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Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de História Programa de Pós-graduação em História Social A Comissão Nacional de Literatura Infantil e a formação do público leitor Infanto-Juvenil no Governo Vargas (1936 – 1938) Aline Santos Costa 2011 Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de História Programa de Pós-graduação em História Social ii A foto que ilustra a capa desta dissertação foi publicada no periódico O Jornal, de 1° de maio de 1936. Na foto, o registro da reunião da Comissão Nacional de Literatura Infantil, em 31 de maio do mesmo ano. Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de História Programa de Pós-graduação em História Social iii A Comissão Nacional de Literatura Infantil e a formação do público leitor Infanto-Juvenil no Governo Vargas (1936 – 1938) Aline Santos Costa Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social, Instituto de História, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História Social. Orientador(es): Profa. Dra. Norma Côrtes Rio de Janeiro Maio de 2011 Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de História Programa de Pós-graduação em História Social iv A Comissão Nacional de Literatura Infantil e a formação do público leitor Infanto-Juvenil no Governo Vargas (1936 – 1938) Aline Santos Costa Orientador: Profa. Dra. Norma Côrtes Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em História Social, Instituto de História, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História. Aprovada por: ______________________________ Profa. Dra. Norma Côrtes (Orientador) _______________________________ Profa. Dra. Márcia Cabral da Silva _______________________________ Profa. Dra. Marieta de Moraes Ferreira Rio de Janeiro Maio de 2011 Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de História Programa de Pós-graduação em História Social v Ficha Catalográfica COSTA, Aline Santos. A Comissão Nacional de Literatura Infantil e a formação do público leitor infanto-juvenil no Governo Vargas (1936 – 1938)/ Aline Santos Costa. vii n folhas f ; 30 cm. Orientador: Profa. Dra. Norma Côrtes Dissertação (Mestrado ) – UFRJ / IH / PPGHIS /Programa de Pós Graduação em História Social, 2011 Referências Bibliográficas: f. n° 1. Literatura Infantil. 2. formação do leitor. 3.Governo Vargas I. CÔRTES, Norma. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de História. III. Título. Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de História Programa de Pós-graduação em História Social vi Agradecimentos: Agradeço em primeiro lugar à minha orientadora, Professora Dra. Norma Côrtes, que acreditou no meu trabalho e contribuiu para meu gradual amadurecimento acadêmico. Também agradeço à professora Márcia Cabral da Silva, que conheci em um simpósio e que através das conversas me apontou caminhos importantes para o desenvolvimento da pesquisa sobre Literatura Infantil. À professora Marieta de Moraes, que aceitou participar da minha banca e que também contribuiu com valiosas sugestões. Esta pesquisa não seria possível também sem os estagiários do CPDOC – RJ, que me ajudaram a acessar a base dos documentos referentes ao arquivo pessoal Gustavo Capanema, onde se encontram as fontes aqui utilizadas. À professora Maria Nélida Gonzáles de Gómez, do IBICT, pelas sugestões ao trabalho. A Equipe do Centro de Memórias do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, em especial às professoras Fátima Galvão e Mônica Ladeira, que mesmo com os documentos ainda por serem catalogados, fizeram a gentileza de criar uma pasta específica para minha pesquisa sobre a professora Elvira Nizynska, membro da Comissão Nacional de Literatura Infantil e sobre a qual poucos relatos havia. À professora Jussara Pimenta, na PUC RJ, que me indicou caminhos para encontrar informações sobre a professora Elvira Nizynska. Através dela, fui à Associação Brasileira de Educação, onde conheci a professora Arlete, que me indicou falar com a sobrinha direta da referida professora, a sra. Ruth Camarinha. Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de História Programa de Pós-graduação em História Social vii Agradeço especialmente a professora Ruth Camarinha, sobrinha de Elvira Nizynska da Silva, que me recebeu gentilmente em sua casa, prestando-me informações sobre a vida profissional e pessoal da tia. Também foram importantes para o desenvolvimento desta dissertação as bibliotecárias da Biblioteca Infantil Monteiro Lobato, de São Paulo. São dos livros da coleção da BIML as ilustrações que constam em anexo. À Deize Albernaz, colega e bibliotecária da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, pela atenção e ajuda nas consultas bibliográficas realizadas na instituição. Também contribuiu para este trabalho a amiga Nayara Galeno, com as revisões, as conversas, os debates, me ajudou a ampliar os horizontes da pesquisa e ir por caminhos que ainda não havia pensado. Os amigos Marcos, Natan, Renata, Willian, Walmyr, Luciene, Letícia e Lair, Reinaldo Andressa, Melissa, Grazielly, Andréia, Arrizon e Antônio pelas revisões e contribuições feitas para este trabalho. À minha mãe Vera Lúcia, ao meu irmão Alex e à minha cunhada Vanessa, pelo incentivo e apoio ao meu trabalho. Também agradeço às minhas primas Elizabeth e Isis e à minha amiga Sandra, por me proporcionarem alegria e me acalmarem nos momentos mais angustiosos desta trajetória. Também devo agradecer ao CNPq pelo apoio através de bolsa de estudo, sem a qual este trabalho certamente seria mais difícil. Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de História Programa de Pós-graduação em História Social viii “(...) Na criação da fala e da linguagem, brincando com essa maravilhosa faculdade de designar, é como se o espírito estivesse constantemente saltando entre a matéria e as coisas pensadas. Por detrás de toda expressão abstrata se oculta uma metáfora, e toda metáfora é jogo de palavras. Assim, ao dar expressão à vida, o homem cria um outro mundo, um mundo poético, ao lado do da natureza.” (Johan Huzinga, Homo Ludens). Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de História Programa de Pós-graduação em História Social ix RESUMO Este trabalho é resultado da pesquisa realizada oficialmente desde 2009 sobre a Comissão Nacional de Literatura Infantil, criada em 1936, pelo então ministro da Educação e Saúde Gustavo Capanema. O trabalho expõe e analisa os debates em torno da Literatura Infanto- Juvenil no Brasil dos anos de 1930 a partir de uma série de pareceres, artigos, atas de reunião e projetos de incentivo à Literatura Infantilapresentada pela CNLI ao M.E.S. A preocupação da Comissão mostrou-se além do incentivo à criação de novos livros infantis apresentando um projeto de criação de Centros de Cultura e Lazer, que deveriam servir de biblioteca e local de “recreação útil” (ou pedagógica) para as crianças. Não se pode, no entanto, pensar a comissão sem levar em consideração os debates educacionais existentes à época, assim como também as relações existentes entre intelectuais e o Estado Novo. Destarte, este trabalho discute os projetos de livro infantil apresentados pela comissão, sua proximidade e suas interlocuções com idéias progressistas da educação que faziam parte dos debates intelectuais do período. Palavras- chave: Literatura Infantil – Governo Vargas – Formação do público leitor infantil. Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de História Programa de Pós-graduação em História Social x ABSTRACT This work is the result of a research conducted since 2009, officially known as the National Commission on Children's Literature, founded in 1936 by the then Minister of Education and Health Gustavo Capanema. The paper expounds and analyzes the debates upon children's Literature in Brazil in the 1930s from a series of opinions, articles, minutes of meetings and projects to encourage Children's Literature presented by the MES CNLI The Committee's concern proved to be beyond the incentive to create new children's books, presented a project for the creation of cultural centers for children. These centers should serve as a library and place of "useful recreation" (or educational) for kids. We cannot, however, think the Committee without taking into consideration the existing educational debates at the time, as well as the relationship between intellectuals and the New State. Thus, this paper discusses the children's book projects submitted by the committee, its proximity or remoteness of the Vargas government’s ideology and its dialogues with progressive ideas of education which were part of the intellectual debates of the period. Key- words: Governement Vargas – Children’s Literature – Educating the Clid reader. Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de História Programa de Pós-graduação em História Social xi SUMÁRIO INTRODUÇÃO ---------------------------------------------------------------------------- 01 Capítulo I Uma nova literatura para uma nova criança ----------------------------- 07 Capítulo II Em busca do estatuto da Literatura Infanto-Juvenil ----------------------- 45 Capitulo III Por um aproveitamento útil das horas de lazer ------------------------------90 CONCLUSÃO ---------------------------------------------------------------------------------111 Referências Bibliográficas --------------------------------------------------------------------115 ANEXOS ----------------------------------------------------------------------------------------124 ANEXO 1. Verbetes Biobibliográficos dos componentes da Comissão ----------------125 ANEXO 2. ---------------------------------------------------------------------------------------142 Ilustrações de alguns livros infantis indicados da Comissão Nacional de Literatura Infantil ANEXO 3 ----------------------------------------------------------------------------------------149 Gravuras de alguns dos livros que venceram o concurso de 1937, promovido pela Comissão Nacional de Literatura Infantil. 1 INTRODUÇÃO A presente dissertação é resultado de um trabalho de pesquisa sobre a Comissão Nacional de Literatura Infantil (CNLI), criada em 1936, pelo ministro de Educação e Saúde Gustavo Capanema. O foco da pesquisa incidiu sobre as atividades da CNLI que visavam conceituar a Literatura Infantil e também as suas propostas para a formação do público leitor infanto-juvenil. No que tange à conceituação de Literatura Infantil, foi fundamental tanto apreender a concepção de criança e infância apresentada pelos intelectuais que compunham à CNLI — Cecília Meireles, Elvira Nizynska, Jorge de Lima, José Lins do Rego, Manoel Bandeira, Maria Eugênia Celso e Murilo Mendes — quanto as posições sobre Estética e nacionalismo apresentadas por eles e também seus modos de compreender o nacionalismo. Além da tentativa de definir o que era a Literatura Infantil, a CNLI também elaborou — de acordo com as exigências que lhes foram conferidas — algumas propostas para a promoção da Literatura Infanto-Juvenil brasileira, bem como o incentivo à formação do público leitor nessa faixa etária. Dentre as principais propostas, analisadas neste trabalho, estão: o Concurso de Literatura Infanto-Juvenil, de 1937 e a proposta de criação dos Centros de Cultura e Lazer, apresentada ao ministro Gustavo Capanema também no mesmo ano. Para compreender a criação da Comissão Nacional de Literatura Infantil é fundamental considerar o momento histórico vivido pelo país, mais especificamente nas áreas da Cultura e da Educação. Dessa maneira, no primeiro capítulo deste trabalho, cujo título é ―Uma nova literatura para uma nova criança: debates em torno do livro infantil no Brasil das décadas de 1920 e 1930‖ há uma explanação desse ambiente de 2 disputas políticas e educacionais vigentes e que se relacionam com a própria montagem e instalação da CNLI. Também foi fundamental para entender melhor a posição e a atuação dos integrantes da Comissão, fazer um levantamento biobibliográfico de cada um dos componentes. Ao longo da pesquisa, observou-se que Elvira Nizynska da Silva foi a mais atuante de todos os componentes da CNLI. No entanto, ela também era a pessoa sobre quem menos havia informações biográficas. E a única informação relevante sobre ela era sua atuação como docente no Instituto de Educação do Rio de Janeiro. As primeiras visitas ao Centro de Memória do Instituto de Educação (CEMI) não revelaram, a princípio, qualquer documento referente à passagem da professora Elvira pela instituição. No decorrer do ultimo ano, todavia, foram encontrados alguns escassos, mas muito valiosos documentos, que apontavam essa professora estava bastante próxima do movimento de renovação educacional nos anos de 1920 e 1930. Além de manusear os documentos presentes no CEMI, também fui à Associação Brasileira de Educação (ABE), onde Elvira Nizynska teria participado de atividades a partir de 1928 1 . Lá encontrei a senhora Arlete Pinto de Oliveira e Silva — cuja família era amiga de Elvira — que me indicou o contato direto com uma sobrinha da professora Nizynska. Desde então, pude manter longas conversas com senhora Ruth Camarinha 2 , sobrinha da Professora Elvira. A partir dessas conversas obtive informações importantes que me auxiliaram na reconstrução da vida intelectual da professora(apesar de grande 1 A ida à Associação Brasileira de Educação foi uma valiosa sugestão da professora Jussara Pimenta (PUC RIO), que me informou de que durante suas pesquisas, que culminaram na Dissertação de mestrado sobre a Biblioteca do Pavilhão Mourisco, havia encontrado o nome da professora Elvira Nizynska da Silva em algumas atas de reunião. 2 Torno público meu agradecimento à Sra. Ruth Camarinha, por sua receptividade e colaboração com esta pesquisa, ao disponibilizar informações muito importantes sobre a professora Elvira Nizynska, nos 3 dias, entre os meses de Setembro e outubro de 2010, em que conversamos. 3 parte das informações estarem no campo da memória e, portanto, carregada de sentimentos e significados construídos posteriormente ao período referido na pesquisa) 3 . O segundo capitulo deste trabalho, intitulado ―Em busca do estatuto da Literatura Infanto-Juvenil‖ se vale especificamente da análise das fontes produzidas pela Comissão, nas quais estão presentes as concepções sobre crianças, infância, Literatura Infantil, nacionalismo e política de seus componentes. Durante a pesquisa, foi observada a aproximação entre as concepções sobre a criança e a infância e as idéias trazidas para o Brasil pela Psicologia construtivista 4 . Autores como Jean Piaget e Edouard Claparède foram citados direta ou indiretamente nas fontes analisadas. Diante da complexidade da questão, além das fontes produzidas pela CNLI foram também utilizadas fontes ―auxiliares‖, produzidas fora da Comissão, mas por alguns de seus componentes 5 . Foi o caso, por exemplo, da professora Elvira Nizynska. Professora do Instituto de Educação do Distrito Federal, Elvira ministrou aulas de Literatura Infantil para alunas do segundo ano do curso normal entre os anos de 1934 e 1938. Os poucos documentos referentes à sua atuação no Instituto de Educação foram encontrados no Acervo de Memórias da mesma instituição. Dentre eles, encontra-se uma ementa do curso, com a bibliografia básica, onde foram encontrados autores como John Dewey, Willian Kiplatrick, Piaget e Claparède, todos ligados à Psicologia construtivista ou a Escola Nova. Os livros de autoria dos estudiosos citados, presentes no documento encontrado no CEMI foram lidos e as concepções apresentadas por eles de infância e criança comparados aos discursos apresentados pela CNLI. 3 As biobibliografias encontram-se nos anexos. 4 A importância das idéias construtivistas para a construção de uma literatura infantil pautada na fantasia e no estímulo à imaginação infantil é ponderada por Nelly Coelho Novaes. Ver: NOVAES, Nelly Coelho. Panorama histórico da Literatura Infantil/Juvenil. Ática, São Paulo; 1991. 5 Em O declínio dos Mandarins Alemães (1968), Fristz K. Ringer salienta que tão importante quanto pensar sobre os intelectuais (que compunham o grupo dos mandarins alemães) era pensar com esses intelectuais. Nesse sentido, procurei também me interar dos autores citados pelos componentes da CNLI, na tentativa de traçar paralelos e compreender melhor as idéias que nortearam os projetos da Comissão. 4 As concepções sobre criança e infância apresentadas pelos intelectuais da CNLI são importantes para compreender aquilo que a Comissão estabeleceu como sendo bons livros de Literatura Infanto-Juvenil. Dois exemplos dessa importância foram: a defesa da fantasia como elemento fundamental dos livros infantis e a discussão em torno da relevância do interesse literário infantil para o estabelecimento dos critérios avaliativos da boa Literatura para crianças. O debate sobre a fantasia mobilizou tanto educadores quanto literatos. Na CNLI, houve forte defesa desse elemento no livro infanto-juvenil, o que pode ser explicado tanto pelas concepções estéticas de seus componentes (filiados ao movimento modernista, que apresentou outras possibilidades estéticas, além do mimetismo) quanto pelas concepções psicopedagógicas em relação à criança, uma vez que essas novas abordagens salientavam a importância da fantasia e do desenvolvimento da imaginação no processo de aprendizagem infantil. Outras duas tópicas que preocupavam a CNLI eram a presença do nacionalismo e de ideologias políticas nos livros destinados às crianças e aos jovens. Sobre o nacionalismo, a professora Elvira Nizynska salientou que este deveria estar presente — quando possível — nos livros infanto-juvenis, apresentando aos leitores estereótipos de personagens nacionais, fatos da História do Brasil e histórias baseadas no folclore. Contudo, sem criar qualquer de sentimento de xenofobia ou preconceito. Na análise dos documentos, foi possível perceber que a maior preocupação da Comissão era menos com a exaltação das qualidades nacionais, que com a unidade cultural e política da nação. Isso se expressa tanto no fato da CNLI buscar definir uma Literatura Infanto- juvenil Brasileira, que falasse do Brasil como um todo (quando nacionalista) ou temas gerais (contos de fada, fábulas, aventuras), quanto na preocupação de Murilo Mendes com a política nos livros infantis. 5 O período de criação da CNLI ainda estava sob o ―impacto‖ da Revolta Comunista de 1935. Segundo o poeta, era importante que os livros infantis fossem observados e qualquer apelo tanto ao Comunismo, quanto ao culto exagerado ao líder do Estado (tal qual ocorria nos países do Eixo) deveriam ser rechaçados. Também condenava que livros que sugerissem que o Brasil se encontrava dividido (politicamente e culturalmente) também deveria ser alvo da ―censura‖ da Comissão. Nesse sentido, vislumbra-se a preocupação com a ideia de unidade nacional. O nacionalismo defendido pelos intelectuais da CNLI se diferenciava, ao que indica, do nacionalismo exaltado por autores do século XIX, como Afonso Celso, Manuel de Bonfim (baseado no culto às grandezas nacionais) 6 . Além da análise das concepções sobre a criança e a infância e das definições do que era Literatura Infantil para a CNLI, este trabalho também analisará os projetos da Comissão para a formação do público leitor infanto-juvenil. Dentre esses projetos estavam: a criação de um concurso para premiar novos livros para crianças e os Centros de Cultura e Lazer — que além de formar jovens leitores — deveria também cooperar com a formação dos futuros cidadãos. Esse último projeto será o tema do terceiro capitulo, intitulado ―Por um aproveitamento útil das horas de lazer: os Centros de Cultura e Lazer para crianças e jovens‖. Vale ressaltar que os Centros de Cultura e Lazer guardam proximidades com os preceitos da Escola Nova, principalmente no que se refere à importância dada às experiências de convivência social entre as crianças, que deveria proporcionar-lhes aprendizagens para uma vida adulta saudável. Também é importante observar que os Centros de Cultura e Lazer seguiam os parâmetros das bibliotecas infantis de São Paulo (1935) e do Rio de Janeiro (1934). Dessa maneira, pode-se afirmar que havia uma harmonia entre as idéias da Comissão no que concerne à 6 Ver: HANSEN, Patrícia. Brasil, um país novo: a literatura cívico-pedagógica e a construção de um ideal de infância brasileira na Primeira República. Tese de Doutorado. São Paulo: USP; 2007. 6 formação do pequeno Leitor e as apresentadas pelos organizadores dessas duas bibliotecas. Por fim, embora não seja o momento mais oportuno para abordagens teóricas, é importante ressaltar que em À beira da falésia, ao discutir as inquietações teóricas e epistemológicas pela qual veio passando a disciplina História, Roger Chartier aponta que a partir da década de 1970, a História começou a redescobrir e descobrir novos objetos de estudo. Para trabalhar com esses novos objetos, o historiador se viu diante da necessidadede recorrer a conceitos e categorias de análise de outras disciplinas das Ciências Humanas tais como Letras, Filosofia e Antropologia 7 . Dentre esses novos objetos está o estudo da Literatura. Desta Maneira, ao construir o objeto de pesquisa desta dissertação, foi fundamental buscar o diálogo com autores de outras áreas do conhecimento. Dentre os autores que me ajudaram a pensar as questões formuladas estão Marisa Lajolo (Literatura Infantil); Nelly Novaes Coelho (Literatura Infantil); Alfredo Bosi (Teoria Literária); Afrânio Coutinho (Teoria Literária); Antonio Cândido (Teoria Literária); Diana Vidal (História da Educação); Marta Carvalho (História da Educação); Helena Bomeny (História Social); Clarice Nunes (História Social) 8 e Ângela de Castro Gomes (História). 7 Ver: CHARTIER, Roger. À Beira da Falésia: A História entre incertezas e inquietudes. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2002. 8 Outros autores como Gabriella Palegrino (História Social); Patrícia Hansen (História) e Jussara Pimenta (Teoria Literária), também foram fundamentais para a construção deste trabalho. 7 Capítulo I: Uma nova literatura para uma nova criança: debates em torno do livro infantil no Brasil das décadas de 1920 e 1930 Em 04 de maio de 1936 foi publicada no Diário Oficial a Portaria assinada pelo Ministro da Saúde e Educação Gustavo Capanema, convocando a Comissão Nacional de Literatura Infantil 9 . Dessa Comissão participaram Jorge de Lima 10 , Cecília 9 Sobre a Comissão Nacional de Literatura Infantil ver: ABREU, Tâmara Costa e Silva. O livro para crianças em tempo de Escola Nova: Monteiro Lobato e Paul Faucher. Tese de Doutorado em Literatura Comparada. Universidade Estadual de Campinas; São Paulo: 2010. COSTA, Aline Santos. A criança e a Literatura Infantil no Governo Vargas (1936 – 1939): um estudo sobre ―A terra dos meninos pelados‖ de Graciliano Ramos. Monografia de Final de Graduação em História. Universidade Federal do Rio de Janeiro; Rio de Janeiro: 2008. GOMES, Ângela de Castro. As aventuras de Tibicuera: literatura infantil, história do Brasil e Política Cultural na Era Vargas. In: Revista USP, São Paulo, n° 59, p. 116 – 133, setembro/novembro 2003. PAUTASSO, Andréa Milan Vasques. A Comissão de Literatura Infantil do Ministério da Educação e Saúde Pública do Brasil nos anos de 1936 a 1938. Dissertação de Mestrado em Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2010. ZUGNO, Ana Lucia Ioppi. USOS DA LITERATURA INFANTIL NO ESTADO NOVO: O CASO DEAS AVENTURAS DE TIBICUER. Dissertação de mestrado pelo programa de Pós Graduação em Educação. Universidade do Extremo Sul catarinense. Criciúma 2007. 10 Jorge de Lima (1893 – 1953) nasceu em Alagoas e foi formado em medicina. Além da profissão de formação, também se dedicou à literatura. Dentre suas obras estão poesias (a maioria de sua produção), prosas e um livro infantil, cujo foco era histórias populares. O livro chamava-se Histórias da velha Totonha. Dentre as obras conhecidas estão XIV Alexandrinos (1914); Tempo e Eternidade (1935) e Invenção de Orfeu (1952). 8 Meireles 11 , Murilo Mendes 12 , Manuel Bandeira 13 , Elvira Nizynska 14 e Maria Eugênia Celso 15 . O educador Lourenço Filho 16 ainda não havia sido oficialmente convocado, no entanto, seu nome já era citado em algumas atas das atividades da CNLI como participante das reuniões. A partir de 1939, a Comissão Nacional de Literatura Infantil passou a fazer parte do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) e Lourenço Filho era, então, responsável pelas atividades da Comissão. Nesse momento, a sua composição já havia mudado. E apenas a professora Elvira Nizynska permaneceu até o fim das atividades, em 1941. Durante o seu primeiro período de existência (1936 – 11 Cecília Meireles além de poetiza, também foi educadora, lecionou no Instituto de Educação e escreveu diversos trabalhos teóricos sobre educação e alguns também sobre literatura infantil. Em 1934, por iniciativa própria e com o apoio de alguns amigos criou um centro cultural para crianças, o conhecido ―Pavilhão Mourisco‖, localizado na Praia de Botafogo. Dentre suas obras literárias estão: ―Crianças, meu amor...‖ (1923); ―Saudação à menina de Portugal‖ (1930); ―A festa das letras‖ (1937); ―Romanceiros da inconfidência‖ (1953). Já os trabalhos não literários, estão ―Batuque, Samba e Macumba‖ (1935) – livro sobre os ritmos brasileiros de influência africana; ―Problemas da Literatura Infantil‖ (1950). 12 Murilo Mendes (1901 – 1975) nasceu em Minas Gerais. É considerado um dos principais poetas representantes do surrealismo no Brasil. Católico, assim como Jorge de Lima, Murilo Mendes também escreveu poesias religiosas. Dentre suas obras estão: Tempo e Eternidade (em conjunto com Jorge de Lima); Poesia em Pânico (1938); O Visionário (1941). 13 O poeta Manuel Bandeira (1886 – 1968) nasceu em Recife. Entre suas obras estão poesias, prosas, crônicas e críticas literárias. No que se refere especificamente à literatura infantil, Manuel Bandeira escreveu Berimbau e Outros Poemas; Andorinha, Andorinha (1966); 14 Elvira Nizynska da Silva (1896 – 1964) foi professora primária e trabalhou no Instituto de Educação (1932 a 1934), como professora de prática de ensino. Também atuou em pesquisas ao lado de Lourenço Filho na ABE (Associação Brasileira de Educação) de 1932 até 1938. No Instituto de Educação, lecionou uma disciplina sobre a utilização da literatura infantil na alfabetização. Foi também subdiretora da Escola Municipal Rodrigues Alves (1928 – 1933), no bairro do Catete, Distrito Federal e da Escola Municipal Argentina (1938 - 1952), localizada no Bairro de Vila Isabel. Vale ressaltar que foi nesta escola que Anísio Teixeira implementou as primeiras mudanças de técnicas pedagógicas desenvolvidas por intelectuais da Escola Nova. 15 Maria Eugênia Celso Carneiro de Mendonça (1886 – 1963) nasceu em Minas Gerais. Era filha do Conde Afonso Celso de Assis Figueiredo Júnior. Foi poetisa e jornalista. Dentre suas obras está Poemas completos (1955). Também escreveu para diversas revistas como O Malho (1936) e Fom-fom (1920). Apresentou programas sobre literatura na Rádio Nacional, durante os anos de 1930. Teve participação ativa no movimento feminista brasileiro. 16 Manoel Bergström Lourenço Filho (1897 – 1970) nasceu no interior de São Paulo. Foi um dos pioneiros do chamado movimento da Escola Nova, junto com Anísio Teixeira e Cecília Meireles. Acreditava ser a educação fundamental para a formação moral e material dos futuros cidadãos brasileiros. Teve importante atuação durante o Estado Novo. Além de trabalhar na Comissão de Literatura Infantil, também escrevia pareceres avaliativos de livros infantis para a Editora Melhoramentos, de São Paulo. A partir de 1938 passou a presidir a comissão e esta apresentou mudança significativa no que se refere à posição diante das obras infantis. Mais interventora e declaradamente com preocupações pedagógicas, uma das medidas tomada por Lourenço Filho foi a proibição de romances policiais para crianças. 9 1938), a Comissão Nacional de Literatura Infantil se reunia sempre às quintas-feiras no Edifício Rex, sede do MES, e os encontros aconteciam no gabinete de Gustavo Capanema. Sempre que possível o Ministro participaria das suas reuniões; e nessas ocasiões ele presidiria a Comissão 17 . Do contrario, na sua ausência, o Secretário Geral da CNLI, Murilo Mendes, seria o presidente da Seção. As atas das reuniões indicam, contudo, que Capanema raramente participou dos trabalhos da CNLI. Segundo a Portaria, publicada no Diário Oficial do dia 04 de maio de 1936as atribuições da Comissão Nacional de Literatura Infantil eram: ―O Ministério de Estado da Educação e Saúde Pública, em nome do presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, resolve expedir as seguintes instruções relativas à Comissão de Literatura Infantil [...] a) Organizar, periodicamente, relações, com apreciação crítica, das obras de literatura infantil, existentes em língua portuguesa, originais e traduzidas; b) Escolher, dentre as obras de literatura infantil existentes em língua estrangeiras, aquelas cuja tradução ou adaptação seja conveniente fazer; c) Indicar ao governo as providências que devam ser tomadas para a eliminação das obras de Literatura Infantil, perniciosas ou sem valor; d) Indicar ao governo as providências tenentes a promover em todo país o desenvolvimento da boa literatura infantil, bem como a instituição de bibliografia para crianças‖ 18 . Como se pode observar, a primeira incumbência da Comissão foi organizar uma relação de livros de literatura infantil em língua portuguesa (originais e traduzidas), que circulavam no Brasil, além de emitir pareceres críticos sobre os mesmos. A professora Elvira Nizynska se encarregou dessa primeira tarefa e organizou uma lista com 500 títulos de livros infanto-juvenis existentes no Brasil. Lamentavelmente, os pareceres 18 Portaria publicada em D.O em 4 de maio de 1936, p. 9277. GCg1936.04.29p.430. rolo 42. fot. 814 a 1006 10 críticos referentes a esses livros não foram encontrados dentre os documentos da CNLI. Embora exista menção a eles em uma entrevista que Jorge de Lima concedeu ao jornal A Tarde (c.1938), do Rio de Janeiro. ―[A.Tarde]: E que fez a comissão desde o seu início? [Jorge de Lima] Fizemos tudo isso – Estabelecemos uma ficha especial para julgar os livros. Lemos e julgamos sob este critério centenas e centenas de obras. Estabelecemos prêmios e conferimo-los a vários escritores e pintores de assuntos infantis, como Santa Rosa, Jardim e Lúcia Miguel Pereira entre os mais dignos. ‖ 19 Nessa mesma entrevista, quando perguntado sobre o que a CNLI havia feito, Jorge de Lima respondeu que criaram uma Ficha Especial de Avaliação com diversos critérios, considerando as características positivas ou negativas de todos os livros infanto-juvenis que estavam sob apreciação. A ficha avaliativa foi utilizada tanto para julgar os livros já publicados no Brasil quanto outros livros, inéditos, que anteriormente fizeram parte do concurso promovido em 1937 (que será tratado no próximo capitulo) 20 . A segunda atribuição da CNLI era estabelecer uma lista com os livros em língua estrangeira que seus integrantes considerassem apropriados para a tradução. Tanto Elvira Nizynska quanto Jorge de Lima apresentaram as suas sugestões. Ao fim, cerca de duzentas obras foram analisadas e algumas indicadas para a tradução 21 . O terceiro objetivo foi sugerir quais medidas deveriam ser tomadas pelo Governo para eliminar as obras que eventualmente não possuíssem valor artístico ou 19 Entrevista concedida por Jorge de Lima ao jornal A Tarde, do Rio de Janeiro (c.1938). 20 Dos 500 títulos analisados, 60 foram indicados como sendo os melhores e dignos de serem adotados por bibliotecas infantis e bibliotecas de escolas públicas. Tanto as fichas padrão quanto a lista dos livros indicados pela CNLI encontram-se no segundo capitulo desta dissertação. 21 Lista dos livros estrangeiros indicados para tradução. GCg1936.04.29p.430. rolo 42. fot. 814 a 1006 11 fossem perniciosas. Entre 1936 e 1938, não foram encontrados indícios dessa atividade de censura da CNLI. No entanto, quando a Comissão de Literatura Infantil tornou-se parte do INEP, em 1939, Lourenço Filho redigiu uma carta ao MES com o pedido de proibição da venda de livros de aventuras policiais para crianças. O educador argumentava que as histórias de suspense e intrigas poderiam prejudicar o bom desenvolvimento intelectual, psicológico e moral dos pequenos leitores 22 . Se a censura da CNLI até 1938 não incidiu sobre os livros infantis, o mesmo não ocorreu com os jornais. Os componentes da Comissão redigiram uma carta à Associação Brasileira de Imprensa, que foi publicada em pelo menos três jornais do Rio de Janeiro 23 . Nessa carta, a Comissão salientava que as noticias sobre crimes e acidentes, com fotos amplamente divulgadas na imprensa, eram prejudiciais às crianças. Pediam, então, a colaboração da ABI, sugerindo aos editores que retirassem esse tipo de notícia ao menos das capas dos jornais. “A literatura infantil e os jornais. O presidente da Associação Brasileira de Imprensa recebeu o seguinte importante oficio, tendo designado, desde logo, para se entender com a comissão, o nosso confrade Pinheiro de Lemos: ―A Comissão de Literatura Infantil, abaixo assinada, constituída por portaria do Sr. Ministro da Educação e Saúde Pública, para o estudo da literatura infantil e seu aperfeiçoamento no país reconhecendo, desde o início de seus trabalhos, o extraordinário poder de penetração da imprensa e a importância que a revista e o jornal, de cunho especializado ou não para crianças e adolescentes,pode ter sobre a formação educativa das novas gerações, vem solicitar a V. Ex se digne de considerar o assunto, no seio desta prestigiosa associação, que tão louváveis serviços tem já prestado a cultura do país. A comissão 22 Ver: COSTA, Aline S. A Literatura Infantil no Governo Vargas: um estudo sobre A terra dos meninos pelados de Graciliano Ramos (1936 – 1939). Monografia de Fim de Curso. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2008. 23 Publicação da carta escrita pela CNLI à Associação Brasileira de Imprensa pedindo que se evitassem noticias de crimes e acidentes na primeira capa de jornais e revistas. 12 autorizada pelo Sr. Ministro, pede permissão a V. Ex para sugerir seja estudado por uma comissão especial de membros dessa associação, o delicado problema dos efeitos da imprensa sensacionalista, sobre as crianças e adolescentes, especialmente no que diz respeito à publicação de extenso e minucioso noticiário sobre crimes de morte,roubos, suicídios e desastres impressionantes, apresentado com copiosa documentação fotográfica, cujos aspectos nem sempre são dos mais felizes, no que respeita à ação que a imprensa pode e deve ter sobre a educação do povo. Igualmente, seria de grande interesse e significação que essa associação fizesse uma ação de propaganda, no sentido de desenvolvimento, nos jornais e revistas de todo o país, de seções especialmente destinadas as crianças e aos jovens, cuja orientação educativa, de modo geral,pode ser feita, se assim for julgado conveniente, por meio de sugestões periódicas da Comissão de Literatura Infantil. Esta comissão, que se reúne todas as quintas-feiras, das 17 às 19 horas, na sede do Ministério da Educação (Edifício Rex, 14° andar) receberá, com muito agrado, em qualquer de suas seções, a visita de V. Ex ou de membros dessa associação, empenhados no estudo do importante problema, e que tão perto interessa à formação das novas gerações. Com os seus agradecimentos, a comissão aproveita a oportunidade para apresentar à V. Ex os protestos de elevada estima e distinta consideração. A comissão: (a.a) Lourenço Filho; José Lins do Rego; Jorge de Lima; Maria Eugênia Celso; Elvira N da Silva; Manoel Bandeira e Murilo Mendes ― 24 O quinto objetivo da CNLI era incentivar e promover a boa literatura infanto- juvenil. Para cumpri-lo, a Comissão indicou uma listagem bibliográfica com obras desse gênero, promoveu concurso literário e também apresentou um projeto para a criação de bibliotecasinfanto-juvenis. Das principais ações propostas, a mais importante foi o concurso que iria premiar ao todo nove livros, divididos em três categorias (para 24 Jornal O Globo, 3 de junho de 1936. A mesma nota carta foi publicada nos jornais: Jornal do Comercio; Jornal do Brasil e Diário Carioca, todos circulantes no Rio de Janeiro (os três últimos, a publicação foi no jornal do dia 4 de junho de 1936). 13 crianças de 03 a 06 anos; de 07 a 10 anos e por fim, para crianças a partir dos 11 anos). O concurso ocorreu em 1937 e premiou diversos autores, alguns bastante conhecidos à época 25 . Além disso, como decorrência do mesmo concurso, Murilo Mendes sugeriu que o Ministério também financiasse a edição de livros em material mais simples, para que os preços dessas edições fossem barateados e estivessem ao alcance da maioria das crianças. Também visando à formação do público leitor infanto-juvenil, a CNLI propôs a criação de Centros de Cultura e Lazer, no qual haveria uma Biblioteca para crianças e jovens. Pensada para oferecer um ambiente que estimulasse as crianças e jovens a ler, quebrando assim o ambiente tradicionalmente rígido das bibliotecas, nelas as estantes ficariam ao alcance do público leitor. Também seria oferecido nesses centros culturais teatro infantil, seções de cinema, aulas de música e dança, jogos e atividades recreativas de cunho educativo que contribuíssem para a formação das crianças e dos jovens, complementando, assim, a educação escolar. A criação da Comissão Nacional de Literatura Infantil foi anunciada durante o Evento Comemorativo de aniversário de 28 anos da morte do escritor Italiano Edmundo de Amicis, autor de Cuore (1886), traduzido no Brasil por João Ribeiro (data da tradução) 26 . O evento ocorreu no salão da Faculdade de Belas Artes na segunda semana 25 Dentre os vencedores do concurso estavam: 1° Categoria (crianças de 03 a 06 anos): 1°)Santa Rosa, O Circo; 2°) Luiz Jardim, O tatu e o macaco; 3°) Paulo Werneck e Margarida Estrela, A Carnaubeira. 2° Categoria (crianças de 07 a 10 anos): 1°) Marques Rebelo, A casa das três rolinhas; 2°) Lúcia Miguel Pereira, A fada menina; 3°) Graciliano Ramos, A terra dos meninos pelados. 3° Categoria (crianças a partir da 10 anos): 1°) Erico Veríssimo, As aventuras de Tibicuera; 2° ) JR Alves, O boi de Aruá. 26 Ver: SANDRONI, Laura. De Lobato a Bonjunga: as reinações renovadas. Rio de Janeiro: Agir, 1987. ZILBERMAN, R.; MAGALHÃES, L. C. Literatura Infantil: Autoritarismo e Emancipação. São Paulo, Ática, 1987. 14 de março de 1936. Nesse evento, diversos escritores e pedagogos foram convidados e proferiram palestras sobre a situação do livro infanto-juvenil no país. Quase um mês e meio após essas comemorações, em 30 de abril de 1936, Gustavo Capanema convocou a primeira Reunião da Comissão Nacional de Literatura Infantil, mas apenas em 4 de maio a portaria — que comunicava sua criação — foi publicada em D.O 27 . Foto tirada durante o evento em comemoração ao aniversário de morte de Edmundo de Amicis, em março de 1936. Na foto estão presentes alguns participantes da Comissão Nacional de Literatura Infantil. Na primeira fileira da esquerda para a direita, sentados, estão: Lourenço Filho (o primeiro), o ministro Gustavo Capanema (o terceiro) e Elvira Nizynska da Silva (com roupas claras, na ponta direita). De pé está Manuel Bandeira, o terceiro da esquerda para a direita 28 . Vale lembrar que o livro de Edmundo de Amicis contava o cotidiano de um menino italiano durante seu ano letivo. Escrito durante o período da unificação italiana, Cuore trazia episódios nos quais os valores familiares, a Escola e o sentimento nacional 27 A Primeira Reunião da Comissão Nacional de Literatura Infantil foi noticiada pelo periódico O Jornal, em 1° de maio de 1936, Rio de Janeiro. A foto que ilustra a capa desta dissertação pertence a essa reportagem. ( Acervo Jorge de Lima de Recortes de Jornal; Pasta 06. – Arquivo Casa de Rui Barbosa). 28 Acervo de Fotos Digitalizadas do Arquivo Pessoal de Lourenço Filho. CPDOC – FGV. Título: Conferência em homenagem à Edmundo de Amicis. 15 eram exaltados – sobretudo no que se refere à idéia da ―Grande Itália‖. Em seu livro, Amicis sempre representava família como a base dos valores sociais, e a Escola, em complemento, era uma espécie de pequena nação que visava refletir mimeticamente a unidade da sociedade italiana. Para ele, portanto, a Escola era uma espécie de balão de ensaio que prepararia a criança para o exercício da vida cívica. Bastante lido no Brasil dos anos de 1930, Cuore foi um dos indicados como melhor livro infanto-juvenil. A obra tem o formato de diário, no qual o menino Henrico Bottini, estudante do terceiro ano da escola primária, conta o seu dia-a-dia: as lições aprendidas, a relação com os amigos e a família. Com suas histórias edificantes e lições ficcionalizadas de História e Geografia italiana, Amicis pretendia que o livro fosse adotado pelas escolas públicas e auxiliasse o ensino Moral e Cívico. ―Outubro, 2° feira, 17. Primeiro Dia. Primeiro dia de escola, hoje. Vão longe como um sonho aqueles três meses de férias no campo! De manhã, mamãe levou-me para matricular na classe adiantada. O campo não me saía da cabeça e eu ia de mau humor. As ruas estavam cheias de meninos; as duas livrarias apinhavam-se de pais e mães que compravam bolsas, cadernos e carteiras. Diante da escola havia tanta gente que o bedel e o guarda civil a muito custo conseguiram deixar a porta desimpedida. [...] A minha mestra da primeira classe cumprimentou- me da porta, olhando-me e dizendo-me com tristeza: – Tu vais agora para o andar de cima, para a classe adiantada, e nem ao menos te verei passar! [...]‖ 29 Do ponto de vista estético, esse livro guarda proximidade com o romantismo. Há forte apelação emocional (começando pelo título, Cuore) e a temporalidade da história 29 AMICIS, Edmundo de. Coração. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1959. 16 segue uma ordem cronológica linear (o calendário escolar). A preocupação com a descrição do ambiente e a pretensão de contar histórias que se aproximassem do cotidiano infantil também eram elementos que caracterizavam o livro de Edmundo de Amicis. Os aspectos emotivos também aparecem nos personagens, que são exaltados por suas condutas morais exemplares – em especial, as crianças 30 . A criação da Comissão Nacional de Literatura Infantil não passou despercebida e foi noticiada na imprensa. Algumas pequenas notas saíram nos jornais Jornal do Comércio (1° de maio de 1936; Rio de Janeiro); A Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro em 2 de maio de 1936); Estado de Minas (1° de maio de 1936, Belo Horizonte). A seguir, a nota publicada pelo periódico O Jornal, do Rio de Janeiro, em 1° de maio de 1936: ―Prosseguindo a execução do plano recentemente posto em destaque por ocasião das comemorações de Edmundo de Amiccis o Sr. Gustavo Capanema nomeou uma comissão composta das senhoras Maria Junqueira Schmidt, Cecília Meireles, Elvira Nizinska e senhores Jorge de Lima, Murilo Mendes, José Lins do Rego e Manuel Bandeira. O ministro da Educação determinou para a referida comissão as seguintes incumbências: Organizar uma relação de obras de literatura infantil em língua portuguesa, originais ou traduzidas; escolher dentre as obras de literatura infantil em língua estrangeira, aquelas cuja tradução seja conveniente; indicar as idades das crianças a que cada obra literária possa convir; indicar ao governo as providências que devem ser tomadas para a eliminação das obras deliteratura infantil perniciosa ou sem valor; indicar as providências tendentes para promover em todo país o desenvolvimento da 30 Ver: COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: Teoria, Análise, Didática. São Paulo: Moderna, 2000. ZILBERMAN, R.; MAGALHÃES, L. C. Literatura Infantil: Autoritarismo e Emancipação. São Paulo, Ática, 1987. 17 boa literatura infantil, bem como a instalação de bibliotecas para crianças.‖ 31 Além das notas sobre a criação da CNLI, Raymundo de Magalhães Junior, também publicou no O Jornal de 08 de maio de 1936 o seguinte artigo: ―A literatura infantil não é uma coisa tão simples quanto pode parecer à primeira vista. É questão de alto interesse humano e social. Dela, porém, jamais se cuidou no Brasil. A questão tem aspectos delicadíssimos. O livro infantil, sobretudo pela sua falta de fiscalização pode tornar-se um veículo poderoso, e tão nocivo quão poderoso, de difusão de idéias dissolventes, de pontos de vista falsos, de doutrinas inconvenientes e contrárias à nossa formação social, moral e até mesmo política. Tenho de mim e para mim que um dos nossos defeitos máximos é gerado, sobretudo, pela má educação da mocidade. É o defeito da indiferença, do conformismo, do ―assim está bem‖, do ―vamos deixar como está‖. É necessária uma grande dose de equilíbrio, um senso perfeito e apurado, para não se toque um dos extremos – ambos equivalentes em seus efeitos: o do “porque me ufano do meu país” incutindo nos garotos noções que não condizem com a nossa realidade, – o maior e mais rico país onde a natureza de excedeu em tudo, o que acaba deixando a impressão de que é desnecessário e inútil o esforço humano – ou o pessimismo doentio, o ceticismo, o desalento, a desesperança dos que não nos julgam capazes de realizar coisa alguma, dos que acreditam que só um Brasil fragmentado, subdividido, desarticulado, poderá progredir e enriquecer [...] A comissão, para melhor realizar seu trabalho, deve classificar as obras de acordo com a idade dos pequeninos leitores. É uma providência que não podia deixar de ter sido adotada. Nos primeiros anos, já é grande coisa despertar o interesse dos guris para leitura. É a época do maravilhoso, do reino encantado, das fantasias poéticas de Grimm, de Perrault e de Andersen. Dos cinco aos dez anos não se deve cansar a memória das crianças com a sobrecarga de outros conhecimentos além daqueles que constituem os seus deveres escolares, mesmo que esses 31 O Jornal, 01 de maio de 1936. Acervo Jorge de Lima – Casa Rui Barbosa; Pasta 06. 18 conhecimentos sejam dissimulados sob a forma de diálogos ou historietas. As crianças têm direitos que ninguém mais pode ter ou reclamar. Têm o direito à poesia, ao maravilhoso, ao sonho com as coisas impossíveis. [...] A transição entre o maravilhoso e os conhecimentos práticos deve ser feita lentamente. Depois dos dez anos ou mesmo dos oito, já podem discernir melhor sobre certos assuntos, consultar, comparar, tirar conclusões. É o tempo dos ―livros úteis‖. Estes, no entanto, devem ser ao mesmo tempo próprios para as crianças. Essa é a tarefa da comissão, tarefa necessária de higiene e de saneamento mental. Produzirá, entretanto, resultados eficientes, positivos, dourados, a iniciativa que o Sr. Gustavo Capanema acaba de lançar, enfrentando um problema novo na esfera das suas largas e complexas atribuições? Entendo que só se obterá esse resultado se a comissão tiver um caráter efetivo e as obras destinadas às crianças, como jornais infantis e ainda as ―horas infantis‖ das estações de rádio ficarem sob a sua censura prévia, que ninguém poderá iludir. Fora disso não terá proveito a iniciativa governamental, pois em pouco voltará o abuso e a obra da comissão além de efêmera, será unilateral. É como se alguém se lembrasse de fechar o sangradouro de um açude, deixando dez outros abertos, ao ímpeto da água fugidia...‖ 32 O artigo escrito pelo teatrólogo e jornalista Raymundo de Magalhães Junior chamava a atenção para o potencial educativo que a literatura infanto-juvenil possuia. Para ele, havia a necessidade de que essas obras fossem cuidadosamente analisadas para evitar que idéias contrárias à moral e à política vigentes fossem veiculadas. Mas a principal preocupação do escritor era com o tipo de nacionalismo que os livros infantis apresentavam: ele era contrário ao ufanismo de Afonso Celso, que ao exaltar excessivamente as nossas qualidades naturais conduzia os jovens não só ao sentimento de xenofobia, mas também ao de inércia cívica — isto é, à veneração cega das virtudes naturais do país (exuberância da flora e fauna brasileiras, etc...) — o que impediria as novas gerações de compreender os verdadeiros problemas da nação. Ademais, ele 32 O Jornal . Rio de Janeiro, 8 de maio de 1936. Acervo Jorge de Lima, Pasta n°6. Casa de Rui Barbosa. 19 também criticava o excesso de realismo edificante, que suprimia o caráter fantasioso e a livre imaginação infantil, conduzindo o jovem leitor ao mundo adulto sem qualquer mediação. Para Magalhães Junior, as crianças, sobretudo aquelas entre 05 e 10 anos, necessitam da fantasia, dos contos maravilhosos e da poesia para se desenvolver gradualmente, tanto intelectual quanto psicologicamente. Quando propôs uma classificação dos livros infanto-juvenis por faixa etária, ele apontava para uma nova concepção de criança e infância, afirmando que a formação psíquica e intelectual infantil se realizava através de sucessivas e específicas fases — o que era compatível com as modernas teorias sobre criança e a infância, em especial a de Jean Piaget. Por fim, Raymundo de Magalhães Junior salientava a importância que a Comissão deveria dispensar aos programas de rádio e demais produções culturais especificas para as crianças. Com isso, na sugestão dele, a CNLI não deveria apenas ocupar-se dos livros de literatura infantil, mas de todas as produções culturais voltadas para o publico infanto-juvenil. Convém recordar que a preocupação com a formação de leitores na infância, no Brasil, não foi inaugurada pela Comissão Nacional de Literatura Infantil. Desde finais do século XIX 33 , quando Carlos Jansen 34 traduziu e adaptou livros para o público infantil e juvenil (dentre os contos traduzidos estão: Contos Seletos das Mil e Uma Noites (1882) e Robinson Crusoé (1885)), já havia sinais evidentes dessa preocupação. 33 Ver: SOARES, Gabriela Pellegrino. Semear horizontes: uma história da formação de leitores na Argentina e no Brasil, 1915-1954. Belo Horizonte: Editora UFMG/ FAPESP, 2007; LAJOLO, Marisa. Literatura infantil brasileira: história e crítica. São Paulo: Ática, 1984; SANDRONI, Laura. De Lobato a Bonjunga: as reinações renovadas. Rio de Janeiro: Agir, 1987. 34 Carlos Jansen (1829 – 1889) era alemão, mas viveu muitos anos no Brasil. Foi professor e escreveu livros didáticos, como uma cartilha para o ensino de língua alemã. Traduziu diversos livros infantis, como Contos Seletos das Mil e Uma Noites (1882) e Robinson Crusoé (1885). 20 Muitos outros escritores, como Figueiredo Pimentel 35 , Julia Lopes de Almeida 36 e Tales de Andrade 37 , também foram atuantes na escrita de histórias específicas para jovens leitores. Outro autor que se ocupou de livros para crianças foi Olavo Bilac 38 . Dentre os livros escritos por ele estão ―Poesias infantis‖ e ―Teatro para crianças‖, mas o mais famoso e significativo — segundo especialistas em literatura infantil 39 — foi Através do Brasil, no qual se percebe forte caráter pedagógico, procurando ensinar às crianças o português formal e lições sobre aHistória e a Geografia do Brasil 40 . As preocupações apresentadas nos livros infantis de Olavo Bilac também estavam presentes nas obras de 35 Alberto Figueiredo Fimentel (1869 – 1914), nascido em Macaé, no Rio de Janeiro. Escreveu poesias e crônicas. Foi também tradutor e escritor de obras infantis, como Contos da Carochinha (1894) e Histórias da Avozinha (1896). Também atuou como colaborador do jornal Gazeta de Notícias. 36 Júlia Lopes de Almeida (1862 – 1934) nasceu no Rio de Janeiro. Mudou-se ainda criança com a família para a cidade de Campinas, em São Paulo, onde anos mais tarde iniciou sua carreira de escritora com poesias e contos para o jornal Gazeta de Campinas. Escreveu também artigos, contos e romances para jornais e revistas femininas, tais como A Família (SP- 1888 – 1889); A mensageira (SP, 1898 – 1900) e Revista Feminina ( SP 1915-1917). Dentre os livros voltados às crianças estão Contos Infantis (1886); Histórias da nossa terra (1907) e Era uma vez... (1917). Algumas vezes utilizava-se de pseudônimos, e o mais conhecido era Jacinto Filinto de Almeida. Importante ressaltar que Júlia Lopes de Almeida foi tão importante em seu período que seu nome foi indicado para assumir uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Entretanto, apenas homens compunham a Academia na época, e por isso decidiram indicar o nome do escritor português Filinto de Almeida, marido de Julia Lopes de Almeida, para representá-la na ABL. 37 Tales Castanho de Andrade (1890 – 1977) nasceu na cidade de Piracicaba em São Paulo. Na juventude, trabalhou como tipógrafo no jornal Gazeta Piracicabana, além de ajudar o pai na indústria de bebidas da família. Estudou em colégios tradicionais e a partir de 1912, na cidade de Jaú, também em São Paulo, iniciou sua carreira como professor. Sua atuação foi na formação de professores, na Escola Normal de São Paulo. Lecionou as disciplinas de História da Civilização, História do Brasil e História das Américas. Dentre suas obras para crianças mais conhecidas estão: Coleção Encantos e Verdades (1919 – Editora Melhoramentos); Saudade (1919) e Ler Brincando (1949), esta última era uma cartilha, lançada pela editora Companhia Nacional; 38 Olavo Bilac era, no início dos anos de 1930, um dos escritores mais conhecidos, tanto que em seu inquérito sobre gostos literário infantis, realizado pelo Departamento de Educação do Distrito Federal, Cecília Meireles indica ser ele o autor mais citado como conhecido pelas crianças. 39 Ver: LAJOLO, Marisa. Usos e abusos da literatura na escola: Bilac e literatura escolar na república velha. São Paulo: Ática, 1998. ARROYO, Leonardo. Literatura Infantil Brasileira. São Paulo: Melhoramentos; 1967. 40 Ver: LAJOLO, Marisa Usos e abusos da literatura na escola: Bilac e literatura escolar na república velha. São Paulo: Ática, 1998. 21 Julia Lopes de Almeida, mas com algumas distinções 41 . Esses livros possuíam histórias nas quais o bom comportamento infantil e a obediência aos valores pátrios e familiares eram valorizados. Outro escritor, Tales de Andrade, escreveu uma coleção de livros intitulada ―Encantos e Verdades‖ 42 , lançada em 1925 pela Editora Melhoramentos, em São Paulo. Esta coleção reunia uma série de livros escrita pelo autor, tais como Saudades (1919); A filha da floresta (1921) e El rei D. Sapo (1923), livros presentes na lista de livros infantis considerados bons segundo a Comissão Nacional de Literatura Infantil, criada em 1936 pelo ministro da Educação e Saúde Gustavo Capanema e estudou os livros infantis produzidos no Brasil até aquele momento. Apesar de outros literatos e pedagogos escreverem livros infantis nesse momento, foi o escritor Monteiro Lobato que se tornou referência como autor de livros infantis. Lobato, além de investir no empreendimento editorial para crianças, também escreveu uma série de livros infantis. Seus livros, embora preocupados com a educação em algum sentido (como, por exemplo, ―Gramática de Emília‖), já apresentavam preocupações estéticas que não eram secundárias às características pedagógicas. Sua obra infantil possui como principais características as crianças em posição de sujeito ativo – curiosas e questionadoras. Há também exaltação ao elemento ―fantasia‖, em oposição a algumas obras oferecidas às crianças até então, cuja principal característica era a busca por um ―realismo‖, pretendendo-se que as histórias refletissem a sociedade da qual as crianças faziam parte. 41 LAJOLO, Marisa. Usos e abusos da literatura na escola: Bilac e literatura escolar na república velha. São Paulo: Ática, 1998. LAJOLO, Marisa. Literatura Infanto-juvenil brasileira: História e histórias. São Paulo: Ática, 2003. Para Marisa Lajolo, Julia Lopes de Almeida, em seus livros, demonstrava uma maior preocupação com os valores morais e o ensino da língua e da História do Brasil. Já Olavo Bilac, além da preocupação pedagógica ―escolar‖, também se preocupava com a formação do sentimento nacional dos pequenos leitores. 42 Embora autor de livros infantis conhecidos à época, Tales de Andrade não fez parte da Comissão Nacional de Literatura Infantil. 22 Havia um debate em torno do livro infanto-juvenil que agregava diferentes posições em relação a sua forma e conteúdo. Maria Eugênia Celso, em artigo para o jornal Correio da Manhã, preocupou-se em fazer uma defesa dos elementos fantásticos nos livros infantis. Tal preocupação tornou-se bastante compreensível se levarmos em consideração que autores consagrados como Olavo Bilac, Joaquim Manuel de Macedo e Afonso Celso (pai de Maria Eugênia Celso) acreditavam que os livros infantis deveriam apresentar histórias edificantes, em linguagem sempre formal e correta, sem a contaminação por ―noções equivocadas ou falsas‖. Para esses autores, os elementos fantásticos prejudicariam o desenvolvimento intelectual dos pequenos leitores e deveriam, portanto, ser evitados 43 . Esses debates sobre a literatura infantil e a preocupação com a criação de bibliotecas infanto-juvenis similares às já existentes em países como França, Inglaterra e Estados Unidos da América ocorreram principalmente entre os educadores vinculados à Associação Brasileira de Educação (ABE). Fizeram parte deste debate a professora Juraci Silveira, a poetisa Cecília Meireles, os educadores Anísio Teixeira e Lourenço Filho e a professora Elvira Nizynska da Silva 44 . Em 1926, educadores ligados a ABE promoveram um inquérito que procurou averiguar as preferências literárias infantis. Essa pesquisa, todavia, não foi a única. Em 1931, Cecília Meireles realizou um inquérito sobre os gostos literários infantis (nesse período, o educador Anísio Teixeira era o Direção Geral de Instrução Pública do distrito Federal). Em Minas Gerais, a professora Helena Antipoff também realizou semelhante 43 Ver: LAJOLO, Marisa Usos e abusos da literatura na escola: Bilac e literatura escolar na república velha. São Paulo: Ática, 1998. HANSEN, Patrícia dos Santos. Brasil, um país novo: literatura cívico-pedagógica e a construção de um ideal de infância brasileira na Primeira República. PUC SP; 2007. 44 Através dos documentos analisados, apesar de Elvira Nizynska da Silva não ter assinado o Manifesto dos Pioneiros, foi possível identificar em seu discurso idéias vinculadas ao movimento da Escola Nova, como será analisado posteriormente neste trabalho. 23 pesquisa com alunos de escolas públicas 45 . Esses inquéritos e demais trabalhos realizados foram utilizados pela CNLI para auxiliar na classificação de livros infantis e como embasamento empírico e teórico dos pareceres escritos. Assim, apesar de não ter inaugurado os debates sobre a Literatura InfantilBrasileira, a CNLI representou a institucionalização destes. Além disso, apresentou uma outra proposta de literatura infantil a ser valorizada, que era diferente daquela escrita por autores da virada do século XIX para o XX. A Comissão Nacional de Literatura Infantil estava a par das discussões ocorridas nos anos de 1920 e 1930 sobre a criança e a infância e isso possibilitou que a voz da criança fosse ouvida, tornando-a, de certa forma, protagonista deste processo de definir os livros que lhes fossem mais apropriados. Nesse sentido, a nova concepção de infância, trazida pela Psicologia Experimental, fez com que não fosse apenas considerado aquilo que especialistas entendiam como sendo o livro infantil, mas também que suas historias estivessem de acordo com o gosto das crianças. Pode-se entender essa participação a partir do ―protagonismo infantil‖ trazido pelos novos estudos e adotados pelos educadores ligados à Renovação do Ensino. Enquanto seres dotados de pensamento e reagindo ao ensinamento que lhes eram ministrados, as crianças passaram a ser o centro da atenção dos educadores. Assim, não era apenas importante estabelecer critérios e fórmulas para uma boa literatura infantil, mas também considerar a opinião dos jovens leitores. A partir da concepção de que a criança necessita dos elementos fantásticos, da imaginação para interagir com o mundo e de, aos poucos, adquirir conhecimentos sobre ele, a Comissão passou a defender uma literatura que partisse do imaginário e, paulatinamente, desse à criança a dimensão da vida real (harmonia entre o real e o 45 SILVA, Elvira Nizynska da. Os problemas da Literatura Infantil. In: Infância, ano 02; 1936. Este artigo será explorado mais adiante. 24 imaginário). Diante disso, os poetas modernistas que participaram da CNLI demonstram suas concepções de estética. Não mais excessivamente preocupados com uma verossimilhança que se queria imitação perfeita do mundo extra-ficcional, a preocupação maior da CNLI era destinar às crianças e jovens histórias plausíveis, convincentes dentro de um dado universo criado na ficção. Além de uma linguagem fácil, simples e acessível às crianças, o livro infanto-juvenil deveria preocupar-se em apresentar histórias que envolvessem os pequenos e jovens leitores. No entanto, a preocupação com os elementos estéticos dos livros e o gosto de leitura infanto-juvenil não significou a despreocupação com seu caráter pedagógico: o livro infantil continuava sendo visto como um aliado do processo de socialização infantil. Contudo, na CNLI essa preocupação é demonstrada de maneira distinta. Para Afonso Celso, Julia Lopes de Almeida e Olavo Bilac o livro infantil deveria conter histórias que seguissem a um padrão estético realista e a partir de histórias edificantes, ensinar boas maneiras e condutas morais e sociais exemplares. A Comissão, por sua vez, afirmava que o livro infantil deveria cumprir tais funções, mas a partir de histórias fantásticas, ensinando e divertindo ao mesmo tempo, levando também em consideração o gosto literário infanto- juvenil. O último papel do livro infanto-juvenil, isto é, divertir, estava em segundo plano durante os primeiros anos de República. Com a CNLI, ele volta a ter importância e a dividir espaço com o caráter pedagógico comum ao livro infanto-juvenil. Dessa forma, atendendo aos gostos das crianças pelos contos maravilhosos, a Comissão premiou livros que seguissem a essas expectativas infantis. Contudo, não bastava que o livro fosse do gosto da criança ou do jovem, o caráter educativo também eram essenciais para um bom livro infanto-juvenil. 25 Assim, a concepção de criança apresentada pela CNLI era a de um ser em formação, mas com características psicológicas distintas e com necessidades específicas, diferentes dos adultos. Diante dos ―modernos estudos‖ sobre a criança e a infância, ela deixa de ser um ―papel em branco‖ para ser aquela com mecanismos próprios de construir conhecimento, que devem ser respeitados, mas orientados pelos adultos (principalmente pais e professores). Com isso, em nome do desenvolvimento do futuro cidadão, não era possível à criança ter sempre seus desejos satisfeitos, mas era importante – ao menos no que se refere à literatura infantil – que se unisse ―o útil (para os especialistas, que era educar a criança para a vida em sociedade) ao agradável (aquilo que era interessante, que chamava a atenção das crianças). I.1) As políticas culturais do MES e a Comissão Nacional de Literatura Infantil. A criação da Comissão Nacional de Literatura Infantil fez parte das ações culturais implementadas pelo MES durante a gestão de Gustavo Capanema (1935 – 1845). Encarregado não apenas de estruturar a Educação Formal, o MES deveria também ocupar-se com a formação de um novo ethos, que representaria o novo Estado que estava sendo criado 46 . Dessa forma, em seu caráter amplo de educação, o MES também se preocupou em criar projetos para a promoção da cultura nacional (concursos, Comissões Especiais, Eventos Cívicos, Projetos na área de Saúde, etc). Nos anos de 1930, muitos eram os projetos em torno da Educação e da Cultura Nacional, e o Governo Vargas, através principalmente do MES, trouxe para si essas discussões, procurando orientá-las de acordo com as necessidades e interesses desse novo Estado. 46 Ver: SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena. (org). Tempos de Capanema. São Paulo: Editora Paz & Terra; 2000. 26 Dentre os grupos que disputavam espaço na educação estavam os Católicos (representados por Alceu Amoroso Lima e os educadores vinculados à Associação dos Professores Católicos do Distrito Federal) e os educadores adeptos da Escola Nova (cuja participação mais atuante foi através da Associação Brasileira de Educação). O primeiro grupo defendia que a Igreja, em conjunto com a Família, deveria ser a responsável pela educação dos jovens e das crianças. Nesse sentido, os intelectuais católicos defendiam, em primeiro lugar, o ensino religioso nas escolas públicas. A postura do laicato católico deve ser entendida como uma tentativa da Igreja Católica reconquistar seu espaço de atuação polícia na sociedade brasileira, perdido após a instauração da República, que separou o Estado da Igreja 47 . A Igreja pretendia assegurar sua importância na formação das novas gerações, e para isso, além da defesa do ensino religioso, escrevia inúmeros artigos ressaltando a importância da Igreja Católica na sociedade brasileira e atacando ferozmente aqueles que pretendiam instaurar a Educação Renovada, cuja principal característica era a expansão do ensino laico. Os educadores defensores da Escola Nova, cujos principais nomes foram Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Fernando de Azevedo, defendiam uma escola pública laica, um ensino voltado para as necessidades práticas da sociedade, público e universal. As concepções educacionais defendidas pelo movimento da Escola Nova tinham por base os estudos e projetos educacionais realizados nos Estados Unidos, França e Inglaterra nas décadas de 1920 e 1930. Não obstante o grupo não apresentasse uma concepção educacional homogênea, definida, criticava duramente a velha didática, baseada na repetição dos conhecimentos, na disciplina rígida (quase militar) e na autoridade máxima do professor. Propunham um ensino dinâmico, no qual a criança deveria 47 Ver: CÔRTES, Norma. Católicos e autoritários: Breves considerações sobre a sociologia de Alceu Amoroso Lima. In: Revista Intelectus. Ano I n° 1. http://www.uerj.br/~intelectus SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena. (org). Tempos de Capanema. São Paulo: Editora Paz & Terra; 2000. http://www.uerj.br/~intelectus 27 aprender vivenciando situaçõesque mais tarde lhes seriam cotidianas. Nas escolas que seguiram o Ensino Renovador os alunos eram estimulados a participar ativamente das aulas; nos laboratórios havia observação dos experimentos realizados e nas bibliotecas estimulava-se a pesquisa por parte dos alunos. As disputas entre Escolanovistas e Católicos tiveram seu auge durante a criação das universidades no Distrito Federal. Em 1935, sob a gestão de Anísio Teixeira na Direção de Instrução Pública do Distrito Federal, foi criada a Universidade Federal do Distrito Federal (UDF). O principal objetivo da UDF era o incentivo à pesquisa cientifica e à formação de professores do ensino secundário. É importante salientar que a UDF não foi a primeira universidade no Rio de Janeiro, pois desde 1920, com a união das faculdades de Direito e Medicina, além da Escola Politécnica, foi criada a Universidade do Rio de Janeiro 48 . No entanto, foi com a UDF que a universidade – que até então vinha desempenhando o papel de formar bacharéis e médicos – passou a se preocupar com a formação de professores e pesquisadores. A UDF, no entanto, passou a ser alvo de duras críticas, principalmente advindas dos intelectuais católicos, que acusavam seu idealizador, Anísio Teixeira, de ser um comunista e exigiam intervenção do governo na universidade. Em 1939, a UDF foi fechada. A Universidade do Brasil passou por uma reestruturação e começou a oferecer cursos antes oferecidos pela universidade fechada. Foi o caso, pro exemplo, do curso de História. No entanto, a importância da formação de pesquisadores ficou em segundo plano, dando lugar à formação mais erudita, focada nos conteúdos disciplinares 49 . 48 FERREIRA, Marieta de Morais. ―Notas sobre a institucionalização dos cursos universitários de História no Rio de Janeiro‖. In: GUIMARÃES, Manoel L. Salgado (org). Estudos Sobre a Escrita da História. Rio de Janeiro: Editora Sete Letras; 2006. 49 Idem. 28 Apesar das críticas ao movimento da Escola Nova, algumas de suas idéias ganharam espaço nos projetos do MES. A idéia da formação para a vida prática e as novas técnicas pedagógicas foram pontos que ganharam a simpatia do Estado. Por outro lado, a defesa de uma Educação voltada para a democracia e os valores liberais era o ponto mais atacado por seus críticos, em especial, os Católicos. Todavia, é importante ressaltar que as querelas entre católicos e ―pioneiros‖ começaram a se acirrar a partir dos anos de 1930 — sobretudo após a IV Conferência Nacional de Educação, organizada pela ABE e que gerou polêmicas em torno da defesa da educação pública laica. Durante os anos de 1920, a ABE possuía como membros tanto os intelectuais que viriam a ser chamados de ―pioneiros‖, quanto aqueles defensores dos valores católicos na educação. Dentre os católicos havia defensores do movimento de renovação de ensino, e que, posteriormente, apresentaram uma versão católica da Escola Nova. Do mesmo modo, alguns educadores escolanovistas posicionavam-se (explícita ou implicitamente) a favor do ensino religioso nas escolas públicas 50 . Assim, o principal ―pomo da discórdia‖ entre católicos e escolanovistas era a laicização do ensino e a exclusão do ensino religioso do currículo escolar. Alguns opositores também criticavam a idéia de liberdade presente na pedagogia escolanovista, argumentando que a liberdade concedida aos alunos prejudicava a autoridade do professor. Vale lembrar que o governo instaurado em 1930 por Getúlio Vargas era esperado como uma alternativa ao Liberalismo, visto como um fracasso que levou o país e o mundo à crise (com seu ápice em 1929) e ao Comunismo - visto por muitos como um mal a ser combatido. Os grupos de apoio a Getúlio Vargas esperavam que o novo governo fosse centralizado e capaz de promover a modernização política, 50 Ver: CARVALHO, Marta M. Chagas de. ―O território do consenso e a demarcação do perigo: política e memória do debate educacional dos anos 30‖. In: FREITAS, Luciano Cezar de (Org). Memória do Intelectual da Educação Brasileira. São Paulo: EDUSP; 2002. 29 econômica, social e cultural do país 51 . Nesse sentido, nas palavras de Francisco Campos (ministro da Educação e Saúde de 1931 a 1935), seria inútil educar para a democracia (como defendido por grande parte dos escolanovistas, inspirados pelas idéias de John Dewey), uma vez que ela era um modelo em decadência 52 . Foi em 1934, com a nomeação de Gustavo Capanema para Ministro da Educação e Saúde, que as políticas de universalização do ensino e promoção da cultura nacional se intensificaram. Para auxiliar nessas políticas, Capanema contou com a colaboração de diversos intelectuais vinculados ao movimento Modernista 53 . Muitos desses intelectuais já possuíam laços de amizade com o ministro, sobretudo aqueles que compunham a chamada intelectualidade mineira (dentre os quais se encontram Carlos Drumond de Andrade, que durante a gestão Capanema no MES ocupou o cargo de secretário geral do Ministro) 54 . Se o desejo de modernização do Brasil, sobretudo na Cultura e na Educação, era um desejo em comum dessa geração intelectual dos anos de 1920 e 1930 55 , diferentes e divergentes eram as concepções políticas e projetos educacionais delas decorrentes. Capanema e seu antecessor, Francisco Campos, já haviam tecido pactos de apoio aos intelectuais católicos, no que se refere à indicação das diretrizes educacionais. Tanto 51 SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena. (org). Tempos de Capanema. São Paulo: Editora Paz & Terra; 2000. 52 Ver: SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena. (org). Tempos de Capanema. São Paulo: Editora Paz & Terra; 2000. 53 Idem. 54 Ver: SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena. (org). Tempos de Capanema. São Paulo: Editora Paz & Terra; 2000. 55 O conceito de intelectual aqui utilizado é aquele apresentado por Daniel Pecault. Segundo o autor, no Brasil dos anos de 1930 o intelectual era aquele que possuía algum tipo de conhecimento sobre a sociedade brasileira. Assim, os intelectuais possuíam perfis profissionais diferenciados, e, em comum, compartilhavam certa tradição literária e a preocupação em estudar a sociedade brasileira em seus mais variados aspectos. Não havia, à época, a institucionalização de carreiras que hoje compõem o quadro das disciplinas nas universidades, como Letras, História, Geografia, Sociologia. Assim, as pesquisas realizadas por esses intelectuais era feita por iniciativa particular. Ver: PECAULT, Daniel. Os intelectuais e a Política no Brasil: entre o povo e a nação. São Paulo: Ática; 1990. 30 Francisco Campos quanto Gustavo Capanema mostravam-se afinados com as idéias católicas acerca da política e da melhor maneira de conduzir a educação. Uma das expressões mais importantes desse apoio foi o decreto lei de 1931, que permitia o Ensino Religioso em escolas públicas de ensino secundário. No entanto, o apoio dado aos católicos não significou uma total exclusão de intelectuais escolanovistas, tampouco que todas as novas concepções pedagógicas tenham sido banidas das reformas educacionais 56 . No âmbito dos projetos voltados para a universalização cultural, Capanema criou comissões para incentivar diversas áreas da cultura, tais como o teatro, o cinema (visto como um instrumento potencial de educação do homem), o rádio (que durante os anos de 1930 contou com programas educativos, que eram ouvidos em várias escolas) e o livro Didático. A importância do rádio na sociedade dos anos de 1930 era tanta que a CNLI entrou em contato com o presidente da Rádio Nacional e este concedeu à Comissão um programa de 10 minutos diários para falar sobre Literatura Infantil. O Estado, através do MES, cooptou diversos intelectuais
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