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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE NACIONAL DE DIREITO PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO MESTRADO EM TEORIAS JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS O ATIVISMO JUDICIAL DE VOLTA À BAILA: A Criatividade Jurisprudencial sob uma Perspectiva de Direito Comparado (Volume Único) HERALDO RIBEIRO PARANHOS DA SILVA RIO DE JANEIRO 2019 HERALDO RIBEIRO PARANHOS DA SILVA O ATIVISMO JUDICIAL DE VOLTA À BAILA: A Criatividade Jurisprudencial sob uma Perspectiva de Direito Comparado .(Volume Único) Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Pósgraduação stricto sensu da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Teorias Jurídicas Contemporâneas, sob a orientação do Professor Doutor Fabio Perin Shecaira. RIO DE JANEIRO 2019 CIP - Catalogação na Publicação Elaborado pelo Sistema de Geração Automática da UFRJ com os dados fornecidos pelo(a) autor(a), sob a responsabilidade de Miguel Romeu Amorim Neto - CRB-7/6283 P223 Parana PARANHOS DA SILVA, HERALDO RIBEIRO O ATIVISMO JUDICIAL DE VOLTA À BAILA: A criatividade jurisprudencial sob uma perspectiva de Direito Comparado / HERALDO RIBEIRO PARANHOS DA SILVA. -- Rio de Janeiro, 2019. 110 f. Orientador: FABIO PERIN SHECAIRA. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade Nacional de Direito, Programa de Pós-Graduação em Direito, 2019. 1. ATIVISMO JUDICIAL. 2. MAGISTRATURA. 3. PODER JUDICIÁRIO. 4. CRIATIVIDADE JURISPRUDENCIAL. 5. ARQUITETURA ORGANIZACIONAL. I. PERIN SHECAIRA, FABIO, orient. II. Título. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE NACIONAL DE DIREITO PROGRAMA DE PÓSGRADUAÇÃO MESTRADO EM TEORIAS JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS HERALDO RIBEIRO PARANHOS DA SILVA O ATIVISMO JUDICIAL DE VOLTA À BAILA: A Criatividade Jurisprudencial sob uma Perspectiva de Direito Comparado Dissertação de Mestrado apresentada no Programa de Pósgraduação stricto sensu da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Teorias Jurídicas Contemporâneas, sob a orientação do Professor Doutor Fabio Perin Shecaira. Dissertação aprovada em 19 de setembro de 2019 BANCA EXAMINADORA: PROFESSOR DOUTOR FABIO PERIN SHECAIRA (Orientador). PROFESSOR DOUTOR ALEXANDRE MIGUEL FRANÇA PROFESSOR DOUTOR RENATO JOSÉ DE MORAES RESUMO: O presente trabalho dissertativo tem como objeto o estudo do fenômeno denominado ativismo judicial em suas relações com aspectos da arquitetura organizacional do poder judiciário sob uma perspectiva de direito comparado. A partir da análise e comparação da configuração dos judiciários da França, Estados Unidos da América, Colômbia e Brasil nos aspectos da seleção de magistrados e dos limites formais estruturais que são impostos aos juízes em cada um deles, relacionando-as com o tipo e intensidade do ativismo judicial respectivamente praticado. Tais acareações só foram possíveis de serem realizadas por meio do estabelecimento de parâmetros doutrinários de avaliação. No caso o conceito dos “Três Modelos de Magistratura”, enunciado por Zaffaroni (1995) e o de “Governo de Juízes”, da lavra de Daza (2011), foram designados pelo autor para tal finalidade. A coleta de dados ocorreu a partir de pesquisa bibliográfica e documental e obteve como resultado a confirmação da hipótese que norteou a pesquisa, ou seja, de que a estrutura oganizacional cosntitui fator relevante para o comportamento e para a decisão dos magistrados. Além disso, o estudo indicou, como sugestão para novos trabalhos, a possibilidade de se estudar a prática da criatividade jurisprudencial não apenas como uma mera contenda jurídica, mas sim, como instrumental de poder, de dominação, de transmutação de um paradigma político de democracia representativa para uma aristocracia da magistratura. Palavras Chave: Ativismo Judicial - Judiciário - Magistratura - Juízes – Decisão Judicial ABSTRACT: The present dissertation has as object the study of the phenomenon called judicial activism in its relations with aspects of the organizational architecture of the judiciary under a perspective of comparative law. From the analysis and comparison of the configuration of the judiciaries of France, United States of America, Colombia and Brazil in the aspects of the selection of judges and the formal structural limits that are imposed on judges in each of them, relating them with the type and intensity of judicial activism respectively practiced. Such arrangements were only possible through the establishment of doctrinal evaluation parameters. In this case, the concept of the “Three Models of Magistracy”, enunciated by Zaffaroni (1995) and the “Government of Judges”, by Daza (2011), were designated for this purpose. Data collection occurred from bibliographic and documentary research and obtained as a result the confirmation of the hypothesis that guided the research, that is, that the organizational structure constitutes a relevant factor for the behavior and decision of the magistrates. Moreover, the study indicated, as a suggestion for further work, the possibility of studying the practice of jurisprudential creativity not only as a mere legal dispute, but as an instrument of power, domination, transmutation of a political paradigm of democracy. Representative for an aristocracy of the judiciary. Key Words: Judicial Activism – Judiciary – Magistracy – Judges – Judicial Decision Aos meus pais (in memorian) HERCÍLIO RIBEIRO DA SILVA e WALKYRIA PARANHOS DA SILVA, que sempre foram e serão fonte maior de minha inspiração, que deram direção e sentido a minha vida, que, através do exemplo, incutiram em mim a obsessão por nunca desistir e jamais me curvar à injustiça ou à iniquidade, de vencer sem favores através da luta, provando meu valor, e foi isso que me permitiu chegar até aqui. Eles foram os maiores exemplos do amor e dedicação que se deve ter para com um filho, personificaram o mais esplendoroso significado de ser PAI e MÃE. Consagro a eles não só este trabalho mas também, além do meu eterno amor e respeito, minha mais profunda GRATIDÃO E ADMIRAÇÃO! Ao meu filho, HEITOR MENEZES PARANHOS DA SILVA, que a conclusão deste trabalho, depois de tudo pelo que recentemente nossa famíla enfrentou, sempre lhe sirva como exemplo de que na vida devemos ter a dignidade de honrar a memória e o sacrifício de nossos antepassados, assim sendo, desistir nunca é opção, lutar até o fim é sua maior obrigação pois triunfar é a nossa vocação. TE AMO DEMAIS! A minha esposa PRISCILA DE MENEZES PARANHOS DA SILVA, “Quando a gira girou niguém suportou só você ficou, não me abandonou. Quando o vento parou e a água baixou eu tive a certeza do seu amor. Quando tudo parece perdido, é nessa hora que você vê, quem é parceiro quem é bom amigo, quem tá contigo e quem é de correr. A sua mão me tirou do abismo, o seu axé evitou o meu fim, (...) Na hora certa pra me socorrer. Eu não teria chegado sozinho a lugar nenhum, se não fosse você.” (Zeca Pagodinho). PARA SEMPRE NO MEU CORAÇÃO! AGRADECIMENTOS: - Acima de tudo e de todos a Deus, Pai Celestial e Grande Arquiteto do Universo, pelo que proporciona em minha vida, só existo por Vossos desígnios e Vossa misericórdia; - A meu Pai, Hercílio Ribeiro da Silva e a minha Mãe Walkyria Paranhos da Silva, não existe vocabulário na língua pátria, ou em qualquer outra, que permita traduzir a enorme importância e a relevânciado significado deles em minha vida, razão pela qual, muito emocionado, somente agradeço pelo que fizeram por mim e de mim, apesar de todas as dificuldades. Saudades Eternas; - A meu filho Heitor, presente divino, minha maior riqueza, minha luz, meu mundo, razão maior da minha existência. A você, meu filho, meu mais profundo e incondicional amor; - A minha espôsa, Priscila, mãe do meu filho, minha força, minha armadura, minha guardiã, sempre ao meu lado para o que der e vier, você é a mulher da minha vida, te adoro; - A meu primo Euclides da Silva Paranhos, meu ídolo, meu amigo, meu irmão, pelo apoio integral em todos os momentos críticos da minha vida, neles você sempre se fez e faz presente. Beijo no coração. - A meu orientador Professor Dr. Fabio Perin Shecaira, homem digno e correto a quem admiro profundamente, me apoiou e ajudou em momentos complicados, diante dos quais; extenuado com o enfrentamento de algumas situações inusitadas; pensei em desistir. Com seu jeito calmo mas firme, não me deixou esmorecer nem diante de injustiças, nem diante de vicissitudes de minha vida pessoal. Suas contribuições a este trabalho foram inestimáveis. Obrigado Professor, eu não poderia ter escolhido melhor orientador, sua assistência foi fundamental; - A alguns professores e professoras do Mestrado em Teorias Jurídicas Contemporâneas, Professora Dra. Cecília Lois Caballero (in memorian), Professor Dr. José Ribas, Professora Dra. Lilian Emerique, Professora Dra. Ana Paula Fohrmann, Professora Dra. Sayonara Grillo e Professora Dra. Margarida Lacombe pelos preciosos ensinamentos que vão perdurar pelo resto da minha vida; - Aos meus colegas de mestrado pela sempre profícua troca de ideias, pelo companheirismo e pela grandeza de intenções e princípios que em muito me enriqueceram; - Na pessoa do Senhor Leonardo, agradeço a todos os servidores que desde 2017 atuam, ou atuaram, na Secretaria do PPGD/FND, assim como todo o pessoal da limpeza e apoio, pela dedicação e boa vontade em nos atender; - Por último, mas não menos importante, agradeço a minha Pátria, ao Brasil e ao povo deste Estado foi um privilégio servi-los por mais de trinta anos como oficial do Corpo de Bombeiros, profissão que exige enorme denodo e altruísmo de seus membros, foi uma grande honra ter a oportunidade de estar ombreado a pessoas que, como eu, estavam e estão sempre prontos e dispostos a cumprir o juramento solene de entregar a vida em defesa do próximo. Mais do que uma profissão, um sacerdócio. “O Senhor é meu pastor, nada me faltará (23:1); “Por amor ao Teu nome, mesmo que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum pois Tu estás comigo” (23:4); “Mil cairão ao teu lado, dez mil a tua direita, mas tu não será atingido. (91:7) (BÍBLIA SAGRADA) “O único caminho para sair do círculo vicioso da pobreza é a educação.” MEU PAI “Por nada eu perco a minha fé, nada retira o meu axé, E nessa fé que me guia lá vou eu, eu vou. Vou na luta por meus ideais, Vou na força dos meus orixás, eu vou. No cantar de um ponto Nagô, faço preces ao meu pai Xangô, E SÃO JORGE fiel protetor, é quem me guia, é quem me guia.” GRUPO ARRUDA, Guerreiros do Bem LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS: ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade; ADC – Ação Direta de Constitucionalidade; ADPF – Ação de Descumrimento de Preceito Fundamental; STF – Supremo Tribunal Federal; STJ – Superior Tribunal de Justiça; STM – Superior Tribunal Militar; TJ – Tribunal de Justiça; TRF – Tribunal Regional Federal; TRT – Tribunal Regional do Trabalho TST – Tribunal Superior do Trabalho. LISTA DE ILUSTRAÇÕES: FIGURAS: FIGURA 1 – Esquema da Jurisdição de Ordem Judicial da França; FIGURA 2 – Esquema da Jurisdição de Ordem Administrativa da França; FIGURA 3 – Arquitetura Organizacional do Sistema Judicial dos EUA; FIGURA 4 – Arquitetura Organizacional do Judiciário da Colômbia; FIGURA 5 - Arquitetura Organizacional do Judiciário do Brasil. QUADROS: QUADRO 1 - Arquitetura Organizacional X Ativismo Judicial SUMÁRIO: CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO 11 CAPÍTULO 2 – A CRIATIVIDADE JURISPRUDENCIAL NA ATUALIDADE 14 2.1 – PROLEGÔMENOS 14 2.2 – O ATIVISMO JUDICIAL NA HISTÓRIA, CONCEITOS E TIPOS 14 2.2.1 – O Ativismo Judicial na História 14 2.2.2- Conceituação e Concepção de Ativismo Judicial 19 2.3 - DO DIREITO: LEGITIMIDADE E LIMITES DA PRÁTICA ATIVISTA 23 2.3.1- A Legitimidade: É Possível Evitar o Ativismo Judicial? 23 2.3.2- Dos Limites do Ativismo Judicial: 30 2.3.2.1- Judicialização da Política: 31 2.3.2.2- Politização Judicial: 33 2.4 – CONCLUSÕES CAPITULARES 35 CAPÍTULO 3 - ARQUITETURAS ORGANIZACIONAIS DOS JUDICIÁRIOS 38 3.1 – PROLEGÔMENOS 38 3.2 – OS TRÊS MODELOS DE MAGISTRATURA DE ZAFFARONI 38 3.3 – ANÁLISE DA ESTRUTURA DOS JUDICIÁRIOS 40 3.3.1 - O Judiciário Francês 40 3.3.1.1 - Da Estrutura 40 3.3.1.2 - Da Seleção dos Magistrados 45 3.3.1.3 - Dos Principais Limites Formais 46 3.3.2 - O Judiciário dos Estados Unidos Da América (EUA) 47 3.3.2.1 – Da Estrutura 47 3.3.2.2 - Da Seleção dos Magistrados 52 3.3.2.3 - Principais Limites Formais 53 3.3.3 - O Judiciário da Colômbia 54 3.3.3.1 - Da Estrutura 54 3.3.3.2 - Da Seleção dos Juízes 59 3.3.3.3 - Dos Principais Limites Formais 59 3.3.4 - O Poder Judiciário Brasileiro 61 3.3.4.1 - Da Estrutura 61 3.3.4.2 - Da Seleção de Magistrados 64 3.4.3 - Dos Principais Limites Formais 65 3.4 - JUDICIÁRIOS COMPARADOS AOS MODELOS DE ZAFFARONI 66 3.5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO 70 CAPÍTULO 4: O ATIVISMO JUDICIAL NO BANCO DOS RÉUS 71 4.1- CONSIDERAÇÕES INICIAIS 71 4.2- CARACTERÍSTICAS E CAUSAS DE UM GOVERNO DOS JUÍZES 71 4.3- O ATIVISMO JUDICIAL NA FRANÇA 75 4.4- ATIVISMO JUDICIAL NOS EUA 76 4.5- ATIVISMO JUDICIAL NA COLÔMBIA 80 4.6- O ATIVISMO JUDICIAL NO BRASIL: 85 4.7 – DERRADEIRAS CONSIDERAÇÕES CAPITULARES 92 CAPÍTULO 5 - À GUISA DE CONCLUSÕES DA PESQUISA 96 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 103 11 CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO: A Organização das Naçoes Unidas estima que a população mudial seja de 7,7 bilhões de pessoas1, considerando hipoteticamente que todos possuam mãos, teremos em todo o mundo esse mesmo número de conjuntos diferentes de impressões digitais e, certamente, de opiniões ou conceitos sobre justiça (moral). Esta é a razão da necessidade da existência, em qualquer sociedade civilizada, da criação de códigos de conduta, sejam eles definidos pela norma positivada ou pelas tradições ou costumes de um povo ou país. Assim elaborar as leis vigentes, executar seus ditames e julgar os transgressores das mesmas constituem as fundamentais funções de um Estado, e proporcionam tanto poder aos que as controlam que, em particular nos governos democráticos, tais atribuições não se concentram em uma ou em um pequeno grupo de pessoas, mas sim em várias instituições, com o claro e evidente objetivo de espargir o poder. MENDES (2018) ao comentar sobre a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental número 442 em trâmite no Supremo Tribunal Federal brasileiro, defende a descriminalização do aborto via judicialização, argumentando, entre outras coisas, que não há problemas no fato de que o judiciário se encarregue de tal decisão, que isso não seria ativismo judicial, mas sim o que denomina de ativismo social. Alega também que constitui um desperdício de energia e tempo a discussão dos limites das atribuições entre os poderes, pois a teoria constitucional “cansou” do assunto, após tentar por mais de dois séculosencontrar uma resposta para tal questão até que, segundo o autor, “Percebeu-se que Parlamentos e Cortes são ‘colegisladores’, ambos com competência para interpretar criativamente a Constituição”2. Os argumentos acima deixam de levar em conta fatores muito relevantes, já que essa possibilidade de interpretação criativa da Lei Magna é efetiva para o judiciário e não para o legislativo, já que este tem suas decisões supervisionadas pelo judiciário, não sendo a recíproca verdadeira. Se o sistema político é democrático-representativo, ou seja possui um governo do povo, pelo povo e para o povo, como ressaltou ABRAHAM LINCOLN3, o poder judiciário não possui legitimidade para legislar ou para administrar a máquina pública, já que essas são, em 1 A população mundial chegará a 11 bilhões até o fim do século, diz ONU, Revista Galileu, 20/06/2019, Disponível em: https://tecnoblog.net/247956/referencia-site-abnt-artigos/, acesso: 19/08/2019. 2 MENDES, Conrado Hübner. Ativismo Social, não judicial. Coluna da Revista Época, 16/08/2018. Disponível em: https://epoca.globo.com/conrado-hubner-mendes/ativismo-social-nao-judicial-22983759, Acesso: 05/07/2019. 3 Discurso de Gettysburg, 19 de novembro de 1863. Disponível em: http://www.arqnet.pt/portal/discursos/novembro01.html, acesso: 18/08/2019. 12 geral, atribuições do povo por meio dos representantes por ele eleitos, conforme determina o texto constitucional brasileiro. Além disso essa repartição de poderes que MENDES (Op.cit) relativiza, desconsiderando o que preceitua a Carta Maior, é elemento central em um sistema democrático, impedindo a concentração de poderes por meio do modelo de freios e contrapesos o qual não concebe a possibilidade de que o judiciário, de maneira isolada, invoque essa atribuição, claramente pertencente a esfera do legislativo. Logo, a ideia de que exista um poder que se sobreponha aos outros assumindo atribuições que não estão prescritas na Constituição, é razão de cuidado, pois pressupõe uma imparcialidade que magistrados, ou quaisquer outros cidadãos, não possuem. O que é ainda mais agravado pelo fato de que o judiciário constitui-se, via de regra, no mais tecnocrático dos poderes, no qual a influência popular é a menor dentre todos. Não obstante as incongruências, há de se reconhecer que o autor acima mencionado possui razão quando menciona o aparente cansaço da teoria constitucional de se debruçar sobre o tema, pois a partir de fins do século passado, o tema do ativismo judicial foi deixado de lado, artigos e pesquisas rarearam bastante e quando se apresentam tratam de casos específicos ou práticas ativistas em um determinado país. Tal realidade é no mínimo, surpreendente, pois averiguar o desenvolvimento da prática do ativismo judicial é projetar o amanhã da democracia no mundo civilizado e possibilitar a correção de rumos se necessário. É perscrutar o futuro das sociedades. É difícil imaginar que estudiosos e pesquisadores tenham saciado sua curiosidade ou ficado extenuados de trabalhar com temática tão relevante e cativante. Diante do exposto, o presente estudo se propõe a examinar o ativismo judicial sob uma perspectiva de direito comparado. Realizar-se-á um paralelo entre as práticas da criatividade jurisprudencial em quatro países. O objetivo maior é analisar se as diferentes arquiteturas organizacionais dos judiciários a que estão vinculados os magistrados influenciam na postura e na atuação dos mesmos. Partindo da hipótese que a arquitetura organizacional de um judiciário afeta e conforma a postura dos juízes, a pesquisa possui como objetivos específicos estudar a influência de dois aspectos característicos da organização de um poder judiciário na atuação dos magistrados, ou seja, as formas de seleção da magistratura e os limites formais estruturais a que os juízes estão sujeitos naquele determinado país. Para tanto, a conformação atual dos poderes judiciários da França, Estados Unidos da América, Colômbia e Brasil são utilizados e, fundamentalmente, analisa-se o ativismo judicial praticado pelas Cortes Constitucionais desses países. 13 Assim, não obstante algumas poucas insurgências aventureiras, mas embasadas na análise das informações coletadas no decorrer do trabalho, a pesquisa não busca discutir os limites do ativismo, nem se a prática ativista é uma ameaça ao Estado Democrático, nem mesmo conhecer os meandros da judicialização da política. Constitui-se, em vez disso, em uma análise sobre se, e em qual medida, a estrutura do sistema judicial modela a postura, o comportamento e a atividade dos magistrados. Às conclusões desta pesquisa deverão ser consideadas algumas limitações presentes na mesma. A primeira delas é o tempo, que sempre constitui um importante fator limitador do aprofundamento e da qualidade de qualquer pesquisa. A segunda são os países estudados que, por constituírem uma seleção pequena do universo de nações do globo, não permitem que se chegue a conclusões definitivas sobre o assunto, apesar de constituir relevante contribuição para o estudo do tema e forte indicativo de tais conclusões. Outra limitação diz respeito aos aspectos da arquitetura organizacional elencados, os quais representam apenas uma pequena parte da complexa teia de especificidades da estrutura de um sistema judicial. Por último limitações de cunho pessoal do autor também devem ser levadas em conta. No alcance do repto a que se destina, o estudo foi particionado em cinco capítulos. Sequencialmente à presente introdução, tem-se o capítulo intitulado “A Criatividade Jurisprudencial na Atualidade”, que se presta a realizar um estudo das principais concepções de Ativismo Judicial hodiernamente desenvolvidas, à luz da ótica de diversos e renomados autores, ambicionando a construção de um paradigma conceitual do tema, a partir do qual será levado a termo o restante o trabalho. A seguir tem-se o capítulo “Arquiteturas Organizacionais dos Judiciários”, o qual visa descortinar as formas de seleção de magistrados e os limites formais estruturais característicos de cada judiciário realizando, por meio do estabelecimento de um critério doutrinário; ou seja; uma taxionomia apresentada por um estudioso que possa servir de parâmetro para a comparação de poderes judiciários de países diferentes, determinando assim as principais semelhanças e distinções entre os sistemas judiciais. Adiante o “Ativismo Judicial no Banco dos Réus” objetiva, também por intermédio da estipulação de um paradigma conceitual teórico de referência, avaliar a intensidade do ativismo judicial praticado em cada país, relacionando-a com os aspectos da respectiva arquitetura organizacional. Encerrando, encontram-se as “Conclusões”, que têm por finalidade comentar os resultados encontrados e fazer algumas inferências que, direta ou indiretamente, o estudo demonstrou ou indicou, como forma de orientar ou inspirar futuros estudos sobre a temática. 14 CAPÍTULO 2- A CRIATIVIDADE JURISPRUDENCIAL NA ATUALIDADE: 2.1 - PROLEGÔMENOS: O presente capítulo se constituirá em um pequeno estudo sobre a temática do Ativismo Judicial. Não obstante não se constituir em um dos objetivos principais do presente estudo, reveste-se de grande relevância realizar uma análise sobre o que doutrinariamente vem sendo concebido como prática ativista. Intenta-se evidenciar as formas pelas quais tal fenômeno se apresenta e os limites a que deve estar sujeito. Tais reflexões servirão de relevantes referências nos capítulos a seguir. Cabe ressalva o fato de que essa investigação não se consubstancia em uma abordagem filosófica ou sociológica, mas sim teórica do direito. Na incidência do uso de termos comuns a tais abordagens, é sob o prisma da teoria do direito que se acredita que eles serão analisados e avaliados. Considera-se de bom alvitreexplicitar também que esse capítulo, em função do título, foi estruturado em conformação parcialmente similar a uma peça exordial de um processo judicial. Logo, a próxima subparte apresentará aspectos históricos do ativismo judicial, e se intitula Dos Fatos. Nesse fragmento intentar-se-á, na realidade, realizar uma análise um tanto distinta da que normalmente o ativismo judicial é abordado. Constantemente os autores que mencionam aspectos históricos do tema, ou seja, quando ocorreram as primogênitas decisões judiciais que podem ser consideradas ativistas e/ou quando e por quem a expressão “ativismo judicial” foi talhada. Nesta pesquisa procurar-se-á entender o momento histórico em que fatos como os acima alinhavados ocorreram, além de apresentar as mais destacadas conceituações e concepções do fenômeno do ativismo judicial. No item seguinte, a pesquisa buscará analisar as questões relativas à legitimidade e os limites do ativismo judicial, considerando os problemas atinentes à visão intervencionista de ativismo judicial, da efetiva mudança no paradigma do Estado de Direito e também das possíveis consequências das práticas ativistas para a função jurisdicional. Em derradeiro, na forma de conclusão do capítulo, serão revisitados os principais pontos e enfoques do texto, objetivando melhor dimensionar a relevância da temática não só para o direito e para os cânones democráticos. 2.2 - DOS FATOS: O ATIVISMO JUDICIAL NA HISTÓRIA, CONCEITOS E TIPOS: 2.2.1 – O Ativismo Judicial na História: 15 O Ativismo Judicial sempre existiu na atividade jurisdicional, tal fato pode ser confirmado pela clara impossibilidade de que a hipótese da lei em abstrato consiga antever e englobar todas as possibilidades de incidência do que a norma regula nas situações em concreto. Além disso, é fundamental o que declara CAPPELLETTI (1999,42), de que a interpretação do texto normativo, constitui a atividade laboral de magistrados, a esta estará sempre vinculada uma dose de pessoalidade. Algumas experiências em extinguir essa atribuição dos juízes foram muito malsucedidas, a exemplo do que ocorreu na França: Revela-se como um episódio emblemático dessa concepção legalista (a hegemonia da lei) e legicêntrica (a hegemonia do legislativo) que impedia os juízes de ousar interpretar a lei, a aprovação, na França, em agosto de 1790, de lei que instaurou o référée lègislatif. Por força desse dispositivo, em caso de dúvida sobre o teor de uma lei, o juiz deveria pedir ao legislador o sentido correto do texto. Além disso, era obrigatória a utilização da técnica do non liquet4. Deste modo caso o juiz se deparasse com um caso concreto para o qual não existisse lei, restava-lhe um único caminho: recorrer ao parlamento para que regulasse a situação com a produção de um ato legal específico. (DOS ANJOS, 2010, 140). Segundo o mesmo autor (Idem), o resultado desta concepção legalista e legicêntrica do direito foi a particularização da atuação do Poder Legislativo, que passou também a criar norma a partir da incidência do caso concreto, além da deslegitimação da representação parlamentar, pois o casuísmo das decisões passou a imperar, ameaçando sobremaneira a segurança jurídica e o princípio da separação dos poderes. Não é difícil imaginar que tal concepção tenha acarretado sérios problemas, costumeiramente as mudanças na sociedade ocorrem muito mais rápido do que a alteração das leis e precedentes. Assim, de acordo com DOS ANJOS (2010, 141), como forma de oferecer respostas generalizadas às potenciais lides, ocorreu a codificação das leis, que surge intentando; por meio de um ordenamento jurídico edificado em um sistema fechado, coerente e autossuficiente; prever todas as hipóteses de perturbações nas relações sociais, fazendo com que os juízes somente se limitassem a buscar a solução no texto da norma. A concepção acima vigorou ao longo do século XIX, quando se iniciam questionamentos teóricos sobre sua efetividade. Um dos primeiros casos de grande repercussão, considerado pela doutrina como um exemplo de ativismo judicial, foi o caso Louise Menárd5, julgado no Tribunal de Château- 4 Expressão usual na ciência do processo e que atualmente encontra-se em desuso na prática jurisdicional pátria e que significa em suma o poder do juiz de não julgar, por não ter conhecimento de como decidir. 5 Famoso julgamento no qual o juiz absolveu a ré, Louise Menárd, pelo roubo de um pedaço de pão de uma padaria da localidade. O juiz, M. Magnaud, considerou que a ré, sua mãe e seu filho estavam sem se alimentar a mais de 36 horas. Considerou também que a ré estava sem trabalho, apesar de procurar constantemente por uma ocupação 16 Thierry, na França, em audiência realizada no dia 04 de março de 1898, o juiz Paul Magnaud, anteferiu o estado de necessidade ao direito de propriedade. O caso teve grande repercussão na imprensa, que apoiou a inusitada decisão do magistrado, que acabou ganhando a alcunha de o bon juge6, conforme esclarece VITOVSKY (2010,90). Nessa mesma época a França passava por uma enorme crise institucional, ocasionada pelo denominado caso Dreyfus7, o qual em 13 de janeiro de 1898, teve um de seus momentos mais marcantes, com a publicação no jornal literário L’Aurore de uma carta aberta ao presidente da França redigida e assinada pelo grande escritor Émile Zola, intitulada J’Accuse!8, na qual ele, de forma contundente e inapelável, denuncia as falcatruas processuais do caso, gerando uma enorme comoção social e um recrudescimento da divisão política da sociedade entre os que eram a favor e contra Dreyfus. Analisando com acurácia os fatos anteriormente mencionados, percebe-se a possibilidade de que a decisão do bon juge Magnaud, não tenha sido obra do acaso, ou só um caso isolado decidido por um juiz corajoso e de bom coração. A atitude do magistrado de decidir contra legem, dentro daquelas circunstâncias, ocorre em uma ambiência jurídica e social específica, ou seja, a emergência do questionamento da concepção legalista e legicêntrica do direito vigente, além de uma crise institucional, talvez sem precedentes, na história da França até então, oriunda precisamente de decisão judicial equivocada. A sentença condenatória de Dreyfus foi um marco na história francesa. Fruto de um processo judicial insidioso, repleto de trapaças e de intolerância racial e religiosa que, ao ser denunciado por uma figura pública de grande destaque, de maneira embasada e comprovada, colocou sob suspeita o Poder Judiciário na França, abalando a credibilidade e a legitimidade do direito e das instituições como um todo. sem sucesso. A luz desses argumentos o magistrado entendeu que o risco de vida causado pelo estado de inanição, afastava a responsabilidade da mesma das sanções impostas pela lei à referida conduta. (VITOVSKY, 2010, 90). 6 De acordo com MARQUES (2001, 92), além dessa, o juiz Magnaud, prolatou várias decisões ativistas, como a absolvição de uma pessoa acusada de mendicância e vadiagem por não conseguir um trabalho. Absolveu uma mulher acusada de adultério, argumentando que tal conduta não acarretara prejuízo público e que caberia a um juiz o dever de não fazer uso de uma lei tão parcial e obsoleta, reconheceu o direito de greve, de segurança do trabalho, entre outras. 7 O Caso Dreyfus foi um escândalo jurídico-político que atingiu a França no final do século XIX. Em 1894, um oficial do exército francês, Alfred Dreyfus, de origem judaica foi condenado por traição. Tal sentença foi fruto de um processo fraudulento e sem transparência com provas documentais forjadas. Quando tal fato foi descoberto, alguns Oficiais de patente elevada encobriram-no, mantendo a condenação à prisão perpétua com trabalhos forçados. Sentença esta que foi revisada e mantidapor várias vezes, mesmo com provas da autoria de outro militar, até que foi reformada, primeiro com uma redução da pena para dez anos, e que só foi definitivamente revogada e transformada em absolvição pelo reconhecimento do erro judicial em 1906. (Disponível em: http://justificando.cartacapital.com.br/2017/06/09/caso-dreyfus-eu-acuso/ , em 26/03/2018) 8 Eu acuso! 17 Deixando o século XIX e caminhando até a metade do centenário seguinte encontra-se um momento muito mencionado nos estudos sobre ativismo judicial, que é o artigo publicado na revista Fortune por Arthur Schlesinger Jr., em janeiro de 1947, tido como a primeira vez em que se fez uso público da expressão “ativismo judicial”. KMIEC (2004, 1446) ao mencionar o citado artigo de Schlesinger, esclarece que em seu trabalho o autor faz uma análise dos nove Justices da época, isto é, a partir do perfil decisório de cada um dos magistrados, o autor delineou uma taxionomia que os enquadrava como os “Judicial Activists” (Black-Douglas-Murphy and Rutlege); que era o grupo de Justices que se caracterizava pelo uso de concepções sociais pessoais dos juízes nas decisões judiciais que propunham para os casos concretos que julgavam, no intuito de encontrar soluções socialmente desejáveis. Schlesinger chamou outro grupo de “Champions of Self Restraint” (Frankfurter-Jackson and Burton) por outro lado, defendiam que a Corte seguisse, exclusivamente, os ditames da lei, deixando a tarefa de realizar a vontade do povo para os poderes que são, para tanto, eleitos pelo voto. Este grupo defendia uma posição de deferência à lei e autocontenção judicial. E ainda existiam os do grupo do meio (middle group: Reed and Chief Justice Vinson), que eram os Justices que ora se apresentavam do lado de um grupo ora do outro. Distinto do que a princípio possa se conceber, nos Estados Unidos, de onde remonta a gênese do estudo do ativismo judicial, a jurisprudência era, inicialmente, de cunho conservador. Valiosa é a lição de BARROSO9 a respeito: As origens do ativismo judicial remontam à jurisprudência norte-americana. Registre- se que o ativismo foi, em um primeiro momento, de natureza conservadora. Foi na atuação proativa da Suprema Corte que os setores mais reacionários encontraram amparo para a segregação racial (Dred Scott v. Sanford, 1857) e para a invalidação das leis sociais em geral (Era Lochner, 1905-1937), culminando no confronto entre o Presidente Roosevelt e a Corte, com a mudança da orientação jurisprudencial contrária ao intervencionismo estatal (West Coast v. Parrish, 1937). A situação se inverteu completamente a partir da década de 50, quando a Suprema Corte, sob a presidência de Warren (1953-1969)10 e nos primeiros anos da Corte Burger (até 1973), produziu jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais, sobretudo envolvendo negros (Brown v. Board of Education, 1954), acusados em processo criminal (Miranda v. Arizona, 1966) e mulheres (Richardson v. Frontiero, 1973), assim como no tocante ao direito de privacidade (Griswold v. Connecticut, 1965) e de interrupção da gestação (Roe v. Wade, 1973). [parênteses do autor] (pg. 7). 9 BARROSO, Luis Roberto, Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática, Disponível em: https://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf, capturado em: 12/12/2017. OBS: O texto não apresenta informações a respeito do ano de elaboração ou de publicação. 10 Nos EUA foi um período de intensas mudanças sociais pós-segunda guerra mundial, início da guerra fria, guerra da Coréia, a revolução social de 1968. ANOS 60 – Almanaque da Folha – UOL, Disponível em: http://almanaque.folha.uol.com.br/cronologia_60.htm, capturado: 13/02/2018. 18 A exemplo da atuação do juiz Paul Magnaud, já mencionado, a incidência de práticas ativistas da Suprema Corte americana, ou assim consideradas por BARROSO, parecem ter em comum uma atmosfera social turbulenta e traumática, diante da qual a aplicação da concepção então vigente do direito não propiciava respostas satisfatórias. Segundo o autor acima, as primeiras manifestações ativistas da jurisprudência da Suprema Corte americana datam de 1857, e foram de perfil conservador, mencionando uma decisão que ampara a segregação racial nos EUA. Nesse ano, 1857, esse país foi atingido por uma crise econômica11 seríssima, em uma época em que possuía uma sociedade e uma economia escravagista, não é de estranhar que decisões judiciais primassem pela manutenção do status quo vigente no que concerne aos Negros. Na Era Lochner12 que se estendeu de 1905 a 193713 a Suprema Corte foi responsável por tornar inválidas várias leis estaduais de proteção ao trabalho, de segurança do trabalho, entre outras leis sociais, privilegiando a liberdade contratual, com base no devido processo substantivo (Substantive Due Process) em sua versão econômico-liberal. Nessa época, a interpretação do Substantive Due Process pela Suprema Corte priorizava os direitos econômicos e de propriedade, com base no argumento de proteção de direitos individuais, em detrimento de direitos sociais o que, como não poderia deixar de ser, acarretou decisões contrárias ao senso de correção e de justiça da sociedade, determinando mudanças na maneira da Corte interpretar a questão. Durante a Era Lochner os EUA atravessaram o Pânico Financeiro de 1907 e, posteriormente, a Grande Depressão de 1929, além de várias crises econômico-financeiras ocorridas nos anos que antecederam a esse período (1873-1877, 1890 e 1893). 11 O ano de 1857 foi marcado por uma crise econômica de grandes proporções que atingiu a Europa e que, em face do já grande entrelaçamento econômico no mundo, também afetou os EUA. O auge dessa crise ocorre com a falência do banco Ohio Life Insurance and Trust Company, em função de fraudes perpretadas por diretores e que deflagrou o pânico financeiro que atingiu aquela nação. A situação só não foi pior porque os bancos que se relacionavam com o que faliu, foram reembolsados e se uniram, apoiando uns aos outros e evitando que correntistas assustados acorressem aos bancos para retirar seu dinheiro, o que causaria um efeito devastador em todo o sistema financeiro. SAMPAIO (22016, 905/906). 12 “ A Era Lochner é um período da história legal dos Estados Unidos cujos antecedentes remontam à década de 1890, onde a Suprema Corte tendeu a declarar a inconstitucionalidade uma série de legislações estaduais que tratavam da regulação econômica – especialmente no que dizia respeito às condições de trabalho e à limitação da jornada. Ela recebeu este nome em virtude de um precedente, o famoso caso Lochner v. New York, onde a Suprema Corte invalidou um estatuto do Estado de Nova Iorque que visava a regular a jornada de trabalho dos padeiros, sob o argumento de que tal regulação violava a liberdade contratual, vista como um direito implícito na cláusula do Devido Processo Legal (Due Process of Law) da 4ª Emenda. Consagrou-se neste período a versão econômica da doutrina do Devido Processo Substantivo (Substantive Due Process).”. (MARCHIORI NETO, 2014) 13 O final do século XIX e início do século XX foi um período no qual os EUA passaram por diversas crises econômicas (Pânico Financeiro de 1873-1877, de 1890, de 1893 e a de 1907 – todas, em grande medida, ocorreram ou afetaram diretamente o sistema bancário americano), culminando com a grande depressão de 1929. 19 Outro período historicamente relevante do ativismo judicial da Suprema Corte americana, mencionado por BARROSO, é o da Corte Warren, de 1953 a 1969, e dos anos iniciais da corte Burger, até 1973. Nesta fase, a jurisprudência se tornou mais progressiva, com decisões antológicas no que se referem aos direitos e liberdades civis, em particular, no que tange aquestão dos Negros. Uma vez mais o que ocorria no meio social parece inferir diretamente nas decisões ativistas. O período de 1953 a 1973 foi uma fase de intensas subversões do status quo. Época muito rica de mobilizações sociais, como o movimento pelos direitos civis dos Negros americanos, as feministas em busca de igualdade, o povo contra a guerra do Vietnã, a revolução cultural de 1968 constituem exemplos marcantes da ebulição social de então. Neste diapasão, não causa estranheza o fato de o Substantive Due Process passar a ser interpretado pela Suprema Corte de forma a valorizar mais os direitos sociais do que os econômicos. Isoladamente, não se pode afirmar, de maneira categórica, que existe uma relação entre ativismo judicial e ambiência social14, entretanto, também não se pode considerar apenas coincidência o fato de que, seja em termos conservadores ou progressistas, a emergência da radicalização de práticas ativistas pelos magistrados ocorra em momentos de mudanças fortes de agitação e insegurança na sociedade. Nesses episódios a prática do ativismo judicial se apresenta ou como forma de manutenção do status quo, ou como instrumento de sustentação, ou mesmo de condução ou construção, de novas realidades sociais. 2.2.2 - Conceituação e Concepção de Ativismo Judicial: Muitas são as conceituações e concepções do que seja ativismo judicial, serão adiante apresentadas algumas das que são relevantes ao presente estudo. Enseja-se aqui formular, a partir da contribuição de diversos autores, um conceito de ativismo judicial que servirá de parâmetro para o restante dessa investigação. OLIVEIRA (2010, 228) apresenta o ativismo judicial como sendo: ... toda a decisão definitiva dos órgãos do Poder Judiciário que, nos seus efeitos, impliquem em repercussão na esfera de outros órgãos dos poderes legislativo ou executivo, de forma a exigir-lhes uma conduta positiva ou negativa, ou mesmo impedir-lhes ou anular-lhes o exercício de suas competências constitucionalmente definidas. 14 Sugestão de tema de pesquisa para o campo específico de História do Direito. 20 Logo, para esse autor, não existe a necessidade de inovação, criatividade para ocorrer ativismo, basta apenas que uma decisão judicial cause afetação obrigatória a outro Poder constituído. YOUNG (2002) atenta para o fato de que apesar de muitos estudiosos atacarem o fenômeno do “ativismo judicial”, poucos se arriscaram a engendrar uma conceituação da expressão que apresente algum nível aceitável de exatidão. Segundo o autor isso ocorre porque é muito difícil de definir ou conceituar tal prodígio, pois uma determinada postura de um juiz ou de um tribunal pode ser entendida como “ativista” ou como “conservadora” de acordo com o ponto de vista de quem analisa. Além disso várias são as práticas dentro da atividade jurisdicional que são entendidas como ativistas. A partir de tais concepções o autor enuncia seis categorias que, pela amplitude, abarcam todos os comportamentos tidos, comumente, como judicialmente ativistas, ou como esclarece o autor: I survey six broad categories of judicial behavior that probably strike most of us as “activist” in some ways: (1) second-guessing the federal political branches or states governments; (2) departing from text and/or history; (3) departing from the judicial precedent; (4) issuing broad or “maximalist” holdings rather than narrow or “minimalist” one; (5) exercising broad remedial powers; and (6) deciding cases according to the partisan political preferences of the judges. MARSHALL (2002, 103/104) tendo por base razões semelhantes às que acima são apresentadas, identifica sete tipos distintos de ativismo, a saber: (1) Counter-Majoritarian Activism: the reluctance of the courts to defer to the decisions of the democratically elected branches; (2) Non-Originalist Activism: the failure of the courts to defer to some notion of originalism in deciding cases, whether that originalism is grounded is a strict fealty to text or in reference to the original intent of the framers; (3) Precedential Activism: the failure of the courts to defer to a judicial precedent; (4) Jurisdictional Activism: the failure of the courts to adhere to a jurisdictional limits on their own power; (5) Judicial Creativity: the creation of the new theories and rights in constitutional doctrine; (6) Remedial Activism: the use of judicial power to impose ongoing affirmative obligations on the other branches of government or to take government institutions under ongoing judicial supervision as a part of a judicially imposed remedy; and (7) Partisan Activism: the use of the judicial power to accomplish plainly partisan objectives. [negritos do autor]. GOMES (2009), aduz o que se poderia denominar de conceito clássico de ativismo judicial, já que percebe tal fenômeno como uma espécie de “...intromissão indevida do Judiciário na função legislativa”, ou seja, ocorre ativismo judicial quando o juiz cria uma norma 21 nova usurpando a tarefa do legislador, norma essa não contemplada nem na lei, nem nos tratados, nem na Constituição. Este autor distingue dois tipos de ativismo judicial, isto é: É preciso distinguir duas espécies de ativismo judicial: há o ativismo judicial inovador (criação, ex novo, pelo juiz de uma norma, de um direito) e há o ativismo judicial revelador (criação pelo juiz de uma norma, de uma regra ou de um direito, a partir dos valores e princípios constitucionais ou a partir de uma regra (...). Neste último caso o juiz chega a inovar o ordenamento jurídico, mas não no sentido de criar uma norma nova, sim, no sentido de complementar o entendimento de um princípio ou de um valor constitucional ou de uma regra lacunosa. [grifo nosso]. Já KMIEC (2004) considera ativismo judicial uma expressão muito “escorregadia”, pois os estudos sobre o tema demonstram a existência de diversos prismas por meio dos quais esse fenômeno pode ser observado, tratado e analisado. De acordo com esse autor, existem cinco acepções diferentes para a prática jurisdicional ser entendida como ativismo judicial, ou seja: A. Striking down arguably constitutional actions of other branches; B. Ignoring the precedents; C. Judicial Legislation; D. Departures from accepted interpretive methods; E. Result-oriented Judging. Tendo por base as conceituações, definições e concepções reunidas e expostas acima, pode-se vislumbrar algumas importantes deduções. Inicialmente, fica claro que o termo “ativismo judicial” não possui uma conceituação exata, pois várias são as concepções que podem ser adotadas para contextualizar uma práxis jurisdicional como ativista. Em plano secundário, a prática do ativismo judicial gera indubitavelmente, e em algumas conceituações ele é definido em função disso, uma intervenção do Poder Judiciário nos outros dois poderes, tal intervenção é, e essa é a grande questão, indevida para alguns autores, entre outras razões pelo fato de que os Poderes essencialmente democráticos, no sentido de estarem sujeitos ao escrutínio popular, se apequenam em importância diante do Judiciário, que é um poder que, na imensa maioria dos casos, tem uma natureza tecnocrática. Para outros doutrinadores, como será visto adiante, tal intervenção é; não só adequada, como constitui obrigação legal do poder Judiciário assim atuar; quando tal intercorrência decorre da defesa dos direitos humanos e das garantias fundamentais previstos na Constituição. Outra questão inerente ou consequencial do ativismo judicial é a Judicialização da Política, isto é, decisões que constitucionalmente estariam a cargo do Legislativo e do Executivo, ou seja, submetidas à esfera política, passam a ser decididas, e até conduzidas, em sede judicial, sendo as políticas públicas o exemplo mais latente. 22 Um outro fatornão tão evidente e muitas vezes negligenciado pela doutrina é o da Politização Judicial, quer dizer, as decisões judiciais passam a ser fruto das escolhas e inclinações políticas dos magistrados e não da lei. Em alguma medida, tanto a judicialização da política quanto a politização jurisdicional são inerentes a atividade judicial, entretanto, quando se deixa de ter como referência a lei positivada e/ou os precedentes, adotando-se como parâmetro decisional as orientações vagas, difusas e imprecisas que, por natureza, compõem “as referências humanas jusfundamentais, inseridas nos princípios e normas constitucionais abertas” (MOREIRA, 2014, 82), indubitavelmente, as ocorrências de tais eventos se tornam, potencialmente, muito mais comuns, cada vez mais radicais e de maior relevo para a vida em uma sociedade democrática. Em derradeiro, porém não menos relevante, emerge a questão de que o ativismo judicial nos parâmetros que atualmente está ocorrendo no mundo civilizado, bem distintos e muito mais amplos do que aqueles nos quais se pautava o bon juge Magnaud por exemplo, por instar uma liberdade de decisão quase ilimitada aos magistrados, corporifica uma mudança enorme no que entendemos como Estado Democrático de Direito, já que, entre muitos outros fatores, demanda: a redistribuição das atribuições do poderes constituídos; exige um protagonismo do Judiciário perante os demais poderes, o qual constitui um poder de cunho tecnocrático muito mais do que democrático; e a relativização da segurança jurídica, princípio basilar deste tipo de estado, que deixa de ter a mesma significância ou pertinência. As análises tanto da visão intervencionista, como das consequências do ativismo judicial, serão abordadas com maior profundidade nos itens seguintes, quando os limites da criatividade jurisprudencial15 forem tratados, aqui cabe elaborar um conceito do que ativismo judicial se constituirá nessa investigação. De pronto percebe-se que a conceituação apresentada por OLIVEIRA (2010), abarca a questão do ativismo em uma perspectiva de intromissão do Judiciário nas atribuições dos outros poderes, apesar de muito abrangente, ela se apresenta incompleta, já que a prática ativista não se esgota na ambiência constitucional, muitos magistrados prolatam sentenças contra legem infraconstitucional e que não afetam outros poderes constituídos, conforme a pesquisa de BAPTISTA (2012)16 sobre a imparcialidade judicial demonstra claramente. 15 Termo utilizado por Mauro Cappelletti (1999) e que designa, originalmente, um sinônimo de ativismo judicial. Neste trabalho, essas expressões assim serão concebidas. (CAPPELLETTI, Mauro, Juízes Legisladores? Porto Alegre, Sérgio Fabris, 1999) 16 Em sua tese de doutoramento, a autora realizou uma pesquisa etnográfica sobre a imparcialidade judicial, tendo como universo de pesquisa os magistrados lotados na sede do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. A conclusão da pesquisa é de que a “imparcialidade judicial” é quase que algo mítico, inexistente, o juiz “escolhe” um lada e busca na lei formas de justificar e fundamentar sua decisão. (BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti. Entre 23 Como forma de complementar a conceituação, as acepções de práticas ativistas propostas por KMIEC (2004), também mencionadas, serão adotadas por serem mais concisas que as de Young e Marshall retromencionados e, de forma geral, apreender as hipóteses contidas nestas. Assim, para fins desse trabalho ativismo judicial é: Toda decisão judicial que implique em qualquer tipo de obrigação a outros poderes ou de afetação das atribuições constitucionalmente atribuídas dos mesmos, assim como quaisquer decisões judiciais que ignorem as leis ou precedentes em vigor, que criem legislação judiciária, que desprezem as interpretações e métodos interpretativos aceitos até então e que sejam oriundas de julgamentos orientados para resultados econômicos, políticos e/ou sociais específicos. Tal conceituação está longe de ser capaz de aglutinar toda a complexidade da temática do ativismo judicial. Entretanto, crê-se que ela constitua uma síntese de todas as que foram discutidas e também que seja adequada para os fins a que se destina nesta investigação. Um dos objetivos deste trabalho é investigar os fatores que incentivam os juízes a adotarem posturas inovadoras e politicamente audazes. A ampla definição de ativismo proposta acima indica a variedade de formas como pode se materializar a inovação e a ousadia judicial. 2.3 - DO DIREITO: LEGITIMIDADE E LIMITES DA PRÁTICA ATIVISTA: 2.3.1- A Legitimidade: É Possível Evitar o Ativismo Judicial? De maneira direta ou indireta, as teorias contemporâneas do direito admitem e convivem com a ideia de que se encontra inserida no trabalho judicial a criação de direito. Essa concepção se estrutura sobre a noção de que seja o direito legislado, sejam os holdings ou rationes decidendi típicos do direito jurisprudencial, a norma estabelecida jamais consegue ser capaz de se aplicar integralmente e adequadamente a todos os casos concretos com que se depara o magistrado. Os casos em que a norma não se aplica em parte ou totalidade, chamados por alguns autores de casos difíceis, muitas vezes induzem o juiz a criar uma regra aplicável, ou suplementar norma já existente, para solucionar uma lide. Tais possibilidades são recepcionadas nas teorias do direito mais relevantes, desde o positivismo exclusivo kelseniano, até a teoria da Argumentação Jurídica, passando por Hart, “Quereres” e “Poderes”, paradoxos e ambiguidades da imparcialidade judicial, Rio de Janeiro, Tese de Doutoramento/ Universidade Gama Filho, 2012.) 24 Dworkin, Alexy e o Neoconstitucionalismo, a possibilidade de atos e decisões não vinculadas de juízes são admitidas, e em alguns desses ideários são até mesmo incentivadas. Tendo em Hans Kelsen o fundador e maior expoente, o positivismo jurídico exclusivo, sob o enfoque da teoria do direito, se caracteriza por uma visão do direito positivo como ciência, e assim, buscar desenvolver uma teoria pura do direito por intermédio de abordagem eminentemente cartesiana, concebendo o direito de forma isolada, excluindo todas as inferências externas a ele, ou seja: “Quando a si própria se designa como “pura” teoria do Direito, (...) Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental” (KELSEN, 1998, 1). Assim, para este autor, direito e justiça não são conceitos que estejam vinculados, o direito não se sujeita a moral ou a ética, e logo, nem a justiça, pois estes estão, de maneira indelével, interligados a valores sociais mutáveis, pouco nítidos e inexatos, tornando descabida a vinculação dos mesmos ao direito, que é um conceito tido por Kelsen como universal. O positivismo kelseniano está lastreado em um forte alicerce normativista, o qual é consequência da separação de direito e justiça, pois para Kelsen a validade e a eficácia de uma norma não estão atrelados a se essa norma é justa ou injusta, tendo em vista que a ideia do que é justo ou não varia de uma sociedade para outra, de um grupo social para outro e até mesmo de um indivíduo para outro, a norma e sua aplicação não podem estar sujeitas a tanta instabilidade. Apesar disso, KELSEN (1998, 245/246) reconhece que existem casos em que a aplicação do direito é relativamente indeterminada, o que é fruto de uma interpretação autêntica do direito, a qual é executada pelos aplicadores do direito. Essa indeterminação quando surge do fato que a norma apresenta diferentes formas de ser empregada para a solução da lide, cabendo ao intérprete eleger uma delas, o autor denomina tal episódio de “indeterminação intencional na aplicaçãodo direito”. Quando existe multiplicidade de entendimentos distintos para a interpretação do texto legal, ou discrepância entre os sentidos do que diz a norma e a intenção do legislador, Kelsen chamou de “interpretação não intencional na aplicação do direito”. A partir do reconhecimento das possibilidades de emprego dos enunciados normativos, conforme acima apresentadas, Kelsen desenvolve a ideia de moldura, ou seja, uma espécie de “área” dentro da qual encontram-se delimitadas as possíveis opções de resolução de um determinado caso, cabendo ao intérprete escolher a que entender ser mais adequada. Outro importante pensador do direito foi Herbert L. A. Hart, considerado como o mais ilustre representante de uma corrente denominada de positivismo inclusivo (soft positivism). A 25 teoria hartiana foi concebida a partir de três teses principais: das fontes sociais, pela qual entende que o direito, na verdade sua existência, decorre das complexas práticas sociais, as quais estabelecem suas fontes sociais; da separação conceitual entre direito e moral, na concepção desse autor, apesar de distintos possuem conexões que se manifestam eventualmente; e da discricionariedade judicial, que trata da questão da textura aberta da linguagem e, no caso particular do direito, da linguagem jurídica cujas normas estabelecidas fazem uso de termos abstratos, imprecisos e controversos. HART (2007, 335/336). Torna-se evidente que também no pensamento positivista inclusivo de Herbert Hart, o ativismo judicial, entendido como tendência judicial para legislar, encontra assento, aliás possui lugar central no pensamento hartiano, incorporado que está a questão da “textura aberta” das normas jurídicas e na ideia de discricionariedade judicial17. Em contraponto com a escola positivista, a partir do fim da década de 60 do século passado, alguns autores desenvolvem uma corrente de pensamento chamada póspositivista. Analisar-se-á a seguir dois dos seus maiores expoentes: Ronald Dworkin e Robert Alexy. Dentre as características mais marcantes do pensamento desses dois autores estão o entendimento da existência de estreita vinculação entre direito e moral (justiça) e a busca de formas objetivas de tratar os casos difíceis. Dworkin é um crítico contundente da discricionariedade dentro da proposição de Hart. Para ele, a visão hartiana de um direito que é naturalmente incompleto e impreciso, o que acarreta a necessidade de que o juiz crie direito por intermédio de sua discricionariedade, é equivocada, pois para este teórico essa incompletude não é do direito, mas sim da imagem que dele projeta o positivismo jurídico. Outro fator ressaltado na crítica de Dworkin é que o juiz ao utilizar a discricionariedade para criar direito, o faz a luz do caso concreto já ocorrido, ou seja, o direito seria ex post facto, o que seria grave afronta a postulados basilares dos ordenamentos jurídicos de países democráticos. Na realidade, para Dworkin, não existem lacunas no direito. Para esse autor o gênero norma se divide nas espécies regras e princípios, onde a aplicação da regra se mostrar inadequada, a decisão judicial deverá estar pautada nos princípios. Na ocorrência de conflito de normas, o autor define que o conflito de regras deva ser resolvido no plano da validade, e dos princípios na dimensão de peso, isto é, de importância, relevância para o caso concreto. 17 Para Hart, na inexistência de normas jurídicas aplicáveis a uma lide, cabe ao juiz criar uma norma para atender aquela situação concreta, por meio da discricionariedade inerente a prática jurisdicional. 26 Pode-se concluir que princípios em uma visão dworkiana, apresentam-se como valores que, positivados ou não, constituem o pano de fundo do ordenamento jurídico, isto é, valores mais amplos do que aqueles que a norma visa prevenir, proteger ou garantir. DWORKIN (2010, 35/36). Evidentemente, a partir deste entendimento, fica clara a razão da não aceitação por parte de Dworkin da tese de incompletude do direito e da discricionariedade judicial de Hart. Dworkin crê que em casos difíceis nos quais a norma existente não é capaz de ser aplicada em uma lide real, o magistrado deve aplicar os princípios para fundamentar e justificar sua decisão sem abandonar a sua sujeição ao ordenamento jurídico. Alexy, por sua vez, concorda com a distinção de Dworkin entre regras e princípios, que diferem não só em grau, mas também qualitativamente, ou seja, diferente das regras, os princípios não possuem “mandamento definitivo”, mas sim “mandamento de otimização”, isto é, “Princípios exigem que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Nesse sentido, eles não contêm um mandamento definitivo, mas apenas prima facie” ALEXY (2015, 103/104). A partir de tal concepção quando houver colisão entre regra e princípio, a discrepância tornaria mais clara a identificação de cada um, entretanto não se pode deixar de perceber que a diferenciação só se realizará por ocasião da análise da lide ou da justificação da decisão. Importantíssimo perceber que se os princípios possuem mandamentos de otimização (”prima facie”) apenas, então: Da relevância de um princípio em um determinado caso não decorre que o resultado seja aquilo que o princípio exige para esse caso. Princípios representam razões que podem ser afastadas por razões antagônicas. A forma pela qual deve ser determinada a relação entre razão e contra-razão não é algo determinado pelo próprio princípio. Os princípios, portanto, não dispõem da extensão de seu conteúdo em face dos princípios colidentes e das possibilidades fáticas. (Idem). A partir de tais conceitos, a teoria de Alexy apresenta soluções ou instrumentos para solucionar conflitos de normas. No caso o conflito de regras, acarretará a revogação de uma delas, já que regras possuem “mandatos definitivos”, ou seja, do tipo válida ou inválida, não havendo como manter regras colidentes em um mesmo ordenamento jurídico. No caso da colisão entre regras e princípios, o autor entende que a regra deverá sofrer uma alteração, uma cláusula de exceção, vedando a aplicação da mesma nos casos em que o princípio colidente abarcar. Por ocasião do abalroamento de dois princípios, Alexy propõe a eleição do mais aplicável a uma determinada lide utilizando uma técnica por ele desenvolvida denominada 27 ponderação, pela qual, por intermédio de um grupo de dispositivos da argumentação, racionalizando assim as decisões judiciais se atribui pesos aos princípios colidentes, de acordo com a relevância dos mesmos para a resolução da lide. O autor idealizou uma regulamentação para a ponderação de princípios, que determina uma relação diretamente proporcional entre o grau de atendimento, ou de satisfação e a importância do aprazimento de outro. Tanto a teoria de Dworkin quanto a de Alexy buscam, fundamentalmente, rechaçar a ideia de Hart de que os juízes com frequência exercem discricionariedade, ou seja, eles negam que o judiciário inevitavelmente crie direito. Os autores demostram como é possível evitar a prática do ativismo judicial, por meio da estipulação de soluções de cunho objetivo para a decisão e fundamentação dos casos difíceis. Na realidade, a utilização dos princípios, independentemente de referir-se ao pensamento de Dworkin ou Alexy, não impede, na prática, o ativismo judicial. Não obstante pertencerem a qualquer ordenamento jurídico que possa assim ser denominado, os princípios somente possuem, por sua natural amplitude e imprecisão, “mandamentos de otimização”, o que significa que não possuem, normalmente, uma dimensão objetiva, uma força cogente imediata. Assim no uso de princípios na solução e fundamentação de casos difíceis, como propõem os autores, essa dimensão objetiva sefaz presente, propiciando assim que os magistrados prolatem decisões a partir de normas abertas, que possuem um amplo espectro interpretativo, sem as amarras impostas pelo mandamento definitivo das regras. Além disso, nada nessas teorias impede que o magistrado elabore uma interpretação inovadora das regras, atitude que constitui o exercício de ativismo judicial também. Assim, percebe-se que, não obstante ao brilhantismo e apuro, as teorias do direito de Dworkin e Alexy são permeáveis ao ativismo judicial, na medida de que, no uso prático, seu arquétipo fica sujeito as agruras ativistas. Importante ressaltar uma vez mais que a doutrina dworkiana, assim como a alexyana, são utilizadas quando não existe regra aplicável ou totalmente adequada a uma lide. No caso em que se aplicam claramente as regras, o magistrado não deve se furtar de fazê-lo. A prática jurisdicional atual, se comparada às teorias dos autores acima, está eivada de distorção, isto é, juízes aplicam princípios em detrimento das regras e não complementarmente a elas. O exemplo mais marcante é do Estado de Coisas Inconstitucional, na Colômbia, por meio do qual, em face de situações consideradas desrespeitosas aos direitos e garantias 28 fundamentais realizadas de maneira prolongada e reiterada, o Judiciário determina ao Executivo e ao Legislativo, conforme o caso, a implantação de políticas públicas com o fito de solucionar tal problema. Aliás, a Corte Constitucional daquele país costuma acompanhar, fiscalizar e, em alguns casos, até mesmo cogerir a implementação de tais políticas. Ressalve-se que tal procedimento não possui previsão na legislação vigente naquele país. Cabe ressalva o fato de que tal maneira de agir não constitui uma exceção, vários são os casos em que interpretações de princípios por parte de juízes e cortes constituem argumentos para decisões ao arrepio da regra18. Outro exemplo recente de tal prática, dessa feita oriundo do Brasil, é o precedente inaugurado pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal brasileiro, em sede de julgamento de um Habeas Corpus19, ocorrido em novembro de 2016. Em voto vista o Ministro Luiz Roberto Barroso, em inovadora interpretação considerou fato atípico a prática do aborto até o terceiro mês de gravidez, entendendo que “,,, a criminalização do aborto é incompatível com diversos direitos fundamentais ...”. Tal decisão afronta regras do Código Penal, que é norma anterior à Constituição, até então consideradas por toda a doutrina e jurisprudência recepcionadas pela Lei Maior. Assim, o precedente aberto pela 1ª Turma do STF se ampara nos direitos fundamentais para, no caso, por meio de uma decisão ultra petita, prolatar uma decisão contrária as regras em vigor. O uso de princípios na maneira como vêm sendo usados, na verdade, afrontam os ditames da teoria tanto de Dworkin quanto de Alexy, possuindo cunho neoconstitucionalista ou da teoria da argumentação jurídica, como adiante ficará claro. As duas correntes teóricas do direito mais recentes, tendo sido adotadas por várias Cortes Constitucionais mundo afora, são o Neoconstitucionalismo e a teoria da Argumentação Jurídica, tais correntes teóricas possuem forte cunho constitucionalista-principiológico, e como pensamento póspositivista, entendem que direito e moral mantém estreita e inquebrantável vinculação. 18 A denominação dada a esse tipo de fenômeno, na teoria Neoconstitucionalista, é Derrotabilidade. 19 Habeas Corpus (HC) 124306. Para o ministro, é preciso conferir interpretação conforme a Constituição aos artigos 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre. Como o Código Penal é de 1940 – anterior à Constituição, de 1988 – e a jurisprudência do STF não admite a declaração de inconstitucionalidade de lei anterior à Constituição, o ministro Barroso entende que a hipótese é de não recepção. “Como consequência, em razão da não incidência do tipo penal imputado aos pacientes e corréus à interrupção voluntária da gestação realizada nos três primeiros meses, há dúvida fundada sobre a própria existência do crime, o que afasta a presença de pressuposto indispensável à decretação da prisão preventiva” (Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=330769, Capturado em: 12/04/2018. 29 Além disso, em contraposição ao positivismo jurídico agasalham uma relativização do normativismo, isto é, regras e princípios sofrem significativa alteração, já que se esgota a primazia da norma, a qual dá lugar a supremacia da Constituição e da jurisprudência do Tribunal Constitucional. O Neoconstitucionalismo concebe a ideia de que o resultado de toda a decisão judicial deve ser submetido ao filtro dos direitos e garantias fundamentais, realizando dessa forma uma delimitação para a aplicação do direito constitucional. Já sobre a teoria da Argumentação Jurídica ATIENZA (2017, 95) reconhece que nas últimas décadas o direito vem passando por mudanças significativas na forma com que o público interno ou externo o vislumbra. O mencionado autor não se refere simplesmente a alterações na estrutura ou nos ordenamentos jurídicos, mas sim a mudanças culturais, ou seja, de percepção do fenômeno jurídico seja em escala global, seja apenas de cunho regional. Apesar de não apresentarem uma homogeneidade se pode perceber tendências gerais. Para ATIENZA uma das principais mudanças é a de que: “’... o direito tende a ser concebido não tanto como um conjunto estático de normas, quanto como um conjunto dinâmico de argumentos’”. [itálico nosso] (Apud MOREIRA, 2014, 83). Outra grande inovação é a de que a Constituição além de uma Carta Política passa a ser também um conjunto de referências morais, torna-se o conceito de justiça em uma sociedade, passando a ter força cogente, já que passam a fundamentar e justificar as decisões dos magistrados. Em realidade essa nova forma de conceber e interpretar o direito, que parece relativamente simples e adequada a contemporaneidade, tanto no Neoconstitucionalismo quanto na Argumentação Jurídica, são teorias de enorme complexidade na aplicação, que não se resume a dificuldade de enfrentar uma mudança paradigmática. Existe também a questão de que direitos e garantias fundamentais constituem normas constitucionais abertas que, por essência, são conceitos vagos e imprecisos, deixando imensa amplitude decisória para os juízes, que passam a poder decidir com amplíssima margem, inclusive, e exclusivamente em muitos casos, a partir dos seus valores e preceitos pessoais, o que incorre em um enorme risco para a segurança jurídica, e em última instância para o Estado de Direito. Ao defender a argumentação institucional, SHECAIRA E STRUCHINER (2016, 177), trazem importante lição sobre os juízes: 30 O nosso mundo não é o mundo ideal, e o juiz típico não é Salomão. Nossos juízes têm as mesmas limitações morais e intelectuais que nós temos. Eles não podem ser considerados especialistas em matéria moral, política, econômica e etc. Se tivermos razão para crer que a probabilidade de erros cresce na medida em que esses juízes recorrem a suas convicções substantivas, então devemos apoiar práticas e instituições que não incentivem esse tipo de comportamento. Essa concepção trazida ao direito pelas correntes de pensamento pós positivistas, no caso em análise, pelas teorias da Argumentação Jurídica e Neoconstitucionalista, incentivam sobremaneira o fenômeno do Ativismo Judicial. Conforme foi possível demonstrar, as principais correntes de pensamento teórico jurídico contemporâneas, trazem em seu escopo, em maior ou menor grau, a admissibilidade da prática ativista na atividade jurisdicional. 2.3.2 - Dos Limites do Ativismo Judicial:Sendo entendida por importantes doutrinadores como legítima pelo fato de ser a interpretação do texto da norma e sua aplicação função do magistrado, prática da qual, em alguma medida, é dotada de certa dose de pessoalidade, é mister considerar que, a aplicação do direito não pode ser apenas uma função das crenças, valores e opiniões de quem o aplica. Assim sendo, é premente perscrutar quais são os limites da prática ativista, ou seja o que separa o ativismo, prática inseparável e implícita à prestação jurisdicional, do cometimento de ilegalidade ou abuso por parte do magistrado, ou do aplicador do direito. É patente, a enorme complexidade que cerca a questão, a qual varia com o ordenamento jurídico, com os valores sociais, as tradições do Poder Judiciário e, esperamos, a configuração de sua arquitetura organizacional e procedimental e também a dos outros poderes, entre várias possibilidades tão ou mais difíceis de serem enfrentadas em um trabalho de pesquisa. Na presente investigação que se destina; nunca é demais lembrar, a estabelecer se existem relações entre a arquitetura organizacional e procedimental de um Poder Judiciário e a prática de ativismo judicial de seus juízes; interessa analisar dois aspectos fundamentais: o da judicialização da política e o da politização judicial, tendo em vista que, possivelmente, a maneira de se identificar o nível do exercício ativista dos judiciários estudados, será por intermédio da ultrapassagem dessas duas espécies de limitações, em termos de frequência e grau, será possível mensurar a dimensão em que ocorre tal fenômeno. 2.3.2.1- Judicialização da Política: O fenômeno da judicialização da política se apresenta quando temas e providências típicas do poder Legislativo e/ou Executivo são assumidos e tratados pelo Judiciário, a despeito 31 da previsão constitucional de separação de poderes e do que determina a norma vigente, conforme esclarece CAMPOS (2016, 217). Mas, se não está previsto na lei, quais as circunstâncias que legitimariam Cortes do judiciário a se travestirem de “agentes de transformação social”? O autor estipula como limite da deferência judicial, uma conjuntura de desrespeito acentuado, reiterado e por longa duração dos direitos humanos, constituintes das garantias fundamentais asseguradas na Lei Magna. Logo, partir daí torna-se legítima a prática do ativismo judicial e, em consequência, a judicialização da política. CAMPOS (2016, 219) Outros destacados doutrinadores estão alinhados com essa ideia, como BARROSO também crê que a “... concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes” (p.6) constituem razões para a criatividade jurisprudencial. Entretanto cabe ressaltar o fato de que esse doutrinador percebe o ativismo judicial e a judicialização da política como fenômenos distintos. Para Barroso: A judicialização decorre do modelo de Constituição analítica e do sistema de controle de constitucionalidade abrangente adotados no Brasil, que permitem que discussões de largo alcance político e moral sejam trazidas sob a forma de ações judiciais. Vale dizer: a judicialização não decorre da vontade do Judiciário, mas sim do constituinte. O ativismo judicial, por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e alcance de suas normas, para ir além do legislador ordinário. Trata-se de um mecanismo para contornar, bypassar o processo político majoritário quando ele tenha se mostrado inerte, emperrado ou incapaz de produzir consenso. (pg. 17). Respeitosamente discorda-se do autor acima, tendo em vista que a judicialização da política não é um fenômeno exclusivamente brasileiro, o Estado de Coisas Inconstitucional por exemplo, foi adotado inicialmente pela Corte Constitucional colombiana. Entretanto, o caso colombiano talvez se assemelhe ao brasileiro pois a Constituição colombiana é, também de cunho analítico. Contudo a inspiração para essa iniciativa, de cunho fortemente ativista, foram as sentenças estruturais prolatadas pela Suprema Corte dos EUA, país no qual a Constituição se caracteriza por ter natureza sintética. Outro fator do qual decorre a discordância é a amplitude do que se considera judicialização da política e ativismo judicial. Uma decisão jurídica que decorre de uma previsão legal, para os fins desta investigação não consubstancia nenhum dos fenômenos acima. Um claro exemplo é o do Controle de Constitucionalidade pelo Judiciário, no Brasil tal tarefa encontra-se prevista no estamento legal, logo, não se entende que, por si só, ocorra no caso ativismo judicial ou judicialização da política. É também importante que se ressalte que o Judiciário assumir tarefas, ou emitir atos que gerem qualquer tipo de obrigação a outros poderes sem previsão legal, é sim ativismo judicial, 32 assim como judicializa a política. Da maneira que se concebe nesta investigação ativismo judicial é gênero, sendo a judicialização da política uma de suas espécies. Retornando à questão dos limites da judicialização da política, na esteira de materialização dos valores constitucionais que fica patente no ensinamento de Barroso retromencionado, em particular, das garantias fundamentais, as quais denomina de direitos econômicos, sociais e culturais, GARAVITO E FRANCO (2015, 31) concebem o ativismo judicial sob o enfoque da proteção e garantia dos referidos direitos aos economicamente menos favorecidos, ou seja, o ativismo judicial seria uma forma de conceber uma dimensão objetiva às garantias fundamentais. Assim para esses autores um tribunal seria considerado ativista se: ... si sigue al menos un enfoque moderado20 de los derechos, es decir, uno que reconozca su exigibilidad judicial, aun cuando establezca restricciones procesales o sustantivas al cumplimiento judicial. Por encima de ese umbral, distinguimos entre diferentes niveles de activismo, considerando no sólo la fortaleza de las concepciones del tribunal sobre los derechos, sino también de las medidas judiciales y del seguimiento. Los tribunales que superan con claridad nuestro umbral son aquellos que siguen un enfoque de derechos fuerte al adoptar la concepción de “núcleo mínimo” con respecto al contenido de los DESC21 Fica evidente que para esses autores, o limite do ativismo judicial do tipo que judicializa a política, é semelhante aquele que propicia a declaração do Estado de Coisas Inconstitucionais, segundo CAMPOS (2016, 95/96), que ocorre por força de “...omissão inconstitucional estatal que implica em violação massiva e contínua de direitos fundamentais.” Tal postura alinha-se com a do atual decano do Supremo Tribunal Federal brasileiro, Ministro Celso de Melo que, em seu voto na relatoria da ADPF 45, quando afirma que: Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, 20 A classificação de enfoque diz respeito a uma tipologia proposta por Tuchnet (2009) sobre a qual os autores detalham que: “En la tipología de Tushnet,los criterios para distinguir entre remedios
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