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32 Resta aos participantes deste processo colocarem em prática aquilo que fora planejado, comprometendo-se com a construção de uma nova realidade educacional. 2.10 Qual o objetivo afinal? Promover um ensino de qualidade, de maneira a possibilitar uma aprendizagem significativa aos alunos. Esse é o principal objetivo das propostas criadas a partir do planejamento participativo, parte integrante do sistema de Gestão Escolar Democrática. www.idesam.org/ 3 FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DO CURRÍCULO De acordo com o glossário da Revista História, Sociedade e Educação no Brasil, da Faculdade de Educação da UNICAMP, currículo foi conceituado como documento norteador do processo de ensino e de aprendizagem ou plano estruturado de estudos pela primeira vez em 1633, no Oxford English Dictionary (ZOTTI, [2006]). Entretanto, foi apenas em 1918, com a publicação da obra The Curriculum, de Frankin Bobbitt, nos Estados Unidos, que o currículo se firmou como campo de reflexão e de estudos (ZOTTI, 2006). Ao longo do tempo, o termo currículo passou a designar diferentes etapas no processo de escolarização, incluindo “[...] uma relação de matérias/disciplinas com 33 seu corpo de conhecimento organizado numa sequência lógica, com o respectivo tempo de cada uma (grade ou matriz curricular)” (ZOTTI, 2006, documento on-line), as diretrizes explicitadas nas leis federais, estaduais e municipais que regulam a área educacional e até mesmo as relações interpessoais que acontecem na sala de aula e que não são previstas. Outra maneira de pensar o currículo é colocar tudo o que acontece na escola como parte integrante de sua estrutura: assuntos, aulas, relacionamentos, situações. A complexidade do currículo está em relacionar todas essas esferas, visto que, quando apenas uma está em foco, perde-se a visão sistêmica do todo. Assim, currículo é uma série de ações de diferentes agentes. “O conceito de currículo é multifacetado e modificou-se historicamente atendendo a realidades sociais distintas, há tempos e espaços específicos e, em consequência disso, precisa ser compreendido no contexto social em que está inserido” (ZOTTI, 2006, documento on-line). 3.1 O que ensinar a quem? www.revide.com.br É consenso entre educadores e a população leiga que uma das funções primordiais da escola é formar o cidadão para a atuação social. Entretanto, qual é o tipo de atuação que se espera? Esse questionamento deve seguir o mesmo caminho lógico da questão anteriormente apresentada, sobre qual é a função da escola. A partir da resposta a essas questões, podemos escolher qual currículo será mais representativo para nossas expectativas. http://www.revide.com.br/ 34 Enquanto instituição que promove o aprendizado sobre o conhecimento humano acumulado com vistas ao desenvolvimento, a escola tem por obrigação promover o acesso a certos conhecimentos que, para a maioria das pessoas, não são acessíveis em outro lugar que não a escola. O conhecimento mais valioso é, por conseguinte, aquele que extrapola o senso comum, ou seja, o pensamento científico, que capacita o ser humano a ver a sua realidade de maneira diferente e a agir de maneira a buscar uma maior qualidade de vida para si e para a comunidade. Segundo Galian (2016b), o conhecimento capacita o ser humano a olhar para o mundo de outro ponto de vista, diferente daquele que já tem no seu dia a dia. Portanto, os conhecimentos oferecidos pela escola devem servir para que os estudantes possam estranhar o mundo cotidiano, de maneira a se sentirem potentes para investigá-lo e agir sobre ele, melhorando-o. A escola deve ensinar que o mundo está como está porque foi organizado assim, de maneira desigual e injusta, mas que há outras possibilidades. A naturalização do status quo social fixa a ideia de que o mundo é assim porque não é possível ser de outra forma. Entretanto, não é possível ensinar todos os conhecimentos na escola, seja pela falta de tempo, de recursos ou até mesmo pelo pouco valor de determinados assuntos para o desenvolvimento humano. Assim, sempre será preciso fazer uma seleção de conhecimentos, uma escolha sobre o que vai compor o currículo escolar. Galian (2016a) ressalta que essa escolha não acontece pelo valor intrínseco do conhecimento, mas pelos interesses que acompanham cada assunto. Para determinado público, pode-se escolher conhecimentos que tendem a limitar o horizonte de possibilidades dessas pessoas àquilo que elas já têm no dia a dia, ou seja, vão inserir-se no trabalho mais próximo e viver no ambiente já conhecido. Para outros, pode-se escolher um currículo com um horizonte bem mais amplo de possibilidades, o que acontece justamente porque não vivemos em uma sociedade justa, e isso se reflete na problematização da escolha dos currículos para cada classe social (GALIAN, 2016a). As teorias críticas do currículo mostram que especialmente a escola oferecida para aqueles menos favorecidos, que não têm outra maneira ou outro local para 35 adquirir esses conhecimentos, tende a ser menos rica em conhecimentos ou a simplificar os assuntos de maneira regular. Ora, se a escola e o currículo mostrarem apenas o que os estudantes já conhecem em seu dia a dia ou tentarem construir um currículo que apenas os agrade, pouca transformação cognitiva poderá ser adquirida, e os estudantes sairão da escola com um repertório muito parecido com o que já tinham antes de entrar. Enquanto isso, outra camada da população tem acesso a um conhecimento diferenciado, que permite que eles olhem o mundo de outra forma e possam agir de outra maneira. (GALIAN, 2016) É justamente essa dinâmica que faz com que cada indivíduo (e sua classe social) fique onde está, permanecendo na posição em que se encontra. Alguns questionamentos sobre o currículo podem ser feitos: Como selecionar o que há de essencial em cada disciplina para que o estudante entenda esse mundo em que vive? Como cada conteúdo poderá se articular aos princípios e fins da educação nacional presentes no texto da LDB? O que é necessário para entender que o mundo é uma construção e está como está por uma convenção? O que se deve fazer para mostrar que há outras possibilidades de organização social e capacitar os estudantes na promoção de mudanças necessárias? 36 3.2 Fenômenos e elementos da construção curricular www.portal.aprendiz.uol.com.br/ A educação é uma atividade intencional cujo objetivo é o desenvolvimento de determinadas habilidades e competências humanas que são apreciadas e necessárias para a vida em sociedade. Você já pensou quais são os conhecimentos que auxiliam a escola a concretizar sua intenção (segundo o Estado, a gestão e os professores)? De acordo com Zotti (2006), os estudos sobre o currículo têm seu cerne na análise dos conflitos socioeconômicos advindos dos processos de industrialização e urbanização dos Estados Unidos e da Inglaterra. Essas situações marcam a necessidade de escolarização em massa das camadas menos favorecidas da população para formar mão de obra especializada para as indústrias em ascensão nos séculos XVIII e XIX. A mencionada obra de Bobbitt espelha o desejo de racionalização técnica e instrumental desejado pela economia ao propor um currículo metodicamente organizado, medido, controlado e avaliado. No Brasil, essa cultura curricular ficou conhecida como tecnicismo e se manteve nas décadas de 1960 e 1970 como uma renovação do pensamento escolanovista anterior. 37 Se percorrermos historicamente a teoria curricular, podemos analisar o currículo escolar a partir de dois grandes eixos: as concepções tradicionais ou conservadoras e as concepções críticas. Com origem nos Estados Unidos, tanto as visões conservadoras como as críticas influenciaram sobremaneira o campo no Brasil. De plano de estudos o conceito evoluipara a visão de currículo como a totalidade de experiências vivenciadas pela criança, sob a orientação da escola, levando em conta e valorizando os interesses do aluno. Seus representantes, Dewey e Kilpatrick, contribuíram para o desenvolvimento das teorias progressivistas. As teorias progressistas começaram a se delinear a partir do século XVIII e se constituíram como tentativa de buscar respostas aos problemas socioeconômicos advindos dos processos de urbanização e industrialização ocorridos nos Estados Unidos no final do século XIX e início do século XX (ZOTTI, 2006, documento on-line). Ambas tradicionais, a visão escolanovista e a tecnicista tinham o “mesmo objetivo de adaptar a escola e o currículo à ordem capitalista, com base nos princípios de ordem racionalidade e eficiência”, utilizando conceitos tanto empresarias quanto do campo da psicologia (ZOTTI, 2006, documento on-line). Somente a partir da década de 1960 as análises sobre a relação entre escola e sociedade começaram a se desenvolver na Inglaterra e nos Estados Unidos, gerando as teorias críticas do currículo. A partir delas, as relações entre o que se ensina e como se ensina e suas repercussões nas desigualdades sociais começaram a ser questionadas. O currículo, visto como uma lista de conteúdos neutros, perdeu sua imparcialidade, deixando transparecer que a escolha por determinados temas e métodos refletia na estratificação de classes econômicas e sociais. Chamado de sociologia do currículo, esse campo do saber tem como representantes mais conhecidos Michel Apple (2016), Henry Giroux (1997), Michael Young (2014) e Basil Bernstein (1996), que vão analisar o currículo como forma de imposição cultural e opressão de uma classe sobre outra, a fim de manter-se no poder. Outra ressalva é que, se antes a escola servia para a formação do clero e das classes abastadas, que possuíam cultura clássica e comportamento comedido, ao receber os novos alunos, a expectativa da escola não se alterou. 38 Dessa forma, os novos alunos, que não tinham os mesmos conhecimentos culturais e atitudinais esperados, começaram a fracassar na escola. De acordo com Smolka (2003), a partir das décadas de 1970 e 1980, começam a ser publicadas pelo mundo todo pesquisas que tratam do tema do fracasso escolar, como as de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky (1984), na Argentina e no México; Clay (1972–75), na Austrália; Foucambert (1978) e Lentin (1979), na França; Scribner e Cole (1981), na Libéria; Read (1978), nos EUA; Leite (1980), Cagliari (1989) e Capovilla (1997) no Brasil, entre outros. Esses estudos também exerceram forte impacto nos debates sobre o currículo, pois modificaram a maneira como os processos de ensino e de aprendizagem se desenvolvem e destacaram suas variáveis mais importantes. No Brasil, o destaque às pesquisas de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, Psicogênese da língua escrita, culminou na prescrição desses estudos como diretrizes em documentos oficiais, nas ementas dos cursos de formação e capacitação docente, bem como no método de alfabetização adotado nas escolas públicas brasileiras (SMOLKA, 2003). Outros estudiosos se dedicaram a pesquisar o currículo e a sociologia do currículo, confirmando a relação estreita entre escola, currículo e expectativas do sistema capitalista. “O conceito de currículo é multifacetado e modificou-se historicamente atendendo a realidades sociais distintas, há tempos e espaços específicos e, em consequência disso, precisa ser compreendido no contexto social em que está inserido” (ZOTTI, 2006, documento on-line). 39 3.3 Organização curricular www.ppgecpan.ufms.br/ O currículo está disseminado em várias dimensões do processo escolar. Enquanto documento formal, é apenas parte do que podemos chamar de diretrizes curriculares. É um norteador que se refere a princípios e metas, visto que se encontra fora da realidade concreta das escolas. Entretanto, é a partir desse conjunto de princípios que a realidade na sala de aula se concretiza. Para ser utilizado na escola, o currículo formal deverá e será transformado em livros didáticos e apostilas, em interpretações e adaptações que a escola faz da sua realidade, em práticas que os professores oferecerão em sala de aula diante das reais necessidades e expectativas de seus alunos. Galian (2016) Por isso, o currículo precisa ser entendido como um documento adaptável, flexível e elaborado por professores, estudantes e governantes. O ponto de destaque do documento formal está nas escolhas feitas para a escola brasileira e o plano formativo da população, que explicita os conhecimentos 40 essenciais que deverão ser apresentados e ensinados para as novas gerações, a fim de capacitá-las para viver em sociedade. Historicamente, os professores não fazem parte da construção do currículo, apenas o recebem e devem segui-lo, executá-lo. Assim, podem pensar apenas em método, não em conteúdo, de modo que não há espaço e tempo para questionar por que se ensina o que se ensina. Para favorecer a compreensão sobre a organização complexa que envolve o currículo, vamos utilizar a classificação de Galian (2016b), a seguir: Currículo prescrito, formal: é concebido muito antes de chegar ao nível estadual e municipal. Historicamente, os professores não fazem parte da construção desse currículo, eles apenas o recebem e devem executá-lo. No início, os debates para elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) contaram com a participação docente, mas, após algum tempo, essa possibilidade de participação foi cerceada. Currículo planejado: transformação das diretrizes legais em materiais para uso por professores e alunos, como guias curriculares, livros didáticos e apostilas. Entretanto, é comum que a hierarquia se inverta e que os livros didáticos passem a ser utilizados na escola como “o” currículo a ser seguido. Outro ponto controverso é a existência de materiais diferenciados oferecidos pela mesma editora à rede pública e à rede privada de ensino. Para baratear a produção do material para a esfera pública, a mesma editora (e os mesmos autores) pode simplificar textos, omitir figuras ou diminuir sua qualidade gráfica, fazendo com que prevaleça a metodologia de memorização. Currículo organizado: refere-se à organização de tempos, espaços e agrupamentos para efetivar o currículo planejado dentro da escola. Mostra a hierarquia entre as disciplinas e os professores de acordo com a organização do currículo. Historicamente, por exemplo, artes e educação física não têm o mesmo status que português e matemática. Salas que agrupam alunos com maior dificuldade também tendem a marcar uma expectativa de aprendizagem diferenciada em comparação aos agrupamentos de melhores alunos. 41 Currículo em ação: encontro efetivo entre professor-aluno- conhecimento. Nesse currículo, o professor tem mais autonomia de ação: pode escolher se vai usar todo o livro didático, se vai inverter alguma ordem de apresentação, se vai utilizar fontes diversificadas, etc. Currículo avaliado: dimensão da avaliação, na qual fica explícito para o aluno o que é ainda mais importante dentro de tudo o que foi apresentado durante determinado período. Também demonstra para o professor e a gestão quais são os pontos de sucesso do currículo previsto (o que funcionou e o que não funcionou). Galian (2016) De uma maneira geral e problemática, no Brasil, esse último passo do caminho tem invertido o processo, colocando a avaliação como fomentadora do currículo prescrito. Isso é destacado pelas avaliações externas, que acabam por “ditar” o que se deve ensinar e em qual ano escolar, por exemplo. Em resumo, a escolha do currículo sempre silenciará algumas vozes, especialmente as dos que detêm menos poder. Sempre haverá, além disso, vozes distorcidas, pois determinadosvalores e culturas são tratados de maneira equivocada na escola pela própria dificuldade de formação profissional e quebra de paradigmas que permitam validar o que é muito diferente do padrão imposto pela sociedade atual (exemplos clássicos dizem respeito a moral e religião). Por outro lado, outros assuntos são supervalorizados do ponto de vista acadêmico ou então por interesses políticos e econômicos. O resultado da escolha do que fará parte do currículo é sempre tenso, visto que o espaço é limitado. Os grupos que ficam de fora vão lutar para serem incluídos, e quem está incluído se fortalecerá para não perder o espaço já conquistado. Outros, já contemplados, requererão maior espaço ou destaque. Assim, o currículo é algo que nunca estará finalizado, pronto; pelo contrário, está em movimento, seguindo os diversos interesses sociais, políticos e econômicos que cercam a escola. 42 É o que Galian (2016b) chama de equilíbrio instável, um documento que precisará ser revisto, criticado e sempre ampliado para ser adaptado às necessidades de formação humana de cada época. Esse é um processo natural, visto que as escolhas de hoje podem não ser mais imprescindíveis daqui a um ou cinco anos (por exemplo, aulas de latim, moral e cívica, datilografia, entre outras). A conversa sobre currículo e política envolve formação de identidade, não é neutra. Assim, embora não seja o ideal fazer escolhas, que eliminam outras possibilidades, é essa a única maneira de elaborá-lo. 4 A RELAÇÃO ENTRE CURRÍCULO ESCOLAR E PLANEJAMENTO EDUCACIONAL O currículo escolar, em linhas gerais, define o que será aprendido pelos alunos em cada etapa da sua formação, definindo os conteúdos e as atividades a serem executadas pelo estudante durante seu percurso educativo. No entanto, é necessário que as instituições elaborem e adotem seus currículos com base no que rege a legislação e o planejamento educacional no seu sentido mais amplo. Neste texto será aprofundada, especificamente, a relação entre o planejamento educacional no âmbito dos sistemas e redes de ensino, aqui representados pelo documento que norteia os rumos da educação no país, o Plano Nacional de Educação (PNE), e o currículo escolar implementado pelas instituições de acordo com as diretrizes educacionais que emanam a necessidade de uma organização escolar que proporcione a humanização dos sujeitos e a diminuição da desigualdade cultural. Para iniciar a discussão sobre a relação existente entre currículo e planejamento é importante revisitar alguns pressupostos legais. Primeiro, o que fundamenta o planejamento educacional, a Constituição Federal, em seu artigo 214, a partir da Emenda Constitucional nº. 59/2009, prevê o PNE, de duração decenal, como uma exigência para garantir uma política de Estado que ofereça o direito à educação básica de qualidade, cujo objetivo é articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos,
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