulsoriamente seus serviços até 1864 (SCHWARCZ; GOMES, 2018).
Conforme Araújo (2018), para que esse comércio clandestino e ilegal se 
efetivasse, havia uma rede de proteção ao comércio negreiro, que contava 
com a conivência das autoridades responsáveis por sua repressão, além da 
aceitação e da ajuda da população local. Para o autor, no Brasil a manutenção 
do comércio de escravizados era imprescindível para o bom funcionamento 
da economia (SCHWARCZ; GOMES, 2018).
Segundo Queiroz (1981), no fim da década de 1840, o tráfico atingiu níveis 
sem precedentes. A procura por africanos não dava sinais de diminuir e, com 
o alto preço que alcançavam, o negócio tornou-se mais lucrativo que nunca. 
Lei Bill Aberdeen, de 1845
Com todos os impedimentos legais descritos, que não se efetivaram para im-
pedir o trânsito atlântico de negros africanos a serem escravizados no Brasil, 
chegamos aos meados do século XIX. As discussões entre os abolicionistas 
e aqueles que não aceitavam o fim da escravidão se acaloravam, aumentando 
a tensão. 
Araújo (2018) relata que, a partir de 1845, a luta dos britânicos contra o 
comércio de africanos perdeu força. De acordo com o tratado de 1817, ratificado 
em 1826, a marinha britânica e suas comissões mistas não tinham mais com-
petência para apreender e julgar embarcações de escravizados com a bandeira 
brasileira. Em março de 1845, a subcomissão de Assuntos Estrangeiros do 
Conselho de Estado, composta pelo marquês de Monte Alegre, Bernardo Pereira 
de Vasconcelos, e Hermeto Carneiro Leão, decidiu, de maneira unilateral, 
que o tratado de 1817 se extinguira e que o Brasil ficava fora da interferência 
britânica (SCHWARCZ; GOMES, 2018).
Em 1845, Lord Aberdeen, secretário de Assuntos Estrangeiros, conseguiu 
aprovar no Parlamento Britânico a Lei Bill Aberdeen, que concedia à marinha 
britânica poderes para aprisionar navios negreiros brasileiros em qualquer 
lugar do Atlântico, inclusive em águas nacionais, e de julgá-los como piratas 
11A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão
nos tribunais ingleses (SCHWARCZ; GOMES, 2018). Em agosto de 1845, 
a Lei Bill Aberdeen entrou em vigor. 
Entre 1808 e 1860, o West African Squadron capturaria aproximadamente 
1.600 navios negreiros, libertando cerca de 150 mil escravizados encontrados 
a bordo dos navios. Sob pressão britânica, foi declarada a abolição do tráfico 
africano para o Império Otomano (LAGO, 2014).
Segundo Lago (2014), na década de 1840, e, com mais vigor, a partir da Lei 
Bill Aberdeen, o tráfico de escravizados se intensificou: durante a década de 
1840, entraram no porto do Rio de Janeiro e em áreas vizinhas mais de 200 
mil escravizados, cujo destino era a própria capital ou as províncias do Rio 
de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais.
De acordo com Lago (2014, p. 80):
[…] em 1850-1, segundo números oficiais reportados pelo Secretário da Le-
gação Britânica, a província do Rio de Janeiro contava 556.080 habitantes, 
dos quais 293.554 eram listados como escravos. Esses números podem estar 
um pouco exagerados, mas indicam um aumento notável do número absoluto 
da população escrava da província desde a Independência, confirmado por 
dados de 1856.
Diante desses números e dados, podemos concordar que, mesmo com as 
proibições internacionais e a pressão da Reino Unido, o Brasil mantinha o 
tráfico de africanos de modo a atendera demanda interna por esse tipo de 
mão de obra. 
Para Lago (2014), a proibição do tráfico de escravizados africanos se deu 
em uma época de rápida expansão do setor cafeeiro. Embora tenha ocorrido 
grande importação de africanos no final da década de 1840, um de seus 
primeiros efeitos foi o aumento do preço dos escravizados, que, após 1854, 
em termos nominais, chegou a 2,5 vezes seu nível de 1850 (LAGO, 2014). 
Lei Eusébio de Queiroz — Lei nº. 581, 
de 4 de setembro de 1850
Diante do contexto da pressão inglesa sobre o Brasil, do aumento do tráfico 
ilegal e da demanda interna por mão de obra escrava, foi promulgada, em 4 
de setembro de 1850, a Lei nº. 581, conhecida como Lei Eusébio de Queiroz. 
A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão12
De acordo com Grinberg e Mattos (2012), o quadro da promulgação 
dessa lei era de tensão internacional crescente. Além de extinguir definitiva-
mente o comércio de africanos e reprimir as tentativas de burlar a proibição, 
embora existam registros da entrada ilegal de embarcações até 1856, a intenção 
principal da lei era legitimar a entrada de todos os africanos trazidos após 
1831, estimados em mais de 1 milhão de pessoas, que haviam chegado depois 
da proibição de manter o tráfico atlântico (GRINBERG; MATTOS, 2012).
Para Araújo (2018), além da questão da soberania, o governo jamais se 
“esqueceu” de dar guarida aos interesses senhoriais na manutenção da es-
cravidão, insistindo na legalidade da posse de cativos que entraram no país 
após a Lei de 1831, motivo pelo qual o então ministro da Justiça, Eusébio 
de Queirós Coutinho Mattoso da Câmara, propôs a retomada da discussão. 
O que estava em jogo era garantir a posse dos escravizados entrados no Brasil 
ilegalmente a partir de 1831 (SCHWARCZ; GOMES, 2018). 
Eusébio de Queiroz Coutinho Mattoso da Câmara (1812–1868)
Nascido em São Paulo de Luanda, Angola, em 27 de dezembro de 1812, e filho de 
Catarina Mattoso de Queirós Câmara e Eusébio de Queirós Coutinho e Silva, ouvidor-
-geral da comarca de Luanda, mudou-se para o Rio de Janeiro em 1815 com sua 
família e, depois, para Pernambuco em 1821, onde frequentou o Seminário de São 
José (1826–1827) e a Faculdade de Olinda, formando-se em direito em 1832. Segundo 
Araújo (2018), Eusébio de Queirós já havia exercido o cargo de chefe de polícia da corte 
entre 1833 e 1844 (com breve interrupção em 1840). Durante a sua gestão, houve 
inúmeros desembarques clandestinos de africanos no litoral do Rio de Janeiro. Inclusive, 
a correspondência trocada entre Queirós e o ministro da Justiça Bernardo Pereira de 
Vasconcelos comprova a naturalidade com que as autoridades brasileiras burlavam 
as determinações, com a conivência de todos. Sem nenhum disfarce, admitiam que 
mais de 90 navios vindos da costa africana teriam entrado na capital do Império 
somente no ano de 1837. Já o secretário de Assuntos Estrangeiros da Reino Unido, 
Lord Palmerston, denunciava que na província do Rio de Janeiro, apenas naquele ano, 
aportaram clandestinamente 46 mil africanos. 
Fonte: Schwarcz e Gomes (2018).
13A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão
Ainda conforme Araújo (2018), após a promulgação da Lei de 1850, 
o governo imperial estabeleceu uma rede de repressão aos desembarques 
clandestinos que se mostrou eficaz. Mas, mesmo diante dessa nova conjuntura, 
a marinha britânica continuou a fiscalizar as águas territoriais brasileiras. 
Entre 1850 e 1856, ano da última apreensão de que se tem registro, ainda 
entraram no país mais de 38 mil africanos, que correspondem a cerca de 5% 
das mais de 700 mil pessoas entradas ilegalmente no Brasil entre 1831 e 1849 
(SCHWARCZ; GOMES, 2018). 
A Lei de 1850 promoveu mudanças significativas na economia do Império 
brasileiro e no sistema escravista. Os capitais antes concentrados no “infame 
comércio” migraram para investimentos em títulos, ações, empreendimentos 
imobiliários e na expansão de diversos processos produtivos, como a lavoura 
cafeeira, provocando o deslocamento do eixo econômico do Nordeste para o 
Sudeste. Assim, tais mudanças desenvolveram um tráfico interno de escravi-
zados: o assim chamado tráfico interprovincial (SCHWARCZ; GOMES, 2018). 
3 Diferentes arranjos e características 
do tráfico interno de escravizados
Após a promulgação da Lei de 1850, o sistema escravista no Brasil ainda 
duraria 38 anos. Segundo Schwarcz e Gomes (2018), até 1850 o tráfico de 
almas permaneceu regular, porém, depois dessa data e passados alguns anos 
de comércio ilegal, a entrada de africanos finalmente se restringiu — no en-
tanto, o tráfico interno de escravizados continuou a funcionar, e a todo vapor. 
Para Lago (2014), o fim do tráfico da África para o Brasil trouxe consequ-
ências para o Nordeste brasileiro, levando a um crescente emprego de mão de 
obra livre na produção de açúcar e de algodão e a significativas exportações 
interprovinciais de escravizados, principalmente para a região cafeeira, na 
região Sudeste.
A cafeicultura mudaria a paisagem geográfica e cultural, com a riqueza 
agora se concentrando no Sudeste e tendo o Rio de Janeiro como capital não 
somente política, mas também social e cultural (SCHWARCZ; GOMES, 
2018). Nesse cenário, os cafeicultores necessitavam da mão de obra escrava 
para tocar seus empreendimentos operados em latifúndios. 
A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão14
O tráfico interno ou interprovincial no Brasil redistribuiu a mão de obra 
escrava em volumes significativos durante todo o século XIX (ALPERS, 2018). 
A nova demanda por mão de obra escrava nas fazendas de café no interior do 
Rio e de São Paulo e nas minas de Minas Gerais deslocou os escravizados no 
território nacional (SCHWARCZ; GOMES, 2018), sobretudo do Nordeste para 
o Sudeste, mas também para o Sul, região onde estavam em menor quantidade. 
Ainda, segundo Alpers (2018), essa dispersão interna ocorrida no século 
XIX explica a presença de uma dança folclórica chamada “moçambique”, 
intimamente associada ao Dia de São Benedito (1524–1589, beatificado em 
1763), em São Paulo, onde parece ter surgido, e depois se difundindo para Goiás, 
Minas Gerais, Rio de Janeiro, Mato Grosso e Rio Grande do Sul (SCHWARCZ; 
GOMES, 2018). 
Lago (2014, p. 311), citando Robert Slenes, referenciou que “[...] o impacto 
do tráfico inter-regional sobre as populações escravas do Centro-Sul e de outras 
regiões do Brasil foi [...] consideravelmente menor nas décadas de 1850 e de 
1860 do que na década de 1870 [...]”, com a estimativa de que cerca de 110 mil 
escravizados entraram no “Centro-Sul” (que corresponde à região cafeeira do 
Sudeste) no período de 1851 a 1872, além de 90 mil de 1873 a 1881, perfazendo 
um total de 200 mil escravizados no período entre 1851 e 1881 (LAGO, 2014). 
Segundo Grinberg e Mattos (2012), a extinção do tráfico desencadeou 
profundas mudanças nas estruturas demográficas, políticas, sociais e econô-
micas brasileiras, com efeitos diretos no processo de abolição da escravidão 
no Brasil, em 1888. A principal delas foi o incremento do tráfico interno 
(ou tráfico interprovincial), com a venda em massa de escravizados das pro-
víncias do Nordeste, em decadência econômica, para a região do Centro-Sul, 
em plena expansão cafeeira, que, inclusive, provocou desequilíbrio entre as 
províncias no que se refere ao próprio apoio à ordem escravista (GRINBERG; 
MATTOS, 2012).
Características e arranjos do tráfico interno 
Na década de 1830, a produção cafeeira passou a ser a mais lucrativa exportação 
do país, exigindo uma crescente reserva de mão de obra (QUEIROZ, 1981). 
Mas, como a Lei Eusébio de Queiroz deteve de súbito a entrada anual de mi-
lhares de indivíduos no país, o preço dos escravizados subiu vertiginosamente. 
No Nordeste, em crise constante pela aguda competição que sofria no exterior, 
a solução foi começar a vender os cativos para os locais onde havia demanda, 
o Sudeste (QUEIROZ, 1981).
15A proibição do tráfico no Atlânticoe a manutenção da escravidão
Desse modo, intensificou-se o comércio interno, e o Nordeste tornou-
-se o grande centro abastecedor de negros escravizados (QUEIROZ, 1981). 
Em 1874, mais da metade de todos os cativos do Brasil vivia nas províncias 
do café, proporção que seria de dois terços 10 anos depois (1884). 
O tráfico interno provincial criou rapidamente uma vasta rede de interesses 
e, embora não haja muitas pesquisas sobre o assunto, as raras descrições a res-
peito sugerem a continuidade de muitas das brutais características do comércio 
negreiro com a África: maridos foram separados de suas mulheres e filhos, 
as famílias que tinham se constituído nos cativeiros foram desagregadas, os 
arranjos familiares entre os cativos foram brutalmente afetados, e, quando 
transportados por mar, eram amontoados nas proas dos navios, expostos ao 
sol e à chuva (QUEIROZ, 1981).
Conforme Chalhoub (1990), o tráfico interno deslocou para o Sudeste 
milhares de escravizados que se viram bruscamente arrancados de seus locais 
de origem, da companhia de seus familiares e do desempenho das tarefas as 
quais estavam acostumados. Em contrapartida, muitos desses negros reagiram 
agredindo seus novos senhores, atacando os donos das casas de comissões 
(lojas de compra e venda de escravizados), provocando brigas ou desordens 
que impedissem sua ida para as fazendas de café, bem como outros fugiram 
procurando retornar à sua província de origem (CHALHOUB, 1990).
No entendimento de Chalhoub (1990), a transferência em peso de escravi-
zados por meio do tráfico interprovincial, especialmente na década de 1870, 
aumentou bastante a tensão social nas províncias do Sudeste. Muitos dos negros 
transferidos, em geral jovens e nascidos no Brasil, com no máximo filhos ou 
netos de africanos que haviam sofrido a experiência do tráfico transatlântico, 
estavam passando por uma primeira experiência mais traumática dentro da 
escravidão. Ao serem separados de familiares e amigos e de suas comunidades 
de origem, esses escravizados teriam provavelmente de se habituar ainda com 
tipos e ritmos de trabalho que lhes eram desconhecidos (CHALHOUB, 1990).
A maioria dos cativos vendidos no tráfico interprovincial não provinha 
de áreas de plantation do Nordeste, e sim de áreas urbanas ou de regiões 
de atividades agrícolas não voltadas para a exportação, contexto em que as 
experiências e informações circulavam entre os cativos (CHALHOUB, 1990).
Analisando a documentação do período, sobretudo os processos cíveis 
e criminais, Chalhoub (1990) afirma que, a julgar pela presença constante 
de negros provenientes de outras províncias na Corte, muitos escravizados 
conseguiram permanecer na cidade e impedir ou inverter parte do percurso 
que os colocaria sob o domínio dos feitores das fazendas de café do interior 
(CHALHOUB, 1990).
A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão16
Como os preços dos escravizados subiram rapidamente com a proibição 
efetiva da importação de africanos, se, até 1850, a propriedade escrava era 
acessível ao conjunto da população livre, incluindo até mesmo libertos e 
lavradores pobres, a partir de então o acesso à posse de escravizados ficou 
restrito aos grandes proprietários, que se dedicavam à agricultura de expor-
tação (GRINBERG; MATTOS, 2012). Nesse sentido, podemos notar como 
a configuração da distribuição dos escravizados foi se alterando em meados 
do século XIX e décadas anteriores à abolição (1888). 
Nas décadas de 1870/1880, segundo Queiroz (1981), começa a haver um 
esgotamento dos escravizados transferidos de outras províncias para o Su-
deste. Com isso, a população escravizada começou a diminuir rapidamente, 
ora ceifada pelo tempo, ora pela baixa expectativa de vida e pelas práticas 
cruéis que a escravidão exercia. Ainda, o número de homens era maior que 
o de mulheres e não lhes sobrava estímulo algum para se reproduzirem nas 
condições em que viviam (QUEIROZ, 1981). 
Segundo Grinberg e Mattos (2012), a legitimidade do regime de trabalho 
escravo foi fortemente abalada em 1850, intensificando-se, assim, os protestos 
internos para a abolição do sistema de escravidão. Uma cisão estava desenhada: 
o Nordeste não dispunha mais de uma significativa mão de obra escrava, 
motivo pelo qual passou a apoiar a abolição; já os cafeicultores eram ferrenhos 
defensores do sistema, para a manutenção de sua atividade. 
Lei do Ventre Livre, 1871
Nesse cenário de tráfico interprovincial, em 1871 foi instituída a Lei do Ventre 
Livre, que determinou que, a partir de então, ninguém mais nascia escravo 
no país. A Lei nº. 2.040, de 28 de setembro de 1871, também chamada Lei 
Rio Branco ou “Lei do Ventre Livre”, declarou livres os filhos de mulheres 
escravizadas nascidos após aquela data e determinava o registro dos escra-
vizados (LAGO, 2014).
Segundo Grinberg e Mattos (2012), naquele momento a legitimidade da 
escravidão teria caído definitivamente por terra. No contexto internacional, 
a guerra civil norte-americana tinha chegado ao fim, com a aprovação da 
emenda para libertação de todos os escravizados (1865), isolando o Brasil 
como a única nação escravista das Américas.
17A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão
O primeiro grande censo nacional, de 1872, estimou a população brasi-
leira total em 10,1 milhões de habitantes, sendo pouco mais de 1,5 milhão 
de escravizados, cerca de 15% da população total. O Rio de Janeiro tinha 
275 mil habitantes, Salvador, 129 mil, e Recife, 117 mil (LAGO, 2014), dados 
que nos dão uma dimensão da população e da configuração dessa população 
no Brasil da segunda metade do século XIX. 
A Lei do Ventre Livre foi seguida pela lei que libertava os Sexagená-
rios — em 28 de setembro de 1885, aniversário da Lei do Ventre Livre, que 
ainda não tinha sido plenamente implementada, aprovou-se a Lei nº. 3.270, 
a Saraiva-Cotegipe, a Lei dos Sexagenários (GRINBERG; MATTOS, 2012).
O fim do tráfico interno de escravizados se deu na década de 1880, quando 
pesados impostos foram instituídos para proibir o comércio dos cativos. Para 
Chalhoub (1990), um dos argumentos residia no fato de que seria preciso 
evitar o crescente desequilíbrio entre as províncias do Norte e do Sul no que 
diz respeito à presença da escravidão (CHALHOUB, 1990).
Nesse período, na província de São Paulo, um grupo de fazendeiros 
novos e progressistas resolveu acabar com o comércio interprovincial de 
escravizados porque estava decidido a rejeitar a escravidão em favor do 
trabalho livre, contudo esse argumento tem sido relativizado pela historio-
grafia (CHALHOUB, 1990).
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19A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão
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A proibição do tráfico no Atlântico e a manutenção da escravidão20

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