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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI TEORIA E PRÁTICA DO CURRÍCULO GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 5 2 CURRÍCULO E SEU CONCEITO ................................................................................. 6 2.1 Currículo: Relações de Poder, Ideologia e Cultura .................................................... 8 2.2 Um Breve Histórico do Currículo ................................................................................ 9 3 ESTUDO DAS TEORIAS CURRICULARES ............................................................... 11 3.1 Teoria Tradicional do Currículo ................................................................................ 12 3.2 Teorias Críticas do Currículo .................................................................................... 14 3.3 Teoria Pós – Críticas ................................................................................................ 20 3.4 Um diálogo entre Teoria e Prática ............................................................................ 23 4 OS DIVERSOS TIPOS DE CURRÍCULO .................................................................... 24 4.1 Currículo Formal ou Prescrito ................................................................................... 25 4.2 Currículo Real .......................................................................................................... 25 4.3 Currículo Oculto ....................................................................................................... 25 5 IMPLICAÇÕES DAS TEORIAS CURRICULARES NA PRÁTICA DOCENTE ............. 26 5.1 O papel do professor na mediação do Currículo ...................................................... 29 5.2 Os Quatro Pilares da Educação ............................................................................... 32 5.2.1 Aprender a conhecer ............................................................................................. 32 5.2.2 Aprender a fazer .................................................................................................... 33 5.2.3 Aprender a ser ....................................................................................................... 33 5.3 Uma Breve Introdução Sobre Conhecimento Escolar e Conhecimento não- escolar..................... ....................................................................................................... 34 5.3.1 Algumas Compreensões Sobre Currículos e Conhecimento Escolar ................... 38 6 REFLEXÕES SOBRE CURRÍCULO E AVALIAÇÕES ................................................ 43 3 6.1 Definições de Avaliações ......................................................................................... 44 6.1.1 Avaliação Diagnóstica ........................................................................................... 45 6.1.2 Avaliação Formativa .............................................................................................. 45 6.1.3 Avaliação Mediadora ............................................................................................. 46 6.2 Relação entre Currículo e Avaliação ........................................................................ 49 7 IMPLICAÇÕES DAS TEORIAS CURRICULARES NA ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA.......... ............................................................................................................... 50 7.1 A organização da Escola e sua Gestão ................................................................... 52 8 CURRÍCULO NA LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL NACIONAL ................................... 54 8.1 Currículo e a Legislação na Educação Infantil ......................................................... 55 9 CURRÍCULO E OS DOCUMENTOS OFICIAIS .......................................................... 57 9.1 Diretrizes Curriculares Nacionais ............................................................................. 57 9.1.1 As novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil ................... 59 9.1.2 Currículo e Proposta pedagógica para a Educação Infantil................................... 61 9.1.3 Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica ......................................... 63 9.1.3.1 O Currículo nas Diretrizes para o Ensino Fundamental ..................................... 63 9.1.3.2 A Proposta para o Ensino Fundamental ............................................................. 63 9.1.4 Currículo e Educação inclusiva ............................................................................. 64 9.2 Parâmetros Curriculares Nacionais .......................................................................... 68 9.2.1 Parâmetros Curriculares Nacionais – Ciclo I do Ensino Fundamental ................. 69 9.1.2 Parâmetros Curriculares Nacionais – Ciclo II do Ensino Fundamental ................. 69 9.1.3 Parâmetros Curriculares Nacionais – Ensino Médio ............................................. 70 9.3 Direitos/Expectativas de Aprendizagem ................................................................... 70 10 VIVÊNCIA E ORGANIZAÇÃO DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, OU PROPOSTA PEDAGÓGICA .......................................................................................... 71 4 10.1 Projeto Político Pedagógico – A Identidade da Escola ........................................... 71 11 O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO COMO A UNIDADE NA DIVERSIDADE DO COTIDIANO ESCOLAR ................................................................................................. 74 11.1 Identidade e Diferença numa Perspectiva Educacional .......................................... 74 11.2 Gestão Escolar frente à Diversidade: o Projeto Político Pedagógico como o um aliado.................. ............................................................................................................ 77 11.2.1 Gestão escolar: participação democrática e mudança da prática pedagógica .... 78 12 FORMAS DE ORGANIZAÇÃO CURRICULAR ......................................................... 80 12.1 Análise de diferentes modelos de Organização Curricular ..................................... 81 12.1.1 Outros modelos de organização curricular: ......................................................... 84 13 ALTERNATIVAS DE ORGANIZAÇÃO CURRICULAR .............................................. 84 13.1 Caminhos e alternativas para o Currículo Escolar no Brasil ................................... 84 13.1.1 A experiência da Finlândia .................................................................................. 85 13.1.2 A experiência da Austrália ................................................................................... 85 13.1.3 Pensando as Práticas Curriculares no Brasil ...................................................... 86 13.2 Trabalho Pedagógico por meio de projetos ............................................................ 87 14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 90 5 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Oscursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 6 2 CURRÍCULO E SEU CONCEITO O Currículo é inseparável da cultura. Tanto a teoria educacional tradicional quanto a teoria crítica veem no currículo uma forma institucionalizada de transmitir a cultura de uma sociedade. Sem esquecer que, neste caso, há um envolvimento político, já que, o currículo, assim como a educação, está ligado à política cultural. Todavia, são campos de produção ativa de cultura e, por isso mesmo, passíveis de contestação. Esse encontro entre ideologia e cultura se dá em meio a interações de poder na sociedade (inclusive, naturalmente, na educação). Por isso, o currículo se torna um terreno propício para a transformação ou manutenção das interações de poder e, portanto, nas mudanças sociais. Conforme Moreira e Silva (1997, p. 28), “o currículo é um terreno de produção e de política cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matéria-prima de criação e recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão”. O currículo escolar tem ação direta ou indireta na formação e desenvolvimento do aluno. Assim, é fácil perceber que a ideologia, cultura e poder nele configurados são determinantes no resultado educacional que se produzirá. Deve-se considerar ainda, que o currículo se refere a uma realidade histórica, cultural e socialmente determinada, e se reflete em procedimentos didáticos e administrativos que condicionam sua execução e teorização. Enfim, a preparação de um currículo é um procedimento social, no qual convivem lado a lado os fatores lógicos, epistemológicos, intelectuais e determinantes sociais como poder, interesses, conflitos simbólicos e culturais, propósitos de dominação dirigidos por fatores ligados à classe, raça, etnia e gênero. Sendo uma prática tão complexa, há enfoques diversos e distintos graus de aprofundamento. No entanto, todas as concepções revelam posicionamentos de valor. É natural que seja assim, pois, como todo trabalho pedagógico se fundamenta em pressupostos de natureza filosófica, a escola e o professor tornam evidentes suas visões de mundo, assumindo posturas mais tradicionais ou mais libertadoras no desenvolvimento do currículo. 7 É viável destacar que o currículo constitui o elemento central do projeto pedagógico, ele viabiliza o procedimento de ensino aprendizagem. Contribuindo com esta análise Sacristán (1999, p. 61) afirma que: O currículo é a ligação entre a cultura e a sociedade exterior à escola e à educação; entre o conhecimento e cultura herdados e a aprendizagem dos alunos; entre a teoria (ideias, suposições e aspirações) e a prática possível, dadas determinadas condições. Cabe ainda ressaltar que, é o professor na prática da docência, quem operacionaliza o currículo, ele se concretiza no cotidiano da sala de aula e ainda quem nunca foi professor, mas foi aluno, tem uma grande experiência de currículo, pois o vivenciou em sua plenitude. Os dois posicionamentos quanto a currículo, a pluralidade de significados de currículo e os equívocos com relação à correta interpretação de currículo, mostram como se está ligado a concepções tradicionais, equivocadas ou mesmo superadas acerca do tema. Com frequência, currículo é usado, indiscriminadamente, para designar o programa de uma disciplina, de um curso inteiro, ou num sentido mais amplo, descrito como abrangendo as várias atividades educativas por meio das quais o conteúdo é desenvolvido, bem como os materiais e metodologias utilizadas. Quando se pergunta o que é currículo, não é sobre escolher a definição mais divulgada, mais moderna ou mais aceita pela comunidade científica, mas sim, de se entender currículo como o pensar e o agir a respeito das seguintes questões: • Para que ensinar? • A quem ensinar? • O que ensinar? • Como ensinar? O currículo tem uma especificidade muito particular. Todos os que dele participam e todos os que têm ingerência sobre o currículo, não o fazem de maneira neutra. É sobre uma área impregnada de valores, ideologias, forças, interesses e necessidades e exige, 8 para uma definição mais exata, a explicitação de um quadro de referência filosófica, histórica, política. 2.1 Currículo: Relações de Poder, Ideologia e Cultura Percebemos que a definição do que vem a ser currículo, no campo educacional, varia segundo cada época vivenciada pela sociedade, que o conceito de formação completa do homem por meio de processos educacionais é anterior à sociedade industrial e, portanto, ao marxismo e à Escola Unitária de Gramsci. Estava presente no período dos pensadores renascentista, a preocupação com a formação completa do ser humano. Comenius em Didática Magna recomenda: Importa agora demonstrar que, nas escolas, se deve ensinar tudo a todos. Isto não quer dizer, todavia, que exijamos a todos o conhecimento as ciências e de todas as artes (sobretudo se trata de um conhecimento exato e profundo). E pretendemos apenas que se ensine a todos a conhecer os fundamentos, as razões e os objetivos de todas as coisas principais, das que existem na natureza como das que se fabricam, pois somos colocados no mundo, não somente para que façamos de espectadores, mas também de atores (COMENIUS, 1985, p. 145). Entretanto esta noção de currículo destacado por Comenius deve ser analisada dentro de um contexto histórico e político, diferentemente da discussão de totalidade e omnilateralidade de uma visão mais humanista, em que percebe o homem de maneira ontológica. Daí a relevância de perceber o homem como sujeito do procedimento de organização, construção e modificação da sociedade. Sendo assim para Silva: O currículo é um dos locais privilegiados onde se entrecruzam saber e poder, representação e domínio, discurso e regulação. É também no currículo que se condensam relações de poder que são cruciais para o processo de formação de subjetividades sociais. Em suma, currículo, poder e identidades sociais estão mutuamente implicados. O currículo corporifica relações sociais (SILVA, 1996, p. 23). Assim, o currículo é visto como área de relações de poder, ideologia e cultura. Para que possamos compreender sua relação ideológica, de acordo com Moreira e Silva (1997) pode-se afirmar que esta é a veiculação de ideias que transmitem uma visão do mundo social vinculada aos interesses dos grupos situados em uma posição de 9 vantagem na organização social. É através do currículo que é traduzida a linguagem do mundo social e uma linguagem que representa a classe burguesa. É nos grupos sociais que seus membros se ajudam a assimilar a experiência culturalmente organizada e a converter-se, em membros ativos, adquiridos pela experiência social, historicamente acumulada e culturalmente organizada, isso nos remete a concepção de que o currículo também é inseparável da cultura. O ensaio de Althusser (1983) traz a ideologia e os aparelhos ideológicos do Estado, marcados por um período de forte percepção da questão da ideologia em educação, pois, em uma sociedade capitalista àqueles Aparelhos Ideológicos utiliza-se de instrumentos que mascaram as contradições e contribuem para que o sujeito se torne alienado. E neste contexto que o pensamento entre ideologia e cultura se dá em meio a relações de poder na sociedade, daí a relevância de um processo educacional pautado em uma formação mais humanística para que o sujeito possa perceber as contradições inerentes em uma sociedade de classes. É através deum processo educacional que designe atividades onde seus membros adquiram experiências históricas socialmente acumuladas e culturalmente organizadas que podemos pensar em uma sociedade diferenciada. Portanto, o currículo tem ação direta ou indireta na formação de pessoas autônomas, conscientes, capazes de pensar, de interferir na sua realidade, solucionando problemas, sendo imprescindível na transformação ou manutenção das relações de poder e, portanto, nas mudanças sociais. 2.2 Um Breve Histórico do Currículo Segundo Silva (2002) o currículo, como um campo de estudo delimitado, emergiu especialmente nos Estados Unidos, nas primeiras décadas do século XX. As primeiras pesquisas do campo, neste país, foram realizadas em função de proporcionar um melhor planejamento curricular, baseado na eficiência e na racionalização do trabalho escolar. Com influências marcantes da experiência norte-americana, no Brasil, a área do currículo ganhou visibilidade nas décadas de 1960 e 1970, quando especialistas brasileiros elegeram a preocupação com a construção "científica", na escola, de um 10 ambiente que pudesse proporcionar aos educandos possibilidades de instrumentalização para a aquisição de metas pré-definidas. A incorporação desse movimento associado ao pensamento de teóricos americanos, na época, levantou o tecnicismo, nomenclatura utilizada por toda a área educacional para se referir, tanto as práticas pedagógicas quanto ao entendimento de educação. Somente por volta de 1970, é que surgiram, na Inglaterra, e posteriormente, nos Estados Unidos, os estudos críticos do campo curricular. Estes estudos romperam com a visão tecnicista imperante e introduziram conceitos que buscavam compreender e explicar as diversas relações que ocorrem no currículo, assim como os processos de seleção e organização dos conhecimentos escolares. Esta visão crítica dá início, então, a uma discussão sobre a conexão entre a estratificação dos saberes escolares e a estratificação social. No Brasil, somente no final da década de 1980 é que as discussões em torno do currículo focaram sua atenção para a seleção do conhecimento escolar e seus efeitos nos resultados de aprendizagem das crianças brasileiras, influenciadas pelos estudos da teoria crítica de currículo, acontecidas dos Estados Unidos e Inglaterra, principalmente. De certa forma, então, um currículo guarda estreita correspondência com a cultura na qual ele se organizou, de forma que ao analisarmos um determinado currículo, poderemos inferir não só os conteúdos que, explícita ou implicitamente, são vistos como importantes naquela cultura, como, também, de que maneira aquela cultura prioriza alguns conteúdos em detrimento de outros, isto é, podemos inferir quais foram os critérios de escolha que guiaram os professores, administradores e curriculistas que montaram aquele currículo. Esse é o motivo pelo qual o currículo se situa no cruzamento entre a escola e a cultura (VEIGA-NETO, 2002, p.44). Assim, como apresenta Souza (2008), se todo currículo ou programa de estudos opera uma seleção no interior da cultura, daí decorre a importância das escolas como instâncias de preservação da herança cultural de uma época. Dessa forma, ao discutirmos a diversidade cultural, não podemos nos esquecer de pontuar que ela se dá lado a lado com a construção dos processos de identidades. Assim como a diversidade, a identidade, enquanto processo, não é inata. Ela se constrói em determinado contexto histórico, social, político e cultural. Jacques d’Adesky (2001) 11 destaca que a identidade, para se constituir como realidade, pressupõe uma interação. A ideia que um indivíduo faz de si mesmo, é intermediada pelo reconhecimento obtido dos outros em decorrência de sua ação (VEIGA-NETO, 2002, p.44). Tomaz Tadeu da Silva elaborou um mapa dos estudos sobre currículo, desde sua gênese nos anos vinte, onde aparecem três categorias de teorias do currículo, com base nos conceitos que são enfatizados. Que são elas: Teorias Tradicionais Teorias Críticas Teorias Pós – Críticas Mas, para realmente compreender a trajetória histórica do Currículo, é importante destacar quatro fundamentos conceituais: Primeiro Fundamento: O Currículo como produto - onde ele organiza o procedimento de ensino-aprendizagem, é mais geral, estabelecido de cima para baixo, geralmente pelos órgãos e instâncias superiores. Segundo Fundamento: O Currículo como processo – onde compreende-se que o currículo evolui e se transforma de maneira contínua. Terceiro Fundamento: O Currículo como prática – onde compreende -se que não é o mesmo currículo declarado através dos Documentos Legais e o que se efetivamente pratica nas salas de aula. Quarto Fundamento: O Currículo como objeto de estudo e pesquisa – onde o relaciona com outros campos das ciências sociais e humanas, como um objeto de estudo científico. 3 ESTUDO DAS TEORIAS CURRICULARES As teorias relacionadas ao currículo tinham, inicialmente, como questões principais: Qual conhecimento deve ser ensinado? O que os alunos devem saber? Qual 12 conhecimento ou saber é considerado importante ou válido para merecer ser considerado parte do currículo? Respondidas a essas perguntas, houve a preocupação em justificar a escolha por tais conhecimentos e não por outros e o que os alunos devem ser ou se tornar a partir desses conhecimentos. Algumas teorias sobre o currículo apresentam‐se como teorias tradicionais, que pretendem ser neutras, científicas e objetivas, enquanto outras, chamadas teorias críticas e pós‐críticas, argumentam que nenhuma teoria é neutra, científica ou desinteressada, mas que implica relações de poder e demonstra a preocupação com as conexões entre saber, identidade e poder. As diferentes teorias do currículo se diferenciam, inclusive, pela ênfase que dão à natureza da aprendizagem, do conhecimento, da cultura, da sociedade, enfim, à natureza humana. 3.1 Teoria Tradicional do Currículo A proposição clássica busca ser neutra, tendo como fundamental foco reconhecer os objetivos da educação escolarizada, constituir o trabalhador especializado ou entregar à população uma educação universal, acadêmica. Silva (2010) esclarece que essa proposição teve como representante capital Bobbit, que registrou o currículo em um período no qual várias forças políticas, culturais e econômicas buscavam envolver a educação de massas para afiançar que sua ideologia fosse assegurada. Sua sugestão era que a escola trabalhasse como uma empresa industrial ou comercial. Segundo Silva (2010, p.23), [...] de acordo com Bobbit, o sistema educacional deveria começar por estabelecer de forma precisa quais são seus objetivos. Esses objetivos, por sua vez deveriam se basear num exame daquelas habilidades necessárias para exercer com eficiência as ocupações profissionais da vida adulta. O exemplo que Bobbit sugeria era fundamentado na teoria de administração econômica de Taylor e trazia como palavra‐chave a eficiência. O currículo era um ponto de organização e acontecia de maneira mecânica e burocrática. O trabalho dos 13 especialistas em currículo incidia em realizar um levantamento das capacidades, em desenvolver currículos que permitissem que essas capacidades fossem desenvolvidas e, enfim, em esquematizar e preparar instrumentos de medição para descrever com precisão se elas foram aprendidas. Essas ideias entusiasmaram muito a educação, até os anos de 1980, nos EUA e em diversos países, bem como no Brasil. Segundo Silva (2010, p.25), Ralph Tyler consolidou a teoria de Bobbit quando propõe que o desenvolvimento do currículo deve responder a quatro principais questões: que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir; que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidadede alcançar esses propósitos; como organizar eficientemente essas experiências educacionais e como podemos ter certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados. Tyler definiu também como reconhecer ou onde localizar as respostas às perguntas feitas por ele para formar o currículo. Para Tyler, deveriam ser realizadas pesquisas acerca dos próprios aprendizes, acerca da vida moderna fora da educação, bem como conseguir sugestões dos especialistas das diferentes disciplinas. (SILVA, 2010). Contudo, para colher esses dados, as pessoas envolvidas deveriam respeitar a filosofia educacional e social com a qual a escola fosse comprometida, como também a psicologia da aprendizagem. Num pensamento mais progressista, porém conservador, apresenta‐se a teoria de Dewey, na qual surgia mais a preocupação com a democracia do que com o funcionamento da economia. (SILVA, 2010). Essa teoria também achava importante os interesses e às vivências das crianças e jovens. Seu ponto de vista estava mais voltado à prática de ideais democráticos, sendo a escola um espaço para estas experiências. Em sua teoria, Dewey não apresentava tanta preocupação com o preparo para a vida ocupacional adulta. O quesito fundamental das teorias habituais é resumida em: conteúdo, finalidades e ensino deste conteúdo de maneira eficaz para ter a eficiência nos frutos. 14 3.2 Teorias Críticas do Currículo Dentre outros movimentos sociais e culturais que marcaram a época de 1960 globalmente, apareceram as primeiras teorizações interrogando o pensamento e a estrutura educacional habituais, especificamente, aqui, as compreensões sobre o currículo. As hipóteses críticas preocuparam‐se em desenvolver opiniões que permitissem entender, baseado em uma análise marxista, o que o currículo faz. No desenvolvimento dessas opiniões, houve uma ligação entre ideologia e educação. Além disso, diversos pesquisadores elaboraram teorias que foram reconhecidas como críticas e, ainda que possuíssem um pensamento análogo, exibiam suas particularidades. Segundo Silva (2010), Althusser, filósofo da França, fez uma simples referência à educação em suas pesquisas, nas quais apontou que a sociedade capitalista está sujeita a reprodução de suas práticas econômicas para sustentar a sua ideologia. Manteve que a escola é um modo utilizado pelo capitalismo para sustentar sua ideologia, pois alcança toda a população por um tempo prolongado. Por meio do currículo, ainda segundo Althusser, a ideologia predominante transmite seus princípios, através das disciplinas e conteúdo que refletem seus interesses, dos mecanismos seletivos que levam crianças de famílias menos beneficiadas a saírem da escola antes de aprenderem as capacidades próprias das classes predominantes, e por práticas discriminatórias que fazem com que as classes dominadas sejam submissas e obedientes à classe predominante. (SILVA, 2010). Avaliando as interações sociais da escola, Bowles e Gintis, segundo Silva (2010), indicaram uma outra questão para responder àquela de como a escola é reprodutora de um sistema predominante: A escola contribui para esse processo não propriamente através do conteúdo explícito de seu currículo, mas ao espalhar, no seu funcionamento, as relações sociais do local de trabalho. As escolas dirigidas aos trabalhadores subordinados tendem a privilegiar relações sociais nas quais, ao praticar papéis subordinados, os estudantes aprendem a subordinação. Em contraste, as escolas dirigidas aos trabalhadores dos escalões superiores da escala ocupacional tendem a favorecer relações sociais nas quais os estudantes têm a oportunidade de praticar atitudes de comando e autonomia. (SILVA, 2010, p. 33). 15 Podemos entender a prática citada por Silva (2010) no procedimento escolar atual estabelecendo‐se uma relação, sobretudo, entre as escolas particulares e as públicas, inclusive dentro delas, especialmente nas públicas, onde as relações internas beneficiam alunos mais beneficiados economicamente. Dessa forma, as escolas refletem os aspectos necessários para a sociedade capitalista: trabalhadores apropriados a cada necessidade dos locais de trabalho, líderes para cargos de chefia e líderes obedientes e subordinados para os cargos de produção. Segundo Silva (2010), os sociólogos Bourdieu e Jean‐Claude produziram uma crítica sobre a educação um pouco distante das análises marxistas. Em suas pesquisas, propuseram que a reprodução social acontece através da cultura, isto é, acontece na reprodução cultural; que pela transferência da cultura predominante fica assegurada a sua hegemonia; que o que tem valor é a cultura predominante, com os seus ideais, os seus gostos, hábitos e costumes que vem a ser considerados a “cultura”, abandonando‐ se os costumes e ideais das classes dominadas (SILVA, 2010). Aqui, não dizemos que uma ou outra esteja correta ou que somente os valores culturais da classe predominante ou da dominada sejam válidos, já que é preciso avaliar a forma como é trabalhada na escola essa cultura predominante. [...] a escola não atua pela inculcação da cultura dominante às crianças e jovens das classes dominantes, mas, ao contrário, por um mecanismo que acaba por funcionar como mecanismo de exclusão. O currículo da escola está baseado na cultura dominante: ele se expressa na linguagem dominante, ele é transmitido através do código cultural dominante. As crianças das classes dominantes podem facilmente compreender esse código, pois durante toda sua vida elas estiveram imersas, o tempo todo, nesse código. [...] em contraste, para as crianças e jovens das classes dominadas, esse código é simplesmente indecifrável. (SILVA, 2010, p. 35). Assim, a reprodução cultural age como uma educação excludente, extinguindo do processo educacional as crianças de famílias menos beneficiadas que não possuem como entender a linguagem e os processos culturais das classes predominantes. Nesse caso, o resultado acontece da seguinte maneira: as crianças das classes predominantes são bem‐sucedidas e atingem um grau mais alto de escolarização, enquanto as das classes dominadas são excluídas da escola ou somente frequentam até um nível básico da educação. Defendem Moreira e Silva (2001, p. 27) que: 16 Na concepção crítica, não existe uma cultura da sociedade, unitária, homogênea e universalmente aceita e praticada e, por isso, digna de ser transmitida às futuras gerações através do currículo. Em vez disso, a cultura é vista menos como uma coisa e mais como um campo e terreno de luta. Nessa visão, a cultura é o terreno em que se enfrentam diferentes e conflitantes concepções de vida social, é aquilo pelo qual se luta e não aquilo que recebemos. Vendo esta análise, compreendemos que a cultura é tida não como uma soma das distinções herdadas, mas sim, como mais um ponto de desarmonia e distanciamento entre as classes predominante e dominada, competindo, assim, para a exclusão dessa última. Na contramão, vale lembrar que a cultura é edificada no processo educacional e social e não pode ser somente transmitida, visto que os sujeitos que estão envolvidos nesse processo precisam participar desse “espaço de luta”, criando e dando significado aos seus conhecimentos. A reconceptualização foi outro movimento que apresentou a grande insatisfação das pessoas envolvidas com a pesquisa do currículo em relação aos parâmetros impostos por Bobbit e Tyler. Essas pessoas começaram a entender que o currículo não poderia ser percebido simplesmente de maneira burocrática e mecânica, sem interação com as teorias sociais da época, estas que se mostraram, então, ora, críticas, segundo as estruturas políticas e econômicas e a reprodução cultural e social e, ora, apareceram as críticas baseadas em estratégias interpretativas de investigação, como a fenomenologia e a hermenêutica. O destaque das teorias críticas se encontrava nosignificado subjetivo atrelado às experiências pedagógicas e curriculares de cada pessoa, ou seja, observar as experiências diárias sob um olhar profundamente individual e subjetivo, bem como considerar as maneiras pelas quais estudantes e docentes desenvolviam, através de processos de negociação, seus próprios significados do conhecimento. Ainda que tenham buscado identificar tanto as teorias marxistas como as ligadas à fenomenologia com o movimento reconceptualista, os pensadores ligados às ideias marxistas não gostavam dessa identificação devido o caráter estritamente subjetivo de sua teoria. Na perspectiva fenomenológica, o currículo não é, pois, constituído de fatos, nem mesmo de conceitos teóricos e abstratos: o currículo é um local no qual docentes e aprendizes têm a oportunidade de examinar, de forma renovada, aqueles significados da vida cotidiana que se acostumaram a ver como dados naturais. (SILVA, 2010, p. 40). 17 Dentre as teorias de currículos embasadas nas análises sociais de Marx, apareceu uma desenvolvida por Apple, que teve ampla influência na educação. Para Apple, segundo Silva (2010), a escolha que forma o currículo é o fruto de um processo que espelha os interesses particulares das classes e dos grupos predominantes. A questão é tanto somente qual conhecimento é verdadeiro como também qual é visto como verdadeiro e quem o considera verdadeiro. Analisa importante avaliar tanto valores, normas e disposições, quanto os pressupostos ideológicos das disciplinas que compõem o currículo oficial. A escola, além de passar o conhecimento, precisa ser, ainda, produtora de conhecimento. Apple faz uma incisiva crítica à função da escola como simples fornecedora de conhecimentos determinados por interesses predominantes, especialmente valores capitalistas, e interroga o papel do professor nesse procedimento. Consoante Silva (2010), Henry Giroux confiava que as teorias conservadoras, ao se concentrarem em critérios de eficiência e racionalidade burocrática, não consideravam o aspecto histórico, ético e político das ações humanas e sociais e do conhecimento, colaborando, portanto, para a reprodução das desigualdades e das injustiças sociais. Compreende o currículo através dos conceitos de emancipação e libertação. É através de um processo pedagógico que permita às pessoas se tornarem conscientes do papel de controle e poder exercido pelas instituições e pelas estruturas sociais que elas podem se tornar emancipadas ou libertadas de seu poder e controle. (SILVA, 2010, p. 54). É através do currículo e na escola que as crianças precisam exercer práticas democráticas. No processo educacional, elas devem participar, debater e colocar em questão as práticas sociais, políticas e econômicas, avaliando seu contexto e compreendendo seu aspecto de controle. Dessa forma, poderão ter atitudes de emancipação e libertação. Os professores devem ser responsáveis por incentivar este processo, permitindo e estimulando o aluno a participar e questionar, assim como propondo‐lhe questões para reflexão. Os estudantes precisam ter seu espaço para serem ouvidos e terem suas ideias consideradas. Numa pedagogia adversa à pedagogia do colonizador (ou pedagogia do conflito), o educador reassume a sua educação e sua função eminentemente crítica: à contradição 18 (opressor‐oprimido, por exemplo), ele adiciona a consciência da contradição, cria gente insubmissa, desobediente, capaz de admitir a sua autonomia e ajudar na construção de uma sociedade mais livre. (GADOTTI, 1989, p. 53). Silva (2010) confronta a teoria de Giroux ao que diz Gadotti (1989) no que se refere à pedagogia do colonizador contra uma pedagogia do conflito, evidenciando o papel essencial do professor na procura pela formação da consciência de seus alunos para não somente receberem informações, e sim refletirem sobre elas, questioná‐las e se posicionar contra elas se necessário. Silva (2010, p. 55) explica que Giroux vê a pedagogia e o currículo através da noção de ‘política cultural’. O currículo não está simplesmente envolvido com a transmissão de ‘fatos’ e conhecimentos ‘objetivos’. O currículo é um local onde ativamente se produzem e se criam significados sociais. Os significados que Silva (2010) cita estão ligados às relações sociais de poder e desigualdade e precisam ser questionados e contestados. Freire (2003), ainda que não tenha formado uma teoria sobre currículo, levanta essa questão em suas pesquisas. Sua avaliação está mais baseada na filosofia e voltada para o desenvolvimento da educação de adultos em países submissos à ordem mundial. A crítica de Freire (2003) ao currículo está sucinta no conceito de educação bancária, que idealiza o conhecimento como formado por informações e fatos a serem facilmente transferidos do professor para o aluno, constituindo, assim, um gesto de depósito bancário. Freire (2003) também crítica que a educação é simplesmente transmitir o conhecimento, e que o professor tem um papel participativo, enquanto o aluno, de recepção passiva. Freire (2003) sugere um novo conceito de educação problematizadora, onde defende que não há uma separação entre o gesto de conhecer e aquilo que se conhece e que o conhecimento é sempre intencionado, isto é, dirigido para algo. O conhecimento envolve intercomunicação e é através dela que os homens se educam. O autor (id. 2003) idealiza o ato pedagógico como um gesto dialógico e usa, em seus trabalhos, o termo conteúdo programático. Porém, há uma diferença em contraste às teorias clássicas, designadamente na forma como se edificam esse conteúdo. Em sua metodologia, Freire (2003) usa as próprias experiências de seus alunos para definir os conteúdos programáticos, deixando, portanto, o conhecimento significativo 19 para quem aprende. Contudo, não nega o papel dos especialistas para arranjar os temas em formato interdisciplinar. O conteúdo é decidido junto com os educandos e na realidade em que estão localizados. Ele extingue a diferença entre cultura popular e cultura erudita e possibilita que a primeira também seja tida como um conhecimento que legitimamente faz parte do currículo. Conforme Silva (2010), outro movimento crítico em contraste às teorias de currículo aconteceu na Inglaterra, com Michael Young. Essa crítica era fundamentada na sociologia e veio a ser conhecida como Nova Sociologia da Educação. Contrária as outras teorias que traziam como base as críticas sobre as teorias clássicas de educação, a nova sociologia apresentava como alusão a antiga sociologia da educação, que seguia uma tradição de pesquisa empírica sobre os resultados díspares determinados pelo sistema educacional, preocupada especialmente com o fracasso escolar de crianças das classes operárias. Contudo, essas pesquisas baseavam‐se nas variáveis de ingresso, classe social, renda e condição familiar, e nas variáveis de saída, resultado dos testes escolares, sucesso ou fracasso escolar, deixando de averiguar o que ocorria entre esses dois pontos. A Nova Sociologia da Educação apresentava uma preocupação com o processamento de indivíduos, e não do conhecimento. Conforme Silva (2010, p. 66), “A tarefa de uma sociologia do currículo consistiria precisamente em colocar essas categorias em questão, em desnaturalizá‐las, em mostrar seu caráter histórico, social, contingente, arbitrário”. O ponto básico era a vinculação entre currículo e poder, entre a organização do conhecimento e a distribuição de poder. Interrogava por que era conferida mais importância a algumas disciplinas e conhecimentos quanto a outros. Basil Berstein também, segundo Silva (2010), formou sua teoria na linha sociológica, determinando que a educação formal descobre sua realização em três sistemas de mensagens: o currículo, a pedagogia e a avaliação. O currículo determina o que vale como conhecimento; a pedagogia determinao que vale como transmissão do conhecimento; e a avaliação, o que vale como realização desse conhecimento. Sua preocupação estava na organização estrutural do currículo e como os diversos tipos de organização estão unidos a princípios diferentes de poder e controle. 20 Nas pesquisas sobre currículo, entendemos que nem sempre o que acontece no processo pedagógico está explícito nos currículos. Referenciamos o currículo oculto, que não compõe propriamente uma teoria, mas se encontra no dia-a-dia da educação ou da escola. Podemos dizer que abrange processos que estão implícitos na escola, mas que fazem parte do procedimento de ensino‐aprendizagem. Segundo Silva (2010, p.78), “O currículo oculto é constituído por aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazerem parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de maneira subentendida, para aprendizagens sociais relevantes”. Ele se encontra nas relações sociais da escola. São os comportamentos, os valores e as atitudes que compõem o processo da aprendizagem. As experiências na educação escolarizada e seus efeitos são, algumas vezes, desejadas e outras, incontroladas; obedecem a objetivos explícitos ou são expressões de proposição ou objetivos implícitos; são planejados em alguma medida ou são fruto de simples fluir da ação. Algumas são positivas em relação a uma determinada filosofia e projeto educativo e outras nem tanto ou completamente contrárias. (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p. 43). São as ações implícitas que definem o currículo oculto. Estão presentes, mas não estão configuradas no currículo e podem ser tanto positivas quanto negativas. Para as teorias críticas, estas ações comumente ensinam o conformismo, a obediência e o personalismo, isto é, condutas que mantêm a ideologia predominante. Podemos reconhecer os elementos que colaboram para esta aprendizagem no dia-a-dia escolar, nas relações, quando ensinamos regras e regulamentos, na separação entre os mais e menos capazes, na divisão do tempo, na pontualidade, na organização dos espaços e, até mesmo, nas questões de gênero. É preciso desocultar o currículo para perceber o que abrange estas práticas e estes conhecimentos. Devemos compreender o que está por trás dessas ações para podermos modificá‐las, dando‐lhes novas finalidades. 3.3 Teoria Pós – Críticas Podemos iniciar falando sobre as teorias pós‐críticas avaliando o currículo multiculturalista que evidencia a diversidade das configurações culturais do mundo moderno. O multiculturalismo, ainda que considerado um estudo antropológico, mostra 21 que nenhuma cultura pode ser ponderada como superior a outra. Em relação ao currículo, o multiculturalismo surge como movimento contra o currículo universitário clássico que privilegiava a cultura branca, masculina, europeia e heterossexual, isto é, a cultura do grupo social predominante. A partir dessa crítica, houve a suposição de que o currículo também incluísse aspectos de maneiras mais representativas das diferentes culturas dominadas. Assim nasceram duas perspectivas: a liberal ou humanista e a mais crítica. A liberal defende ideias de tolerância, respeito e convivência harmoniosa entre as culturas, enquanto a visão crítica pontua que, dessa maneira, continuariam inabaláveis as relações de poder, em que a cultura predominante faria o papel de possibilitar que outras maneiras culturais possuíssem seu “espaço”. “O multiculturalismo mostra que o grau da desigualdade em matéria de educação e currículo é função de outras dinâmicas, como as de gênero, raça e sexualidade, por exemplo, que não podem ser reduzidas à dinâmica de classe”. (SILVA, 2010, p. 90). As desigualdades geradas dentro do processo escolar não aparecem somente nas relações de poder entre grupos predominantes a partir de questões econômicas, mas também nas diferenças raciais, de sexo e gênero, quando são colocados como predominantes valores, como a superioridade masculina e a branca. As relações de gênero compõem um dos enfoques mais presentes nas teorias pós‐críticas, que interrogam, como já foi dito, não somente as desigualdades de classes sociais. Neste caso, o feminismo surge para questionar o predomínio de uma cultura extremamente patriarcal, onde há uma profunda desigualdade entre ambos os sexos. Primeiramente, a principal questão dizia respeito ao acesso, isto é, o acesso à educação era diferente para ambos os sexos e, dentro do currículo, existia distinções de disciplinas masculinas e femininas. De tal modo, determinadas carreiras eram excepcionalmente masculinas sem que as mulheres pudessem optar por elas. Numa segunda etapa desta análise, foi interrogado que o simples acesso às instituições e conhecimentos tidos como masculinos não satisfazia para o valor feminino ser notado. Segundo Silva (2010, p. 93), “O simples acesso pode tornar as mulheres iguais aos homens ‐ mas num mundo ainda definido pelos homens”. Dessa maneira, a intenção 22 era que os currículos abrangessem as experiências, os interesses, os pensamentos e os conhecimentos femininos, conferindo‐lhes a mesma importância. O currículo oficial estimava a separação entre sujeitos, o domínio e o controle, a racionalidade e a lógica, a ciência e a técnica, o individualismo e a competição, tudo o que espelha as experiências e interesses masculinos. Através de discussões curriculares sobre gênero, buscamos perceber os interesses e valores femininos, como importância das ligações sociais, intuição, artes e estética, comunitarismo e cooperação. O que ansiamos não é usar só uma forma ou outra, mas equilibrar, através do currículo, todos estes interesses e peculiaridades para conseguir um equilíbrio. Os pontos raciais e étnicos também passaram a integrar as teorias pós‐críticas do currículo, após percebida a problemática da identidade étnica e racial. O currículo não pode virar multicultural somente incluindo informações sobre as demais culturas. É necessário considerar as diferenças étnicas e raciais como uma questão histórica e política. É primordial, através do currículo, desconstruir o texto racial, interrogar por que e como valores de determinados grupos étnicos e raciais foram desconsiderados ou diminuídos no desenvolvimento cultural e histórico da humanidade e, pela organização do currículo, promover os mesmos significados e valores a todos os grupos, sem supervalorização de um ou de outro. Sob um olhar pós‐estruturalista que avalia as questões de significado, do que é visto como verdadeiro em termos de conhecimento, os significados são o que são pois foram socialmente assim decididos. Logo, os campos de significação são qualificados por sua indeterminação e por sua conexão com o poder. De tal modo, a ideia de verdade também é protestada e por que algo é considerado verdade. A questão não é, porquanto, saber se algo é verdadeiro, porém saber por que isso tornou-se verdadeiro. A perspectiva pós‐estruturalista deposita dúvida nas atuais e rígidas separações curriculares, além de todo o conhecimento. A teoria pós‐colonial, ao lado do feminismo e do movimento negro, procurou abranger as formas culturais e experiências de grupos sociais discriminados pela identidade europeia predominante. Teve como finalidade estudar as relações de poder entre nações que formam a herança econômica, política e cultural de seus países colonizadores e interrogou as relações de poder e as maneiras de conhecimento pelas 23 quais a posição europeia se mantém privilegiada. Há uma preocupação com as maneiras culturais que estão no centro da sociedade de consumo que determinam novas ideias de imperialismo cultural, sustentando sempre a hegemonia das culturas colonizadoras. 3.4 Um diálogo entre Teoria e Prática Avaliando as teorias curriculares apresentadas, pode-se entender o papel político presente no currículo e que ele não é neutro. Ao avaliar o currículode uma maneira mais objetiva e prática, podemos compreender que ele é de suma importância para a organização da ação pedagógica. Para Gimeno Sacristán (2000, p. 15), “Quando definimos currículo, estamos descrevendo a concretização das funções da própria escola e a forma particular de enfocá‐las num momento histórico e social determinado, para um nível de modalidade de educação, numa trama institucional, etc.” O currículo, então, é um meio através do qual a escola se organiza, propõe os seus caminhos e a direção para a prática. Não podemos imaginar uma escola sem pensar em seu currículo e em seus escopos. Entretanto, não podemos sugerir isto somente de maneira burocrática e mecânica, como trazia a teoria tradicional, mas percebendo todo o contexto em que isto acontece e as consequências na prática pedagógica e na formação do educando. As funções que o currículo cumpre como expressão do projeto de cultura e socialização são realizadas através de seus conteúdos, de seu formato e das práticas que cria em torno de si. Tudo isso se produz ao mesmo tempo: conteúdos (culturais ou intelectuais e formativos), códigos pedagógicos e ações práticas através dos quais se expressam e modelam conteúdos e formas. (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p. 16). De tal modo, para definir os conteúdos, os códigos pedagógicos e as ações em nossos currículos, devemos compreender o que almejamos, que crianças e adultos queremos formar, qual o papel do professor e da escola nesse procedimento, sem nos esquecermos de que o currículo tem sua função social, político e ideológico. Todas as finalidades que se atribuem e são destinadas implícita ou explicitamente à instituição escolar, de socialização, de formação, de segregação ou de integração social, etc., acabam necessariamente tendo um reflexo nos 24 objetivos que orientam todo o currículo, na seleção de componentes do mesmo, desembocam numa divisão especialmente ponderada entre diferentes parcelas curriculares e nas próprias atividades metodológicas às quais dá lugar. Por isso, o interesse pelos problemas relacionados com o currículo não é senão uma consequência da consciência de que é por meio dele que se realizam basicamente as funções da escola como instituição. (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p. 17). Visto que o currículo organiza as funções da escola e os seus elementos espelham seus objetivos, devemos dar a importância devida a esse procedimento e perceber que a escola precisa possuir o seu currículo, não somente como grade curricular, mas compreendendo de forma interligada todas as suas intenções, as quais já foram definidas. Além de reconhecer seu papel essencial, também é preciso constante verificação, análise, interpretação e reelaboração, para mantê‐lo contemporâneo e nele perceber, através da prática, o que estamos reproduzindo ou produzindo, transmitindo ou edificando. O professor deve se reconhecer como participante no processo de elaboração e reelaboração, não se esquecendo de sua função de educador. 4 OS DIVERSOS TIPOS DE CURRÍCULO Como já vimos acima, o currículo constituiu um dos fatores que maior influência possui no quão boa é a aprendizagem. Este aparente consenso esconde um equívoco. Não existe uma noção, mas várias noções de currículo, tantas quantas as perspectivas adotadas. O currículo não é apenas planificação, mas também a prática na qual se estabelece o diálogo entre os agentes sociais, os técnicos, as famílias, os professores e os alunos. O currículo é determinado pelo contexto, e nele adquire diferentes sentidos conforme os diversos protagonistas. Foi a partir de 1960 que pedagogos e outros teóricos da educação acharam conveniente, para fins de análise, distinguir o currículo em três tipos: Currículo Prescrito ou Formal Currículo Real Currículo Oculto 25 4.1 Currículo Formal ou Prescrito O Currículo Formal é também conhecido como Currículo Prescrito, que é o currículo em sua forma mais idealizada. Ele é “Prescrito” porque é pensado fora das especificidades de uma sala de aula, quer dizer, vem antes do contato efetivo entre professores e estudantes. Aparece, por exemplo, nas diversas formas de Diretrizes Curriculares (Nacionais, Estaduais, de Educação Especial, entre outras) e constitui-se de um grupo de conhecimentos que a escola e o sistema de ensino julgam imprescindíveis para os estudantes em determinada disciplina ou em determinado ano escolar (SACRISTÁN, 2000, p. 177). 4.2 Currículo Real O “Currículo Real” é o conjunto de conhecimentos prescritos pelas instituições de educação, ele ganha efetividade no dia a dia da sala de aula, nas relações que se estabelecem entre professores e estudantes, nas particularidades de suas vivências e de suas maneiras de pensar. Ele é composto, por exemplo, de todas aquelas adaptações feitas cotidianamente pelo professor que percebe que um determinado assunto despertou o interesse dos estudantes, ou das estratégias usadas para aproximar a temática de suas realidades. 4.3 Currículo Oculto O “Currículo Oculto” é constituído por todos os saberes que não estão prescritos nas Diretrizes Curriculares, mas que acabam por afetar, positiva ou negativamente, o procedimento de aprendizagem dos conhecimentos escolares. São os conhecimentos obtidos fora da escola, com a família, os amigos, ou até mesmo, no espaço escolar, nas brincadeiras dos corredores, na forma de dispor as carteiras, na maneira de se comportar diante de professores e colegas, entre outras atitudes e formas de organização. 26 5 IMPLICAÇÕES DAS TEORIAS CURRICULARES NA PRÁTICA DOCENTE Há de se refletir sobre a possibilidade de se reformar o pensamento e criticar a fragmentação do ensino. Na perspectiva, a sala de aula é o lugar ideal para se iniciar uma reforma de mentalidade. A educação deve priorizar um pensamento integrador sem deixar de considerar as especificidades de alunos e professores. O professor deve saber dominar competências para resolver os problemas que vão surgindo em sua prática pedagógica e isto acontece quando este desenvolve habilidades cognitivas, ou seja, nós educadores precisamos assumir posturas mais enérgicas e críticas em relação ao que aprendemos e ensinamos. É por isso que consideramos a formação superior uma prioridade (SACRISTÁN, 2000, p. 177). Não é possível pensar o currículo e não considerar que professores precisam se atualizar e a formação é o caminho ideal para isso ocorrer. As reflexões sobre currículo devem fazer parte da formação continuada dos docentes, numa perspectiva de concebê- lo como uma proposição de trabalho colaborativo. Acreditamos que o currículo não deve restringir-se a conteúdos predeterminados. Nesse sentido, nada de conteúdos rígidos, estanques, sem significado. O currículo deve fazer sentido para aluno e professor. A escola é o lugar onde a formação integral do aluno é o mais importante e, nesse sentido, não se constitui como o único lugar de aprendizagem. O currículo precisa possuir uma dimensão libertadora e política. Nessa perspectiva, se traduz em ato libertador, pois possibilita que façamos uma leitura crítica da sociedade atual, considerando as complexas relações de poder que se estabelecem entre dominadores e dominados. Dada essa realidade, o currículo entendido como construção coletiva pressupõe e exige do professor uma postura crítica diante dos acontecimentos. A educação é um gesto político e, portanto, não há educação neutra, ou seja, o professor deve se questionar a todo o momento a quem ele está servindo. Como docentes, somos impelidos a nos certificarmos das nossas intenções curriculares. Dito isto, o currículo pode contribuir para uma educação que seja de fato política, que permita uma leitura criteriosa da sociedade e das complexas relações de poder existentes entre os sujeitos envolvidos no processo educativo. 27 A escola não pode isentar-sede propor novas metodologias de ensino a seus educandos, mas que tais ensinamentos sejam, de fato, significativos e possam dialogar com os conhecimentos trazidos pelos educandos a partir das experiências extramuros da escola. Canário (2006) considera que para a escola pensar sua educação escolar (formal) há de se referenciar na educação não-escolar (não formal). Nessa perspectiva, a escola, debruçando-se sobre o conhecimento dos processos da educação não-formal certamente terá condições de analisar a educação formal, bem como suas situações de aprendizagens. O mesmo autor aponta três razões pelas quais podemos considerar a escola obsoleta. A primeira diz respeito ao monopólio educativo da escola. Detentora desse monopólio, não dialoga com os processos não-formais de educação e assim subestima a capacidade de socialização que outras instituições têm no procedimento de aprendizagem. A segunda razão refere-se à associação que fazemos entre escola e ensino. As escolas ainda estão preocupadas com a lógica do ensino e não focam atenção nos processos de aprendizagem. Isso ocorre porque estamos habituados a pensar na perspectiva do professor como “transmissor” do conhecimento e não nas aprendizagens significativas que emergem das relações estabelecidas em sala de aula. Os educandos são aprendentes e, portanto, autônomos do próprio processo de aprender. Por fim, a terceira razão da “obsoletização” da escola, apontada pelo autor, está nos modos de organização e nos métodos de trabalho que a escola assume. A repetição e a transmissão de conteúdo, sem articulação com as finalidades propostas, conferem à escola uma dinâmica muito próxima da lógica da linha de montagem, onde o conhecimento é transmitido de forma mecânica e sem significado. Considera-se que a escola, concernente às mudanças, necessita inserir-se no contexto social mais amplo e propor novas maneiras de pensar a educação. Em relação ao currículo, cabe aos docentes pensar em como estão trabalhando os conteúdos curriculares em suas salas de aula. É importante que se façam a seguinte pergunta: Estamos dando a devida atenção à realidade da escola e dos alunos, seus históricos de vida, desejos e sonhos? 28 Para um melhor aprendizado, faz-se necessário um currículo que dialogue com a realidade social dos alunos, destacando suas demandas, urgências, modos de ser e aprender. Talvez o desinteresse do aluno esteja associado à questão de a escola não conseguir acompanhar as ferramentas tecnológicas atuais. Muitas vezes as aulas e os conteúdos estão totalmente desconectados de suas reais necessidades. Com isso, não se pode culpar o professor e sim, afirmar que há uma relação desses acontecimentos com a organização curricular e escolar, pois é na escola que o aluno tem contato com o conhecimento, com as discussões, com noções de cidadania e civilidade. Quando nos referimos ao currículo, estamos no campo da disputa de poder, como bem destaca Tomaz Tadeu da Silva (2010), e de referenciais que se constroem considerando o conhecimento hegemônico e determinado a partir de uma única história. A complexidade com a qual tratamos o currículo revela-nos as sutilezas das determinações e conteúdos solidificados que permeiam os discursos e as políticas curriculares em nossa realidade educacional. Implantar um currículo que dê conta do direito à formação básica plena, conforme preconiza a LDBN, exige-nos, portanto, mais que o cumprimento de um marco legal, exige-nos que a educação seja de fato garantida a todos os cidadãos. A educação é direito de todos e dever do Estado (BRASIL, 1988). Um currículo na perspectiva da formação plena deve assegurar o desenvolvimento da capacidade de aprender de cada aluno por meio da leitura e escrita, do domínio das operações básicas, compreensão do ambiente social, da política e da técnica, das artes, da cultura e dos valores, dos vínculos familiares, assim como dos laços de solidariedade e tolerância. Assimilar não somente os conteúdos curriculares específicos de cada componente, mas articulá-los com a vida, para uma formação plena, onde o exercício da autonomia intelectual e do pensamento crítico do aluno esteja em evidência. Conceber o currículo como análise crítica da educação, pressupõe pensá-lo a partir de outras perspectivas e com isso orientar uma reflexão que possibilite confrontar as narrativas hegemônicas com os novos alinhamentos teóricos que surgem das experiências das minorias, ou seja, das culturas e saberes não reconhecidos no campo curricular oficial. Corroborando com Canen (2010), compreendemos o currículo como espaço onde se deva destacar concretamente a variedade de saberes e práticas culturais: 29 [...] ainda que o determinante de classes sociais permaneça na análise curricular, a necessidade de se compreender o currículo como uma seleção cultural impregnada por uma visão de mundo branca, masculina, heterossexual e eurocêntrica passa a ser central em estudos curriculares, que buscam pensar em currículos alternativos, multiculturais. Os currículos alternativos, mencionados pela autora, precisam ser problematizadores de análises críticas relativas aos conteúdos curriculares impostos. Pensar em currículos multiculturais não garante sua efetiva implementação, haja vista que ainda nos deparamos com desafios no campo curricular. A construção teórica dessa área de conhecimento há décadas vem afirmando uma sobreposição dos saberes hegemônicos em detrimento dos saberes das minorias e com isso perpetuado as ideias extremamente conservadoras. 5.1 O papel do professor na mediação do Currículo O currículo como elemento articulador para nortear as propostas pedagógicas na Educação Infantil deve ser pensado nas várias dimensões que fazem parte do processo educativo. Nesse caso, é importante repensar as formas como esse currículo vem sendo articulado nas relações pedagógicas, ou seja, como o professor o vem construindo com as crianças pequenas, porquanto a relação pedagógica é permeada pelas subjetividades entre seus pares. Dessa forma, esse professor precisa ter uma formação sólida que lhe possibilite uma reflexão contínua sob sua ação pedagógica, compreendendo os sentidos e os significados da ação docente. Sabendo que o professor, segundo Sacristán (2000), tem o papel mediador, [...] para que os alunos obtenham resultados e significados concretos, [...] pela significação que atribui ao currículo em geral e ao conhecimento que transmite em particular e pelas atitudes que tem para o conhecimento ou para com uma parcela especializada do mesmo. (SACRISTÁN, 2000, p. 177). Nesse sentido, um dos desafios dos profissionais da educação das instituições de Educação Infantil é compreender como ocorre essa dinâmica das propostas das DCNEI/2009, e compreender como as categorias: criança, currículo, proposta pedagógica, princípios, diversidade cultural, práticas pedagógicas e Educação Infantil se 30 inserem nessa proposta e se entrecruzam nas relações pedagógicas, constituindo o intermédio entre o currículo oculto e o currículo oficial. Nessa perspectiva, é preciso estar atento aos modos como as crianças vão construindo seus saberes e como elas se situam nesses espaços, como pensam e solucionam seus problemas. Também, nesse espaço de construção, é preciso observar as linguagens que são construídas pelas crianças nas mediações com as culturas infantis. No entanto, para que a criança compreenda essa construção, o professor precisa propiciar situações que estimulem esses saberes, colocando a criança no centro da aprendizagem. Para isso, o professor precisa superar a visão de sua prática centrada na sua autoria, dando ênfase agora à autoria do aluno; a questão é não fazer pelo aluno, mas com o aluno, colocando‐o como sujeito dessas construções. Tais posturas adotadas pelos professores irão, portanto, contribuirpara o desenvolvimento das crianças, porquanto é por meio das relações sociais que as crianças vivenciam suas experiências com os professores e outras crianças, e vão construindo, assim, as suas identidades. Destarte, a construção do currículo deve estar articulada à ação docente, pois é a partir dessa interação que serão mediados o conhecimento, as percepções e as emoções dos sujeitos envolvidos nesse processo educativo, que sofre influências dos fatores internos e externos, e que permeiam o procedimento de ensino e de aprendizagem. Essas relações podem agora ser vistas sob outra ótica: a criança é convidada a se fazer presente nessas discussões, pois sendo consideradas como sujeitos de direitos, elas precisam ser ouvidas, escutadas, precisam fazer parte da construção desse currículo. Silva (2013, p. 55), ao citar um dos conceitos trabalhados na obra de Giroux (1997), traz um termo interessante para esta discussão que é a questão da “voz”, que ressalta a importância da construção de um espaço em que os anseios, os desejos e os pensamentos dos estudantes possam ser ouvidos e atendidos. Sendo que para Giroux, a ausência desse espaço dificultará a efetivação do currículo e, consequentemente, pouco contribuirá para uma educação emancipatória. Embora não se referindo especificamente às vozes infantis, o pensamento de Giroux (1997) vem colaborar com os pesquisadores que discutem a questão da educação da infância, sobretudo, em um livro elaborado pelo BRASIL/MEC/2011, que traz como 31 temática a questão: “Deixa eu falar”. O livro, segundo Mumme (2011, p. 3), traz a finalidade de favorecer o diálogo com as crianças. Nesse sentido, para ouvirmos as vozes infantis, faz‐se necessário, como salienta Oliveira (2010), superar alguns desafios para a elaboração curricular, bem como sua efetivação no cotidiano escolar, assim, a proposta pedagógica, [...] deve transcender a prática pedagógica centrada no professor e trabalhe, sobretudo, a sensibilidade deste para uma aproximação real da criança, compreendendo‐ a na opinião dela, e não do adulto. (OLIVEIRA, 2010, p. 6). Enfim, criar e dar vida ao currículo na Educação Infantil requer uma alteração de paradigmas nas relações do professor, pois para efetivar os princípios éticos, políticos e estéticos propostos pelas DCNEI/2009 é preciso sair da condição de autoritarismo para a cooperação de abordagem proposta por Devries e Zan (2004, p. 326): “Faça o que eu digo”, para a proposta: “Vamos trabalhar juntos”. Segundo as autoras, os professores podem melhorar suas ações pedagógicas, desde que se propunham a sair da condição de autoria da ação docente e criar um ambiente cooperativo. Isso implica, segundo Devries e Zan (2004, p. 51), “[...] criar uma atmosfera sócio moral cooperativa, consultando as crianças e dando a elas uma significativa quantidade de poder para determinar o que ocorre em sala de aula”. Além dessa consulta às crianças, o professor deve fazer um questionamento constante sobre as atividades propostas: se as mesmas estão possibilitando a construção da autonomia das crianças. Como o currículo, segundo Devries e Zan (2004), pode ser examinado por meio das ações e das palavras das crianças, sendo assim, pode‐se fazer os seguintes questionamentos: As atividades continuam a despertar o interesse das crianças? O que as crianças estão aprendendo a fazer? Essa proposta de participação ativa dos sujeitos na edificação do currículo, na visão de Sacristán (2000), é um componente fundamental nos processos das deliberações, para que essa não seja uma mera reprodução de decisões e modelações implícitas. Nesse sentido, ainda segundo Sacristán (2000), o professor tem um papel decisivo nessa construção do currículo, visto que ele será o mediador entre o aluno, a 32 cultura e a significação que atribui ao currículo, bem como pelas suas atitudes diante da edificação do conhecimento (SACRISTÁN, 2000, p. 177). 5.2 Os Quatro Pilares da Educação Em 1999, o professor, político e econômico francês Jacques Delors, elaborou um relatório intitulado “Educação: um Tesouro a Descobrir”, que elenca quatro aprendizagens fundamentais para o desenvolvimento cognitivo e social que devem nortear a educação no século XXI. Os quatro pilares da educação são: Aprender a Conhecer Aprender a Fazer Aprender a Conviver Aprender a Ser Esses pilares caracterizam-se por contemplar questões cognitivas, assim como questões do relacionamento humano. Os dois primeiros pilares remetem a questões mais específicas sobre processo de produção de conhecimento, enquanto os outros encerram uma dimensão que está relacionada ao papel do cidadão e a finalidade de viver. Delors (1998) aponta como principal consequência da sociedade do conhecimento a precisão de uma aprendizagem ao longo de toda vida, fundamentada nos quatro pilares. 5.2.1 Aprender a conhecer Esse pilar envolve dominar os instrumentos do conhecimento, e não simplesmente adquirir um grupo de saberes. Significa autonomia para aprender, com uma atitude crítica e atenta: o aprender a pensar e a tirar conclusões. Ao aprender, é necessário ativar a memória de curto prazo de modo diferente, combinando o conhecimento adquirido pela 33 expertise para que o significado seja suficiente para gravar informações na memória de longo prazo. 5.2.2 Aprender a fazer Já o pilar da Educação Aprender a Fazer, envolve saber aplicar os conhecimentos obtidos. Contudo, no mundo moderno, o fazer é cada vez mais imaterial: as atividades rotineiras são executadas por máquinas e computadores. Significa mobilizar as habilidades cognitivas para a capacidade de resolver problemas e atuar de forma competente em situações de incerteza. Aprender a fazer se define como ter a capacidade de fazer escolhas, pensar criticamente e não confiar ou depender apenas de modelos existentes. 5.2.3 Aprender a ser A educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa – espirito, corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, reponsabilidade pessoal e espiritualidade. Todo o ser humano deve receber uma educação que lhe dê ferramentas para o despertar do pensamento crítico e autônomo, assim como para formular seus juízos de valor e ser autônomo intelectualmente. Mais do que nunca a educação parece ter como papel essencial, conferir a todos os seres humanos a liberdade de pensamento, o discernimento, os sentimentos e a imaginação de que necessitam para desenvolver os seus talentos e permanecerem, tanto quanto possível, donos de seus próprios destinos (DELORS, página 81). A diversidade de personalidades, a autonomia e o espirito de iniciativa, até mesmo o gozo pela provocação, são suportes da criatividade e da inovação. O que poderia parecer apenas como uma forma de defesa do indivíduo perante a um sistema alienante ou considerado como hostil, é também por vezes a melhor oportunidade de progresso para as sociedades (DELORS, página 81). Na escola, a arte e a poesia deveriam ocupar um lugar mais importante do que aquele lhes é concedido, em muitos países, por uma espécie de ensino tomado mais utilitarista do que cultural. Além disso, a preocupação em desenvolver a imaginação e a 34 criatividade deveria também revalorizar a cultura oral e os conhecimentos retirados da experiência da criança e do adulto. Esse desenvolvimento do ser humano, que se realiza desde o nascimento até a morte, é um processo dialético que começa pelo conhecimento de si mesmo para se abrir, em seguida, à relação com o outro. Nesse sentido, a educação é, antes de mais nada, uma viagem interior, cujas etapas correspondem à da maturação contínua da personalidade. (DELORS, Jacques 2012 página 82). 5.3 Uma Breve Introdução Sobre Conhecimento Escolar e Conhecimento não- escolar Falar desta temática do conhecimento escolar implica umareflexão acerca da produção de saberes na escola, visto que a escola se forma no “lócus privilegiado de um grupo de atividades que, de maneira metódica, continuada e sistemática, responde pela formação inicial da pessoa, permitindo-lhe posicionar-se frente ao mundo.” (DIAS, 2008 p. 158). Então, segundo argumenta Libâneo (2002), na escola, produzem-se saberes científicos ou não, sistematizados ou não, dirigidos por professores e alunos. Porém, os frutos das pesquisas têm indicado que, geralmente, crianças e jovens terminam suas etapas escolares sem apresentarem grandes avanços da qualidade da aprendizagem escolar, esta que é tão desejada pela sociedade. Diante dessa discussão, novos questionamentos surgem, dentre eles: Seria responsabilidade dos professores originar a qualidade da aprendizagem escolar? Seria, quem sabe, por que a maioria dos pais de estudantes, muitas vezes, com pouca instrução escolar, creem que o importante para seus filhos é saber a ler, escrever e calcular? Esses pais, por essa situação, têm possibilidade de seguir os processos de ensino e aprendizagem dos seus filhos e compreender que a formação escolar vai além dessas três capacidades básicas? Além disso, ressalta-se que é evidente que os pais, frequentemente, desconhecem os problemas que rodeiam o espaço escolar, especialmente no que diz respeito à 35 formação dos professores. Para Libâneo (2002, p.13), “a precariedade da formação profissional dos professores está implicada nos baixos resultados da aprendizagem escolar”. Carências de formação inicial, insuficiência na formação continuada, juntas de um contexto de vários fatos à realidade que abrange a escola hoje derivaram, como assinala Libâneo (2002, p. 14), “num grande contingente de professores mal preparados para as exigências mínimas da profissão (domínio dos conteúdos, sólida cultura geral, domínio dos procedimentos de docência, bom senso pedagógico)”. São preocupantes os problemas referentes à formação de professores, visto que provocam dificuldades em como lidar com as mais variadas situações que estão presentes na escola, além dos reflexos que refletem acerca da prática pedagógica na sala de aula e a interferência à preparação de uma sugestão curricular, por exemplo. É sabido que, neste panorama educacional, predomina uma pedagogia clássica de ensino onde a maioria dos professores não se preocupam em transformar suas disciplinas em saberes pedagógicos e, também, em juntar estes saberes às aplicações sociais, as quais os estudantes estão inclusos. Contudo, segundo aponta Libâneo (2002), a responsabilidade por esses problemas da educação brasileira não é particular do professor. É sabido que esses problemas ocorrem, porém por detrás da queda da qualidade de aprendizagem escolar, existem outros fatores relevantes. Dentre eles, político educacional mal planejadas, baixa remuneração dos professores, insuficiência de infraestrutura das escolas e, especialmente, de condições mínimas de trabalho do professor e outros profissionais da escola. E ainda, a falta de coordenação apropriada e acompanhamento pedagógico dos trabalhos feitos na escola colaboram para agravar esta conjuntura. Diante do apresentado, fica claro que a prática pedagógica nesse contexto, com certeza, intervém e reproduz reflexos expressivos no que diz respeito à constituição do conhecimento escolar pelos estudantes envolvidos nesse processo. Fetzner e Souza (2012, p. 685, apud APPLE, 1989) garantem que se “entendemos os conhecimentos escolares como conhecimentos em disputa”, será mais fácil gerar um debate dos conteúdos desenvolvidos na escola, deixando-os mais significativos no coletivo social. Sendo assim, retomam as capacidades de ler, escrever e calcular como ferramenta do saber para compreender a sociedade e não apenas para seu fim. 36 Deste modo, esses autores avaliam que compreender essas capacidades colabora para a separação entre as questões: O que fazer? Por que fazer? Como fazer? (FETZNER; SOUZA, 2012, p. 685). Sem dúvida, estas perguntas orientam as discussões sobre currículo, suas interações com a didática e, posteriormente, influenciam a aprendizagem. Galian (2011, p. 765), pensar na relevância do conhecimento escolar, argumenta que “à escola cabe transmitir uma seleção desse saber que deveria permitir o uso, a compreensão e o questionamento das informações e dos instrumentos disponíveis na sociedade”. De tal modo, vale ressaltar que “a escola pública faz sentido à medida que consiga realizar seu trabalho específico, de conhecimento e de ampliação de horizontes, de compreensão de mundo. ” (SAMPAIO, 1998, p. 22). Young (2007), ao produzir seu artigo intitulado “Para que servem as escolas? ”, gera uma discussão sobre a distinção entre o conhecimento curricular ou escolar e conhecimento não-escolar, que veremos agora. Quando o autor alude a escolaridade ao termo “transmissão de conhecimento”, atribui à palavra a transmissão de um significado distinto ao que achamos no dicionário, não é apenas a “ação e/ou efeito de transmitir ou comunicar o conhecimento”, pois subentende “o envolvimento ativo do aprendiz no procedimento de obtenção do conhecimento” (YOUNG, 2007, p. 1293). Então, o autor nos leva a pensar que conhecimento cabe à escola transmitir. Que tipo de conhecimento é esse? Qual é o chamado conhecimento escolar? Avaliando que existe um conhecimento através do qual a escola compromete-se em abordar, Young (2007) sugere que, no campo educacional, certos conhecimentos são mais importantes e valem mais do que outros. Caráter esse que tem servido de embasamento para distinguir conhecimento curricular (ou escolar) e conhecimento não- escolar. Para o autor, “existe algo no conhecimento escolar ou curricular que possibilita a aquisição de alguns tipos de conhecimento” (YOUNG, 2007, p. 1294). Ao perguntar sobre “Para que servem as escolas? ”, Young (2007, p. 1294) assegura que “elas capacitam ou podem capacitar jovens a adquirir o conhecimento que, para a maioria deles, não pode ser adquirido em casa ou em sua comunidade, e para adultos, em seus locais de trabalho”. Logo, tal conhecimento, nesse aspecto, adota uma natureza diferente, que é a de conhecimento curricular ou escolar. Esse conhecimento é 37 chamado por Young (2007) de “conhecimento poderoso”, que se menciona ao que o conhecimento realmente tem o poder de realizar, isto é, proporcionar um novo jeito de pensar sobre o mundo. Resumidamente, ainda que muitos pais aceitam e se preocupam com o que seus filhos edificam na escola como capacidades mínimas de leitura, escrita e cálculo, eles não deixam de ambicionar que seus filhos obtenham, segundo com Young (2007), o conhecimento poderoso, conhecimento esse inacessível livremente em casa. Este conhecimento poderoso, ao qual cita Young, torna-se, cada vez mais, particularizado, visto que as escolas buscam transmitir tal conhecimento. As escolas também precisam de professores que tenham se adequado desse conhecimento especializado, caso contrário não poderia dizer que a escola capacita as pessoas a adquirir o conhecimento que não pode ser adquirido fora dela. Conforme Young (2007, p.1295), no processo de apropriação do conhecimento poderoso, as relações que se formam entre professores e alunos exibem algumas especificidades, dentre elas, a diferença das relações entre colegas e, logo, hierárquicas. Diferentemente do que propõem algumas políticas governamentais atuais, elas não serão embasadas em escolhas do aluno, visto que, em diversos casos, o mesmo pode não possuir o conhecimento prévio preciso para realizar essas escolhas. Na contramão, Young esclarece que o fato do estudante não dispor do conhecimento prévio preciso para realizar escolhas, não quer dizer que as escolas não devam considerar a bagagem e o conhecimento acarretado pelos estudantes
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