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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI TEORIA E PRÁTICA DO CURRÍCULO GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 5 2 CURRÍCULO E SEU CONCEITO ................................................................................. 6 2.1 Currículo: Relações de Poder, Ideologia e Cultura .................................................... 8 2.2 Um Breve Histórico do Currículo ................................................................................ 9 3 ESTUDO DAS TEORIAS CURRICULARES ............................................................... 11 3.1 Teoria Tradicional do Currículo ................................................................................ 12 3.2 Teorias Críticas do Currículo .................................................................................... 14 3.3 Teoria Pós – Críticas ................................................................................................ 20 3.4 Um diálogo entre Teoria e Prática ............................................................................ 23 4 OS DIVERSOS TIPOS DE CURRÍCULO .................................................................... 24 4.1 Currículo Formal ou Prescrito ................................................................................... 25 4.2 Currículo Real .......................................................................................................... 25 4.3 Currículo Oculto ....................................................................................................... 25 5 IMPLICAÇÕES DAS TEORIAS CURRICULARES NA PRÁTICA DOCENTE ............. 26 5.1 O papel do professor na mediação do Currículo ...................................................... 29 5.2 Os Quatro Pilares da Educação ............................................................................... 32 5.2.1 Aprender a conhecer ............................................................................................. 32 5.2.2 Aprender a fazer .................................................................................................... 33 5.2.3 Aprender a ser ....................................................................................................... 33 5.3 Uma Breve Introdução Sobre Conhecimento Escolar e Conhecimento não- escolar..................... ....................................................................................................... 34 5.3.1 Algumas Compreensões Sobre Currículos e Conhecimento Escolar ................... 38 6 REFLEXÕES SOBRE CURRÍCULO E AVALIAÇÕES ................................................ 43 3 6.1 Definições de Avaliações ......................................................................................... 44 6.1.1 Avaliação Diagnóstica ........................................................................................... 45 6.1.2 Avaliação Formativa .............................................................................................. 45 6.1.3 Avaliação Mediadora ............................................................................................. 46 6.2 Relação entre Currículo e Avaliação ........................................................................ 49 7 IMPLICAÇÕES DAS TEORIAS CURRICULARES NA ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA.......... ............................................................................................................... 50 7.1 A organização da Escola e sua Gestão ................................................................... 52 8 CURRÍCULO NA LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL NACIONAL ................................... 54 8.1 Currículo e a Legislação na Educação Infantil ......................................................... 55 9 CURRÍCULO E OS DOCUMENTOS OFICIAIS .......................................................... 57 9.1 Diretrizes Curriculares Nacionais ............................................................................. 57 9.1.1 As novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil ................... 59 9.1.2 Currículo e Proposta pedagógica para a Educação Infantil................................... 61 9.1.3 Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica ......................................... 63 9.1.3.1 O Currículo nas Diretrizes para o Ensino Fundamental ..................................... 63 9.1.3.2 A Proposta para o Ensino Fundamental ............................................................. 63 9.1.4 Currículo e Educação inclusiva ............................................................................. 64 9.2 Parâmetros Curriculares Nacionais .......................................................................... 68 9.2.1 Parâmetros Curriculares Nacionais – Ciclo I do Ensino Fundamental ................. 69 9.1.2 Parâmetros Curriculares Nacionais – Ciclo II do Ensino Fundamental ................. 69 9.1.3 Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio ............................................. 70 9.3 Direitos/Expectativas de Aprendizagem ................................................................... 70 10 VIVÊNCIA E ORGANIZAÇÃO DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, OU PROPOSTA PEDAGÓGICA .......................................................................................... 71 4 10.1 Projeto Político Pedagógico – A Identidade da Escola ........................................... 71 11 O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO COMO A UNIDADE NA DIVERSIDADE DO COTIDIANO ESCOLAR ................................................................................................. 74 11.1 Identidade e Diferença numa Perspectiva Educacional .......................................... 74 11.2 Gestão Escolar frente à Diversidade: o Projeto Político Pedagógico como o um aliado.................. ............................................................................................................ 77 11.2.1 Gestão escolar: participação democrática e mudança da prática pedagógica .... 78 12 FORMAS DE ORGANIZAÇÃO CURRICULAR ......................................................... 80 12.1 Análise de diferentes modelos de Organização Curricular ..................................... 81 12.1.1 Outros modelos de organização curricular: ......................................................... 84 13 ALTERNATIVAS DE ORGANIZAÇÃO CURRICULAR .............................................. 84 13.1 Caminhos e alternativas para o Currículo Escolar no Brasil ................................... 84 13.1.1 A experiência da Finlândia .................................................................................. 85 13.1.2 A experiência da Austrália ................................................................................... 85 13.1.3 Pensando as Práticas Curriculares no Brasil ...................................................... 86 13.2 Trabalho Pedagógico por meio de projetos ............................................................ 87 14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 90 5 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Oscursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 6 2 CURRÍCULO E SEU CONCEITO O Currículo é inseparável da cultura. Tanto a teoria educacional tradicional quanto a teoria crítica veem no currículo uma forma institucionalizada de transmitir a cultura de uma sociedade. Sem esquecer que, neste caso, há um envolvimento político, já que, o currículo, assim como a educação, está ligado à política cultural. Todavia, são campos de produção ativa de cultura e, por isso mesmo, passíveis de contestação. Esse encontro entre ideologia e cultura se dá em meio a interações de poder na sociedade (inclusive, naturalmente, na educação). Por isso, o currículo se torna um terreno propício para a transformação ou manutenção das interações de poder e, portanto, nas mudanças sociais. Conforme Moreira e Silva (1997, p. 28), “o currículo é um terreno de produção e de política cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matéria-prima de criação e recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão”. O currículo escolar tem ação direta ou indireta na formação e desenvolvimento do aluno. Assim, é fácil perceber que a ideologia, cultura e poder nele configurados são determinantes no resultado educacional que se produzirá. Deve-se considerar ainda, que o currículo se refere a uma realidade histórica, cultural e socialmente determinada, e se reflete em procedimentos didáticos e administrativos que condicionam sua execução e teorização. Enfim, a preparação de um currículo é um procedimento social, no qual convivem lado a lado os fatores lógicos, epistemológicos, intelectuais e determinantes sociais como poder, interesses, conflitos simbólicos e culturais, propósitos de dominação dirigidos por fatores ligados à classe, raça, etnia e gênero. Sendo uma prática tão complexa, há enfoques diversos e distintos graus de aprofundamento. No entanto, todas as concepções revelam posicionamentos de valor. É natural que seja assim, pois, como todo trabalho pedagógico se fundamenta em pressupostos de natureza filosófica, a escola e o professor tornam evidentes suas visões de mundo, assumindo posturas mais tradicionais ou mais libertadoras no desenvolvimento do currículo. 7 É viável destacar que o currículo constitui o elemento central do projeto pedagógico, ele viabiliza o procedimento de ensino aprendizagem. Contribuindo com esta análise Sacristán (1999, p. 61) afirma que: O currículo é a ligação entre a cultura e a sociedade exterior à escola e à educação; entre o conhecimento e cultura herdados e a aprendizagem dos alunos; entre a teoria (ideias, suposições e aspirações) e a prática possível, dadas determinadas condições. Cabe ainda ressaltar que, é o professor na prática da docência, quem operacionaliza o currículo, ele se concretiza no cotidiano da sala de aula e ainda quem nunca foi professor, mas foi aluno, tem uma grande experiência de currículo, pois o vivenciou em sua plenitude. Os dois posicionamentos quanto a currículo, a pluralidade de significados de currículo e os equívocos com relação à correta interpretação de currículo, mostram como se está ligado a concepções tradicionais, equivocadas ou mesmo superadas acerca do tema. Com frequência, currículo é usado, indiscriminadamente, para designar o programa de uma disciplina, de um curso inteiro, ou num sentido mais amplo, descrito como abrangendo as várias atividades educativas por meio das quais o conteúdo é desenvolvido, bem como os materiais e metodologias utilizadas. Quando se pergunta o que é currículo, não é sobre escolher a definição mais divulgada, mais moderna ou mais aceita pela comunidade científica, mas sim, de se entender currículo como o pensar e o agir a respeito das seguintes questões: • Para que ensinar? • A quem ensinar? • O que ensinar? • Como ensinar? O currículo tem uma especificidade muito particular. Todos os que dele participam e todos os que têm ingerência sobre o currículo, não o fazem de maneira neutra. É sobre uma área impregnada de valores, ideologias, forças, interesses e necessidades e exige, 8 para uma definição mais exata, a explicitação de um quadro de referência filosófica, histórica, política. 2.1 Currículo: Relações de Poder, Ideologia e Cultura Percebemos que a definição do que vem a ser currículo, no campo educacional, varia segundo cada época vivenciada pela sociedade, que o conceito de formação completa do homem por meio de processos educacionais é anterior à sociedade industrial e, portanto, ao marxismo e à Escola Unitária de Gramsci. Estava presente no período dos pensadores renascentista, a preocupação com a formação completa do ser humano. Comenius em Didática Magna recomenda: Importa agora demonstrar que, nas escolas, se deve ensinar tudo a todos. Isto não quer dizer, todavia, que exijamos a todos o conhecimento as ciências e de todas as artes (sobretudo se trata de um conhecimento exato e profundo). E pretendemos apenas que se ensine a todos a conhecer os fundamentos, as razões e os objetivos de todas as coisas principais, das que existem na natureza como das que se fabricam, pois somos colocados no mundo, não somente para que façamos de espectadores, mas também de atores (COMENIUS, 1985, p. 145). Entretanto esta noção de currículo destacado por Comenius deve ser analisada dentro de um contexto histórico e político, diferentemente da discussão de totalidade e omnilateralidade de uma visão mais humanista, em que percebe o homem de maneira ontológica. Daí a relevância de perceber o homem como sujeito do procedimento de organização, construção e modificação da sociedade. Sendo assim para Silva: O currículo é um dos locais privilegiados onde se entrecruzam saber e poder, representação e domínio, discurso e regulação. É também no currículo que se condensam relações de poder que são cruciais para o processo de formação de subjetividades sociais. Em suma, currículo, poder e identidades sociais estão mutuamente implicados. O currículo corporifica relações sociais (SILVA, 1996, p. 23). Assim, o currículo é visto como área de relações de poder, ideologia e cultura. Para que possamos compreender sua relação ideológica, de acordo com Moreira e Silva (1997) pode-se afirmar que esta é a veiculação de ideias que transmitem uma visão do mundo social vinculada aos interesses dos grupos situados em uma posição de 9 vantagem na organização social. É através do currículo que é traduzida a linguagem do mundo social e uma linguagem que representa a classe burguesa. É nos grupos sociais que seus membros se ajudam a assimilar a experiência culturalmente organizada e a converter-se, em membros ativos, adquiridos pela experiência social, historicamente acumulada e culturalmente organizada, isso nos remete a concepção de que o currículo também é inseparável da cultura. O ensaio de Althusser (1983) traz a ideologia e os aparelhos ideológicos do Estado, marcados por um período de forte percepção da questão da ideologia em educação, pois, em uma sociedade capitalista àqueles Aparelhos Ideológicos utiliza-se de instrumentos que mascaram as contradições e contribuem para que o sujeito se torne alienado. E neste contexto que o pensamento entre ideologia e cultura se dá em meio a relações de poder na sociedade, daí a relevância de um processo educacional pautado em uma formação mais humanística para que o sujeito possa perceber as contradições inerentes em uma sociedade de classes. É através deum processo educacional que designe atividades onde seus membros adquiram experiências históricas socialmente acumuladas e culturalmente organizadas que podemos pensar em uma sociedade diferenciada. Portanto, o currículo tem ação direta ou indireta na formação de pessoas autônomas, conscientes, capazes de pensar, de interferir na sua realidade, solucionando problemas, sendo imprescindível na transformação ou manutenção das relações de poder e, portanto, nas mudanças sociais. 2.2 Um Breve Histórico do Currículo Segundo Silva (2002) o currículo, como um campo de estudo delimitado, emergiu especialmente nos Estados Unidos, nas primeiras décadas do século XX. As primeiras pesquisas do campo, neste país, foram realizadas em função de proporcionar um melhor planejamento curricular, baseado na eficiência e na racionalização do trabalho escolar. Com influências marcantes da experiência norte-americana, no Brasil, a área do currículo ganhou visibilidade nas décadas de 1960 e 1970, quando especialistas brasileiros elegeram a preocupação com a construção "científica", na escola, de um 10 ambiente que pudesse proporcionar aos educandos possibilidades de instrumentalização para a aquisição de metas pré-definidas. A incorporação desse movimento associado ao pensamento de teóricos americanos, na época, levantou o tecnicismo, nomenclatura utilizada por toda a área educacional para se referir, tanto as práticas pedagógicas quanto ao entendimento de educação. Somente por volta de 1970, é que surgiram, na Inglaterra, e posteriormente, nos Estados Unidos, os estudos críticos do campo curricular. Estes estudos romperam com a visão tecnicista imperante e introduziram conceitos que buscavam compreender e explicar as diversas relações que ocorrem no currículo, assim como os processos de seleção e organização dos conhecimentos escolares. Esta visão crítica dá início, então, a uma discussão sobre a conexão entre a estratificação dos saberes escolares e a estratificação social. No Brasil, somente no final da década de 1980 é que as discussões em torno do currículo focaram sua atenção para a seleção do conhecimento escolar e seus efeitos nos resultados de aprendizagem das crianças brasileiras, influenciadas pelos estudos da teoria crítica de currículo, acontecidas dos Estados Unidos e Inglaterra, principalmente. De certa forma, então, um currículo guarda estreita correspondência com a cultura na qual ele se organizou, de forma que ao analisarmos um determinado currículo, poderemos inferir não só os conteúdos que, explícita ou implicitamente, são vistos como importantes naquela cultura, como, também, de que maneira aquela cultura prioriza alguns conteúdos em detrimento de outros, isto é, podemos inferir quais foram os critérios de escolha que guiaram os professores, administradores e curriculistas que montaram aquele currículo. Esse é o motivo pelo qual o currículo se situa no cruzamento entre a escola e a cultura (VEIGA-NETO, 2002, p.44). Assim, como apresenta Souza (2008), se todo currículo ou programa de estudos opera uma seleção no interior da cultura, daí decorre a importância das escolas como instâncias de preservação da herança cultural de uma época. Dessa forma, ao discutirmos a diversidade cultural, não podemos nos esquecer de pontuar que ela se dá lado a lado com a construção dos processos de identidades. Assim como a diversidade, a identidade, enquanto processo, não é inata. Ela se constrói em determinado contexto histórico, social, político e cultural. Jacques d’Adesky (2001) 11 destaca que a identidade, para se constituir como realidade, pressupõe uma interação. A ideia que um indivíduo faz de si mesmo, é intermediada pelo reconhecimento obtido dos outros em decorrência de sua ação (VEIGA-NETO, 2002, p.44). Tomaz Tadeu da Silva elaborou um mapa dos estudos sobre currículo, desde sua gênese nos anos vinte, onde aparecem três categorias de teorias do currículo, com base nos conceitos que são enfatizados. Que são elas: Teorias Tradicionais Teorias Críticas Teorias Pós – Críticas Mas, para realmente compreender a trajetória histórica do Currículo, é importante destacar quatro fundamentos conceituais: Primeiro Fundamento: O Currículo como produto - onde ele organiza o procedimento de ensino-aprendizagem, é mais geral, estabelecido de cima para baixo, geralmente pelos órgãos e instâncias superiores. Segundo Fundamento: O Currículo como processo – onde compreende-se que o currículo evolui e se transforma de maneira contínua. Terceiro Fundamento: O Currículo como prática – onde compreende -se que não é o mesmo currículo declarado através dos Documentos Legais e o que se efetivamente pratica nas salas de aula. Quarto Fundamento: O Currículo como objeto de estudo e pesquisa – onde o relaciona com outros campos das ciências sociais e humanas, como um objeto de estudo científico. 3 ESTUDO DAS TEORIAS CURRICULARES As teorias relacionadas ao currículo tinham, inicialmente, como questões principais: Qual conhecimento deve ser ensinado? O que os alunos devem saber? Qual 12 conhecimento ou saber é considerado importante ou válido para merecer ser considerado parte do currículo? Respondidas a essas perguntas, houve a preocupação em justificar a escolha por tais conhecimentos e não por outros e o que os alunos devem ser ou se tornar a partir desses conhecimentos. Algumas teorias sobre o currículo apresentam‐se como teorias tradicionais, que pretendem ser neutras, científicas e objetivas, enquanto outras, chamadas teorias críticas e pós‐críticas, argumentam que nenhuma teoria é neutra, científica ou desinteressada, mas que implica relações de poder e demonstra a preocupação com as conexões entre saber, identidade e poder. As diferentes teorias do currículo se diferenciam, inclusive, pela ênfase que dão à natureza da aprendizagem, do conhecimento, da cultura, da sociedade, enfim, à natureza humana. 3.1 Teoria Tradicional do Currículo A proposição clássica busca ser neutra, tendo como fundamental foco reconhecer os objetivos da educação escolarizada, constituir o trabalhador especializado ou entregar à população uma educação universal, acadêmica. Silva (2010) esclarece que essa proposição teve como representante capital Bobbit, que registrou o currículo em um período no qual várias forças políticas, culturais e econômicas buscavam envolver a educação de massas para afiançar que sua ideologia fosse assegurada. Sua sugestão era que a escola trabalhasse como uma empresa industrial ou comercial. Segundo Silva (2010, p.23), [...] de acordo com Bobbit, o sistema educacional deveria começar por estabelecer de forma precisa quais são seus objetivos. Esses objetivos, por sua vez deveriam se basear num exame daquelas habilidades necessárias para exercer com eficiência as ocupações profissionais da vida adulta. O exemplo que Bobbit sugeria era fundamentado na teoria de administração econômica de Taylor e trazia como palavra‐chave a eficiência. O currículo era um ponto de organização e acontecia de maneira mecânica e burocrática. O trabalho dos 13 especialistas em currículo incidia em realizar um levantamento das capacidades, em desenvolver currículos que permitissem que essas capacidades fossem desenvolvidas e, enfim, em esquematizar e preparar instrumentos de medição para descrever com precisão se elas foram aprendidas. Essas ideias entusiasmaram muito a educação, até os anos de 1980, nos EUA e em diversos países, bem como no Brasil. Segundo Silva (2010, p.25), Ralph Tyler consolidou a teoria de Bobbit quando propõe que o desenvolvimento do currículo deve responder a quatro principais questões: que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir; que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidadede alcançar esses propósitos; como organizar eficientemente essas experiências educacionais e como podemos ter certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados. Tyler definiu também como reconhecer ou onde localizar as respostas às perguntas feitas por ele para formar o currículo. Para Tyler, deveriam ser realizadas pesquisas acerca dos próprios aprendizes, acerca da vida moderna fora da educação, bem como conseguir sugestões dos especialistas das diferentes disciplinas. (SILVA, 2010). Contudo, para colher esses dados, as pessoas envolvidas deveriam respeitar a filosofia educacional e social com a qual a escola fosse comprometida, como também a psicologia da aprendizagem. Num pensamento mais progressista, porém conservador, apresenta‐se a teoria de Dewey, na qual surgia mais a preocupação com a democracia do que com o funcionamento da economia. (SILVA, 2010). Essa teoria também achava importante os interesses e às vivências das crianças e jovens. Seu ponto de vista estava mais voltado à prática de ideais democráticos, sendo a escola um espaço para estas experiências. Em sua teoria, Dewey não apresentava tanta preocupação com o preparo para a vida ocupacional adulta. O quesito fundamental das teorias habituais é resumida em: conteúdo, finalidades e ensino deste conteúdo de maneira eficaz para ter a eficiência nos frutos. 14 3.2 Teorias Críticas do Currículo Dentre outros movimentos sociais e culturais que marcaram a época de 1960 globalmente, apareceram as primeiras teorizações interrogando o pensamento e a estrutura educacional habituais, especificamente, aqui, as compreensões sobre o currículo. As hipóteses críticas preocuparam‐se em desenvolver opiniões que permitissem entender, baseado em uma análise marxista, o que o currículo faz. No desenvolvimento dessas opiniões, houve uma ligação entre ideologia e educação. Além disso, diversos pesquisadores elaboraram teorias que foram reconhecidas como críticas e, ainda que possuíssem um pensamento análogo, exibiam suas particularidades. Segundo Silva (2010), Althusser, filósofo da França, fez uma simples referência à educação em suas pesquisas, nas quais apontou que a sociedade capitalista está sujeita a reprodução de suas práticas econômicas para sustentar a sua ideologia. Manteve que a escola é um modo utilizado pelo capitalismo para sustentar sua ideologia, pois alcança toda a população por um tempo prolongado. Por meio do currículo, ainda segundo Althusser, a ideologia predominante transmite seus princípios, através das disciplinas e conteúdo que refletem seus interesses, dos mecanismos seletivos que levam crianças de famílias menos beneficiadas a saírem da escola antes de aprenderem as capacidades próprias das classes predominantes, e por práticas discriminatórias que fazem com que as classes dominadas sejam submissas e obedientes à classe predominante. (SILVA, 2010). Avaliando as interações sociais da escola, Bowles e Gintis, segundo Silva (2010), indicaram uma outra questão para responder àquela de como a escola é reprodutora de um sistema predominante: A escola contribui para esse processo não propriamente através do conteúdo explícito de seu currículo, mas ao espalhar, no seu funcionamento, as relações sociais do local de trabalho. As escolas dirigidas aos trabalhadores subordinados tendem a privilegiar relações sociais nas quais, ao praticar papéis subordinados, os estudantes aprendem a subordinação. Em contraste, as escolas dirigidas aos trabalhadores dos escalões superiores da escala ocupacional tendem a favorecer relações sociais nas quais os estudantes têm a oportunidade de praticar atitudes de comando e autonomia. (SILVA, 2010, p. 33). 15 Podemos entender a prática citada por Silva (2010) no procedimento escolar atual estabelecendo‐se uma relação, sobretudo, entre as escolas particulares e as públicas, inclusive dentro delas, especialmente nas públicas, onde as relações internas beneficiam alunos mais beneficiados economicamente. Dessa forma, as escolas refletem os aspectos necessários para a sociedade capitalista: trabalhadores apropriados a cada necessidade dos locais de trabalho, líderes para cargos de chefia e líderes obedientes e subordinados para os cargos de produção. Segundo Silva (2010), os sociólogos Bourdieu e Jean‐Claude produziram uma crítica sobre a educação um pouco distante das análises marxistas. Em suas pesquisas, propuseram que a reprodução social acontece através da cultura, isto é, acontece na reprodução cultural; que pela transferência da cultura predominante fica assegurada a sua hegemonia; que o que tem valor é a cultura predominante, com os seus ideais, os seus gostos, hábitos e costumes que vem a ser considerados a “cultura”, abandonando‐ se os costumes e ideais das classes dominadas (SILVA, 2010). Aqui, não dizemos que uma ou outra esteja correta ou que somente os valores culturais da classe predominante ou da dominada sejam válidos, já que é preciso avaliar a forma como é trabalhada na escola essa cultura predominante. [...] a escola não atua pela inculcação da cultura dominante às crianças e jovens das classes dominantes, mas, ao contrário, por um mecanismo que acaba por funcionar como mecanismo de exclusão. O currículo da escola está baseado na cultura dominante: ele se expressa na linguagem dominante, ele é transmitido através do código cultural dominante. As crianças das classes dominantes podem facilmente compreender esse código, pois durante toda sua vida elas estiveram imersas, o tempo todo, nesse código. [...] em contraste, para as crianças e jovens das classes dominadas, esse código é simplesmente indecifrável. (SILVA, 2010, p. 35). Assim, a reprodução cultural age como uma educação excludente, extinguindo do processo educacional as crianças de famílias menos beneficiadas que não possuem como entender a linguagem e os processos culturais das classes predominantes. Nesse caso, o resultado acontece da seguinte maneira: as crianças das classes predominantes são bem‐sucedidas e atingem um grau mais alto de escolarização, enquanto as das classes dominadas são excluídas da escola ou somente frequentam até um nível básico da educação. Defendem Moreira e Silva (2001, p. 27) que: 16 Na concepção crítica, não existe uma cultura da sociedade, unitária, homogênea e universalmente aceita e praticada e, por isso, digna de ser transmitida às futuras gerações através do currículo. Em vez disso, a cultura é vista menos como uma coisa e mais como um campo e terreno de luta. Nessa visão, a cultura é o terreno em que se enfrentam diferentes e conflitantes concepções de vida social, é aquilo pelo qual se luta e não aquilo que recebemos. Vendo esta análise, compreendemos que a cultura é tida não como uma soma das distinções herdadas, mas sim, como mais um ponto de desarmonia e distanciamento entre as classes predominante e dominada, competindo, assim, para a exclusão dessa última. Na contramão, vale lembrar que a cultura é edificada no processo educacional e social e não pode ser somente transmitida, visto que os sujeitos que estão envolvidos nesse processo precisam participar desse “espaço de luta”, criando e dando significado aos seus conhecimentos. A reconceptualização foi outro movimento que apresentou a grande insatisfação das pessoas envolvidas com a pesquisa do currículo em relação aos parâmetros impostos por Bobbit e Tyler. Essas pessoas começaram a entender que o currículo não poderia ser percebido simplesmente de maneira burocrática e mecânica, sem interação com as teorias sociais da época, estas que se mostraram, então, ora, críticas, segundo as estruturas políticas e econômicas e a reprodução cultural e social e, ora, apareceram as críticas baseadas em estratégias interpretativas de investigação, como a fenomenologia e a hermenêutica. O destaque das teorias críticas se encontrava nosignificado subjetivo atrelado às experiências pedagógicas e curriculares de cada pessoa, ou seja, observar as experiências diárias sob um olhar profundamente individual e subjetivo, bem como considerar as maneiras pelas quais estudantes e docentes desenvolviam, através de processos de negociação, seus próprios significados do conhecimento. Ainda que tenham buscado identificar tanto as teorias marxistas como as ligadas à fenomenologia com o movimento reconceptualista, os pensadores ligados às ideias marxistas não gostavam dessa identificação devido o caráter estritamente subjetivo de sua teoria. Na perspectiva fenomenológica, o currículo não é, pois, constituído de fatos, nem mesmo de conceitos teóricos e abstratos: o currículo é um local no qual docentes e aprendizes têm a oportunidade de examinar, de forma renovada, aqueles significados da vida cotidiana que se acostumaram a ver como dados naturais. (SILVA, 2010, p. 40). 17 Dentre as teorias de currículos embasadas nas análises sociais de Marx, apareceu uma desenvolvida por Apple, que teve ampla influência na educação. Para Apple, segundo Silva (2010), a escolha que forma o currículo é o fruto de um processo que espelha os interesses particulares das classes e dos grupos predominantes. A questão é tanto somente qual conhecimento é verdadeiro como também qual é visto como verdadeiro e quem o considera verdadeiro. Analisa importante avaliar tanto valores, normas e disposições, quanto os pressupostos ideológicos das disciplinas que compõem o currículo oficial. A escola, além de passar o conhecimento, precisa ser, ainda, produtora de conhecimento. Apple faz uma incisiva crítica à função da escola como simples fornecedora de conhecimentos determinados por interesses predominantes, especialmente valores capitalistas, e interroga o papel do professor nesse procedimento. Consoante Silva (2010), Henry Giroux confiava que as teorias conservadoras, ao se concentrarem em critérios de eficiência e racionalidade burocrática, não consideravam o aspecto histórico, ético e político das ações humanas e sociais e do conhecimento, colaborando, portanto, para a reprodução das desigualdades e das injustiças sociais. Compreende o currículo através dos conceitos de emancipação e libertação. É através de um processo pedagógico que permita às pessoas se tornarem conscientes do papel de controle e poder exercido pelas instituições e pelas estruturas sociais que elas podem se tornar emancipadas ou libertadas de seu poder e controle. (SILVA, 2010, p. 54). É através do currículo e na escola que as crianças precisam exercer práticas democráticas. No processo educacional, elas devem participar, debater e colocar em questão as práticas sociais, políticas e econômicas, avaliando seu contexto e compreendendo seu aspecto de controle. Dessa forma, poderão ter atitudes de emancipação e libertação. Os professores devem ser responsáveis por incentivar este processo, permitindo e estimulando o aluno a participar e questionar, assim como propondo‐lhe questões para reflexão. Os estudantes precisam ter seu espaço para serem ouvidos e terem suas ideias consideradas. Numa pedagogia adversa à pedagogia do colonizador (ou pedagogia do conflito), o educador reassume a sua educação e sua função eminentemente crítica: à contradição 18 (opressor‐oprimido, por exemplo), ele adiciona a consciência da contradição, cria gente insubmissa, desobediente, capaz de admitir a sua autonomia e ajudar na construção de uma sociedade mais livre. (GADOTTI, 1989, p. 53). Silva (2010) confronta a teoria de Giroux ao que diz Gadotti (1989) no que se refere à pedagogia do colonizador contra uma pedagogia do conflito, evidenciando o papel essencial do professor na procura pela formação da consciência de seus alunos para não somente receberem informações, e sim refletirem sobre elas, questioná‐las e se posicionar contra elas se necessário. Silva (2010, p. 55) explica que Giroux vê a pedagogia e o currículo através da noção de ‘política cultural’. O currículo não está simplesmente envolvido com a transmissão de ‘fatos’ e conhecimentos ‘objetivos’. O currículo é um local onde ativamente se produzem e se criam significados sociais. Os significados que Silva (2010) cita estão ligados às relações sociais de poder e desigualdade e precisam ser questionados e contestados. Freire (2003), ainda que não tenha formado uma teoria sobre currículo, levanta essa questão em suas pesquisas. Sua avaliação está mais baseada na filosofia e voltada para o desenvolvimento da educação de adultos em países submissos à ordem mundial. A crítica de Freire (2003) ao currículo está sucinta no conceito de educação bancária, que idealiza o conhecimento como formado por informações e fatos a serem facilmente transferidos do professor para o aluno, constituindo, assim, um gesto de depósito bancário. Freire (2003) também crítica que a educação é simplesmente transmitir o conhecimento, e que o professor tem um papel participativo, enquanto o aluno, de recepção passiva. Freire (2003) sugere um novo conceito de educação problematizadora, onde defende que não há uma separação entre o gesto de conhecer e aquilo que se conhece e que o conhecimento é sempre intencionado, isto é, dirigido para algo. O conhecimento envolve intercomunicação e é através dela que os homens se educam. O autor (id. 2003) idealiza o ato pedagógico como um gesto dialógico e usa, em seus trabalhos, o termo conteúdo programático. Porém, há uma diferença em contraste às teorias clássicas, designadamente na forma como se edificam esse conteúdo. Em sua metodologia, Freire (2003) usa as próprias experiências de seus alunos para definir os conteúdos programáticos, deixando, portanto, o conhecimento significativo 19 para quem aprende. Contudo, não nega o papel dos especialistas para arranjar os temas em formato interdisciplinar. O conteúdo é decidido junto com os educandos e na realidade em que estão localizados. Ele extingue a diferença entre cultura popular e cultura erudita e possibilita que a primeira também seja tida como um conhecimento que legitimamente faz parte do currículo. Conforme Silva (2010), outro movimento crítico em contraste às teorias de currículo aconteceu na Inglaterra, com Michael Young. Essa crítica era fundamentada na sociologia e veio a ser conhecida como Nova Sociologia da Educação. Contrária as outras teorias que traziam como base as críticas sobre as teorias clássicas de educação, a nova sociologia apresentava como alusão a antiga sociologia da educação, que seguia uma tradição de pesquisa empírica sobre os resultados díspares determinados pelo sistema educacional, preocupada especialmente com o fracasso escolar de crianças das classes operárias. Contudo, essas pesquisas baseavam‐se nas variáveis de ingresso, classe social, renda e condição familiar, e nas variáveis de saída, resultado dos testes escolares, sucesso ou fracasso escolar, deixando de averiguar o que ocorria entre esses dois pontos. A Nova Sociologia da Educação apresentava uma preocupação com o processamento de indivíduos, e não do conhecimento. Conforme Silva (2010, p. 66), “A tarefa de uma sociologia do currículo consistiria precisamente em colocar essas categorias em questão, em desnaturalizá‐las, em mostrar seu caráter histórico, social, contingente, arbitrário”. O ponto básico era a vinculação entre currículo e poder, entre a organização do conhecimento e a distribuição de poder. Interrogava por que era conferida mais importância a algumas disciplinas e conhecimentos quanto a outros. Basil Berstein também, segundo Silva (2010), formou sua teoria na linha sociológica, determinando que a educação formal descobre sua realização em três sistemas de mensagens: o currículo, a pedagogia e a avaliação. O currículo determina o que vale como conhecimento; a pedagogia determinao que vale como transmissão do conhecimento; e a avaliação, o que vale como realização desse conhecimento. Sua preocupação estava na organização estrutural do currículo e como os diversos tipos de organização estão unidos a princípios diferentes de poder e controle. 20 Nas pesquisas sobre currículo, entendemos que nem sempre o que acontece no processo pedagógico está explícito nos currículos. Referenciamos o currículo oculto, que não compõe propriamente uma teoria, mas se encontra no dia-a-dia da educação ou da escola. Podemos dizer que abrange processos que estão implícitos na escola, mas que fazem parte do procedimento de ensino‐aprendizagem. Segundo Silva (2010, p.78), “O currículo oculto é constituído por aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazerem parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de maneira subentendida, para aprendizagens sociais relevantes”. Ele se encontra nas relações sociais da escola. São os comportamentos, os valores e as atitudes que compõem o processo da aprendizagem. As experiências na educação escolarizada e seus efeitos são, algumas vezes, desejadas e outras, incontroladas; obedecem a objetivos explícitos ou são expressões de proposição ou objetivos implícitos; são planejados em alguma medida ou são fruto de simples fluir da ação. Algumas são positivas em relação a uma determinada filosofia e projeto educativo e outras nem tanto ou completamente contrárias. (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p. 43). São as ações implícitas que definem o currículo oculto. Estão presentes, mas não estão configuradas no currículo e podem ser tanto positivas quanto negativas. Para as teorias críticas, estas ações comumente ensinam o conformismo, a obediência e o personalismo, isto é, condutas que mantêm a ideologia predominante. Podemos reconhecer os elementos que colaboram para esta aprendizagem no dia-a-dia escolar, nas relações, quando ensinamos regras e regulamentos, na separação entre os mais e menos capazes, na divisão do tempo, na pontualidade, na organização dos espaços e, até mesmo, nas questões de gênero. É preciso desocultar o currículo para perceber o que abrange estas práticas e estes conhecimentos. Devemos compreender o que está por trás dessas ações para podermos modificá‐las, dando‐lhes novas finalidades. 3.3 Teoria Pós – Críticas Podemos iniciar falando sobre as teorias pós‐críticas avaliando o currículo multiculturalista que evidencia a diversidade das configurações culturais do mundo moderno. O multiculturalismo, ainda que considerado um estudo antropológico, mostra 21 que nenhuma cultura pode ser ponderada como superior a outra. Em relação ao currículo, o multiculturalismo surge como movimento contra o currículo universitário clássico que privilegiava a cultura branca, masculina, europeia e heterossexual, isto é, a cultura do grupo social predominante. A partir dessa crítica, houve a suposição de que o currículo também incluísse aspectos de maneiras mais representativas das diferentes culturas dominadas. Assim nasceram duas perspectivas: a liberal ou humanista e a mais crítica. A liberal defende ideias de tolerância, respeito e convivência harmoniosa entre as culturas, enquanto a visão crítica pontua que, dessa maneira, continuariam inabaláveis as relações de poder, em que a cultura predominante faria o papel de possibilitar que outras maneiras culturais possuíssem seu “espaço”. “O multiculturalismo mostra que o grau da desigualdade em matéria de educação e currículo é função de outras dinâmicas, como as de gênero, raça e sexualidade, por exemplo, que não podem ser reduzidas à dinâmica de classe”. (SILVA, 2010, p. 90). As desigualdades geradas dentro do processo escolar não aparecem somente nas relações de poder entre grupos predominantes a partir de questões econômicas, mas também nas diferenças raciais, de sexo e gênero, quando são colocados como predominantes valores, como a superioridade masculina e a branca. As relações de gênero compõem um dos enfoques mais presentes nas teorias pós‐críticas, que interrogam, como já foi dito, não somente as desigualdades de classes sociais. Neste caso, o feminismo surge para questionar o predomínio de uma cultura extremamente patriarcal, onde há uma profunda desigualdade entre ambos os sexos. Primeiramente, a principal questão dizia respeito ao acesso, isto é, o acesso à educação era diferente para ambos os sexos e, dentro do currículo, existia distinções de disciplinas masculinas e femininas. De tal modo, determinadas carreiras eram excepcionalmente masculinas sem que as mulheres pudessem optar por elas. Numa segunda etapa desta análise, foi interrogado que o simples acesso às instituições e conhecimentos tidos como masculinos não satisfazia para o valor feminino ser notado. Segundo Silva (2010, p. 93), “O simples acesso pode tornar as mulheres iguais aos homens ‐ mas num mundo ainda definido pelos homens”. Dessa maneira, a intenção 22 era que os currículos abrangessem as experiências, os interesses, os pensamentos e os conhecimentos femininos, conferindo‐lhes a mesma importância. O currículo oficial estimava a separação entre sujeitos, o domínio e o controle, a racionalidade e a lógica, a ciência e a técnica, o individualismo e a competição, tudo o que espelha as experiências e interesses masculinos. Através de discussões curriculares sobre gênero, buscamos perceber os interesses e valores femininos, como importância das ligações sociais, intuição, artes e estética, comunitarismo e cooperação. O que ansiamos não é usar só uma forma ou outra, mas equilibrar, através do currículo, todos estes interesses e peculiaridades para conseguir um equilíbrio. Os pontos raciais e étnicos também passaram a integrar as teorias pós‐críticas do currículo, após percebida a problemática da identidade étnica e racial. O currículo não pode virar multicultural somente incluindo informações sobre as demais culturas. É necessário considerar as diferenças étnicas e raciais como uma questão histórica e política. É primordial, através do currículo, desconstruir o texto racial, interrogar por que e como valores de determinados grupos étnicos e raciais foram desconsiderados ou diminuídos no desenvolvimento cultural e histórico da humanidade e, pela organização do currículo, promover os mesmos significados e valores a todos os grupos, sem supervalorização de um ou de outro. Sob um olhar pós‐estruturalista que avalia as questões de significado, do que é visto como verdadeiro em termos de conhecimento, os significados são o que são pois foram socialmente assim decididos. Logo, os campos de significação são qualificados por sua indeterminação e por sua conexão com o poder. De tal modo, a ideia de verdade também é protestada e por que algo é considerado verdade. A questão não é, porquanto, saber se algo é verdadeiro, porém saber por que isso tornou-se verdadeiro. A perspectiva pós‐estruturalista deposita dúvida nas atuais e rígidas separações curriculares, além de todo o conhecimento. A teoria pós‐colonial, ao lado do feminismo e do movimento negro, procurou abranger as formas culturais e experiências de grupos sociais discriminados pela identidade europeia predominante. Teve como finalidade estudar as relações de poder entre nações que formam a herança econômica, política e cultural de seus países colonizadores e interrogou as relações de poder e as maneiras de conhecimento pelas 23 quais a posição europeia se mantém privilegiada. Há uma preocupação com as maneiras culturais que estão no centro da sociedade de consumo que determinam novas ideias de imperialismo cultural, sustentando sempre a hegemonia das culturas colonizadoras. 3.4 Um diálogo entre Teoria e Prática Avaliando as teorias curriculares apresentadas, pode-se entender o papel político presente no currículo e que ele não é neutro. Ao avaliar o currículode uma maneira mais objetiva e prática, podemos compreender que ele é de suma importância para a organização da ação pedagógica. Para Gimeno Sacristán (2000, p. 15), “Quando definimos currículo, estamos descrevendo a concretização das funções da própria escola e a forma particular de enfocá‐las num momento histórico e social determinado, para um nível de modalidade de educação, numa trama institucional, etc.” O currículo, então, é um meio através do qual a escola se organiza, propõe os seus caminhos e a direção para a prática. Não podemos imaginar uma escola sem pensar em seu currículo e em seus escopos. Entretanto, não podemos sugerir isto somente de maneira burocrática e mecânica, como trazia a teoria tradicional, mas percebendo todo o contexto em que isto acontece e as consequências na prática pedagógica e na formação do educando. As funções que o currículo cumpre como expressão do projeto de cultura e socialização são realizadas através de seus conteúdos, de seu formato e das práticas que cria em torno de si. Tudo isso se produz ao mesmo tempo: conteúdos (culturais ou intelectuais e formativos), códigos pedagógicos e ações práticas através dos quais se expressam e modelam conteúdos e formas. (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p. 16). De tal modo, para definir os conteúdos, os códigos pedagógicos e as ações em nossos currículos, devemos compreender o que almejamos, que crianças e adultos queremos formar, qual o papel do professor e da escola nesse procedimento, sem nos esquecermos de que o currículo tem sua função social, político e ideológico. Todas as finalidades que se atribuem e são destinadas implícita ou explicitamente à instituição escolar, de socialização, de formação, de segregação ou de integração social, etc., acabam necessariamente tendo um reflexo nos 24 objetivos que orientam todo o currículo, na seleção de componentes do mesmo, desembocam numa divisão especialmente ponderada entre diferentes parcelas curriculares e nas próprias atividades metodológicas às quais dá lugar. Por isso, o interesse pelos problemas relacionados com o currículo não é senão uma consequência da consciência de que é por meio dele que se realizam basicamente as funções da escola como instituição. (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p. 17). Visto que o currículo organiza as funções da escola e os seus elementos espelham seus objetivos, devemos dar a importância devida a esse procedimento e perceber que a escola precisa possuir o seu currículo, não somente como grade curricular, mas compreendendo de forma interligada todas as suas intenções, as quais já foram definidas. Além de reconhecer seu papel essencial, também é preciso constante verificação, análise, interpretação e reelaboração, para mantê‐lo contemporâneo e nele perceber, através da prática, o que estamos reproduzindo ou produzindo, transmitindo ou edificando. O professor deve se reconhecer como participante no processo de elaboração e reelaboração, não se esquecendo de sua função de educador. 4 OS DIVERSOS TIPOS DE CURRÍCULO Como já vimos acima, o currículo constituiu um dos fatores que maior influência possui no quão boa é a aprendizagem. Este aparente consenso esconde um equívoco. Não existe uma noção, mas várias noções de currículo, tantas quantas as perspectivas adotadas. O currículo não é apenas planificação, mas também a prática na qual se estabelece o diálogo entre os agentes sociais, os técnicos, as famílias, os professores e os alunos. O currículo é determinado pelo contexto, e nele adquire diferentes sentidos conforme os diversos protagonistas. Foi a partir de 1960 que pedagogos e outros teóricos da educação acharam conveniente, para fins de análise, distinguir o currículo em três tipos: Currículo Prescrito ou Formal Currículo Real Currículo Oculto 25 4.1 Currículo Formal ou Prescrito O Currículo Formal é também conhecido como Currículo Prescrito, que é o currículo em sua forma mais idealizada. Ele é “Prescrito” porque é pensado fora das especificidades de uma sala de aula, quer dizer, vem antes do contato efetivo entre professores e estudantes. Aparece, por exemplo, nas diversas formas de Diretrizes Curriculares (Nacionais, Estaduais, de Educação Especial, entre outras) e constitui-se de um grupo de conhecimentos que a escola e o sistema de ensino julgam imprescindíveis para os estudantes em determinada disciplina ou em determinado ano escolar (SACRISTÁN, 2000, p. 177). 4.2 Currículo Real O “Currículo Real” é o conjunto de conhecimentos prescritos pelas instituições de educação, ele ganha efetividade no dia a dia da sala de aula, nas relações que se estabelecem entre professores e estudantes, nas particularidades de suas vivências e de suas maneiras de pensar. Ele é composto, por exemplo, de todas aquelas adaptações feitas cotidianamente pelo professor que percebe que um determinado assunto despertou o interesse dos estudantes, ou das estratégias usadas para aproximar a temática de suas realidades. 4.3 Currículo Oculto O “Currículo Oculto” é constituído por todos os saberes que não estão prescritos nas Diretrizes Curriculares, mas que acabam por afetar, positiva ou negativamente, o procedimento de aprendizagem dos conhecimentos escolares. São os conhecimentos obtidos fora da escola, com a família, os amigos, ou até mesmo, no espaço escolar, nas brincadeiras dos corredores, na forma de dispor as carteiras, na maneira de se comportar diante de professores e colegas, entre outras atitudes e formas de organização. 26 5 IMPLICAÇÕES DAS TEORIAS CURRICULARES NA PRÁTICA DOCENTE Há de se refletir sobre a possibilidade de se reformar o pensamento e criticar a fragmentação do ensino. Na perspectiva, a sala de aula é o lugar ideal para se iniciar uma reforma de mentalidade. A educação deve priorizar um pensamento integrador sem deixar de considerar as especificidades de alunos e professores. O professor deve saber dominar competências para resolver os problemas que vão surgindo em sua prática pedagógica e isto acontece quando este desenvolve habilidades cognitivas, ou seja, nós educadores precisamos assumir posturas mais enérgicas e críticas em relação ao que aprendemos e ensinamos. É por isso que consideramos a formação superior uma prioridade (SACRISTÁN, 2000, p. 177). Não é possível pensar o currículo e não considerar que professores precisam se atualizar e a formação é o caminho ideal para isso ocorrer. As reflexões sobre currículo devem fazer parte da formação continuada dos docentes, numa perspectiva de concebê- lo como uma proposição de trabalho colaborativo. Acreditamos que o currículo não deve restringir-se a conteúdos predeterminados. Nesse sentido, nada de conteúdos rígidos, estanques, sem significado. O currículo deve fazer sentido para aluno e professor. A escola é o lugar onde a formação integral do aluno é o mais importante e, nesse sentido, não se constitui como o único lugar de aprendizagem. O currículo precisa possuir uma dimensão libertadora e política. Nessa perspectiva, se traduz em ato libertador, pois possibilita que façamos uma leitura crítica da sociedade atual, considerando as complexas relações de poder que se estabelecem entre dominadores e dominados. Dada essa realidade, o currículo entendido como construção coletiva pressupõe e exige do professor uma postura crítica diante dos acontecimentos. A educação é um gesto político e, portanto, não há educação neutra, ou seja, o professor deve se questionar a todo o momento a quem ele está servindo. Como docentes, somos impelidos a nos certificarmos das nossas intenções curriculares. Dito isto, o currículo pode contribuir para uma educação que seja de fato política, que permita uma leitura criteriosa da sociedade e das complexas relações de poder existentes entre os sujeitos envolvidos no processo educativo. 27 A escola não pode isentar-sede propor novas metodologias de ensino a seus educandos, mas que tais ensinamentos sejam, de fato, significativos e possam dialogar com os conhecimentos trazidos pelos educandos a partir das experiências extramuros da escola. Canário (2006) considera que para a escola pensar sua educação escolar (formal) há de se referenciar na educação não-escolar (não formal). Nessa perspectiva, a escola, debruçando-se sobre o conhecimento dos processos da educação não-formal certamente terá condições de analisar a educação formal, bem como suas situações de aprendizagens. O mesmo autor aponta três razões pelas quais podemos considerar a escola obsoleta. A primeira diz respeito ao monopólio educativo da escola. Detentora desse monopólio, não dialoga com os processos não-formais de educação e assim subestima a capacidade de socialização que outras instituições têm no procedimento de aprendizagem. A segunda razão refere-se à associação que fazemos entre escola e ensino. As escolas ainda estão preocupadas com a lógica do ensino e não focam atenção nos processos de aprendizagem. Isso ocorre porque estamos habituados a pensar na perspectiva do professor como “transmissor” do conhecimento e não nas aprendizagens significativas que emergem das relações estabelecidas em sala de aula. Os educandos são aprendentes e, portanto, autônomos do próprio processo de aprender. Por fim, a terceira razão da “obsoletização” da escola, apontada pelo autor, está nos modos de organização e nos métodos de trabalho que a escola assume. A repetição e a transmissão de conteúdo, sem articulação com as finalidades propostas, conferem à escola uma dinâmica muito próxima da lógica da linha de montagem, onde o conhecimento é transmitido de forma mecânica e sem significado. Considera-se que a escola, concernente às mudanças, necessita inserir-se no contexto social mais amplo e propor novas maneiras de pensar a educação. Em relação ao currículo, cabe aos docentes pensar em como estão trabalhando os conteúdos curriculares em suas salas de aula. É importante que se façam a seguinte pergunta: Estamos dando a devida atenção à realidade da escola e dos alunos, seus históricos de vida, desejos e sonhos? 28 Para um melhor aprendizado, faz-se necessário um currículo que dialogue com a realidade social dos alunos, destacando suas demandas, urgências, modos de ser e aprender. Talvez o desinteresse do aluno esteja associado à questão de a escola não conseguir acompanhar as ferramentas tecnológicas atuais. Muitas vezes as aulas e os conteúdos estão totalmente desconectados de suas reais necessidades. Com isso, não se pode culpar o professor e sim, afirmar que há uma relação desses acontecimentos com a organização curricular e escolar, pois é na escola que o aluno tem contato com o conhecimento, com as discussões, com noções de cidadania e civilidade. Quando nos referimos ao currículo, estamos no campo da disputa de poder, como bem destaca Tomaz Tadeu da Silva (2010), e de referenciais que se constroem considerando o conhecimento hegemônico e determinado a partir de uma única história. A complexidade com a qual tratamos o currículo revela-nos as sutilezas das determinações e conteúdos solidificados que permeiam os discursos e as políticas curriculares em nossa realidade educacional. Implantar um currículo que dê conta do direito à formação básica plena, conforme preconiza a LDBN, exige-nos, portanto, mais que o cumprimento de um marco legal, exige-nos que a educação seja de fato garantida a todos os cidadãos. A educação é direito de todos e dever do Estado (BRASIL, 1988). Um currículo na perspectiva da formação plena deve assegurar o desenvolvimento da capacidade de aprender de cada aluno por meio da leitura e escrita, do domínio das operações básicas, compreensão do ambiente social, da política e da técnica, das artes, da cultura e dos valores, dos vínculos familiares, assim como dos laços de solidariedade e tolerância. Assimilar não somente os conteúdos curriculares específicos de cada componente, mas articulá-los com a vida, para uma formação plena, onde o exercício da autonomia intelectual e do pensamento crítico do aluno esteja em evidência. Conceber o currículo como análise crítica da educação, pressupõe pensá-lo a partir de outras perspectivas e com isso orientar uma reflexão que possibilite confrontar as narrativas hegemônicas com os novos alinhamentos teóricos que surgem das experiências das minorias, ou seja, das culturas e saberes não reconhecidos no campo curricular oficial. Corroborando com Canen (2010), compreendemos o currículo como espaço onde se deva destacar concretamente a variedade de saberes e práticas culturais: 29 [...] ainda que o determinante de classes sociais permaneça na análise curricular, a necessidade de se compreender o currículo como uma seleção cultural impregnada por uma visão de mundo branca, masculina, heterossexual e eurocêntrica passa a ser central em estudos curriculares, que buscam pensar em currículos alternativos, multiculturais. Os currículos alternativos, mencionados pela autora, precisam ser problematizadores de análises críticas relativas aos conteúdos curriculares impostos. Pensar em currículos multiculturais não garante sua efetiva implementação, haja vista que ainda nos deparamos com desafios no campo curricular. A construção teórica dessa área de conhecimento há décadas vem afirmando uma sobreposição dos saberes hegemônicos em detrimento dos saberes das minorias e com isso perpetuado as ideias extremamente conservadoras. 5.1 O papel do professor na mediação do Currículo O currículo como elemento articulador para nortear as propostas pedagógicas na Educação Infantil deve ser pensado nas várias dimensões que fazem parte do processo educativo. Nesse caso, é importante repensar as formas como esse currículo vem sendo articulado nas relações pedagógicas, ou seja, como o professor o vem construindo com as crianças pequenas, porquanto a relação pedagógica é permeada pelas subjetividades entre seus pares. Dessa forma, esse professor precisa ter uma formação sólida que lhe possibilite uma reflexão contínua sob sua ação pedagógica, compreendendo os sentidos e os significados da ação docente. Sabendo que o professor, segundo Sacristán (2000), tem o papel mediador, [...] para que os alunos obtenham resultados e significados concretos, [...] pela significação que atribui ao currículo em geral e ao conhecimento que transmite em particular e pelas atitudes que tem para o conhecimento ou para com uma parcela especializada do mesmo. (SACRISTÁN, 2000, p. 177). Nesse sentido, um dos desafios dos profissionais da educação das instituições de Educação Infantil é compreender como ocorre essa dinâmica das propostas das DCNEI/2009, e compreender como as categorias: criança, currículo, proposta pedagógica, princípios, diversidade cultural, práticas pedagógicas e Educação Infantil se 30 inserem nessa proposta e se entrecruzam nas relações pedagógicas, constituindo o intermédio entre o currículo oculto e o currículo oficial. Nessa perspectiva, é preciso estar atento aos modos como as crianças vão construindo seus saberes e como elas se situam nesses espaços, como pensam e solucionam seus problemas. Também, nesse espaço de construção, é preciso observar as linguagens que são construídas pelas crianças nas mediações com as culturas infantis. No entanto, para que a criança compreenda essa construção, o professor precisa propiciar situações que estimulem esses saberes, colocando a criança no centro da aprendizagem. Para isso, o professor precisa superar a visão de sua prática centrada na sua autoria, dando ênfase agora à autoria do aluno; a questão é não fazer pelo aluno, mas com o aluno, colocando‐o como sujeito dessas construções. Tais posturas adotadas pelos professores irão, portanto, contribuirpara o desenvolvimento das crianças, porquanto é por meio das relações sociais que as crianças vivenciam suas experiências com os professores e outras crianças, e vão construindo, assim, as suas identidades. Destarte, a construção do currículo deve estar articulada à ação docente, pois é a partir dessa interação que serão mediados o conhecimento, as percepções e as emoções dos sujeitos envolvidos nesse processo educativo, que sofre influências dos fatores internos e externos, e que permeiam o procedimento de ensino e de aprendizagem. Essas relações podem agora ser vistas sob outra ótica: a criança é convidada a se fazer presente nessas discussões, pois sendo consideradas como sujeitos de direitos, elas precisam ser ouvidas, escutadas, precisam fazer parte da construção desse currículo. Silva (2013, p. 55), ao citar um dos conceitos trabalhados na obra de Giroux (1997), traz um termo interessante para esta discussão que é a questão da “voz”, que ressalta a importância da construção de um espaço em que os anseios, os desejos e os pensamentos dos estudantes possam ser ouvidos e atendidos. Sendo que para Giroux, a ausência desse espaço dificultará a efetivação do currículo e, consequentemente, pouco contribuirá para uma educação emancipatória. Embora não se referindo especificamente às vozes infantis, o pensamento de Giroux (1997) vem colaborar com os pesquisadores que discutem a questão da educação da infância, sobretudo, em um livro elaborado pelo BRASIL/MEC/2011, que traz como 31 temática a questão: “Deixa eu falar”. O livro, segundo Mumme (2011, p. 3), traz a finalidade de favorecer o diálogo com as crianças. Nesse sentido, para ouvirmos as vozes infantis, faz‐se necessário, como salienta Oliveira (2010), superar alguns desafios para a elaboração curricular, bem como sua efetivação no cotidiano escolar, assim, a proposta pedagógica, [...] deve transcender a prática pedagógica centrada no professor e trabalhe, sobretudo, a sensibilidade deste para uma aproximação real da criança, compreendendo‐ a na opinião dela, e não do adulto. (OLIVEIRA, 2010, p. 6). Enfim, criar e dar vida ao currículo na Educação Infantil requer uma alteração de paradigmas nas relações do professor, pois para efetivar os princípios éticos, políticos e estéticos propostos pelas DCNEI/2009 é preciso sair da condição de autoritarismo para a cooperação de abordagem proposta por Devries e Zan (2004, p. 326): “Faça o que eu digo”, para a proposta: “Vamos trabalhar juntos”. Segundo as autoras, os professores podem melhorar suas ações pedagógicas, desde que se propunham a sair da condição de autoria da ação docente e criar um ambiente cooperativo. Isso implica, segundo Devries e Zan (2004, p. 51), “[...] criar uma atmosfera sócio moral cooperativa, consultando as crianças e dando a elas uma significativa quantidade de poder para determinar o que ocorre em sala de aula”. Além dessa consulta às crianças, o professor deve fazer um questionamento constante sobre as atividades propostas: se as mesmas estão possibilitando a construção da autonomia das crianças. Como o currículo, segundo Devries e Zan (2004), pode ser examinado por meio das ações e das palavras das crianças, sendo assim, pode‐se fazer os seguintes questionamentos: As atividades continuam a despertar o interesse das crianças? O que as crianças estão aprendendo a fazer? Essa proposta de participação ativa dos sujeitos na edificação do currículo, na visão de Sacristán (2000), é um componente fundamental nos processos das deliberações, para que essa não seja uma mera reprodução de decisões e modelações implícitas. Nesse sentido, ainda segundo Sacristán (2000), o professor tem um papel decisivo nessa construção do currículo, visto que ele será o mediador entre o aluno, a 32 cultura e a significação que atribui ao currículo, bem como pelas suas atitudes diante da edificação do conhecimento (SACRISTÁN, 2000, p. 177). 5.2 Os Quatro Pilares da Educação Em 1999, o professor, político e econômico francês Jacques Delors, elaborou um relatório intitulado “Educação: um Tesouro a Descobrir”, que elenca quatro aprendizagens fundamentais para o desenvolvimento cognitivo e social que devem nortear a educação no século XXI. Os quatro pilares da educação são: Aprender a Conhecer Aprender a Fazer Aprender a Conviver Aprender a Ser Esses pilares caracterizam-se por contemplar questões cognitivas, assim como questões do relacionamento humano. Os dois primeiros pilares remetem a questões mais específicas sobre processo de produção de conhecimento, enquanto os outros encerram uma dimensão que está relacionada ao papel do cidadão e a finalidade de viver. Delors (1998) aponta como principal consequência da sociedade do conhecimento a precisão de uma aprendizagem ao longo de toda vida, fundamentada nos quatro pilares. 5.2.1 Aprender a conhecer Esse pilar envolve dominar os instrumentos do conhecimento, e não simplesmente adquirir um grupo de saberes. Significa autonomia para aprender, com uma atitude crítica e atenta: o aprender a pensar e a tirar conclusões. Ao aprender, é necessário ativar a memória de curto prazo de modo diferente, combinando o conhecimento adquirido pela 33 expertise para que o significado seja suficiente para gravar informações na memória de longo prazo. 5.2.2 Aprender a fazer Já o pilar da Educação Aprender a Fazer, envolve saber aplicar os conhecimentos obtidos. Contudo, no mundo moderno, o fazer é cada vez mais imaterial: as atividades rotineiras são executadas por máquinas e computadores. Significa mobilizar as habilidades cognitivas para a capacidade de resolver problemas e atuar de forma competente em situações de incerteza. Aprender a fazer se define como ter a capacidade de fazer escolhas, pensar criticamente e não confiar ou depender apenas de modelos existentes. 5.2.3 Aprender a ser A educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa – espirito, corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, reponsabilidade pessoal e espiritualidade. Todo o ser humano deve receber uma educação que lhe dê ferramentas para o despertar do pensamento crítico e autônomo, assim como para formular seus juízos de valor e ser autônomo intelectualmente. Mais do que nunca a educação parece ter como papel essencial, conferir a todos os seres humanos a liberdade de pensamento, o discernimento, os sentimentos e a imaginação de que necessitam para desenvolver os seus talentos e permanecerem, tanto quanto possível, donos de seus próprios destinos (DELORS, página 81). A diversidade de personalidades, a autonomia e o espirito de iniciativa, até mesmo o gozo pela provocação, são suportes da criatividade e da inovação. O que poderia parecer apenas como uma forma de defesa do indivíduo perante a um sistema alienante ou considerado como hostil, é também por vezes a melhor oportunidade de progresso para as sociedades (DELORS, página 81). Na escola, a arte e a poesia deveriam ocupar um lugar mais importante do que aquele lhes é concedido, em muitos países, por uma espécie de ensino tomado mais utilitarista do que cultural. Além disso, a preocupação em desenvolver a imaginação e a 34 criatividade deveria também revalorizar a cultura oral e os conhecimentos retirados da experiência da criança e do adulto. Esse desenvolvimento do ser humano, que se realiza desde o nascimento até a morte, é um processo dialético que começa pelo conhecimento de si mesmo para se abrir, em seguida, à relação com o outro. Nesse sentido, a educação é, antes de mais nada, uma viagem interior, cujas etapas correspondem à da maturação contínua da personalidade. (DELORS, Jacques 2012 página 82). 5.3 Uma Breve Introdução Sobre Conhecimento Escolar e Conhecimento não- escolar Falar desta temática do conhecimento escolar implica umareflexão acerca da produção de saberes na escola, visto que a escola se forma no “lócus privilegiado de um grupo de atividades que, de maneira metódica, continuada e sistemática, responde pela formação inicial da pessoa, permitindo-lhe posicionar-se frente ao mundo.” (DIAS, 2008 p. 158). Então, segundo argumenta Libâneo (2002), na escola, produzem-se saberes científicos ou não, sistematizados ou não, dirigidos por professores e alunos. Porém, os frutos das pesquisas têm indicado que, geralmente, crianças e jovens terminam suas etapas escolares sem apresentarem grandes avanços da qualidade da aprendizagem escolar, esta que é tão desejada pela sociedade. Diante dessa discussão, novos questionamentos surgem, dentre eles: Seria responsabilidade dos professores originar a qualidade da aprendizagem escolar? Seria, quem sabe, por que a maioria dos pais de estudantes, muitas vezes, com pouca instrução escolar, creem que o importante para seus filhos é saber a ler, escrever e calcular? Esses pais, por essa situação, têm possibilidade de seguir os processos de ensino e aprendizagem dos seus filhos e compreender que a formação escolar vai além dessas três capacidades básicas? Além disso, ressalta-se que é evidente que os pais, frequentemente, desconhecem os problemas que rodeiam o espaço escolar, especialmente no que diz respeito à 35 formação dos professores. Para Libâneo (2002, p.13), “a precariedade da formação profissional dos professores está implicada nos baixos resultados da aprendizagem escolar”. Carências de formação inicial, insuficiência na formação continuada, juntas de um contexto de vários fatos à realidade que abrange a escola hoje derivaram, como assinala Libâneo (2002, p. 14), “num grande contingente de professores mal preparados para as exigências mínimas da profissão (domínio dos conteúdos, sólida cultura geral, domínio dos procedimentos de docência, bom senso pedagógico)”. São preocupantes os problemas referentes à formação de professores, visto que provocam dificuldades em como lidar com as mais variadas situações que estão presentes na escola, além dos reflexos que refletem acerca da prática pedagógica na sala de aula e a interferência à preparação de uma sugestão curricular, por exemplo. É sabido que, neste panorama educacional, predomina uma pedagogia clássica de ensino onde a maioria dos professores não se preocupam em transformar suas disciplinas em saberes pedagógicos e, também, em juntar estes saberes às aplicações sociais, as quais os estudantes estão inclusos. Contudo, segundo aponta Libâneo (2002), a responsabilidade por esses problemas da educação brasileira não é particular do professor. É sabido que esses problemas ocorrem, porém por detrás da queda da qualidade de aprendizagem escolar, existem outros fatores relevantes. Dentre eles, político educacional mal planejadas, baixa remuneração dos professores, insuficiência de infraestrutura das escolas e, especialmente, de condições mínimas de trabalho do professor e outros profissionais da escola. E ainda, a falta de coordenação apropriada e acompanhamento pedagógico dos trabalhos feitos na escola colaboram para agravar esta conjuntura. Diante do apresentado, fica claro que a prática pedagógica nesse contexto, com certeza, intervém e reproduz reflexos expressivos no que diz respeito à constituição do conhecimento escolar pelos estudantes envolvidos nesse processo. Fetzner e Souza (2012, p. 685, apud APPLE, 1989) garantem que se “entendemos os conhecimentos escolares como conhecimentos em disputa”, será mais fácil gerar um debate dos conteúdos desenvolvidos na escola, deixando-os mais significativos no coletivo social. Sendo assim, retomam as capacidades de ler, escrever e calcular como ferramenta do saber para compreender a sociedade e não apenas para seu fim. 36 Deste modo, esses autores avaliam que compreender essas capacidades colabora para a separação entre as questões: O que fazer? Por que fazer? Como fazer? (FETZNER; SOUZA, 2012, p. 685). Sem dúvida, estas perguntas orientam as discussões sobre currículo, suas interações com a didática e, posteriormente, influenciam a aprendizagem. Galian (2011, p. 765), pensar na relevância do conhecimento escolar, argumenta que “à escola cabe transmitir uma seleção desse saber que deveria permitir o uso, a compreensão e o questionamento das informações e dos instrumentos disponíveis na sociedade”. De tal modo, vale ressaltar que “a escola pública faz sentido à medida que consiga realizar seu trabalho específico, de conhecimento e de ampliação de horizontes, de compreensão de mundo. ” (SAMPAIO, 1998, p. 22). Young (2007), ao produzir seu artigo intitulado “Para que servem as escolas? ”, gera uma discussão sobre a distinção entre o conhecimento curricular ou escolar e conhecimento não-escolar, que veremos agora. Quando o autor alude a escolaridade ao termo “transmissão de conhecimento”, atribui à palavra a transmissão de um significado distinto ao que achamos no dicionário, não é apenas a “ação e/ou efeito de transmitir ou comunicar o conhecimento”, pois subentende “o envolvimento ativo do aprendiz no procedimento de obtenção do conhecimento” (YOUNG, 2007, p. 1293). Então, o autor nos leva a pensar que conhecimento cabe à escola transmitir. Que tipo de conhecimento é esse? Qual é o chamado conhecimento escolar? Avaliando que existe um conhecimento através do qual a escola compromete-se em abordar, Young (2007) sugere que, no campo educacional, certos conhecimentos são mais importantes e valem mais do que outros. Caráter esse que tem servido de embasamento para distinguir conhecimento curricular (ou escolar) e conhecimento não- escolar. Para o autor, “existe algo no conhecimento escolar ou curricular que possibilita a aquisição de alguns tipos de conhecimento” (YOUNG, 2007, p. 1294). Ao perguntar sobre “Para que servem as escolas? ”, Young (2007, p. 1294) assegura que “elas capacitam ou podem capacitar jovens a adquirir o conhecimento que, para a maioria deles, não pode ser adquirido em casa ou em sua comunidade, e para adultos, em seus locais de trabalho”. Logo, tal conhecimento, nesse aspecto, adota uma natureza diferente, que é a de conhecimento curricular ou escolar. Esse conhecimento é 37 chamado por Young (2007) de “conhecimento poderoso”, que se menciona ao que o conhecimento realmente tem o poder de realizar, isto é, proporcionar um novo jeito de pensar sobre o mundo. Resumidamente, ainda que muitos pais aceitam e se preocupam com o que seus filhos edificam na escola como capacidades mínimas de leitura, escrita e cálculo, eles não deixam de ambicionar que seus filhos obtenham, segundo com Young (2007), o conhecimento poderoso, conhecimento esse inacessível livremente em casa. Este conhecimento poderoso, ao qual cita Young, torna-se, cada vez mais, particularizado, visto que as escolas buscam transmitir tal conhecimento. As escolas também precisam de professores que tenham se adequado desse conhecimento especializado, caso contrário não poderia dizer que a escola capacita as pessoas a adquirir o conhecimento que não pode ser adquirido fora dela. Conforme Young (2007, p.1295), no processo de apropriação do conhecimento poderoso, as relações que se formam entre professores e alunos exibem algumas especificidades, dentre elas, a diferença das relações entre colegas e, logo, hierárquicas. Diferentemente do que propõem algumas políticas governamentais atuais, elas não serão embasadas em escolhas do aluno, visto que, em diversos casos, o mesmo pode não possuir o conhecimento prévio preciso para realizar essas escolhas. Na contramão, Young esclarece que o fato do estudante não dispor do conhecimento prévio preciso para realizar escolhas, não quer dizer que as escolas não devam considerar a bagagem e o conhecimento acarretado pelos estudantesà sala de aula. Essa “autoridade” do professor em administrar por outro ângulo é fundamental à instrução da educação pela escola. Voltando origem referente à diferenciação entre conhecimento escolar e conhecimento não-escolar, cabe avaliar a relevância de como o conhecimento escolar é e deve ser distinto do não-escolar. Para Young (2007), a diferença fundamental entre tais conhecimentos se dá ao motivo de que o conhecimento não-escolar, que depende do contexto, direciona-se à resolução de problemas especificamente diários. O conhecimento escolar, que independe de contexto, relaciona-se com as ciências. É a esse conhecimento independente que se obtém na escola, que Young (2007) denomina de conhecimento poderoso. 38 Baseando-se na concepção de Michel Young, o que difere o conhecimento curricular (ou escolar) e não-escolar. O conhecimento não-escolar tem sua devida relevância, mas deve-se ter a certeza que ele se direciona a resolver questões específicas do dia-a-dia. Assim, denomina-se a atenção para a relevância que o conhecimento escolar tem, já que permite universalizar várias explicações. É essa a função da escola: repassar esse conhecimento poderoso, que é capaz de ampliar o conhecimento pessoal do estudante a partir do que ele ainda não sabe. 5.3.1 Algumas Compreensões Sobre Currículos e Conhecimento Escolar Como observamos previamente, pesquisas sobre currículo vêm tomando importância no cenário contemporâneo do estudo em educação, entusiasmados por mudanças expressivas em propostas curriculares que vem sendo praticadas. Isso se explica também pela multiplicidade de estudos que podem ser feitos na área do currículo, ao ponto que fica difícil, inclusive a sua delimitação. Segundo a base de dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq2, encontram- se disponíveis 117 entradas para o descritor currículo, o que revela uma grande pluralidade de temáticas acerca do tema. Entrando no debate sobre as relações entre currículo e conhecimento, destaca-se que, no olhar acadêmica, o conhecimento é “um conjunto de concepções, ideias, teorias, fatos e conceitos submetidos às regras e aos métodos consensuais de comunidades intelectuais específicas” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 71). A partir de um olhar que aborda o entendimento dessas relações, originada pelos trabalhos de Bobbit, em 1918, até as análises sugeridas por Michel Young, em 1971, currículo e conhecimento devem estar conectados de maneira a educação atender um certo objetivo, que podem discordar em função da corrente teórica seguida. De tal modo, é preciso revisitar a teoria de importantes autores na área do currículo, desde o começo do século XX para entender a relação que há entre currículo e conhecimento a partir de teóricos que marcaram a era. Segundo Lopes e Macedo (2011), o olhar instrumental expresso pela teoria da eficiência (BOBBIT, 1918), que defendia um currículo para à administração escolar, o conhecimento escolhido para este modo de currículo deveria se voltar à formação de 39 capacidades, buscando produzir para atender a economia e a sociedade. A teoria do conhecimento progressivista, criada por John Dewey, veio ao Brasil pelo movimento da Escola Nova. Este movimento influenciou expressivamente e promoveu alterações no ensino na década de 1920. A teoria progressivista tinha como base a experiência das pessoas e buscava construir uma sociedade democrática. Teorizando sobre a criação de conhecimento científico, Bachelard defende que em tal procedimento deve-se avaliar o conhecimento anterior que os sujeitos apresentam, assim como suas experiências, mas ressalta que isso “não se trata, portanto, de adquirir uma cultura experimental, mas sim de mudar uma cultura experimental, de derrubar os obstáculos já sedimentados pela vida cotidiana”. O autor, portanto, aponta este desafio como um empecilho pedagógico. (BACHELARD, 1996, p. 23). Confirmando as ideias de Bachelard, Lopes e Macedo (2011, p. 76) o “conhecimento escolar deve considerar o desenvolvimento e a maturidade dos alunos, suas experiências e atividades”. Já a teoria curricular de Tyler (1949) esquematiza as técnicas eficientistas com o pensamento progressivista. O autor preocupou-se em determinar objetivos de ensino, nomear e criar experiências de aprendizagem, assegurando maior eficiência para o procedimento e ponderar o currículo. Segundo Lopes e Macedo (2011, p. 25-26), têm elementos comuns no que diz respeito as significados de currículo entre as teorias de Bobbit, Dewey e Tyler. Em todas elas, “é enfatizado o caráter prescritivo do currículo, visto como um planejamento das atividades da escola realizado segundo critérios objetivos e científicos”. Vale ressaltar que essas ações ainda refletem nos métodos de elaboração do currículo. A partir das discussões sugeridas por diferentes autores e das teorias exibidas, distintos entendimentos sobre o significado de currículo são comprovados. Lembra-se, neste sentido, que o raiar das discussões no campo de estudos curriculares ocorreu em 1971, devido ao movimento da Nova Sociologia da Educação (NSE), dirigido por Michael Young. Nesse movimento, debatiam-se questões como: “por que esses e não outros conhecimentos estão nos currículos? Quem os define e em favor de quem são definidos? que culturas são legitimadas por aí? ” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 29). Ou seja, de acordo com as autoras, foi nessa época que começou a se entender que “o currículo não 40 forma apenas os alunos, mas o próprio conhecimento, a partir do momento em que seleciona de forma interessada aquilo que é objeto da escolarização”. Continuando a reflexão sobre as interações entre o currículo e o conhecimento, confere-se que tais concepções são dinâmicas, visto que elas se transformam segundo a finalidade que se anseia atingir e com o contexto em que são criadas. Segundo Sacristán (2000), idealizar o currículo como um grupo de atividades que buscam transformar o mundo quer dizer pensar em um currículo articulado a uma prática reflexiva e avaliar ainda que nele há interações culturais e sociais. Destaca-se, assim, que essas práxis não se aludem tão apenas a comportamentos didáticos da sala de aula. Diante das considerações relatadas, compreende-se o currículo em um cenário educativo complicado, no qual é preciso conhecer práticas “políticas e administrativas que se expressam em sua evolução, às condições estruturais, organizativas, materiais, dotação de professorado, à bagagem de ideias e significado que lhe dão forma e que o modelam em sucessivos passos de transformação” (SACRISTÁN, 2000, p. 21). Nessa visão, o real significado do currículo se dá a partir de todos esses contextos. Segundo com Sacristán (2000), o encontro dessas práticas, diferentes entre si, convergem à prática pedagógica da sala de aula que, assim, colabora diretamente à constituição do conhecimento escolar. Junto a esse grupo de ações estão subentendidos pressupostos teóricos, crenças e valores, que condicionam à teorização sobre o currículo. Para Silva (2010, p.14), a “questão central que serve de pano de fundo para qualquer teoria do currículo é a de saber qual conhecimento deve ser ensinado”. Ou seja, o currículo forma-se como o centro da prática pedagógica, questão essa de extraordinária relevância, pois nos possibilita discutir e definir qual conhecimento é válido ensinar e o que deve formar o currículo. Após à etapa de definir quais conhecimentos que precisam fazer parte do currículo escolar, as teorias, então, “buscam justificar por que “esses conhecimentos” e não “aqueles” que devem ser selecionados.” (SILVA, 2010, p. 15). Ainda segundo esse autor, o ato de escolher, privilegiar um tipo de conhecimento e ressaltar uma identidade entre múltiplas possibilidades constituem relações de poder. 41 Assim, a compreensão das teoriasde currículo é importante nesta discussão, visto que permite refletir a respeito das funções que o currículo desempenha sobre os sujeitos que serão criados de acordo suas diretrizes. Quanto a isso, Silva (2010) relata que o currículo age como instrumento modificador sobre o sujeito. Avaliando que o currículo influencia a formação das pessoas, pode-se assegurar que o mesmo é decisivo no desenvolvimento do procedimento de aprendizagem e produção do conhecimento nos aspectos individual, cultural e social. Sob esse olhar, Lopes e Macedo (2011, p. 26) asseguram que “aprende-se na escola não apenas o que é preciso saber para entrar no mundo produtivo, mas códigos a partir dos quais deve agir em sociedade”, isto é, o desenvolvimento social do ser humano é desenvolvido também no ambiente escolar. De tal modo, Silva (2010, p. 15) interroga: “Qual é o tipo de ser humano desejável para um determinado tipo de sociedade”? Ressalta-se que o ser humano se compõe e se transforma de formas distintas. Então, “a cada um desses modelos de ser humano corresponderá um tipo de conhecimento, um tipo de currículo. Além de uma questão de conhecimento, o currículo é também uma questão de identidade” (SILVA, 2010, p.15-16). Aderindo a ideia de Silva (2010), Lopes e Macedo (2011, p. 41) assinalam que o currículo, gerado como uma relação de poder, “constrói a realidade, nos governa, constrange nosso comportamento, projeta nossa identidade, tudo isso produzindo sentidos”. Visto isso, a influência do currículo na formação das pessoas fica evidente, já que o currículo é capaz de mudar comportamentos, guiar caminhos e, também, repercutir na identidade e nas práticas sociais das pessoas. Segundo Young (2007, p. 1296), “as escolas nem sempre têm sucesso ao capacitar alunos a adquirir conhecimento poderoso”. Ele aponta a importância da escola no que tange à convivência e à promoção da igualdade social com a comunidade escolar. Entretanto, assegura que as escolas necessitam considerar o conhecimento como componente central do currículo. O autor põe um questionamento às escolas: o currículo formado “é um meio para que os alunos possam adquirir conhecimento poderoso?” (YOUNG, 2007, p. 1297). 42 Nesse olhar, Young (2007, p. 1297) avalia que para certos estudantes social e economicamente menos beneficiados, participar ativamente na escola “pode ser a única oportunidade de adquirirem conhecimento poderoso e serem capazes de caminhar, ao menos intelectualmente, para além de suas circunstâncias locais e particulares”. Isto é, a escola pode ser a única chance de acesso ao conhecimento, externa ao seu contexto pessoal. Sob esta visão, compreende-se que a função mais expressiva da escola é transmitir o conhecimento escolar, mas se o currículo for edificado em torno da experiência dos estudantes, o mesmo não terá utilidade. A representação dessa prática seria mantê-los no caminho original Isso não quer dizer edificar um currículo distante da realidade real dos estudantes, mas esse conhecimento diário trazido pelos estudantes à escola “nunca poderá ser uma base para o currículo” (YOUNG, 2007, p. 1299). Para Young (2010, p. 174), a obtenção do conhecimento é “o propósito-chave que distingue a educação (seja ela básica, pós-obrigatória, vocacional ou superior) de todas as outras atividades”. Dessa forma, destaca que este é a razão pela qual as discussões sobre conhecimento são complexas, não no que se tange aos conhecimentos específicos, mas aos conceitos de conhecimento tácitos ao currículo. Young (2010) descreve que, até então, foram poucas críticas no campo que circunscreve as pesquisas curriculares. Porém, demonstra preocupação com as políticas curriculares governamentais, visto que estas apresentam finalidades externas à educação, admitindo que o emprego vindouro é o que estimula os jovens a continuarem a aprender. Isso se comprova, pois há uma agenda globalmente estruturada que determina a globalização como um “conjunto de dispositivos político-econômicos para a organização da economia global, conduzido pela necessidade de manter o sistema capitalista, mais do que qualquer outro conjunto de valores” (DALE, 2004, p. 436). Dessa forma, é possível assegurar que a maneira como o conhecimento escolar é produzido na escola é entusiasmado pelas relações sociais, econômicas e culturais. Sendo o conhecimento escolar a invenção específica do contexto da escola, ele é modificável e, deste modo, fabricado socialmente (SANTOS, 1995). Sendo assim, é possível concluir que a escola não constrói o conhecimento novo, mas ela reconstrói o conhecimento com as pessoas no contexto. 43 Visto isso, entende-se currículo como um grupo de experiências vivenciadas pelo sujeito, as quais são capazes de alterar comportamentos que refletem na identidade desse sujeito. Assim, a função que o currículo desempenha sobre os indivíduos no processo de aprender e conhecer, assim como constituir o conhecimento escolar, é explícita, já que o currículo causa influências diretas e expressivas na prática pedagógica. Ele age como instrumento modificador, formando, então, não apenas os estudantes, mas o próprio conhecimento. Pode-se então entender que há uma relação estreita e direta entre o currículo e a constituição do conhecimento escolar pelos estudantes. A forma como a estrutura curricular é formada e desenvolvida pela escola influencia, especialmente, na forma pela qual o estudante compõe o conhecimento escolar e como se relaciona em sociedade. 6 REFLEXÕES SOBRE CURRÍCULO E AVALIAÇÕES A avaliação é um procedimento histórico que se propaga segundo as mudanças sociais, visando os múltiplos contextos que perpassam a vida dos sujeitos humanos. Ou seja, a avaliação está presente no cotidiano dos indivíduos, ocorrendo de maneira espontânea ou através do ensino formal. Na educação, a avaliação deve partir de um currículo planejado, envolvendo todo o coletivo da instituição. Já o currículo tem a finalidade de apontar caminhos de como trabalhar as diversidades encontradas dentro da escola, atribuindo juízo de valor que deve ser realizado de forma ética e democrática a respeito do objetivo que se pretende alcançar, principalmente no ensino e na aprendizagem escolar. Nesse sentido, as práticas pedagógicas do educador podem se tornar um ato classificatório, sendo que o juízo de valor se expressa nas suas ações diárias desenvolvidas em sala de aula. Haja vista que a atividade docente requer um processo contínuo de reflexões em torno das práxis, especialmente no tocante ao ato de avaliar. Segundo indagam Fernandes e Freitas (2008, p. 19): “Até que ponto, nós, professores, refletimos sobre nossas ações cotidianas na escola, nossas práticas em sala de aula, sobre a linguagem que utilizamos, sobre aquilo que pré-julgamos ou outras situações do cotidiano? ”. 44 Dessa maneira, faz-se fundamental que o educador reflita as suas práticas desenvolvidas no cotidiano da sala de aula, respeitando as experiências que os indivíduos trazem do seu convívio em sociedade. Sabendo que a avaliação consiste um dos aspectos do processo pedagógico, cuja prática deve colaborar no desenvolvimento da criticidade do indivíduo, interagindo os conhecimentos escolares com os contextos em que alunos estão inseridos. Nesse sentido, o corpo docente não deve utilizar o ato de avaliar apenas para medir e controlar o proveito do discente dentro da instituição escolar. 6.1 Definições de Avaliações As avaliações são usadas desde os tempos mais primórdios, mas de maneira mais edificada apenas depois do século XVIII, quando as primeiras escolas foram inventadas e o acesso aos livros foi possibilitado aos indivíduos. Nessa ocasião, a avaliação era feita como exames e com a finalidade de controle social. O termo avaliação da aprendizagem apareceu em 1930 e é conferido a Ralph Tyler (apud SAKAMOTO,2016), grande curriculista norte-americano, que sugeria uma educação por escopos, de forma que o ensino fosse racional e eficiente. Essas práticas tinham como finalidade que a avaliação subsidiasse uma forma eficaz de ensinar. É muito necessário cotejar cada instrumento de avaliação que foi proposto com os objetivos que se têm em mira e ver se aquele utiliza situações capazes de evocar a espécie de comportamento que se deseja como objetivo educacional. (TYLER, 1981, p.166 apud SAKAMOTO, 2016, p.2) Avaliação é a metodologia de conferir metas constituídas com os resultados que foram adquiridos. Pesquisadores atuais vêm defendendo a mudança da clássica avaliação unilateral, opressora, quantitativa e por vezes até mesmo punitiva, por uma avaliação que promova e integre o aluno. Das vertentes defendidas, falaremos de alguns pontos a seguir. 45 6.1.1 Avaliação Diagnóstica Luckesi (apud SAKAMOTO, 2016), indica a avaliação como “um ato de amor”. De acordo com ele, há um grande erro ao se chamar de “avaliação” enquanto se pratica a “pedagogia do exame”, sendo preciso avaliar para intervir: Defino a avaliação da aprendizagem como um ato amoroso no sentido de que a avaliação, por si, é um ato acolhedor, integrativo, inclusivo. Para compreender isso, importa distinguir avaliação de julgamento. O julgamento é um ato que distingue o certo do errado, incluindo o primeiro e excluindo o segundo. A avaliação tem por base acolher uma situação, para, então (e só então), ajuizar a sua qualidade, tendo em vista dar-lhe suporte de mudança, se necessário. A avaliação, como diagnóstico, tem por objetivo a inclusão e não a exclusão; a inclusão e não a seleção - que obrigatoriamente conduz à exclusão (LUCKESI, 2000, p.172 apud SAKAMOTO, 2016, p.7). O autor compreende a avaliação bem mais como um ato de amor, abdicando a prática do exame que, em sua opinião, escolhe, ranqueia e exclui os alunos, sendo por vezes o grande responsável pelo fracasso escolar, copiando o modelo de sociedade burguesa, excluindo e marginalizando grande parte de seus membros. Sugere uma avaliação que abrigue o educando e que não qualifique nem quantifique seus conhecimentos, mas que reflita no progresso da qualidade do ensino, buscando à mudança da sociedade. Assim, a avaliação diagnóstica possibilita detectar dificuldades, realizar transformações e redirecionar o que precise de auxílio. Tal procedimento tem como objetivo uma escola inclusiva e democrática. 6.1.2 Avaliação Formativa Philippe Perrenoud é um dos maiores representantes da avaliação formativa. O autor (apud SAKAMOTO, 2016) pondera a avaliação como modo de exclusão social, uma vez que, aparenta muito mais a posição de um aluno em comparação às normas do que sobre os conhecimentos por ele obtidos. De acordo com Perrenoud, a avaliação sempre foi usada com a finalidade de controle social, “moldando” o aluno da forma mais conveniente aos que detém o poder, avigorando a divisão de classes e inculcando valores e normas burguesas. Para ele, a atribuição de notas tem como finalidade aprovar ou não o aluno, conservando a ordem e a continuidade no procedimento. Os resultados das avaliações selam o destino do 46 educando, onde os desaprovados adentram o mercado de trabalho em subempregos, e assim, os aprovados possuem acesso às melhores colocações e são promovidos a patamares mais altos de conhecimento. A avaliação é tradicionalmente associada, na escola, à criação de hierarquias de excelência. Os alunos são comparados e depois classificados em virtude de uma norma de excelência, definida em absoluto ou encarnada pelo professor e pelos melhores alunos. (PERRENOUD, 1999, p.11 apud CHUEIRI, 2008, p.57) Sob o olhar avaliativo formativo, o foco não está somente no aluno, mas também no professor, já que, este é tido como molde e sua função social ultrapassa as barreiras da instituição escolar. Tal prática possibilita ao professor detectar e ajudar os alunos em suas dificuldades, onde os erros fornecem informações para que seja possível rever o procedimento e as metodologias, ajustando-as. “Define avaliação formativa como avaliação que ajuda a criança a aprender e o professor a ensinar.” (PERRENOUD, 1999, p.143 apud FERNANDES, 2006, p.11) Seguindo esse molde, a avaliação não acontece ao final do procedimento de ensino e aprendizagem e sim, também, bem como a autoavaliação por parte do professor e do aluno. Nessa abordagem é necessário que o planejamento seja maleável, em um procedimento de avaliação contínua e formativa, já que o conhecimento não é estático e nem acabado. Perrenoud defende uma avaliação formativa com a finalidade de “Promoção Humana”, onde o indivíduo é visto com um ser singular e é privilegiado seu desenvolvimento como ser social. 6.1.3 Avaliação Mediadora Como sua fundamental representante, essa abordagem tem Jussara Hoffmann (1993), que defende ser preciso uma mediação entre o professor e o aluno e que sejam respeitadas as distinções entre eles, sejam elas quais forem. Então, Hoffmann aponta a necessidade de que o professor reconheça sua função como mediador interferido quando cogente, proporcionando situações onde é possível o aluno edificar um conhecimento significativo, respeitando seu tempo/ritmo e motivando-o firmemente, sendo então parceiros na constituição do conhecimento. 47 Para a realização de tal proposta, é necessário que o ambiente seja propício e agradável, que tenha um clima de confiança entre professor e aluno, que situações desafiadoras sejam propostas para que o aluno passe por situações corriqueiras em sua vida na escola, com a finalidade de reflexão contínua por parte de ambos. Portanto, é necessária uma mudança de postura do professor, onde é privilegiada a prática da reflexão e conhecimento em função da memorização. Para isso, é necessária constante atividade por parte do aluno, para que este entenda que a avaliação não é meramente uma constatação de erros e acertos, aprovação ou reprovação, mas possui uma finalidade específica. A aprendizagem se concretiza quando os educandos conseguem atuar sobre o objeto, ou seja, quando conseguem interagir com o meio social, quando compreendem o significado dos conhecimentos para o mundo, tornando-se sujeitos participativos, questionadores e transformadores. (HOFFMANN, 2003, apud VACCARI, 2010, p.55) Para grande parte dos educadores e a sociedade como um todo, as práticas avaliativas tradicionais (classificatórias) garantem um ensino de qualidade. Diante disso, qualquer modificação nesse sentido depara-se com uma grande resistência. Um exemplo disso é o programa de Progressão Continuada da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (1992), onde as séries são divididas em ciclos e o aluno apenas poderá ser reprovado ao final de cada ciclo. Conforme já explicitado, projetos como esse confrontam inúmeras críticas e resistências por parte de toda a sociedade, já que tais metodologias, tão amplamente usadas, estão há décadas enraizadas e alterações são confundidas erroneamente com “abandono”. Projetos como este garantem ao aluno o direito de adquirir conhecimento ao seu tempo, sem que notas ou avaliações classificatórias atrapalhem sua promoção a níveis mais altos de conhecimento. Hoffmann atenta para a reflexão de que a avaliação na escola com horário pré- estabelecido, normas e obrigações, há uma conotação completamente distinta em nossa vida diária, na qual avaliamos e refletimos sobre nossas práticas firmemente, procedendo com alterações sempre que preciso. “A avaliação mediadora se desenvolve em benefício 48 do educando e se dá fundamentalmente pela proximidade entre quem educa e quem é educado”. (HOFFMANN, 1993, p.191) O professor Lino de Macedo, um dos grandes estudiosos da Teoria de Piaget no Brasil, tem como proposta uma avaliação construtivista, onde o alunoseria um “sujeito ativo” de seu procedimento de ensino e aprendizagem. Sob esse olhar, o trabalho pedagógico é desenvolvido tendo como parâmetro o desenvolvimento (amadurecimento) particular do educando. Macedo (2005) imagina a prática avaliativa como algo indireto e em longo prazo, que não solicita nota imediata. Assim, para Macedo, a função da avaliação não é apenas observar de forma crítica uma situação anterior, mas esta deve interferir na situação em curso ou que está sendo planejada. É muito difícil avaliar. Atribuir valores é uma tarefa complexa, pois assimilar seus observáveis, isto é, os aspectos que nos permitem inferir sua presença ou ausência, supõem uma formação teórica e prática que não pode ser denominada de modo imediato. (MACEDO, 2005, p.104) Macedo sugere que sejam usados como modo de avaliação indicadores, que de forma democrática, poderão propor subsídios para uma avaliação muito mais completa, onde o rendimento do aluno não é o foco capital e a grande relevância está em como foram ministradas as aulas e a elaboração das provas, ponderando de maneira indireta e proporcionando assim um resultado realmente qualitativo. “O aluno ou o professor não é ou não se reduz à nota ou conceito que lhe atribuímos.” (MACEDO, 2005, p.105) Dessa forma, uma avaliação contínua provê subsídios, admite correções, antecipa e aprova como está acontecendo o procedimento de aprendizagem proposta, propondo uma alteração na forma como se aprende e sempre tendo como foco principal o bom proveito da educação da criança. Entendemos que as práticas avaliativas Diagnóstica, Formativa e Mediadora, estão presentes tanto na perspectiva das Pedagogias Liberais como nas Emancipatórias ou Revolucionárias, porém, o que as difere é o foco central. Nas Pedagogias Liberais, dentre elas a Pedagogia Nova, o foco se dá nos aspectos psicológicos e cognitivos, como se dá o procedimento de aquisição do saber, considerando o indivíduo um ser singular, favorecendo assim sua autonomia. 49 Na contramão, a Pedagogia Emancipatória também ambiciona a autonomia do aluno e seu empoderamento, contudo, tem seu foco principal na observação se o educando compreende os determinantes históricos com objetivo de mudar a realidade. 6.2 Relação entre Currículo e Avaliação A pesquisa bibliográfica realizada admitiu compreender a íntima relação entre as concepções curriculares que estão demonstradas nas diferentes práticas avaliativas. João Cardoso Palma Filho no documento “Focalizando a Construção Curricular e seus Fundamentos”, do ano de 1990, nos proporciona uma síntese das teorias curriculares, conforme o quadro abaixo: Dimensão da Atividade Humana Interesse Empírico-Analítico Técnico-Linear Trabalho Técnico Empírico-Analítico Técnico Linear Linguagem Consenso Histórico- Hermenêutico Circular- Consensual Poder Emancipatório Praxiológico Dinâmico- Dialógico A partir do explicitado na obra de João Cardoso Palma Filho, foi elaborado um quadro comparativo dos paradigmas curriculares e sua relação com a avaliação. Paradigma curricular Dimensão da atividade humana área de interesse Enfoque de pesquisa Avaliação 50 Pedagogia Tradicional Preparar para o trabalho; puramente técnica; aprender porque é bom aprender. Analisado por experiências anteriores, reprodução. Mensura, quantifica e seleciona, diante dos resultados obtidos, se o aluno absorveu o conteúdo; Reprodutivista. Pedagogia Nova Dimensão humana da linguagem; como o ser humano interpreta o mundo; não conformidade de pensamentos. Psicológico Preocupação com aspectos do desenvolvimento cognitivo do aluno, como se dá o processo de aquisição do saber. Pedagogia Emancipatória ou Revolucionária Empoderamento do indivíduo; emancipatório Prática, interação do indivíduo com os sistemas históricos, culturais e sociais. Ocorre de forma contínua, pela observação do professor se o aluno se apropriou da teoria de forma adequada, fazendo referências à realidade. Visa à promoção do indivíduo, a consciência crítica e a transformação da realidade. 7 IMPLICAÇÕES DAS TEORIAS CURRICULARES NA ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA O funcionamento da escola depende, além de uma organização gestora qualificada e estruturada de acordo com a realidade social a qual se destina, de um currículo que tenha como base as necessidades educacionais da sociedade que forme esse grupo de destinação, ou seja, a comunidade escolar. Sabe-se que o currículo deve ser composto por atividades destinadas com precisão ao grupo que irá utilizá-lo, e só existe uma maneira disso acontecer, com a participação de todos os interessados no objeto em questão (MACEDO, 2005, p.105). A escola precisa ser o lugar de encontro da sociedade (sociedade e escola caminhando sempre juntas) que de fato acontece, pois é na escola que podemos observar a união de várias culturas, costumes, crenças que se transformam em uma única instancia capaz de levar todos a conhecerem e respeitarem o outro sem nenhum tipo de preconceito. Isso nos leva a compreender qual deve ser o verdadeiro sentido do 51 currículo, o de que ele não se limita aos conhecimentos relacionados às vivencias dos alunos, as realidades regionais ou com base no, assim chamado conhecimento do cotidiano. Um currículo para a formação humana introduz sempre novos conhecimentos. É importante alertar para a diferença entre um currículo que parte do cotidiano e aí se esgota, e um currículo que engloba em si mesmo a aplicabilidade do conhecimento a realidade cotidiana vivida por cada grupo social. Através disso, podemos analisar currículo como construção obtida tendo em vista as diferentes discursividades. Irá discutir diferentes práticas, experiências do grupo, fazer seleção cultural, com isso estará de acordo com tudo aquilo que foi discutido pelo grupo, isso voltado a escola. E aos alunos que serão direcionados ao grupo. Os princípios e valores do currículo devem estar de acordo com os interesses daqueles que de alguma forma estão tomando decisões em relação ao mesmo. Uma preocupação que nunca deve faltar à escola, enquanto estruturadora do currículo é a quem se destina esse currículo, só com essa visão é que a escola estará se questionando sobre os efeitos que o mesmo estará causando. A escola precisa articular seus objetivos com os interesses da sociedade. É importante nunca esquecer que o currículo é quem irá orientar o trabalho do professor, trabalho que afeta diretamente no processo de desenvolvimento do aluno, algumas vezes de forma positiva outras de forma negativa. Emancipar a sociedade aparece como um dos vários objetivos do currículo é uma forma de contribuir para isso, tendo em vista que a escola é local de formação social, como já foi dito antes, e não se prende apenas a uma realidade, ele deve ser amplo expandido assim a área de conhecimento do aluno. Isso vai levar o aluno a um conhecimento de mundo, pois por mais que a sua realidade seja ponto de partida para que o currículo se expanda, ele deve levar o mesmo a um conhecimento mais globalizado. CURRICULO será, portanto, um instrumento prescritivo, porem renovado através das necessidades. 52 7.1 A organização da Escola e sua Gestão Pode-se entender que a organização escolar é uma unidade social que reúne pessoas que interagem entre si, com vistas a alcançar objetivos educacionais. É uma instituição com estruturas e processos organizativos próprios. Assim, a organização escolar refere-se aos princípios e procedimentos relacionados à ação de planejar o trabalho da escola, racionalizar o uso de recursos (materiais, financeiros, intelectuais) e coordenar e avaliar o trabalho das pessoas, tendo em vista a consecução de objetivos. (LIBÂNEO, OLIVEIRA & TOSCHI, 2009). E a partir deste entendimento de organização escolar, há que se buscarum novo conceito de gestão, diferente da prática administrativa das empresas, cujo objetivo em nada se assemelha ao da escola. Desta forma, há uma séria preocupação com as mudanças no entendimento e na prática do trabalho do diretor da escola, que passa a ser visto como gestor, recebendo, mesmo que informalmente, essa designação, no tratamento atribuído às suas tarefas e demais atividades. Isso significa que o trabalho do diretor deixa de ser meramente de administração (muitas vezes mais dos problemas internos e pontuais do que de outras questões) e passa a ser de gestão. Gestão entendida como uma nova forma de conduzir as organizações, considerando o todo em relação com as suas partes e destas entre si. (LÜCK, 2006). Neste sentido, percebe-se a necessidade de que o diretor tenha o conhecimento de todas as dimensões que compõem o trabalho e a organização escolar, a fim de que seja capaz de articulá-las, com vistas a alcançar os objetivos e metas propostos em seu planejamento. Diante disto, para que haja um novo olhar sobre a tarefa de dirigir uma escola, é importante compreender que uma mudança de paradigma é muito mais do que uma simples mudança de conceitos, como refere Lück (2006), uma mudança de denominação só é significativa quando representa uma mudança de concepção de realidade e de significado de ações, mediante uma postura e atuação diferentes. Desta forma, de nada adianta mudar de “administração” escolar para “gestão” escolar se, na prática cotidiana, o diretor não conseguir promover a integração das partes na composição de um todo 53 harmônico, onde os bons resultados da aprendizagem, foco principal da ação da escola, sejam alcançados a partir do compromisso de todos. Isto deixa claro que mudança de paradigma só se completa com mudanças profundas e essenciais em seu modo de ser e fazer, mediante uma mudança de visão do conjunto todo (LÜCK, 2006). Nesta perspectiva, também não se pode continuar concebendo a escola como uma instituição meramente transmissora de conteúdos e informações, muitas vezes desconexos e sem sentido para os contextos sociais. A escola precisa ser, [...] entendida como agência educativa, em seu sentido mais radical, tomada a educação como apropriação da cultura, e entendida esta como o conjunto de conhecimentos, valores, crenças, arte, filosofia, ciência, tudo, enfim, que é produzido pelo homem em sua transcendência da natureza e que constitui como ser histórico. (PARO, 2007, p.33) Na mesma perspectiva, Dourado (2007) vai dizer que a escola é os lócus privilegiados de produção e apropriação do saber, cujas políticas, gestão e processos, se organizam em prol dos objetivos da formação. Assim, a instituição educativa deve, portanto, ser um espaço democrático de convivência dos diferentes saberes, como meio para alcançar a finalidade de desenvolver o educando de maneira plena, preparando-o para o exercício da cidadania e oportunizando lhe conhecimentos que possibilitem o seu progresso em estudos posteriores e, também no trabalho. (cf. artigo segundo da LDBEN). Faz-se necessário que em uma sociedade democrática, com bastante naturalidade, as instituições que a compõem se desenvolvam de forma também democrática e participativa. Sem querer aprofundar as questões referentes à gestão democrática da educação, é imperioso lembrar que, como princípio da educação nacional estabelecido na atual legislação, a participação dos segmentos da comunidade escolar nas atividades precípuas da escola deve ser conduzida pelo diretor, enquanto gestor da educação na escola, que está investido do poder necessário para administrar ou dirigir a instituição educativa, independente da forma de assunção ao cargo/função, ou da sua formação acadêmica. Dourado referenda esta questão ao afirmar que, neste processo, faz-se necessária. [...] uma concepção ampla de gestão que considere a centralidade das políticas educacionais e dos projetos pedagógicos das escolas, bem como a implementação de processos de participação e decisão nessas instâncias, 54 balizados pelo resgate do direito social à educação e à escola, [...] (DOURADO, 2007) Neste sentido, o gestor da educação na escola, isto é, o diretor, precisa ter como norte de sua ação as políticas públicas estabelecidas na amplitude do Estado, traduzidas para a prática cotidiana da instituição educacional, a partir da construção coletiva dos projetos político-pedagógicos e dos demais documentos que dela derivam. E aqui a formação continuada do diretor se faz imprescindível. 8 CURRÍCULO NA LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL NACIONAL A Legislação Educacional Nacional é o conjunto de normas educacionais, legais e infralegais, leis e regulamentos, com instrução jurídica, relativas ao setor educacional. A legislação Educacional possui duas naturezas: uma reguladora e uma regulamentadora. Ela é reguladora quando se manifesta através de leis, sejam federais, estaduais ou municipais. As normas constitucionais que tratam da educação são as fontes primárias da regulação e organização da educação nacional, pois, por elas, definem-se as competências constitucionais e atribuições administrativas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Abaixo das normas constitucionais, temos as leis federais, ordinárias ou complementares, que regulam o sistema nacional de educação (LÜCK, 2006). A legislação regulamentadora, ao contrário da legislação reguladora não é descritiva, mas prescritiva, volta-se à própria práxis da educação. Os decretos presidenciais, as portarias ministeriais e interministeriais, as resoluções e pareceres dos órgãos do Ministério da Educação, como o Conselho Nacional da Educação ou o Fundo de Desenvolvimento da Educação como serão executadas as regras jurídicas ou das disposições legais contidas no processo de regulação da educação nacional. A regulamentação não cria direito porque limita-se a instituir normas sobre a execução da lei, tomando as providências indispensáveis para o funcionamento dos serviços educacionais. 55 A Legislação Educacional do Brasil enquanto nação independente tem seu início na Constituição Imperial de 1824 (a qual continha um artigo sobre educação escolar primária gratuita) e prossegue até a Constituição Federal de 1988, considerando-se aí também as Constituições Estaduais, as Leis Orgânicas dos Municípios e toda a legislação ordinária, com ênfase especial na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nos diferentes momentos históricos em que elas ocorreram. 8.1 Currículo e a Legislação na Educação Infantil As mudanças ocorridas na Educação Brasileira, sobretudo nas escolas nessas últimas décadas, sofreram as influências das diferentes concepções das teorias do currículo, pois tais concepções teóricas influenciaram e ainda influenciam as construções das propostas curriculares, inclusive no Brasil. Essas teorias trouxeram mudanças na forma de conceber o currículo e dentre elas é possível citar as teorias tradicionais, as críticas e as pós‐críticas. Segundo Silva (2013), a teoria tradicional concebia o currículo como uma questão técnica e burocrática. A preocupação centrava‐se em como ensinar e como atingir as melhores e mais eficientes técnicas, e apontava para a questão da produtividade, organização e desenvolvimento. Já as teorias críticas e pós‐críticas “[...] não se limitam a perguntar “o que”, mas submetem este “que” a um constante questionamento. Sua questão central seria, pois, não tanto “o que”, mas “por que?” (SILVA, 2013, p.16). Perguntariam por que esse conhecimento e não outro? Por que privilegiar um determinado tipo de identidade ou subjetividade e não outro? Dessa forma, as teorias críticas e pós‐críticas estariam preocupadas com as conexões entre saber, identidade e poder. Contudo, tais discussões e debates em torno de um dito “currículo ideal” que atenda aos anseiosda sociedade causam impactos para que mudanças sejam realizadas, sobretudo, no que diz respeito à legislação brasileira. A trajetória da construção de uma proposta curricular para a Educação Infantil emergiu a partir da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) 9394/96, que compreende a Educação Infantil em seu artigo 29, “[...] como a primeira etapa da educação básica e tem como 56 finalidade o desenvolvimento integral da criança considerando o aspecto psicológico, intelectual e social”. Já no que refere à organização da educação nacional, o artigo 09 da LDB 9394/96, no inciso V diz que devem ser estabelecidas, em colaboração como os estados, o Distrito Federal e os municípios, competências e diretrizes para a Educação Infantil, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar a formação básica comum. Nesse percurso de mudanças na legislação nacional, surgiu o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, elaborado em 1998. O referido documento é considerado um parâmetro para nortear as propostas pedagógicas das instituições de Educação Infantil, levando em consideração que as crianças são consideradas como um ser social, histórico e cultural. Contudo, o marco importante na conquista da constituição desse espaço da Educação Infantil são as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), criadas pela resolução de n. 05/2009. Sendo que essas diretrizes devem nortear as propostas de Educação Infantil orientando‐as sobre as questões da diversidade cultural, religiosa, étnica e racial, bem como a concepção de Educação Infantil, de criança, de currículo, e de proposta pedagógica. Ainda de acordo com o DCNEI (2009), os currículos devem atender também as crianças indígenas, afrodescendentes, quilombolas e da educação do campo, respeitando, assim, suas particularidades e suas singularidades. Devem, também, estar presentes os princípios éticos, políticos e estéticos, que vão constituindo as identidades das crianças pequenas. No contexto das DCNEI, o currículo é visto como: um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade. Em se tratando das DCNEI/2009, segundo Oliveira (2010), pode‐se pontuar como um dos avanços a ampliação da Educação Infantil para além do território urbano e a preocupação em garantir às populações do campo e indígena, e aos afrodescendentes 57 uma educação que contemple os saberes de cada comunidade, levando em conta a identidade cultural e regional, bem como a questão da linguística e da religiosidade. 9 CURRÍCULO E OS DOCUMENTOS OFICIAIS Parâmetros Curriculares Nacionais, as Orientações, as Diretrizes Curriculares, são exemplos de Documentos Oficiais. São muitas as dúvidas sobre os Documentos Oficiais que orientam as Políticas Curriculares das redes de ensino pelo País. Como por exemplo: Qual a função de cada documento nas Políticas Curriculares Brasileiras? Qual delas veio antes? São todas obrigatórias? Existe um Currículo Nacional? Segue abaixo as principais características e conceitos existentes por trás de cada um desses Documentos Oficiais. 9.1 Diretrizes Curriculares Nacionais As Diretrizes Curriculares Nacionais, são normas obrigatórias para a Educação Básica que possuem como objetivo maior a orientação para elaboração dos planejamentos curriculares tanto nas unidades escolares quanto nos sistemas de ensino. São elaboradas com a colaboração de todos os entes federados e existe um convite aberto para auxílio nessa construção, porém são fixadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Sua origem é a norma descritiva, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que traz em seu texto a incumbência de criação de diretrizes que nortearão os currículos da Educação Básica. Existe, atualmente, uma resolução que traz as Diretrizes Gerais para a Educação Básica, a Resolução n. 4/2010 do Conselho Nacional de Educação. Cada etapa da Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), porém, também apresenta suas Diretrizes Curriculares próprias. Em suma, um dos objetivos é garantir um ensino de qualidade, centrado nas aprendizagens e no desenvolvimento do educando, além de estratégias de participação coletiva da comunidade escolar no planejamento da escola e sua efetiva gestão democrática. 58 Segundo o próprio parecer de 2010, que originou as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica, trata-se de uma delimitação de um conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos na Educação Básica (…) que orientarão as escolas brasileiras dos sistemas de ensino na organização, na articulação, no desenvolvimento e na avaliação de suas propostas pedagógicas. Verifica-se que sua existência está condicionada a um movimento de atualização das Políticas Educacionais que consubstanciem o direito de todo brasileiro à formação humana e cidadã e à formação profissional, na vivência e convivência em ambiente educativo, conforme preconizado pela Constituição Federal e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Os objetivos descritos nas Diretrizes Curriculares Nacionais são: Sistematizar os Princípios e Diretrizes Gerais da Educação Básica contidos na Constituição, na LDB e demais dispositivos legais, traduzindo-os em orientações que contribuam para assegurar a formação básica comum nacional, tendo como foco os sujeitos que dão vida ao currículo e à escola; Estimular a reflexão crítica e propositiva que deve subsidiar a formulação, execução e avaliação do Projeto Político Pedagógico da escola de Educação Básica; Orientar os cursos de formação inicial e continuada de profissionais – docentes, técnicos, funcionários – da Educação Básica, os sistemas educativos dos diferentes entes federados e as escolas que os integram, indistintamente da rede a que pertençam. Em regra, suas normas não são distintas daquelas propostas na LDB e estabelecerão bases comuns nacionais para a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, bem como para as modalidades com que podem se apresentar, a partir das quais os sistemas federal, estaduais, distrital e municipais, por suas competências próprias e complementares, formularão as suas orientações, assegurando a integração curricular das três etapas sequentes desse nível da escolarização, essencialmente para compor um todo orgânico (LÜCK, 2006). 59 As diretrizes curriculares preservam a questão da autonomia da escola e da proposta pedagógica, incentivando as instituições a montar seu currículo, recortando, dentro das áreas de conhecimento, os conteúdos que lhes convêm para a formação daquelas competências explícitas nas DCNs. Sendo assim, as escolas trabalharão com os conteúdos básicos nos contextos e considerarão o perfil dos estudantes que atendem, a comunidade em que estes estão inseridos e outros aspectos locais relevantes. 9.1.1 As novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil O Parecer CNE/CEB nº 20/09 e a Resolução CNE/CEB nº 05/09, que definem as DCNEIs, fazem, em primeiro lugar, uma clara explicitação da identidade da Educação Infantil, condição indispensável para o estabelecimento de normativas em relação ao currículo e a outros aspectos envolvidos em uma proposta pedagógica. Eles apresentam a estrutura legal e institucional da Educação Infantil – número mínimo de horas de funcionamento, sempre diurno, formação em magistério de todos os profissionais que cuidam e educam as crianças, oferta de vagas próximo à residência das crianças, acompanhamento do trabalho pelo órgão de supervisão do sistema,idade de corte para efetivação da matrícula, número mínimo de horas diárias do atendimento – e colocam alguns pontos para sua articulação com o Ensino Fundamental. A versão institucional proposta nas Diretrizes se contrapõe a programas alternativos de atendimento englobados na ideia de educação não-formal. Lembra o Parecer CNE/CEB nº 20/09 que nem toda Política para a Infância, que requer esforços multissetoriais integrados, é uma Política de Educação Infantil. Com isso, outras medidas de proteção à infância devem ser buscadas fora do sistema de ensino, embora articuladas com ele, sempre que necessário (SILVA, 2010). Em segundo lugar, as Diretrizes expõem o que deve ser considerado como função sociopolítica e pedagógica das instituições de Educação Infantil. Tais pontos refletem grande parte das discussões na área e apontam o Norte que se deseja para o trabalho com as crianças. A questão pedagógica é tratada pensando que, se a Educação Infantil é parte integrante da Educação Básica, como diz a Lei nº 9.394/96 em seu artigo 22, cujas 60 finalidades são desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores, essas finalidades devem ser adequadamente interpretadas em relação às crianças pequenas. Nessa interpretação, as formas como as crianças, nesse momento de suas vidas, vivenciam o mundo, constroem conhecimentos, expressam-se, interagem e manifestam desejos e curiosidades de modo bastante peculiares, devem servir de referência e de fonte de decisões em relação aos fins educacionais, aos métodos de trabalho, à gestão das unidades e à relação com as famílias. Por outro lado, as instituições de Educação Infantil, assim como todas as demais instituições nacionais, devem assumir responsabilidades na construção de uma sociedade livre, justa, solidária e que preserve o meio ambiente, como parte do projeto de sociedade democrática desenhado na Constituição Federal de 1988 (artigo 3, inciso I). Elas devem ainda trabalhar pela redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos (artigo 3 incisos II e IV da Constituição Federal). Contudo, esses compromissos a serem perseguidos pelos sistemas de ensino e pelos professores também na Educação Infantil enfrentam uma série de desafios, como a desigualdade de acesso às creches e pré-escolas entre as crianças brancas e negras, ricas e pobres, moradoras do meio urbano e rural, das regiões sul/sudeste e norte/nordeste. Também as condições desiguais da qualidade da educação oferecida às crianças em creches e pré- escolas impedem que os direitos constitucionais das crianças sejam garantidos a todas elas. Todos os esforços então se voltam para uma ação coletiva de superação dessas desigualdades (SILVA, 2010). Em terceiro lugar, as Diretrizes partem de uma definição de currículo e apresentam princípios básicos orientadores de um trabalho pedagógico comprometido com a qualidade e a efetivação de oportunidades de desenvolvimento para todas as crianças. Elas explicitam os objetivos e condições para a organização curricular, consideram a educação infantil em instituições criadas em territórios não-urbanos, a importância da parceria com as famílias, as experiências que devem ser concretizadas em práticas cotidianas nas instituições e fazem recomendações quanto aos processos de avaliação e de transição da criança ao longo de sua trajetória na Educação Básica. Vejamos cada um desses pontos. 61 9.1.2 Currículo e Proposta pedagógica para a Educação Infantil O debate sobre o currículo na Educação Infantil tem gerado muitas controvérsias entre os professores de creches e pré-escolas e outros educadores e profissionais afins. Além de tal debate incluir diferentes visões de criança, de família, e de funções da creche e da pré-escola, para muitos educadores e especialistas que trabalham na área, a Educação Infantil não deveria envolver-se com a questão de currículo, termo em geral associado à escolarização tal como vivida no ensino fundamental e médio e associado à ideia de disciplinas, de matérias escolares. Receosos de importar para a Educação Infantil uma estrutura e uma organização que têm sido hoje muito criticadas, preferem usar a expressão ‘projeto pedagógico’ para se referir à orientação dada ao trabalho com as crianças em creches ou pré-escolas. Ocorre que hoje todos os níveis da Escola Básica estão repensando sua forma de trabalhar o processo de ensino-aprendizagem e rediscutindo suas concepções de currículo. Com isso, as críticas em relação ao modo como a concepção de currículo vinham sendo trabalhadas nas escolas não ficam restritas aos educadores da Educação Infantil, mas são assumidas por vários setores que trabalham no Ensino Fundamental e Médio, etapas que, inclusive, estão também revendo suas diretrizes curriculares (SILVA, 2010). Por sua vez, nos últimos 20 anos, foram se acumulando uma série de conhecimentos sobre as formas de organização do cotidiano das unidades de Educação Infantil de modo a promover o desenvolvimento das crianças. Finalmente, a integração das creches e pré-escolas no sistema da educação formal impõe à Educação Infantil trabalhar com o conceito de currículo, articulando-o com o de projeto pedagógico. O projeto pedagógico é o plano orientador das ações da instituição. Ele define as metas que se pretende para o desenvolvimento dos meninos e meninas que nela são educados e cuidados. É um instrumento político por ampliar possibilidades e garantir determinadas aprendizagens consideradas valiosas em certo momento histórico. Para alcançar as metas propostas em seu projeto pedagógico, a instituição de Educação Infantil organiza seu currículo. Este, nas DCNEIs, é entendido como “as práticas educacionais organizadas em torno do conhecimento e em meio às relações 62 sociais que se travam nos espaços institucionais, e que afetam a construção das identidades das crianças”. O currículo busca articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, científico e tecnológico da sociedade por meio de práticas planejadas e permanentemente avaliadas que estruturam o cotidiano das instituições. Esta definição de currículo foge de versões já superadas de conceber listas de conteúdos obrigatórios, ou disciplinas estanques, de pensar que na Educação infantil não há necessidade de qualquer planejamento de atividades, de reger as atividades por um calendário voltado a comemorar determinadas datas sem avaliar o sentido e o valor formativo dessas comemorações, e também da ideia de que o saber do senso comum é o que deve ser tratado com crianças pequenas. A definição de currículo defendida nas Diretrizes põe o foco na ação mediadora da instituição de Educação infantil como articuladora das experiências e saberes das crianças e os conhecimentos que circulam na cultura mais ampla e que despertam o interesse das crianças. Tal definição inaugura então um importante período na área, que pode de modo inovador avaliar e aperfeiçoar as práticas vividas pelas crianças nas unidades de Educação Infantil (SILVA, 2010). O cotidiano dessas unidades, como contextos de vivência, aprendizagem e desenvolvimento, requer a organização de diversos aspectos: os tempos de realização das atividades (ocasião, frequência, duração), os espaços em que essas atividades transcorrem (o que inclui a estruturação dos espaços internos, externos, de modo a favorecer as interações infantis na exploração que fazem do mundo), os materiais disponíveis e, em especial, as maneiras de o professor exercer seu papel (organizando o ambiente, ouvindo as crianças, respondendo-lhes de determinada maneira, oferecendo-lhes materiais, sugestões, apoio emocional, ou promovendo condiçõespara a ocorrência de valiosas interações e brincadeiras criadas pelas crianças etc.). Tal organização necessita seguir alguns princípios e condições apresentados pelas Diretrizes. 63 9.1.3 Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica As Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental, ou DCNs, são um conjunto de parâmetros, princípios, fundamentos e procedimentos que servem para nortear a educação básica, do primeiro ao nono ano da criança. Elas se apoiam na Constituição brasileira e na LDB, ou Lei das Diretrizes e Bases da Educação e, portanto, buscam assegurar às crianças experiências curriculares que deem a elas sucesso na trajetória escolar. As diretrizes trazem a ideia da educação como um direito inalienável do ser humano, ou seja, um direito que não pode ser retirado, devendo ser assegurado pelo Estado. Elas garantem, assim, o ensino gratuito e de qualidade pelos nove anos do ensino básico do aluno. 9.1.3.1 O Currículo nas Diretrizes para o Ensino Fundamental Nas diretrizes, o currículo do ensino fundamental tem uma base nacional comum e, dessa forma, deve ser atendida por todas as escolas. Dentre as disciplinas obrigatórias estão: língua portuguesa, língua materna para populações indígenas, uma língua estrangeira moderna, arte, educação física, matemática, ciências da natureza, história, geografia e ensino religioso. Entretanto, as DCNs abrem um enorme espaço para a diversidade de cada região, abrangendo as peculiaridades locais, tanto sociais como educacionais. Elas enfatizam uma aprendizagem interdisciplinar, tentando superar uma concepção de ensino multidisciplinar e cartesiana das matérias, com uma divisão muito restritiva entre os assuntos. Ainda, as aulas precisam ser mais atrativas ao aluno e integradas às suas necessidades e realidades (SILVA, 2010). 9.1.3.2 A Proposta para o Ensino Fundamental As diretrizes propõem a dar conta da imensa diversidade social brasileira e não impõe um padrão único de ensino que cubra de forma homogênea a todas as pessoas. 64 Para as DCNs, é preciso olhar com cuidado os indivíduos, respeitando as suas diferenças sociais e cognitivas. É necessário assegurar a cada um, dentro das suas condições, o acesso ao conhecimento e aos elementos da cultura. Também, as diretrizes enfocam a necessidade de se atender com mais cuidado alunos e grupos sociais mais carentes, dando a eles mais atenção, justamente por partirem de condições iniciais de desvantagem em relação aos demais alunos. Isso visa criar um ponto de equilíbrio em matéria de oportunidades sociais e educacionais. 9.1.4 Currículo e Educação inclusiva A escola é concebida como instituição, capaz e capacitada, para disseminar o conhecimento, assim sendo, todos os alunos que a frequentam necessitam desenvolver de forma adequada suas potencialidades, independentemente de possuírem ou não uma necessidade mais específica na aprendizagem. Porém, quando há estudantes que não estão tendo evolução em seu processo de ensino e aprendizagem (no caso aqueles com necessidades educacionais especiais), o Currículo embutido no Projeto Pedagógico construído na escola, pode vim a tornasse um mecanismo de exclusão, um estigma da diferença. Quanto aos discursos em torno do processo da inclusão da pessoa com deficiência, Silva (2010, p.2) destaca que, “[...] parece refletir o modo pelo qual são representadas e expressadas, historicamente, as principais inquietações das práticas de escolarização desses indivíduos, particularmente, àquelas relacionadas à escola e ao Currículo”. Por isso, entendemos que, é de suma importância realizar uma reflexão construtiva sobre a pessoa com deficiência, nesse contexto educacional inclusivo, aonde cada sujeito apresenta uma característica peculiar em que o discurso inclusivo, por tendência, massifica. Desta forma, quando se defende a inclusão sem a valorização de fato da alteridade e das especificidades que a constitui, está se compreendendo o grupo das pessoas com deficiência de forma hegemônica, colocando estes sujeitos, como seres que apresentam características e necessidades únicas e comuns. É nessa conjuntura 65 que o Currículo se configura como lócus de importância no que diz respeito à discussão quanto à questão da diferença e da diversidade. A inclusão vem tomando espaço cada vez maior nas políticas públicas, na sociedade e nas escolas, princípios educacionais formulados a partir dos ideais de Educação para Todos ganharam mais consistência com as diversas diretrizes, elaboradas para os diferentes níveis de ensino (Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, 1996; Diretrizes Curriculares para a Educação Especial na Educação Básica, 2001; Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores, 2002). Esses documentos configuram‐se como um conjunto de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos, com o objetivo de orientar as escolas em suas organizações, articulações, desenvolvimento e avaliação de suas propostas pedagógicas. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (CNE/CB, Nº 2, 11 de fevereiro de 2001) expressam determinações e orientações voltadas ao processo de inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais, no que tange aos aspectos pedagógicos e formação de professores. No Parecer 17/2001, referente à Resolução 2/2001. A inclusão é definida como a garantia, a todos, do acesso contínuo ao espaço comum da vida em sociedade, sociedade essa que deve estar orientada por relações de acolhimento à diversidade humana, de aceitação das diferenças individuais, de esforço coletivo na equiparação de oportunidades de desenvolvimento, com qualidade, em todas as dimensões da vida (BRASIL/CNE, 2001). Nesse contexto entendemos que a educação voltada às pessoas com necessidades educacionais especiais está fundamentada nos princípios da preservação da dignidade humana, na busca da identidade e no exercício da cidadania. Práticas durante muito tempo negligenciadas no trato às pessoas que apresentassem qualquer tipo de deficiência fosse ela física, sensorial ou cognitiva. De acordo com o Parecer, os princípios que orientam a elaboração das diretrizes têm por finalidade acabar com qualquer tipo de discriminação e garantir o desenvolvimento da cidadania. 66 Embasadas na LDB 9394/96 e na Declaração de Salamanca (1994), podemos dizer que o princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem aprender juntas. Sendo assim, as escolas devem reconhecer e responder às necessidades diversas de seus estudantes, acomodando os estilos e ritmos de aprendizagem, por fim, assegurando uma educação de qualidade a todos, por meio de um Currículo apropriado, arranjo organizacional, estratégias de ensino, usa de recursos e parceria com a comunidade. De acordo com os Parâmetros Curriculares para a educação inclusiva (1998), o Currículo é construído a partir do projeto pedagógico da escola e deve viabilizar a operacionalização do mesmo, orientando as atividades educativas, as formas de executá-las e definindo as suas finalidades. O mesmo documento usa as palavras “Adequações Curriculares” para referir-se ao mesmo como sendo um elemento dinâmico da educação para todos e que a sua viabilização para os alunos com necessidades educacionais especiais, pode ser realizando através da flexibilização, na prática educacional, com o objetivo de atender todos os alunos. Pensar em adequação curricular significa considerar o cotidiano das escolas, levando-se em conta as necessidades e capacidades dos seus alunos e os valores que orientam a prática pedagógica. Para os alunos que apresentam necessidades educacionais especiais essas questões têm um significado particularmente importante (PCNs, 1998, p. 32). As Políticas Públicas colocam para os sistemasde ensino, a responsabilidade de garantir que nenhum aluno seja discriminado, de reestruturar as escolas de ensino regular, de elaborar projeto pedagógico inclusivo, de programar propostas e atividades diversificadas, de planejar recursos para promoção da acessibilidade nos ambientes e de atender às necessidades educacionais especiais, de forma que todos os alunos tenham acesso pleno ao Currículo. Considerando que os aspectos acima mencionados são determinantes para o sucesso da Política Educacional Inclusiva e que os resultados do censo escolar em nosso país, indicam o crescimento de alunos incluídos no ensino regular. Porém o que se vê é despreparo na prática para lidar com toda a situação que permeia a inclusão. Além do mais, não bastam somente Leis, Decretos, Portarias, 67 Resoluções em âmbito federal, estadual e municipal que digam o que fazer, necessita- se urgentemente articular a legislação com a prática executada no dia a dia nas escolas. Tendo em vista que, as dificuldades que emergem do cotidiano escolar, nos mostraram que o tema inclusão escolar ainda permanece como um problema a ser resolvido pelas escolas e pela sociedade. Ter acesso à instituição escolar, em si, não garante que os alunos estão tendo o suporte necessário para o desenvolvimento do seu processo de ensino e aprendizagem. É corriqueiro observarmos que, em alguns espaços pedagógicos, ao receber alunos com necessidades educacionais especiais, em escolas ditas como inclusivas (aonde na proposta pedagógica tem-se um relato de que a escola é inclusiva e de que todos os professores participaram das discussões – gestão democrática), tenha-se dificuldades para recepciona-los e orienta-los, apresentando uma prática que foge da proposta apresentada no Projeto Pedagógico. Por isso, quando há o ingresso de um estudante com necessidades educacionais especiais, por mais que, a professora faça um trabalho de aceitação dos demais estudantes e isso aconteça com sucesso, à prática diária escolar demonstra o quanto à mesma demonstra dificuldade, em desenvolver os conteúdos do Currículo junto a esse aluno, e a reconhecer aonde inicia a capacidade de aprendizagem desse estudante e como fazer com que ele se aproprie de tais conteúdos curriculares. No contexto da perspectiva de inclusão da pessoa com deficiência, compreendemos que esta discussão ajude a promover o olhar sobre o sujeito com deficiência como o Outro. Somente, a partir daí a escola será uma real ação onde a diferença será compreendida como algo inerente à humanidade, conforme Silva (2010), não mais será entendido como: [...] um instrumento pedagógico neutro, ao contrário (o currículo) é um campo de conflitos, tensões e relações de poder do qual resulta um conjunto de prescrições sobre os conteúdos, as organizações e as práticas que refletem (e reproduzem) as relações sociais e políticas existentes em cada momento histórico, que são negociadas, efetivadas, construídas e reconstruídas na escola (SILVA, 2010, p. 06). 68 Neste momento de mudança de paradigma de uma escola excludente para uma que inclui, é conciso que se trilhem os recursos necessários para efetivar o compromisso de desenvolver em cada estudante as suas potencialidades. 9.2 Parâmetros Curriculares Nacionais Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) são diretrizes concebidas pelo Governo Federal, divididas por disciplinas, que servem como referência e como base para municípios e Estados construírem seus currículos, demonstrando, portanto, o que os professores devem ensinar. Os PCNs não têm caráter legal e não eram obrigatórios, mas foram amplamente adotados pelas redes públicas e particulares. Por serem Referenciais Curriculares de cada disciplina da Educação Básica, eles são muito mais específicos que as Diretrizes e objetivam criar uma Base Curricular Nacional Comum, auxiliando na elaboração e na revisão das Propostas Curriculares das unidades de ensino. Dessa forma, independentemente da condição socioeconômica e localização da escola, garantir-se-ia que os estudantes brasileiros tivessem um acesso igualitário ao conhecimento (SILVA, 2010). Além de propor os conteúdos a serem transmitidos nas mais diferentes áreas do conhecimento, os PCNs também oferecem práticas de organização dos conhecimentos, modos de abordagem dos conteúdos e exemplos de comportamentos a serem seguidos pelos professores nas mais diferentes circunstâncias. Ou seja, também servem para ajudar as equipes de profissionais da Educação de forma geral. Outra ideia é que os PCNs também servissem como orientadores para a formação docente. Os parâmetros foram divulgados no fim de 1995 e também continham expectativas de aprendizagem de cada disciplina. Na época, o ministro da Educação era Paulo Renato Souza. O debate gerou polêmica e resistência de alguns setores da sociedade, que afirmavam que os parâmetros engessavam e limitavam o trabalho dos professores em sala de aula. 69 9.2.1 Parâmetros Curriculares Nacionais – Ciclo I do Ensino Fundamental Os PCNs do ciclo I do Ensino Fundamental estão divididos em dez volumes, que abrangem: Língua portuguesa Matemática Ciências naturais História e geografia Arte Educação física E também os Temas Transversais: Meio ambiente Saúde Pluralidade cultural Orientação sexual 9.1.2 Parâmetros Curriculares Nacionais – Ciclo II do Ensino Fundamental Já os volumes de 5ª a 8ª série (os PCNs foram aprovados quando ainda existia o Ensino Fundamental de 8 anos) contêm, além das mesmas disciplinas que aparecem no Ensino Fundamental I: A separação de história e geografia E também, temas como: Trabalho Consumo 70 Um volume dedicado à bibliografia 9.1.3 Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio No caso do Ensino Médio, a divisão se dá da seguinte forma: Linguagens Códigos e suas tecnologias (que abrange Língua Portuguesa, Língua Estrangeira Moderna, Educação Física, Arte e Informática) Ciências da natureza Matemática e suas tecnologias (que abrange Biologia, Física, Química e Matemática) Ciências humanas e suas tecnologias (que abrange História, Geografia, Sociologia, Antropologia, Filosofia e Política). Desde que foram lançados, os Parâmetros foram muito adotados pelas editoras de livros didáticos, que usaram os documentos para conceberem as obras. 9.3 Direitos/Expectativas de Aprendizagem Atualmente, o Ministério da Educação (MEC) discute os chamados direitos de aprendizagem, antes denominadas expectativas de aprendizagem. A ideia é que o documento defina exatamente o que se espera que todos os alunos atenham aprendido ao concluírem uma determinada série ou nível de ensino. Dessa forma, pode-se dizer que os direitos contemplam indicações claras dos conteúdos que devem ser abordados em cada uma das disciplinas (SILVA, 2010). O MEC afirma, no entanto, que a discussão não pretende montar uma lista de capacidades que o aluno deve adquirir. O objetivo é oferecer orientações para fomentar o trabalho dos docentes e dos outros profissionais da Educação. É preciso lembrar que os Parâmetros Curriculares, lançados na década de 90, também continham expectativas de aprendizagem. As Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental de nove anos, 71 aprovadas em dezembro de 2010, e as do Ensino Médio, de janeiro de 2012, previam em seus textos o estabelecimento das expectativas. 10 VIVÊNCIA E ORGANIZAÇÃO DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, OU PROPOSTA PEDAGÓGICA 10.1 Projeto Político Pedagógico – A Identidade da Escola Para alcançar seus objetivos e suas metas, as instituições de ensino devem criar um planejamento que reúna as ações a serem executadas durante determinado período. Esse planejamento se materializa em um documento que, na prática, recebe diversos nomes, como ProjetoPolítico Pedagógico, Planejamento Pedagógico, Proposta Pedagógica, Projeto Pedagógico, Projeto Pedagógico-Curricular, ou ainda, Plano da Escola. Esse documento passa a ser então, a verdadeira Identidade de uma Escola. Mas para esse planejamento realmente engrenar, é preciso contar com a atuação ativa de cada um dos envolvidos no processo. Nesse momento, entram gestores, professores, alunos, funcionários, pais e demais responsáveis. Pode-se então dizer que o Projeto Político Pedagógico é: Um projeto - porque reúne propostas de ações concretas a serem executadas. Político - porque considera a escola como um espaço para a formação de cidadãos responsáveis, conscientes e críticos que formam a sociedade e atuam nos rumos que ela vai seguir. Pedagógico – porque define os projetos educativos que configurarão essas ações no processo de ensino e aprendizagem. É importante ressaltar que o Projeto Político Pedagógico (PPP) não será o mesmo para todas as escolas, pois esse documento segue a especificidade de cada instituição. Por isso, comprar modelos prontos ou encomendar um PPP a consultores externos é um dos erros mais comuns, visto que para criar e implementar o PPP, deve-se considerar diversas características que, muitas vezes, variam de instituição para instituição e de 72 comunidade para comunidade. Isto é, cada Projeto Político Pedagógico é único e sua elaboração deve ser parte de um processo em conjunto com toda a comunidade escolar. O Projeto Político Pedagógico pode ser alterado anualmente, de dois em dois anos ou em intervalos personalizados, sejam eles mais longos ou mais curtos. Os responsáveis pela criação do projeto irão determinar o prazo de acordo com as necessidades avaliadas. No entanto, revisitar o arquivo apenas para enviá-lo à Secretaria de Educação sem analisar profundamente as mudanças ocorridas na escola e as novas necessidades dos alunos pode prejudicar a eficácia do PPP (SILVA, 2010). Como um guia para as decisões escolares que devem ser efetuadas, o Projeto Político Pedagógico deve ser flexível e modificado ao longo dos anos e das mudanças pelas quais a escola e os alunos passam. Isto é, deve ser consultado e modificado constantemente, para evitar que ele se torne um documento obsoleto e inutilizado. Nem sempre ele será completamente reformulado, porém, o PPP deve ser aberto a modificações necessárias e constantes. Trabalhar com a implementação e o acompanhamento das etapas do Projeto Político Pedagógico de forma contínua e conjunta é importante para que se consiga reavaliar as ações, caso não estejam funcionando como o esperado. Dessa forma, pode-se intervir pontualmente a fim de minimizar surpresas negativas com relação aos resultados finais. Uma maneira inteligente de acompanhar o projeto de forma mais consistente é realizando reuniões periódicas entre gestores e professores, a fim de trocar informações e identificar desvios e imprevistos que venham a ocorrer no processo. O Projeto Político Pedagógico é de todos e deve ser sempre acessível à toda a comunidade! O PPP tende a seguir um delineamento básico a partir de quatro principais etapas: Identificação das finalidades Levantamento de dados específicos Implementação da proposta Acompanhamento das ações 73 Quando o Projeto Político Pedagógico une as três dimensões, ou seja, quando ele se torna um projeto que é político e pedagógico, como já mencionado acima, pode então ser considerado um guia, que indica a direção correta do ensino para gestores, professores, alunos, famílias e funcionários envolvidos. Por isso, ele deve ser estruturado de forma correta e bem completo para evitar dúvidas no percurso de sua execução. Contudo, ele deve ser flexível o suficiente para se adaptar às necessidades de cada comunidade e ritmos de aprendizagem dos alunos. Segundo especialistas, a elaboração do PPP deve contemplar: Missão; Clientela; Levantamento de dados sobre aprendizagem; Relacionamento com a família; Recursos; Diretrizes pedagógicas que envolvem: concepção metodológica, avaliação e currículo; Plano de ação — que é o desdobramento do PPP no Plano Escolar Anual. O Projeto Político Pedagógico é extremamente relevante no que se refere ao estabelecimento e ao crescimento da instituição, afinal, é ele que define o que deve ser feito. É principalmente dessa forma que a instituição de ensino pode atingir seus objetivos de maneira eficiente (SILVA, 2010). O PPP detém muitas informações relevantes, configurando-se numa ferramenta de avaliação e planejamento para todos os gestores e membros da equipe pedagógica de uma escola. Por isso, ele deve ser consultado a cada tomada de decisão. Essa importância também exige que ele não esteja desatualizado ou inacabado. Caso o Projeto Político Pedagógico esteja engavetado e deixado de lado na hora de tomar decisões importantes, é hora de mobilizar esforços para resgatá-lo. Ele é um documento vivo, que serve de parâmetro e referência para discutir e definir ações de curto, médio e longo prazo nas escolas. 74 É importante estipular as necessidades prioritárias, definindo quais são as mudanças mais urgentes, aquelas que, devido à sua importância e à sua gravidade, podem impactar fortemente os resultados gerados. Da mesma forma, ao definir o que será inicialmente executado, deve-se também levantar os objetivos, tanto gerais como específicos, relacionados a essas práticas e, consequentemente, traçar e retomar os planos de ação específicos para cada objetivo. Também é necessário definir que gastos, materiais e mão de obra serão necessários para a implementação das ações e consequente alcance dos objetivos. Mesmo com o desafio de compartilhar as responsabilidades e envolver toda a comunidade nesse trabalho, o esforço é compensador. Pois é através de um Projeto Político Pedagógico bem estruturado que a escola ganha parceiros, colaboradores, uma identidade e todos podem tomar decisões com clareza e segurança em prol da aprendizagem. 11 O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO COMO A UNIDADE NA DIVERSIDADE DO COTIDIANO ESCOLAR 11.1 Identidade e Diferença numa Perspectiva Educacional Em tempos atrás as identidades eram herdadas, ou seja, íamos seguindo as tradições, mas hoje isto não é tão simples, pois existem oportunidades de construirmos experiências diferentes de nossos pais, e a partir de então formarmos a nossa identidade. A identidade é algo que está sempre em construção, isto é, [...] não é fixa, estável, coerente, unificada, permanente. A identidade tampouco é homogênea, definitiva, acabada, idêntica, transcendental. Por outro lado, podemos dizer que a identidade é uma construção, um efeito, um processo de produção, uma relação, um ato performativo. (SILVA, 2009, p.96. A linguagem é a base da identidade, portanto além de simbólica a linguagem é construída a partir das relações sociais, por isso a importância da gestão escolar e consequentemente o professor levar em consideração a cultura dos alunos para a execução das práticas pedagógicas, sendo que, a escola é uma instância social. 75 É necessário considerar a linguagem e o seu papel significativo para a Educação e objetivar práticas que venham a melhorar o desempenho e o interesse dos alunos. Essas ações se fazem necessárias não somente por conta da linguagem – idioma, mas por uma série de diferenças, como religião, etnia, situação econômica, entre outras, desenvolvendo assim uma prática pedagógica que leve em consideração as diferentes culturas existentes no seio da instituição. Muitas de nossas escolas apesar de comportar uma considerável diversidade cultural não sabem lidar com a mesma, e acabam por gerar maiores conflitos, e tanto a gestão escolar como o professor ao invés de amenizar esta situação acaba provocando maiores problemas, não direcionandosuas práticas pedagógicas para este contexto tão múltiplo. Para que não ocorressem tais problemas, inicialmente seria necessário que os profissionais da educação - professores, gestores e demais funcionários, entendessem que a diversidade existe, é natural, necessária e deve ser respeitada, mais do que isto discutida, e isso deve ser estimulado principalmente pela escola, pois, “pedagogicamente as crianças e os jovens, nas escolas, seriam estimulados a entrar em contato, sob as mais variadas formas, com as mais diversas expressões culturais dos diferentes grupos culturais” (SILVA, 2009, p. 98). Apesar da diversidade ser natural, ela não é aceita tão facilmente, e assim surgem a discriminação e o preconceito, e para lidar com isso, “[…] a pedagogia e o currículo deveriam proporcionar atividades, projetos, exercícios e processos de conscientização que permitissem que os estudantes mudassem suas atitudes” (idem, p. 98). Lembrando que é significativo esclarecer que nas identidades também há uma relação de poder, isto é, relações desiguais que perpassam a sociedade em geral, e os estudantes por meio dos docentes devem ser esclarecidos quanto a isso: Essas poderiam ser as linhas gerais de um currículo e uma pedagogia da diferença, de um currículo e de uma pedagogia que representasse algum questionamento não apenas à identidade, mas também ao poder ao qual ela está estreitamente associada, um currículo e uma pedagogia da diferença e da multiplicidade. (ibidem, p. 101). Este currículo foi nomeado de currículo multiculturalista por Silva (1999) no qual afirma que não basta apenas aprender a simplesmente tolerar ou respeitar a diferença, 76 mas deve-se procurar analisar os processos que produzem as diferenças, procurando assim coloca-las sempre em questão. O estimular de um currículo multiculturalista cabe principalmente ao papel do coordenador escolar, que por sua vez faz parte da gestão escolar, tendo em vista que algumas de suas atribuições são: Responder por todas as atividades pedagógico-didáticas e curriculares da escola e pelo acompanhamento das atividades de sala de aula, orientar a organização curricular e o desenvolvimento do currículo, incluindo assistência direta aos professores na elaboração dos planos de ensino, escolha de livros didáticos, práticas de avaliação da aprendizagem. (LIBÂNEO, 2004, p.221). Cabendo também ao diretor da escola, como instância maior, estimular nos coordenadores a execução desta perspectiva, buscando direcionar o currículo da escola a cultura do aluno que a frequenta, proporcionando também discussão não só com os alunos, mas com os professores e demais funcionários acerca das diferenças culturais. Podemos perceber o Brasil como uma nação marcada por diferenças culturais por conta da maneira em que foi colonizado, em que desde então várias raças passaram a constituir a sociedade brasileira, sendo, pois, desta maneira considerado um país mestiço, isto é diversificado social e culturalmente. Portanto, não é difícil imaginar que as nossas escolas estarão repletas de alunos com as mais diferentes histórias de vida e de costumes, na qual muitas das vezes os profissionais da educação não identificam e muito menos sabem lidar com as tais. Veja o que complementa Tosta (2011, p.10), sobre isso: [...] a consciência de que a diferença está presente no cotidiano da escola e da sala de aula apontam para a necessária reflexão sobre, pelo menos duas questões importantes nas relações que se constroem no interior dessa instituição. Primeiro, que a diferença não está apenas presente na vida fora da escola, como também atravessa os muros, quase sempre impermeáveis, da instituição escolar. Segundo que a forma como olhamos e tratamos a diferença interfere nas relações educativas e, consequentemente, nas relações de aprendizagem e de socialização. É significante perceber que reconhecer apenas que há várias culturas não é o suficiente para disseminar uma prática pedagógica que se disponha a lidar com essas culturas, que em si são tão divergentes, e que favoreça a valorização das diferenças. 77 11.2 Gestão Escolar frente à Diversidade: o Projeto Político Pedagógico como o um aliado Tendo em vista que as ações empreendidas pelas instituições escolares devem ser guiadas pelo Projeto Político Pedagógico (PPP), este pode se tornar um aliado para a gestão frente à diversidade escolar na medida em que: “[...] o projeto pedagógico foi tratado, então, como o principal eixo articulador. Numa busca por maior operacionalização, objetivos mais concretos [...]. Justamente por ser a escola especifica e autônoma, cabe-lhe planejar e criar um projeto pedagógico coerente que guie o conjunto de suas ações.” (TEIXEIRA, 2003, p. 12). Articulador não só da atuação do diretor, mas de todos os envolvidos na dinâmica escolar, tendo em vista que ele procura discutir questões que devem orientar as práticas pedagógicas. De forma clara o PPP da escola deve ressaltar questões específicas a diversidade, a diferença e a identidade buscando criar estratégias e normas que valorize todas as culturas imersas no contexto escolar, além de discutir questões pedagógicas que surgem a partir das diferenças. Compreendemos que o Projeto Político Pedagógico representa para uma instituição escolar uma tática que presume inovação e mudança para o contexto escolar, ao passo que orienta as práticas escolares e proporciona novos caminhos para a escola, sendo, pois, a identidade deste ambiente. Assim pode afirmar que o P.P.P, “é um instrumento teórico-metodológico para intervenção e mudança da realidade. É um elemento de organização e integração da atividade prática da instituição nesse processo de transformação”. (VASCONCELLOS, apud OLIVEIRA, 2004, p.07). Considerando-se que o Projeto Político Pedagógico é um guia das práticas exercidas na escola e com isso da gestão escolar, é importante que nele conste uma maior discussão acerca da diversidade, tanto religiosa, como social, econômica, física, étnico-racial, de gênero e política, buscando assim um maior número de informações que oriente o trabalho docente. Para que essa diversidade possa aparecer de forma mais completa, o documento deve ser construído à luz da gestão democrática, com a 78 participação de pais, alunos, funcionários de apoio, professores e gestores, isto é, todos os segmentos que cotidianamente fazem parte da escola. É função da Gestão Escolar, assim como da Coordenação propiciar espaços formadores que se objetive discutir questões relevantes para a instituição escolar assim como colocá-la em prática. 11.2.1 Gestão escolar: participação democrática e mudança da prática pedagógica A LDB, no artigo 14, determina que “os sistemas de ensino definirão as normas de gestão democrática do ensino público na educação básica”, e esta determinação legal implica, principalmente, o repensar da estrutura de poder da escola, tendo em vista sua socialização. A gestão democrática, dentro do espaço escolar, não é um princípio fácil de ser implantado. Em primeiro lugar porque envolve três dimensões distintas e que precisam estar em sintonia: as dimensões pedagógicas, administrativas e financeiras. Num segundo momento é possível apontar a falta de experiência democrática dos segmentos da comunidade escolar, fato que resulta na pouca, ou inexistente, participação crítica nas tomadas de decisões referentes à instituição escolar, tornando o movimento de democratização da educação um processo amplo e complexo (VASCONCELLOS, apud OLIVEIRA, 2004, p.07). O espaço escolar deveria ser um espaço participativo, de troca de ideias, de reflexão coletiva. Deveria ser uma arena para o embate dialógico, mas o que se percebe é o predomínio de uma cultura da passividade, dependente e omissa perante o autoritarismo existente que se configura nas decisões tomadas de cima para baixopela equipe diretiva. Como criar alternativas de organização e gestão que atendam a objetivos sociais e políticos? Como vivenciar e construir uma cultura que transpasse o polo passivo e adquira caráter participativo e reflexivo? É preciso refletir: qual é a concepção de gestão que norteia o ambiente escolar? Toda e qualquer concepção de gestão reflete posições políticas e concepções de homem e sociedade. 79 As formas conservadoras de organização e gestão, por exemplo, baseiam-se em uma concepção técnico-científica, na qual a hierarquia de cargos e funções é caracterizada pela divisão do trabalho escolar, pela comunicação linear de cima para baixo e visa à eficiência dos serviços educacionais. A ênfase é nas tarefas, não nas pessoas. As relações não incorporam o caráter participativo-democrático. Nesse contexto as mudanças ocorridas a partir da década de 1980, nos segmentos econômicos, sociais e culturais, pelo avanço tecnológico, propiciaram o repasse de poderes e responsabilidades dos governos centrais para as comunidades locais e a educação sofre os efeitos diretos dessas mudanças a partir do movimento de transformação a descentralização da gestão escolar. A gestão educacional passou a ser compreendida como um compromisso mais amplo de transformação e ação gestionária, como prática inovadora, constituindo-se como instrumento de melhoria das relações internas da escola. A gestão inovadora deve ter a participação coletiva nas decisões do processo educativo, democratizando as relações na escola, contribuindo para transformar a ação administrativa e pedagógica. Vasconcellos (2002) aponta que “a equipe ajuda quando não impõe, mas propõe, provoca” (p. 54). Ao propor, provocar, a equipe diretiva demonstra que confia nos professores e, consequentemente, abre espaço para a tomada de decisões de maneira participativa e democrática. Isso pressupõe ao grupo autonomia, sendo este o fundamento da concepção democrática-participativa de gestão escolar. Ter autonomia significa ter poder de decisão, conferindo não só à equipe diretiva, professores, mas, também a alunos, funcionários e famílias traçar o caminho da escola, tornando-se estes segmentos da comunidade escolar corresponsáveis pelo sucesso da instituição. Mais especificamente, cada membro da equipe diretiva e docentes precisa compartilhar de maneira participativa o processo de gestão. Para Libâneo (2002) “a organização escolar democrática implica não só a participação na gestão, mas a gestão da participação” (p. 117). A gestão participativa resulta num sério e responsável planejamento de tarefas. O Projeto Político Pedagógico pressupõe discussão, análise e avaliação sistemática. É ele 80 que dará um norte, um rumo à prática pedagógica a partir do esforço coletivo dos professores e direção. Mudanças na prática pedagógica demandam uma série de pressupostos calcados na gestão democrática-participativa. Num primeiro momento devemos considerar a falta de incentivo e a desvalorização do docente. Existe, também, um descompasso entre as produções teóricas e o que se operacionaliza na prática. Assim, é papel da equipe diretiva efetivar algumas alternativas apontadas por Vasconcellos (2002), como forma de favorecer a mudança da prática pedagógica: apoiar as iniciativas de mudança dos professores; propiciar um espaço de trabalho coletivo e de formação continuada do professor; pesquisar e refletir sobre a própria prática; superar o legalismo; procurar reduzir a burocracia; trabalhar, com os pais, os pressupostos do projeto educativo da escola; apoiar ao professor diante da comunidade; favorecer a criação de um clima ético. Sustentar uma mudança, tendo como base uma gestão democrática, não se consegue de forma autoritária, mas a partir de uma redefinição das concepções e práticas dos sujeitos. É preciso investir na formação da comunidade escolar, implantando os conselhos escolares, as reuniões pedagógicas semanais. Para construir a cultura democrática é necessário vivenciar práticas democráticas que irão repercutir de forma significativa na prática pedagógica e na escola. 12 FORMAS DE ORGANIZAÇÃO CURRICULAR Organizar um currículo de modo que este se mostre realmente aplicável no dia-a- dia da escola, abrangendo não só os temas definidos pela legislação do ensino vigente no Brasil, mas bem como temáticas transversais mais pertinentes à comunidade na qual está inserida a escola, não é de modo algum, tarefa fácil. Os educadores e gestores devem considerar que, além de distribuir as disciplinas por período e definir o tempo que será dado a cada uma delas, é necessário mensurar o peso que cada uma terá nesta organização curricular, bem como os meios disponíveis para ministrá-las com proveito. É necessário estabelecer quando e como serão usados os recursos da escola, como os recursos midiáticos, espaços extra como quadra, pátio, laboratório, e até mesmo 81 atividades extraclasse que possam agregar conteúdo para além daquele previamente estabelecido. Tudo isso deve ser pensado, sem deixar de abordar o mais importante: a disponibilidade dos professores de cada uma das disciplinas. Dessa forma percebemos que uma boa organização curricular abrange vários fatores, para além do que preconiza a Legislação e os Parâmetros Curriculares Nacionais. 12.1 Análise de diferentes modelos de Organização Curricular Zabalza (2003) fala de estilos curriculares ou modelos de ensino, nomeadamente: Modelo centrado na disciplina e aprendizagem formal, o qual dá maior importância aos conhecimentos a adquirir. Organizam-se os espaços, tempos e atividades em função desses conhecimentos. Neste modelo, as técnicas de avaliação são baseadas nos resultados objetivos, que são resultados apalpáveis e diretamente comprováveis como produtos da instrução. Modelo centrado no aluno, cujo eixo de estruturação do papel dos conteúdos é o interesse do aluno, as suas motivações, os seus desejos, as suas relações com as pessoas e o meio em que atuam. Os conteúdos trabalham-se à medida que vão sendo produzidos na aula. Modelo crítico, no qual os conteúdos assumem um sentido instrumental em vez de um sentido substantivo, as palavras servem para aprender a ler, para refletir sobre a situação do aluno, as matérias estudadas são para formação funcional do aluno na área a que pertençam e servem para desenvolver a consciência social. Modelo tecnológico e funcional, que privilegia uma maior cientificidade (ou funcionalidade), ou seja, maior competência dos professores. A abordagem dos conteúdos não se reduz ao “quê”, mas também ao “como”. Modelo de síntese, trata-se duma síntese da modalidade situacional e da modalidade funcional que dizem respeito ao modelo de programação. 82 Por sua vez, Fogarty (1998) sugere os seguintes modelos curriculares, para múltiplas inteligências na sala de aula: Aprendizagem baseada no problema: começa com um problema mal estruturado, um problema não claro ou ambíguo, por exemplo, uma controvérsia sobre o que realmente os alunos necessitam aprender. Aprendizagem temática: o tema é uma grande ideia (ou conceito-chave), tal como, amizade, exploração ou inteligência. Estes elementos integram as disciplinas e permitem a organização do desenvolvimento curricular. Projeto de aprendizagem: é uma autêntica aprendizagem de experiências produtivas que envolve projetos tangíveis e visíveis, como por exemplo, os projetos de ciências. Estes requerem conhecimentos, talentos e criatividade dos aprendentes. Os projetos de aprendizagem consistem em criações, execução e produção. Aprendizagem em serviço: as escolas criam parcerias com líderes comunitários e agências, para projetos cívicos orientados e, assim, os alunos desenvolvem o espírito de tolerância, respeito e compreensão mútua. Aprendem a trabalhar com outros e aumentamsua visão. Aprendizagem de competência: consiste em os alunos desenvolverem uma tarefa ou certas competências, demonstrando a sua compreensão através das ações. Quer dizer, o aluno aparece como protagonista da sua aprendizagem e ele é envolvido na sua própria avaliação. Estudo de caso: consiste de situações específicas. Extrapolam-se resultados e crenças dum caso acerca de como cada um vê e valoriza o mundo. Os alunos pensam neste caso usando discussões estruturadas. Por outro lado, Ribeiro (1999) apresenta: Modelo baseado em disciplinas: forma tradicional de estruturação curricular que consiste em formular objetivos, de forma explícita ou implícita. Os conteúdos curriculares são selecionados e organizados, especificando os objetivos de 83 ensino. Em função da seleção, estrutura e sequência dos conteúdos são definidas as estratégias de ensino e as experiências de aprendizagem. A avaliação privilegia os resultados cognitivos e ocorre em função do objetivo da aprendizagem e do domínio das matérias e conteúdos ensinados. Os objetivos constituem objeto de ensino-aprendizagem. Este modelo tem como variantes: - A organização pluridisciplinar, que assenta na correlação de duas ou mais matérias que se coordenam. - A organização dum pendor interdisciplinar, que se traduz na fusão de matérias disciplinares com possíveis afinidades. - A organização por áreas de conhecimento, revelando perspectivas multidisciplinares e interdisciplinares. Modelo baseado em núcleos de problemas/temas transdisciplinares: é um modelo transdisciplinar em termos de integração de conhecimentos vários, de relevância pessoal ou social e dos efeitos educativos deste tipo de aprendizagem. Modelo baseado em situações e funções sociais: centra-se na sociedade e garante conhecimentos e aptidões socialmente relevantes. Este modelo caracteriza-se pela instrumentalidade das matérias e conteúdos disciplinares no estudo de um tema ou resolução dum problema e pelo envolvimento ativo dos alunos na resolução de problemas. No entanto, o modelo tem falta de sistematização e lacunas na cobertura de conteúdos culturais disponíveis. Modelo centrado no educando: aqui os objetivos resultam da negociação professor-alunos ou da seleção dos alunos (se possível). Os conteúdos são selecionados com base nas atividades, projetos e interesses em jogo. As estratégias de ensino e as atividades de aprendizagem visam facilitar a aprendizagem do aluno. 84 A avaliação é mais informal do que formal de diagnóstico e apreciação do progresso do aluno. 12.1.1 Outros modelos de organização curricular: Ribeiro (ibidem) refere-se ainda a outros dois modelos: Modelo baseado em processos cognitivos, generalizáveis a várias áreas de conhecimento e situações de vida. Modelo baseado em funções e competências determinadas, que dá ênfase na análise e sequencialização de tarefas e na especificação de objetivos comportamentais. Modelo baseado em conteúdo: Conteúdo curricular, para Zabalza (2003), constitui a base através da qual as atividades de aprendizagem estão unidas entre si. É um espaço de tomada de decisões no desenvolvimento curricular, acerca da seleção, da sequencialização e da organização funcional dos conteúdos. 13 ALTERNATIVAS DE ORGANIZAÇÃO CURRICULAR 13.1 Caminhos e alternativas para o Currículo Escolar no Brasil No Brasil tem sido discutido atualmente a construção de uma base curricular comum. E, neste sentido, as experiências de países como a Finlândia e Austrália servem de referências a esta discussão. Ainda que essas sejam boas referências, precisamos encontrar o nosso próprio caminho e construir uma alternativa que atenda aos nossos interesses e especificidades. Caminhar é preciso. 85 13.1.1 A experiência da Finlândia Notícia recente dava conta que a Finlândia iria abolir o ensino por disciplinas escolares. Educadores de todo mundo adeptos de uma prática mais contemporânea e voltada para realidade do século XXI, ficaram esperançosos. Contudo, percebeu-se que o ensino por disciplinas na Finlândia não será abolido, mas um novo currículo para o ensino básico trouxe algumas mudanças em 2016. Uma delas, visando os desafios do futuro, centra o foco nas competências e no trabalho entre as disciplinas escolares. Os alunos devem participar cada ano em pelo menos um desses módulos de aprendizagem multidisciplinar. Nas escolas de ensino fundamental, os alunos terão que cursar pelo menos um projeto interdisciplinar, mas isso fará parte de um currículo tradicional: os alunos ainda terão aulas de Finlandês, Matemática, Biologia, História, entre outros. Em outro texto recente, o Conselho afirma que “as disciplinas escolares ainda têm um papel importante no ensino e no aprendizado”. Em resumo, as escolas finlandesas serão obrigadas a introduzir um período de “ensino baseado em fenômenos” pelo menos uma vez por ano. Esses projetos podem durar várias semanas. Em Helsinque, a reforma está sendo estimulada em um ritmo mais rápido, e as escolas são incentivadas a dedicar dois períodos durante o ano para a adoção da nova abordagem (VASCONCELLOS, apud OLIVEIRA, 2004, p.07). 13.1.2 A experiência da Austrália O "modelo" Australiano define competências a serem desenvolvidas pelos alunos, que vão de letramento e habilidades numéricas a pensamento crítico e criativo. Incluem também capacidade de informação e comunicação tecnológica, capacidades pessoais e sociais, compreensão ética e compreensão intercultural. Todas essas habilidades são trabalhadas em oito áreas de aprendizagem: Inglês, Matemática, Ciências, Ciências Humanas e Sociais, Artes, Tecnologias, Educação Física e Línguas. Há ainda três temas transversais prioritários, que são História e Cultura dos Aborígenes e dos Indígenas das ilhas Straights, Sustentabilidade e Ásia, Engajamento da Austrália com a Ásia. “O currículo define o que os alunos precisam aprender, não define como os professores 86 devem ensinar. Isso é responsabilidade dos professores”, explica Randall, Diretor Executivo da ACARA (Conselho de Administração da Autoridade Australiana de Currículo, Avaliação e Relatório). Os dirigentes no Brasil dizem que não se trata de copiar a proposta, mas ouvir as mais diversas experiências bem-sucedidas pelo mundo afora e criar um consenso em torno de propostas viáveis considerando todo o território brasileiro, suas diferenças e especificidades. No Brasil a definição de uma Base Nacional Comum Curricular está no Plano Nacional de Educação (PNE) sancionado no ano passado, pela então presidente Dilma Rousseff. 13.1.3 Pensando as Práticas Curriculares no Brasil Em curto e médio prazo, é irreal imaginar que a maneira tradicional de organizar o currículo no Brasil vai poder ser substituída por outra, nas quais as áreas do conhecimento deixem de existir (Matemática, Língua Portuguesa, História, Geografia, Educação Física, Artes, etc). Para dispor de um currículo com essa abrangência, precisaríamos de uma nova formação dos professores, de novas formulações nas políticas públicas, de novos processos educacionais e mudanças na forma como a sociedade enxerga a educação. É mais realista pensar em outras formas de organização curricular procurando uma maneira das disciplinas coexistirem nesta divisão por áreas de estudos (disciplinas), em projetos multidisciplinares baseados em seus currículos (VASCONCELLOS, apud OLIVEIRA, 2004, p.07). Identifica-se como tendências contemporâneas da educação, o ensino baseado em projetos, na resolução de problemas e com ensino personalizado ao (a) aluno (a). É bom lembrar que o ensino por projetos vem desde o movimento da Escola Nova que chegou por aqui com o Manifesto dos Pioneiros em 1932. O movimento “escola novista” era contrário à educação tradicional baseada na transmissão de conteúdosdescontextualizados, sem significado para a vida dos alunos. De certa forma, foi a partir desse modelo de escola que se abriram os caminhos para uma proposta de ensino por projetos. John Dewey foi o grande sistematizador da Pedagogia de Projetos, mas foi Kilpatrick que lhe deu o devido encaminhamento metodológico e a popularizou. Este 87 propõe que a base de toda a educação está na autoatividade orientada, realizada por meio de projetos que têm por objetivo: Incorporar ideias ou habilidades a serem expressas ou executadas; Experimentar algo de novo; Ordenar a atividade intelectual ou atingir um novo grau de habilidade ou conhecimento. Destaca ainda, quatro características que concorrem para um bom Projeto Didático: Uma atividade motivada por meio de uma intenção; Um plano de trabalho, de preferência manual; A característica do ensino; Ser realizada completamente pelos alunos. O conceito de projetos de Kilpatrick despertou resistência de muitos educadores, principalmente ao definir que o projeto é empreendimento apenas do aluno, e não uma iniciativa conjunta do professor e alunos. (OLIVEIRA, 2006). Dadas as competências e habilidades voltadas para o século XXI, é claro que estes projetos terão que ter outra conotação e um direcionamento procurando estimular os alunos a reflexão crítica, ao protagonismo, a criação, a produção e compartilhamento de conhecimentos, usando os mais variados recursos disponíveis, com a participação e mediação do professor. 13.2 Trabalho Pedagógico por meio de projetos Entende-se o trabalho pedagógico realizado por projetos como uma alternativa de Organização Curricular, e ainda, como um grande desafio, tanto para a equipe diretiva, quanto para o corpo docente, pois implica em muito estudo, reflexão e avaliação, ou seja, requer um planejamento coletivo e reflexivo. 88 Quando a prática educativa visa a um trabalho interativo entre os conteúdos a serem desenvolvidos, o estudante tem a possibilidade de estabelecer relações entre eles, favorecendo o desenvolvimento das competências necessárias e ampliando sua visão que contribuirá para o exercício de uma cidadania consciente. Nesta perspectiva o ensino torna-se vivo, concreto, visando a construção de um saber renovado pela prática de uma pedagogia da descoberta que privilegia uma reflexão permanente de ordem crítica. Entretanto, para promover um processo de ensino e aprendizagem de qualidade, voltado para a reflexão crítica e desenvolvimento de competências, o papel do professor é de relevância. Este é um dos agentes responsáveis pela transformação social e, consequentemente, educativa. Toda prática docente está impregnada de uma visão de mundo, de sociedade, de homem, que irá repercutir diretamente na aprendizagem e na relação com os alunos. Pode-se dizer, então, que toda prática é um ato político, não no sentido partidário, ideológico, mas que envolve toda uma concepção de cidadania e participação. É também um ato pedagógico, porque envolve toda uma ruptura com paradigmas educacionais tecno-burocráticos que não atendem mais as necessidades vigentes. A partir disto, a formação continuada dentro do espaço escolar desempenha um papel específico na luta pela mudança dentro das escolas, pois é com a troca de conhecimentos entre os docentes, bem como o aperfeiçoamento profissional e a prática de pesquisa, que será possível reconstruí-las num enfoque crítico e participativo. Atualmente, aquele que deseja implantar o trabalho por projetos precisa mudar sua forma de se relacionar com a informação, a fim de transformá-la em saber compartilhado. Dessa maneira elaborar um projeto por meio da leitura do grupo requer trabalhar a informação como fonte de pesquisa. Projeto pressupõe pesquisa, sendo desenvolvido a partir de um processo de reflexão coletiva do conhecimento. Segundo Hernández (1998) “os projetos de trabalho significam [...] um enfoque do ensino que tenta resituar a concepção e as práticas educativas na escola, e não simplesmente readaptar uma proposta do passado, atualizando-a” (p. 179). Isso implica na introdução de uma nova maneira de pensar o fazer docente, no qual o processo de 89 reflexão e interpretação sobre a prática é a base para dar significado à relação ensinar e aprender. Os projetos de trabalho constituem um lugar que podem permitir aproximar-se da identidade dos alunos, revisar a organização do currículo por disciplinas e a maneira de situá-los no tempo e no espaço escolares, levar em conta o que acontece fora da escola, nas transformações sociais e nos saberes, bem como aprender a dialogar de maneira crítica com todos os elementos. Os projetos de trabalho não representam um método, pois não há uma sequência única e geral, o seu desenvolvimento não é linear, nem previsível. Estes representam, sim, uma maneira de entender o sentido da escolaridade baseado no ensino para a compreensão (Hernández, 1998). 90 14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de Estado. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1983. APPLE, M. Educação e Poder. 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