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História do Planejamento Urbano e Regional no Municipalismo

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CARLOS HENRIQUE CARVALHO FERREIRA JUNIOR 
 
COMO TUDO VIROU CIDADE 
─ uma contribuição à história do Planejamento Urbano e Regional a 
partir do municipalismo na Revista Brasileira dos Municípios ─ 
Rio de Janeiro 
2019 
 
 
 
 
CARLOS HENRIQUE CARVALHO FERREIRA JUNIOR 
 
COMO TUDO VIROU CIDADE 
─ uma contribuição à história do Planejamento Urbano e Regional a 
partir do municipalismo na Revista Brasileira dos Municípios ─ 
Tese apresentada ao Curso de Doutorado do 
Programa de Pós-graduação em Planejamento 
Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio 
de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos 
necessários à obtenção do grau de Doutor em 
Planejamento Urbano e Regional. 
Orientadora: Profa. Dra. Fania Fridman 
Rio de Janeiro 
2019 
CIP - Catalogação na Publicação
Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os dados fornecidos
pelo(a) autor(a), sob a responsabilidade de Miguel Romeu Amorim Neto - CRB-7/6283.
F383c
Ferreira Junior, Carlos Henrique Carvalho
 Como tudo virou cidade: uma contribuição à história
do Planejamento Urbano e Regional a partir do
municipalismo na Revista Brasileira dos Municípios /
Carlos Henrique Carvalho Ferreira Junior. -- Rio de
Janeiro, 2019.
 255 f.
 Orientadora: Fania Fridman.
 Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional, Programa de Pós-Graduação em
Planejamento Urbano e Regional, 2019. 
 1. Instituições Municipais. 2. Governo Local. 3.
Administração Pública. 4. Cidade. 5. Vila. I.
Fridman, Fania, orient. II. Título.
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
À professora Fania Fridman, pela paciência, gentileza e generosidade. 
A Lucas de Melo Prado, Ana Paula de Oliveira Sciamarella, Scott Elliot Adams, Sérgio 
Gondim, Margareth Hisse, Ricardo Dias e, Rafael Barcellos Santos, pelas palavras e 
gestos de apoio e incentivo. 
Às professoras e ao professor membros da banca, pela solicitude ao aceitarem o 
convite para avaliar esta tese. 
Aos professores e professoras do IPPUR dos quais guardo preciosas lições. 
À(o)s colegas de turma, corpo técnico do IPPUR e companheiros(as) de trabalho e 
estudos. 
Ao CNPQ, pelo apoio financeiro indispensável à realização desta tese. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A ordem e a conexão das ideias é a mesma que a ordem e a conexão das coisas.1 
 
1 Benedictus Spinoza. Ethica - II Sobre a Natureza e a Origem da Mente; Proposição VII) 
 
 
 
 
RESUMO 
O objetivo desta tese foi recuperar, no debate municipalista, o processo histórico de 
definição das instituições municipais. Partiu-se das seguintes premissas 1) as 
instituições são resultado de processos históricos e, 2) a influência da diversidade 
espacial brasileira nesse processo e nas instituições municipais criadas. O objeto de 
análise é o debate do municipalismo sobre a organização do país a partir dos 
municípios na Revista Brasileira dos Municípios, publicada entre 1948 e 1968. A 
relevância do documento está na pluralidade de posições que apresenta e por ter 
funcionado como um indexador de informações sobre matérias pertinentes ao 
municipalismo como Direito, Geografia, História, Urbanismo e Planejamento. 
Adotando a semiologia política, a noção de espaço da geografia e as palavras vila, 
cidade e metrópole, o foco da pesquisa foi analisar a intepretação do espaço pelo 
municipalismo. Constatou-se, entre outras ideias, a prevalência do Planejamento 
como instrumento privilegiado de organização do espaço para cumprir com um 
programa voltado ao desenvolvimento e ocupação do território. Findas as condições 
que deram possibilidade à existência da Revista e do debate, o municipalismo entrou 
em declínio, não sem deixar marcas nas ações de governo e estrutura do Estado. 
Algumas ideias do municipalismo prevaleceram como a adoção dos planos diretores, 
mas outras não, como a fixação do homem no campo. Assim todas as atenções se 
voltaram às cidades, lugar dos problemas e da disputa pela representação política 
necessária ao controle do Planejamento. 
 
Palavras-chave: Municipalismo. Cidades e Vilas. Planejamento Urbano e Regional. 
Revista Brasileira dos Municípios. Ciência Política. 
 
 
 
 
ABSTRACT 
This thesis meant to recover, in the municipalism debate, the historical process of 
municipal institutions definition. The research adopted the following hypothesis: 1) 
institutions are the result of historic processes, 2) the Brazilian spatial diversity has an 
influence on this process and in the municipal institutions created. The object of 
analysis is the debate of municipalism on the organization of the country from the 
municipalities in the Revista Brasileira de Municípios (Brazilian Journal of 
Municipalities), published between 1948 and 1968. The relevance of the document lies 
in the plurality of positions it presents and for having functioned as an indexer of 
information on pertinent subjects to the municipalism as Law, Geography, History, 
Urbanism and Planning. Adopting the political semiology, the geography notion of 
space and the words village, city and metropolis, the research focus was to analyse 
the interpretation of space by municipalism. Among other ideas Planning is adopted 
as a privileged instrument for organizing space to comply with a program focused on 
the development and occupation of the territory. After the conditions that made 
possible the existence of the Journal and the debate, municipalism declined, but not 
without leaving marks on the actions of government and State structure. Some ideas 
of municipalism prevailed as the adoption of master plans, but not others, such as the 
fixation of man in the countryside. Thus, all the attention turned to the cities, place of 
the problems and the dispute for the political representation necessary for the control 
of the Planning. 
 
Key words. Municipalism. Cities and Towns. Urban and Regional Planning. Revista 
Brasileira dos Municípios. Political Science. 
 
 
 
 
LISTA DE ILUSTRAÇÕES 
Figura 1 – Detalhe do Mapa do Município Neutro. 31 
Figura 2 Vista da Fazenda Boa Vista em Banal (SP). 47 
Figura 3 Plano de Villa Bella da Santíssima Trindade. 47 
Figura 4 Reprodução de fachadas. Vila Particular Economizadora Paulista. 48 
Figura 5 Mapa 1.10 Arranjos Populacionais e Concentrações Urbanas no Ceará. 71 
Figura 6 Região de Influência Fortaleza (CE) - Metrópole (1C) 71 
Figura 7 Quadro Comparativo dos Territórios e Número de Habitantes entre os 
Municípios de São Paulo e Rio de Janeiro e os Estados. 72 
Figura 8 Capa da RBM v.1, n.1-2 jan./jun. 1948. 110 
Figura 9 Brasil em Revista – Sobral. 116 
Figura 10 Vida Municipal. 117 
Figura 11 Capa da RBM v.11, n. 43-44 jul./dez. 1958 118 
Figura 12 Capa da RBM v. 21 n 83-84 de 1968. 119 
Figura 13 Topologia Municipal. 133 
Figura 14 Ilustração - Engenho Cana Brasil séc. XVIII 145 
Figura 15 Llantwit Major Roman villa, The Vale of Glamorgan. 145 
Figura 16 Cidades e vilas do Brasil 153 
Figura 17 Convenções Mappa do Município Neutro. 158 
Figura 18 Anotações Mapa Theberge Ceará 1861 159 
Figura 19 Carta Topographica e administrativa das províncias do Rio Grande do Norte 
e Parahiba. 159 
Figura 20 Plano Segadas Viana Com Modificações de Teixeira de Fretias. 197 
Figura 21 Plano Segadas Viana Com Modificações de Teixeira de Freitas. 198 
 
 
 
 
LISTA DE ABREVIATURAS 
 
ABCP Associação Brasileira de Cimento Portland 
ABM Associação Brasileira dos Municípios 
ADIN Ação Direta de Inconstitucionalidade 
ARENA Aliança Renovadora Nacional 
CNE Conselho Nacional de Estatística 
CNG Conselho Nacional de Geografia 
CRFB Constituição da República Federativa do Brasil 
DASP Departamento Administrativo do Serviço Público 
EBAP Escola Brasileira de Administração Pública 
ELSP Escola Livre de Sociologia e Política 
FGV FundaçãoGetúlio Vargas 
IBAM Instituto Brasileiro de Administração Municipal 
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 
IGHM Instituto de História e Geografia Militar 
IHGB Instituto Histórico e Geográfico do Brasil 
INEP Instituto Nacional de Pedagogia 
PSD Partido Social Democrático 
PTB Partido Trabalhista Brasileiro 
RBG Revista Brasileira de Geografia 
RBM Revista Brasileira dos Municípios 
REGIC Regiões de Influências das Cidades 
SPQR Senatus Populusque Romanus 
STF Supremo Tribunal Federal 
UDN União Democrática Nacional 
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro 
UNB Universidade de Brasília 
USP Universidade de São Paulo 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13 
2 OS GOVERNOS LOCAIS EM ESTUDO ................................................................ 18 
2.1 Revisão de literatura: teses e dissertações tendo o município ou aspectos 
dos governos locais como objeto ......................................................................... 18 
2.2 Outra perspectiva para os estudos do Estado-local ...................................... 26 
2.2.1 Município, o que é isto?.................................................................................... 26 
2.2.2 Definição de uma questão ................................................................................ 32 
3 UM PLANO PARA A ANÁLISE ............................................................................. 36 
3.1 Municipiologia: uma proposta de análise a partir da semiologia política .... 41 
3.1.1 Do estudo das palavras / signos do município ................................................. 42 
3.1.2 Do estudo dos enunciados e discursos do município ....................................... 54 
3.2 O espaço constituído-constituinte: uma noção de espaço ........................... 63 
3.3 A escala do local ............................................................................................... 69 
3.3.1 Local enquanto expressão normativa ............................................................... 74 
3.3.2 O local político e social: governo local.............................................................. 74 
3.4 Morfologia, memória e representação ............................................................. 87 
4 O MUNICIPALISMO: MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO POLÍTICO 
BRASILEIRO ............................................................................................................ 91 
4.1 O IHGB como percursor de uma tradição de fóruns para “pensar o país” .. 92 
4.2 Antecedentes do municipalismo ..................................................................... 98 
4.3 O Municipalismo pela Associação Brasileira dos Municípios - ABM entre 
1948 e 1968 ............................................................................................................ 103 
4.3.1 Associação Brasileira dos Municípios - ABM ................................................. 103 
4.3.2 A Revista Brasileira dos Municípios – RBM ................................................... 111 
4.4 Estereótipos e enunciados do municipalismo na RBM ............................... 120 
5. O MUNICÍPIO E AS CATEGORIAS VILA, CIDADE E METRÓPOLE ................ 134 
5.1 A vila ................................................................................................................. 135 
5.1.1 Arquétipo do espaço de produção e colonização ........................................... 139 
5.1.2 Unidade básica de planejamento e administração ......................................... 146 
5.2 A cidade ........................................................................................................... 154 
5.2.1 Civitas, instituição política, sede da ação ....................................................... 155 
 
 
 
5.2.2 Urbe complexa, multiescalar, objeto de planejamento ................................... 165 
5.3 A metrópole ..................................................................................................... 176 
5.3.1 Hierarquia das capitais ................................................................................... 177 
5.3.2 Fenômeno urbano e desafio à organização municipal ................................... 183 
5.4 Esboços e projetos municipalistas ............................................................... 187 
5.4.1 As ideias e projetos de Teixeira de Freitas ..................................................... 188 
5.4.2 Outras ideias subsidiárias para o município ................................................... 198 
6 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 204 
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 212 
Legislação e Jurisprudência ................................................................................ 224 
Documentos ........................................................................................................... 225 
ANEXOS ................................................................................................................. 235 
ANEXO A – Municipalistas e autores citados na RBM ............................................ 235 
ANEXO B – Biografias de líderes e autores de referência do Municipalismo ......... 240 
ANEXO C – Lei Pró-Município ................................................................................ 244 
 
13 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
[...]Ideias se convertem em práticas, que se congelam em instituições, e que, 
por costume e rotina, adquirem a inércia da objetividade1 
Na televisão, no jornal e nas conversas, todos nos referimos a qualquer lugar 
habitado como cidade. A palavra de contraste à cidade é o “interior”, seja para 
designar uma “cidade” longe da capital ou para tratar de um lugar qualquer que não 
seja essa mesma “cidade-não-capital”. Em um país cuja urbanização é recente, é 
intrigante esse conceito de cidade. Isso se reflete em instrumentos legais como o 
Estatuto das Cidades voltado para o planejamento das cidades com mais de 20.000 
habitantes. Estaria aí um critério legal de cidade? Não. Um decreto da década de 1930 
determina que toda sede de município tenha os foros de cidade independentemente 
do número de habitantes. 
Por imposição legal, tanto faz 50 casas em 3 ruas de um povoado ou os 
milhares de edifícios de Salvador, ambos os lugares, desde que sedes de um 
município são cidades. Por metonímia, passamos a chamar todo o território dos 
municípios também de cidade, aí incluídas áreas de florestas, fazendas, aldeias, 
quilombos etc. Isso não parece fazer sentido. Assumindo que não é provável que 
todos vivamos em cidades, talvez não se enxergue a não cidade, portanto a 
diversidade do espaço existente nos próprios municípios. Essa inquietação empírica 
me levou a esta pesquisa de tese. 
Um segundo ponto de partida tem origem ainda na monografia de conclusão 
do curso de Direito, na Universidade Federal do Ceará, sobre os instrumentos de 
democracia participativa e o município na Constituição Federal de 1988. O tema foi 
parcialmente retomado na dissertação de mestrado tratando a democracia 
participativa como direito fundamental nas constituições sul-americanas no período 
de redemocratização. 
Os caminhos escolhidos na formação em Direito contribuíram para reforçar a 
inquietação sobre essa diversidade espacial. O intercâmbio no curso de 
Administração Pública na Universidade de Coimbra e o posterior mestrado em Direito 
na Universidade do Vale do Itajaí, com passagem pela Universidade de Alicante na 
 
1 Santos, Wanderley Guilherme dos. Interlúdio sobre a Profissão Terrestre. in: Ordem Burguesa e 
Liberalismo Político. São Paulo: Duas Cidades, 1978. p. 7. 
14 
 
 
 
Espanha, trouxeram o contato com outras formasde organização do Estado, e 
sobretudo, outros espaços ainda mais diversos. 
No esforço de conciliar a formação com a inquietação empírica, colocou-se a 
questão: como pode um “jurista” ler o espaço? A resposta está nas instituições de 
Estado que regulam a produção desse espaço. O campo escolhido por mim para a 
discussão foi o Planejamento Urbano e Regional. Dada sua interdisciplinaridade, o 
campo permite a articulação de diferentes áreas do conhecimento sobre o mesmo 
objeto o espaço. 
O curso de Especialização em Política e Planejamento Urbano e Regional 
contribuiu para a tradução da percepção empírica em um problema acadêmico. O 
contato com a geografia crítica e a economia permitiram compreender os processos 
de produção do espaço e o papel do Estado na sua regulação. Duas constatações 
resultaram na monografia de conclusão do curso: a) o espaço é produzido por um 
processo histórico desigual; b) há disputas por trás do processo de espacialização. 
A desigualdade espacial reflete-se em assimetrias ou desigualdades entre os 
municípios na capacidade de exercerem suas competências. As linhas de pesquisa 
sobre essa questão convergem para os temas da federação e da centralização – 
descentralização do governo e administração. Tais estudos abordam as relações 
entre os entes federativos (União, estados e municípios) no sentido vertical (entes 
distintos) e horizontal (entes das mesmas categorias). Outro tipo de abordagem 
relaciona-se às respostas das instituições municipais às demandas sociais sobre um 
determinado tema ou política. 
A revisão de literatura presente no Capítulo 2 revela que os estudos concluem 
pela limitação ou insuficiência dos municípios em cumprirem suas atribuições 
constitucionais ou atenderem satisfatoriamente reclames democráticos da população. 
As explicações recorrem à base econômica fraca, à captura do Estado por grupos de 
interesses específicos e, a fatores de viés político e cultural. Por outro lado, a análise 
da centralização político-administrativa aponta que esta não tem vantagens quanto à 
produção de melhores resultados no atendimento de demandas públicas. Sendo 
assim, por que não tomar o componente político-institucional e questionar a própria 
formação do Estado e seus objetivos na produção do espaço? 
 
15 
 
 
 
Partindo desses pressupostos, adoto as seguintes premissas: as instituições 
municipais são o resultado de um processo histórico; e a diversidade espacial 
brasileira influenciou esse processo refletindo-se nas estruturas criadas. Assim o 
objetivo desta pesquisa de tese é recuperar nesse processo as definições para o 
espaço e como sua diversidade foi objeto de consideração na construção dasfra 
instituições do município. 
Na busca por referências sobre a formação das instituições municipais, a 
pesquisa se deparou com a categoria municipalismo no artigo “Municipalismo, nation-
building e a modernização do Estado no Brasil” de Marcus André Melo. Essa categoria 
foi fundamental para a determinação do recorte temporal e a base de dados desta 
tese. A partir dela cheguei à Associação Brasileira dos Municípios (ABM) e à Revista 
Brasileira dos Municípios (RBM). 
O municipalismo também serviu para identificar uma série de agentes que, 
através de ensaios, discursos e teses debatidas em congressos e publicados na 
Revista, elaboraram propostas para o município a serem efetivadas pelo Estado 
brasileiro. Enfatizo que as ideias municipalistas guardam em comum pensar a 
organização do Estado desde a base municipal e o reconhecimento da diversidade 
geográfica, aí incluídas as características sociais e econômicas. Assim, identifiquei o 
objeto desta tese com o debate do municipalismo sobre a organização do Estado e, 
na RBM, a fonte material da pesquisa. 
Dediquei o Capítulo 3 ao desenvolvimento dos principais referenciais teóricos 
adotados. O primeiro é a semiologia política, utilizado para a leitura dos textos da 
Revista. Trata-se de um recurso analítico do campo do Direito que busca identificar, 
nos agentes e no contexto em que os discursos são enunciados, os sentidos possíveis 
para as palavras que empregam, assim pretendo situar as ideias sobre o município 
no recorte temporal e ao contexto de quem as produziu. Outra importante referência 
para esta tese é a noção de espaço da geografia que o entende como um conjunto de 
ações e objetos mediados pela técnica, no qual a história se dá. 
A RBM publicada por 20 anos, entre 1948 e 1968, deu o recorte temporal que 
implicou em um afastamento histórico. Ainda no Capítulo 3, tomo a ideia de longa-
duração que explica a noção de processos/estruturas da Escola dos Annales. Essa 
concepção serve para desenvolver a hipótese das instituições municipais como parte 
16 
 
 
 
de um longo processo histórico que pode ser recuperado através de fontes 
documentais. 
Para identificar a diversidade espacial nos textos da RBM, escolhi indicadores 
adotando o conceito de morfologia da sociologia. Esse conceito expressa tanto uma 
forma de organização política quanto um arranjo específico de atividades e objetos no 
espaço. Assim, cheguei a três palavras, além do municipalismo, enunciando o espaço 
a partir dos textos da Revista, são elas vila, cidade e metrópole. 
Os resultados são apresentados a partir do Capítulo 4, onde situo o 
municipalismo como expressão do pensamento político brasileiro, recuperando a 
tradição histórica de intuições de produção de discursos sobre o país como o IHGB. 
Neste sentido, é abordada a formação da ABM como um ente de intermediação entre 
Estado e sociedade civil. Aponto também para a importância da Revista como 
documento enquanto indexadora de informações sobre o debate de formação do 
próprio país. Ainda neste capítulo abordo os múltiplos sentidos admitidos pelo 
municipalismo como fórum, movimento político e ideia de organização político-
administrativa. 
No capítulo seguinte, apresento os resultados da pesquisa utilizando os sinais 
vila, cidade e metrópole. Esses resultados traduzem a compreensão de espaço 
assumida pelos municipalistas analisada em mais de 80 textos de diversas autores e 
áreas, abordando uma ampla variedade de assuntos, publicados nos 20 anos da 
Revistas. Os textos revelam também as propostas municipalistas a partir do território 
brasileiro e para esse mesmo território. 
Os resultados apontam que ABM propiciou a criação de um verdadeiro fórum 
cívico de discussão, composto por indivíduos de índoles políticas bastante 
contrastantes, desde membros do Partido Comunista Brasileiro a integralistas, 
passando pelas correntes intermediárias de sociais democratas, liberais, trabalhistas 
e até a velha oligarquia agrária com quem o municipalismo sempre foi associado. Mais 
do que isso, instaurou-se uma esfera pública, ainda que de acesso condicionado, 
onde se debateu sobre a melhor forma de Estado para acomodar os interesses e 
problemas de um espaço tão diverso como o brasileiro. O Planejamento que, na época 
era visto como a melhor técnica de intervenção no espaço, foi adotado pelo discurso 
do municipalismo cujas teses acabaram por contribuir para a difusão e 
aperfeiçoamento do próprio Planejamento no Brasil. 
17 
 
 
 
Com o fim das condições democráticas nas quais o fórum municipalista fora 
criado, o debate é abruptamente interrompido em 1968. Neste sentido, a alteração da 
lógica das relações entre metrópoles, cidades e vilas, objeto de considerações 
municipalistas, deixa de ser questionada, e alguns de seus prognósticos se 
confirmam. Os campos se esvaziam e as cidades “incham”, fazendo com que cada 
vez mais as atenções se voltem para as cidades, abandonado as demais categorias. 
Esse resultado me levou a elaborar a provocação no título desta tese “(Como) tudo 
virou cidade”. Os prognósticos e planos dos municipalistas apontavam para outro 
quadro na espacialização brasileira. 
Além das conclusões, outros três produtos foramgerados pela pesquisa e 
encontram-se nos Anexos A, B e C. Em A está a lista de todos os autores citados na 
RBM, municipalistas ou não, e de envolvidos nas atividades da ABM, organizada em 
ordem cronológica. Também trago um resumo contendo informações sobre as 
atuações de cada pessoa listada. Em B, apresento biografias resumidas de 
personagens representativos do movimento municipalista e de intelectuais com 
trabalhos tomados como referência pelo movimento. O último anexo contém 
transcrição de parte da Lei Pró Município, o projeto mais representativo das ideias do 
municipalismo para a organização do país. 
Algumas notas formais sobre a organização do texto. Fez-se necessário adotar 
alguma forma que distinguisse o texto analisado no documento (RBM) e as demais 
referências. A solução foi adaptar as regras da ABNT. No elemento pós-textual, há 
uma seção Documentos, contendo as referências de todos os textos citados da RBM, 
organizados em ordem cronológica de publicação. Até a data de conclusão da tese, 
os números encontravam-se disponíveis na biblioteca digital do Instituto Brasileiro de 
Geografia e Estatística. 
 
 
18 
 
 
 
 2 OS GOVERNOS LOCAIS EM ESTUDO 
[...] o problema não é mais a tradição e o rastro, mas o recorte e o limite; não 
é mais o fundamento que se perpetua e sim as transformações que valem 
como fundação e renovação dos fundamentos. (FOUCAULT, 2008, p. 6) 
O que estudar tomando município como referência? Neste capítulo, recuperam-
se trabalhos acadêmicos que o tomam como categoria ou palavra-chave. O objetivo 
é situar o objeto analisado nesta tese dentro do contexto em que se desenvolve. Trata-
se do próprio debate sobre a definição das instituições e características funcionais do 
município no Estado brasileiro. 
O capítulo conclui-se apontando a linha de investigação adotada pela tese. 
Essa linha conduz para outro momento no qual o município foi tema de intensa 
produção, se não acadêmica, discursiva, retórica e política, com uma profusão de 
artigos, pareceres e sobretudo propostas que, em alguns casos, se traduziram em 
projetos publicados principalmente em revistas especializadas. Essa linha é que 
terminou por condicionar a adoção da perspectiva histórica. 
2.1 Revisão de literatura: teses e dissertações tendo o município ou aspectos 
dos governos locais como objeto 
Os acervos digitais, públicos, disponíveis na Coordenação de Aperfeiçoamento 
de Pessoal de Nível Superior – CAPES, na Universidade de São Paulo – USP e na 
Fundação Getúlio Vargas – FGV foram as bases consultadas. A USP e a FGV contam 
com trabalhos desde 1940, já a CAPES disponibiliza teses e dissertações defendidas 
a partir de 2013. A busca para selecionar teses e dissertações, nas áreas de 
Administração Pública, Direito, Ciência Política, Urbanismo, Geografia, além do 
Planejamento Urbano e Regional, foi realizada inserindo a palavra município no 
campo “palavra-chave” dos formulários de busca. Desconsiderando os trabalhos que 
tomam o município como delimitação geográfica ou topônimo2, ou seja, sem tratar o 
município instituição como objeto de estudo, encontraram-se 17 trabalhos (teses e 
dissertações) dos últimos 23 anos (1994 – 2017) elaboradas nas cidades de Brasília, 
Rio de Janeiro e São Paulo. As pesquisas foram desenvolvidas em 5 instituições de 
ensino superior: Universidade de Brasília, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 
 
2 Por exemplo: Articulações entre governo local e sociedade civil em torno do desenvolvimento da 
pesca artesanal: estudo de caso no município de Ubatuba-SP (Ribeiro, Gabriel Martim Jacintho, 2017) 
19 
 
 
 
Universidade Federal do ABC, Universidade de São Paulo, e a Fundação Getúlio 
Vargas (Rio de Janeiro e São Paulo). Os programas de pós-graduação envolvidos são 
das áreas de Geografia (USP), Ciência Política (USP), Administração Pública (FGV), 
Direito (UNB) e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ). 
Sobre o conteúdo, as investigações questionam o desempenho e a adequação 
das soluções político-jurídicas e administrativas para os problemas envolvendo o 
município. As obras selecionadas incorrem em algumas linhas estruturantes para suas 
hipóteses, como a centralização versus descentralização, autonomia política e 
autonomia fiscal e financeira. Comum aos estudos, está o objetivo de verificar a 
eficiência na realização de atribuições municipais, por vezes não muito bem 
fundamentadas para além de uma norma ou sua interpretação, porém defendidas em 
pelas pesquisas como as mais adequadas conforme um determinado referencial de 
administração. Há também outras hipóteses que evocam argumentos técnicos para 
propor aperfeiçoamentos aos referidos modelos administrativos. Tomando o tipo de 
problemas abordados pelos trabalhos, foi possível organizá-los em três grupos não 
estanques. 
O primeiro agrupamento é composto por trabalhos de revisão das instituições 
e seus fundamentos jurídicos, políticos e sociológicos. Nesse grupo, destaca-se a tese 
sobre a difusão de modelos gerenciais pelo Instituto Brasileiro de Administração 
Municipal (SILVA JR., 2014). O trabalho reafirma que muitos dos temas e soluções 
adotados pelas correntes municipalistas brasileiras desde os anos 1940 estão 
pautadas por uma agenda internacional, particularmente pan-americanista, de difusão 
de práticas e modelos de administração do espaço local voltadas para determinados 
interesses de agentes econômicos. Tal ideário tem, segundo a tese, reflexos também 
no campo acadêmico e na produção teórica sobre administração pública, pois 
contribuíram para a construção das noções de desenvolvimento territorial e 
econômico, organização social, além referenciar quais as funções e quais resultados 
esperar das administrações locais. 
Esses propósitos aparecem também em Orozco (1994), ao reproduzir muitas 
das ideias de seu orientador, um destacado estudioso municipalista, Diogo Lordello 
de Mello, um dos fundadores do Instituto Brasileiro de Administração Municipal e dos 
primeiros brasileiros a ter formação em administração pública nos Estados Unidos 
pela Universidade da Califórnia - Los Angeles (UCLA). O trabalho restringe-se à 
20 
 
 
 
questão municipalista tradada como um problema de autonomia e de descentralização 
de funções públicas, resolvido com a Constituição da República Federativa do Brasil 
de 1988, uma vez que fora alçado a ente federado. Restando, portanto, apenas a 
tarefa de aperfeiçoar os instrumentos de administração das competências recém 
adquiridas e os termos de cooperação entre os entes federativos. 
Grin (2016) e Pinto (2007) produzem teses sobre questões federativas e 
aspectos institucionais na gênese das atribuições dos municípios. Para discutir sobre 
as capacidades estatais e a eficiência da gestão local, no caso das regiões 
metropolitanas. A questão metropolitana e a busca pela solução que melhor defina os 
arranjos interfederativos refletem o aspecto multiescalar que o estudo dos governos 
locais suscita. 
Garcia (2006), por sua vez, descreve o funcionamento das relações políticas 
dentro das próprias instituições municipais, analisando a formação de coalizões entre 
Executivo e Legislativo e a composição das câmaras de vereadores. No entanto, esse 
estudo não questiona o próprio formato institucional, nem de que modo ele interage 
com o espaço no qual se constitui. 
Essa perspectiva é contraposta pelo argumento de que se trata de uma 
aceitação acrítica de um modelo de representação política que, como referido em 
Silva Jr. (2014), não é necessariamente uma solução democrática. Para Orozco 
(1994), trata-se de uma adaptação e até mesmo imposição desde fora e de cima, sob 
o argumento de uma suposta racionalidade instrumental facilitadora das relações 
burocráticas. Ainda, essa racionalidade estaria pouco preocupada com a legitimação 
das instituições de governo do território local.3 
Continuando com os trabalhos tematizandoas instituições locais, Cavellani 
(2015) disserta sobre requisitos territoriais para a criação de municípios. Há o objetivo 
de compatibilizar suas funções político-administrativas, bem como suas atribuições 
quanto ao provimento de bens e serviços públicos, com o território efetivamente 
agenciado pela população. O geógrafo entende que os problemas para a boa 
administração dos serviços de caráter local são os municípios cujos territórios sejam 
demasiadamente grandes ou cujas sedes, onde se concentram as atividades de 
 
3 A democracia dos modelos – ou modelos para a democracia – é objeto de Santos Jr. (2000) e Arenas 
(2014), agrupados no terceiro eixo, abordado mais adiante. 
 
21 
 
 
 
interesse público, estejam inconvenientemente posicionadas em relação ao território 
e às demais sedes mais bem estruturadas. Essa perspectiva não é de todo inédita, 
entretanto traz dados empíricos e continua uma discussão feita ainda nos anos 19504. 
Desse rol de teses e dissertações sobre a organização institucional, a questão 
levantada por Benício (2016) é a que mais se aproxima de um dos pressupostos desta 
tese: a de que há uma diversidade fática das construções espaciais em relação às 
suas características sociais, políticas e materiais. O jurista, tratando da autonomia e 
interdependência dos municípios em matéria de ordenamento territorial urbano ante 
os demais entes, reconhece a assimetria dos municípios brasileiros. Esse tema é 
recorrente nos estudos federativos no país. Arretche (2012) é uma das investigadoras 
que mais recentemente o vem estudando. Essa assimetria é objeto de reflexão das 
discussões municipalistas presentes nas fontes pesquisadas, sendo inclusive 
apontada como a condição de partida e variável importante dos problemas 
identificados. 
Para Benício a política de ordenamento territorial, tal como outras políticas 
setoriais, como saúde, assistência social, proteção e licenciamento ambiental, deve 
configurar um sistema nacional. Esses sistemas têm níveis de autonomia e gestão 
galgados através da certificação da capacidade técnica e material dos municípios para 
realizar os respectivos serviços. Essa certificação é feita por agências reguladoras dos 
Estados e da União. Essa ideia é semelhante às discussões de Arretche (2011) no 
sobre o tratamento dos problemas causados pela centralização de políticas públicas 
na organização de um sistema nacional de proteção social. Sistema esse que poderia 
vir a incluir um subsistema de habitação (ordenamento territorial?), que nos anos 
1990, enfrentou – e ainda enfrenta no século XXI – os desafios decorrentes da 
descentralização após a Constituição de 1988. 
O que difere essa posição dos demais estudos é a constatação de que 
[...] a verdadeira autonomia municipal pressuporia adequação à realidade de 
fato, o que não pode ser antecipado, de modo geral e abstrato, segundo um 
modelo único de gestão aplicável nacionalmente (BENÍCIO, 2016, p. 192). 
A conclusão de Benício (op. cit.) assume que não se pode julgar um modelo 
pelo que poderia ou deveria ser, sem considerar como efetivamente funciona uma vez 
 
4 A exemplo do ensaio O Município e Seus Problemas: Gênese, Estrutura e Destino (RBM v21 n.55-
56 jul./dez. 1961). 
22 
 
 
 
aplicado e como possa ser modificado pela prática. Contudo, o tema não é 
desenvolvido, havendo apenas a citação, em nota de rodapé, quanto à sugestão de 
permitir que os municípios tenham maior liberdade para escolher seus modelos de 
organização, tal como nos EUA, reproduzindo alguns exemplos da variedade de 
arranjos lá existente Não são mencionadas, por exemplo, as bases de formação dos 
entes político-administrativos locais dos EUA que se dão em mais níveis de 
atribuições e autonomia do que no Brasil e estão a cargo dos estados (ALMEIDA, 
2009). 
As referências a autores do Direito como José Afonso da Silva (Direito 
Urbanístico Brasileiro) estabelecem um ponto de partida que não questiona a 
formação de sentidos das normas, nem dos seus conteúdos ideológicos. Benício (op. 
cit.) chega a citar Jane Jacobs5 sobre a inadequação do formato institucional das 
grandes cidades que acabam administradas como se pequenas fossem. Portanto, 
incapazes de lidar com problemas peculiares às grandes escalas. O autor refere-se 
também à Carta das Cidades Educadoras6 da Associação Internacional das Cidades 
Educadoras (1990) para qual: 
[...] a cidade deve ser um espaço formador de individualidades baseadas na 
cidadania e de sociabilidades fundadas na diversidade, na tolerância e no 
convívio construtivo e, também, um espaço preocupado com a memória, a 
cultura democrática e a solidariedade (NIANILI; LEVY, 2016 apud BENÍCIO, 
2016, p. 60). (grifos meus) 
O recorte apenas sobre as leis de loteamento e dos chamados condomínios 
urbanísticos não alcança a questão da diversidade morfológica, mesmo levando em 
consideração apenas o ambiente urbano. Não há referências sobre como se dão os 
parcelamentos e os loteamentos fechados (chamados de condomínios urbanísticos) 
contrariando normas e tipos urbanísticos ideais. Essas seriam expressões materiais 
das morfologias7 e/ou a dimensão espacial de sociabilidade presentes nos municípios 
brasileiros refratárias à diversidade, decorrentes da desagregação do espaço público 
e com a perda de representatividade espacial das instituições políticas locais? A 
conclusão do autor é a de que a instituição municipal deve ser aperfeiçoada apenas 
 
5 Morte e Vida de Grandes Cidades 2000 publicação original 1960 
6 A Carta está disponível em: http://www.edcities.org/rede-portuguesa/wp-
content/uploads/sites/12/2018/09/Carta-das-cidades-educadoras.pdf Acesso em: 15 ago. 2019. 
7 O que neste capítulo é tratado como sociabilidades, no capítulo 3, é abordado como morfologia. Não 
são sinônimos. Sociabilidade e morfologia são perspectivas de observação diferentes sobre o mesmo 
objeto, agrupamentos humanos. 
23 
 
 
 
no que tange aos seus instrumentos de atuação, posto que presume ser a que melhor 
representa politicamente os grupos sociais que nela vivem. 
O segundo eixo de pesquisas é aquele agrupa o maior número de trabalhos. 
São teses que tratam sobre o desempenho de políticas públicas e de instituições 
municipais e correlatas – em geral, trabalhos desenvolvidos nos campos da economia, 
ciência política e da administração pública. Para além dos trabalhos identificados nas 
áreas elegidas, encontra-se também uma grande quantidade de pesquisas (mais de 
duzentas) em áreas como saúde pública, educação, engenharia (ambiental, de 
transportes, civil) que analisam a performance das instâncias municipais nos 
respectivos campos. 
Nesse grupo, incluem-se os já citados trabalhos de Benício (2016), que leva a 
cabo uma avaliação da capacidade municipal de regulação do uso do solo. Pinto 
(2007) que termina por ponderar a eficiência da gestão municipal em arranjos 
metropolitanos, assim como o de Grin (2016), discutindo performance de modelos de 
gestão no horizonte de um desejado federalismo cooperativo. 
É recorrente a presença de análises estritas de mecanismos de ação de 
políticas públicas (SOUZA, 2012), questionando sua eficácia quanto à autonomia, à 
descentralização, à capacidade financeira, aos instrumentos legais e a arranjos como 
os consórcios municipais (TAVARES, 2016 e BARBOSA, 2013). 
Em se tratando da cooperação entre municípios na forma de consórcios, há 
trabalhos que analisam a eficácia dos instrumentos e sobre a efetividade dos 
resultados obtidos com tais arranjos. Alinham-se aos primeiros, o de Tavares (2016), 
sobre a gestão de resíduos sólidos, e o de Barbosa (2013) sobre a eficiência dos 
consórcios intermunicipais para o atendimento de demandas por políticas públicas. 
Alinhado à segunda perspectiva, está Souza (2012) estudando as potencialidades dos 
consórcios em políticas redistributivas, ou seja, como a cooperação de municípios 
impacta no acesso aserviços e na melhora dos indicadores sociais de seus 
habitantes. 
A capacidade financeira e a descentralização aparecem recorrentemente 
nesse eixo. Verifica-se aí a sempre repetida questão da viabilidade municipal dada a 
repartição fiscal e financeira vigente (VESCOVI, 2003) e pela eficiência na aplicação 
de recursos quando restabelecida a descentralização (GRAF, 2015), acompanhada 
pelo tema correlato da autonomia. A autonomia é objeto de Franzese (2005) que argui 
24 
 
 
 
como os três entes — município, estado e União — interagem sobre um mesmo lugar. 
Compara os alinhamentos entre os governos através de instrumentos de cooperação 
voluntária, revelando as possibilidades e limitações para os municípios administrados 
por partidos iguais ou diferentes das esferas mais abrangentes. Com isso pretende 
demonstrar que os limites da autonomia esbarram na necessidade de cooperação, 
principalmente para as políticas não integrantes dos sistemas de transferências 
obrigatórias de recursos (saúde e educação) além dos programas de habitação. 
Ainda dedicados à eficiência ou qualidade dos modelos de gestão de políticas 
públicas, podem ser citados os trabalhos de Santos Jr (2000) e Costa (2008). Ambas 
teses abordam a municipalização dos sistemas de planejamento e dos serviços 
públicos de interesse social mais imediato como uma questão a ser resolvida pelo 
aperfeiçoamento de mecanismos de transparência e pela ampliação da participação 
democrática. 
Estes trabalhos, entretanto, não chegam a questionar os fundamentos dos 
modelos de serviços públicos aos quais se referem como ideais. Assumem a 
urbanização como um fato onipresente, que produz o mesmo efeito de 
“desenvolvimento combinado e desigual” em toda parte, reduzindo a percepção 
apenas às categorias de inclusão ou exclusão de acesso aos bens e serviços que o 
município, em tese, deve prover. Não há menções à variabilidade morfológica, todos 
os municípios ou são apenas ricos ou pobres, periféricos ou centrais. As categorias 
rural e urbano são as únicas acionadas, legando sempre ao rural a conotação de 
atraso ou fora do escopo das ações que não sejam no sentido de urbanizá-lo. Por 
outro lado, tais trabalhos acabam por apontar as insuficiências do modelo único de 
gestão do espaço em escala local no Brasil, e que os esforços homogeneizadores 
encontram sérios obstáculos. 
O terceiro eixo temático dos trabalhos sobre a municipalidade aponta para uma 
linha decorrente do diagnóstico de insuficiência das instituições locais. Essa linha 
aposta na adequação democrática do município e dos seus instrumentos de ação, 
discutindo a representação política nos órgãos existentes. Aí está Silva Jr. (2014), 
propondo uma ampliação na discussão sobre os modelos de gestão para um 
planejamento mais inclusivo. As conclusões de Santos Jr (2000) e Costa (2008) 
apontam as opções de formas democráticas de gestão e produção do planejamento 
pela participação de entidades representativas em conselhos deliberativos setoriais, 
25 
 
 
 
assim como o desenvolvimento de mecanismos de representação e de democracia 
direta. 
Neste conjunto, o trabalho de Arenas (2014) que busca comparar os entes 
político-administrativos locais do Rio de Janeiro, Medelín e Londres para analisar o 
grau de representatividade da população nas instituições locais. Primeiro, há que se 
ressaltar que Arenas compara entes de natureza diferente: o que entende como o 
equivalente ao município de Londres está em um nível intermediário entre os governos 
regional e local8. Trata-se do governo metropolitano de Londres subdividido em 
entidades menores que historicamente estão mais próximas do que entendemos por 
município. Outro ponto relevante é que tais entidades não são simétricas entre si, 
demonstrando uma variabilidade nas atribuições e funções conforme o 
desenvolvimento histórico particular de cada uma. Por outro lado, as conclusões de 
Arenas são contundentes quanto à baixa representatividade espacial e à alta 
concentração de poder em um grupo pequeno de “oficiais” (representantes políticos) 
locais no Rio de Janeiro. 
Em Medelín e Londres, existem instâncias inframunicipais (de acordo com o 
referencial adotado pelo trabalho em questão) capazes de articular demandas de 
interesse mais imediato e de garantir no quadro institucional mais abrangente a 
representatividade dos diferentes grupos dessas cidades. Mas Arenas não chega a 
identificar no não reconhecimento da diversidade de sociabilidades uma possível 
razão para o distanciamento da representatividade de determinados espaços no Rio 
de Janeiro, e para o esvaziamento do poder político de algumas instâncias 
inframunicipais em Medelín. Ao mesmo tempo, deixa de aprofundar quanto à 
variabilidade das atribuições dos entes que compõem à Grande Londres tratada como 
município. A começar pela própria Cidade de Londres, ente que guarda funções 
bastante peculiares com relação aos demais, ligadas às atividades econômicas, o que 
parece ser um indicativo de que se trata de uma forma de sociabilidade preservada e 
privilegiada. 
 
8 A pesquisa recupera a formação histórica do ente, mas passa ao largo das diferenças conceituais da 
matriz anglo-saxã para a matriz ibérica e dentro desta da portuguesa e espanhola. Não se trata 
apenas de identificar os nomes diferentes para entes equivalentes, são trajetórias de organização do 
Estado distintas. Não é suficiente dizer que os municípios sul-americanos devem sua forma apenas 
ao processo de colonização para justificar porque são diferentes do inglês, se assim o fosse, faltaria 
uma comparação com Espanha, Portugal e Inglaterra contemporâneos para prová-la e ainda entre os 
países das Américas. 
26 
 
 
 
Seja a uniformidade política, a centralização excessiva, a inadequação dos 
instrumentos, a insuficiência dos recursos ou a falta de democracia, os trabalhos não 
questionam a institucionalização do município pelas demais instâncias do Estado 
como uma espacialidade que não reconhece outras hierarquias, nem outros arranjos 
institucionais e socioespaciais diversos do que está atualmente legalmente 
estabelecido. 
2.2 Outra perspectiva para os estudos do Estado-local 
Os trabalhos levantados no item anterior apontam para os limites das 
instituições municipais sem, entretanto, questionar a formação dessas instituições ne 
do ente político município. Sugiro, portanto, a alternativa de recuperar as ideias que 
contribuíram para o desenho que tais instituições assumem. 
A justificativa é: as instituições como as conhecemos não são imutáveis e, tal 
qual as palavras que as nomeiam, estão passíveis de transformações de sentido e 
função, ainda que algo de seus fundamentos e elementos de identificação permaneça. 
Se o município pode ser identificado como uma dessas instituições, então é 
possível inquirir como atingiu o formato atual. É o objetivo dessa pesquisa, levantar o 
processo de construção da compreensão que temos de município. Como objetivo 
secundário, a investigação de evidências que expliquem por que, mesmo diante de 
um espaço diverso ─ situação na qual seria esperável o desenvolvimento igualmente 
diverso de soluções administrativas e de governo ─ prevalece um único regime, ao 
menos no plano formal-jurídico, de organização desse espaço. 
2.2.1 Município, o que é isto? 
A palavra município tem uma longa história de definições para as distintas 
representações que deste signo se apropriaram. Algumas com caráter adjetivo, outras 
que a igualam a um tipo de topônimo e as que dão o sentido de instituição. 
Retrocedendo a Portugal dos séculos XV a XVIII, o emprego de “município” dá-
se como uma distinção honorífica às vilas e cidades cujos habitantes gozaram da 
cidadania romana e de suas respectivas prerrogativas. Somente a partir do século 
XIX, observa-se um deslocamento de sentido, passando a ser também um substantivo 
equivalente ao poder local que até entãoera quase sempre designado por “conselho”, 
e que ainda hoje permanece como seu sinônimo na Constituição portuguesa. Outra 
27 
 
 
 
forma adjetiva utilizada denotava uma distinção entre os munícipes (e os serviços 
urbanos dos Conselhos) em relação aos habitantes dos campos e suas atividades. A 
explicação para a mudança aparece com as novas releituras como a de Alexandre 
Herculano que, em 1874, alçará o município à base da formação do Estado português, 
contribuindo para a definição contemporânea de circunscrição administrativa local 
(PINHEIRO, 2014). 
Já no Brasil, a palavra pouco foi empregada até o momento da independência, 
quando passou a evocar aspectos de sua origem no esforço de construir uma nova 
instituição administrativa do Império representativa da autonomia local então 
reivindicada e da unidade nacional desejada. Isto porque até então este Estado local 
se dava através das cidades, sempre reais, e das vilas estabelecidas com 
prerrogativas e obrigações singulares, sem qualquer uniformidade mútua9. (PEREIRA, 
2014). 
O município enquanto um ente do Estado é expressão da organização social e 
de poder político. O Estado define-se por um conjunto normativo que enuncia seus 
elementos constituintes, nomeadamente, o povo , o território, o governo (pessoas e 
instituições dotadas de instrumentos de ação e relação sobre os demais elementos). 
A esse conjunto normativo estatal foi investido um caráter jurídico. Tal Direito passou 
a legitimar-se pela tese contratualista a partir de um mandato decorrente da ideia de 
soberania popular ou nacional ou, segundo teses como a marxista, pela força do poder 
político-econômico dominante sobre determinado território e sociedade. A própria 
fundamentação invocada para a legitimação do ordenamento jurídico adotado, melhor 
explicado adiante, diz muito das relações de poder em uma sociedade e sobre quais 
bases se assentam. 
O Direito diz de como se pretende organizar as relações de um território com a 
sociedade através de instrumentos normativos disponíveis a uma ou mais instâncias 
de governo equipotentes ou não. Por outro lado, pela própria natureza do Estado, a 
norma – lei escrita ou de costume – é uma consolidação de relações de poder da 
sociedade. Isto não impede que haja outras propostas, ou mesmo expressões dessas 
relações que não chegam a tomar a forma de lei, mas que igualmente determinem a 
 
9 Uma distinção entre os dois tipos é que as cidades se davam sempre em terra alodial, ou seja, livre 
de quaisquer foros, vínculos e ônus como nas vilas fundadas em terras de capitanias e outras 
concessões (AZEVEDO, 1992). 
28 
 
 
 
formação do espaço. Ou também sugira outras configurações, pois que decorrentes 
de instâncias de poder não reconhecidas no Estado. Sendo assim, o município é uma 
expressão jurídico-política de espacialização, há outras que não chegam a se tornar 
Direito, mesmo que tenham força política. 
A modernidade e o constitucionalismo moderno10 legaram uma proposta de 
racionalização e sistematização dessas relações de poder e sua normatividade da 
qual decorre o “casamento” entre Estado e Direito. Não cabe discorrer aqui dessa 
"concepção normativa do mundo". É bastante elucidar que essa concepção é oriunda 
inicialmente do jusnaturalismo clássico que explica a ordem e o Direito sobre as coisas 
e as relações humanas a partir de um plano metafísico, divino, seguida do 
jusnaturalismo racionalista que procura o fundamento do Direito na razão humana ou 
na ordem das coisas da natureza através de relações de causa e efeito. (STEUDEL, 
2009, p. 47). Podemos assumir que ambas são justificativas para relações de 
dominação e poder entre pessoas e destas com o espaço através de territórios. A 
principal forma de expressão dessas relações, desde então, são as constituições ou 
“conjuntos de regras (escritas ou consuetudinárias) e de estruturas institucionais 
conformadoras de uma dada ordem político-jurídica, num determinado sistema 
político-social” (CANOTILHO, 2003 p. 53). 
As Constituições modernas caracterizam-se pela formalidade, quer dizer, estão 
organizadas em documentos que se intitulam ou são designados como parte ou o todo 
de uma Constituição nacional, o que levou, na maioria dos países a partir dos séculos 
XVIII e XIX, à codificação. Isso significa que há textos relativamente coesos contendo 
todas as normas que enunciam a organização dos respectivos Estados. 
O município, como parte do Estado brasileiro, está enunciado em seus textos 
constitucionais e naqueles que lhes servem de complemento – leis interpretativas, 
complementares, ordinárias, decretos etc. Entretanto, como reiteradamente aparece, 
esse concerto normativo é político-jurídico, portanto, também é resultado de relações 
sociais, políticas, econômicas e culturais. O Direito, novamente, consolida uma versão 
ou uma síntese de versões dessas relações institucionalizando-as, tornando-as 
 
10 Que aqui é entendido como “[...] a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado 
indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma 
comunidade” ou o “movimento político, social, cultural” que no século XVIII, questionou política, 
filosófica e juridicamente o arranjo de domínio político vigente, consoante a proposição de uma nova 
forma de organização e fundamentação do poder político. (CANOTILHO, 2003 p.51-52) 
29 
 
 
 
referência da realidade que se espera constituir, isto é, o que pelo poder político 
instituído, deve ser. 
O dever ser (sollen) em oposição ao ser (sein) é uma construção importante no 
âmbito do positivismo jurídico que revela a própria fragilidade de uma argumentação 
racional ou a possibilidade de uma epistemologia jurídica. Isso porque não há um 
fundamento ontológico empírico para as normas. 
Uma inferência entre normas é logicamente válida, todavia a validade das 
normas não depende desta inferência. Como toda a argumentação é construída sob 
a existência de uma “norma hipotética fundamental”, ela não existe senão por um ato 
de vontade, ruindo assim a dicotomia ser – dever ser (RABENHORST, 2005). Nesta 
tese, identifico essa vontade como um ato de poder sobre o outro, abordado pela ideia 
de semiologia política que o revela na instauração de uma linguagem que nos afeta 
pelo controle dos sentidos e do que é ou não reconhecido pela palavra. Assim, é o 
texto dessas normas, especialmente as que expressa ou implicitamente enunciam e 
descrevem o município, suas atribuições, funções e características a primeira fonte 
de análise desta investigação, o que contempla a minha terceira proposição. 
As palavras ou elementos de referência que melhor definem município são os 
termos “local” e “governo municipal”, como se vê desde a Constituição de 1824 até a 
de 1988, e antes ainda, delineado nas Ordenações do Reino. 
E nos lugares onde por foral o Alcaide há de ser eleito pelo Conselho 
[Câmara], sem que o apresentem ao Alcaide Mór [...]Porém não é nossa 
intenção de tolher os Concelhos de seu direito, onde a eleição dos Alcaides 
a eles pertença, e o Alcaide Mór reconhecerá o por eles apresentado; porque 
onde os Concelhos estão em posição de assim o fazer, mandamos que assim 
se faça (transcrição) 11 
A palavra alcaide, de origem árabe, designava entre os muçulmanos na 
Península Ibérica o governador de uma praça ou de uma província. Formada pelo 
artículo Al e Caydum, que deriva do verbo Cade, que significa capitanear, o termo 
transitou para os reinos cristãos, servindo para denominar os governadores das 
povoações fortificadas (BLUTEAU, 1712-1728, p. 216-218). 
 
11 O trecho citado está no Livro I, Título LXXV § 3 cujo original é o seguinte: “E nos lugares, onde per 
Foral o Alcaide se ha de pòr pelo Concelho, sem o apresentarem ao Alcaide Mór, usem dito Foral, 
como sempre usaram , servindo porém tres annos, e mais não, sob as penas sobreditas. Porém nãohe nossa tenção de por isto tolher aos Concelho seu direito, onde a eleição dos Alcaides a elles 
pertence, e o Alcaide Mór recebe o per elles presentado; porque onde os Concelhos stão em poss de 
assi o fazer, mandamos que assi se faça”. 
30 
 
 
 
O excerto das Ordenações Filipinas, neste trecho compiladas das Ordenações 
anteriores, destacam os dois fundamentos ou elementos de identificação do que 
contemporaneamente chamamos município. Primeiro, o governo pelos conselhos 
(espécie de câmara de representantes), manifesto pela eleição do alcaide, agente 
com atribuições administrativas próprias. Segundo o caráter local, pois se trata de 
autonomia concedida a um lugar em particular, via de regra vila ou cidade, por ato 
real. Assim estão reconhecidos o caráter local, a função de governo municipal que é 
tipificada pelo tipo de atividade exercida pelo alcaide, e certo grau de autonomia. E 
isso está denotado pelo papel do Alcaide Mor, função de nomeação real, que deve 
reconhecer a autonomia dos concelhos (câmaras) para apresentarem seus próprios 
alcaides menores (locais). 
A Constituição do Império do Brasil12 no artigo 167, Capítulo II - Das Câmaras, 
do Título 7º - Da Administração e Economia das Províncias, estabelece que estas 
mesmas câmaras são responsáveis pelo governo econômico e municipal das vilas e 
cidades. 
Ainda no Império, a Lei de Interpretação do Ato Adicional de 1834, Lei 105 de 
184013, buscou delinear o entendimento sobre municipal no §4º do artigo 10 do Ato 
Adicional para consolidar que caberia às assembleias provinciais a competência 
legislativa sobre o governo municipal, ainda que a iniciativa dos projetos fosse das 
câmaras das respectivas vilas e cidades. 
A partir da Constituição de 1891, os entes vilas e cidades são substituídos 
simplesmente por município14. O sentido de local é sugerido pela expressão “seu 
peculiar interesse”, mas não há menção ao governo municipal. Entretanto, no artigo 
anterior, nas disposições sobre os Estados, tanto a palavra “local” como “autoridades 
 
12 Art. 167. Em todas as Cidades, e Villas ora existentes, e nas mais, que para o futuro se crearem 
haverá Camaras, ás quaes compete o Governo economico, e municipal das mesmas Cidades, e 
Villas. [...] 
 Art. 169. O exercicio de suas funcções municipaes, formação das suas Posturas policiaes, applicação 
das suas rendas, e todas as suas particulares, e uteis attribuições, serão decretadas por uma Lei 
regulamentar. 
13 (Ato Adicional de 1834) Art. 1º A palavra - Municipal - do art. 10, § 4º do Acto Addicional, comprehende 
ambas as anteriores - Policia, e Economia -, e a ambas estas se refere a clausula final do mesmo 
artigo - precedendo Propostas das Camaras.- A palavra - Policia - comprehende a Policia Municipal, 
e Administrativa sómente, o não a Policia Judiciaria. 
14 Art 68 - Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos Municípios em 
tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse. 
 
31 
 
 
 
municipais” aparecem de forma expressa15 para descrever a administração do Distrito 
Federal. 
As autoridades municipais do então Distrito Federal foram herdeiras 
institucionais do Município Neutro do Império. Este fora tacitamente instituído pelo Ato 
Adicional de 1834 que, em seu art. 1º, parágrafo único16, determinou que a autoridade 
da assembleia da província na qual estivesse instalada a corte não alcançaria a 
mesma corte nem seu município. Assim é o Município Neutro, mais tarde Distrito 
Federal e atualmente o Município do Rio de Janeiro, o primeiro ente a ser formalmente 
reconhecido sob esta categoria. O que havia até então eram as vilas e cidades e seus 
termos — palavra que designava o território sob a jurisdição de suas respectivas 
câmaras. 
Nas Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1967/69, a fórmula do peculiar 
interesse é repetida, enquanto o governo municipal ora fica à mercê das disposições 
das Constituições dos estados ou das Constituições Federais. 
Na figura a seguir, está um recorte do Mapa do Município Neutro dos anos 
1870, um exemplo da adoção da palavra município em representações oficiais do 
Império. 
 
15 Art 67 - Salvas as restrições especificadas na Constituição e nas leis federais, o Distrito Federal é 
administrado pelas autoridades municipais. 
Parágrafo único - As despesas de caráter local, na Capital da República, incumbem exclusivamente 
à autoridade municipal. 
16 (Lei de Interpretação do Ato Adicional) Art. 1º O direito reconhecido e garantido pelo art. 71 da 
Constituição será exercitado pelas Câmaras dos Distritos e pelas Assembléas, que, substituindo os 
Conselhos Geraes, se estabelecerão em todas as Provincias com o título de Assembleias Legislativas 
Provinciais. 
A autoridade da Assembleia Legislativa da Província, em que estiver a Côrte, não compreenderá a 
mesma Corte, nem o seu Município. 
Figura 1 – Detalhe do Mapa do Município Neutro. Fonte: Maschek (1873) 
32 
 
 
 
Pelo observado nas fontes legais a definição de “governo municipal” e de “local” 
também é passível de transformações. É fundamentalmente sobre essas definições 
que se estabelecerá a discussão a respeito do município. 
Também é relevante a evolução de sentido de município que paulatinamente 
se consolidou como um ente político-administrativo em abstrato em contraste às vilas 
e cidades — realidades socioespaciais, em algum momento investidas de instituições 
políticas próprias. 
2.2.2 Definição de uma questão 
Se o que inquieta os pesquisadores dos municípios e governos locais é a sua 
capacidade de produzir um espaço em conformidade com uma expectativa de atuação 
do Estado, é preciso conhecer a noção mesma em que se fundamenta essa 
conformidade, como se atualiza, renova e reafirma. Esse tipo de análise é possível 
pelo que se define a seguir como “olhar longo” (sobre o tempo de longa duração), ou 
seja, buscar compreender os processos e as estruturas não apenas desde o seu 
estado atual, mas como resultantes dinâmicas. 
Neste sentido, construir séries, definindo seus elementos, pontos de 
interrupção, limites, cronologias e relações, possibilitando estabelecer séries de séries 
(FOUCAULT, 2008), é um recurso para a pesquisa desses elementos formadores do 
município. A sugestão é a de, definidos índices para “local” e para “governo municipal”, 
podem-se estabelecer séries respectivas para cada um dos índices. 
O desafio, como colocado em Arqueologia do Saber, será o de estabelecer os 
limites e identificar os pontos de ruptura das séries. Se essa postura permite um 
aprofundamento ontológico acerca de determinado objeto, o campo e o objetivo da 
investigação servem como limites para delimitação da exploração. Assim, o espaço, 
como tomado pelo Planejamento Urbano e Regional, e o recorte temporal específico 
limitam a exploração realizada nesta investigação. 
As próprias fontes e a descrição das circunstâncias históricas em que são 
produzidas estabelecem possibilidades de classificação e delimitação das séries em 
que se instauram e das outras séries que criam. As bases para a investigação dessas 
séries são os textos dedicados à formação e função do Estado e no caso particular, 
do município como parte integrante. Para entender sua funcionalidade hoje é preciso 
33 
 
 
 
recuperar sobre quais fundamentos foi pensado, incluindo aí não só a definição formal, 
legal, mas também as práticas e processos políticos que os determinaram. 
Essa postura de investigação é compatível com a ideia de tempo longo como a 
sugerida pela Escola dos Annales. Como sugere a epígrafe deste capítulo, o problema 
não é rastrear no tempo as origens de um fundamento, mas como ele se transmite, 
renova e revalida (FOUCAULT, 2012). Como estabelecer um recorte, um ponto em 
que se reconheçam as passagens e transformações? 
As fontes, tanto as teses recentes já citadas, como as revistas, artigos e outras 
publicações com mais tempo de existência, encaixam-seem períodos políticos, nesta 
tese, admitidos como conjunturais. A sucessão entre períodos autoritários e 
democráticos é indicadora de transformações quanto ao entendimento da formação 
do Estado e, portanto, do município. 
Pelo recorte temporal adotado, 1948-1968, interessam as sete constituições 
brasileiras desde 1824 porque possibilitam identificar as continuidades e as rupturas 
de sentido para a categoria município. Por mais que o foco sejam os processos e 
debates sobre a definição dessa categoria e sua repercussão ao longo da maior parte 
do século XX, não há como analisá-los sem ao menos uma aproximação sobre os 
sentidos com os quais propuseram discuti-la, o que em parte já foi apresentado com 
a própria definição de município. 
Para além das definições jurídicas, estão as outras ideias sociais e políticas 
que também utilizam o município como categoria na elaboração de propostas de 
organização da sociedade e do Estado brasileiro. 
É por esse caminho que sugiro a perspectiva histórica. As fontes documentais 
diretas, ou seja, os ensaios, artigos e demais textos que buscam desde dados 
empíricos ou especulações teóricas sobre a formação de entes para lidar com o 
governo de âmbito municipal, encontram-se recuadas na história. Esse recuo parece 
coincidir com outros fatores políticos e sociais que podem ser considerados 
condicionantes para a reflexão acerca dos municípios. 
Onde situar o ponto de partida dessa discussão? Como definir um referencial 
inicial quando a própria história pode ser lida em escalas distintas e em ritmos 
diferentes como sugere a Escola dos Annales? A pertinência dessa vertente como 
linha de investigação está na compatibilização entre o objeto e método históricos com 
as demais ciências sociais como sugerido por Braudel (BARROS, 2018). 
34 
 
 
 
A proposta braudeliana parte do conceito de longa duração17 que compatibiliza 
a noção de estrutura das demais ciências sociais com o tempo/ processo histórico. O 
tempo dessa estrutura permite que outros tempos e processos se desenvolvam dentro 
dela. Essa estrutura é o contorno no qual a experiência humana se desenvolve. Vale 
destacar que a estrutura pode ser uma técnica, uma atitude mental diante de um tema, 
a difusão de uma prática agrícola, ou, como sugerido aqui, uma forma de organização 
social (BARROS, 2018). 
Outro conceito importante implicado é o da multiplicidade de tempos históricos. 
Esse conceito significa que, além da diferença de tempo entre estruturas manifestam-
se conjunturas e eventos de duração curta ou menor. A imagem adotada também por 
Braudel é a de uma arquitetura dos tempos. Essa proposição também é 
problematizada, pois os elementos da longa duração e da multiplicidade não 
necessariamente se sucedem concomitantemente. Daí falar-se em uma polifonia, 
cânones18 das durações, com sobreposições, convergências ou divergências 
(BARROS, 2018). 
Aas fontes escolhidas apontam no sentido de se configurarem esses arcos ou 
sinfonias de movimentos sucessivos e concomitantes na formação do Estado 
brasileiro. Fazendo um paralelo com as séries documentais citadas, esses tempos 
históricos dizem do ritmo e do momento em que são produzidas. 
A repetição das fórmulas para o município nas Constituições republicanas, 
partindo da base estabelecida no Império (governo municipal e local) evidenciam uma 
estrutura histórica que perpassa conjunturas específicas. Essas seriam expressas 
pelas diferentes Cartas Constitucionais que deixaram em aberto ou atribuíram 
sentidos específicos a esses elementos fundantes do município. 
Pela disponibilidade de acervo e pela similaridade histórica com o período pós-
1988, o período 1946-1968 mostra-se ideal para análise dentro do arco histórico mais 
abrangente. A semelhança é por se tratar de regimes de redemocratização, o primeiro 
 
17 Para mais confira A História e as Ciências Sociais: a Longa Duração, 1958. 
18 Cânone, do francês antigo canon, origina-se do grego kanon (regra ou lei), na música, assume o 
sentido de uma forma na qual as vozes se sucedem repetindo a melodia iniciada pela primeira voz 
sem que essa tenha terminado o seu movimento. No contexto braudeliano, é empregado como esse 
encadeamento de processos ou pensamentos que se retomam um pouco deslocados no tempo e que 
sucessivamente transformam-se. 
 
35 
 
 
 
ficou conhecido como República Nova (1945-1964) e o segundo como Nova 
República19 (1985 em diante). 
A introdução da categoria planejamento é típica do pós-guerra e redefine os 
fundamentos de atuação do Estado. Quer dizer, local e governo municipal, a partir de 
então, passam a ser alvo ou lugar de planejamento. Da mesma maneira, uma série 
de categorias de análise hoje adotadas pelo campo de Planejamento Urbano e 
Regional foram naquele período definidas e paulatinamente incorporadas ao 
repertório do debate municipalista. Por essa linha, a tese justifica-se como uma 
contribuição à história do planejamento, descrevendo-o como um elemento de um 
processo estruturante do Estado quando a categoria planejamento é incorporada às 
discussões municipalistas sobre o espaço e governo municipais. 
Contudo, não é suficiente o estabelecimento de um período e de fontes 
documentais para que se desenvolva a análise do objeto em questão: o debate acerca 
da definição do município quanto à sua expressão espacial e instituições. Faz-se 
necessário definir índices capazes de referenciar sobre o que se quer analisar nas 
discussões e como estas evoluem a partir das transformações de sentido das 
categorias, da reafirmação e substituição de fundamentos trazidas pelas conjunturas 
estabelecidas por outras séries de acontecimentos correlatas. 
Por fim capítulo propôs justificar a partir da revisão de literatura e da análise 
das fontes, o projeto desta pesquisa. A sugestão é deslocar a atenção da análise de 
desempenho do município estabelecido hoje ante a um programa estatal para outra 
linha, a recuperação do processo de definição dos programas estatais e das próprias 
instituições municipais. 
 
 
19 Nova República é a expressão cunhada no discurso de posse de Tancredo Neves, primeiro 
presidente não militar, eleito em 1985, parte do processo de restauração democrática do país. 
“Brasileiros, começamos hoje a viver a Nova República. Deixemos para trás tudo o que nos separa e 
trabalhemos [...]" (NEVES, 2001). 
36 
 
 
 
3 UM PLANO PARA A ANÁLISE 
Desde que seres humanos não são meramente animais políticos, mas 
também animais dotados do uso da linguagem, suas atitudes são forjadas 
por suas ideias. O que eles fazem e como o fazem vai depender de como 
eles veem a si mesmos em seu mundo, e isso, por sua vez, depende dos 
conceitos através dos quais eles veem (PITKIN; RESENBLUM, 2015, p. 60-
61). 
O objetivo desse capítulo é definir os referenciais teóricos- adotados no para a 
pesquisa no debate municipalista. 
O primeiro item, desdobra-se em dois pontos, um é a semiologia política, 
adotada como meta-referencial analítico, estabelecendo os pressupostos sobre os 
quais as fontes são lidas. Este ponto é uma proposta para estudos do espaço a partir 
dos discursos, e alguns resultados são apresentados e posteriormente retomados nos 
capítulos seguintes. O segundo ponto trata do espaço como categoria da geografia e 
como objeto do Planejamento Urbano e Regional. Define-se o conceito de espaço 
assim como elementos adotados na pesquisa. O conjunto da leitura semiológica e do 
conceito de espaço formam as principais categorias teórico-metodológicas da 
pesquisa. Essas categorias são traduzidas em termos que as identifiquem nos textos 
analisados. E os termos são interpretados a partir de outras categorias analítico-
instrumentais, índices dos elementos analisados o que será abordado no segundo 
item deste capítulo. 
Uma referência importante sobre esta forma de pensar é a chamada virada 
linguística, também chamada de giro linguístico. Em rápidaspalavras, essa linha do 
pensamento filosófico ocidental questiona a concepção ontológica da realidade. Seus 
percussores, dentre os quais destacam-se Schleiermacher e Wittgenstein, 
propuseram que estamos limitados pela linguagem, seus limites são os limites do 
mundo20.Essa corrente ganhou força entre as chamadas humanidades ao adotarem 
a tese de que a linguagem constrói a realidade e não o contrário, dando origem às 
correntes do estruturalismo e dos pós-estruturalismos. Da primeira, destaca-se 
Ferdinand Saussure para quem os conceitos não podem existir independentemente 
das diferenças entre as palavras, de tal modo que o conceito de algo não existe sem 
ser nominado. Um objeto só é reconhecido como tal graças à relação entre o nome e 
 
20 Para mais sobre o giro linguístico e a influência dos filósofos da linguagem confira SCAVINO, Dardo. 
A Filosofia Atual: pensar sem certezas. São Paulo: NOESES, 2014. Disponível, em audiolivro (em 
espanhol), em: <https://www.youtube.com/watch?v=3gY0wcAZqig> Acesso em: 08 ago. 2017. 
37 
 
 
 
o conceito, ou o conjunto de características que a ele associamos. De tal modo, não 
poderíamos entender o objeto em si apenas pela sua nomeação se não fôssemos 
capazes de distingui-lo de todas as demais coisas através do conjunto de 
características, essas definidas e distintas umas das outras. A realidade, para essa 
corrente, é uma convenção de nomes e características, convenção chamada de 
linguagem (WARAT, 1984). 
O desenvolvimento dessa tese nos anos 1960, na França, culminou com a 
institucionalização de um “megaparadigma” transdisciplinar, contribuindo para integrar 
as ciências sociais. Contudo era falho pelo exagerado otimismo e cientificismo 
(PETERS, 2000), e por tratar de uma espécie de positivismo levado às últimas 
consequências (WARAT, 1984), que pretende(u) estabelecer uma epistemologia de 
todas as ciências humanas apenas através de um sistema lógico de signos 
universalmente aplicáveis transvalorativamente. 
Os estudos pós-estruturalistas surgem como uma resposta filosófica às 
pretensões científicas do estruturalismo. Tais estudos são inspirados nas propostas 
de “desencantamento” das estruturas e de suas bases metafísicas, a partir das ideias 
de Nietzsche e Heidegger. Por outro lado, reafirmam a tradição estruturalista da 
linguística baseada no trabalho de Saussure e nas interpretações estruturalistas de 
Foucault (primeira fase), Lévi-Strauss, Barthes e Althusser (PETERS, 2000). 
Dessas vertentes, toca-me a ideia da genealogia nietzschiana, desenvolvida 
por Foucault como uma forma de história crítica, resistente à busca por essências e 
origens, pondo em seus lugares os conceitos de proveniência e emergência. O 
significado é uma construção em constante marcha, radicada no que é pragmático a 
um determinado contexto. De tal forma, questiona a suposta universalidade das 
“asserções de verdade”, duvidando da fórmula de uma lógica de produção de verdade 
universal, mas não da possibilidade de proposições de verdade que se queiram 
universais. 
A exemplo de Foucault, pensadores pós-estruturalistas desenvolveram formas 
originais e peculiares de análise (gramatologia, desconstrução, genealogia, 
semionálise), em geral voltadas para crítica de instituições como a família, o Estado, 
a clínica entre outros. (PETERS, 2000). Neste rol, inclui-se Luís Alberto Warat, 
advogado e professor de Direito, que dedicou sua obra a uma teoria crítica do Direito 
38 
 
 
 
primeiro, pela substituição do controle conceitual pela compreensão do 
sistema de significações; e segundo, pela introdução da temática do poder 
como forma de explicação do poder social das significações, proclamadas 
científicas (WARAT, 1982. p. 50). 
O que fez constatando que “o conhecimento, na medida em que é purificado 
pela razão, limita, maldosamente a percepção dos efeitos políticos das verdades”. (op. 
cit. p. 50). Essa crítica aos discursos das ciências, às razões não sensíveis é o ponto 
de partida, entretanto não implica em uma empiria ou o abandono das categorias 
objetivas. Para esta pesquisa de tese outros campos do saber são acionados. 
A Sociologia, a Geografia, o Direito e o Planejamento Urbano e Regional são 
os campos disciplinares de estudo escolhidos por mim. Se o problema está colocado 
pelo Planejamento Urbano e Regional, os meios de análise são dados pelos demais 
ramos do conhecimento, abrangendo as dimensões do município que correspondem 
a seus respectivos objetos de análise. A pesquisa, então, se desenvolve sobre os 
entendimentos de espaço, sociedade e instrumentos normativos pertinentes ao 
município. 
Essa escolha de dimensões não é arbitrária. Como será evidenciado, numa das 
definições de município, este é um ente parte do Estado, o que remete, segundo as 
concepções contratualistas e formalistas – que podemos entender como as 
prevalecentes desde a modernidade21 aos dias atuais – a uma estrutura social e 
política composta de território, sociedade e governo, relativamente distinguíveis, 
fazendo uso dos conceitos de nação e soberania, ou a capacidade de afirmar-se 
enquanto representação e ação dominantes sobre os próprios elementos constituintes 
(ABBANGANNO, 1998; BOBBIO et al. 1998,). 
Essa definição de Estado enquanto representação que uma sociedade faz de 
si mesma e de sua forma de organização sobre um determinado espaço é parte de 
uma chave interpretativa adotada nesta investigação que entende as estruturas 
político-jurídicas como decorrentes das representações sociais do espaço – e todos 
os objetos que o compõem – e das relações intersubjetivas com este e entre si. O que 
implica em um não-compromisso com doutrinas ou dogmas jurídicos usualmente 
adotados como critério de identidade ou validade das concepções de Estado. 
 
21 Período da história do ocidente que se inicia com o Renascimento, entre os séculos XV a XVIII, e 
“costuma ser associado a alguns termos-chave como razão, ciência, técnica, progresso, 
emancipação, sujeito, historicismo, metafísica, niilismo, secularização” (ABBAGNANO, 2007 p. 791) 
39 
 
 
 
Isso para dizer que os Estados democrático, social e, autoritário, entre outras 
formas, são possibilidades, expressões das relações de poder de dada sociedade em 
determinado território. No caso em questão, o Estado brasileiro é resultado da ideia 
que sua sociedade faz de si, do território que constitui e dos governos que institui, 
composto de estruturas normativas que exprimem as relações de poder sobre seu 
espaço (território) e sobre si mesmo22. 
Aqui, há uma delimitação importante, esse conjunto das normas abrange vários 
aspectos das relações sociais, ainda que se tome apenas as que dizem respeito à 
interação entre pessoas e o espaço e que se restrinja às normas jurídicas. Trata-se 
de um contingente muito vasto. Por exemplo, as relações: 1) com a propriedade 
fundiária que envolvem uso, fruição e disposição; 2) de conduta conforme o lugar em 
que alguém se encontre; 3) de estatuto pessoal no sentido de prerrogativas e 
atribuições de acordo com o lugar de origem. Contudo, o que está sob estudo são 
aquelas regras voltadas para como a sociedade estabelece seu modo e abrangência 
de ocupação enquanto ente coletivo sobre um determinado território 
institucionalizado, ou seja, reconhecido como expressão de uma fração do Estado, no 
caso, o município. 
São normas que expressam a forma institucional de representação: política da 
sociedade, do espaço que ocupa (território) e, dos meios (instrumentos) de ação sobre 
este território e, o que se espera que se faça e como se disponha dele. Tais normas 
são o principal elemento material de análise deste trabalho. 
 
22 Essa postura tem um fundo filosófico influenciado por ideias desde Wittgenstein, Nietzsche que 
provocam a reflexões sobre as certezas do real e das estruturas ideológicas do poder. O primeiro por 
demonstrar que a linguagem define as possibilidades

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